23/11/2023 - 92ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

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Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 92ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
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A audiência pública de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 8, de 2023, desta Comissão, de minha relatoria e de outros Senadores e Senadoras, para debater o tema "Trabalhadores de Aplicativos e Relação Trabalhista", como parte do ciclo de debates sobre a SUG 12, de 2018, que institui o Estatuto do Trabalho e regulamenta os arts. 7º a 11 da Constituição Federal.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Como de praxe farei uma rápida introdução ao tema. Senhoras e senhores, um tema que está em evidência hoje, no país e em nível global, é a regulamentação do trabalho por aplicativo. A motivação para esta iniciativa surgiu a partir de um debate envolvendo plataformas digitais e entregadores e motoristas em uma mesa tripartite, criada inclusive pelo Ministério do Trabalho e Emprego, coordenado e dirigido pelo Ministro Luiz Marinho.
O Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse ainda, esta semana, à imprensa que está otimista para um acordo de regulação de trabalho com empresas de aplicativo de transporte de passageiros, como Uber e 99. Conforme o Ministro, a base de um projeto de lei que regulamente a atuação dessas companhias está próxima, restando os últimos detalhes a serem acertados, e será remetida ao Congresso Nacional. Aqui existe uma série de projetos também, já apresentados, um de minha autoria, outro do Senador Jaques Wagner. Isso, no Senado, mas existem outros também na Câmara.
O objetivo da regulamentação é estabelecer diretrizes em quatro áreas cruciais: remuneração mínima, seguridade social, segurança no trabalho, transparência nos pagamentos, bem como nos critérios dos algoritmos.
De acordo com o resultado de uma pesquisa chamada "Futuro do trabalho por aplicativo", conduzida pelo Instituto DataFolha e financiada pelas empresas Uber e iFood, é notável que 51% dos trabalhadores que atuam nesse setor dependem exclusivamente desse trabalho como fonte de renda, enquanto 14% do restante dos entrevistados afirmam também que esse tipo de trabalho é a principal fonte de renda, mesmo diante de outras ocupações.
Um aspecto importante a ser destacado é que o trabalho em plataformas digitais não é verdadeiramente autônomo, já que os algoritmos determinam os valores e as condições das atividades.
Cerca de 89% dos entrevistados concordam que é essencial garantir direitos e benefícios para esses trabalhadores, desde que não se afete a flexibilidade, ou seja, desde que eles possam continuar trabalhando de acordo com a sua disponibilidade e escolha de plataforma, sem a necessidade de agendamento obrigatório ou comunicação estrita com as empresas.
A questão da regulamentação do trabalho pelo aplicativo também está sendo debatida no âmbito legislativo, aqui, no Estatuto do Trabalho, SUG 12, de 2018, da qual sou Relator. Essa proposta está tramitando na Comissão de Direitos Humanos do Senado, com minha relatoria. As discussões nos tribunais do trabalho são divergentes, com algumas decisões reconhecendo o vínculo empregatício e outras negando essa possibilidade.
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O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado contra o reconhecimento do vínculo, embora ainda não tenha havido uma decisão com repercussão geral. Por isso, é fundamental, mais do que nunca, uma regulamentação em lei e esta Casa tem essa obrigação, o Congresso Nacional. A Procuradoria-Geral da República também defende a necessidade de se uniformizar a jurisprudência em relação a essas reivindicações.
Até o momento, já foram registrados mais de 780 mil ações envolvendo pedido de reconhecimento do vínculo empregatício desde 2019. O Brasil, conforme pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), tem hoje mais de 1,6 milhão de pessoas trabalhando como motoristas ou entregadores de aplicativos. No que diz respeito ao horário de trabalho, o estudo calculou a média semanal de horas dedicadas. Alguns indivíduos se dedicam inteiramente aos aplicativos, enquanto outros os utilizam para aumentar os seus ganhos. Em média, os motoristas trabalham de 22 a 31 horas por semana, repito, em média, os motoristas trabalham de 22 a 31 horas por semana, enquanto que os entregadores costumam dedicar de 13 a 17 horas semanais ao trabalho. Enfim, aqui são somente alguns dados para suscitar o debate com os nossos painelistas convidados, que são conhecedores do tema.
De imediato, eu vou formatar a primeira mesa. Na primeira mesa, convido um ex-Consultor da Casa... Eu falo com muito orgulho, porque no concurso ele foi um dos mais bem colocados. Disso me lembro, porque ele foi meu Chefe de Gabinete - com muito orgulho! - na Constituinte. Depois ele foi requisitado pelo Presidente Lula para que fosse assessorar a Bancada do PT, quando me senti contemplado, porque eu era dessa bancada.
Convido, então, o Dr. José Pinto da Mota Filho, Advogado que tem uma história muito bonita aí na defesa dos trabalhadores e das trabalhadoras. Então, o nosso cumprimento ao Dr. José Pinto aí. Seja bem-vindo! Esta Casa sempre será a sua casa, por ter sido Consultor de todos os 81 Senadores. (Palmas.)
Convido o Exmo. Sr. Juiz do Trabalho Gilberto Augusto Leitão Martins, que tem um currículo que, se eu fosse lê-lo aqui, precisaria de uma meia hora e não posso fazer isso. Então, ficam aqui registradas a presença e a nossa alegria de o senhor estar, aqui, conosco, hoje. (Palmas.)
Teremos outros convidados, inclusive alguns de forma virtual. (Pausa.)
Vamos, de imediato...
A partir da participação do primeiro painelista, eu farei uma leitura aqui de algumas perguntas que já chegaram pelo e-Cidadania, o.k.? (Pausa.)
Está bem.
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - ... sindicato e, enquanto eles não se entenderem, nenhum fala. Mas essas coisas são do movimento sindical, que vocês conhecem. Eu falo com tranquilidade que é normal isso, quando há um litígio entre as forças que estão naquela entidade.
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De imediato, Dr. José Pinto da Mota Filho, por favor, a palavra é sua por dez minutos e, se necessário, por mais cinco.
O SR. JOSÉ PINTO DA MOTA FILHO (Para expor.) - Boa tarde a todos. É uma satisfação, Senador Paulo Paim, que é o Presidente da CDH. Agradeço o convite de V. Exa. para participar desta audiência pública e cumprimento também o Dr. Gilberto aqui, satisfação, como juiz do trabalho reconhecido pelo seu trabalho na 10ª Região, meus cumprimentos.
Eu acho que esse tema é um tema bastante candente na nossa sociedade, especialmente no mundo do trabalho, e vem sendo debatido não apenas aqui no Brasil, mas em várias partes do mundo, e nós temos várias experiências e várias formatações também em relação à forma de trabalho desses trabalhadores que estão vinculados a plataformas, sejam plataformas de mobilidade urbana, sejam aquelas plataformas também de entrega de mercadorias, de produtos e serviços.
Então, esta é uma indagação muito grande. Nós fomos procurados por várias entidades sindicais e sugerimos também que procurassem V. Exa., que é o grande especialista aqui no Congresso Nacional, nessa área de trabalho e previdência social, e em outros temas também, para que o Congresso Nacional, a partir do protagonismo de V. Exa., possa trazer este debate para o cerne do Congresso Nacional e aqui, de uma forma democrática e participativa, fazer a mediação de todos esses interesses que estão envolvidos nessa discussão.
Não é uma tarefa fácil, e acredito também que não é uma tarefa que será concluída de uma única vez, até porque, no mundo tecnológico, nós observamos alterações constantes na forma de prestação dos serviços, na forma como as pessoas se movimentam e se mobilizam. Antes da pandemia, nós não tínhamos quase o trabalho de home office. Hoje, ele se tornou uma realidade e isso impactou muito a mobilidade urbana e, por consequência, também todos esses serviços que envolvem essas atividades.
Eu, Senador Paim, trabalhei 26 anos aqui no Congresso Nacional como Consultor Legislativo na área de trabalho e previdência. Então, nós estamos acostumados, aqui no Congresso Nacional, a ouvir as partes e a ir compondo aqueles interesses. Então, eu acredito que o grande desafio desta audiência para todos os Parlamentares que estão aqui presentes, seja aqui de forma presencial, ou de forma remota pelos aplicativos aqui de TV Senado, Rádio Senado e outras modalidades, é iniciarmos também essa discussão no âmbito do Congresso Nacional, porque, mesmo uma proposta que venha mais bem trabalhada, no âmbito do Poder Executivo, vai enfrentar, aqui no Congresso Nacional, apoios, resistências, coincidências e divergências muito grandes. Então, esse cenário do Congresso sempre é o cenário mais adequado para esse tipo de composição política e dos interesses.
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Eu gostaria de deixar claro que, pessoalmente - e acredito que o nosso magistrado do trabalho talvez caminhe nessa direção -, não resta dúvida de que a natureza da prestação do serviço dos motoristas de aplicativo é de uma relação de trabalho que só não é reconhecida de uma forma efetiva, eu atribuo a isso, por falta de uma regulamentação do Congresso Nacional. Infelizmente, nós sabemos - não é a nossa posição e acredito que não seja a posição do Senador Paim também - que o Supremo Tribunal Federal afastou da Justiça do Trabalho a competência para jurisdicionar esses conflitos e esses interesses. Isso de uma forma mais recente.
Então, são inúmeros os desafios que nós temos a enfrentar neste cenário e, evidentemente, um deles - talvez seja um dos primeiros, ou o primeiro, quem sabe - é trazer de volta para a Justiça do Trabalho a competência para mediar, conciliar e julgar esses conflitos, porque a atividade profissional é reconhecida. E há necessidade, evidentemente, de se estabelecerem os parâmetros. Às vezes, as pessoas acham que um juiz do trabalho só está lá para, vamos dizer assim, dar um canetaço a favor de um ou de outro, mas, não, a principal tarefa da Justiça do Trabalho é a mediação e a conciliação, é tentar aproximar os interesses e encontrar o melhor caminho que acomode todas essas situações.
Eu gostaria de colocar as seguintes questões: em relação a este tipo de trabalho, nós devemos considerar que nós temos aí inúmeros atores envolvidos nessa questão dos trabalhos de plataformas. Nós temos as plataformas; nós temos os prestadores de serviço, que são os motoristas; nós temos os usuários, que são aqueles que demandam esse serviço; nós temos o Estado, que é chamado a regulamentar isso de uma forma ou de outra; e nós temos aqueles que eu digo que são o quinto elemento, que são os terceiros impactados. Os terceiros impactados são, por exemplo, os motoristas de táxi, que têm uma atividade regulamentada, que desempenhavam a sua atividade e têm uma tarifa fixa, não têm como competir, por exemplo, com o Uber, porque o município estabelece ali uma tarifa, eles são permissionários de um serviço público e não têm como alterar essa realidade. Então, eles foram bastante impactados por isso.
O transporte coletivo, também foi fortemente impactado. Inclusive, na capital do estado de V. Exa., Porto Alegre, nós temos uma diminuição da demanda do transporte coletivo da ordem de 27%. E o que isso ocasiona? Isso impacta economicamente os estados e os municípios, fundamentalmente os municípios, porque os municípios são chamados a subsidiar ainda mais o preço da tarifa pública de transporte coletivo, porque diminuiu o número de passageiros. Claro que não é só pelo impacto da prestação de serviços do Uber, mas outros fatores, mas isso também impacta e bastante. Se nós temos 1,6 milhão de motoristas de Uber andando para cima e para baixo, evidentemente que isso tem um impacto. Aqui no Distrito Federal, recentemente, coisa de uma semana atrás, as empresas de ônibus vieram pedir ao Governador que aumentasse o subsídio que, hoje, o Governo do Distrito Federal concede a essas concessionárias aqui do transporte coletivo, especialmente os de ônibus, porque eles estavam tendo também queda de passageiros. Então, nós temos esses impactos, digamos assim, negativos.
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Evidentemente que tem alguns impactos positivos também para os estados e municípios, que é o aumento da arrecadação, porque estão consumindo combustível, estão dando manutenção nos carros, então, isso tem um impacto, mas, se fizer uma aproximação...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ PINTO DA MOTA FILHO - ... das contas, vai se ver que o estado perde mais do que ganha nessa situação.
Eu vou concluir para já deixar essa situação mais bem resolvida.
Mas eu gostaria de... Aqui não dá para a gente se alongar muito em detalhes em relação a essa questão, mas, se pudesse deixar aqui uma sugestão - e, talvez, uma entre as muitas que aqui serão trazidas -, que acho que é talvez mais importante do que aquela, inclusive, que discute a relação do trabalho, diria que é a proteção previdenciária desses trabalhadores.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Muito bem!
O SR. JOSÉ PINTO DA MOTA FILHO - Não é possível que trabalhadores que desenvolvem essa atividade não tenham nenhuma proteção previdenciária. Não há uma contribuição para o sistema por parte das plataformas.
Então, vocês imaginem o seguinte: nós... O senhor, aqui, faz diversas audiências buscando a igualdade do trabalho do homem e da mulher. Aí, você tem uma mulher que é motorista de Uber, ela fica grávida e tem que tirar uma licença-gestante. Muitas vezes, vai lá, fica uma semana com o bebê, vai fazer o serviço e volta para amamentar. Quer dizer, não tem sequer um salário-maternidade para cobrir esse período de licença-maternidade.
Se a pessoa tem... E não é um caso, mas vários casos em que, se a pessoa adoece por qualquer motivo, não tem direito a um auxílio-doença; e também, evidentemente, não tem direito à aposentadoria; não tem direito a um auxílio-acidente, se se acidentar, se o carro for vitimado por uma colisão ou se envolver em qualquer outra coisa.
Então, vamos dizer assim, se nós tivéssemos que começar por algum lugar, até porque, para discutir a relação do trabalho, vai se exigir um pouco mais de tempo, mas pelo simples fato de nós termos uma atividade econômica que se estabeleceu e, em função dela, uma atividade profissional, nós precisamos ter aí a proteção previdenciária e que ela possa, inclusive, considerada aí a autonomia - o nosso magistrado sabe bem - do direito previdenciário em relação ao direito do trabalho, que ela possa, inclusive, ser discutida, deliberada e votada nesta Casa até antes mesmo de a gente concluir, vamos dizer assim, um arranjo melhor sobre essa questão da relação de trabalho.
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Então seria a minha sugestão inicial. Depois, se houver necessidade, a gente aprofunda um pouco mais aí o debate.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. José Pinto da Mota Filho, que foi um dos que provocou essa audiência pública e já sinalizou alguns caminhos no aspecto do direito social, fortalecendo, eu diria, além de outras propostas, o que poderá ser o direito desses trabalhadores à previdência, que eu entendi fundamental. Fundamental.
De imediato, passo a palavra ao Dr. Gilberto Augusto Leitão Martins, Juiz do Trabalho. Mas, antes, convido para a mesa a advogada do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do DF, Dra. Lili de Lima Cruz. (Palmas.)
Convido também o Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do DF, Sr. Marcelo Rodrigues Chaves. (Palmas.)
Nós temos, por videoconferência, a Procuradora do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), a Procuradora Priscila Dibi Schvarcz.
Pergunto se a Dra. Priscila está na tela. (Pausa.)
A SRA. PRISCILA DIBI SCHVARCZ - Estou conectada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., Dra. Priscila, a palavra é sua.
A Dra. Priscila é Procuradora do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A SRA. PRISCILA DIBI SCHVARCZ (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, boa tarde!
Eu agradeço o convite para o MPT estar presente nessa audiência pública que está sendo promovida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal pelo Senador Paulo Paim.
Estou aqui representando a instituição, estou aqui representando o nosso Procurador-Geral do Trabalho, para falar de um tema que nos é tão importante: o tema dos trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas digitais. Ele é objeto de um projeto nacional estratégico no âmbito do MPT, em razão das repercussões e das divergências existentes acerca da matéria.
Então, o primeiro ponto, para não me alongar e ultrapassar o tempo disponibilizado, que eu gostaria de citar é a importância de se definir a classificação dessas empresas. Então existe um movimento grande de que as plataformas digitais sejam caracterizadas como empresas de tecnologia. Essas empresas não ofertam tecnologia. Elas não vendem para os seus clientes, para os usuários desses serviços, softwares ou soluções tecnológicas. Elas ofertam para o público em geral um serviço de transporte de um ponto ao outro ou de uma entrega de uma mercadoria, de um produto, de um local para outro - para a residência do usuário, para o local de trabalho, para qualquer local que seja. Então, essas empresas são empresas de transporte ou são empresas de entrega de mercadorias, não são empresas de tecnologia, que é mais um subterfúgio que vem sendo utilizado para tentar afastar a relação entre a prestação de serviço desses trabalhadores e a atividade principal.
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Eu gostaria de citar um estudo que foi recentemente publicado na Pnad, na última Pnad promovida pelo IBGE. Foi publicado faz mais ou menos 30 dias, foi no dia 25 de outubro de 2023, um módulo inédito de pesquisa da Pnad, trazendo algumas referências para trazer outros dados além daqueles que já foram apresentados pelo Senador Paulo Paim na abertura desta audiência pública.
Através dessa pesquisa que foi realizada pelo IBGE e publicada agora recentemente, percebeu-se um alto grau de dependência dos trabalhadores em relação às plataformas digitais: 97,3% dos motoristas disseram depender das plataformas digitais para sua sobrevivência, subsistência diária. Além disso, 84% dos entregadores também disseram depender das plataformas digitais.
Percebeu-se também que existe um maior número de horas diárias de trabalho prestadas pelos trabalhadores que nós chamamos de plataformizados quando comparados aos trabalhadores que não desempenham atividades dentro de uma plataforma digital. Essa pesquisa constata que os trabalhadores plataformizados desempenham suas atividades por 46 horas semanais como média.
Além disso, há baixa proteção previdenciária desses trabalhadores, aliada à nossa fala inicial, o que chama muito a atenção: apenas 23% dos motoristas possuem vinculação à previdência social, ou seja, contribuem para o INSS, e 22% dos entregadores de mercadorias.
Nesse sentido, nós temos que avaliar essa baixa proteção previdenciária não apenas no contexto de uma gestação, como foi dito, ou da necessidade de um adoecimento de uma cobertura previdenciária, mas esses trabalhadores, sobretudo os entregadores de mercadorias, que desempenham suas atividades em motocicletas, desempenham atividades de risco. Eles estão, então, normalmente, submetidos e com altos dados e graus de acidentalidade nessa atividade. E quem arca com esse custo somos nós, a sociedade. As empresas não possuem nenhuma repercussão, e muito menos a própria previdência, porque esses trabalhadores sequer vinculados a ela estão, formalmente.
Então, além de não ter nenhum tipo de adoção de medidas de prevenção por parte dessas empresas em relação à saúde, à integridade física desses trabalhadores, o que se percebe é exatamente o oposto. São estímulos diários para que se faça um maior número de entregas no curto prazo, no menor prazo possível; se permaneça logado ao sistema o maior número de horas diárias possíveis. Tudo isso contribui, inclusive, para a ocorrência de acidentes de trabalho.
Nós estamos aqui tratando de uma atividade... Qualquer outra que fosse, não estaríamos aqui precisando saber se seria ou não uma relação de emprego. Na visão do MPT e a partir do modelo de gestão, pela forma de prestação de serviços dessas atividades, é inafastável o vínculo de emprego, e não precisaríamos sequer de legislação própria para reconhecer essa característica dessa prestação de serviços.
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O que nos chama atenção é que, se uma padaria de esquina, hoje, quer iniciar as suas atividades no Brasil, opta por iniciar as suas atividades no país, ela tem que cumprir a legislação trabalhista, a tributária, ela tem que obter licenciamentos de operação, tem que cumprir a legislação ambiental... E essas empresas não. Essas empresas, que têm um faturamento bilionário, a partir de artifícios que são criados e trazidos para o público em geral, afastam a incidência da legislação trabalhista por entenderem que uma relação tipicamente de emprego não é uma relação de emprego.
Então, nos chama... E é muito importante que nós possamos de alguma forma analisar, de forma rápida, os requisitos da relação de emprego e por que, na visão geral, digamos assim, não se percebe muitas vezes a presença desses requisitos por parte dos usuários.
Existe, e muitas vezes temos isso dos próprios motoristas e entregadores, uma falsa percepção de autonomia nessa relação. Mas, quando nós analisamos o modelo de prestação desses serviços, o modelo de gestão desse negócio, todos os requisitos estão lá presentes.
Então, por exemplo, quem é o empregador no Brasil, pelo art. 2º, da CLT? Empregador é a empresa que, assumindo os riscos da atividade, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços no âmbito dessa relação.
Todos esses requisitos, quando analisamos em relação à empresa e quanto ao prestador, estão, sim, presentes. A pessoalidade é inafastável nessa relação. O trabalhador precisa fazer um cadastro para iniciar as atividades. Ele não pode passar a sua senha de acesso, o seu usuário do sistema, para outra pessoa. É personalíssimo o acesso à plataforma digital, ainda que seja um outro motorista, digamos assim, que também já tenha cadastro. Toda a análise de pontuação, em relação aos próprios clientes, de acesso a bloqueios e benefícios, acesso a corridas, a promoções, é totalmente pessoalizada, a partir do desempenho desse trabalhador em relação à plataforma digital. O próprio usuário, no momento em que solicita esse serviço, já recebe o nome do trabalhador e a foto do trabalhador. Então, é uma relação, muitas vezes até, mais pessoal do que outras. E nós sequer discutimos a presença da relação de emprego.
Além disso, a própria onerosidade. É evidente que esse trabalhador presta serviços porque está pretendendo a percepção de valores, de remuneração. E o que chama a atenção é quando nós tentamos caracterizar esses trabalhadores como autônomos. Como um autônomo não fixa o preço do seu próprio serviço? Então, é uma das maiores características. O preço do serviço que é ofertado é fixado pela plataforma. O trabalhador não pode dizer: "Não, o combustível teve um aumento, então, nesta semana nós vamos repassar isso ao cliente". Não.
Aliás, o reajuste da tarifa - e a categoria, que está aqui presente, pode até falar muito melhor do que nós sobre isso... Demorou meses e meses para haver algum tipo de repasse em relação a esses ajustes, reajustes, de combustíveis, que impactam diretamente na lucratividade da atividade para os trabalhadores. Então, não existe sequer liberdade para definição do valor da corrida, do valor da entrega, por parte desses trabalhadores.
Além disso, nós temos - e um dos requisitos que mais geram polêmica - a existência ou não de subordinação. Vejam, as plataformas digitais sabem, em tempo real, a posição em que esse trabalhador está, quando ele logou no sistema, qual foi a última corrida que ele fez, onde ele está, em que local ele está fazendo essa corrida, em que momento ou há quanto tempo ele está esperando uma corrida... O controle é muito maior do que em outras atividades em que nós sequer discutimos a existência de relação de emprego. A direção, o controle dessa atividade é absoluto por parte dessas plataformas.
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Os comportamentos que muitas vezes o próprio motorista, o próprio empregador acha que são comportamentos seus, próprios, autônomos, eles são induzidos, eles são sugeridos por parte da plataforma. É o que a gente chama de gamificação agora, no direito do trabalho. Então, existe uma simulação, digamos assim, de ordens que são repassadas. Não é uma ordem direta, não é "vá para tal ponto agora", é "estamos vendo que existe grande demanda na área tal, você não quer se dirigir para lá?". Essa é a forma de comunicação da plataforma. "Estamos vendo que existem muitos chamados, você não quer logar no sistema?". Então, são formas simuladas de apresentação, inclusive, de ordens em relação ao trabalhador, para que ele muitas vezes sequer perceba essa relação a que ele está submetido.
Além disso, todo o trabalho é absolutamente controlado por meio de notas que os usuários do sistema pontuam em relação ao empregador, em relação ao motorista. Então, a partir da nota... e veja, não é nota... Entre a nota 5 e a nota 4,9 existe uma grande diferença de acesso a promoções, a chamados que são encaminhados. Existe uma classificação de cada um desses trabalhadores a partir dessas pontuações que ele acessa dentro do sistema, então existem bloqueios por parte da plataforma, acesso às promoções ou redução do encaminhamento das promoções.
O controle da forma de prestação de serviços é total, é muito maior do que o normal das atividades laborativas no país; e, mesmo assim, nós ficamos pensando: "Como resolver essa questão da falta de norma?". Hoje, o próprio art. 6º, parágrafo único, da CLT já traz norma que regulamenta essa questão. Ele diz que os meios telemáticos ou informativos de controle, de comando, de supervisão equivalem, eles se equiparam aos meios diretos e pessoais para fins de subordinação jurídica. Então, não precisamos sequer de um grande exercício para a caracterização desses trabalhadores como empregados, que são efetivamente o que são.
Nesse ponto, nós entendemos a importância de que essa celeuma que estamos hoje vivenciando seja, de alguma forma, pacificada, porque nós temos um sem número de trabalhadores completamente desprovidos de direitos, completamente desprovidos de proteção previdenciária. Não existe sequer remuneração para o período em que ele fica, muitas vezes por horas, sem receber chamados em relação às plataformas; mas ele está lá, ele está à disposição.
Hoje, as categorias, esses trabalhadores chegam com demandas básicas, e vou citar uma para os senhores: não existem pontos de acolhimento, de estruturação da atividade para viabilizar acesso, por exemplo, a instalações sanitárias por parte desses trabalhadores. Então, ou eles pedem emprestado ou sabe-se lá o que é feito, porque não existem pontos de apoio à realização das atividades, nem sequer isso as empresas bilionárias das plataformas digitais disponibilizam para viabilizar uma prestação de serviços mais adequada à realidade.
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É um ponto que nós, do Ministério Público do Trabalho, entendemos como prioritário hoje, principalmente em razão dessa falta de segurança jurídica que vivenciamos. São decisões conflitantes diariamente que vivenciamos e de que somos informados. Para muitos há reconhecimento de vínculo, para alguns não há, e ficam submetidos a situações distintas em relação a uma mesma situação de fato que precisa sim...
Por isso, parabenizo o Senado Federal, por estar promovendo, no âmbito desta Comissão, uma discussão tão importante que vai impactar milhões e milhões de pessoas, não só os usuários atuais, mas os trabalhadores vinculados atualmente, os futuros trabalhadores, as empresas que concorrem de alguma forma, de forma bastante díspar, que são submetidas a normas distintas com relação a essas plataformas.
Então, acredito que, qualquer que seja o resultado, a pacificação trazida pela segurança jurídica de termos uma previsibilidade do que vai, de alguma forma, gerar a possibilidade de vincular essas atividades, seja, então, organizada, seja tratada, seja previsível, no âmbito dessas relações.
Agradeço a participação e fico à disposição aqui acompanhando e para questionamentos futuros, caso seja necessário.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Procuradora do Trabalho Priscila Dibi Schvarcz, nossos cumprimentos.
Com certeza, temos aqui umas quatro, cinco folhas de perguntas que eu vou submeter aos senhores e às senhoras.
A Procuradora Priscila Dibi falou, com muita clareza e com muita competência - como também o Dr. José Pinto -, do risco da jornada de trabalho exagerada, dos acidentes e do faturamento bilionário das empresas.
Sobre essa questão do combustível, achei o que ela falou interessante. Você tinha aqui também já me alertado que o combustível aumenta e o motorista do Uber tem que botar o combustível, só que ele não pode repassar... É um prejuízo, claro, enorme, mas o debate aqui vai avançar nesse sentido.
Eu passo a palavra, neste momento, ao Juiz do Trabalho - agradeço a sua presença aqui - Gilberto Augusto Leitão Martins por dez minutos com mais cinco.
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS (Para expor.) - Pois não, Senador Paim, a quem cumprimento e, na pessoa, estendo o cumprimento a todos os presentes, àqueles que formam a mesa junto comigo, Marcelo Chaves, Dr. José Pinto, a Dra. Lili, também do Sindicato dos Motoristas de Aplicativo, e a Dra. Priscila Dibi, que fez uma fala muito forte, muito própria do Ministério Público, em defesa da sociedade e em defesa daqueles que hoje se encontram em total desamparo, Senador, e prestam esse serviço de transporte de mercadoria e transporte de pessoas nas nossas cidades.
Agora, antes de chegar a essa situação envolvendo essa figura que se acha, que se quer moderna, mas vai se ver que não é moderna, dessa desregulação, dessa informalidade dessa classe de trabalhadores, eu acho que seria importante, antes, termos uma pequena visão daquilo que é o Direito do Trabalho e daquilo que é a Justiça do Trabalho, que estão intimamente vinculados.
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Eu tenho 30 anos de Juiz do Trabalho, entrei em outubro de 1993, e, nesses 30 anos, o que eu mais tenho assistido é uma tentativa de desprestígio da Justiça do Trabalho e de enfraquecimento do direito do trabalho. Já se tentou extinguir a Justiça do Trabalho, tentou-se extinguir o Tribunal Superior do Trabalho, de todas as formas.
O Senador Paim, que está há muito tempo no Parlamento, acompanha esse tipo de movimentação. E a gente sabe exatamente de onde vem. Vem da classe patronal, vem daqueles que enxergam na Justiça do Trabalho um obstáculo, um impedimento ao que dizem ser empreendimento privado, à livre iniciativa, como se a mão de obra ou o trabalhador não estivesse no centro, na centralidade exatamente dos meios de produção, como se não fosse a mão de obra o principal elemento da força produtiva das empresas. Para que se faz, para que que se realiza uma empresa, para que que se realiza um empreendimento se a mão de obra, se o trabalhador, se o ser humano é tido como custo? Como pode ser custo aquilo que deveria ser a centralidade?
Então, ao longo desses 30 anos, o que a gente assiste é sempre e reiteradamente a tentativas de se retirar da Justiça do Trabalho a competência, o exame de casos envolvendo o vínculo de emprego. Nós, aqui, no país, temos a nossa CLT, que, para o trabalhador, é mais importante que a Constituição; digamos a verdade, para o trabalhador, para a sociedade, e o trabalhador somos todos nós. Não existe ninguém dentro da sociedade que não tenha desejo por se manter. O trabalho é a centralidade, o trabalho é aquilo que existe de principal dentro da nossa sociedade, e a CLT, que foi criada há muitos anos, há décadas - fez agora 80 anos, recentemente -, é, para o trabalhador, para a nossa sociedade, a nossa Constituição maior. É ela que forma o elemento básico das relações de trabalho.
Quando se vai a países... Estivemos, recentemente, no Peru, e lá se observa o que significa um mercado de trabalho sem uma legislação central, sem uma legislação básica como a nossa, que é a CLT. Os desmandos, a situação de plena informalidade... No Peru, dois terços da mão de obra está na informalidade. São cooperativas, são trabalhos considerados de segunda ordem, que não têm do Estado nenhum tipo de reconhecimento; dois terços da mão de obra em um país como o Peru está na total informalidade. E é essa a tentativa que se faz reiteradamente aqui, no nosso país, de levar a essa informalidade. Uma informalidade, diga-se, que não interessa... Diz-se muito que a relação de trabalho é uma relação privada entre o trabalhador e a empresa. Muito bem, é, sim, mas que interessa a toda a sociedade. É o trabalho formal que está por trás das políticas públicas importantes, como é o FGTS, que subsidia a moradia, e como é a previdência social, de uma importância transcendental dentro da sociedade. Imagine que um motorista desse aplicativo se acidente, adoeça. Que tipo de subsídio, que tipo de auxílio ele vai ter se não for da previdência? Não tem. Ele estará completamente à margem da nossa sociedade, à margem das leis de previdência. É essa a importância que se tem.
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Então, a relação de trabalho não é apenas uma relação privada entre a empresa e o empregado. Isso é uma quimera, isso não existe. A relação de trabalho é importante para a nossa sociedade. Ela está na centralidade daquilo que são as políticas públicas do Estado. Então, dizer que cabe porque alguém decidiu por uma relação privada...
E isso não se dá apenas com o motorista de aplicativo. Quando se vai ver, por exemplo, as tentativas são antigas, existe, por exemplo, o trabalho cooperativado já desde 1994, algo que tem sido repetido; colocou-se, inclusive, dentro da CLT uma tentativa de se fugir ao vínculo de emprego, de tornar informal aquela relação de trabalho - é transformar uma relação de trabalho em relação cooperativada. Existe isso, depois, na Lei do Transportador Autônomo, a Lei 11.442, de 2007, que claramente, inclusive, diz que se trata de um contrato civil e que retira da Justiça do Trabalho a competência para o exame desses casos, dizendo que não cabe à Justiça do Trabalho esse tipo de pronunciamento envolvendo o transportador autônomo de carga, que é o motorista; é o motorista que transporta carga pelas nossas estradas, pelas nossas rodovias.
Imagine que uma empresa dessas pode firmar com um motorista, um transportador - um motorista de caminhão, de carreta - um contrato privado e aquilo fica simplesmente fora da legislação trabalhista. Podemos dar como exemplo também a questão envolvendo as franquias: é outra tentativa que se faz. Hoje é muito comum se estabelecer um contrato de trabalho através de franquias: cria-se um MEI, cria-se uma PJ, e, a partir daí, se faz toda uma tentativa de informalizar aquela relação de trabalho.
O nosso Supremo Tribunal, que tem tido um papel importante, um papel relevante na manutenção da nossa democracia - não fosse por ele, talvez não estivéssemos aqui nem falando nesta Comissão de Direitos Humanos, Senador, no Senado -, que teve esse papel importantíssimo na manutenção, na garantia da eleição, tem visto o nosso direito de trabalho, assim eu diria, com muita restrição. São reiteradas as decisões que retiram da Justiça do Trabalho a competência, que paralisam o processo do trabalho quando se discute o vínculo de emprego, esquecendo que existe uma legislação única, existe uma legislação-mãe, uma legislação-padrão, uma Constituição dentro do mundo do trabalho, que é a CLT. A CLT é que diz lá, de forma muito clara, o que é uma empresa e o que é um empregado.
O nosso Supremo Tribunal, infelizmente, tem tido reiteradamente, em reclamações... Usando-se inclusive a figura da ADPF, que foi criada pela Constituição de 1988 para garantir um determinado direito que está dentro da Constituição e foi negado por uma lei ou por um decreto, porque uma ação direta de inconstitucionalidade pode discutir um ato concreto, mas não pode discutir um ato legislativo, uma lei. A ADPF, que é ação por descumprimento de preceito fundamental, existe para assegurar um direito que está dentro da Constituição; um direito. Hoje ela é usada para retirar esses direitos, com todas as vênias.
(Soa a campainha.)
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS - Hoje ela existe para retirar de dentro da Constituição, hoje ela - a ADPF - é usada para retirar, para dizer algo que deveria ser, ao contrário, afirmado pelo Supremo Tribunal. Tem sido essa a luta dentro do direito do trabalho, a luta dentro da Justiça do Trabalho na tentativa de se reafirmar e afirmar a importância do direito do trabalho.
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E não é diferente em relação à questão dos motoristas de aplicativos, dos transportadores de carga, que se quer dizer moderna, mas não é moderna; é uma tentativa antiga, são formas antigas de o capital tentar obter um ganho ainda maior em cima da mão de obra, em cima do trabalhador, são tentativas reiteradas.
Agora vem a discussão, que me parece, com todas as vênias, sem nenhuma razão de ser, se quer inclusive legalizar aquilo que está na informalidade, quando a própria CLT - a Dra. Priscila citou o art. 6º da CLT, que fala nos meios telemáticos, que equivalem ao elemento da subordinação - e a própria 13.467, que foi a reforma trabalhista do Governo Temer e que tantas mazelas trouxe para o direito do trabalho... Eu poderia falar muito delas, como contrato intermitente, contrato por tempo parcial, honorários de sucumbência, o que foi trazido de forma irresponsável para dentro do processo do trabalho. Nesse ponto, eu saúdo o Supremo Tribunal, que consertou, que fez um conserto em relação aos honorários de sucumbência, permitindo... A 13.467 era mais rigorosa que o próprio Processo Civil, não respeitava sequer a concessão da justiça gratuita, mesmo na concessão da justiça gratuita era possível haver desconto, débito em relação aos honorários de sucumbência, quando o Processo Civil garante a justiça gratuita e não permite esse tipo de desconto em relação aos honorários de sucumbência.
Mas a CLT traz um capítulo tratando do teletrabalho, que foi colocado dentro da CLT pela Lei 13.467, em 2017, Senador, que diz com toda clareza - vou ler aqui o art. 75-B: "Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo", porque a CLT caracteriza como trabalho externo aquele que está longe do empregador, mas que não deixa de ser vínculo de emprego, apenas não está submetido aos limites da jornada de trabalho de 44 horas.
Então, na verdade, isso que se faz de discutir uma pretensa legalização é uma forma de se empurrar o caso com a barriga, a verdade é essa, de se levar o caso para frente, de se fazer com que mais e mais se torne, alongando no tempo, uma discussão que, com todas as vênias, não tem o menor cabimento, não tem a menor razão de ser, é totalmente regulada pela CLT.
E não é só o motorista de aplicativo que se submete aos meios telemáticos; os vendedores hoje das grandes corporações, das grandes empresas atacadistas... Hoje já se faz através de meio telemático, ninguém fica mais dentro de uma empresa vendendo produtos, se faz na rua, se faz inclusive com veículo fornecido pela empresa, e ela tem completa ciência de onde se encontra o trabalhador, como é o caso da Uber, como é o caso de todas essas empresas que movimentam aplicativo. Mas, ainda assim, quando se observa o que dizem os grandes executivos dessas empresas de aplicativos, se observa que os ganhos são tão altos, são tão elevados, que eles não se negam, em momento nenhum, a operar com o reconhecimento do vínculo de emprego. Claro, para eles é muito melhor não existir esse tipo de despesa, esse tipo de custo, como se fala; como se o trabalhador, como se o ser humano fosse algo que pudesse ser objeto de troca, de discussão, como se fosse uma mera mercadoria.
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Então, é dessa forma, Senador e todos aqui presentes, que...
(Soa a campainha.)
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS - ... eu concluo a minha fala, dizendo da importância do direito do trabalho, dizendo da necessidade de reafirmarmos, todos os dias, a importância da legislação trabalhista, a importância da CLT e a importância da Justiça do Trabalho.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o Dr. Gilberto Augusto Leitão Martins, Juiz do Trabalho, que defendeu com muita firmeza a Justiça do Trabalho.
Eu sempre tive uma posição muito clara, nunca vacilei nesse tema. Eu me lembro de que, quando eu era sindicalista, eu sempre dizia que a greve não é uma atividade fim; é um meio para conseguir um objetivo, que seria um salário decente, condições de trabalho decentes. E, por inúmeras vezes, eu fui salvo pela Justiça do Trabalho. Estava lá já há uns três, quatro, cinco dias de greve, e não tinha saída. E a moçada já estava meio assustada. Aí eu mesmo procurava a Justiça do Trabalho, que sempre nos atendeu - ou conciliando ou mesmo julgando se fosse necessário.
Então, a Justiça do Trabalho cumpre um papel fundamental, vocês que são especialistas no direito.
Eu me lembro de uma frase que eu ouvi de um dos juízes quando ele decidiu favoravelmente aos trabalhadores. Ele disse: "Nem que tivesse dúvida; na dúvida, pro misero". E deu para o trabalhador o ganho de causa de uma ação com a qual o sindicato tinha entrado.
Eu vou agora passar a palavra para a Dra. Lili de Lima Cruz, Advogada do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do Distrito Federal.
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ (Para expor.) - Muito boa tarde, Senador Paulo Paim, na pessoa de quem eu cumprimento toda a mesa e todos os presentes e a quem eu faço também um agradecimento muito sincero e muito especial por dar voz, no campo dos direitos humanos, dentro dessa temática aqui, à causa do motorista de aplicativo.
Quero fazer um agradecimento especial aqui ao meu mestre, Dr. José Pinto, com quem eu aprendi muito a parte da advocacia previdenciária, da advocacia do trabalhador. Agradeço muito pelo aprendizado. Quero agradecer também ao Marcelo pela confiança de me entregar o direito do motorista de aplicativo para ser aplicado, Excelência. Quero agradecer ao Dr. Gilberto Martins pela atenção, pela humildade, pela disposição de poder estar aqui e falar um pouco dessa forma de trabalho, que parece que é nova, mas realmente não é.
O que me fez trabalhar com o direito do motorista de aplicativo foi ter sido e ser também motorista de aplicativo. Teve uma fase da advocacia um pouco complicada e eu fui trabalhar de motorista. Minha irmã é motorista, falou: "Vamos, mana", bem carioca. E fui. E lá eu vi o que passam os motoristas e as motoristas e eu senti um pouco falta desses pontos de apoio que a Procuradora do Trabalho muito bem trouxe.
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E isso tem tudo a ver com a temática dos direitos humanos, pois são horas e horas dirigindo, a gente não consegue parar. Às vezes, a corrida vem quando eu iria parar para ir ao toalete. Às vezes, pedia favor para ir a um bar, para ir a um restaurante ou até à casa de um passageiro, porque tem passageiro que, muito gentilmente, oferece o toalete, e a gente tem que utilizar, principalmente a mulher, pois isso envolve a saúde da mulher. E não só da mulher, do homem também. A gente está falando de saúde do trato urinário. E foi isso que me levou a trabalhar para essa categoria e a vê-la de uma forma toda especial.
O Marcelo me conheceu nesse aspecto, nessas condições. E ele entendeu que eu conhecia o direito associativo, o direito sindical, tendo trabalhado com o Dr. José Pinto. E estou aí.
O que é eu posso falar do motorista de aplicativo? Eu trouxe uma breve apresentação que está, se eu não me engano, a partir da página... Isso, exatamente aí. Eu vim falar aqui um pouco de como eu tenho enfrentado no Judiciário as questões dos motoristas de aplicativo. Quais são as ações que a gente mais enfrenta lá?
A primeira de todas é a exclusão desses motoristas. São de cinco a seis visitas ao sindicato em que eu atendo esses motoristas. Eles são excluídos de um dia para o outro, ou seja, hoje eu estou aqui com a minha plataforma aberta, acabei de fazer uma viagem e, de repente, a plataforma me diz assim: "Não tenho mais interesse na parceria. Muito obrigado [eles ainda são educados]. Adeus". E aí eu fico assim: se eu alugo um carro, o aluguel vai vencer, o meu IPVA vai vencer; a manutenção do carro chegou, porque eu rodei o carro e tudo mais; enfim, esse motorista fica nessa situação. E quais são as acusações? As acusações são de fraudes genéricas. Aí a gente pede à plataforma, e a plataforma não explica que tipo de fraude esse motorista cometeu. "Você simplesmente infringiu os termos gerais." E, dentro dos termos gerais, você pode ter lá inúmeras situações que poderiam ocorrer. Das mais graves: o assédio, a acusação de assédio. Não estou dizendo que todas são inverídicas, mas isso precisa ser apurado até porque isso é uma falsa acusação de crime - pode haver ou não. Então, isso precisa ser identificado. É preciso identificar o autor desse crime e a vítima. E a plataforma, a despeito de dizer que está protegendo a privacidade desse passageiro ou dessa passageira, oculta essa informação do motorista. Então, assédio, homofobia e racismo são acusações graves. E o motorista precisa se defender. Ele tendo feito ou não tendo feito, ele precisa saber exatamente quem é o seu acusador. As plataformas sonegam essa informação.
E vamos, então, para a nossa realidade no Judiciário. Temos esse fator complicador: não existe... Existe a regulamentação. Foi até o que a Procuradora disse: existe já uma regulamentação, que pode ser aplicada. Temos regulamentação apta. Primeiro, a Constituição Federal: princípio do contraditório e ampla defesa. Ele poderia ser aplicado? Sim. Só que o TJDFT usa uma tese chamada de autonomia da vontade, ou seja, é como se o Dr. José e eu fizéssemos um contrato privado e ele e eu, dentro da minha autonomia, decidíssemos as nossas cláusulas. O Tribunal de Justiça do DF e a maioria dos tribunais de todo o Brasil têm dito assim: "Não, tem autonomia da vontade. Esse motorista pode escolher essas cláusulas". Será que ele pode decidir que cláusula ele altera? Eu acredito que não. E eles também dizem que não se aplica o CDC (Código de Defesa do Consumidor). O STJ disse que a Justiça comum é a Justiça adequada para tratar desse contrato. Então, a gente está numa típica situação de que esse motorista, na Justiça comum, não tem guarida nenhuma.
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Eu fiz uma busca, até para os colegas no nosso grupo jurídico, e eu vi, nos mais recentes julgamentos com uma chave de pesquisa, sete a favor da Uber, todos dizendo da autonomia da vontade, e um apenas favorável ao motorista.
Então, vamos para a realidade da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho tem enfrentado a matéria. Em algumas situações, alguns magistrados consideram que falta legislação - a gente ouviu isso até num evento recente da magistratura. Eu discordo disso porque a CLT se enquadra exatamente como um quebra-cabeça perfeito - muito bem formado, sem faltar peça nenhuma - e há muito mais argumentos para o reconhecimento do vínculo do que para o não reconhecimento.
A gente sabe que existem motoristas que trabalham 14 horas seguidas, às vezes, para uma plataforma só, ou que trabalham em multiplataformas, como a gente diz - ou seja, 99, inDrive, as maiores -, mas existe aquele motorista que tem o típico vínculo trabalhista.
Então, o que a gente tem aqui, em uma comparação? A Justiça comum não reintegra; as plataformas, lá, são plenas em direitos; e os motoristas, com todos os deveres.
A Justiça do Trabalho tem enfrentado essa situação com muita propriedade porque é a Justiça do trabalhador, é a Justiça que sabe dizer esse direito e é a Justiça especializada - não tem como a gente fugir disso.
E, aproveitando que aqui nós estamos sendo vistos e que vamos responder algumas perguntas, eu digo para o motorista de aplicativo que a CLT não é esse bicho de sete cabeças que o motorista imagina. Por quê? A gente precisa entender que a CLT não escraviza; muito pelo contrário, ela regula, simplesmente, uma relação e não tira a autonomia que o motorista acredita ter. Então, motorista de aplicativo que está nos assistindo e que vai nos assistir, a gente diz que a CLT não vai criar uma prisão; ela vai simplesmente dar a você direitos que você hoje não tem.
Então, o Marcelo, na apresentação dele, vai falar um pouco sobre a realidade desse motorista, sobre o que está acontecendo, porque a plataforma investe muito em divulgação, em marketing, e no marketing dela está subliminar a questão de que "você é autônomo", "você é empresário"; mas eu trabalhei como Coordenadora de Políticas Públicas do Sebrae e, no Sebrae, na implementação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, a Lei Complementar 123, eu lembro que a gente fez várias capacitações no Sistema S. E eu lembro que as atividades do microempreendedor individual...
(Soa a campainha.)
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ - ... são aquelas típicas, como a do pipoqueiro - ou seja, ele não tem vínculo, ele decide o local onde vai vender a pipoca -, a daquela pessoa que está lá num... um feirante. Era para formalizar esse tanto de informais que a gente tinha no Brasil.
O motorista não se enquadra nisso. O motorista não é empresário. Ele não tem autonomia, ele não escolhe onde ele vai dirigir, ele não escolhe se ele quer ou não quer ficar na plataforma.
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E sabe, motorista, quando é que você vai entender que você tem direito? Quando a exclusão vier.
Esse motorista muda completamente de ideia quando ele me procura, quando ele é excluído. Então, eu digo para ele assim: "Olha, hoje, para você, é a Justiça do Trabalho. Eu não recomendo a gente entrar com uma ação no Tribunal de Justiça". É a Justiça do Trabalho que tem escutado esse motorista. Ela é que tem dado ouvidos e que sabe entender essa relação. Aí o motorista: "Mas eu não quero". É como aquela criança que diz assim: "Mas eu não quero isso".
Eu também, quando entrei na plataforma, queria ter grandes ganhos. Eu pensava: "Eu tenho minha autonomia. Eu tenho minha filha, eu crio minha filha, eu quero buscá-la na escola. Eu não tenho vinculação de horário. É muito bom".
No início, realmente foi muito bom. O Marcelo vai mostrar aqui para a gente que, no início, era um mar de rosas. Então, esse motorista realmente era parceiro. Ele tinha, sim, um atrativo, um chamariz da Uber, porque de que ela precisa? De que toda plataforma que se integra no sistema da mobilidade urbana precisa? Ela precisa do equilíbrio entre o motorista e o passageiro. Se eu tenho pouco motorista e muito passageiro, o passageiro vai desistir dessa plataforma. Ele vai lá à Google Play, baixa outro aplicativo e fala: "Não, a Uber não está chamando. Eu estou aqui no Plano e estou vendo que tem um motorista lá em Águas Claras, não vou conseguir andar de Uber. Então, não vou na Uber, eu vou pegar uma InDrive". Aí é mercado.
Então, essas plataformas começaram a fazer um atrativo muito grande para esse motorista, dar grandes vantagens. Eu me lembro de pensar: "Ah, só vai descontar 25% de mim? Beleza, está muito bom". Hoje, Excelência, eles estão descontando - isso pela pesquisa Pnad Contínua - entre 25% e 70%. E aí, vão ficar 30% para esse motorista, que vai ter que trocar pneu todo ano, vai precisar fazer a revisão muito mais rápido do que nós que temos nosso carro, que fazemos uma revisão periódica com tempo maior. Há o combustível, que aumenta aí sempre. Então, não é vantagem para esse motorista. E ele não vai trabalhar oito horas diárias, ele não vai ter décimo terceiro, ele não vai ter férias. Nas férias dele, ou ele vai ter um tino empresarial para separar o dinheiro que ele recebe, porque ele acha que recebe muito, não é? Então, nesse período de férias, que ele precisa tirar com a família, ele vai precisar fazer uma reserva para as férias, porque o tempo que ele parar, ele não vai receber.
O que a gente está encontrando aí, na Justiça do Trabalho, é isso.
Então, a gente faz aqui propostas do que pode ser regulamentado, do que pode ser regulado, considerando aí os direitos humanos, já que a temática é essa aqui, para ser tratado aqui nesta Casa.
Fixar a competência da Justiça do Trabalho para o trabalho por aplicativos. Por que é que a gente precisa dizer isso? Porque não está óbvio. O STF já tem decidido algumas situações. Essa ADPF trata inclusive da terceirização. O motorista não é terceirizado, é contratação direta. Então, até a situação de vínculo é diferenciada do que trata essa ADPF, mas o STF tem decidido nesse sentido.
Proibir as exclusões sumárias, de que eu falei. Exigir provas fidedignas das acusações que embasam as exclusões, com prazo para entrega dessa documentação. Eu estou tendo que entrar com habeas data trabalhista. E está dando certo, a Uber está apresentando as informações. A gente está conseguindo algum resultado dentro disso, porque existem casos em que a gente pode pedir vínculo, e outros, não. São várias nuances dentro do trabalho.
Exigir aviso prévio, então, do fim dessas relações, ou seja, em todo contrato que a gente faz, a gente precisa de um aviso prévio, seja privado, seja trabalhista. Então, a gente está pedindo o óbvio, mas é para o óbvio que essa plataforma diz assim: "Não, não tem legislação". E ela ganha essa tese no TJ. E metade ela ganha lá na trabalhista.
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Definir os fatos graves que justifiquem uma exclusão.
Limitar os descontos excessivos e balancear os custos e despesas.
Existem mais de 49 projetos de lei, aqui no Congresso, que limitam os ganhos das plataformas, que não passam, porque como é que o Congresso interfere numa relação privada? Como é que ele vai definir o limite de ganhos de uma empresa? Então, a gente precisa encontrar uma solução para que essa empresa não abocanhe grande parcela dessa viagem, já que ela chama esse motorista de parceiro.
A gente precisa definir um adicional de periculosidade. Os motoboys têm...
(Soa a campainha.)
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ - ... mas o motorista também, e definir, claro, as regras previdenciárias, como o Dr. José falou. Benefícios... Perdão, já terminou? Eu posso... É o último eslaide, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Claro.
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ - Obrigada.
Estabelecer, então, benefícios na aquisição de veículos novos para motoristas que comprovem trabalho contínuo. Não é para todo motorista, porque quem não tem cadastro na plataforma pode cadastrar hoje e, amanhã, conseguir uma isenção de IPI. A gente quer justiça, a gente quer que, realmente, seja esse trabalhador que tenha esse benefício.
Fortalecer, então, os sindicatos para atuar nas convenções coletivas. A gente deixa aqui um registro de que o Sindicato dos Motoristas de Aplicativos ainda não têm a carta sindical. É uma grande reivindicação para a gente poder fazer a nossa representação judicial, extrajudicial, e poder ter os recursos necessários para atuar como representante sindical.
Estabelecer critérios de transparência nos repasses de ganhos.
Limitar a redução de ganho que leva o trabalhador a trabalhar extenuantes horas para garantir ganhos. Ou seja, eles não aumentam a tarifa, aumentam o percentual. Esse motorista faz o quê? Ele trabalha cada vez mais e fica aí um círculo vicioso que a gente está tentando modificar.
O Presidente do sindicato vai falar, então, sobre as questões de ganhos que são muito importantes também.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. (Palmas.)
Dra. Lili de Lima Cruz, advogada do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, que discorreu com brilhantismo sobre a situação desses profissionais que dão a sua vida nessa atividade e que acabam não tendo direito legalizado nenhum.
Uma das questões que o Dr. Gilberto também tinha me falado - a Dra. Lili agora tocou - é que o sindicato não tem ainda a carta sindical. Então, fica já um compromisso aqui desta Comissão de fazer um requerimento e encaminhar para o Ministro Marinho, Luiz Marinho - porque nós temos uma relação excelente com ele, ele tem nos ajudado em todos os temas do mundo do trabalho -, para ele ver que a Comissão de Direitos Humanos também se posiciona favoravelmente a que o sindicato tenha, enfim, a sua carta sindical.
Falando em sindicatos, passamos a palavra de imediato, agora, para o Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do DF, o Líder Marcelo Rodrigues Chaves.
O SR. MARCELO RODRIGUES CHAVES (Para expor.) - Boa tarde a todos. Quero cumprimentar a mesa na pessoa do Senador, o Dr. Gilberto, que já é um parceiro nosso, a Dra. Lili, todos os presentes e a minha princesa que está ali, Senador, minha filha linda.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! (Palmas.)
Apresentada ao Brasil.
O SR. MARCELO RODRIGUES CHAVES - Pronto.
E por falar dessa nossa luta, estou há cinco anos presidindo o Sindmaap. Sei o que passamos, Senador, como trabalhador. Como representante da categoria, eu sei o que a gente sente na pele, qual é o mundo dos trabalhadores por aplicativo.
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Ele vai colocar o eslaide ali. Eu vou mostrar para vocês o que é o dia a dia do trabalhador por aplicativo.
Então, vamos lá.
A profissão de motorista.
O que saber para regulamentar?
A construção da relação do trabalhador e aplicativos.
Esse é um panorama histórico que a gente vai...
Pronto!
Ao motorista, à pessoa, para entrar hoje nas plataformas, o que é necessário? Ter uma habilitação com Exerce Atividade Remunerada, tem que ter um veículo com pelo menos dez anos de uso.
A taxa do aplicativo, ali era um sonho nosso, que era coisa antiga, que era entre 20% e 25%. Hoje, a plataforma, tem corrida em que ela te desconta 60%, 70%. Então, ela passou a ser o seu sócio majoritário sem ter nenhum gasto.
O valor médio - uma coisa pelo que a gente luta, que é o valor médio por corrida e que eu gostaria que as plataformas abraçassem essa nossa causa, pelo que a gente vem sempre lutando - é de R$2 um km rodado. Mas ainda estamos em negociação disso aí no ministério.
O motorista deve ser tratado como parceiro, como no início. Em 2013, quando as plataformas chegaram ao Brasil, nós éramos tratados como parceiros. Na realidade, a gente ganhava sem rodar, porque elas estavam se implementando no país. O que elas te deram no passado, hoje estão te tomando com duas mãos e um pé.
Então, por aí vai.
Vamos botar mais um pouquinho para a frente. (Pausa.)
Eu vou fazer essa comparação para vocês entenderem.
Se você colocar um sapo vivo dentro de uma panela de água fria e começar a esquentá-la, ao chegar ao seu ponto máximo de ebulição, o sapo não irá se mexer. Ele parece não notar que as condições do ambiente estão se alterando e a panela está começando a ferver. Quando ele sente o calor, já é tarde demais.
É o nosso caso do motorista por aplicativo. Ele começa a ignorar os problemas, fica esperando as coisas mudarem, não se une para tentar resolver essas questões com a plataforma.
Então, é com isso que a gente compara. Quando a panela começar a esquentar, já é tarde.
Gostou, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Perfeito.
O SR. MARCELO RODRIGUES CHAVES - Um grande problema que nós temos é o bloqueio. Como a Dra. Lili já explicou, nós temos, em média, por semana, no sindicato, entre quatro e dez motoristas excluídos aleatoriamente. A plataforma fala: "Olha, não o quero mais hoje". Se um passageiro reclama do motorista, mesmo com reclamações infundadas, o que a plataforma faz? Ela deixa de dar ouvido ao trabalhador e vai dar ouvido ao passageiro. Ela devolve o dinheiro da corrida para o passageiro e pune o trabalhador. Ela não quer saber se está ali um pai de família.
Na realidade, eu costumo dizer, Senador, que ninguém vai para atrás de um volante para brincar de dirigir. Se você está ali, é porque você é um profissional, você precisa daquilo.
As longas jornadas são exaustivas para o trabalhador. O motorista trabalha de 14 a 18 horas por dia para ter o mínimo de sustento, porque todo dia ele precisa de um mínimo. Para manter, para bater a sua meta diária, ele gasta entre 20 e 25 litros de combustível diariamente.
Então, isso é um grande problema.
Pronto! Ali já foi. A carteira.
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Aqui são alguns índices de violência que temos. Inclusive, anteontem, eu estava falando no programa do Henrique Chaves, na Record, sobre essa questão de uma quadrilha, que foi presa em Brasília, que assaltava os motoristas com contas fakes. Eu sempre bato nessa tecla na Secretaria Segurança Pública, em Brasília, a respeito das contas fakes. Então, anteontem, foi presa uma quadrilha aqui. Os caras chamavam os motoristas por um aplicativo que não era dele, geralmente em nome de mulheres, e assaltavam os motoristas. Então, ali nós temos vários casos de homicídios, de assaltos, latrocínios...
Eu costumo dizer, Senador, que nós somos a única profissão que é assaltada por delivery. O cara te chama no telefone e te assalta. É fácil, não é?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARCELO RODRIGUES CHAVES - As exclusões sem provas.
É a tecla em que eu sempre bato com as plataformas, como eu já falei com a Uber, já falei com a 99, já falei com a InDrive... A InDrive é a que menos exclui. É muito difícil. O motorista que for excluído do InDrive é porque, realmente, ele é um péssimo profissional. Mas, assim, eu sempre falo com as plataformas essa questão da exclusão. Procurem ouvir o trabalhador antes de excluir o trabalhador. Procurem ouvir: "Vem cá; realmente aconteceu isso? O que aconteceu?". Abra esse precedente para o trabalhador se defender. E isso a gente não consegue ter junto às plataformas, mas nós vamos conseguir mudar.
As consequências dos casos de exclusão.
Olha lá: inadimplemento imediato, contrato de aluguel do carro... Se ele trabalha com aluguel do carro, ele vai atrasar o contrato do aluguel do carro dele; ele vai atrasar a prestação, seguro, plano de dados de internet. Então, a vida do trabalhador vira uma bola de neve de problemas.
Receitas e despesas.
Agora, a gente vai passar para um pouquinho de valores, para vocês entenderem a média - a média! - do que o motorista por aplicativo ganha. Vamos lá!
Ali, a gente está trabalhando em cima de valor líquido semanal. O motorista, por semana, faz, em média, R$556,00 livres. A gente coloca "livre" porque, ali, ele já tirou o custo do combustível, tirou, mais ou menos, o custo dele. Ele não está pensando ali que, lá na frente, vai ter uma manutenção do carro. Isso aí está fora desse nosso orçamento ali.
Então, se formos nos basear em quanto o motorista vai ganhar por hora trabalhada por dia, dá menos do que um salário mínimo. Ele está ganhando R$5,22 por hora. Se você for colocar na ponta do lápis, Doutor, vou lhe falar uma coisa: o motorista desiste de trabalhar, porque ele vai perceber que ele está pagando para trabalhar.
Olha lá: enquanto o salário mínimo nacional - R$1.320 - vai dar, em média, R$330 por semana, R$17.160 por ano e, por dia, R$44. A hora está sendo maior do que a hora trabalhada do motorista por aplicativo. A do motorista por aplicativo está R$5,22; a do salário mínimo está R$5,50. Aí, é para a gente ter uma noção do que é o trabalho por aplicativo. E, detalhe, sem nenhum respeito das plataformas. Isso que é o pior!.
Ali, nós fizemos um comparado por dia. Vamos lá! Quatorze horas trabalhadas, oito horas trabalhadas, mas sendo que 14 horas trabalhadas a R$5,22, enquanto que, para o trabalhador CLT, que ganha um salário mínimo, a hora trabalhada dá R$5,50, R$5,51, não é, Doutora?
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O piso que sugerimos, hoje, líquido, para o motorista por aplicativo, ele tirando todas as suas despesas, o ideal seria pelo menos R$3 mil. Eu acho que seria o suficiente, não o suficiente, mas o digno para o trabalhador poder se sustentar.
Obrigado. Boa tarde. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Marcelo Rodrigues Chaves, líder sindical, Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do DF, que mostrou a situação real do motorista de aplicativo. E quando você coloca R$3 mil, isso é o mínimo do mínimo. Para você trabalhar direto, considerando a carga absurda que eu via, e não tirar R$3 mil por mês, isso é um absurdo. Para ele, para a família dele - não vamos aí computar todos os gastos que ele teve com o carro -, ele tem que tirar no mínimo R$3 mil, que eu acho que não é nenhum pleito muito alto em piso mínimo.
Esses quinze segundos são meus, viu, os que sobraram aqui dele. (Risos.)
Estou dialogando com ela aí. Mas, então, vamos lá agora.
Vamos para o líder também Leonardo Decuzzi, que é Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, nosso Sinait. Leonardo, a palavra é sua.
O SR. LEONARDO DECUZZI (Para expor. Por videoconferência.) - Senador Paim, membros da mesa, todos que nos ouvem, é com muita honra que mais uma vez o Sinait está aqui podendo trazer a sua contribuição. Meu nome é Leonardo, eu falo pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e falo do lugar de fala de quem está no Ministério do Trabalho há 39 anos. Pude presenciar pelo menos o início da terceira revolução tecnológica e agora a quarta revolução tecnológica, em que alguns empregadores e algumas empresas acreditam que é tudo novo.
Eu gostei muito da fala do Sr. Marcelo, que nos antecedeu. Há uma narrativa que permeia o trabalho plataformizado de liberdade, de autoempreendedorismo, de luta pelo trabalhador conseguir o próprio espaço e conseguir a própria renda.
De fato, há um baixo custo de entrada para a empregabilidade via plataformas digitais e, como os economistas colocam, ele ser louvável. O que se traz aqui, Senador Paim, demais membros da mesa e da plateia e todos que nos ouvem: quais são os desafios que nós vamos enfrentar e qual é o contexto dessa informalidade do trabalho plataformizado no Brasil?
Há uma tentativa, é uma tentativa e é uma narrativa que impregna muitas mentes, no sentido de que o trabalho plataformizado é um trabalho livre, feito entre empreendedores, em igualdade de condições, numa economia de compartilhamento, em que as pessoas se colocam para trabalhar e com o fruto do seu esforço pessoal podem conseguir a renda necessária para sobreviver.
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O que nós temos hoje, Senador Paim e demais membros, no trabalho dos motoristas da entrega, e aqui eu vou me ater tão somente às plataformas geolocalizadas de entrega de mercadorias e alimentos e transporte de pessoas: o trabalho plataformizado está se espraiando no Brasil, se coloca no Brasil e no mundo. O que temos é uma narrativa de liberdade, mas o que de fato está em jogo, e o que de fato está em jogo nesta Casa, neste Parlamento, é a subsistência de um direito protetivo do trabalho, a sua manutenção como um direito fundamental ou a sua prescindibilidade em um mercado liberal total, de ampla concorrência entre todos os sujeitos e empresas.
E por que eu digo isso, Senador Paim e demais membros? Porque o que se busca nesta Casa e no nosso país é o trato político, o trato político do direito do trabalhador e, no trato político do direito do trabalhador, está em jogo a promoção do trabalho decente, a redução da informalidade, a proteção social, a saúde e a segurança e, sobretudo, a efetivação da lei, e nós temos hoje uma assimetria de informações muito grande.
Qual é o cenário que nós temos no contexto do trabalho plataformizado no Brasil? Isso é estimado - é estimado por pesquisas acadêmicas e é estimado pelo próprio IBGE -, as estimativas hoje dão em torno de 1,5 milhão pessoas trabalhando em plataformas digitais, dados recentes divulgados pelo IBGE agora, recentemente. Destes, no transporte, armazenamento e correio estariam mais ou menos 77% das pessoas; na entrega de mercadorias, aproximadamente 600 mil pessoas; e no transporte de passageiros, perto de 800 mil pessoas.
Na entrega de mercadorias e de alimentos, vemos em nossas ruas, o tempo todo, trabalhadores sem a menor garantia de direitos, sem as menores condições de trabalho, correndo risco, correndo risco, inclusive, da própria vida. É disso que estamos tratando aqui.
No trabalho de transporte de pessoas... Eu gosto de falar sempre que nós temos entregadores e nós temos motoristas. Motoristas não são motoristas de aplicativo, eu gosto de falar sempre que motoristas são sempre motoristas, com toda a sua responsabilidade e com toda a sua competência técnica, que trabalham para empresas que têm como modelo de negócio uma plataforma digital. E, na verdade, a evolução tecnológica propiciou uma forma de direção desse trabalho que dispensa chefe, capatazes, direção pessoal do trabalho humano, mas essa direção pessoal do trabalho humano existe.
Eu gostei muito da fala do Sr. Marcelo quando ele disse que, se o trabalhador pensar no custo do trabalho dele, quando ele fala no que tira livre, ele tira livre o quê? Ele tira livre na semana a gasolina e, aí, o restante é dele? E a manutenção do carro dele quando é um carro próprio? E a troca do carro futuro? E o aluguel? E a diária que ele paga?
Eu estou colocando isso tudo porque a atividade econômica de transporte ou a necessidade de veículos, ou melhor - vamos entrar no foco disso -, na terceirização de atividades, especialmente a terceirização de atividades fim, quem é mais antigo vai se lembrar certamente de que a terceirização de atividade fim no direito do trabalho brasileiro não é algo novo, não é algo das reformas recentes. É algo que veio na década de 90, do marco civil regulatório da energia elétrica e das telecomunicações. Todos nós nos lembramos, quando houve a privatização, por exemplo, da Telemar, que tinha a sua frota de veículos, de que essa frota de veículos foi leiloada. A Telemar terceirizou toda a sua atividade, só que a empresa que adquiriu precisava de veículos. E o que ela fez? Ela terceirizou a atividade para várias outras empresas. Essas empresas precisavam de uma frota de veículos. Elas contrataram novas frotas de veículos ao adquirir os veículos? Não. Lá atrás elas transferiram para os trabalhadores e passaram a admitir tão somente trabalhadores e instaladores que dirigissem e viessem com os seus próprios carros.
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O que foi discutido ao longo de décadas, e ainda é discutido, é: essa terceirização é legal ou não é legal? Essa remuneração que é paga ao trabalhador pelo custo do seu veículo tem natureza salarial ou não? Lá, em momento nenhum, se discutia se havia relação de emprego ou não. Eles eram empregados. Pegavam as suas tarefas, saíam para instalar de manhã cedo as linhas telefônicas, voltavam ao final do dia, cumpriam as tarefas. E qual a diferença essencial do trabalhador hoje plataformizado, que cumpre as suas tarefas? Porque ele é um trabalhador sob demanda. Se pensarmos, há normatização suficiente para regular o trabalho plataformizado quando esse é dirigido pelas plataformas.
Vamos pensar em um outro exemplo. Se pensarmos num motorista de ônibus, um motorista de ônibus, que conduz 50, 60, 70 pessoas no seu trajeto, é menos regulado do que um trabalhador sob a chuva, com a sua sandália bambolê, com uma bag nas costas, às vezes carregando dois, quatro, seis litros de refrigerante, três ou quatro pizzas, que vem fazer uma entrega de sanduíche na nossa casa. O trabalho dele é muito mais regulado do que o trabalho de um motorista de ônibus, que conduz 50, 60 vidas. Estou trazendo isso aqui porque é matéria de fato. Isso é matéria que não se discute em tese; é matéria de fato que deve ser verificada, seja pela inspeção do trabalho, seja pela Justiça do Trabalho.
O que estou querendo trazer aqui - e isso pode ser extraído dessas discussões do PT -: nós não temos empresários de um lado e empresários do outro lado. Nós temos empresários de um lado e trabalhadores de outro lado. E é inadmissível, em 2023, que ainda haja narrativas de que esse trabalho plataformizado seja um trabalho da sharing economy, da economia de compartilhamento. Nada se compartilha. Isso é modelo de negócio. É modelo de negócio, porque, se não houver uma regulação mínima, vai-se espraiar por todo o cenário.
Qual o empregador neste país que, se puder dizer: "Eu sou algo novo, eu não cumpro a legislação presente", e nada lhe acontece, vai admitir trabalhadores nesse país? Por isso que o desafio que se tem é de redução da informalidade sim e promoção do trabalho decente. E o que está em jogo é o direito protetivo do trabalho.
Eu não vou me estender muito na minha fala, Senador, porque quem fala por último tem o dever de falar pouco. Mas estamos aqui para contribuir, estamos aqui para colaborar. A inspeção do trabalho historicamente e centenariamente rasga o véu de narrativas com seus relatórios e nós podemos colaborar muito.
Muito obrigado, Senador.
Muito obrigado aos presentes. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Sr. Leonardo Decuzzi, parabéns pela fala.
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Logo que começou essa história do trabalho por aplicativo, principalmente Uber - tem outros, mas eu fiquei com a Uber logo que surgiu -, eu dizia: se a moda pegar, vai haver a uberização do mundo do trabalho, que é o melhor investimento do mundo. A pessoa ganha um percentual e não investe nada. É isto: ganha lá R$30, R$40, R$50, conforme o caso, e não investe nada; só recolhe o dinheiro.
Mas vamos em frente.
Agora, pessoal, chegou muita pergunta aqui. Eu vou ler as perguntas e, nas considerações finais de cada um, cada um terá cinco minutos. Serão cinco que vão responder. Cada um escolhe a pergunta que entender mais adequada para a sua resposta ou, se não quiser responder, nós respondemos aqui pela própria Comissão. Por dever de ofício, eu tenho que ler todas as perguntas que chegaram aqui pelo e-Cidadania.
Thales Soffiatti, do Rio Grande do Sul, meu estado, que está debaixo d'água, um desespero total: "[...] é [...] [legal] alijar trabalhadores de aplicativos dos direitos mínimos previstos na Constituição Federal?".
Deu para entender, não é? É sobre tirar dos trabalhadores de aplicativos os direitos mínimos previstos, claro, na Constituição e na CLT, como você colocou muito bem aqui.
Rogério Carpegiane, do Rio Grande do Norte, pergunta quando será implantado o seguro contra acidentes para os motoristas de aplicativos no caso de acontecer um sinistro durante a corrida.
Débora Pereira, de São Paulo: "Quais são as propostas no sentido de superar as condições de precariedade que o trabalho plataformizado tem apresentado?".
Praticamente, todo mundo cobrando. Até agora, foi unanimidade aqui.
Renan Estanislau, do DF: "As pessoas optam pelo aplicativo justamente para fugir da CLT. Cabe ao Governo interferir nessa política?".
Nanda Huluany, de São Paulo: "Quando vocês vão simplificar as coisas e trazer o modelo europeu para o Brasil?".
Vocês podem ir olhando e escolhendo alguma.
Bruno Gianello, do Paraná: "Aplicativos surgiram para serem relações simples de serviço para complemento de renda, não um trabalho fixo [...]".
Já vi que tem comentário aqui para todo gosto.
Jander Martins, do Ceará: "Os aplicativos vieram para facilitar a contratação de serviços, não para destruírem direitos trabalhistas".
Muito bem, Jander.
Guilherme Bonfim, do DF: "Deve haver um mínimo de dignidade aos motoristas, e isso será cumprido se houver maior controle por parte do Governo".
Então, defende uma regulamentação.
Romualdo Passos, de Pernambuco: "A manutenção do carro, de modo geral, em nosso pais, é muito cara. Seria bom reembolso de 50% do valor gasto na manutenção".
Vou passando aqui para comentarem depois.
Ainda há perguntas.
Pablo Luiz, do Rio de Janeiro: "Os trabalhadores [de aplicativos] seriam MEI ou vinculados à CLT? Como seria essa relação?".
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Militão Rodrigues, do Amazonas: "Como a regulamentação proposta protege os direitos trabalhistas dos profissionais de aplicativos sem limitar sua liberdade de escolha?".
Felipe Carmona, do Rio Grande do Sul: "Não se pode tolerar no Brasil que existam categorias com menos direitos, sob pena de afrontar o art. 7º da Constituição Federal".
Eu estava lá, eu fui Constituinte. Concordo totalmente. Escrevemos a Constituição para quê?
Luiz Cláudio, do Rio de Janeiro: "Acredito que a flexibilização do trabalho é benéfica para todos, [sendo] uma forma de emprego bem liberal".
Aqui ele está na linha de que é o liberalismo que interessa, mas eu não vou comentar. Quem vai comentar é vocês.
Maicon Gabriel, do Rio Grande do Sul: "É importante que motoristas de aplicativos tenham direitos, mas obrigar CLT para 100% não é correto! Deveria ser semelhante [às regras] dos taxistas".
Bruno Wagner, de Minas Gerais: "Com toda certeza deve ser formalizado para haver um equilíbrio no mercado de trabalho".
Isaac Novais, da Bahia: "É preciso estabelecer critérios mínimos para enquadrar o [profissional] de aplicativo nas leis trabalhistas".
Pode ver que 90% estão concordando com a fala que a senhora e os senhores fizeram aqui no dia de hoje.
Eu pergunto: quem quer responder primeiro? (Pausa.)
Qual você quer pegar?
Está bem.
Eu já lembro agora que você terá cinco minutos para as respostas e, no fim, as considerações finais.
Depois eu passo para o senhor.
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ (Para expor.) - Vamos... Há algumas perguntas aqui relacionadas a uma fala minha até. Eu acho que eu até respondi, mas vou enfatizar, porque é muito importante.
O motorista por aplicativo tem muito medo da CLT, mas, como eu já havia falado, a CLT tem várias formas, modalidades de trabalho, e não apenas aquela de bater o ponto, ir lá na empresa ou ficar aguardando, trabalhando oito horas diárias, batendo o ponto tal hora, saindo tal hora e cumprindo horário de almoço, como já foi falado aqui pelo auditor do trabalho, por um juiz do trabalho e por uma procuradora do trabalho. Então, o motorista precisa tirar um pouco esse tabu da CLT. A CLT protege o motorista, ela não limita o trabalho do motorista, ela limita o abuso das plataformas.
Aí falam aqui também da questão da flexibilização: "Não, precisamos flexibilizar". Mas a gente tem que pensar no seguinte: muita gente que fala em flexibilização está mais como usuário, está mais como cliente da plataforma do que tendo a empatia de olhar o lado do motorista, pensa muito na funcionalidade dele. Uma vez eu ouvi uma conversa assim: "Ah, mas eu gosto de tomar o meu chopinho. Não pode acabar com a Uber. A Uber não pode ir embora do Brasil". Foi de muita gente que eu já ouvi isso. Realmente, ela é muito boa nesse aspecto. A pessoa quer ir lá tomar uma cervejinha e tudo, voltar sem o risco de tomar multa, mas ela tem que pensar o seguinte: entre o conforto dela, entre ela evitar de tomar uma multa e o desconforto do motorista, o desconforto do trabalhador, o que é que tem que pesar mais? Eu acho que tem que ter um equilíbrio nessa flexibilização.
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Então, assim, realmente é uma funcionalidade muito boa. Eu também pego Uber, é muito bom. Hoje eu vim de carro, então eu peguei trânsito, eu já demorei para estacionar. Então, para mim, o carro... E a gente tem que se preocupar com seguro, com um monte de coisa. Então, seria muito bom se eu só pegasse Uber, seria muito bom. Eu venho batendo papo com os motoristas, converso, pergunto - eles sempre conversam muito com a gente -, pergunto quanto é que é o ganho diário dessa pessoa, troco ideia, falo também do trabalho do sindicato, porque é muito importante que eles saibam que tem um sindicato que está ali para ele. Então, essa flexibilização é muito temerária, na medida em que a pessoa só se enxerga enquanto usuária dessa funcionalidade.
Realmente, é uma plataforma que traz muitas funcionalidades, mas ela não pode ferir o direito do trabalhador. E são muitos trabalhadores que abandonam suas profissões ou são... As profissões não dão mais um lugar para eles e eles vão trabalhar de motorista. Então, ele tem que ter uma dignidade. E essa dignidade aí que o Dr. Felipe Carmona, lá do Rio Grande do Sul... Ele é advogado da Carina, lá do Rio Grande do Sul - um abraço para o Dr. Felipe Carmona -, e ele fala aqui do art. 7º da Constituição, o qual está acima de todo e qualquer direito de uma plataforma ou de um passageiro que quer ter a sua qualidade de vida, quer sair para tomar a sua cervejinha ou não precisar estacionar seu carro.
Então, eu penso, sim, na funcionalidade. E quanto àquele medo que a Uber bota em todo mundo de que ela vai embora do Brasil: gente, não tenha medo; a gente tem várias plataformas por aí. Os Correios poderiam assumir, como o próprio Ministro Marinho corajosamente disse, os Correios assumem - e assumem! Gente, a tecnologia está aí, o brasileiro é muito bom na tecnologia. A gente não pode ter medo de dizer assim: "A Uber vai embora". Não, tem a 99, tem a inDrive - a inDrive tem um modelo de negócio interessante. Então, assim, podemos falar de várias outras plataformas aqui, a gente está falando das mais conhecidas, mas no DF temos oito plataformas...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ - ... onze plataformas habilitadas no DF a trabalhar. Se essas plataformas tiverem um modelo de trabalho justo...
(Soa a campainha.)
A SRA. LILI DE LIMA CRUZ - ... elas podem, sim, trabalhar. E a gente não depende só da Uber, não. "Ah, a Uber é muito mais segura". Uai, e quantas contas fakes a gente vê em tantas outras plataformas? O Presidente do sindicato tem falado das contas fakes. Até o momento, ainda não deram o click, o start para isso, mas é muito importante verificar essa situação das contas fakes.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Lili de Lima Cruz, Advogada do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, que deu uma resposta geral para uma série de perguntas.
O líder Marcelo Rodrigues Chaves, que é o Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, abriu mão da sua fala, então nós vamos agora para o Dr. Gilberto Augusto Martins, Juiz do Trabalho.
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS (Para expor.) - Pois não, Senador, muito obrigado. Mais uma vez cumprimento a todos, e quero dizer da importância deste evento aqui, Senador, na Comissão de Direitos Humanos, chamando a atenção para as dificuldades pelas quais passa a defesa do trabalhador na nossa sociedade.
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Vejamos aqui, o Sr. Marcelo Chaves Rodrigues, que preside o Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do Distrito Federal, faz essa defesa, mas não tem o reconhecimento do Estado daquilo que ele é, o representante de uma categoria profissional. E não tem pela seguinte razão: porque o nosso direito sindical se estrutura sobre a categoria profissional, que, por sua vez, existe em função da atividade econômica da empresa. Esse reconhecimento não existe porque simplesmente não existe o reconhecimento do vínculo de emprego. Então o reconhecimento, o registro sindical do sindicato passará certamente por muitas dificuldades dentro do Ministério do Trabalho. Se o Dr. Luiz Marinho, que é muito sensível à classe trabalhadora...
Apenas para dizer que, um ano atrás, o Ministério do Trabalho não existia, foi extinto, estava submetido simplesmente ao desígnio e à vontade do Ministério da Economia. Imagina que os direitos do trabalhador, dentro do Poder Executivo, que é algo essencial na regulação do mercado de trabalho, do direito do trabalho, estava submetido a uma visão de um economista, a uma visão empresarial. O Ministério do Trabalho tem que existir, é uma necessidade a sua existência, e quem tem que presidir o ministério é um trabalhador, como hoje é o Dr. Luiz Marinho, que já presidiu a CUT, uma sensibilidade imensa em relação ao direito de trabalho. Não é fácil estar ali, não é fácil. No dia em que ele tentar regulamentar certamente haverá uma pressão muito grande por parte das empresas, no sentido de não tornar os motoristas de Uber uma categoria profissional, exatamente para evitar, porque, no momento em que se tornar uma categoria profissional, abrirá campo para o reconhecimento do vínculo de emprego pela Justiça ao Trabalho, não há nenhuma dúvida disso.
Mas é necessário que os organismos da sociedade se movimentem e busquem, do Ministério do Trabalho, lutem junto ao Ministério do Trabalho, para que se reconheça algo que é evidente dentro da sociedade. Imaginem vocês que o trabalhador terceirizado, que é uma realidade, não só em órgão público, mas em todas as empresas, é uma realidade o trabalhador terceirizado, enfrenta uma resistência imensa em ser reconhecido como categoria profissional, imensa. A diferença é que todo mundo pode se associar, não é diferente em relação aos motoristas de aplicativo, todo mundo pode se associar, mas o sindicato tem uma força muito maior, ele tem a negociação coletiva na mão, ele representa, dentro do direito do trabalho, dentro da sociedade, com muito mais força, o trabalhador. Por isso a necessidade, e eu tenho certeza das dificuldades que vai ter essa representação.
Mas, respondendo apenas uma pergunta, Senador, de um deles que falou aqui a respeito de se trazer para o Brasil a mesma regulamentação que já existe na Europa, falando muito do mundo moderno, que a modernidade não compactuaria com uma regulamentação do trabalho do motorista de aplicativo.
(Soa a campainha.)
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS - Ora, é na própria Europa que se observa: na Espanha, desde muito tempo, existe um tratamento dado ao motorista de aplicativo como empregado, como trabalhador; a Suíça, que é um país saxão, é um país onde se diz que os interesses empresariais são muito fortes, no ano passado, o tribunal do cantão de Genebra simplesmente suspendeu a atividade dos aplicativos enquanto não fosse reconhecido, isso em junho ou julho do ano passado.
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E nós aqui, um país em que mais do que nunca necessitamos de amparar o nosso trabalhador, ficamos aqui nessa discussão, empurrando com a barriga, empurrando com o tempo algo que a legislação trabalhista já contempla, Senador, Dra. Lili e Marcelo, há muito tempo, que é essa situação.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Juiz do Trabalho, Dr. Gilberto Augusto Leitão Martins, que demonstrou que em outros países, como aqui provocado, já existe a regulamentação.
Eu achei interessante, essa decisão suspendeu tudo até regulamentar. Genebra. Ligeirinho vai ser regulamentado. Então, parabéns.
E também eu comungo com os elogios ao Ministro Luiz Marinho, que está fazendo um trabalho de fôlego...
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS (Fora do microfone.) - Você veja agora, dentro do regulamento do trabalho aos domingos, teve que dizer que é negociação coletiva.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso.
O SR. GILBERTO AUGUSTO LEITÃO MARTINS - Ele disse apenas o óbvio, que, para abrir aos domingos, tem que ter uma negociação coletiva. Há um decreto legislativo na Câmara dos Deputados.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, muito bem. E ele teve uma atuação inclusive muito forte lá no meu estado em relação ao trabalho escravo, ele foi por lá duas vezes, e lá, pelo menos, acredito que agora vai diminuir muito o trabalho do Ministro Luiz Marinho.
Eu vou passar agora para os que estão de forma virtual, por videoconferência: a Procuradora do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), Dra. Priscila Dibi Schvarcz.
Tem uma pergunta que chegou agora aqui: "O que os convidados acham dos aplicativos públicos desenvolvidos por prefeituras"?
Se um dos dois, vai entrar em seguida o Dr. Leonardo, puder também responder sobre essa pergunta... Se não, depois nós mesmos aqui da Comissão responderemos.
Então, Dra. Priscila Dibi, Procuradora do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), cinco minutos para as suas considerações finais ou se quiser comentar algumas das perguntas.
A SRA. PRISCILA DIBI SCHVARCZ (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Senador. Gostaria de fazer alguns comentários breves em relação a alguns questionamentos que chegaram.
Primeiro, apenas complementando esse medo da CLT, de enquadramento na CLT, que a gente percebe em alguns comentários. Percebam: não existe um engessamento dessa prestação de serviços apenas pelo fato de estar submetido à legislação trabalhista.
Então, na própria CLT nós temos a possibilidade de contrato de trabalho intermitente, nós temos a possibilidade de contrato de trabalho por tempo parcial. A exclusividade não é um requisito da relação de emprego. Eu posso ter um garçom que trabalha para um restaurante de dia e de noite em outro restaurante. Isso é muito comum na relação dos vigilantes, na relação dos profissionais de saúde.
Então, o fato de eu estar vinculado a mais de uma plataforma não é fato suficiente para excluir a relação de emprego. Muitas vezes existe um temor, talvez, por parte dos motoristas ou dos entregadores de que não vão poder trabalhar vinculados a outras plataformas caso exista uma relação regulamentada pela CLT. Isso é uma falácia. Isso não procede. Existe essa possibilidade mesmo no âmbito da relação de trabalho regulamentada pela legislação vigente sem nenhuma alteração.
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Gostaria de trazer um ponto também que é uma demanda inclusive da fala do Presidente do sindicato relacionada à própria transparência, e é uma demanda que vem sendo trazida em diversas frentes pelos representantes dos trabalhadores de aplicativos. Penalidades que são aplicadas, exclusões sumárias que são realizadas dos sistemas dos aplicativos, sem sequer haver a possibilidade de se saber o que efetivamente aconteceu.
Nós também temos legislação hoje, o art. 20 da LGPD, que traz expressamente essa necessidade dessa autorização para que o titular do dado tenha o direito de solicitar a revisão de uma decisão que foi dada, que foi prestada, que foi tomada, de forma automatizada, com base em dados analisados de forma automatizada. E esse art. 20 da LGPD vem sendo diariamente descumprido por essas empresas, e nenhum tipo de ocorrência vem ocorrendo, nenhuma consequência desse descumprimento vem sendo aplicada. Pelo contrário, a advogada dos trabalhadores disse: "Estou tendo que, todos os dias, impetrar habeas data para ter acesso a essas informações".
Com relação à pergunta também relacionada ao seguro, algumas plataformas digitais já têm - inclusive é a propaganda para os clientes -, já fornecem seguro-acidente, seguro de vida, e nós temos recebido diversos relatos dos trabalhadores - esse é um ponto muito sensível, principalmente no âmbito desta Comissão - de que, uma vez, a depender do tipo de acidente... Caso haja um acidente com morte ou uma lesão grave, a ponto de inviabilizar o acesso ao próprio aplicativo pelo trabalhador, ele não consegue acionar o seguro. Então, esse seguro somente vale durante o período da entrega que é realizada. Se ele estiver no retorno, por exemplo, para a sua base operacional, o local em que ele normalmente fica, ele está descoberto do seguro. E, caso não faça o acionamento, que é personalíssimo, muitas vezes com reconhecimento facial ou acesso por alguma senha, no momento da ocorrência do acidente, ele também fica descoberto. Então, que tipo de seguro de acidente é esse em que, para os casos mais graves, ele fica totalmente desprotegido? E naquele contexto que nós já mencionamos, de uma total ausência de proteção previdenciária.
Então, o que nós postulamos - e já uso este espaço aqui como manifestação final, Senador - é que o art. 7º da Constituição Federal, e também respondo uma terceira pergunta com esta fala, fala em direitos mínimos dos trabalhadores, não é dos empregados. Então, nós temos que qualquer regulamentação do trabalho de aplicativos, caso ainda se entenda por necessária, deve partir do mínimo previsto no art. 7º da Constituição Federal, que fala nos direitos mínimos dos trabalhadores. Nós temos que ter, e aí partilhando dessas postulações que foram feitas pelo Presidente do sindicato, um valor mínimo por hora, que não pode ser inferior ao salário mínimo. Nós precisamos ter uma visão para a saúde e segurança desses trabalhadores.
Hoje, não existe nenhuma medida de prevenção adotada por essas empresas. Não se analisa a qualidade do carro, se analisa o ano do carro, não se analisam itens de segurança, não se analisam as condições dessa motocicleta. Nós temos relatos de que, sim, os aplicativos de motoristas de transporte de pessoas exigem CNH, mas, pasmem, os aplicativos de entrega não exigem CNH no cadastro. Nós já entramos em contato com essas empresas, e elas dizem que seria muito burocrático exigir CNH. Então, vejam, nós temos verificado adolescentes conduzindo motos, nas vias públicas, expondo toda a população à vista, fazendo entregas. Não são poucos os relatos... (Falha no áudio.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Travou de forma natural, mas de pronto eu agradeço à Procuradora Priscila Dibi Schvarcz, Procuradora do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho, que fez uma exposição com o brilhantismo dos outros convidados também.
E, por fim, Dr. Leonardo Decuzzi, Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
O SR. LEONARDO DECUZZI (Para expor. Por videoconferência.) - Mais uma vez, Senador, muito obrigado.
Na linha do que já foi dito aqui, primeiro, o direito do trabalho não foi feito para dificultar a vida de nenhum trabalhador. O direito do trabalho, essencialmente, estabelece garantias mínimas de condições de vida para o trabalho.
Os senhores estão me ouvindo ou caiu a rede?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A que caiu foi a da Doutora; V. Exa. estamos ouvindo bem.
O SR. LEONARDO DECUZZI (Por videoconferência.) - O senhor está me ouvindo, não é? Está me ouvindo bem?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeitamente.
O SR. LEONARDO DECUZZI (Por videoconferência.) - Obrigado. Perfeito.
Então, há aqui que se refutar qualquer narrativa no sentido de que o direito do trabalho engessa uma relação, especialmente a partir das últimas décadas, que o direito do trabalho vai dificultar o "corre" do trabalhador, que o direito do trabalho vai fazer com que ele tenha um chefe mandando nele.
Eu tive a felicidade, na minha dissertação do mestrado, recentemente, de conhecer o modelo espanhol. E eu utilizo isso para falar de uma pergunta que foi feita, que já foi respondida - as perguntas que já foram colocadas aqui já foram respondidas.
No modelo espanhol, no transporte de pessoas, os motoristas são empregados, normalmente, de empresas terceiras; o que se discute lá é se essa terceirização é válida ou não, mas são empregados. Há cotas de motoristas, de licenças, um determinado número de licenças dadas por municípios, mas os trabalhadores são empregados.
No transporte de entrega de mercadorias e de alimentos, nas entregas por carros, também em regra são trabalhadores empregados. No transporte via bicicleta e motocicleta, normalmente entrega de alimentos, o grosso das empresas hoje segue a Lei Rider. E o detalhe da Lei Rider é que não começou a haver fiscalização na Espanha após a lei. Na verdade, o processo foi inverso. Houve fiscalização, houve demandas judiciais, houve decisão da Corte de Madri, depois decisão do Tribunal Supremo e, aí sim, o processo de concertação social.
O processo de concertação social na Espanha foi diferente do nosso, do Brasil, apesar de todos os esforços do Ministério do Trabalho, do Ministro do Trabalho e da equipe de Secretários, Macena e Gilberto. Ocorreu em um momento distinto, mas foi muito bom que tenha havido a concertação social aqui, mas com uma dificuldade muito grande, por quê? Porque, na verdade, o momento foi distinto do momento da Espanha, já havia uma decisão judicial nesse sentido, e não algo a ser construído. Já havia inúmeras fiscalizações coordenadas nacionalmente com um volume muito grande, ao ponto de que empresa que foi sócia de grande plataforma de entrega aqui no Brasil celebrou contrato coletivo na Espanha, empregando todos os seus empregados. Esse contrato foi celebrado no final de 2021 e está em vigor até agora, no final de 2023. Esse é um exemplo claro do direito europeu, e também agora, mais recentemente, a regulação do direito português.
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Mas foi perguntado sobre natureza de plataforma, se pública ou privada, e eu acho que todas são louváveis. O que se tem que assegurar são direitos mínimos aos trabalhadores, não é? Os trabalhadores têm que ter direito mínimo.
A CLT é extremamente flexível. A Doutora já colocou, o Doutor já colocou. Se nós pensarmos que temos um contrato de trabalho intermitente, em que existe um contrato de trabalho - isso é inédito no mundo -, em que não há salário, ou seja, você é empregado, você não recebe salário, o empregador pode chamar a hora que quiser, e você tem o direito de recusa - falo isso porque esse é um dos pontos, "ah, o trabalhador que recusar uma tarefa não é empregado". Não, ele é empregado, está aí no contrato de trabalho intermitente, não é?
A regulamentação do art. 235 da CLT já trata da flexibilidade do trabalho do motorista. Temos vários outros parâmetros normativos nesse sentido.
Mas o que eu quero deixar claro para todo trabalhador é que o direito do trabalho não engessa a relação. Nem tem como engessar, não é? E ainda que não se queira adotar a CLT, como alguns preconizam, temos o trabalho avulso. O trabalho avulso é um trabalho com direitos. A Doutora falou da extensão de direitos sociais da Constituição. É verdade, mas nós temos o exemplo do trabalho avulso, seja no portuário, seja no trabalho avulso dos antigos chapas, são trabalhadores com direitos.
Se a gente puder fazer analogia, eu sou de uma cidade portuária, e me lembro historicamente da parede. Se as pessoas não sabem o que é a parede, a parede era onde o trabalhador portuário se apresentava para o trabalho e para vários operadores portuários, para um operador portuário de cada vez. O que é que nós temos hoje quando, debaixo de chuva, ou aguardando transporte, vários trabalhadores, com suas bicicletas, se colocam em lugares que são induzidos pela plataforma para ter chamado? É uma parede. É uma parede de trabalhadores.
Qual é a diferença essencial para o trabalho avulso? É uma parede sem direitos, sem proteção social nenhuma. E esse é o nosso papel nesta Casa e é o papel desta Casa, porque assegurar ou retirar direitos é sempre uma decisão política. E nesse tensionamento jurídico-político, que nós aqui evitamos, nós temos que pensar qual o Brasil que queremos construir.
E digo por último: direito do trabalho não é... A discussão já está superada, de que ele tira emprego ou retira emprego, se atribui direito... O direito do trabalho devolve para a economia, o direito do trabalho gera produtividade, o direito do trabalho gera poder de consumo. É fundamental. Eu acho que temos que sair da retórica defensiva do direito do trabalho e passar a fazer a defesa de que o direito do trabalho é bom para a economia, sim. O direito do trabalho se opõe à concorrência desleal entre empregadores, se opõe ao dumping social.
É essa a fala que eu quero deixar e ver o que nós buscamos construir. É sempre uma decisão política que tomaremos nesta Casa.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, muito bem, Dr. Leonardo Decuzzi, Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). E com muita força aqui, faz quase que o nosso encerramento oficial, dizendo que o mínimo do mínimo é regulamentar o trabalho desses profissionais.
Mas a Dra. Priscila Dibi Schvarcz, Procuradora do Trabalho, caiu a linha, caiu a internet dela, e ela gostaria de fazer as suas considerações finais. Dois minutos, por favor, doutora.
A SRA. PRISCILA DIBI SCHVARCZ (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador. Eu peço desculpas. Eu acho que tive um pico, na verdade, de conexão, porque eu não percebi cair aqui.
Mas é apenas uma finalização, porque acho que o representante dos auditores fiscais finalizou aqui com brilhantismo esta audiência pública.
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Mas apenas isso: o risco que nós temos na criação de uma nova categoria, de uma categoria alternativa de trabalhadores, como se pensa, e, como nós ouvimos, existem algumas propostas em relação a isso. Qual será a garantia de que todas as demais atividades não vão migrar para essa nova categoria? Qual a repercussão dessa escolha de se criar categorias diferenciadas entre autônomos e entre empregados, sendo que hoje nós temos uma legislação que abarca com total abrangência todas as repercussões, todas as características dessa atividade?
Então, só gostaria de deixar essa mensagem final, do risco que nós corremos com relação ao próprio direito do trabalho, com repercussão em arrecadação, com repercussão na própria previdência social, na criação desses modelos alternativos, dessas novas figuras desprotegidas ou com semidireitos, e de qual a garantia de que, em algumas décadas, nós não tenhamos todos os trabalhadores do país vinculados a essa nova categoria precarizada que se pretende construir.
Então, deixo isso aqui e agradeço demais a participação e o espaço concedido ao MPT.
E peço novamente desculpa pela conexão, por não ter finalizado no tempo que me foi concedido.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós é que agradecemos, Dra. Priscila Dibi Schvarcz, Procuradora do Trabalho, representante do Ministério Público do Trabalho.
Informo que o Dr. José Pinto da Mota Filho teve que sair um pouco antes deste momento final, por outro compromisso que tinha.
Eu só quero agradecer a todos e a todas que ficaram nos assistindo pela TV Senado, ouvindo pela Rádio Senado e participando aqui pelo e-Cidadania e também pela Agência Senado.
Eu entendo que esta reunião cumpriu todos os seus objetivos, e mesmo nas perguntas que vieram aqui, mais de 90% das perguntas que chegaram querem a regulamentação. O Ministério do Trabalho está fazendo um estudo e tem uma comissão tripartite que está dialogando com a sociedade.
Nós, aqui na Comissão, como Relator do Estatuto do Trabalho, a chamada SUG 12, também faremos um capítulo somente desta situação que debatemos aqui hoje.
Então, esta audiência é fruto desse encaminhamento que faremos.
Ficou tudo gravado. Os Senadores receberão também o conteúdo de tudo que foi dito aqui.
Muito obrigado a todos os nossos convidados painelistas, aos que estão no plenário e aos telespectadores e aos que nos ouviram, repito, durante esse período todo pela Rádio Senado.
Nós vamos regulamentar isso. Os trabalhadores por aplicativos têm que ter direito também.
Vida longa aos trabalhadores por aplicativos! (Palmas.)
Está encerrada a audiência pública de hoje.
(Iniciada às 14 horas e 31 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 39 minutos.)