28/11/2023 - 4ª - Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião está dividida em duas partes: uma audiência pública e logo após a deliberação de requerimentos.
A audiência pública será destinada à realização desse momento com o objetivo de debater sobre a importância do mercado de carbono regulado como estratégia para a neutralização de gases do efeito estufa, em atenção ao Requerimento nº 3 da Comissão Mista de Mudanças Climáticas, de minha autoria e coautoria da Deputada Socorro Neri.
Estarão participando conosco - desde já, eu quero agradecer a todos os convidados, a todos os expositores que se apresentam nesta Comissão especial -: a Diretora de Assuntos Regulatórios da Biomas, Natália Renteria; Mônica Sodré, Diretora Executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). Muito bem-vinda, Mônica; Eduardo Brito Bastos, representante da Associação Brasileira do Agronegócio; Caio Borges, Gerente de Política Climática do ICS - Instituições e Direito do Instituto Clima e Sociedade; Gabriela Savian, Colíder da Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura. Sejam todos muito bem-vindos. Eu tenho certeza de que será um momento de muito aprendizado e, com certeza, a contribuição, a presença e a participação de vocês enriquecem o nosso debate.
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Também foram convidados Marcello Brito, que é Secretário-Executivo do Consórcio Amazônia Legal, e Viviane Romeiro, Diretora de Clima do Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável, que não puderam comparecer a esta audiência.
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, eu comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo, em todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que foram utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos. Ao fim das exposições, os Parlamentares poderão fazer suas perguntas ou comentários.
Eu queria registrar a presença do Deputado Nilto Tatto, agradecer a presença e registrar publicamente a participação e atuação do Parlamentar em defesa dessa causa. Chega agora também o Deputado Leonardo, que é muito bem-vindo. E também registro a presença do ex-Deputado Israel Batista, que se faz presente junto conosco.
Então, iniciando nossa audiência pública, eu passo a palavra à Natália Renteria, Diretora de Assuntos Regulatórios da Biomas.
A SRA. NATÁLIA RENTERIA (Para expor.) - Bom dia! Vocês estão me ouvindo?
Eu agradeço o convite, é um prazer estar aqui hoje. A minha fala vai ser dividida em três momentos. No primeiro deles, vocês vão me permitir repassar alguns conceitos, que eu acho que vão ajudar muito na discussão. Em seguida, nós vamos ver alguns números e, por fim, o desenho do texto atual do PL, que nós estamos conversando.
Eu queria rapidamente lembrar de onde surgiram os mercados de carbono e por que a gente está aqui hoje conversando sobre eles. Os mercados de carbono nasceram numa época da convenção que a gente chama era de Kyoto, quando eles eram mecanismos de flexibilização. O que isso quer dizer? Eles eram um instrumento utilizado dentro da convenção do clima para facilitar aqueles países que tinham uma obrigação de redução de gases de efeito estufa através de projetos em países que não tinham essa obrigação. Então, eles nasceram com esse desenho de mecanismo de flexibilização. Mas isso mudou. E na era de Paris, que é a era que nós nos encontramos agora, os mercados de carbono eles tiveram o que a gente pode chamar de uma ressignificação. O que é isso? Então, além de eles serem um mecanismo de flexibilização dentro da convenção climática, eles passaram a ser também um mecanismo de precificação do carbono nas economias nacionais. E isso nos importa, porque isso atinge a maneira que a gente está moldando a nossa regulação interna agora.
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Então, o que a gente tem hoje no mundo para mercados de carbono? Além de eles atuarem dentro da convenção climática como um mecanismo de flexibilização para aqueles países ali envolvidos, nós temos, nos âmbitos nacionais, esses mercados como uma política pública, então mecanismos de precificação. E aí a gente tem o mercado regulado e o mercado voluntário.
Vamos entender um pouquinho mais.
Mercado regulado é uma política pública impositiva. Qual é o instrumento ali de trabalho desse mercado regulado? São as chamadas permissões, o que aqui, na nossa lei, está ganhando o nome de cotas. Ou seja, elas são negociadas entre aqueles atores. E no mercado voluntário? No mercado voluntário é diferente. Ele nasce de compromissos livres entre empresas, compromissos corporativos, eles são além da obrigação nacional. E aqui a gente está falando de crédito de carbono, vindos de projetos. Então, vocês estão vendo que o ativo é diferente e os objetivos desses mercados são distintos também. Então, a gente não deve falar que um é melhor do que o outro, pois eles são diferentes e têm objetivos diferentes.
Então, seguindo nessa linha, na semana passada, a gente pôde conversar, numa outra audiência pública, sobre o mercado voluntário, e hoje eu trago para vocês o mercado regulado. Qual é a dinâmica desse mercado regulado? Então, você tem a alocação dessas cotas, que eu comentei com vocês, através de uma autoridade reguladora. Então, ela é realmente o guarda-chuva desse sistema que vocês podem ver que é vertical. Então, é essa autoridade que vai indicar os setores regulados, determinar o limite de emissões e como isso vai ser distribuído.
Em seguida, a parte operacional desse mercado... É muito importante a gente ter em mente que ele tem dois braços. Ele tem o reporte e o controle, e eles não devem ser misturados até por uma questão de seriedade desse mercado. Então, quem aloca, quem dá aquela distribuição tem que ser diferente de quem faz o controle. E aí, você tem todo o sistema de comercialização que vai em seguida. Então, vocês estão vendo que tem três níveis ali de operações desse mercado. No meio, você tem o coração do mercado, que é aquela fonte emissora que está acima do limite que lhe foi atribuído das suas licenças de emissão. Ela vai ter ali um... Ela ficou acima, ela vai ter um excesso; então, ela vai ter que buscar quem ficou abaixo. E aí, entre essas trocas, você acaba formando um mecanismo de financiamento num custo-benefício melhor para aqueles atores que são regulados. Então, essa é a lógica do mercado regulado. Você impõe um limite de emissão, mas você também facilita aqueles atores através da permissão dessa troca.
E o que é importante para o caso brasileiro? Vocês estão vendo aquele quadradinho final ali, laranja, os offsets? Então, isso é particularmente interessante para o Brasil porque nós somos um país classificado como produtor de crédito de carbono. O que isso quer dizer? Então, nós temos uma floresta tropical, como poucos países podem dizer que estão no mesmo local que o nosso, e a gente tem a capacidade, através de projetos, de soluções baseadas na natureza, que são manter a floresta em pé, recuperar a floresta e a agricultura de baixo carbono, de produzir créditos que podem entrar através dessa portinha no mercado regulado.
Gente, é uma portinha muito especial, e a gente vai voltar nela. Não é para inundar de crédito, senão você quebra com a lógica que eu apresentei para vocês. Tem que ter critérios de elegibilidade, sim, para a entrada desses créditos, mas é importante que a gente estabeleça essa interoperabilidade que vai valorizar o que a gente tem de especial aqui, no Brasil, que é esse potencial de produção de créditos NBS.
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Enfim, aí agora eu entro em alguns números, para vocês entenderem um pouco mais do que é que a gente está falando. Quando a gente fala de mercado regulado, é um mercado que já existe no mundo. A gente já tem aí uma movimentação financeira importante. Eu trago para vocês... Essas barrinhas azuis crescendo são como que o mercado regulado cresceu nos últimos anos. Então, a gente tem ali uma explosão em 2020 - são as três barras finais: 2020, em seguida 2021 e 2022 -, um crescimento muito importante desse mercado, demonstrando que os compromissos das NDCs dos países... Eles estão implementando os mercados regulados justamente para estabelecer uma política interna de precificação e de cumprimento dessas obrigações de redução de gás de efeito estufa. Então, só em 2022 a gente teve US$63 bilhões que foram negociados no mundo em relação a mercados regulados. E aí eu trago outro número para vocês, que está embaixo ali, olha: mercado voluntário, US$1,3 bilhões. E aí vocês falam: "Nossa, mas que diferença importante! Será que o mercado voluntário é menos importante que o regulado?". Não, o mercado voluntário não é menos importante. O que acontece é que esse é um mercado que a gente diz que não é executado, ou seja, ele não chegou ainda no potencial que ele pode chegar, e o mercado regulado já está mais desenvolvido e mais implementado atualmente no mundo.
E aí, para confirmar essa informação que eu trago para vocês, aqui eu trago uns números de demanda de créditos de carbono no mundo. E a gente está bem no início ali do gráfico, a gente está em 2023; a curva ainda não começou a subir, a linha não começou a subir; e essa parte coloridinha dessa linha do meio é a previsão de crescimento para os compromissos já assumidos atualmente. Então, as empresas, hoje, no mundo já se comprometeram com projetos de descarbonização que envolvem o uso de offset, principalmente de remoção, para falar a verdade, mas também uma parte importante do outro crédito... do offset também que não seja a remoção.
E a parte de cima que está em branco é ao que ainda pode chegar, ou seja, a gente está falando aí de uma demanda de toneladas de crédito de carbono de 7 bilhões no mundo - e isso não estou falando de dólares, estou falando de toneladas de crédito de carbono, a demanda de toneladas de crédito de 7,7 bilhões -, e isso só se os compromissos continuarem a crescer no ritmo em que eles estão crescendo hoje. Então, já confirmada, a gente tem ali uma demanda já significativa, mas que tem um potencial de crescimento ainda maior.
Então, uma vez que isso aconteça, o mercado voluntário vai ser executado tanto quanto o mercado regulado, o que demonstra a importância de, dentro da nossa legislação, a gente criar caminhos para que os dois mercados possam se desenvolver.
Dito isso, eu trago aqui uma ilustração para vocês de onde que a gente está no nosso texto atual. Então, a gente teve um texto que foi aceito no Senado, que foi aprovado através da Senadora Leila, e esse texto está na Câmara em discussão. E o momento em que a gente está hoje é este. A gente tem o reconhecimento de um ambiente voluntário...
(Soa a campainha.)
A SRA. NATALIA RENTERIA - ... de um ambiente regulado, e isso funciona de uma maneira que existe a interoperabilidade entre esses mercados, então você pode... o desenvolvedor no mercado voluntário pode fazer a venda do crédito dele de forma direta ou através de um mercado organizado, e esse crédito entra no mercado regulado através de uma "portinha".
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Lembram que eu mostrei para vocês ali o laranjinha?
Então, nessa portinha, e isso eu gostaria de destacar para vocês especialmente antes de finalizar, a gente tem duas utilidades desse crédito do mercado voluntário entrar no mercado regulado. A primeira é para trazer ali uma alternativa a mais para esses entes regulados de poderem utilizar uma porcentagem do offset dentro do sistema do mercado regulado, então, isso foi validado, inclusive, pelo estudo que foi desenvolvido pelo Banco Mundial e pelo Ministério da Economia, então, não é para essa porcentagem ser muito elevada, ela tem que ser calibrada, mas essa possibilidade existe e tem utilidade no Brasil.
No entanto, tem uma outra utilidade que o PL trouxe para a entrada desse crédito, que é a exportação do crédito do mercado voluntário. Isso, para o Brasil, é muito importante porque onde está o mercado que vai comprar o nosso crédito NBS, o nosso crédito de soluções baseadas na natureza, é lá fora, pessoal, é o mercado internacional. E, pela legislação atual que está em discussão, é preciso que passe por essa portinha para fazer o ajuste correspondente e ser exportado.
E qual é ali o ponto de atenção que eu estou vendo? Existe - eu coloquei uma bolinha rosa para facilitar - o credenciamento de metodologias que vai ser feito de forma discricionária, ou seja, ele ainda vai ser decidido, e isso pode trazer potencialmente, isso pode causar um obstáculo para a exportação de créditos, porque, você imagina, um projeto demora anos para ser criado. Então, hoje eu faço um projeto de mercado de carbono voluntário que vai se desenvolver por 50 anos e se daqui a três anos eu tenho a indicação de que essa metodologia não vai ser aceita para o ajuste correspondente de exportação, eu não consigo exportar esse crédito. E isso é potencialmente um perigo para um país que tem características como as nossas, então, eu chamo a atenção para que a gente possa olhar isso com atenção. Fora isso, o mercado regulado está estruturado com um órgão deliberativo, um executivo e um consultivo, de maneira a possibilitar as trocas entre os entes regulados.
Enfim, o que eu queria trazer para vocês hoje aqui é que existem, sim, alguns pontos de atenção para que a gente possa possibilitar a abertura no mercado voluntário, ou seja, a parte tributária tem que ser uma parte razoável, uma parte favorável, o ambiente em que você negocia esse crédito, e você ter certeza se você está fora do mercado organizado ou dentro do mercado organizado também é um ponto de atenção para a gente olhar, mas, em geral, a gente tem um sistema que traz um mercado regulado para o Brasil.
E o financiamento climático, pessoal, tem três possibilidades, a gente pode fazer filantropia, a gente pode ter programas governamentais e a gente pode ter o privado. No privado é o mercado de carbono, no Brasil a gente ainda não tem o regulado e a gente precisa ter. Então, nós precisamos de todas as fontes de financiamento, sejam elas públicas, privadas ou filantrópicas, e a gente precisa das três agora. Então, é muito importante que a gente estabeleça um mercado regulado no Brasil olhando as nossas características primordiais, valorizando o que a gente tem de melhor, sem amarras ao mercado voluntário, mas tendo certeza de que o nosso mercado regulado é íntegro.
É isso, pessoal.
Um bom dia e muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Natália, nós que agradecemos essa atualização em relação ao parecer da nossa Senadora Leila e de todas as vertentes, para nós é muito importante.
Queria passar a palavra agora à Diretora-Executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), a nossa querida Mônica Sodré.
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A SRA. MONICA SODRÉ (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas.
Eu gostaria de iniciar a minha fala cumprimentando o Senador Humberto Costa, que preside esta Comissão, cumprimentando também a Deputada Federal Flávia Morais, parceira e autora do requerimento que me traz a esta Casa. Gostaria de cumprimentar os Parlamentares que estão aqui presentes, assim como todos aqueles que nos acompanham online.
É uma satisfação voltar a esta Casa e também voltar a esta Comissão após a reinstalação dos seus trabalhos. É uma Comissão que tem como missão produzir políticas públicas na área que eu considero fundamental, que é a da mudança do clima, e nós acreditamos que a mudança do clima é a agenda política do século XXI.
Nos próximos dias, alguns de vocês estarão representando o Brasil, os interesses nacionais, na COP 28, o principal fórum climático mundial, e existe uma expectativa de que a Câmara dos Deputados aprove nos próximos dias um projeto de lei com um impacto significativo no campo socioambiental brasileiro, que é o projeto de lei que cria o sistema de comércio brasileiro de emissões, que a gente vai tratar aqui popularmente como a criação de um mercado regulado de carbono. É sobre isso que eu gostaria de tratar com os senhores e as senhoras hoje.
Quando, na semana passada, eu estive aqui nesta Casa, no Plenário, levando considerações ao Governo brasileiro sobre a COP 28, eu fiz uma provocação aos Srs. e às Sras. Senadoras sobre o termo potência verde, que eu escuto com uma certa frequência. Por todos os lugares existe uma expectativa, uma percepção de que agora chegou a hora do Brasil, porque somos uma potência verde.
No entanto, eu acho curiosa essa percepção de que somos uma potência para um país que já passou pelo ciclo do café, do ouro, da cana e ainda assim é um país em desenvolvimento, não conseguiu sair do rol dos países em desenvolvimento. O que eu quero dizer com essa fala, que foi exatamente a minha provocação na semana passada, é que ninguém está condenado ao desenvolvimento, e a história no Brasil está aí para mostrar que nós não estamos. Traduzir essa potência em resultados depende de ação, e esta Casa, hoje, tem a chance de transformar potência em ação.
Diante dessa conferência que se aproxima, nós temos pelo menos três recomendações ao Brasil. Primeiro, manter o Acordo de Paris e as suas metas; segundo, manter as ambições brasileiras que devem ser sempre progressivas; e, em terceiro lugar, aprovar a criação do sistema brasileiro de comércio de emissões. Essas três ações coordenadas nos trarão coerência.
Sabemos, no entanto, que a criação desse mercado não é uma bala de prata, não vai resolver todos os nossos problemas e, portanto, não deve ser subestimada. No entanto, a gente sabe também que esse instrumento, como falou a minha colega aqui anteriormente, é mais um instrumento à disposição dos países para reduzir as suas emissões, em especial no mundo em que a ciência já provou que aquece. Sua aprovação, nesse momento em especial, dá uma sinalização ao mundo sobre a nossa capacidade, a capacidade desta Casa, deste Parlamento, de transformar potência em ação.
Por isso, senhoras e senhores, eu venho aqui com um pedido, que é que nós sejamos pragmáticos e que nós promovamos essa ação. Está na mão de vocês a oportunidade e a responsabilidade de aprovar a criação de um mercado regulado de carbono no Brasil, ajudando a dar esse recado ao mundo nas próximas semanas, em especial, diante da conferência que se aproxima. É nítido, e aqui eu ressalto o valor que tem para a sociedade, o esforço que o Parlamento fez diante desse assunto, que já estava previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima desde 2009. Foi o Parlamento quem inaugurou essa discussão nos anos recentes.
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Se a criação dessa legislação é complexa, e a gente viu aqui em dez minutos o quanto é, nós sabemos que a implementação e a regulamentação disso também o serão. A legislação começa não com uma legislação; uma legislação não acaba com a sua aprovação, ela começa com a sua aprovação. Sabemos também dos desafios políticos e dos inúmeros interesses que perpassam um projeto como esse, mas precisamos reconhecer que esse tema não só tem acúmulo, como, hoje, tem a partir do projeto que veio do Senado Federal, uma base regulatória relativamente satisfatória.
Sabemos que o tema é complexo e que pode alcançar melhorias e ajustes durante a sua regulamentação, o que exigirá adaptação, aprendizado e inovação, como nos mostra a experiência internacional. É chegada a hora, portanto, de que a gente dê o próximo passo. Se a gente olhar as experiências internacionais de mercados regulados em países com legislação mais avançada que a nossa, a gente vai ver que todos eles passaram por implementação faseada, em fases. É o caso da União Europeia, que implementou seu sistema de cap and trade em 2005 e, de lá para cá, reduziu 41% das emissões dos seus setores regulados e que tem usado hoje a experiência prática, o cotidiano, para fazer ajustes nas suas ambições e no seu controle.
Nós já estamos atrasados e não podemos deixar que a falta de um arcabouço regulatório no Brasil ameace a integridade de um mercado voluntário, que, como nós vimos, já está em operação e, principalmente, que a gente deixe de fazer avançar tecnologia, redução das emissões e crescimento econômico por falta desse ambiente regulado de um mercado de carbono no país.
As mudanças climáticas, senhoras e senhores, precisam fazer parte do imaginário, da preocupação e do repertório de cada um de vocês. Estima-se que hoje cerca de 50% do PIB nacional dependa dos ciclos da natureza. Parte do agronegócio está atenta e preocupada com isso, mas não podemos excluir da legislação economy wide uma parte do agronegócio que, muito em breve, terá as metodologias necessárias para fazer parte desse mercado e que é também um dos setores que será mais afetado com a mudança climática no Brasil. É importante que a legislação em discussão não limite essa possibilidade no futuro.
Diante disso, eu me encaminho para a conclusão da minha fala algumas recomendações muito específicas, em especial o projeto de lei que hoje tramita nesta Casa. São elas: a necessidade de aprovação de um mercado regulado de carbono que não represente, no futuro, custos mais altos para a competitividade dos setores econômicos no Brasil. Em segundo lugar, que o sistema brasileiro seja economy wide e que a entrada e regulação de setores econômicos do país sejam feitas em fases, e que as atividades primárias do agronegócio não tenham caráter de exceção na legislação, a exemplo do que acontece, por exemplo, na Nova Zelândia. Que o mercado regulado seja complementar e conectado aos mercados voluntários. O reconhecimento e a valorização dos mercados jurisdicionais, que já geram diversos resultados positivos ao país, como é o caso dos Estados do Acre e do Tocantins. Que haja fomento ao desenvolvimento de pesquisa, inovação e novas tecnologias para potencializar nosso desenvolvimento, atrelado à redução das emissões de gases de efeito estufa. Que nós compreendamos que a criação desse mercado é apenas uma das múltiplas soluções que precisarão ser implementadas e desenvolvidas no enfrentamento das mudanças do clima - é importante, mas que a gente também não o superestime. Que o arcabouço regulatório apresente uma governança participativa que inclua o setor produtivo e privado, a academia e a sociedade civil - as soluções para mitigações e adaptação às mudanças climáticas exigem a atuação de todos os setores da sociedade. A governança também deve respeitar e incluir as competências e especificidades das unidades federativas e municipais.
Mesmo com a aprovação do sistema de comércio de emissões e de outros instrumentos, como o marco regulatório de hidrogênio de baixo carbono, é preciso que esse Parlamento se ocupe de definir a natureza jurídica e o conceito dos ativos ambientais, juntamente aos esforços de taxiconomia verde que o Governo, o Executivo federal tem feito.
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Por último, os instrumentos legislativos e as políticas públicas, as quais este Parlamento compete fiscalizar, precisam garantir não só a integridade ambiental, mas também o desenvolvimento social e econômico do país, para que nós tenhamos uma transição justa, em especial num país que é historicamente campeão de desigualdades.
Senhoras, senhores, o Brasil conta com vocês para transformar potência em ação. O próximo passo para isso pode ser dado por esta Casa.
Muitíssimo obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Bem, Mônica, vamos torcer para a gente conseguir aprovar. Acho que o momento é muito propício para isso.
O representante da Associação Brasileira de Agronegócio, Eduardo Brito Bastos, então, é o nosso próximo expositor.
Com a palavra.
O SR. EDUARDO BRITO BASTOS (Para expor.) - Obrigado, muito obrigado, Deputada, pela gentileza aqui.
É bom demais poder estar aqui de volta. A gente tem debatido esse tema já há algum tempo, e a gente entende como muito importante essa aprovação. Seria incrível ter o nosso Presidente Lula anunciando essa regulação na COP em Dubai. Ele embarcou ontem. Então, a gente tem realmente um prazo aqui apetado. A gente entende a importância desse tema e espero que esta Casa consiga fazer essa aprovação. Vai ser muito importante para o Brasil ter esse marco regulatório para esse mercado de carbono.
Eu vou dividir aqui minha fala em quatro pontos do que a gente quer ou pode fazer como Brasil; o papel do agronegócio dentro dessa discussão; o mercado de carbono e esses desafios e oportunidades que o setor tem.
O primeiro ponto que eu acho que precisa ficar muito claro aqui é que o mundo realmente espera do Brasil uma ação mais contundente na área climática, mas também para combater não só a insegurança na parte de clima, mas também a insegurança alimentar. São dois dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aqui: o 13, que é o de clima, mas também o 2, que é combater a fome no mundo. E acho que o primeiro recado que eu quero deixar muito claro aqui para vocês é que a gente pode fazer esses dois, é possível alimentar o mundo e descarbonizá-lo. A gente pode alimentar 20% do planeta Terra - hoje a gente alimenta cerca de 10%, o último número da Embrapa, de um mês atrás -, mais ou menos 800 milhões de pessoas dependem da produção brasileira. A gente pode dobrar essa produção, e a gente pode contribuir também com 20% da descarbonização do mundo.
Naquele gráfico que a Natália mostrou, a gente tem aí uma demanda próxima a 5 bilhões de toneladas até 2040; ela pode chegar em 7 bilhões em 2050, e a gente pode contribuir com 20% disso, ou seja, aproximadamente 1 Gigaton. Na verdade, só no plano ABC a gente tem lá 1 giga programado para capturar. Então, é possível, tem um caminho aqui.
Segundo ponto da regulação. É importante que a gente esclarecer aqui que quando o texto foi aprovado no Senado e veio para esta Casa, a gente começou a ver muita coisa: "o agro saiu da regulação". O agro não saiu. O que teve, a discussão ali foi a produção primária não estar incluída, porque não está em lugar nenhum do planeta Terra. Então, a agroindústria está lá, ela segue regulada. Todo setor que emitir mais que 25 mil toneladas vai estar regulado, não é só frigorífico - saiu muita matéria de frigorífico -, mas uma plantação grande entraria.
Então, a ideia aqui é que não tenha essa produção primária dentro dessa regulação neste momento. Enfim, todas as outras áreas do agronegócio, por exemplo, a agroindústria. Agroindústria é indústria, e ela está lá. Então, uma produção de cerveja, uma cooperativa que produz frango, que produz suíno, tudo isso está dentro da regulação. E um dos motivos de o agro primário não estar regulado em nenhum lugar do mundo, praticamente, é porque é muito difícil. A lógica aqui da regulação é que você consegue fazer esse controle, ou seja, as emissões são estacionárias. Você tem uma planta, uma fábrica, por exemplo, de químico, de plástico, você sabe quanto entrou de consumo de energia, você sabe quanto que foi produzido, quanto entrou de petróleo, você consegue converter tudo isso em um número e colocar à disposição do regulador para fazer, então, essas emissões de cotas ou permissões, como a Natália muito bem explicou. Numa lavoura, num ano, se você plantar milho e soja e, no ano seguinte, se der uma seca, como está acontecendo numa parte do Brasil hoje, ou se houver excesso de chuva numa parte Sul do Brasil... "Opa, eu não consigo fazer uma segunda safra". E aí? Como é que eu faço isso? Não é estacionário, é difuso. O nome disso é emissão difusa. Então, é muito difícil de controlar. "E se você plantar milho?", "Tá, qual variedade? Em qual época do ano? Qual adubo? Qual o tipo de prática agrícola?". Não dá para comparar uma produção agrícola a uma fábrica de cimento, por exemplo.
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Então, é por essa razão que vários países que tomaram a decisão de se movimentar no agro têm uma regulação específica. Não é que o agro não é regulado, vários países tomaram essa decisão de criar políticas específicas. A Europa tem lá o seu CAP (Common Agricultural Policy), em que tem uma série de incentivos para promover a agricultura regenerativa, que é muito semelhante ao que o Brasil tem aqui no seu ABC e ABC+. Agora, a gente tem 13 anos de ABC, que é a agricultura de baixo carbono. Então, a gente tem uma política aqui. O ponto importante, claro, é interoperabilidade sobre a qual também a Natália comentou aqui. A gente combinou, então: Por favor, fale primeiro, porque você consegue dar vários desses recortes mais técnicos. Justamente essa ligação entre o regulado e o voluntário, em que o crédito gerado, nesse voluntário, pode ser incorporado parcialmente desde que ele tenha, então, essa autorização da autoridade competente.
Um outro ponto importante também aqui: o agro não representa 75% das emissões - a gente tem visto também muita matéria falando disso -, o agro representa cerca de 25%, 27% é o número exato do último reporte. Então, um quarto das emissões brasileiras vem do agronegócio, 50% da nossa emissão é desmatamento. Então, esse é um problema, esse é o principal problema que o Brasil tem. E a gente tem visto aqui um esforço muito grande do Governo de combater esse desmatamento, a gente tem reduzido esses números, e isso é muito importante, porque, de novo: dos aproximadamente 2,4 bilhões de emissão, 1,2 bilhão é de desmatamento, 600 milhões são de agricultura e 600 milhões são de todo o outro. A agricultura é a segunda maior em emissão. E é importante também, porque muitas vezes a gente compara com outras regulações do mundo, e, no restante do mundo e em boa parte do mundo do hemisfério norte, o perfil de emissão é exatamente o contrário do brasileiro. A gente tem aqui 75% das emissões ligadas ao uso do solo, 50% ao desmatamento e mais 25% à agricultura, e, no restante do mundo, aproximadamente 70% das emissões estão ligadas à energia fóssil, à queima de petróleo. Então, isso, obviamente, traz um olhar distinto na regulação brasileira, precisa ser assim, que bom que é assim, mas, de novo, lembrando aqui desses desafios, inclusive, de ajustar, por exemplo, fatores de emissão. Então, isso é um ponto importante.
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O terceiro ponto aqui, eu comentei do mercado, e - obrigado! - a Mônica também comentou sobre isso, a regulação é uma das soluções. Ela não é a única. Ela é um dos vários instrumentos para regular um setor.
Então, a gente pode fazer a legislação, na nossa opinião, como Abag, como agronegócio, precisa ser feita essa regulação, mas o agro tem várias outras maneiras de ser regulado, por exemplo, plano setorial, que o Ministério do Meio Ambiente tem como obrigação conduzir, de fazer os planos setoriais do Brasil em cima das nossas contribuições determinadas, e, dentro desse plano setorial, obviamente, o agro está lá por ter 25% dessas emissões.
Dá para fazer, por exemplo, uma regulação. Para isso, não precisa nem de lei. Pode-se construir um decreto, por exemplo, para regular especificamente o ABC+. Transforma-se o ABC+ em um decreto. É uma opção.
Outra opção: a própria redução privada. Dentro dos setores, várias das empresas têm metas de redução, que a gente chama aqui de insettings, aquelas metas Net Zero, que a gente viu ali também na apresentação, e, obviamente, isso pode fazer essa transformação. E tem o lado do incentivo.
Então, hoje o Ministério da Agricultura tem trabalhado num programa, que vai ser apresentado na COP nesse final de semana, de recuperar 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. Ao fazer isso, a gente sai de uma emissão de 2 toneladas para uma captura de até 4 toneladas, 2 toneladas na região dos Pampas e pode chegar a até 4 toneladas em algumas regiões específicas, como, por exemplo, no Estado de Rondônia.
Então, a gente pode sair apenas... Não é apenas, é um recurso, uma monta grande, mas, com incentivos, para fazer essa transição.
O último ponto de desafios e oportunidades é que o agro malfeito é parte do problema. E a gente não tem vergonha de dizer isso. Uma pastagem degradada é parte do problema. Uma granja de suínos que joga os seus dejetos no rio é parte do problema. Mas, quando a gente coloca um biodigestor para capturar, converter aqueles dejetos suínos em biometano, isso é solução. Quando a gente faz plantio direto, isso é solução. Quando a gente faz plantio de árvore, isso é solução. Quando a gente faz sistemas agroflorestais, integração lavoura, pecuária e floresta, tudo isso é solução. E é uma solução tropical que a gente pode fazer, não só no nosso país, mas levar para o mundo todo.
O que é importante aqui é que é importantíssimo e imprescindível a gente tropicalizar esses dados. Por quê? Porque quase tudo que foi desenvolvido no mundo até hoje foi feito sob o olhar do Hemisfério Norte, onde neva, onde faz frio, onde os solos são naturalmente, em geral, muito mais férteis.
Então, a gente tem um esforço aqui de apoiar a pesquisa e desenvolvimento, apoiar a nossa Embrapa, apoiar o CCarbon, que é um centro de carbono que está sendo criado junto à USP, lá no Estado de São Paulo, e vários outros, em parceria com várias outras universidades, a academia, para que a gente traga a melhor ciência para tomar as melhores decisões. Se a gente não fizer esse investimento, dificilmente a gente vai destravar.
Um olhar sistêmico, e eu fecho aqui a minha fala, de que, se a gente pensar numa cerveja carbono neutro... "Vamos fazer uma cerveja carbono neutro!". Que bacana! Mais da metade da emissão de uma cerveja vem da cevada, ou seja, nós temos que ir lá em Guarapuava, conversar com os produtores de cevada e montar um protocolo agronômico de plantio direto, de recuperação do solo, de uso de insumos biológicos. E tudo isso vai poder ajudar ou a reduzir a emissão, e/ou, no caso de agricultura, a aumentar a captura.
Mas olha só: "Eu vou produzir a cerveja. Eu tenho que engarrafá-la". Opa! Isso é vidro. Vidro é mineração. Não, mas depois que eu engarrafar, eu tenho que pôr num fardo. Pode ser feito um fardo de plástico, aí é petroquímico; pode ser um fardo de papel, aí é a indústria de papel e celulose. Todos esses setores vão ter que conversar.
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E aí, de novo, a Mônica comentou aqui, a gente viu, claramente, na apresentação da Natália - estão cada vez mais bonitos os eslaides, parabéns - a complexidade disso.
Eu estou dando um exemplo aqui prosaico de uma cerveja, mas imagina fazer isso para todos os setores. Olha a quantidade de setores que estão envolvidos para a gente conseguir ter um produto zero na prateleira!
Mas o que é o mais interessante aqui é que se tem um país que consegue fazer isso é o nosso, porque a gente tem uma agricultura que foi desenvolvida, particularmente, ao longo desses últimos 50 anos, em que a gente aprendeu a tropicalizar, a fazer uma agricultura em um solo, em uma região, que, 50 anos atrás, era considerada inóspita. Era o ditado: Cerrado, nem dado! E hoje a gente vê como um celeiro.
Mas dá para fazer isso sem o desmatamento? Dá. A gente já mostrou que isso é possível. E é esse o caminho que a gente tem que fazer. Mas nós vamos ter que fazer juntos, com todos os outros setores construindo essa regulação.
Que essa regulação venha o mais rápido possível, que a gente possa, no ano que vem, construir esses planos setoriais; que esses planos incluam o agro - o agro está aberto a trabalhar nesses planos setoriais, a trabalhar a atualização desses fatores de emissão... A gente hoje tem, só nos dois principais dados do Brasil: metano, que é o segundo gás mais importante, depois do gás carbônico... Um dos métodos, que é o oficial brasileiro, multiplica por 21, e o sistema mais utilizado hoje no Brasil multiplica por 28 o fator de emissão.
Num rebanho, que é o segundo maior do mundo, o maior do mundo comercial, só perde para o da Índia, que não abate os animais, são 220 milhões de cabeças, multiplicar por 28 ou 21 faz uma boa diferença.
Então, de novo, a gente precisa investir numa boa ciência, precisa investir numa boa regulação e precisa investir em instrumentos financeiros.
Esta Casa pode dar esse recado para o mundo, trabalhando essas três frentes. A regulação está sendo feita agora, mas eu peço a vocês que olhem com carinho essas duas outras frentes também, do financiamento e da parte da ciência. Com esse tripé, nós seremos capazes de alimentar 20% do mundo e descarbonizar 20% do mundo. Esse é o caminho.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - É muito importante a participação do Eduardo.
Eu tenho certeza de que hoje a agricultura adere muito à questão da regulação do mercado, da reparação das causas dessas mudanças climáticas, porque, com certeza, se tem um setor que é diretamente afetado, Deputado Leonardo, é a agricultura. A gente já percebe isso claramente. Hoje está muito visível e muito claro para todo mundo.
Então, eu acredito que com isso a gente tenha uma facilidade maior de construir, construir respostas que tenham essa composição.
Queria perguntar ao Deputado Nilto Tatto se quer fazer uso da palavra.
Aqui todos nós com uma correria muito grande, muitas ações ao mesmo tempo...
Com a palavra, Deputado.
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O SR. NILTO TATTO (PT - SP. Para interpelar.) - Obrigado.
Eu a parabenizo pela iniciativa nesta Comissão, Deputada Flávia Morais.
Muito rapidamente... De fato, eu preciso sair correndo ainda tem uma atividade, participar também de uma outra reunião e depois passar em casa para fazer a mala para viajar logo mais à noite, lá para Dubai, na conferência do clima.
Eu quero fazer coro aí da necessidade de a gente ter evidentemente uma regulação no Brasil, rapidamente. Espero que a gente consiga inclusive debater isso na Câmara e aperfeiçoar inclusive o projeto. No fundo, o que me preocupa muito mais é do ponto de vista da governança. Vou dizer claramente aqui inclusive, Eduardo, precisa ser encarado não como uma terceira safra; nós precisamos pensar a política do mercado de carbono como uma ferramenta dentro da estratégia geral daquilo que o Brasil precisa fazer para o enfrentamento da crise climática, do conjunto da política.
Ela não é uma oportunidade de ganhar dinheiro. Se a gente encarar como uma oportunidade de ganhar dinheiro, apesar de ser uma oportunidade para o Brasil, a gente corre o risco de perder inclusive a própria oportunidade logo ali na frente. Então, nós precisamos ter esse carinho. Por isso, nós precisamos olhar... Primeiro nós precisamos de ciência, nós precisamos de pesquisa para ver o que é que a gente pode fazer.
Nós precisamos dar respostas à crise climática. Nós precisamos assegurar que o aquecimento só fique em 1,5º. Se tudo aquilo com que a gente se comprometeu - e aí eu estou falando com o que nós humanos nos comprometemos no acordo do clima -, se se fizer tudo aquilo que foi assumido, já não vai ficar no 1,5º; vai para 2º, 2,5º de aquecimento. E a gente sabe das consequências dos eventos que a gente já vem assistindo.
Não vai ter agricultura no Brasil, em boa parte do território nacional, daqui a 15, 20, 30 anos se a gente não tomar medidas. Não vai ter agricultura. E aí, nós temos um problema que é interno nosso para poder fazer esse enfrentamento. É um problema que precisa ser debatido muito claramente dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária, Eduardo, lá dentro.
Tem um percentual muito pequeno do agro do Brasil porque, quando falam "ah, mas falam que a agropecuária é responsável por 75", essa coisa se junta com o discurso que fala que de repente são os ambientalistas, que falam mal do agro. Quem fala mal do agro são aqueles 2% que hoje dão as cartas dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária. Estou falando sério, a própria coordenação. Então, tem que debater internamente para a gente enfrentar esse desafio e ter uma legislação avançada que salve o agro também no futuro.
Desculpe falar muito aqui, Deputada, e peço perdão por sair. Quero parabenizar e cumprimentar a Mesa toda.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós que agradecemos, Deputado Nilton, que deixou muitas pautas para estar aqui conosco. E a gente sabe que, no seu mandato, essa é uma das pautas prioritárias, tem atuado muito em defesa do meio ambiente. É sempre muito bem-vindo.
Queria passar a palavra agora ao Gerente de Política Climática - Instituições e Direito do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Caio Borges.
O SR. CAIO BORGES (Para expor.) - Muito obrigado, Deputada Flávia Morais.
Quero agradecer em nome do Instituto Clima e Sociedade pelo convite para participar desta audiência pública. Queria parabenizá-la pela condução dos trabalhos e queria também cumprimentar os demais Parlamentares que estão aqui presentes e quem está acompanhando a gente também virtualmente.
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Acho que muito já foi falado aqui, então vou tentar ao máximo não sobrepor o que já foi colocado e contribuir com a discussão.
Em primeiro lugar, destaco a importância de a gente estar avançando nessas discussões sobre a aprovação de um mercado de carbono regulado no Brasil, porque já faz mais de uma década que o país vem discutindo. Já foi falado aqui que o Governo esteve, durante muito tempo, elaborando estudos com o Banco Mundial para avaliar as possibilidades de, justamente, estruturação de um mercado no Brasil. Então, eu acho que a gente hoje nunca esteve tão próximo de tornar isso uma realidade como estamos agora.
E eu faço coro aos demais em lembrar... Eu acho que isso precisa ficar muito claro, porque ainda hoje, mesmo com o amadurecimento dos debates, vemos confusões conceituais e uma certa troca, aqui, de conceitos básicos em relação ao mercado voluntário, ao mercado regulado de carbono. A Natália fez uma ótima explanação inicial, mas eu queria repisar aqui principalmente o que é.
Já que o tema de hoje é o mercado regulado de carbono, qual é a função de um mercado regulado de carbono? E a resposta para isso é: ele pode ter múltiplas funções. Não existe uma única função para o mercado regulado de carbono. Ele pode ser um instrumento para se atingir um nível de redução das emissões, pode ser um instrumento para criar uma sinalização para o setor privado em relação ao preço do carbono e pode ser - acho que muito em sintonia com o que o Deputado Nilto falou - um instrumento para impulsionar mudanças estruturais na economia.
Eu acho que no contexto brasileiro, de um país em desenvolvimento, como a Mônica bem colocou, é muito importante que a gente faça o debate sobre o mercado regulado de carbono a partir dessa ótica de que ele pode ser um impulsionador para a reindustrialização ou a neoindustrialização brasileira.
Ele é uma política, dentro dessa caixa de políticas públicas, que pode, sim, ser muito importante para que o Brasil possa fazer a transição para uma economia de baixo carbono, deslanchando um ciclo virtuoso de adoção de tecnologias menos poluentes, industrialização verde, ganhos de eficiência e de produtividade por meio de processos industriais mais eficientes e menos poluentes e, também, por meio de estímulo à pesquisa de tecnologias de baixo carbono.
É fundamental, como também foi falado, que o mercado de carbono nunca seja visto como um fim em si mesmo. Ele tem que, justamente, estar conectado a uma visão estratégica de país mais ampla, que contemple uma estratégia de industrialização, tanto em nível nacional como subnacional, e também que seja conectado - eu volto no final a isso - a um arcabouço mais amplo de modernização da política climática brasileira.
Então, eu queria deixar aqui três mensagens principais sobre por que é urgente a gente estabelecer esse sistema de precificação de carbono no Brasil. Primeiro, porque, como já foi dito, as políticas de precificação são essenciais para que o Brasil consiga descarbonizar sua economia em linha com seus compromissos e com cenários mais ambiciosos.
A iniciativa Clima e Desenvolvimento, uma iniciativa que foi conduzida por diversos segmentos da sociedade e por entidades de renome na modelagem de cenários para a descarbonização da economia, inseriu a precificação de emissões como uma política crucial para que o Brasil consiga reduzir até 1,3 tonelada, gigatonelada, de carbono equivalente nessa década. Isso seria o equivalente à meta a que o Brasil se propôs perante o Acordo de Paris para o ano de 2025, a meta intermediária.
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Segundo, é muito importante, como eu já falei, que o mercado de carbono seja um propulsor de transformação das vantagens comparativas que o Brasil já tem, de ser um país exportador com potencial agrícola, com uma alta reserva florestal, mas o Brasil tem também uma matriz energética muito limpa. E isso é fundamental para a gente pensar no mercado regulado de carbono, porque nós temos já intrinsecamente um posicionamento estratégico que precisa ser explorado frente aos demais mercados internacionais.
E hoje é uma realidade que o mundo está se fechando para produtos de alto carbono e está se abrindo para produtos de baixo carbono. Então, produtos que sejam muito carbono-intensivos serão penalizados nas negociações no comércio internacional.
E hoje, como já foi falado pela Natália, 23% das emissões globais já estão cobertas por algum tipo de mercado de carbono, o sistema de precificação, o que inclui imposto de carbono também, representando cerca de 40% do PIB global.
Isso se conecta com a terceira mensagem. Essas questões, essas preocupações sobre competitividade, sobre abertura comercial são um motivo muito legítimo e muito importante para que o Brasil avance urgentemente na implementação do mercado regulado, porque, quanto antes a gente fizer, quanto antes a gente souber fazer, a gente vai ter condições, então, de competir nesse mercado que cada vez se torna, como eu falei, mais aberto a tecnologias de baixo carbono e, quanto antes a gente também souber manejar esse instrumento, a gente vai poder fazer uso das flexibilidades do Artigo 6º do Acordo de Paris em relação a transações de redução entre os países.
Quais são os próximos passos em que a gente poderia pensar? Primeiro, a gente precisa começar, dar os primeiros passos. É preciso testar, é preciso aprender. Os primeiros momentos são realmente momentos em que a gente não consegue ter todas as definições, mas isso não deveria impedir que a gente avance na criação do mercado. Outros países que também instituíram seus mercados também não começaram já do zero com tudo definido. É uma governança experimentalista, é fazendo que se aprende a fazer. O mercado de carbono funciona dessa forma. A partir da operação, é que vai se ver se é preciso recalibrar o funcionamento, seja inserindo novos setores, seja tornando mais rígidos os limites de emissão, os caps, e por aí vai. Então, a primeira coisa é a gente realmente implementar e começar a próxima fase que é a fase de regulamentação.
E, nesse sentido, o PL que foi aprovado no Senado e que está sendo apreciado pela Câmara consegue atingir um bom equilíbrio entre criar uma moldura jurídica para que esse mercado seja efetivamente criado e, ao mesmo tempo, delegar para as próximas fases, para as instâncias do Executivo e instâncias de governança que serão criadas, a competência de definir algumas questões que realmente não poderiam ser definidas neste momento.
E aqui o que a gente pode trazer da experiência comparada? A gente pode trazer algumas boas práticas, e essas boas práticas servem para inspirar o debate, não necessariamente a gente precisa trazê-las todas, até porque existe uma variedade enorme de modos de estruturar esse mercado. Eu separei algumas aqui que eu acho superimportantes, porque elas são adaptáveis ao nosso contexto. Primeiro, a gente tem que entender que o mercado regulado por si só não é o que vai fazer com que o país tenha uma ambição e atinja suas metas, mas ele tem que estar em consonância com essa finalidade. Então, os caps, os limites de emissão, devem ser fixados de modo que obviamente a gente não tenha um cenário de continuidade - isso é básico. O cenário de continuidade, se o cap não tem uma adicionalidade, significa que o mercado de carbono não está cumprindo o seu papel de apoiar a descarbonização.
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Tem vários aspectos de design, de desenho institucional que também são essenciais para fomentar confiança, credibilidade e integridade do mercado. Então é preciso que haja uma robustez nos mecanismos de verificação e de reporte para que a gente saiba efetivamente quanto cada fonte ou cada setor está emitindo e, a partir daí, fazer as conciliações das emissões. E esse sistema precisa ter credibilidade também a partir de um sistema de penalidades que seja capaz de efetivamente influenciar condutas. Se já se internaliza que o descumprimento dos tetos de emissões vai custar menos do que cumprir a obrigação, isso tira, retira a confiança nesse instrumento.
A participação, como já foi colocado pela Mônica, de diferentes segmentos da sociedade nas instâncias de deliberação consultiva e técnicas é importante também, porque é algo muito dinâmico. O mundo está mudando muito rápido, e a maneira como a gente vai trazer isso para dentro do mercado também só se fará a partir de uma escuta contínua e com a participação dos diferentes setores que podem alimentar e dar insumos para essas revisões periódicas.
E também é muito importante que a gente tenha clareza de que um mercado que está sendo criado praticamente do zero vai precisar de ter uma infraestrutura sólida. E isso vai requerer recursos orçamentários, recursos técnicos, recursos financeiros. Então tem um papel também para o Congresso no futuro de garantir a disponibilidade orçamentária para que as autoridades designadas consigam desempenhar suas funções e fiscalizar e supervisionar esse mercado de maneira adequada.
Eu queria só fazer um breve comentário sobre o mercado voluntário, que foi muito bem explicado pela Natália: sempre lembrar que ele serve a finalidades distintas, embora se cruzem em diferentes em vários momentos. O mercado regulado, como eu já falei, incentiva a descarbonização pela transformação dos setores produtivos, e o mercado voluntário pode ser uma poderosa ferramenta para atrair fluxos financeiros. Porém, a gente tem que ter muito cuidado com cifras que circulam na discussão de que o Brasil iria enriquecer por causa do carbono como uma nova corrida do ouro. É preciso ter muita cautela, porque não é tão claro.
Duas coisas: primeira, se a oferta desses créditos hoje está alinhada a um parâmetro standard de integridade necessário - e o mundo inteiro está discutindo como que a gente pode aumentar a integridade e a qualidade desses créditos -, então, mais do que ser um gerador de créditos de carbono, o Brasil precisa ser um gerador de créditos de carbono de alta qualidade. Isso é o que vai fazer com que o Brasil realmente atraia fluxos financeiros. E, segundo, também a gente não pode ter uma ilusão de que a demanda por esses créditos é infinita. Mesmo em um país como o Brasil, que tem uma reserva florestal imensa, a gente não seria capaz de prover todo o crédito de carbono necessário para o resto do mundo. Então todo mundo tem que fazer o seu dever de casa de realmente descarbonizar, sem exagerar no uso dos offsets, das compensações de carbono. Então esse é o dever de casa, obviamente, principalmente para os países desenvolvidos, mas também é um dever de casa para o Brasil.
Eu queria encerrar então, Deputada, recapitulando três mensagens principais. A primeira é que a precificação de carbono é um instrumento essencial nesse mix de políticas públicas de mitigação. E aqui eu volto, como eu disse no começo, eu gostaria de trazer novamente o enquadramento do mercado regulado com a política climática mais ampla. A gente precisa entender que no Brasil, a meta brasileira de descarbonização, a NDC e as suas futuras revisões não serão dependentes unicamente do mercado regulado; elas irão cobrir apenas um percentual das emissões brasileiras. E, como bem colocado pelo Eduardo, metade das emissões no Brasil são associadas ao desmatamento e principalmente o desmatamento ilegal, que não responde a um instrumento como esse.
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Então, a gente precisa continuar com a implementação do Código Florestal, com as políticas de comando e controle que coíbam o desmatamento ilegal de maneira firme, e a gente precisa destravar - acho que precisa ter este debate - o financiamento climático no Brasil. A gente hoje fala muito pouco, no Brasil, sobre como a gente pode catalisar os recursos domésticos e internacionais para que eles sejam canalizados justamente para essas indústrias que vão precisar de capital para fazer seu processo de transformação. E isso precisa ser feito por meio de fundos públicos, como o Fundo Clima, instrumentos de desenvolvimento, de fomento, como o BNDES, agências regionais de desenvolvimento, mas a gente tem que falar no Brasil mais sobre como catalisar recursos privados e sobre como o Estado pode atrair esse capital a partir de instrumentos como garantias, como redução de risco, para que o setor privado, de fato, destrave esse investimento para essas tecnologias de baixo carbono.
Então, eu só queria deixar muito clara a conexão entre mercado de carbono e financiamento climático.
E a gente precisa também - e esta Casa terá um grande papel, sem dúvidas, como eu falei no começo - modernizar a legislação brasileira sobre clima. Nossa Política Nacional sobre Mudança do Clima é de 2009, ela foi adotada, inclusive, de maneira pioneira pelo Brasil, antes mesmo do Acordo de Paris, mas hoje ela está defasada. A gente precisa revisá-la para que a gente incorpore os compromissos que o Brasil assumiu perante o Acordo de Paris, a sistemática de revisão periódica das metas, e fazer com que o Brasil esteja à altura de países que já estão com a legislação climática de segunda geração, com compromissos legais vinculantes. Por quê? Não é só para ter lei, mas é porque isso tudo - e aí o meu último ponto - traz a previsibilidade necessária. O mercado de carbono regulado precisa ser inserido dentro de uma lógica de um direcionamento para onde o país está indo. Em outros mercados em que não havia uma clareza sobre quais eram as expectativas do Governo em relação aos setores produtivos de redução das emissões, o mercado não funcionou bem, não houve liquidez, houve muita volatilidade no preço dos ativos.
Então, esse tipo de disfuncionalidade a gente não quer ver no nosso sistema, e a gente já pode aprender com o que os outros países fizeram de errado. E um aprendizado muito claro é este: se há previsibilidade de qual é a trajetória de descarbonização, então, haverá maior previsibilidade para os agentes em fazer os investimentos necessários, levando em consideração os custos e principalmente as oportunidades de se ter um sistema de emissões de longo prazo.
Então, eu gostaria de finalizar dizendo que essa coerência no arcabouço jurídico, no arcabouço regulatório institucional é algo compartilhado, é um dever, é uma função que toda a sociedade brasileira tem que ter para garantir que realmente a gente vai ter um mercado potencializado que vai servir a esta finalidade de transformar o Brasil numa potência de baixo carbono.
Muito obrigado, Deputada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Muito bem, Caio.
Finalizando, então, essa primeira fase das exposições, eu queria convidar agora a Gabriela Savian, que é colíder da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Com a palavra, Gabriela.
A SRA. GABRIELA SAVIAN - Obrigada, Deputada.
Bom dia a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO. Fora do microfone.) - Tem um microfone para ela?
A SRA. GABRIELA SAVIAN - Acho que está funcionando...
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Não está longe para você?
A SRA. GABRIELA SAVIAN - Não.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Estou achando que você está um pouco longe, aí meio inclinadinha... (Pausa.)
Aí fica melhor.
A SRA. GABRIELA SAVIAN (Fora do microfone.) - Obrigada, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO. Fora do microfone.) - Imagina!
A SRA. GABRIELA SAVIAN (Para expor.) - Bom dia a todos.
Deputada Flávia Morais, queria cumprimentar a senhora e cumprimentar também a Deputada Socorro Neri, ambas da Frente Parlamentar da Transição Climática Justa.
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Acho que essas audiências são importantíssimas para que a gente possa discutir sobre esses temas, para que a gente tenha um espaço para que essas questões se inter-relacionem, e que a gente possa trazer e reforçar aqui sempre os pontos relacionados ao tema de clima, no Congresso, as questões que são importantes para o posicionamento do Brasil, para a regulamentação da legislação e para que a gente tenha regras, regulamentações concretas robustas, para alcançar toda a ambição que se espera e de que se necessita. Acho que o Deputado Nilto Tatto também falou muito sobre isso, da importância e da necessidade que a gente tem de reduzir as emissões de maneira global.
E aí eu queria aqui, depois dos colegas de mesa aqui, que já trouxeram todas as discussões importantes aqui, mais reforçar os pontos que foram apresentados e também ter um espaço para que a gente possa dialogar e, quem sabe, ter algumas perguntas ainda para tratar de alguns pontos específicos, mas queria dividir a fala em três partes. Uma primeira parte será relacionada às emissões de gases de efeito estufa, às questões climáticas, para que a gente reforce para o que a gente está olhando. O Edu já falou um pouquinho, mas eu vou reforçar alguns pontos. Numa segunda parte, a posição da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, sobre o mercado regulado de carbono, o PL e o estabelecimento do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. Numa terceira parte, serão complementadas algumas considerações, representando aqui o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), do qual eu faço parte, enquanto Diretora-Adjunta de Políticas Públicas.
Então, para que a gente reforce sempre, a gente está trabalhando um mercado, o Brasil está elaborando, construindo o seu mercado brasileiro regulado ou olhando para o mercado voluntário, para responder às demandas, às necessidades de redução de emissões. O Brasil é o quinto ou o sexto - dependendo de como a gente faz a conta - maior emissor de gases de efeito estufa do mundo em termos globais; em termos per capita, é o nono emissor. Então, a gente precisa olhar para quais são as fontes emissoras no Brasil.
Já foi citado aqui, vale ressaltar, a gente tem 50%, mais ou menos, das emissões de gases de efeito estufa, no Brasil, que são oriundas de desmatamento e degradação. Esse é um componente importante para que a gente olhe - e aí pensando na estrutura das políticas públicas como um todo - quais são as políticas que endereçam a essa redução de emissões por desmatamento e degradação.
Vinte e cinco por cento das emissões - 25%, 27% - vêm do uso da terra do setor agropecuário, e outros 25% das demais atividades que se relacionam com as emissões.
O mercado regulado precisa olhar para a melhoria dos sistemas produtivos, para a redução de emissões de pelo menos os 50% que tratam dos diferentes setores da economia, e aí reforçando o ponto da Mônica no início, de o mercado regulado ter essa estrutura de economy-wide, que trate sobre os diferentes setores de uma forma gradual, parametrizando, trazendo as complementações, mas que ele trate sobre os setores da economia e que também ele se vincule numa estratégia de Brasil, numa estratégia federal, em termos de como o mercado voluntário vai dialogar, olhando para a parte de florestas, como dialoga com o mercado regulado.
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Então, é importante ressaltar esses pontos, porque a gente não pode perder a perspectiva do que a gente está tratando. É mercado, mas é de redução de emissões enquanto país e é também de uma estratégia de como que o mercado brasileiro regulado entra nessa estratégia de políticas públicas para as suas reduções como um todo.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multistakeholder que tem mais de 370 membros, que são representantes do setor privado, do setor financeiro, da sociedade civil, de diferentes representações e perspectivas, e busca, com toda a sua diversidade, reforçar o protagonismo do Brasil para uma nova economia de baixo carbono. E, por isso, a gente vê o mercado brasileiro regulado de carbono como muito importante nessa perspectiva de compor uma estratégia de economia para o Brasil, e, reforçando aqui os pontos que já foram ressaltados, como isso é importante para que os esforços globais e os compromissos brasileiros sejam atingidos.
Nas nossas discussões, nessa estrutura que a gente tem de diversos representantes, a gente tem que num dos grupos de trabalho, que é focado no mercado de carbono, foram construídos três pontos principais relacionados ao mercado regulado que a gente entende - a Coalizão entende - que precisam ser levados em consideração.
No primeiro, que está relacionado com a participação dos setores - e aí olhando para o setor agropecuário, olhando para toda a participação dos setores e reforçando a importância de se ter uma parametrização, um reporte, verificação claros e robustos com relação à redução de emissões -, se vê que a participação do setor agropecuário é fundamental para soluções de enfrentamento das mudanças climáticas e, por isso, deve compor o mercado regulado em termos, de forma gradual e com parametrização necessária para que, em todas as discussões de metodologias e tudo mais, as características específicas da agropecuária tropical possam ser levadas em consideração, mas que o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões não se feche agora para determinados setores A ou B, mas que tragam como um todo uma perspectiva de participação e protagonismo nessa agenda.
O segundo ponto que a Coalizão entende como importante é a estrutura de governança do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, que está muito focada no comitê interministerial e com uma participação na tomada de decisão bastante governamental. Mas levamos em consideração e gostaríamos de trazer aqui a importância da participação social e dos órgãos dos entes subnacionais, sejam eles os estados subnacionais ou os municípios, para que tenham também espaço e tomada de decisão neste âmbito do comitê interministerial e da tomada de decisão do órgão gestor do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.
É importante ressaltar que a participação social é uma peça-chave também para a garantia das salvaguardas socioambientais, para a garantia do cumprimento do Marco de Varsóvia, para o alinhamento com o Acordo de Paris e o UNFCCC, que trazem a importância dessa participação de maneira geral.
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Por último, o terceiro ponto, que a Nátalia já apresentou bastante aqui e que é importante ressaltar, é o da interoperabilidade, da harmonia entre o mercado regulado e o mercado voluntário, em termos de que a geração de créditos de carbono, especialmente oriunda das soluções baseadas na natureza, possa compor essa estratégia de Brasil, essa estratégia de redução de emissões dentro do mercado regulado, para que se possa, nessa implementação gradual, complementar as ações e complementar - não somente ser a peça-chave, mas complementar - as ações de melhorias de sistemas produtivos para redução de emissões.
Esses são os pontos em que a Coalizão tem contribuído para que se possa estabelecer um mercado regulado da maneira mais robusta, e a gente coloca aqui à disposição a Coalizão, para todas as discussões, não só no estabelecimento da lei, mas também nessas discussões de como se regulamentar e se implementar.
Complementando aqui, enquanto Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, queria ressaltar que, para além de... mesmo sendo mercado regulado, mercado voluntário, quando a gente trata aqui dessa sopa de conceitos, letrinhas e conceitos, quando a gente trata da geração de créditos, a gente pode tratar com relação aos créditos jurisdicionais ou aos créditos oriundos de projetos em áreas privadas.
Então, a gente tem diferentes formas de gerar esses créditos de carbono. Eu queria ressaltar o papel do subnacionais, dos governos subnacionais: os seus sistemas estaduais, os sistemas jurisdicionais de redução de emissões são importantes para que as ações pontuais dos projetos tenham um arcabouço, uma âncora em regulamentação.
Hoje a gente sabe que, entre essas questões de projetos privados e programas jurisdicionais, existem muitas discussões com relação à sua qualidade, à garantia das salvaguardas, aos níveis de referência que são utilizados para mensurar a quantidade de créditos de carbono. E os sistemas jurisdicionais são importantes para que a gente possa ter uma compensação dos esforços, um pagamento de resultados pelos esforços dos governos subnacionais - nacionais e subnacionais -, para investir em ações para redução de emissões, especialmente para desmatamento e degradação, mas também são importantes porque dão a segurança jurídica necessária para que esses projetos se estabeleçam em parâmetros de alta integridade.
Queria também ressaltar que, para além das gerações de créditos de carbono, existem padrões internacionais que já são amplamente reconhecidos para o mercado de carbono, seja ele regulado ou voluntário. E é importante que, ao se estabelecer, na regulamentação, os parâmetros necessários para a geração de créditos para o mercado regulado ou o que vai ser levado em consideração de regulamentação no Brasil, para a geração de créditos para mercado voluntário, que se olhe para estes padrões internacionais para que a gente não estabeleça um mercado de carbono que não dialogue com o mercado brasileiro, que não dialogue com o mercado global.
E aí existem os padrões que tratam de créditos jurisdicionais, que tratam de projetos de hedge, de projetos de restauro, enfim, de desmatamento, de redução de desmatamento e degradação, mas também existem conselhos aí que vêm discutindo quais são esses parâmetros - que o Caio também já mencionou na fala dele - de alta integridade, que devem ser levados em consideração para que haja uma consertação dos problemas socioambientais, entre projetos e comunidades locais. A gente tem visto isto com muita preocupação: o assédio às comunidades locais que está sendo gerado por esse boom de projetos de carbono.
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Então, é importante ressaltar a garantia das salvaguardas socioambientais, a garantia do direito à terra, a garantia da participação social e da ampla consulta livre, prévia e informada às populações locais, mas também para que esses créditos de projetos de hedge, de projetos de carbono estejam alinhados aos sistemas jurisdicionais, sejam eles subnacionais ou nacionais, e para que se tenha uma política pública, uma estrutura de política pública robusta para o desenvolvimento de baixas emissões. Porque, para finalizar, no final das contas, sendo o mercado regulado, sendo o mercado voluntário, o que importa é o clima, o que importa é a gente ter as ações concretas para redução de emissões. E, para que isso aconteça, as florestas tropicais são imprescindíveis, o papel do agro é imprescindível e a melhoria das práticas nos setores produtivos também é imprescindível, para que a gente, no Brasil, tenha uma contribuição significativa em termos de redução de emissões, mas que também, ao se investir o recurso oriundo desse mercado de carbono, seja ele voluntário ou regulado, as populações locais sejam consideradas, para que a gente tenha uma geração e uma transição econômica de fato acontecendo nos territórios e que as taxas de redução de emissões sejam sustentadas.
Nós já vimos uma redução de emissões do Brasil significativa em anos anteriores. O Brasil reduziu 80% das suas emissões há alguns anos, mas não conseguiu manter essas reduções lá embaixo. Por quê? Porque não se gerou uma economia que sustentou essas emissões reduzidas. E é para isso que a gente precisa olhar. O que importa é o clima, o que importa são as emissões. E a gente precisa trabalhar para que isso se dê de forma sustentada e gere uma nova economia oriunda de soluções baseadas na natureza e em harmonia com todas as considerações para o desenvolvimento de baixas emissões.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Então, mais uma vez, eu gostaria de agradecer a todos e todas as expositoras.
Eu gostaria, neste momento, de passar para a segunda fase, que é a fala dos Parlamentares, iniciando com a palavra do nosso querido Deputado Leonardo Monteiro, que está ali e fez várias anotações. Eu tenho certeza de que ele vai fazer uma palestra para nós agora.
O SR. LEONARDO MONTEIRO (PT - MG. Para interpelar.) - Eu quero cumprimentar a Deputada Flávia Morais, nossa colega e companheira aqui na Câmara dos Deputados. Também quero cumprimentar o Senador Humberto Costa.
Primeiro, vou destacar a importância da reconstituição da nossa Comissão de Mudanças Climáticas aqui do Congresso Nacional. É importante a gente reconhecer a importância desta Comissão. Nós temos duas Comissões congressuais aqui no Congresso Nacional: que é a Comissão de Orçamento e a Comissão de Mudanças Climáticas. As outras são ou Comissões do Senado ou Comissões da Câmara. Então, é uma Comissão importantíssima. Esteve alguns anos sem funcionar. Você conhece das próprias atitudes do Governo anterior. Esta Comissão, apesar da independência entre os Poderes, Legislativo e Executivo, não funcionou. Então, o resgate desta Comissão é de fundamental importância, até porque nós vivemos um momento muito importante, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, com palavras fortes como transição energética, crédito de carbono; e, de fato, realizar uma reunião como essa, uma audiência pública aqui na Comissão, contribui, inclusive, para a gente ir popularizando essas palavras, esse tema - que é a questão do crédito carbono -, até para a nossa população poder compreender melhor, e a gente contribuir, inclusive, para que haja, de fato, uma participação social, como diz aqui a Gabriela, sobre um tema tão importante.
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Com isso, eu quero também cumprimentar, se me permitem, a Profa. Bruna, lá da minha cidade, Governador Valadares, em Minas Gerais. Ela é professora da Universidade Federal do Piauí e está contribuindo lá com o nosso instituto federal.
Outro dia, eu fiquei encantado. Participei com ela de um debate também sobre essa questão de crédito carbono; e, felizmente, ela domina bem esse tema. Outro dia, quando vi aqui, na reunião, a realização da audiência pública, foi uma pena, porque poderia até tê-la convidado para participar conosco. Ela a distância está participando e assistindo aqui a esta reunião.
Depois, quero, em uma outra oportunidade, Deputada Flávia, a gente realizar outras audiências públicas, até no decorrer da discussão sobre a aprovação do projeto sobre mercado regulado de carbono. Eu vejo que é importante, até a nós também aqui, Parlamentares, ter mais informações. É um tema novo. Como Parlamentar, acaba que a gente atua como um clínico geral, mas, nesse tema, eu vejo que é importante a gente, inclusive, ter mais informações, até para a gente votar com mais consciência, seja aqui no Senado, seja na Câmara dos Deputados.
O que me traz muita curiosidade e eu queria colocar para vocês, nessa segunda etapa, nas contribuições que vocês poderiam trazer sobre essa questão do crédito de carbono, é uma questão da certificação, porque a gente fala de mercado regulado e mercado voluntário.
Eu sou de Minas Gerais. A nossa realidade lá... O nosso país é um país continental. Nós temos a questão do agronegócio, que é a produção industrial - que é importante, do ponto de vista da produção do nosso país, a questão do PIB -, mas também nós temos o médio agricultor, o pequeno agricultor. Como é que ele poderia estar inserido nesse processo do mercado de carbono? Onde entraria o agricultor familiar?
Outra coisa: a gente também tem essa... Está na nossa cabeça, que, por o Brasil ser um país que tem muita mata, inclusive no Norte, o Brasil é importante nessa questão da produção de carbono e da captação do carbono, mas como é, então, a floresta que está em recuperação, que foi cortada, mas que está em recuperação, como é essa questão? Então, para mim, essa questão da certificação e também do financiamento climático. Alguém, inclusive, falou sobre isso, e é um negócio que me deixa curioso para ter mais informações, sobretudo essa questão da certificação e do financiamento climático. No mais, quero parabenizá-la, Deputada Flávia Morais, pela realização da audiência pública, porque eu acho que esse é um tema oportuno. Nós temos que realizar mais debates como este, seja aqui, na Comissão de Mudanças Climáticas, seja na Comissão de Meio Ambiente, de que eu faço parte lá na Câmara dos Deputados, e parabenizar todos os debatedores aqui. Acho também que é importante a gente envolver outros setores da sociedade para garantir a questão da participação social, seja o setor produtivo, seja o agronegócio, sejam as federações representantes dos trabalhadores, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores, a Contag, as federações de trabalhadores...
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Enfim, quero parabenizar pela realização da audiência pública.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Parabéns, Deputado Leonardo Monteiro, sempre atuante, participante. Nós somos colegas da CTRAB, Comissão do Trabalho, e ele é um Deputado sempre muito atuante. Eu fico feliz de vê-lo aqui, Deputado. Eu sei que, com a dedicação do senhor, nós vamos trabalhar muito nesta Comissão.
Queria registrar a presença do Nelsinho, que foi Superintendente da Sudeco em Goiás, que está aqui conosco.
Nelsinho, seja bem-vindo também!
Eu queria dizer do quanto nós estamos preocupados e, ao mesmo tempo, Deputado, entusiasmados, acreditando. Eu acho que o momento agora é de esperança. Já estivemos aí mais preocupados. E a gente sabe do atraso, sabe do desafio que é estabelecer esse mercado de carbono regulado, estabelecer políticas públicas que sejam financiadas, que estejam bem organizadas e direcionadas. A gente sabe que isso tudo é um grande desafio, mas eu acredito que nós estamos virando a chave. Nós estamos saindo do momento de "ah, esse problema está muito longe de nós" para um momento em que nós estamos vendo acontecer agora, todos os dias, com esses eventos do clima, essas mudanças de clima, esses eventos inesperados que têm causado transtornos nunca vistos aqui no nosso país e que começam a preocupar todos os setores, todas as pessoas. Não tem lugar a que a gente vá, nesses últimos meses, nesses últimos dois meses, não tem lugar aonde a gente vá em que um cidadão brasileiro ou uma cidadã brasileira não faça um comentário sobre o calor que nunca teve antes e, em alguns casos, sobre as chuvas que vieram e que trouxeram transtornos nunca vistos antes.
Então, as mudanças climáticas que foram anunciadas pelos estudiosos, por aquelas pessoas que estiveram mais aprofundadas nesse tema, hoje estão presentes na vida de todo cidadão. Então, eu estou vendo claramente que nós estamos num momento muito propício para a aprovação da legislação, mas também para as mudanças de hábito, para as mudanças culturais, que, para mim, são o maior desafio desse tema que nós precisamos fazer em cada pessoa que vive no nosso país e que também vive no mundo.
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Nós temos agora uma mobilização grande de um colegiado aqui do nosso Parlamento Brasileiro que deve participar da Conferência Mundial do Clima. Esse interesse já deixa também clara essa preocupação.
A Mônica colocou aqui de forma muito especial, ela colocou o dedo ali: com certeza é a pauta política do século XXI, e muitos Parlamentares já estão vendo isso, viu, Mônica? Então, a gente sente, Eduardo, você que trabalha na agricultura, o terreno neste momento fértil, para a gente poder trabalhar essa pauta e esse tema.
Por isso, Deputado Leonardo, é urgente, a gente precisa correr para especializar, para conhecer cada detalhe do que já foi debatido, cada detalhe dessa proposta nova para todos nós e desse tema que precisa chegar a cada canto do nosso país.
Então, esta é uma audiência pública importante, nós precisamos, sim, Deputado Leonardo, fazer outras. Aqui, esta Comissão é o espaço para isso, esta Comissão Mista é o espaço para que a gente possa trazer vários diálogos e para que a gente possa aprofundar, especializar nesse tema.
Nós temos aqui a participação dos cidadãos, com várias perguntas, alguns comentários. Eu vou brevemente ler os comentários que eu considero relevantes e importantes. Logo após, a gente vai passar às perguntas.
Nós vamos agilizar essa parte, mas a gente quer aqui, desde já, agradecer a todos que participam, dizer da importância deste momento para o Brasil e para o mundo.
Eu acho que estivemos participando de um momento, até junto com a Raps e alguns Parlamentares, na Dinamarca, conversando, e, naquele momento, a gente via um jogo de empurra: "Ah, porque meu país é pequeno e o seu é grande". E na verdade esse é um problema de todo mundo, de todos os países, de todas as pessoas. Nós não temos como separar um canto: "Ah, aqui, nesse cantinho, nós não vamos ter problema de mudança climática. Ah, naquele cantinho, ali, não vai ter problema ambiental". Não, todo mundo vai ser afetado pela falta de compromisso, pela falta de interesse, pela falta de responsabilização de todos nós.
Então, acho que é um chamado. O Brasil precisa entrar e precisa entrar com pressa, precisa entrar com a sua competência e também com todas as riquezas naturais, potencialidades que ele tem para ajudar a contribuir com as respostas que nós precisamos dar.
Então, dos comentários a gente tem... Eu quero agradecer a todos que participam conosco, que assistem a esta audiência pública, começando pelo comentário do Rubens Caldeira, de São Paulo, que fala: "Pauta foca na dimensão da agropecuária [olhe aí, Eduardo], falta contemplar outras, como uso e ocupação do solo e cidades, processos industriais e óleo e gás". Com certeza é uma sugestão, Fabiana, para outras audiências públicas.
Paulo Horta, de Santa Catarina: "Efluentes urbanos e rurais são importantes fontes de gases estufa. Precisamos valorizar tratamentos alternativos como mitigação e adaptação".
Yago Magalhães, de São Paulo: "O mercado de carbono diminui a competitividade entre produções de empresa colocando o dinheiro como barreira, [...] [ou seja, paga-se] para poluir".
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Luiz Cláudio, do Rio de Janeiro: "[...] o Brasil não percebe [...] [seu] potencial e também não investe na otimização dos depósitos de resíduos".
Carolina Máximo, do Espírito Santo: "[...] [Precisamos de] políticas públicas que estimulem o desenvolvimento urbano inteligente, de modo a minimizar as emissões geradas pelas cidades".
Maria José, de São Paulo: "A ação [...] contribui para a manutenção das áreas de florestas, cabe ao mercado se desenvolver sem causar danos ao meio ambiente".
Passamos agora para as perguntas, que a gente vai direcionar. Eu gostaria de pedir... Vou fazer o direcionamento, vou pedir que anotem, e, assim que eu acabar de fazer, todos vocês vão repetindo rapidamente, fazendo as respostas. Peço que as respostas possam ser objetivas para que a gente não canse a nossa audiência.
Luíza Faresin, do Espírito Santo: "De que forma pequenos [...] agricultores bem como empreendedores serão beneficiados por este mercado? Como a agroecologia será inserida?". Eu queria direcionar para o Eduardo.
Ângelo Correa, do Rio de Janeiro: "A restauração florestal é de suma importância, mas quais investimentos [...] visam associar a conservação com o mercado de carbono?". Aí eu passo essa pergunta para a Nat, Natália.
Mereli Cristina, de São Paulo: "Como impedir que grandes organizações poluam [...] e depois simplesmente tentem compensar comprando créditos de carbono?". Essa eu passo para o Caio.
Estefani Fujita, do Amazonas: "Quais políticas públicas estão sendo propostas para fortalecer as iniciativas de [...] captação de carbono?" Gabriela.
Clemente Coelho, de Pernambuco: "Como é possível conciliar o mercado de carbono em territórios protegidos, com populações tradicionais?". Muito importante, Clemente, essa pergunta. Gabriela.
Rony Peterson, do Pará: "Serviços como produção de água e estoque de carbono podem se tornar uma complementação de renda ou a renda total de uma família no Brasil?". Gabriela.
Everardo Vieira, do Rio de Janeiro: "A regulação do mercado de carbono no Brasil permitirá a monetização das florestas pertencentes às reservas legais das propriedades rurais?". Vou passar para o Eduardo, mas a Nat quer falar também um pouquinho sobre isso.
E Beatriz Nogueira, da Bahia: "Quais os incentivos que serão dados aos proprietários de reservas?". Também o Eduardo e a Nat poderão falar sobre isso.
Tem algumas perguntas que não foram aqui direcionadas, mas que vão ser respondidas pela equipe aqui da Comissão. Todos vão ser respondidos.
Eu vou passar, então, a palavra para cada um dos expositores, peço que façam, então, as respostas de forma objetiva, e logo depois para as considerações finais.
Eu passo primeiro a palavra para o Eduardo Brito, que vai responder as suas perguntas.
O SR. EDUARDO BRITO BASTOS (Para expor.) - Obrigado. Obrigado, Deputada Flávia, obrigado, Deputado Leonardo Monteiro.
Eu vou tomar a liberdade aqui, como o senhor citou Governador Valadares, e vou dar o exemplo do café. A média dos produtores de café é de 20ha nesse país. Então são pequenos e médios produtores que compõem a grande maioria da produção do café do Brasil, que é, de longe, o maior produtor exportador do mundo. E o que é importante aqui é que, para projetos de carbono, muitas vezes a gente precisa de escala. Os custos desses projetos variam, mas estão em torno de R$5 milhões. Obviamente um produtor de 20ha não vai pagar R$5 milhões para fazer um projeto de carbono na sua propriedade. Então a solução que a gente traz aqui - e vale também aqui no caso da Luiza, quando ela pergunta desses pequenos agricultores, empreendedores, a lógica é muito parecida: agregação, cooperativismo, associativismo.
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A monteCCer, do estado do senhor também, lá do triângulo, tem trabalhado bastante nisso para exportar café carbono neutro. E eles fizeram isso exatamente desta maneira: se juntando através de uma cooperativa para dar essa escala, para baratear o custo, virar um custo quase marginal numa cooperativa. E, assim, eles podem, então, estar nesse mercado. Hoje, com menos de 15 mil, 20 mil hectares de área, não vale a pena contratar esse projeto. Então, esse é um desafio que a gente tem.
De novo aqui, esse agregador pode ser uma associação, pode ser uma cooperativa, pode até ser uma empresa, por exemplo, de grãos. Então, pode ser uma Caramuru, lá de Goiás, ou qualquer outra empresa que possa fazer essa agregação. E esse é o caminho que eu vejo para endereçar.
Da parte de regulação para a parte de floresta, tenho certeza de que a Nat vai complementar muito bem aqui, mas quero só reforçar que existe já, no texto original da lei, esse olhar cuidadoso para APP e reserva legal, particularmente reserva legal, e também existe no art. 41 do Código Florestal. É importante a gente lembrar que esse artigo carece ainda de regulamentação, mas é muito importante, porque a reserva legal, em que pese ser uma obrigação legal, a própria lei diz que é um benefício coletivo, mas o custo da manutenção é privado. Portanto, o art. 41 do Código Florestal deixa muito claro ali que é preciso criar um mecanismo de incentivo para aqueles produtores que têm, particularmente para quem tem o excedente de reserva legal. Então, esse excedente pode ser, à luz da lei, convertido se a gente não quiser que se converta... E este deveria ser o olhar: a gente não querer. Então, para investir em aumento de produtividade e não em desmatamento, é preciso criar um mecanismo de incentivo. Então, daí vem essa parte nesse PL específico, mas também, só relembrando, no art. 41 do Código.
Deixo para a Nat aqui complementar, mas agradeço mais uma vez e coloco aqui a minha pessoa e a Associação Brasileira do Agronegócio à disposição para outras conversas, que - eu concordo com a fala do senhor - são muito, muito importantes para que a gente possa trazer cada vez mais informação para esta Casa poder tomar as melhores decisões, que, com certeza, têm um impacto enorme para este país.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Eduardo.
Eu gostaria de passar, então, a palavra para a Natália.
Natália, eu estou falando seu nome certo? É Reteria?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Renteria.
A SRA. NATÁLIA RENTERIA (Para expor.) - Bom, eu realmente vou complementar, com alguns pontos, a fala do Eduardo, só destacando que mercado de carbono ainda é um tema muito técnico. Então, não é toda área, não é todo lugar que gera um crédito e isso está muito ligado à própria ciência do clima. Então, é muito importante a gente ter esta noção: não é qualquer lugar que gera o crédito. Você precisa se associar a pessoas que entendem como que vai ser a ponte que vai te levar para aquela certificação e como que isso vai ser feito.
Nessa ponte e nessa conexão com pessoas, com empresas, com associações que vão assumir esse papel, é muito importante também que o Ministério Público e os nossos órgãos fiscalizadores brasileiros estejam juntos nesse processo para que isso ocorra da maneira íntegra e desejável possível. Mas é importante a gente desmistificar essa geração do crédito e entender que é necessário procurar esses parceiros que vão permitir chegar a essas certificadoras que, atualmente são internacionais. E para você gerar um crédito de carbono, você tem uma receitinha de bolo, que é uma que a gente chama: quais são as metodologias. Então, você tem que seguir uma metodologia determinada para, ao final, se você cumprir todos aqueles requisitos técnicos, ter o crédito de carbono. Então, é importante a gente entender isso também.
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O SR. LEONARDO MONTEIRO (PT - MG) - Um detalhe. Só uma pergunta sobre isso: as certificadoras internacionais (Fora do microfone.) a grande maioria das certificadoras são internacionais. Como é que a gente... A gente poderia estar trabalhando no sentido de ter certificadoras no Brasil, instituições nossas que pudessem certificar as pessoas que têm interesse aqui no Brasil? Porque hoje nós estamos dependendo da certificação de certificadoras internacionais.
A SRA. NATÁLIA RENTERIA - Excelente pergunta, excelente provocação. Esse é um ótimo tema.
O mercado de carbono é um mercado majoritariamente - majoritariamente - reputacional, ou seja, é muito importante a maneira que eu faço, como eu faço, qual o objetivo com aquilo. Eu não posso fazer qualquer coisa em mercado de carbono, porque isso gera questionamento e gera um crédito que não tem valor nem ambiental nem financeiro. Então, atualmente, qual é a realidade? O mercado de carbono veio de discussões internacionais. A gente está, justamente, desenvolvendo a nossa legislação, mas, no mercado voluntário, nós temos essas certificadoras internacionais, que são a referência, que estão há anos desenvolvendo essas metodologias, essas receitas de gerar o crédito, e nada impede que a gente chegue a ter certificadoras nacionais, nada impede, principalmente num processo de tropicalização, como o Eduardo trouxe tão bem, mas é preciso ter cuidado, é preciso ter cautela e responsabilidade na hora de desenvolver essas iniciativas, senão a gente acaba gerando algo que vai depor contra o nosso próprio mercado. Então, muita calma nessa hora, como dizem por aí, para que isso seja feito de maneira íntegra, no tempo certo, para gerar o crédito com a integridade desejada.
Em relação aos agricultores, essa questão da APP e Reserva Legal foi algo desenvolvido com muito cuidado pela Senadora Leila Barros quando ela cuidou dessa parte no texto que foi apresentado e aprovado. Então, já é uma determinação do nosso Código Florestal, que foi trazido para o texto do mercado de carbono, a validação de você gerar créditos em área de APP e Reserva Legal. E por que isso? Se já tem uma lei determinando isso, como é que eu vou... É válido gerar crédito de carbono nessas áreas? Sim, é válido. É válido porque, no atual momento, a gente tem uma realidade de déficit, de dificuldade de conseguir arcar com essas determinações legais. E esse crédito traz a diferença entre você não cumprir a lei, entre você não ter essa possibilidade, e você conseguir justamente atingir o objetivo legal. Então, essa adicionalidade é garantida porque, sem o crédito, sem a possibilidade daquele projeto nessas áreas, aquilo não seria feito. E essa urgência que a gente tem na matéria climática, que garante a adicionalidade, está, sim, em acordo com o nosso Código Florestal, em acordo com o texto que foi aprovado pelo Senado.
Por fim, eu vou responder a essa pergunta aqui do Ângelo, que fala sobre a questão da restauração florestal. A gente tem dois tipos de crédito majoritariamente, gente - eu vou falar "majoritariamente" porque existem outras valorações também -, mas a restauração florestal é o crédito de remoção, como o de um pasto degradado em que você recoloca a floresta, ali, e aquela absorção do crédito é chamada crédito de remoção. É um projeto que é intensivo de carbono e tem uma resposta muito mais longa no tempo.
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E o crédito de conservação é o crédito de REDD, é o crédito chamado por essa expressão, por esse acrônimo...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. NATÁLIA RENTERIA - Essa sigla! Obrigada.
É o crédito que vai valorizar a floresta de pé, ou seja, você evita que ela seja desmatada em uma área que existe pressão de desmatamento. Existem também requisitos e técnicas que têm que ser observados, não é qualquer área de floresta em pé que gera o crédito de carbono.
Essa parte técnica, gente, tem que ser observada justamente para o mercado ser íntegro e para a gente conseguir responder a toda esta crítica internacional que está tendo em relação aos créditos de solução baseada na natureza: que ele não tem permanência ou que ele é de menor qualidade. E é isto que o Brasil tem que ter como uma posição de país, é falar: "O crédito brasileiro é um crédito íntegro, porque nós assumimos uma responsabilidade como país de entregar ao mundo um crédito qualificado". Isso exige um esforço de toda a sociedade, mas é isso que vai fazer diferença na nossa colocação no mercado internacional.
Então, sim, a gente tem, Ângelo, estas duas possibilidades: tem o crédito de restauro, mas também existe o crédito de conservação. Ambos alimentam um mercado voluntário de carbono.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Excelente, Natália. Muito obrigada.
Eu queria passar para a Gabriela. Vou deixar as mulheres primeiro - ouviu, Caio? Vou passar para a Gabriela, então.
Lembro ao Deputado Leonardo que a gente tem mais Comissão Mista. A gente tem a mista de combate à violência contra a mulher, que é mista; e tem uma também de povos refugiados.
O SR. LEONARDO MONTEIRO (PT - MG) - Comissão Especial, não é?
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Comissão Permanente.
O SR. LEONARDO MONTEIRO (PT - MG) - É?
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - É. Somos quatro.
Gabriela.
A SRA. GABRIELA SAVIAN (Para expor.) - Obrigada.
Eu fiquei aqui com três perguntas. Duas delas estão relacionadas ao mercado de carbono, e uma, aos pagamentos de serviços ambientais.
Com relação à Estefani, ela perguntou sobre as políticas públicas que estão sendo propostas para fortalecer as inciativas de captação de carbono. Acho que é importante ressaltar que a gente tem no âmbito nacional... Aí, pegando um pouquinho do que a Natália colocou, tem os créditos de carbono tanto por compensação de florestas em pé como de captação de carbono. A gente tem no âmbito nacional um arcabouço de políticas que, por um tempo, ficaram ali talvez não com a sua implementação completa, mas que agora podem e devem ser retomadas nessa estratégia de mercado de carbono, seja ele voluntário, seja ele regulado, para que a gente tenha essa estrutura de posicionamento de Brasil, de país, para quais são as ações que vão ser feitas. Existe a Estratégia Nacional de REDD, que é uma estratégia que pode olhar para esse mercado de carbono, mas que olhava antes para pagamento de resultados de redução de emissões e que trazia na sua estrutura uma forma de repartir os benefícios, de distribuir os benefícios para ações que, inclusive, podem ser tratadas de captação de carbono, de restauração, de recuperação de áreas degradadas, de recuperação de florestas desmatadas. Tem o Código Florestal, tem o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa).
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Então existe uma série de políticas públicas que precisam se coordenar nesse âmbito para responder, enquanto estrutura de Brasil, ao que se quer se posicionar para o mercado, seja o mercado de carbono ou seja também para pagamento de serviços ambientais.
Eu achei superinteressante a pergunta do Rony Peterson, que trata justamente dessa questão de serviços de produção de água, estoque de carbono, como que as coisas se complementam. E aí, um pouco dialogando com a sua pergunta, Deputado, com relação à renda da família no Brasil, pensando na agricultura familiar que o senhor trouxe, acredito que essas ações precisam se complementar. No âmbito da propriedade, da produção, elas precisam se complementar. Hoje a gente fala muito de mercado de carbono porque é a moeda, é a commodity, é a forma de monetizar esse serviço ambiental, mas a gente tem tantos outros que por vezes ficam esquecidos: o papel das florestas para conservação da água, o papel dessas áreas do Código Florestal que estão relacionados com APP e reserva legal para conservação da água, para conservação e manutenção da biodiversidade. E aí até se tenta trazer essa perspectiva da biodiversidade para o mercado de carbono também como um plus para o carbono, mas num desafio de como valorar, monetizar essa biodiversidade.
Então a gente precisa olhar de uma forma que esse valor que se dá para os serviços ambientais se complemente, sendo na propriedade privada e sendo nas estruturas das políticas públicas, para que, na repartição de benefícios, no investimento desses recursos que sejam captados, que sejam aplicados para essas ações que vão gerar mais captação de carbono, vão gerar ações que reduzam, de fato, as emissões. Então acho que essa interligação entre garantir que o mercado veja a viabilidade para investir e garantir que o investimento seja colocado para as populações, para as populações tradicionais, para as comunidades locais, para a agricultura familiar ou também para o agronegócio, para a agricultura de escala.
Finalizo com a pergunta do Clemente, que pergunta como que é possível conciliar o mercado de carbono com territórios protegidos, com populações tradicionais. A gente não falou aqui nesta mesa, mas é um desafio a regularização fundiária no Brasil, em especial na Amazônia - mas a gente sabe que é uma realidade e é um desafio para todo o Brasil. E esses territórios protegidos... Hoje é importante a gente ressaltar - eu comentei até na fala - esse contexto complexo de assédio às comunidades locais para projetos de carbono que chegam de cima para baixo, de forma violenta inclusive, tratando com as associações, com os presidentes das associações locais, mas sem fazer um processo de consulta livre, prévia e informada, sem fazer um processo de consulta ampla às comunidades. Então esse é um ponto que vale ressaltar de risco.
E a Natália falou dos riscos reputacionais. Essa questão das salvaguardas socioambientais é um dos pontos principais que têm sido pinçados desse contexto complexo e colocado em termos de deixar a régua lá embaixo e dizer que todas as ações não contemplam as salvaguardas. É importante ressaltar que a gente sabe que tem ações que estão buscando isso, mas é um desafio, inclusive em termos territoriais, conseguir fazer uma consulta livre, prévia e informada a todo o território, para todas as populações.
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Então, nesse contexto de regularização fundiária, a gente tem territórios que já estão estabelecidos, que têm os seus títulos, têm a sua demarcação, enfim, têm a sua garantia dos direitos da terra, e têm outros tantos, especialmente quando a gente fala de populações tradicionais, quilombolas, tantas centenas de territórios coletivos que não estão ainda com o seu processo de titulação completo, do ordenamento territorial dessas comunidades locais.
Então é importante ressaltar que, quando a gente está tratando de uma política pública, a gente trata de uma distribuição de benefícios ampla que alcance não só aqueles que já têm titulação, mas também aqueles que não têm e que precisam ter também as suas formas de vida fortalecidas em termos de governança territorial, para inclusive manter as florestas em pé - e a gente sabe do papel dessas populações tradicionais na manutenção das florestas em pé.
Quando a gente está tratando de projetos de carbono é importante ressaltar que a titularidade da terra precisa estar completa. Todo o processo de regularização fundiária precisa estar completo para que se possa fazer uma assinatura de um acordo de um projeto de carbono. A gente vê hoje, lá no Pará, um caso específico em que um projeto de carbono foi feito em cima de uma área usando um título ou usando um documento que não é o título da terra e em que agora, depois de ter gerado - mesmo nos altos padrões internacionais de certificação - um crédito de carbono em cima de uma área sem documentação, está tendo toda uma discussão e trazendo um contexto de conflitos socioambientais bastante completo naquele território.
Então é importante ressaltar esses parâmetros necessários para que, de fato, a gente possa chegar ao momento de o Brasil dizer que o crédito de carbono gerado no Brasil é um crédito de carbono de alta integridade porque tem essa segurança jurídica e técnica necessária.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Muito bem, Gabriela. Muito obrigada.
Eu passo agora, então, ao Caio, para fazer as respostas.
O SR. CAIO BORGES (Para expor.) - Obrigado, Deputada.
Antes de responder, se me permite, Deputada, eu queria responder à pergunta do Deputado Leonardo sobre financiamento climático, para trazer um pouco mais, porque realmente é uma discussão que para o Brasil é fundamental.
Qualquer país em desenvolvimento vai enfrentar restrições fiscais para fazer o investimento na transição. A gente não tem, infelizmente, a mesma capacidade de um país como os Estados Unidos de destinar bilhões ou trilhões de dólares para incentivos, como foi o caso da legislação que foi aprovada nos Estados Unidos ou desses pacotes de estímulo. Então, a gente precisa ser criativo na maneira como a gente realmente vai catalisar recursos para essa economia de baixo carbono.
Então, Deputado, o financiamento climático é aquele que, de maneira muito simples, é o financiamento alinhado aos objetivos do Acordo de Paris. Então é um financiamento que é canalizado para setores, indústrias e projetos nas áreas de mitigação ou de adaptação - é bem importante deixar claro que não é só para a mitigação. E a gente está vendo, como a Deputada bem colocou, o aumento das ondas de calor, das inundações, das queimadas. Então, o financiamento também que traga resiliência para a infraestrutura sustentável, por exemplo, pode ser colocado como financiamento climático.
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O Brasil assume a Presidência do G20 agora, e, no ano que vem, vai ser realizada a Cúpula do G20 no Rio de Janeiro. Na Presidência que se encerra agora, da Índia, foi feito um estudo por um painel de especialistas que estimou que o mundo vai precisar de US$1,8 trilhão adicional de recursos somente para mudanças climáticas, para combater as mudanças climáticas.
E o que os países têm feito para definir? Porque aí a primeira questão é como definir o que é financiamento climático e o que não é alinhado ao Acordo de Paris. Um instrumento de política pública é a taxonomia. A taxonomia é uma tipologia que vai classificar as atividades, os setores e os projetos para dizer se eles estão mais ou menos alinhados, e o Congresso tem projetos de lei nesse sentido, também o próprio Governo tem grupos de trabalho discutindo. Então, avançar também em definir uma taxonomia vai dar também essa sinalização para os agentes econômicos, se eles estão ou não estão investindo em projetos alinhados aos objetivos do Acordo de Paris.
É muito importante dizer que, no financiamento climático, há uma diversidade de fontes e de instrumentos. Então, pode ser capital privado, pode ser capital público, pode ser capital híbrido, que é aquele capital público que, de alguma forma, atua ali, juntamente, em parceria com o capital privado. Então, você pode ter um banco de desenvolvimento que dá um crédito diferenciado para um projeto para depois esse projeto, então, ser financiado pelo mercado a taxas não concessionais.
E também, só para encerrar essa questão do financiamento, eu queria dizer que, mais uma vez, no Brasil, a gente precisa aprofundar a discussão sobre como desenvolver mais o mercado privado e canalizar mais recursos para essas áreas por meio de criação de novos instrumentos. A gente tem green bonds, títulos verdes - são títulos importantes -, tratamento fiscal e rotulagem também de fundos. É algo importante para que os fundos de investimento sejam definidos como fundos verdes.
Muito rapidamente, Deputado, a pergunta era sobre como é que as corporações cumprem com suas metas de redução, sem somente se apoiar nas compensações. O que eu queria dizer aqui, de maneira muito rápida, é que é preciso limitar o número de offsets, o termo em inglês para compensações. Então, isto não precisa ser definido agora, mas vai ser definido em algum momento até que ponto vai se aceitar que o cumprimento do cap de emissões seja não pelo esforço de redução, por meio da troca, por exemplo, de uma caldeira por alguma fonte elétrica, mas, sim, por compensação. Essa compensação pode vir de créditos de carbono gerados fora dos entes regulados, como é o caso, por exemplo, do setor florestal, que não entra, a princípio, no mercado regulado.
Então, é importante que, na fase de regulamentação, a gente pense no que a gente diz de cobenefícios. Então, é possível que o mercado regulado gere cobenefícios ao estimular atividades que a gente gostaria de ver, que estão fora, mas em que a gente quer ver redução de emissões, sequestro de carbono ou emissões evitadas.
Mas o grande problema - de novo, é preciso alertar, porque nunca é demais falar isso - é que a gente não pode baixar a guarda em relação à integridade desses créditos. Então, a integridade dos créditos. Por quê? Porque, no mercado regulado, a gente não tem uma linha de base que a gente compara, não existe isso. Essa é a grande diferença. No mercado regulado, se estabelece um teto, e todo mundo tem que ficar dentro desse teto; no mercado voluntário você faz um cenário contrafactual: como seriam as emissões se essas atividades existissem ou se eu não sequestrasse esse carbono versus o projeto que, supostamente, teria levado a essa redução. Fazer esse contrafactual com metodologias verificáveis é extremamente difícil, e hoje há muita discussão em relação a isso.
Então, é só para, de novo, a gente ter cautela no uso e sempre garantir que, sim, é importante que haja o uso de compensações, porque tem alguns setores que são mais difíceis de descarbonizar, e eles têm que entrar de certa forma.
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Então, a gente não pode achar que eles vão ter uma solução da noite para o dia, mas é importante que isso seja feito de maneira parcimoniosa, para não matar o objetivo central, que é o de fomentar essa transformação industrial. Esse é o objetivo central do mercado regulado.
E gostaria de agradecer, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Caio.
Eu queria, então, dizer que foi um momento riquíssimo - não é, Deputado Leonardo? Foi muito importante a disponibilidade de vocês aqui, junto a esta Comissão.
Eu vou passar para as considerações finais. Nós estamos com o tempo meio estourado. Logo após, a gente deve passar para a segunda parte. Nós ainda vamos fazer a deliberação de alguns requerimentos. Então, por isso, eu vou passando de lá para cá para a Mônica Sodré fazer as considerações finais.
A SRA. MÔNICA SODRÉ (Para expor.) - Deputada, eu gostaria de lhe agradecer pela sensibilidade do convite, pela disposição de puxar um tema como esse. Nós tivemos a oportunidade, como a senhora mencionou, de estar juntas, no começo do ano, na Europa, discutindo uma agenda de energia, discutindo o clima a partir de uma perspectiva de energia. E eu fico muito feliz de vê-la à frente desse tema e tomando a liderança dessa discussão.
Eu gostaria também de retomar uma passagem da minha vida. Eu sou cientista política de formação e estudei legislativo na graduação, no mestrado e no doutorado. E eu me lembro que parte da literatura da ciência política dizia que o Parlamento brasileiro não era afeito a temas de interesse internacional porque havia uma agência altamente insulada, que é o Itamaraty, para cuidar dos temas de política externa. E que, portanto, os Parlamentares se sentiam desobrigados de olhar para isso, porque isso não dava voto.
Eu fico superfeliz de ver esta Casa, com esta Comissão funcionando de novo, tratando um tema que, obviamente, é um tema doméstico, mas tem repercussões no cenário externo. E, como disse o Caio, nós teremos outras oportunidades internacionais. A COP é uma, a Presidência do G20, que se inicia no 1º de dezembro, é outra, e nós também teremos o exercício da Presidência dos Brics, agora com um grupo adicional, os Brics+. Isso abre ao Brasil oportunidades internacionais enormes na agenda de desenvolvimento. Eu fico superfeliz de ver o Parlamento brasileiro tomando contato com isso.
Acordos como o acordo da União Europeia e Mercosul, que estão em discussão mais ou menos há 20 anos e que a gente espera que saiam, certamente passarão por esta Casa. Então, o Parlamento tem, diante de si, a tarefa - como eu brinco - de frequentar o mundo e de nos colocar em linha com o que existe de mais atual na discussão para essa transição para uma economia de baixo carbono.
Eu disse na semana passada e eu encerro aqui repetindo: o Brasil está no centro do mundo e o mundo está de olho no Brasil. Eu espero que nós sejamos capazes de aproveitar essas oportunidades.
Obrigada, Deputada, pela sua liderança nessa discussão. Estaremos sempre à disposição no âmbito da Raps.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Mônica. Eu queria ressaltar a importância da Raps, que tem arregimentado Parlamentares que muitas vezes não têm muita afinidade com o tema e trazido para esse tema. Eu sou uma testemunha viva disso. Eu estou no quarto mandato, nunca participei desse tema nesta Casa. Tem várias pautas e aqui são muitos temas. É difícil a gente estar em todos, mas, com certeza, a percepção que a gente tem quando começa a discutir, debater e participar é de que esse é um tema de todos nós. Por mais que tenha alguns que estão há mais tempo, mais especializados, todos precisam estar falando, entendendo e se apropriando desse tema nesta Casa.
Então, eu quero aqui agradecer pessoalmente pelo enriquecimento que a Raps trouxe ao nosso mandato, quando nos trouxe para essa imersão, junto com outros Parlamentares, que, assim como eu, não tinham afinidade com a causa e que hoje estão envolvidos.
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Eu vejo aqui que nesta Comissão Mista nós temos o Deputado Zé Vitor, que esteve conosco, e outros Parlamentares estiveram participando conosco e que se apropriaram desse tema nesta Casa, depois de tanto tempo. Então, a gente fica feliz por isso e a gente está aqui à disposição, para cada vez mais, entender, acompanhar e dar oportunidade para que esse tema tome a proporção que precisa no nosso país.
Irei passar, então, para as considerações finais, a palavra ao Sr. Eduardo Brito.
O SR. EDUARDO BRITO BASTOS (Para expor.) - Obrigado mais uma vez, Deputada.
Quero dizer que foi uma honra poder dividir aqui, com tantas amigas queridas, tanta gente de que eu gosto e admiro, com quem a gente trabalha já há bastante tempo. Mais uma vez, quero colocar a gente à disposição e deixar um recado, uma mensagem final muito positiva: hoje, daqui a pouco, às 2h30 da tarde, a gente vai criar a câmara temática de carbono dentro do Ministério da Agricultura.
As câmaras temáticas são instrumentos legais de apoio, suporte à política pública, inclusive dessa relação entre outros atores, com o Parlamento brasileiro. Então, quero aqui... Eu tomei a liberdade de pedir ao Ministro se eu poderia falar, porque a gente vai criar hoje à tarde, e ele disse "o.k., tudo bem". E a gente, então, está criando hoje à tarde essa câmara setorial exatamente para contribuir, de maneira mais robusta, com essa discussão. Então, convido também este Parlamento a estar mais próximo.
Mais uma vez agradeço e coloco a minha pessoa e a Abag à disposição.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Eduardo.
Passo então a palavra para a Natália, para as suas considerações finais.
A SRA. NATÁLIA RENTERIA (Para expor.) - Deputada, primeiro, muito obrigada.
Foi uma honra estar aqui. Para mim é um prazer enorme. É um tema por que eu tenho muito apreço, então é um prazer poder contribuir com o debate de todos e compreensão de todos.
O que eu queria, talvez, sublinhar é que é nós estamos num momento histórico econômico de virada de posicionamento global. E, quando a gente está vivendo um momento desses, talvez a gente não tenha noção da dimensão da transformação de que a gente está sendo instrumento. Então, realmente não vamos perder de vista a importância de a gente caminhar aqui no Brasil com essa regulação de maneira coerente.
Isto foi trazido aqui, mas é importante lembrar: o mercado regulado é como uma colcha de retalhos, gente, com vários pedacinhos, e o mercado regulado é um deles. Então, vamos fazer o esforço para continuar. Que essa colcha seja costurada e que a gente, no final, tenha um cobertor com que possamos nos aquecer, não no sentido ruim da palavra, mas que nos traga energia para essa transformação necessária.
Então, muito obrigada e fico à disposição.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Natália.
Passo à Gabriela para as considerações finais.
A SRA. GABRIELA SAVIAN (Para expor.) - Bom, Deputada, é só agradecer o convite e a oportunidade de a gente estar aqui discutindo essas questões climáticas e reforçar a importância de a Comissão de Mudanças Climáticas discutir esses temas e poder trazer as questões necessárias não só para o mercado regulado de carbono, mas para o âmbito da legislação brasileira, das políticas públicas necessárias para a redução de emissões. Coloco a Coalizão Brasil Clima Floresta e Agricultura à disposição também para todos os debates e discussões, assim como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Excelente. Obrigada, Gabriela.
Caio, para encerrar.
O SR. CAIO BORGES (Para expor.) - Também, Deputada, quero agradecer a sua liderança nesta Comissão também, colocar o Instituto Clima e Sociedade à disposição do seu mandato, dos membros dessa Comissão Permanente sobre Mudanças Climáticas e também nos colocar à disposição para futuros debates.
Muito obrigado.
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A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Eu agradeço mais uma vez a todos os expositores. Eu gostaria de deixá-los à vontade.
Eu declaro encerrada esta audiência pública e dou continuidade à reunião ordinária da Comissão Mista de Mudanças Climáticas.
Aqueles que quiserem permanecer, podem; aqueles que não quiserem, fiquem à vontade para cuidar das suas agendas.
Eu passo, então, agora para a deliberação de requerimentos. Nós temos três requerimentos em pauta. Eu vou ler cada um dos requerimentos e passo logo após para a aprovação.
2ª PARTE
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA PERMANENTE SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS N° 4, DE 2023
- Não terminativo -
Requer a inclusão da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente - ABREMA na audiência pública objeto do requerimento nº 02/23.
Autoria: Senador Giordano (MDB/SP)
Os Parlamentares que concordam com esse requerimento permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
2ª PARTE
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA PERMANENTE SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS N° 5, DE 2023
- Não terminativo -
Requer que sejam convidados a Senhora Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima, e o Senhor Embaixador André Aranha Corrêa do Lago, Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, a comparecer na Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas.
Autoria: Senador Humberto Costa (PT/PE)
Os Parlamentares que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovado.
2ª PARTE
ITEM 3
REQUERIMENTO DA COMISSÃO MISTA PERMANENTE SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS N° 6, DE 2023
- Não terminativo -
Requer a realização de diligência no estado de Mato Grosso, para averiguar a situação do Pantanal mato-grossense.
Autoria: Senador Humberto Costa (PT/PE)
Os Parlamentares que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
Eu considero, então, agora aprovado.
Não havendo ninguém mais a se manifestar e nada mais havendo a tratar, eu agradeço a presença de todos e encerro a presente reunião da Comissão Mista de Mudanças Climáticas.
Encerrada.
(Iniciada às 10 horas e 50 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 58 minutos.)