Notas Taquigráficas
Horário | Texto com revisão |
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R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 98ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. Esta reunião é interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211. Esta reunião será dividida em duas partes. Primeira parte: reunião de trabalho com a finalidade de lançar o livro A Nova Ordem, do nosso querido e inesquecível amigo, líder sindical e Parlamentar, uma liderança da sociedade brasileira, que perdemos muito cedo, mas muito cedo mesmo, Luiz Gushiken. Convidados para esta primeira parte da nossa sessão: Ricardo Berzoini, ex-Ministro do Trabalho, das Comunicações, da Previdência Social e da Secretaria de Relações Institucionais; Jacy Afonso, Presidente do PT - DF, a quem eu já convido para a mesa, com as palmas a todos que eu, aqui, citei; (Palmas.) |
R | Washington Araújo, Jornalista e Escritor; (Palmas.) Fernanda Otero, Jornalista, que nos ajudou aqui, nos encaminhamentos que anteciparam esta reunião. (Palmas.) Sejam bem-vindos! Como é de praxe, farei uma pequena introdução aqui do tema desta primeira parte da CDH, Comissão de Direitos Humanos do Senado. Lançamento do livro de Luiz Gushiken, A Nova Ordem, organizado pela jornalista e ex-assessora de Luiz Gushiken, Fernanda Otero, que atualmente vive na Irlanda e coordena o núcleo do PT naquele país. Contamos com a presença, aqui na Comissão de Direitos Humanos, sempre bem-vindo, do nosso querido amigo e ex-Ministro do Trabalho, das Comunicações, da Previdência Social e da Secretaria de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, que, segundo me informaram, remeteu um vídeo, uma gravação que botaremos no ar, em seguida. Luiz Gushiken foi Presidente do Sindicato dos Bancários do Estado de São Paulo, sendo que, em 1985, coordenou uma das maiores greves da categoria registradas no país até hoje. Presidiu o Partido dos Trabalhadores em 1989 e foi um dos principais responsáveis pela campanha do Presidente Lula naquela época e naquele ano. Em 2002, Gushiken esteve entre os coordenadores da vitoriosa campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República e assumiu o cargo de Ministro-Chefe da Secom. Deixou-nos, prematuramente, aos 63 anos, em 2013, no dia 13 de setembro. No livro que estamos lançando hoje, aqui na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, há uma carta que ele deixou ao Presidente Lula; em um dos textos, uma tese sobre uma nova ordem mundial para a governabilidade do planeta. Naturalmente, os nossos convidados vão aqui deixar claro qual o eixo principal do livro e o porquê dessa homenagem, porque não deixa de ser homenagem - eu assim classifico este momento - ao grande Luiz Gushiken. Ele foi dirigente da CUT também, não foi? No nosso tempo, não é? Nosso, no nosso tempo! (Risos.) Grande Luiz Gushiken! Eu passo neste momento ao vídeo que foi encaminhado a nós, porque não estava aqui em Brasília o nosso querido amigo e ex-Ministro do Trabalho, das Comunicações, da Previdência Social e da Secretaria de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini. Peço, se possível, para colocarem o vídeo. (Pausa.) A imagem está boa, a imagem está boa! (Pausa.) |
R | Só não tem som. A imagem está boa. (Pausa.) Se for o caso, a gente o passaria para um segundo momento? (Pausa.) Isso. Em seguida, nós voltaremos com o Ministro Ricardo Berzoini. Passo a palavra, neste momento, aqui na mesa, ao vivo, ao nosso querido amigo também de longas datas e tantas lutas - eu não vou passar aqui todo o teu currículo agora, não -, o Presidente do PT do DF, Jacy Afonso. O SR. JACY AFONSO (Para expor.) - Bom dia a todas e todos! Senador Paim, muito obrigado por esta oportunidade de estar, aqui, com vocês - e por um motivo muito nobre que é falar sobre o Gushiken -; com a companheira Fernanda Otero, que trabalhou com o Gushiken, organizou o livro, mora lá na Irlanda e organiza o PT no exterior; o Washington... Então, eu queria aqui falar da importância deste momento. E você, vamos dizer assim... Eu estava lembrando hoje, no caminho de casa para cá, que, na Constituinte, o PT elegeu 16 Deputados. Desses 16 Deputados, 8 eram sindicalistas. (Intervenção fora do microfone.) O SR. JACY AFONSO - Cinquenta por cento da bancada. Então, você; o Olívio, lá do Rio Grande do Sul; o companheiro Vítor Buaiz, do Espírito Santo, que era do Sindicato dos Médicos; o Paulo Delgado; o João Paulo Pires de Vasconcellos, que também era metalúrgico; o Lula; o Gumercindo Milhomem; e o Gushiken. Portanto, era um time que teve um papel importante na Constituinte. Só para lembrar que o PT, então, tinha 16 Deputados naquela Constituinte, e foi o papel que você, o Gushiken, o Lula e os demais companheiros desempenharam que possibilitou a gente ter essa Constituição Cidadã, com esse papel sindical, de origem sindical - você era no gabinete 471 e o Gushiken era no 373; era aquele corredor vermelho ali, porque era só gabinete de Deputado ali no Anexo 3. Então, o Gushiken, eu acho, junto com você desempenharam um papel muito importante do ponto de vista de trazer para a vida parlamentar a experiência sindical. Lembro que o Gushiken falou assim: "Olha, eu, que já falei aqui para 40 mil bancários, na Assembleia da Praça da Sé, na greve... Quando você fala, aqui no Congresso, muitas vezes você não é ouvido. Então, é uma combinação da capacidade de liderar os trabalhadores e, ao mesmo tempo, da capacidade de articular aqui dentro do Congresso". E acho que você é o melhor exemplo disso, dessa capacidade de atuação dentro do Congresso. Então, vocês dois juntaram um papel importante na história do movimento sindical de sucesso da CUT, que fez 40 anos este ano. E amanhã será lançado, na Faculdade de Sociologia da USP, o livro A geração que criou a CUT - e um dos principais personagens desse livro é você -, organizado pela companheira Silva Portela e várias outras pessoas. Então, é um momento importante da CUT e do PT esse momento. |
R | Por último, eu acho que, Washington e Fernanda - e está aqui também o nosso amigo Wagner Pinheiro, que também participou -, o tema da governança global está no centro global da conjuntura no mundo, ou seja, a incompetência, a falência - o nome que a gente possa dar - da ONU de não enfrentar a crise, a ocupação dos territórios e o processo de ataque e destruição da Palestina. E a ONU não consegue se posicionar, não consegue atuar. Portanto, o Gushiken, na visão dele do movimento sindical, do movimento partidário, do Governo Lula, também pensou no mundo como um todo. E era preciso isso. Então, foi isso que ele nos deixou. Tem dez anos que ele nos deixou, cedo, mas o Gushiken é muito importante para nós. E a gente continua insistindo nessa tese de ser o mantra - não é, Washington? - dessa governança global. Vamos transformar essa expressão do Gushiken num mantra nosso, que é uma nova governança global. Tem um documento, tem uma proposta. E acho que esse é o momento adequado. O Lula está lá, saiu agora da COP 28, está indo para Alemanha, numa relação, inclusive, com partidos importantes. Por último, Paim, permita-me sugerir um tema para que você, que sempre foi... Como a gente está falando do mundo, eu queria falar dos brasileiros que estão no exterior. Tem 5 milhões de brasileiros que moram no exterior hoje. E nós precisamos pensar em como organizar, como atuar, como defender esses trabalhadores, porque a gente só pensa que quem vai para o exterior é rico. Não, tem muito imigrante que passa dificuldade, que está lá passando dificuldade. E a gente precisa ter uma atuação internacional, tanto do Partido dos Trabalhadores... Acho que nós temos que organizar os petistas que estão no exterior. A CUT precisa organizar os trabalhadores que estão no exterior. E nós, o Parlamento brasileiro, precisamos pensar nisso e, inclusive, pensar, Paim, numa forma de esses brasileiros votarem para o Parlamento brasileiro - como fazem os outros países: você vê os franceses, os italianos, os europeus votando aqui no Brasil nas eleições parlamentares deles. Aqui a gente só vota para Presidente da República, o que já é importante, mas acho que a gente tem que pensar a ideia de como a gente organiza esses imigrantes, essas pessoas que estão no exterior; como é que eles participam; e como é que tenha representação no Parlamento e representação, no caso, como dirigente do partido, dentro do partido sobre isso. Então, queria agradecer muito esta oportunidade e, sem dúvida nenhuma, agradecer à Fernanda por ter idealizado e ter conseguido reunir 67 pessoas escrevendo esse livro. Além do Paim, estão lá o Presidente Lula e a Presidente Dilma. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estou bem acompanhado. Fiquei orgulhoso de saber que nós todos estamos lá, vocês que montaram, que escreveram, fazendo uma homenagem merecida ao Gushiken. E, já aproveitando essa homenagem ao Gushiken, quero dizer que eu vou acatar a tua proposta. Já vou avisar a minha assessoria. A Ingrid deve estar aqui na sala, não? Está, está acompanhando. Ingrid, a gente vai fazer uma audiência pública - para a qual você vai ser convidado - entre a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Refugiados. Lá é refugiado, emigrante, imigrante, tudo passa por lá. E eu faço parte lá também. Eu vou conversar com o Gadêlha para a gente fazer uma reunião conjunta para debater essa questão e a situação também daqueles que estão no exterior. Como você falou muito bem, não é só rico que está lá fora; tem muita gente precisando do apoio de nós todos aqui. O.k.? |
R | Parabéns, então, mais uma vez, Jacy Afonso. E, neste momento, eu passo a palavra para o Sr. Washington Araújo, jornalista e escritor. Na abertura, que aceitem as nossas palmas a vocês dois, Jacy Afonso e Washington Araújo. Depois o Berzoini vai entrar, e Fernanda Otero, na sequência. (Palmas.) O SR. WASHINGTON ARAÚJO (Para expor.) - Bom dia a todos. É uma alegria imensa voltar aqui e ver o nobre Senador Paulo Paim na Presidência da Comissão de Direitos Humanos, tratando dos assuntos mais relevantes que a sociedade brasileira enfrenta - a questão de eliminação do racismo, a questão dos direitos das minorias discriminadas, a questão dos direitos das mulheres e também, principalmente, a questão indígena. O Senador Paulo Paim, eu diria, poderia ter como sobrenome a luta contra as violências que afligem as pessoas que são vulneráveis na sociedade - e não porque elas tenham nascido, Senador, vulneráveis, mas, sim, porque elas foram discriminadas historicamente. Então, a luta do negro, do afrodescendente, para fazer valer os seus direitos tem encontrado, no seu mandato sucessivo, um megafone potente e contínuo, que faz a face do país ser transformada. Esse é um aspecto vital. Quero cumprimentar a Fernanda Otero, uma mulher extraordinária, uma mulher de luta, de fibra. Quem a conhece sabe que o que eu estou falando é bem resumido. A Fernanda é daquelas pessoas que toma nas mãos os grandes desafios e só os larga depois que a missão é cumprida. (Palmas.) E foi exatamente a Fernanda Otero que teve a ideia fantástica, não aqui dentro do Brasil, porque ela vive na Irlanda, de edificar uma obra que colocasse de pé o pensamento vivo de Luiz Gushiken. O Luiz Gushiken foi, sem dúvida, alguém na vanguarda de seu tempo. Ele trilhava o caminho dos movimentos sociais, com pés práticos e com um idealismo imbatível. Quem conheceu Luiz Gushiken e privou de sua amizade sabe que, em todos os momentos, ele pensava: "Não podemos nos acomodar com o mundo que nós temos e menos ainda com o Brasil em que nós vivemos. A transformação deve ser a nossa bandeira de luta e dessa transformação não podemos desistir jamais". |
R | Eu o conheci em 1985, Paim. Eu era funcionário do Banco do Nordeste (BNB) e estava no Rio de Janeiro; e o Gushiken fazia aqueles trabalhos da Folha Bancária, da luta bancária lá de São Paulo. E a gente lá no Rio lutava contra as agruras de uma sombria ditadura, ainda não devidamente analisada pela historiografia nacional, porque o impacto que a ditadura brasileira teve sobre o país ainda hoje tem suas consequências nefastas, e nós precisamos, mais do que nunca, pegar aquela bandeira de luta lá atrás, que era quando o Gushiken me dizia que a mais amada de todas as coisas é a justiça e que nenhuma pessoa pode se sentir tranquila, serena, pacificada sabendo que um companheiro seu, uma companheira sua está mendigando esperança e autoestima. E foi assim que nós começamos uma amizade que durou até o seu último suspiro no Hospital Sírio-Libanês lá em São Paulo. Um dia ele me chama, em 2002, e estava prestes a começar o segundo turno para a eleição presidencial. Ele disse: "Washington, estou convidando cinco, seis pessoas e eu quero que você venha para ter uma reunião com o Presidente Lula. Eu já me dou o direito de chamá-lo de Presidente, porque não tem como mudar essa questão que já envolve o Brasil, que é fazer a volta da democracia". E aí eu disse: "Mas, Gushiken, qual é o objetivo da reunião?". "O objetivo é falarmos como nós imaginamos o Brasil daqui a quatro anos, 2006." "E você acha que eu tenho alguma coisa para contribuir?" "Bem, eu não acho, eu tenho certeza, eu quero que você vá." Isso apenas mostra a grandiosidade, o pensamento livre e o sentimento de respeito ao pensamento do outro, do qual Gushiken era um ardoroso defensor. Ele caminhava entre nós, mas não havia uma distinção entre o Parlamentar Paim, entre o sindicalista Jacy, entre o militante Wagner Pinheiro ou entre a ativista dos direitos humanos Fernanda Otero. O Gushiken via em cada um o melhor que a pessoa tinha, e ele ia lá buscar o mel que cada pessoa carrega. (Palmas.) E Gushiken dizia que esse mel era o mel dos ideais que elevam a condição humana. Bem, a reunião aconteceu e foi maravilhosa. Estavam Iradj Roberto Eghrari, Shapoor Monadjem, Venus Pezeshk, Jorge Guerreiro e este que vos fala. Quando chegou a minha vez de falar, o Lula pergunta: "E você que é o mais jovem aqui...". Sim, gente, eu já fui jovem um dia, viu? (Risos.) Não é como o Paim que está sempre... O idealismo torna Paim com um teflon de juventude, de mocidade, o que mostra que as pessoas que têm idealismo nunca envelhecem, porque os ideais continuam sempre firmes, não é, Senador? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Vão dizer que eu estou na década de 70. O SR. WASHINGTON ARAÚJO - De 70. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sem aprofundar um pouco mais. O SR. WASHINGTON ARAÚJO - Uma vez eu fui dar uma aula magna aqui na Unieuro para os cursos de Direito. Eu entrei lá e vi aquela juventude toda, Paim, com 20 anos, 17 anos, 22 anos, e fiquei imaginando aquelas pessoas pensando "o que esse velho veio aqui falar?" E não sei por que o sentimento na minha cabeça estava tão forte, que eu estava dizendo a eles: olha, vocês devem estar se perguntando o que esse velho veio aqui falar para vocês que são tão jovens. Mas eu quero dizer a vocês que, se vocês forem felizes na vida, vocês chegam até a minha idade, porque o contrário é morrer cedo. E eu acredito que a mesma coisa acontece com as pessoas que lutam pelos direitos da dignidade humana. Elas simplesmente são imbatíveis, porque aquilo que dá um sentido à vida delas também dá um sentido à morte delas. E um exemplo perfeito, Paim, Fernanda e Jacy, é o próprio Gushiken. Há dez anos não está mais entre a gente, mas o que ele fez, as ideias que ele propugnou, as bandeiras que ele levantou e as pessoas que ele insuflou em massa para transformar a realidade social continuam vigentes talvez como nunca antes. |
R | E aí, volto só para concluir e dar um desfecho, o Presidente, então, Lula, que ainda faltava alguns dias para o segundo turno de 2002, queria saber o que deveria ser a marca de seu Governo. Eu confesso a vocês que até aquele momento eu não tinha pensado, mas tinha ouvido as outras cinco, seis pessoas que estavam falando e me veio, naquele momento, uma ideia e falei: Presidente, a marca do seu Governo tem que ser elevar a autoestima do povo brasileiro. O povo está alquebrado, o povo está sem visão de seu próprio futuro, as pessoas estão dependendo de vale-leite, de vale-gás, as pessoas estão engrossando as filas do osso - isso já naquele tempo - e estão também engrossando as filas dos desempregos. E elevar a autoestima vai ser tudo. E ele me fez a pergunta que não quer calar: "Como fazer para elevar a autoestima?". Eu disse: "Bem, eu não sei exatamente como é que vai ser o Governo do senhor e, se eu perguntar, o senhor vai dizer que ainda não sabe, mas o caminho se faz caminhando". Três meses depois, Gushiken me liga: "Washington, dá para você dar um pulo aqui na Secom? Precisamos ter uma conversa". (Soa a campainha.) O SR. WASHINGTON ARAÚJO - E ele pergunta: "Como é que a gente faz para elevar a autoestima? Esse é um assunto por que o Presidente se interessou e pediu a mim, quando eu fui designado Ministro-Chefe da Secom". Eu disse: "Elevar a autoestima é mostrar que o brasileiro não desiste e que o brasileiro pode continuar e que nós temos que ir para cima. E esse para cima é lutar contra toda forma de injustiça". E como é que a gente faz isso? Bem, Paim, você é do Rio Grande do Sul, eu sou do Rio Grande do Norte; eu sou o gaúcho do Norte, e você é o nordestino do Sul. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Com muito orgulho. O SR. WASHINGTON ARAÚJO - E eu naquele momento falei: "Luís da Câmara Cascudo, talvez o potiguar mais ilustre, o Papa-Jerimum mais ilustre, havia dito que o maior tesouro de uma nação é o seu povo. Você não acha, Gushiken, que o melhor do Brasil é o brasileiro? "E ali nascia a campanha "O melhor do Brasil é o brasileiro". Bem, Gushiken foi uma figura solar. Ele, até nos últimos momentos no hospital - e, ora, foram dezenas de internações no hospital, vocês sabem disso, nós sabemos disso - , lutou com tanta honra, com tanta dignidade, com tanta bravura, que eu fico emocionado em saber que fui contemporâneo dele, porque existem pessoas, Paim, que a gente se sente feliz por apenas ter vivido em seu mesmo tempo. E o Gushiken imaginava uma nova ordem, que, por sinal, é o título tão feliz que a Fernanda Otero, aqui ao lado, escolheu para essa obra, com 67 autores: está o Lula, está a Dilma, está o Jacy Afonso, o Wagner Pinheiro, o Senador Paulo Paim, a Fernanda. Eu, talvez o menos qualificado, também estou lá escrevendo uma parte. Mas ele pensava que nós podíamos imaginar o mundo com um parlamento mundial, com um executivo mundial e com um judiciário mundial, de trás para frente. Na ideia do Gushiken, o judiciário deveria ser aquele judiciário que olha as pessoas, procurando o seu elo mais fraco, porque toda corrente só se quebra quando o elo mais fraco se rompe e deixa de ser corrente. O Gushiken achava que um judiciário mundial poderia fazer o que a ONU não faz com a guerra na Ucrânia, com a guerra em Gaza e com mais dezenas de guerras no continente africano, na Ásia. Ele achava que deveria ser uma ONU empoderada e que não deveria ter cinco países para defender a paz que, no entanto, são os cinco países que mais produzem e fabricam armamentos, o que é uma contradição paralisante, não é, Senador? Como é que os cinco países do Conselho de Segurança que têm direito a veto podem ser os cinco maiores fabricantes de arma do planeta? E armas só existem se puderem ser vendidas e só estão nas mãos se puderem ser lutadas. Ele imaginava um legislativo mundial em que as pessoas procurassem o bem-estar do povo, porque ele dizia: "O que infelicita a parte infelicita o todo". E ele pensava, então, num executivo mundial em que todas as nações tivessem de forma equânime sua representação universal e democrática. |
R | Eu termino essas palavras, agradeço o gentil momento em que o Presidente desta Comissão de Direitos Humanos, que tanto nos honra... Há tantos anos trabalhando com direitos humanos e, quando eu vejo uma causa surgir em algum grotão deste país, eu penso: não demorará muito e estará na Comissão de Direitos Humanos, do Senador Paim. E dito e feito. Sempre tem sido dessa forma e me sinto muito orgulhoso em atender o seu convite. Fica um abraço a todos e peço: voltem seus olhos para o pensamento de Gushiken, porque o Gushiken caminhava com pés práticos no caminho do idealismo. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito, muito bem, Washington Araújo, jornalista, escritor, que fez uma bela fala, citando momentos, inclusive, em vida do nosso querido Gushiken. Nós todos tivemos a alegria, o prazer de beber da fonte da inteligência dele. Ele foi fundamental na Constituinte para manter o grupo todo unido, ampliando para além dos Parlamentares do PT. Então eu estou muito feliz. Os elogios que você fez a mim, eu os debito na conta da nossa amizade. Somos todos da mesma época, então somos muito próximos uns dos outros. Muito bem. Eu só pergunto agora, nesse encaminhamento, se fala primeiro a Fernanda ou se fala... E tem que ver se o Ricardo Benzoini está em condição de entrar, o vídeo dele. (Pausa.) Vamos tentar? (Pausa.) O SR. RICARDO BERZOINI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, companheiro Senador Paulo Paim, companheira Fernanda e todos aqueles que acompanham, presencialmente ou pela internet, esta audiência pública em homenagem ao companheiro Luiz Gushiken. |
R | Gushiken faleceu há 10 anos, mas suas ideias e lembranças continuam entre nós. Um grande companheiro que construiu o Partido dos Trabalhadores, construiu a vitória, em 2002, do Presidente Lula, teve um papel fundamental nas reflexões da esquerda brasileira. Homenageá-lo significa, na verdade, reconhecer que a sua trajetória marcou de maneira profunda, de maneira muito criativa e diferenciada a história da construção da representação sindical e partidária dos trabalhadores no Brasil. Por isso, meu abraço à família, meu abraço ao Senador que tomou esta iniciativa e à Fernanda, que tem sido incansável para marcar o lançamento do livro que fizemos em memória do Gushiken e para registrar a importância da sua atividade política e da sua presença como ser humano na vida de todos nós. Um grande abraço. Viva Luiz Gushiken! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Viva Luiz Gushiken! E viva também Ricardo Berzoini por essa gravação que ele fez com muito carinho para a nossa audiência de hoje. Viva Ricardo Berzoini! (Palmas.) Neste momento eu vou passar a palavra para o nosso também convidado Dr. Wagner Pinheiro. O SR. WAGNER PINHEIRO (Para expor.) - Bom dia, Senador Paim. Muito obrigado pela deferência - doutor, não; só um economista, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não deixa de ser um doutor na área da economia. O SR. WAGNER PINHEIRO - Bondade sua, Senador. Querido Senador Paim, é uma alegria para todos nós, como eles estão dizendo aqui, e para os que estão nos assistindo também pela TV Senado o senhor fazer esta homenagem ao nosso grande e eterno Luiz Gushiken. Quero cumprimentar a nossa querida Fernanda. Tudo que já disseram a seu respeito, Fernanda... Você é fantástica. Por isso que você está fazendo pela memória do Gushiken a gente tem que agradecer-lhe por toda a nossa vida. A nossa militância, a história do PT, a história da CUT... Você agora, definitivamente, faz parte da história do PT e da CUT, porque fez isso. Sem você, nenhum dos 67 teria escrito. Washington, querido companheiro, amigo também; Jacy, já falei de você, meu Presidente aqui no DF. Eu quero falar duas histórias: uma é do Gushiken; outra é do Senador Paim e eu quando fui Presidente dos Correios, Senador. Vou falar rapidinho. Com o Senador Paim, a gente estava fazendo uma legislação... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu tenho uma boa memória daquele tempo, memória positiva, de um momento de greve, me permita que eu diga. O Presidente Lula estava num comício, e a categoria me dá aquela pressão legítima: "o homem está no palanque, vai lá e fala com ele, Senador". Aí eu fui lá falar com ele. Mas continue agora... O SR. WAGNER PINHEIRO - Mas, enfim, eu conheci o Gushiken no Banespa. Eu também fui banespiano privatizado, eu sou bancário de origem. Aí, quando comecei a militar, eu fui assessor da bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo durante o Governo do Luiz Fleury, lá estavam os nossos companheiros Chinaglia, João Paulo Cunha, Professor Luizinho, Luizinho Azevedo, nosso companheiro bancário, e outros tantos. Nós tínhamos uma grande bancada de petistas lá. |
R | Aí, o Gushiken falou: "Passa a acompanhar fundo de pensão, Wagner". Eu, como economista lá do Banespa - o Banespa tem, até hoje, esse fundo, Banesprev -, passei a acompanhar; os sindicatos dos bancários e os sindicatos cutistas ajudaram a me eleger no Comitê de Investimentos do Banesprev. Depois, com o apoio, óbvio, sempre dos nossos companheiros Parlamentares do PT, mas sempre firme Gushiken e Luizinho Azevedo, principalmente, mas Augusto Campos, Jacy, aqui em Brasília, todo mundo ajudando a gente a eleger nossos companheiros... Eu fui eleito também Diretor Financeiro e de Investimentos do Banesprev, fiquei lá quatro anos. O Presidente eleito... Bom, ainda teve uma comissão durante a campanha junto à Bolsa de Valores, aí o Gushiken chamou Sérgio Rosa, eu e João Vaccari: "Vocês têm que participar juntos, porque vocês são desse ramo". O Vaccari era pelos bancários, porque ele era o Presidente do Sindicato dos Bancários. E tem que lembrar, infelizmente, hoje em dia, para a tristeza, porque, afinal de contas, na minha opinião, nos traiu, o Palocci no grupo. Discutimos com a Bolsa de Valores durante a campanha para falar da disposição de aproximação e de construção de um novo mercado de capitais do Brasil voltado para o Brasil todo. Gushiken chamou o Sérgio Rosa e eu: "Vocês vão participar, porque vocês são de fundo de pensão". Na transição, vim trabalhar aqui também, e o Ricardo Berzoini, na formação do governo, falou: "Você vai ser meu Secretário-Executivo". "Com o maior prazer, Berzoini; lógico, meu querido Berzoini". Imagina ficar junto ao aconchego dos bancários! Fui lá falar para o Gushiken e ele falou assim: "Você está pensando que a gente investe o que investe em uma pessoa como você, elege você duas vezes, três vezes, para você ficar juntinho com o Berzoini e fazer só a política dos bancários na previdência e no governo? Está bom, mas ficar pertinho para ficar no bem-bom? Você vai para fundo de pensão, rapaz. Você vai ter que trabalhar em um dos fundos de pensão que o governo indica, porque você foi de fundo de pensão. Nós não gastamos esforço, dinheiro, cabeça, perna, para você, agora que sabe de fundo de pensão, não ir para fundo de pensão". Até o último dia, eu brigando para não ir, ele me chamou no 2 de janeiro, depois da posse dele, e falou assim... "Ô, Gush, acabei de ir à posse do Berzoini, e o Berzoini voltou a falar: 'Fala com o Gushiken que você quer ir'". Ele falou: "Você não vai para lá, então você não vai para o governo, ou você vai me obrigar, no dia 2 de janeiro, a ligar para o Presidente Lula, e ele lhe dar uma esfrega dizendo que você não vai trabalhar com o Berzoini e vai trabalhar no fundo de pensão a que a gente determinar que você vá". "Não, está bom, Gushiken. Entendi, tudo bem." E fiquei oito anos presidindo a Petros, sempre com o apoio do Gushiken, dos nossos companheiros da FUP. Fantástico, imagina um cara de fora dos petroleiros presidindo a Petros, sempre com o apoio incansável de todo o nosso time do PT e em especial, quero repetir, dos companheiros da FUP, dos companheiros bancários - mas, lá, no dia a dia, dos companheiros da FUP... Então, foi uma alegria muito grande essa tarefa que o Gushiken me deu. O Presidente Lula sempre deu total apoio para todos nós que ficamos nos fundos de pensão por ordem e orientação do governo. E a gente tem só histórias maravilhosas, apesar de que nós somos alvo, até hoje, de ações jurídicas do imbróglio da perseguição política e jurídica contra todo o nosso grupo, que geriu este país durante 13 anos. Eu tenho ações da Petros até hoje, Senador Paim, até hoje. |
R | E no último dia que eu conversei com o Gushiken, no Sírio-Libanês, como o Washington já contou, ele chamou todos nós para se despedir, ou todos que puderam ir, às vezes nem dava para uma pessoa ir ou não. Eu estava - estou - no meu segundo casamento. A minha esposa estava para ganhar neném e já se sabia o nome: é o Téo, que hoje tem 10 anos. O Gushiken falou assim: "Wagner, dos seus grandes você já cuidou, agora cuide muito do Téo". Olha que coisa, não é? (Palmas.) Gushiken, maravilhoso, nos deixou em 13 de setembro, e o Téo nasceu em 28 de setembro. Enfim, é isso. O Gushiken é maravilhoso, é tudo que eu sei na política. Em tudo que eu fiz de bom na política e nas gestões tem o dedo do Gushiken. Tem também o dedo do Luizinho Azevedo, um grande companheiro. E o que eu fiz de errado fui eu que fiz de besteira, porque a gente erra às vezes, não é? E, com o senhor, Senador Paim, foi o seguinte: eu era Presidente dos Correios, e a Presidenta Dilma trouxe um projeto de lei para a gente atualizar o Estatuto dos Correios. E os nossos companheiros ecetistas achavam que a gente estava preparando para privatização. Então, eles estavam brigando feio e tal, e nós aprovamos na Câmara e foi para o Senado. E a gente foi fazer um debate na Liderança do PT e eu - até aproveito, porque hoje vai ser um dia bem bacana para mim. Além de a gente homenagear o Gushiken, vou falar isso que eu quero falar para o Senador - estava empolgado, não sei o quê. Aí eu fiz um comentário sobre o que, sinceramente, depois eu refleti. O Luizinho Azevedo, junto comigo, falou: "Não, Wagner, é que é o jeito que você fez o Senador Paim é que achou..." E eu fiz um comentário que o Senador falou assim: "Vem cá, ninguém vai impor nada ao Senado, não. Eu vou embora dessa reunião". Falei: "Não, pelo amor de Deus, Senador. Não vá embora, não. Eu talvez tenha me expressado mal, Senador". (Intervenção fora do microfone.) (Risos.) O SR. WAGNER PINHEIRO - Ele me deu uma bronca. E realmente eu devo ter me expressado mal - viu, Senador? -, porque, imagine, eu tenho o maior orgulho dos Senadores que o PT já elegeu nessa história toda, de quarenta e tantos anos. Mas eu sempre digo, quando eu encontro com o Senador Suplicy, que eu acho que tem pouquíssimos Senadores - com o maior respeito a todos os nossos demais companheiros e companheiras, Senadores e Senadoras - cuja vida é pelos trabalhadores, é pela gente pobre. Sinceramente, é a minha opinião. Isso é opinião pessoal. (Soa a campainha.) O SR. WAGNER PINHEIRO - São duas pessoas: o Senador Suplicy, que fez coisas que a gente nem acredita, de acampar com o MST, não é, Senador? (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Até hoje ele nos liga: "Paim, abre o olho naquele projeto lá". (Risos.) O SR. WAGNER PINHEIRO - É fantástico. E o Senador Paim, que foi Deputado Federal, como nosso Parlamentar desde a Constituinte, cuja vida é a vida da representação do povo pobre trabalhador do Brasil. Então, é uma alegria enorme poder participar dessa sessão em homenagem ao nosso querido Luiz Gushiken, que há 10 anos nos deixou, e aproveitar para fazer uma referência ao senhor, Senador. E, Fernanda, para encerrar, parabéns! Você é maravilhosa! Você é maravilhosa! E eu não escrevi nada nesse livro por questões pessoais, íntimas, que eu jamais vou falar publicamente, porque eu jamais vou querer deixar uma história ruim com o sobrenome Gushiken. Então, eu não escrevi por razões eminentemente pessoais, mas eu não vou, muito menos aqui em público, expressar essa questão pessoal, para não haver, de maneira nenhuma, nenhuma confusão com o sobrenome Gushiken. Um abraço a vocês. Tudo de bom. Parabéns! Obrigado, Senador Paim. |
R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais do que nunca, agora, parabéns, Dr. Wagner Pinheiro. Bela exposição! (Palmas.) O SR. JACY AFONSO (Fora do microfone.) - Eu peço licença... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Como? Agora? O SR. JACY AFONSO - Não, eu peço licença. Eu tinha um compromisso e a Fernanda me convocou. Eu tive que ajeitar minha agenda e eu estou no limite aqui. Obrigado, Paim. Vamos cuidar dos brasileiros no exterior, esse é um tema... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ficou acertado já, vamos fazer essa audiência e você está convocado. Eles estão pedindo aqui, antes que você saia, para tirarmos uma foto, e o doutor vem aqui para a mesa. A SRA. FERNANDA OTERO (Fora do microfone.) - Claro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Venham para cá também os que vão entrar na próxima mesa. É um momento histórico. E já fica a foto das duas audiências. E cada um com o livrinho na mão, ainda. (Pausa.) (Palmas.) Então, com enorme satisfação, passamos a palavra neste momento para a jornalista Fernanda Otero, a grande construtora desse livro. A SRA. FERNANDA OTERO (Para expor.) - Bom, Senador, eu estou tão emocionada, tão honrada, tão feliz, tão comovida de estar aqui ao seu lado, em primeiro lugar, porque o senhor é um símbolo do Partido dos Trabalhadores e nos honra grandemente. Então, é um prazer enorme estar nesta Casa, no Senado. E estar ao seu lado, com V. Exa. sentado à minha direita, é uma coisa incrível. Obrigada demais. Muito obrigada por ter aberto a porta da Casa do Povo para a gente, nesta manhã de segunda-feira. Cumprimento quem está assistindo a gente pela internet, porque eu já vi que tem aí audiência. E é muito legal que a gente possa estar nesse espaço tão complicado, que é o YouTube, atualmente. Então, a TV Senado transmitir é muito importante e é muito bom que a gente possa estar aqui hoje. Cumprimento o Senador Paulo Paim. Cumprimento todo mundo que está presente. Pessoal da Educafro, é muito bom ver vocês aqui também. Muito obrigada por estarem prestigiando o lançamento no Senado do A Nova Ordem - Luiz Gushiken. Eu vou ler, porque eu preciso dizer tudo que tem que ser dito e eu não quero esquecer nada. Portanto, eu vou fazer essa leitura. O Gushiken fez história por onde passou. A sua atuação ficou registrada na nova ordem proposta pelo Congresso da Classe Trabalhadora, nos idos de 1981, que abriu o caminho para que os bancários, metalúrgicos, médicos, professores e tantos outros e outras, trabalhadores e trabalhadoras se juntassem em torno da ideia de uma central sindical. |
R | Dois anos mais tarde, em 1983, nascia a Central Única dos Trabalhadores, que comemorou 40 anos este ano, como já foi mencionado pelo Jacy Afonso. Os livros dizem e dirão que é a central que revolucionou a história do sindicalismo brasileiro. A greve dos bancários de 1985 ainda é considerada uma das maiores da categoria, e a paralisação nacional só foi possível graças a uma construção coletiva de norte a sul do país. Gushiken foi eleito Deputado constituinte em 1986, num processo natural. A sua liderança e o seu poder da articulação ganharam destaque e ele se consagrou como um dos principais líderes que atuaram pelo restabelecimento da democracia e pela defesa da classe trabalhadora. Em 1989, ele teve papel de destaque na campanha presidencial que levou o candidato Luiz Inácio ao segundo turno. Aqueles que temiam e ainda temem uma nova ordem e um modo petista de governar deram um jeitinho de derrotar Lula no segundo turno, para que vencesse o outro candidato do establishment, e perdermos aquela eleição, que já trazia as práticas de fake news atuais. Luiz Gushiken era um articulador sempre pronto ao diálogo e uma das suas grandes qualidades era a capacidade de interagir com os divergentes. Foi ele que conseguiu um acordo com testemunhas do fato de uma construção para a eleição do Presidente Lula em 2002. Eu gostaria agora de pedir para que a gente assistisse a um vídeo - a gente vai ouvir aqui dois momentos. A gente preparou um vídeo para ouvir o próprio Gushiken falando sobre esse período inicial da atividade sindical no Brasil. (Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.) |
R | A SRA. FERNANDA OTERO - Muito obrigada. Eu vou voltar à minha leitura aqui, gente. A inspiração... Quando o Gushiken assumiu a Secretaria de Comunicação, ele criou a mais bem-sucedida campanha publicitária do Governo Federal no primeiro ciclo Lula. Com a sua habilidade de articulação, ele convenceu os barões da propaganda, nessa história que o Washington já contou para a gente como surgiu, para que as campanhas utilizassem uma frase. E parece que eu estou exagerando, mas o fato é que ele pregava que a gente não podia pensar pequeno, não poderíamos chegar longe se a gente pensasse pequeno. E o Brasil, este país continental, gigante pela própria natureza, que ele tanto defendia e valorizava, aprendeu a dar valor ao seu bem mais precioso, que é o seu povo. A grande mídia e os interesses escusos do capital, somados a atores que queriam retrocesso, encontraram uma forma de aniquilar o seu trabalho, de tentar aniquilar o seu trabalho. Em 2005, nascia a farsa do mensalão. Sua altivez durante o depoimento da CPI dos Correios reverberou as palavras do pernambucano Gregório Bezerra, pois Gushiken também era feito de ferro e de flores, e acabou temido pelos fascistas que o acusaram injustamente. Em 2012, o STF acabou absolvendo nosso companheiro sete anos depois das denúncias. (Soa a campainha.) A SRA. FERNANDA OTERO - Ele não deveria nunca ter sido absolvido, mas deveria, sim, ter sido inocentado, pois ele jamais foi responsável por nenhum malfeito. Em setembro de 2013, Gushiken estava fragilizado pela doença que o levaria desta vida para que ele entrasse para a história. Gushiken manteve-se motivado até seus últimos momentos. E temos a sorte de receber das mãos da companheira Selma Rocha as reflexões que o inquietavam após o fatídico junho de 2013. Ele identificava movimentos fascistas e redutos de violência. É nossa tarefa atender o seu chamado e manter-nos atentos e em pé. Leiam as suas palavras. Reflitam. |
R | Quando ele pede que o PT se reencontre com a sua fase heroica, não está pedindo que sejamos apenas coadjuvantes das ações positivas e da coragem e competência de Lula. Ele nos conclama, como petistas, a recuperar as nossas origens, ocupar as ruas, ladeiras, salões e espaços comunitários e nos reaproximar das nossas bases sociais. A sua reflexão sobre a democracia direta não se transformar em um instrumento ideológico contra a democracia representativa merece um estudo aprofundado de nossa parte, pois já começaram os embates em torno das eleições de 2026. Uma indelével marca das imagens desoladoras da pandemia, que eu vivi tão intensamente em 2020, sozinha e morando em outro país, nunca mais será esquecida: uma governança global combateu o vírus em uma ação conjunta em vários lugares. Essas cicatrizes servem para alimentar as ações de retomada e reconstrução. O Brasil está de volta. O Brasil voltou. A saúde está de volta, a ciência está de volta e o Brasil voltou aos olhos do mundo. O legado do humanista Luiz Gushiken está presente na nova ordem que ele nos apresentou. A sua generosidade em acolher, confiar, orientar, corrigir está registrada nos relatos que nos chegaram através das mãos generosas dos companheiros e companheiras que participaram deste livro, cujos nomes eu vou ler, de cada um, agora: Adacir Reis, Alencar Ferreira, Alexandre Maimoni, Aloizio Mercadante, Analu Camargo, Ana Júlia Carepa, Antonio Lassance, Ari Galvão, Arlindo Chinaglia, Avelino Ganzer, Betão Moschkovich... São 67 autores. Eu vou interromper a leitura - peço perdão - para poder não prologar muito a minha fala. O Gushiken era um entusiasta da soberania, mas não da soberania mesquinha; da solidariedade e da união. Eu posso afirmar que as falas do Presidente Lula trazem a influência de Luiz Gushiken. Agora, finalmente, Lula possui o triplex na Presidência do Mercosul, do G20 e na Presidência do Brasil. Foi um orgulho assistir ao Presidente Lula passar a palavra a uma representante da floresta para ocupar aquela tribuna e ler o seu discurso. Agora eu peço licença para vocês para falar um pouco sobre a minha experiência pessoal enquanto assessora do Gushiken. Eu tive a oportunidade de morar na Irlanda nos últimos oito anos e, sob a influência do Gushiken, exerci a experiência de ser uma cidadã do mundo. Os relatos das humilhações a que foi submetida a família dos "okinawanos" que vieram ao Brasil, porque o Gushiken é descendente de "okinawanos", dentro e fora do seu território, se repetem diariamente com os brasileiros espalhados pelo mundo, mas a gente encontra a motivação para nos organizar e superar as dificuldades. Nesse sentido, a gente promoveu uma militância que elegeu o Presidente Lula em 2022 com uma das maiores votações - a Irlanda deu mais de 8 mil votos ao Presidente Lula - e a gente promoveu a denúncia do golpe que estava acontecendo no Brasil à Presidenta Dilma em 2016. A partir desse trabalho, a gente provou que estava do lado certo da história e a gente conseguiu eleger o Presidente Lula. Eu preciso agradecer a todas as pessoas que participaram, que ajudaram a construir este livro. Eu agradeço imensamente a essa pessoa que está sentada do meu lado, Washington Araújo, porque, na primeira conversa que a gente teve quando apareceu a proposta de fazer o livro, ele me disse: "Fernanda, você vai fazer isso desse jeito que vai dar certo". |
R | E deu certo. Deu tudo certo! E foi o Washington que ajudou. Obrigada, Washington! (Palmas.) Eu agradeço imensamente ao Paulo Okamotto, Presidente da Fundação Perseu Abramo, e à equipe da fundação, que nos ajudou, nos orientou e nos guiou; ao Instituto Lula; ao Presidente do Sindicato dos Bancários do Distrito Federal, Eduardo Araújo; à Presidente Neiva Ribeiro, Presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo; ao Deputado Arlindo Chinaglia e a seus funcionários; ao PT Alesp; à equipe de comunicação da TVPT, do Partido dos Trabalhadores. A gente está gravando um audiobook, Senador, para que esse livro chegue mais longe, e é um trabalho que foi realizado em parceria com o Instituto Nova União da Arte, do companheiro Valter Camera, e também com a equipe de comunicação do Partido dos Trabalhadores. Eu agradeço muito à Fecesc, de Santa Catarina; ao companheiro Luiz Azevedo, que organizou um grupo para que a gente pudesse se reunir e fazer esse trabalho; ao Ricardo Berzoini, que foi fundamental também para que eu tivesse confiança de que eu devia seguir nesse caminho; às equipes do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, que fizeram a contribuição com os textos; aos meus amigos pessoais Eurípedes Balsanulfo e Elis Cordeiro; ao meu filho, Gaudiê Otero; à Biancka Miranda, uma grande amiga; aos companheiros Jorge Perez, à sua companheira Célia e ao Paulo Ubiratan, de Pernambuco, que abriram as portas para a gente estar junto. Eu vou encerrar trazendo uma fala do Gushiken, quando ele promoveu em 1992 uma sessão solene em homenagem à fé baha’i. Nessa sessão solene, ele apresenta as ideias da nova ordem que ele propõe. Antes de fazer essa exibição, porque eu quero muito que a gente ouça a voz do Gushiken... Ou será que a gente passa primeiro? A gente passa primeiro. Vamos ouvir a voz do Gushiken, depois eu retomo para falar duas coisas. (Procede-se à reprodução de áudio.) A SRA. FERNANDA OTERO - O conceito de cidadão nacional tem que ser estendido ao conceito de cidadão do mundo! (Palmas.) Eu vou aproveitar a oportunidade, Senador, em que estou aqui na sua companhia, já que o Jacy Afonso introduziu a questão... (Pausa.) |
R | E, daí, o Jacy Afonso trouxe para o senhor aqui, Senador... Eu acompanhei uma audiência que o senhor realizou - eu estava na Irlanda - no final do ano passado, se eu não me engano, sobre a situação dos brasileiros morando no exterior. Somos 600 mil brasileiros. E, na condição de uma pessoa que tem uma casa na Irlanda e uma casa em Indaiatuba, eu vejo uma perspectiva de que o Partido dos Trabalhadores tem a possibilidade de criar uma nova cidadania, porque a gente pode exercer uma cidadania plena no local onde a gente vive, como brasileiro emigrado, com as ideias do Partido dos Trabalhadores, e a gente precisa votar para os Parlamentares também. Somos quase 5 milhões; somos 600 mil eleitores morando fora do Brasil. Então, essa construção é viável, é possível e o PT tem a condição de fazer isso. Eu acho que é uma honra muito grande quando a gente está fora do Brasil e quando a gente tem a possibilidade de apresentar essa potência que é o Partido dos Trabalhadores num país como o nosso. E eu acho que, aqui no Senado, já passou uma PEC para que a gente pudesse votar e ela pode ser recuperada. Então, a gente está à disposição para ajudar nessa construção, e eu acho que vai ser muito importante para que a gente, então, crie uma nova ordem mundial, proposta pelo Luiz Gushiken através do Partido dos Trabalhadores. Eu agradeço demais estar aqui, hoje, na sua presença, na sua companhia. Muito obrigada pelo espaço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! A jornalista Fernanda Otero, a grande construtora desse livro, já deu um passo à frente. Quer dizer que já teve uma PEC com esse objetivo? A SRA. FERNANDA OTERO (Fora do microfone.) - Do Cristovam Buarque. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Do Cristovam Buarque. Então, nós vamos recuperar a PEC e vamos reapresentá-la. A SRA. FERNANDA OTERO (Fora do microfone.) - Obrigada, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Queria agradecer muito a presença de vocês nesta homenagem ao nosso - nosso, não digo só meu, eu ia dizer "meu amigo" -, ao nosso amigo Luiz Gushiken, que, infelizmente, perdemos muito cedo. E lembro que eu surjo também no movimento sindical naquela época. E me lembro: o Sindicato dos Bancários e o Sindicato de São Bernardo ajudaram muito para que aquela humilde oposiçãozinha, lá de Canoas, nos elegesse, então, presidente do sindicato. E, em seguida, presidente da... Naquele tempo, tínhamos uma central única no Rio Grande do Sul. Todos estavam numa central. Daí, fomos para... Até eu me lembrei de você agora, viu? Daí, fomos para São Paulo, na fundação da CUT, e, claro, eu representando o Rio Grande do Sul. E diz: "Olha, o movimento sindical resolveu criar uma, duas, três centrais...". Àquela época, já tinha essa discussão e nós estávamos fundando a CUT. E eu fui, claro, liderando a bancada gaúcha. E, na hora de eleger o presidente, o secretário e o vice, que eram os três cargos mais importantes - por isso que eu me lembrei de você -, daí eles: "É; a presidência fica com ciclano" - por estado, não é? -, "a outra fica com o Rio e a outra vai ter que ficar com o Nordeste". E eu disse, ali na conversa... Fiz o mesmo ato. Disse: "Então, a bancada do Rio Grande do Sul está se retirando". Peguei o meu crachá e só ameacei, mas eu não ia rasgar mesmo. Eu só ameacei, dizendo: "Estamos indo embora". Lembrei-me de você. Daí, o Olívio falou: "O que é isso, Paim? Afinal, que cargo tu queres?" Eu não quero nada, mas o Rio Grande do Sul vai ter que ficar num desses três. Aí, bateram o martelo, fizeram o acordo e votação por unanimidade. (Risos.) (Palmas.) Eu me lembrei de você agora. É coisa bem do Paim mesmo! |
R | Mas olha, pessoal, viajei no tempo aqui. Foi muito bom! Fiquei muito feliz com este momento aqui da história, claro, com a tristeza de perder o Gushiken, mas vendo esse trabalho belíssimo que o Presidente Lula, com toda a sua equipe, está fazendo e que você, Fernanda, soube, nesse livro aqui - ouviu, Asthego? -, com muita competência, nesse livro dela... A SRA. FERNANDA OTERO (Fora do microfone.) - Pode fazer download! Esqueci de dizer isso. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Maravilha! Maravilha! Fala aí no microfone. A SRA. FERNANDA OTERO - Ao pessoal que está assistindo, também é bom dizer que ele está disponível no site da Fundação Perseu Abramo. Se você acessar www.fpabramo.org.br, na estante, você vai encontrar o livro disponível para download. E a gente está fazendo uma nova edição e vamos mandar para todas as universidades do Brasil, para todas as centrais, para todos os diretórios do PT. Então, o livro está disponível para download. Por favor, leiam A Nova Ordem - Luiz Gushiken. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Vida longa às ideias de Luiz Gushiken! (Palmas.) A SRA. FERNANDA OTERO (Fora do microfone.) - Luiz Gushiken, presente! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Presente! Assim, encerramos esta primeira parte da nossa Comissão de Direitos Humanos e vamos, em seguida, para a segunda parte. Só vou me despedir aqui da moçada. (Pausa.) Iniciamos a segunda parte da nossa reunião, que vai ser esta audiência pública já combinada, realizada nos termos do Requerimento n° 101, de nossa autoria e de outros Senadores e Senadoras, para debater proteção aos direitos de minorias e combate à discriminação. Convidamos para a mesa Marcia Pereira da Silva, graduanda da Escola de Políticas Públicas e Governo, da Fundação Getúlio Vargas, representando a Educafro - seja bem-vinda! (Palmas.) |
R | Convidamos a Assessora Nacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Está presente? (Pausa.) Angela Pires Terto? (Pausa.) Não está. Então, vamos... Quem é que vai... Ah, tá! Vamos para as videoconferências: Claude Cahn, Oficial de Direitos Humanos do Acnudh; Jim Fitzgerald, Diretor da Equal Rights Trust; Charlene da Silva Borges, Secretária-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União (DPU); Arquias Cruz, representante da Conectas Direitos Humanos; Isadora Brandão, Secretária Nacional de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos. Antes de chamar o Claude, Oficial de Direitos Humanos da Acnudh em Genebra e Chefe da Seção de Temas Indígenas e Minorias, eu vou abrir os trabalhos com a Dra. Marcia Pereira da Silva - e não diga que você não é doutora; tem que ser nem que não seja, mas é -, graduanda da Escola de Políticas Públicas e Governo, da Fundação Getúlio Vargas, representando a Educafro. A SRA. MARCIA PEREIRA DA SILVA (Fora do microfone.) - Muito obrigada, Senador Paim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos lá, Dra. Marcia! Você abre. A SRA. MARCIA PEREIRA DA SILVA (Para expor.) - Muito obrigada, Senador Paim. Eu inicio a minha fala fazendo a minha autodescrição: sou uma mulher negra, de cabelos curtos e crespos, uso calça, camiseta preta com o nome da Educafro e um blazer azul. Tudo muito simples, sem brincos, maquiagem; apenas óculos de leitura. Bom dia a todas, todos e todes! Eu gostaria de cumprimentar a mesa e todas as autoridades presentes, na pessoa do Senador Paulo Paim, e de saudar a memória de Nego Bispo, que, ontem, se tornou um ancestral, mas continuará vivo pelo saber com que nos presenteou enquanto quilombola. Gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, ocupando o lugar de fala que, durante muito tempo, foi legado aos meus ancestrais. Hoje, com 48 anos de idade, não poderia imaginar me dirigir aos senhores não apenas como uma voz individual, mas como o eco de uma história compartilhada por muitos brasileiros. A história da minha família é a narrativa de luta, resiliência e esperança entrelaçada pela diversidade existente em nosso país. Minha mãe, uma migrante nordestina, simboliza a jornada de incansáveis brasileiras e brasileiros que, em busca de melhores condições de vida, migraram para o Sudeste. Sua infância foi marcada pela necessidade, não pela escolha, e sua vida é um retrato da busca incessante por oportunidades negadas às gerações anteriores. A minha mãe começou a trabalhar aos sete anos de idade, em situação análoga à escravidão. Refletindo sobre o passado da minha família, eu sempre me perguntei: por que, apesar de trabalharem muito, nós não prosperávamos? Por que meus avós, agricultores habilidosos, enfrentavam fome no campo? E por que a educação, um direito básico, permanecia distante do alcance de minha mãe? O acesso à educação é o principal motivo pelo qual eu estou aqui, e essa existência só é possível por causa da existência da Educafro e da luta incansável do Frei David. |
R | Essas perguntas não são apenas minhas; elas ressoam na vida de milhões de brasileiros e me traziam uma inquietação. O letramento racial que recebi na Educafro me levou a uma escolha consciente, movida por criar um impacto positivo na sociedade e mudar minha própria história. Nesse momento, o aquilombamento e a Educafro fizeram toda a diferença na minha vida e digo: nós, como pessoas negras, como mulheres negras, precisamos nos aquilombar. Isso faz toda a diferença, nos permite estar vivas e vivos. Por mais que eu sentisse que não seria capaz, não desistiram de mim. E, hoje, estou em Brasília, cursando Administração Pública na Escola de Políticas Públicas e Governo, da Fundação Getúlio Vargas, como mencionou o Senador Paim, e aqui falando para pessoas de todo o Brasil e do mundo. Por isso, reforço: não desistam das pessoas negras e do projeto de libertação do nosso povo, que segue inconcluído. Peço a cada um de vocês que me ouvem, como representantes eleitos e guardiões dos direitos humanos, que reconheçam e abordem as desigualdades enraizadas em nossa sociedade; que trabalhem para garantir que histórias como a minha e de milhões de outros brasileiros sejam lembradas não por suas dificuldades, mas pela força e resiliência que demonstram. Não somos perfeitos e as oportunidades não são as mesmas para todos, mas devemos exercitar o aquilombar, o cuidado. Defendo os direitos das chamadas minorias, mas que, sabemos, são potência. Façamos com que todas e todos sejam os melhores naquilo que sonham ser, seja na academia ou fora dela; que todos sejam capazes de contribuir com uma sociedade mais equânime, onde os direitos à educação, à justiça, à saúde e ao bem-estar não sejam privilégios, mas garantias universais. Caminhamos juntos. Senhoras e senhores, hoje, o meu objetivo é ser parte da força que trabalha incansavelmente para atender eficientemente às demandas da nossa população, para garantir que as histórias, como a da minha família, sejam de superação e não de constante luta pela sobrevivência. Uma das certezas que eu tenho na vida é de que eu vou trabalhar muito até morrer. Então, eu gostaria que meu trabalho fizesse sentido e é por isso que eu estou aqui. Não bastassem as dificuldades vividas pelo povo negro, ainda há aqueles que querem se aproveitar dos pouquíssimos direitos que conseguimos avançar e que devemos a homens e mulheres como o Senador Paulo Paim, o Deputado Orlando Silva, as Deputadas Federais Benedita da Silva e Dandara e tantos outros, aqui presentes ou não, como as cotas para negros em concursos e processos seletivos de ingresso no ensino superior. Sim! Sim, senhores, as cotas abrem portas! Eu gostaria de compartilhar um dado com os senhores. Segundo informação publicada pela Fundação Roberto Marinho, como resultado da aprovação da Lei de Cotas, a proporção de pessoas negras matriculadas no ensino superior cresceu dez vezes desde 1982, enquanto as matrículas de estudantes brancos aumentaram em quatro vezes. Essa década marcou a primeira vez na história do Brasil em que a representatividade da população negra ultrapassou metade das matrículas no ensino superior, atingindo 50,3% e se aproximando do que é a composição da sociedade brasileira. Não posso deixar de falar das inúmeras vezes que a Educafro, com seus professores e coordenadores, esteve aqui e desempenhou papel crucial nas mobilizações pela Lei de Cotas, mas eu também não posso deixar de reforçar uma denúncia: a fala sobre fraudes que ocorrem constantemente, seja no ingresso por cotas nas universidades, seja no ingresso por cotas no concurso público. Esta é uma das demandas, Senador Paulo Paim, as fraudes que vêm ocorrendo, o pedido de bancas de heteroidentificação mais qualificadas e a unificação do processo de heteroidentificação, que, salvo engano, cada concurso hoje faz à sua maneira, e isso fragiliza a política pública. As bancas de heteroidentificação em concursos públicos surgiram como uma resposta à necessidade de garantir a efetividade das políticas de cotas raciais no Brasil. Essas cotas visam promover a inclusão de pretos e pardos em espaços historicamente dominados por grupos privilegiados, espaços como universidades e cargos públicos. Entretanto, a implementação dessas cotas trouxe consigo o desafio de validar a autodeclaração racial dos candidatos para evitar fraudes e garantir que as vagas reservadas realmente beneficiem aqueles a que se destinam. |
R | O fenômeno de pessoas que não são negras se autodeclararem como tal para se beneficiarem das cotas raciais é um problema sério. Ele não apenas subverte a intenção das políticas de ação afirmativa, mas também perpetua a desigualdade racial ao ocupar espaços que deveriam ser destinados àqueles que enfrentam desvantagens históricas e sociais devido à cor da sua pele. Eu penso que bancas de heteroidentificação compostas por indivíduos, em sua maioria negros e qualificados, mas também diversos, poderia reduzir o problema. Essa é uma das propostas dos pleitos, feita pelo Frei David, através da Educafro, encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça, e aqui eu venho reiterar essa demanda. Eu ia ler todas essas folhas, um calhamaço de 17 páginas, mas ouvindo os senhores falarem e seguindo o conselho do Frei David, eu acho melhor falar do que é, do que a gente sente, do que a gente passa, de maneira mais objetiva. A outra demanda que eu venho trazer ao senhor, Senador Paulo Paim, é sobre as políticas de permanência nas universidades. Os estudantes negros, pardos, pobres têm tido acesso a políticas de cotas nas universidades particulares e públicas, mas não têm política de permanência. Eu gostaria de relatar a minha história pessoal. Surgiu a oportunidade de voltar a estudar, a Educafro trouxe para mim essa perspectiva. Eu sou bolsista integral na FGV, mas eu venho de outro estado e, quando eu aceitei a bolsa, eu não sabia onde eu ia morar, como eu ia fazer para me alimentar e até hoje é uma incerteza isso. (Soa a campainha.) A SRA. MARCIA PEREIRA DA SILVA - Embora a FGV disponibilize um auxílio permanência, ele é um auxílio permanência reembolsável e não atende todas as demandas da minha permanência aqui. Então, as limitações são muitas e acabam impactando também a produtividade do estudante bolsista, a performance dele. E a evasão também é um custo, um ônus que eu creio que é dividido com toda a sociedade. Toda vez que um bolsista tem que desistir da sua oportunidade, isso gera custos. É uma questão também econômica cuidar desses bolsistas para que eles permaneçam na universidade, produzindo com qualidade. Em respeito aos senhores, eu encurtei a minha fala também e peço desculpas pela minha inexperiência. Por último, mas não menos importante, vou falar dos indicadores de equidade racial. |
R | Esses indicadores não existem. Eles são importantes para o desenvolvimento de políticas públicas e também para a avaliação dessas políticas em andamento, para checar a eficiência e revisitar, assim como foi com o Bolsa Família no início, que foi uma política desenhada de uma forma e hoje se apresenta de outra. Inicialmente as pessoas recebiam uma cesta básica, e isso trazia um custo enorme na logística de transporte e afetava o comércio local. Então essa é uma política pública muito feliz, o Bolsa Família, ela foi revisitada e hoje todos sabem como funciona. Então, assim como o Bolsa Família, as políticas de cotas precisam ser revisitadas, precisam ser cuidadas para garantir a eficiência. Eu gostaria, se o Senador me permite, de fazer alguns agradecimentos e mencionar os esforços da FGV em acolher a diversidade. Gostaria de agradecer ao grupo Negra, que é o Núcleo de Estudos Étnico-Raciais Guerreiro Ramos, formado na FGV por alunos em sua maioria negros e tutelado, orientado pela cientista política Graziella Testa. Meu muito obrigada. Muito obrigada pela oportunidade de falar com os senhores. Eu espero ter conseguido transmitir de maneira simples, mas objetiva, os propósitos da minha vinda aqui. Muito obrigada, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, muito bem, Dra. Marcia Pereira da Silva, graduada da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas, representante da Educafro, do nosso querido Frei David. Pode saber que você foi muito bem, viu? Sabe que numa oportunidade o Frei David esteve aqui com os 30 estudantes dele de lá. Aí, quando estava terminando a audiência pública, ele disse: "Tudo bem, Paim, mas eu estou aqui com alguns formandos, prontos para trabalhar. E tu não vais contratar nenhum?". Mas assim, ao vivo. Aí eu olhei para ele e disse: "Está bom, Frei David, escolhe aí um homem e mulher". E ele escolheu: foi o Thiago, que hoje trabalha com o Mercadante, e a Isabel, que trabalha comigo até hoje. Ambos vieram da Educafro. Sabe quanto tempo faz isso? Mais ou menos uns 15 ou 20 anos atrás já. A SRA. MARCIA PEREIRA DA SILVA - Vou trazer meu currículo da próxima vez e deixar aqui. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas foi muito interessante. E são muito competentes os dois, tanto que a Isabel está até hoje e o Thiago foi trabalhar no Governo Lula anterior e trabalhou também com o Mercadante, foi fundamental. Hoje ele está no BNDES, assessorando o Mercadante. E, claro, se ele saiu do gabinete há tanto tempo, já entrou outro no lugar dele, mas, sempre que surgirem vagas, claro, a gente tem essa preocupação com a diversidade. Posso dizer com alegria para vocês que no meu gabinete tem toda a diversidade, toda. Para não dizer que não tem toda mesmo, acho que falta um cigano lá, porque eu sou autor do Estatuto do Cigano também aqui. O resto todos estão representados, LGBTQIA+, a maioria lá são mulheres, negros, negras. Aquele lá atrás é do meu gabinete também, está vendo ali? Aquele que está com o celular lá é o bambambã das comunicações. Agora mesmo ele passou para todo o Brasil... Pode dizer aí, quais são os três que você passou? Diga aí o que eu pedi para você passar há um pouquinho tempo. Porque a maioria que está no meu celular não tinha recebido, claro, e vocês trabalham de forma ampla. Mas o que eu pedi para você passar em seguida no meu... Tem tudo a ver com este momento. Quais foram? |
R | O SR. ASTHEGO CARLOS DE JESUS SILVA (Fora do microfone.) - Foi um vídeo sobre a sanção da Lei de Cotas, foi a homenagem que foi feita para o senhor lá no TST e... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Que era uma bancada... Fala no microfone. Se precisar, eu complemento aqui. O SR. ASTHEGO CARLOS DE JESUS SILVA - Tá. Foi feita uma publicação sobre a conquista histórica da Lei de Cotas, a homenagem que o senhor... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Lá no TST, só para complementar, eles escolheram para fazer uma homenagem do Tribunal Superior do Trabalho com juízes e juízas negros e negras de todo o Brasil e escolheram os quatro Constituintes negros, a bancada negra da época - Caó, Edmilson, eu e Benedita. O SR. ASTHEGO CARLOS DE JESUS SILVA - Gente que Inspira. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Gente que Inspira! Foi um belo momento. E o terceiro? O SR. ASTHEGO CARLOS DE JESUS SILVA - Foi a Lei de Costas... Lei de Cotas; TST, Gente que Inspira; e o 20 de novembro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O 20 de novembro. Muito bem. Esse é o Asthego, viu! Pode comentar. A SRA. MARCIA PEREIRA DA SILVA - Eu preciso dar um recado do Frei David, senão ele me mata. Eu gostaria de aproveitar a abrangência da transmissão aqui para dizer que eu sou bolsista integral da Educafro e que a Educafro assiste esse acesso. Se você tiver interesse em começar a fazer o seu curso universitário e ter suporte, vocês devem acessar, por favor, www.educafro.org.br. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi dado o recado, viu! (Palmas.) Vamos para as videoconferências. Vamos ver se está na tela já o Claude. O Sr. Claude está na tela? Oficial de Direitos Humanos da Acnudh em Genebra e Chefe da Seção de Temas Indígenas e Minorias. Claude Cahn. O SR. CLAUDE CAHN (Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Olá, boa tarde. Vocês me escutam? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Escutamos. Por favor, Dr. Claude. O SR. CLAUDE CAHN (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Eu falarei brevemente. Gostaria de falar um pouco sobre o background daquilo que estamos promovendo acerca de legislações abrangentes antidiscriminação, que são encabeçadas pelo nosso escritório de direitos humanos das Nações Unidas, em conjunto com experts da sociedade civil, que também estão conosco hoje. Nós temos o Jim Fitzgerald, Diretor da Equal Rights Trust. Eles trouxeram a orientação ao Brasil mais cedo nesse ano, como resultado de grande entusiasmo de muitas instituições no Brasil, uma tradução desse guia, que agora está disponível em português, como resultado dos esforços. Então, nós estamos muito gratos por estarmos aqui nessa reunião e podermos discutir brevemente o guia e seu conteúdo, e também dizer que o material está disponível para uso pelos criadores de políticas brasileiras, para a sociedade civil, para os defensores dos direitos humanos, em português. Brevemente sobre o background do guia, para o meu colega Jim Fitzgerald. O background é bem simples. A antidiscriminação é algo único, é um eixo central dos tratados de direitos humanos e também está no centro da ideia de todos sobre o direito. O tratamento igualitário é algo que cada pessoa precisa receber, como resultado de desenvolvimentos legais ao redor do mundo, algo que nós chamamos de movimento para legislação abrangente antidiscriminação. Esse é um movimento que tem o objetivo de dar um efeito maior às obrigações de direitos humanos internacionais em sistemas nacionais. |
R | País após país adotou leis abrangentes para colocar nas mãos das pessoas a possibilidade de garantir o exercício da igualdade na prática e também para que elas possam agir por si mesmas quando acreditarem que sofreram discriminação. Agora, acreditamos que os países que, ao redor do mundo, adotaram leis abrangentes antidiscriminação estão ativamente no processo de discutir a adoção desse tipo de legislação, numa discussão nacional vibrante. O Brasil está, claramente, no último grupo mencionado: claramente, há uma discussão vibrante ocorrendo nacionalmente. Nós estamos aqui com os nossos parceiros para tentar promover um apoio e também um esforço entre os criadores de leis para desenvolver um projeto de lei nesse sentido. Esse guia, eu falarei brevemente sobre o seu desenvolvimento, tem o objetivo de resumir o estado atual da lei na região. Caso algum país queira adotar uma legislação abrangente antidiscriminação, esse guia poderá promover os detalhes daquilo que precisa estar presente numa lei desse tipo. Nós desenvolvemos o guia, e isso levou por volta de três anos, nós buscamos muitas fontes diferentes e o colocamos sob a supervisão de um grupo de experts independentes para nos guiar quanto ao conteúdo da lei. Nós buscamos os países membros para lhes perguntar sobre dispositivos e tivemos discussões extensas com sociedade civil, defensores dos direitos humanos, grupos antidiscriminação, grupos de mulheres e de LGBTQIA+, grupos de pessoas indígenas e ainda outros, para podermos ouvir quais eram as suas experiências, em nível nacional, com esse tipo de lei. O resultado é este guia, que é longo. Ele tem por volta de 200 páginas. Jim passará para vocês o conteúdo de forma mais concisa, mas ele foi desenhado para acessibilidade, para que qualquer pessoa que queira visitar esse conteúdo possa lê-lo facilmente e para que seja possível informar aquilo que é necessário estar presente nesse tipo de lei. Isso é basicamente o que eu gostaria de dizer. |
R | Nós apoiamos a discussão atual que está sendo conduzida no Brasil. Em seguida à reunião de hoje, caso alguém queira entrar em contato com o nosso escritório, nós estamos abertos a isso. E caso vocês queiram contatar a minha colega no Brasil, Angela Pires, ela gostaria de ouvir os pensamentos de vocês, suas perguntas também. Esperamos que vocês compartilhem conosco um projeto de lei. Quero parar por aqui. Muito obrigado por conduzir esta reunião, Sr. Presidente Paulo Paim. É uma honra estar aqui. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Claude Cahn, Oficial de Direitos Humanos da Acnudh em Genebra e Chefe da Seção de Temas Indígenas e Minorias. Obrigado pela exposição, que veio contribuir muito para este debate. Eu vou passar a palavra agora para Jim Fitzgerald, Diretor de Equal Rights Trust. Por favor. O SR. JIM FITZGERALD (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Obrigado, Sr. Presidente, e obrigado também aos Senadores. É uma honra, como Claude disse, e também um privilégio ter a oportunidade de falar com vocês sobre esse guia e sobre a necessidade e o processo para que o Brasil adote uma legislação abrangente antidiscriminação. Seguindo a fala do Claude sobre como e por que desenvolvemos esse guia, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre o conteúdo do guia em si. Em um momento, eu vou dividir a minha tela para realmente dividir com vocês o conteúdo do guia, para que vocês possam visualizar. Antes que eu faça isso, eu quero deixar bem claro o que queremos dizer com "abrangente", com uma "legislação abrangente antidiscriminação". Nós consideramos que essa é uma reforma legal absolutamente necessária para que os estados possam prover a proteção aos direitos humanos. Em termos simples, esse tipo de legislação envolve leis que tenham tanto o propósito quanto o efeito de proibir e, dessa forma, prevenir todas as formas de discriminação em todas as bases reconhecidas pela lei internacional e em todas as áreas da vida que são regulamentadas pela lei. Para que essas leis possam ser efetivas e prover uma proteção abrangente e se dirigir à prevenção nacional contra a discriminação em adição a simplesmente proibir a discriminação, é essencial que essas leis tragam definições das formas diferentes de discriminação. Existem cinco: discriminação direta, discriminação indireta, assédio, fala para se ajustar adequadamente e segregação. É essencial que a lei proíba discriminação em todas as características e bases que foram reconhecidas com o passar das últimas sete décadas pelo sistema das Nações Unidas. Agora, são mais de 30, desde a idade até a raça, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência, saúde, predisposição genética a doenças e por aí vai. |
R | É essencial que leis que proíbam discriminação em todos os âmbitos possam ser reguladas: na saúde, no trabalho, na educação, no exercício de funções públicas, participação legal e por aí vai. Essas leis também precisam de um grupo de mecanismos procedimentais que são essenciais para garantir que os indivíduos possam acessar a Justiça, para garantir soluções legais e também punições para aqueles responsáveis legais e também punições para aqueles responsáveis pela discriminação. As soluções devem estar disponíveis tanto para o indivíduo quanto para a instituição e a sociedade. As punições devem ser eficientes, proporcionais e dissuasivas. Além de garantir o acesso à Justiça, à solução e às sanções, essas leis precisam garantir que os estados tenham obrigações vinculantes para as autoridades públicas e também os entes privados para que tomem medidas proativas na prevenção da discriminação, para que progridam no sentido da equanimidade e para abordar esteriótipos, estigmas e preconceitos. Uma lei abrangente antidiscriminação é uma lei que proíbe todos os tipos de discriminação em todas as bases e em todos os âmbitos que são regulados pela lei. Para que isso seja efetivo, é preciso que haja possibilidade de acessar a lei e também são necessárias medidas proativas para que esse tipo de legislação entre em prática. Esse guia estabelece o que é requerido para a criação de uma lei antidiscriminação que seja abrangente e efetiva. Nós ficamos muito felizes quando a DPU disse que queria levar à frente um projeto para tradução desse guia do original em inglês para a língua portuguesa para que, assim, ele pudesse ser utilizado por criadores de políticas, por ativistas e pela sociedade civil no Brasil. Por essa iniciativa, o Brasil é o primeiro país e o português é a primeira língua, além do inglês, para o qual o guia foi traduzido. Atualmente, está sendo realizada a tradução para todas as línguas da ONU e também para o japonês. O que nós temos aqui é a tradução do guia em português que foi produzido pelo DPU para a Acnudh. O guia em si é muito extenso. É um documento longo. Conta com mais de 200 páginas, mais de 12 mil notas de rodapé, com leis regionais, internacionais e domésticas, com muitas fontes individuais. Então, literalmente, temos milhares de dispositivos legais que foram analisados nesse documento. Gostaria de falar sobre o objetivo desse guia, que é para prover algumas questões, por exemplo, para esclarecer e destacar o fato de que a legislação de direitos humanos, internacionalmente, precisa de legislação abrangente antidiscriminação. Em seguida, para prover orientação específica sobre o conteúdo necessário nesse tipo de legislação, caso ele queira estar de acordo com os padrões de leis de direitos humanos internacionais - com os padrões internacionais de direitos humanos que devem ser adotados -, numa harmonização que é muito importante para um documento tão grande. Como o Claude mencionou, o direito à não discriminação é o único direito que está presente em todas as convenções de direitos humanos da ONU; também está em muitas outras convenções internacionais - da Unesco, por exemplo -, convenções de direitos internacionais e de âmbito humano. |
R | Com o passar das décadas, nós desenvolvemos uma variedade, cujas interpretações, por vezes, entram em conflito com as que temos. Um dos objetivos principais desse guia era sintetizar e trazer esses objetivos, como promulgar uma lei que consiga abranger todo o âmbito desse tipo de lei. Então, esse guia quer ser tanto um catalizador para o engajamento legal como um roteiro para esse direcionamento e também uma enciclopédia de padrões jurídicos. Para explicar a estrutura do guia em si, ele está dividido em seis partes, cada uma está alocada em um lugar diferente. A primeiro está em azul e fala do primeiro elemento, das obrigações legais para esse tipo de legislação mencionada. A segunda parte, em verde, aborda o conteúdo essencial que deve haver na lei. É a parte mais longa, tão longa quanto o restante do guia, e tem cinco componentes principais, que estabelecem os pontos principais de uma lei antidiscriminação, quais sejam: a proibição da discriminação; as diferentes formas da discriminação; o escopo material do direito à não discriminação; as medidas de discriminação - e então fala de ações afirmativas e positivas -; e os deveres de igualdade. A próxima subseção lida com medidas reparatórias e sanções, e então fala sobre o acesso à Justiça e execução da lei. E, por fim, nós temos os requisitos para o estabelecimento de órgãos de igualdade independentes, que seriam estabelecidos de acordo com a lei, para a promoção e também a aplicação de leis antidiscriminação. Então, por fim, também essa seção fala sobre outras obrigações positivas e proativas, como a avaliação do impacto das políticas de equanimidade. A próxima parte fala sobre a relação da lei antidiscriminação e o quadro dos direitos das minorias, observando a situação, por exemplo, de minorias religiosas e a proteção que elas recebem à discriminação - a discriminação com base em raça e a lei antidiscriminação. A quarta parte fala sobre a interação entre a lei antidiscriminação e crimes violentos ou atos criminais de violência. A parte cinco lida com a relação entre a lei antidiscriminação e o direito à liberdade de expressão, incluindo o discurso de ódio. |
R | E a parte sexta e final examina a obrigação positiva dos estados de não somente proibir a discriminação e tomar medidas positivas no avanço e na direção da equanimidade, mas também adotar o quadro legal para moldar o entendimento do público, para criar uma sociedade mais inclusiva. E quanto a essa estrutura do guia, como eu disse, já que é um documento enciclopédico e tão extenso, há um grande número de medidas que foram tomadas na estruturação desse guia. A primeira coisa é a estruturação em diferentes seções para que fiquem claros os diferentes componentes do guia em si. A segunda coisa que nós fizemos para estruturar o guia e torná-lo o mais útil possível foi a criação de um resumo executivo que fala sobre as principais obrigações legais. Esse resumo executivo poderia ser usado como um guia por si só para legisladores e criadores de políticas, que falam em termos bem simples e objetivos o que deve estar numa lei antidiscriminação. Os princípios estabelecidos aqui são discutidos e elaborados com grande detalhe no restante do guia, mas nessa parte eles são estabelecidos em termos bem concisos e objetivos. E o terceiro ponto que fizemos para, com esperança, tornar o guia o mais acessível possível foi estabelecer o uso de caixas de texto que estão coloridas e aparecem em lugares variados do guia para trazer os elementos principais. Aqui, temos quatro tipos de caixas: em azul, temos caixas que trazem um resumo simples do material que está sendo tratado - o conteúdo dessas caixas está unido no resumo executivo do começo do documento -; em verde, nós temos dispositivos legais que foram removidos de legislações de todo o mundo, desde Quênia até o México, a Guiana, uma ampla gama de países, e são exemplos que os legisladores podem utilizar como fontes, se considerarem relevantes; em rosa claro, nós temos caixas que tratam de questões que são particularmente interessantes ou complexas, examinando casos de lei de tribunais regionais ou analisando outras interpretações acadêmicas. Por meio dessas medidas, nós tentamos criar um documento que fosse, por um lado, enciclopédico extenso e abrangente, mas, por outro lado, também tentamos fazer com que fosse útil e bem fácil de entender, assim sendo, uma ferramenta útil para que todos no Brasil que têm interesse nesse projeto possam acessar uma legislação abrangente antidiscriminação. Agradeço a todos pelo seu tempo. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Nossos cumprimentamos ao Jim Fitzgerald, Diretor da Equal Rights Trust. Parabéns pela exposição. Claro, deixou um documento longo, mas as pessoas podem, via sistema de comunicação aqui da Comissão, ter acesso para entender detalhadamente tudo o que eles estão propondo. Eu vou passar a palavra, de imediato, à Charlene da Silva Borges, Secretária-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União (DPU). |
R | Não sei se ela entrou pela tela. A SRA. CHARLENE DA SILVA BORGES (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia a todas! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia! A SRA. CHARLENE DA SILVA BORGES (Por videoconferência.) - Muito bom dia a todas e todos! Conseguem me ouvir? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito. A SRA. CHARLENE DA SILVA BORGES (Por videoconferência.) - Eu gostaria de realizar uma saudação a todos os presentes e uma saudação especial à mesa na pessoa do Presidente, Senador Paulo Paim, sempre amigo e parceiro da Defensoria Pública do nosso país, tanto da Defensoria Pública da União quanto das Defensorias Públicas dos estados. Venho aqui, enquanto Secretária-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União, para celebrar também a nossa contribuição em relação à publicação desse guia que foi mencionado aqui, recentemente, um trabalho, uma parceria das Nações Unidas, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, um instrumento muito valioso que traz um compilado, um arcabouço das legislações, dos compromissos internacionais com foco na antidiscriminação. A Defensoria Pública da União prestou apoio formal à publicação desse guia. Participamos do lançamento, entendemos que é muito importante a promoção e a divulgação desse material, tanto no contexto jurídico mas também acadêmico, junto à sociedade civil. À Defensoria Pública, todos sabemos, cabe a defesa e a promoção de direitos humanos dos grupos sociais vulnerabilizados que merecem proteção especial do Estado. E, para o cumprimento dessa obrigação, dentro da Defensoria Pública da União, nós possuímos dois sistemas de proteção de direitos humanos. O primeiro sistema é o estabelecimento de defensores regionais de direitos humanos, que atuam com uma abrangência estadual em cada estado do nosso país. Possuímos um defensor regional de direitos humanos para realizar o enfrentamento das violações de direitos humanos dos grupos sociais vulnerabilizados tanto na esfera judicial quanto extrajudicial, e, nesse contexto, priorizamos muito a resolução extrajudicial. E o enfrentamento às discriminações, o enfrentamento à opressão das minorias realmente faz parte do dia a dia desses colegas, desses membros que estão na linha de frente da defesa de direitos humanos. Além do sistema dos defensores regionais de direitos humanos, possuímos também grupos de trabalho organizados dentro da estrutura da Defensoria Pública da União, porque entendemos que o conceito de vulnerabilidade não se limita ao aspecto econômico, mas envolve também pessoas e grupos sociais que, do ponto de vista informacional, organizacional, são socialmente vulnerabilizados. Então, está entre as nossas funções a defesa e a promoção de direitos humanos desses grupos. E entre os grupos atendidos pelos nossos grupos de trabalho especializados estão crianças e adolescentes, idosos, pessoas em situação de privação de liberdade, pessoas com deficiência, mulheres que venham a ser vítimas de violência doméstica e familiar, populações em situação de rua, catadoras e catadores de materiais recicláveis, comunidades indígenas, quilombolas, povos de terreiro, caiçaras e outros grupos que necessitam da proteção especial do Estado, como a comunidade LGBTQIA+. Então, dentro desse contexto dos grupos de trabalho, nós lidamos diariamente com situações, denúncias, casos concretos que envolvem discriminação e opressão desses grupos. E é muito importante manter a nossa vigilância e fazer um esforço realmente interinstitucional, tanto dentro do sistema de Justiça, mas também com o apoio do Legislativo e do Executivo, através de projetos, notas técnicas, por meio dos quais a gente costuma dar contribuições também no estabelecimento de políticas públicas para a proteção dos direitos dessas minorias. |
R | A gente acabou de passar pelo Novembro Negro, e, hoje, é importante fazer um recorte aqui, especificamente em relação à discriminação racial, que é uma chaga persistente ainda no nosso país, tão desigual estruturalmente, abarrotado pela desigualdade social e pelo racismo. Nós temos um grupo de trabalho específico para tratar da proteção de políticas etnorraciais, e é um grupo muito importante que tem dado uma contribuição muito interessante ao longo dos cinco anos - nós já temos cinco anos da criação desse grupo -; um grupo que fomenta a efetivação da igualdade de oportunidades, o enfrentamento do preconceito, da discriminação, das intolerâncias éticas, da intolerância religiosa. Nós monitoramos, nesse grupo de trabalho, casos sensíveis relacionados ao enfrentamento do preconceito contra a população negra e costumamos fazer também os encaminhamentos e recomendações aos poderes públicos, às entidades da sociedade civil e também fomentar a adoção de medidas e programas de políticas de ações afirmativas. Fazemos um trabalho importante também com educação de direitos através da divulgação e promoção de guias e cartilhas de educação e direitos humanos. Nós estabelecemos notas técnicas: eu posso exemplificar aqui uma nota técnica recente desse grupo de trabalho, em que ele visou justamente a apresentar considerações técnicas jurídicas sobre o Projeto de Lei nº 676, de 2021, que visa à alteração do Decreto de Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, o Código Penal, para disciplinar o reconhecimento fotográfico de pessoas. Essa é uma nota técnica muito importante que deu uma contribuição em relação a esse tema, que é um tema muito interessante, dentro do direito penal, porque entendemos que, através desse cenário de reconhecimento fotográfico de pessoas, ocorre muita violação dos direitos humanos e discriminação. O racismo acaba sendo introjetado dentro da nossa estrutura institucional, dentro da estrutura policial para persecução penal. O racismo acaba sendo utilizado como um paradigma para selecionar pessoas que poderiam ser consideradas suspeitas através dessa ferramenta. Então, estabelecemos essa nota técnica. Também emitimos notas técnicas para contribuir com relatórios da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial para o monitoramento e avaliação da política de cotas no serviço público federal. Também emitimos uma nota técnica com análise jurídica do Projeto de Lei nº 2.000, de 2021, que reconhece o sítio arqueológico do Cais do Valongo, na região portuária do Rio de Janeiro, como Patrimônio Histórico e Cultural Afro-Brasileiro, porque entendemos que precisamos manter viva a memória ancestral da nossa história. Também emitimos uma nota técnica para a formulação do protocolo sobre a abordagem policial, a partir de um grupo de trabalho que foi estabelecido no Rio Grande do Sul, de combate à violência contra a população negra. Além dessa demanda, desse recorte racial, nós também temos uma atuação na defesa e promoção de direitos humanos das mulheres. Temos o Grupo de Trabalho Mulheres, que atua no reconhecimento em defesa dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das mulheres. Monitoramos ações de discriminação e violação de direitos, sobretudo na área reprodutiva e sexual. Buscamos disseminar o conhecimento do direito à educação, à saúde e à proteção previdenciária da mulher, que é um tema muito importante, em que estabelecemos também uma linha de enfrentamento à discriminação da mulher no âmbito da proteção previdenciária. Buscamos estimular e contribuir, através de notas técnicas, um diálogo com o poder público, para o estabelecimento de políticas públicas para o estímulo da autonomia econômica da mulher, a promoção da igualdade da mulher no mercado de trabalho e também o fortalecimento da participação das mulheres nos espaços de poder e decisão. É uma discussão muito constante que fazemos, tanto internamente, dentro da nossa estrutura institucional enquanto instituição do Poder de Justiça, de buscar o estabelecimento de uma política interna de paridade de gênero na ocupação dos espaços de poder e decisão, mas também buscamos contribuir com o debate externo - ao institucional -, para o fortalecimento dessa atuação e da participação das mulheres de uma maneira igualitária. É também uma forma de enfrentamento à discriminação das mulheres. |
R | Atuamos para garantir o direito das mulheres em relação à proteção da gestação, com o acesso à qualidade da concepção e contracepção, pré-natal digno e enfrentamento da violência obstétrica. Também temos cartilhas de educação em direito e promovemos o atendimento às mulheres que possuem violação de direitos humanos nesse sentido. Promovemos um debate muito forte em relação a políticas públicas para a defesa de mulheres presas e das mulheres migrantes, no contexto das fronteiras secas e das vítimas de tráfico internacional de drogas. Nós costumamos atender mulheres que são vitimadas, dentro desse sistema, mulheres dependentes e mulheres que acabam se envolvendo em delitos relacionados a esse contexto. Entendemos que há, muitas vezes, um recorte de gênero na inserção das mulheres nesse tipo de situação. Também promovemos a defesa de mulheres processadas por subtração internacional de crianças em decorrência da Convenção de Haia e atuamos nos processos administrativos. De uma maneira geral, nós monitoramos todos os casos relacionados à temática de mulheres. Também possuímos um trabalho muito forte de educação de direitos e promoção de direitos humanos também na comunidade LGBTQIA+. Recentemente, nós realizamos, dentro da Defensoria Pública da União, uma audiência pública para discutir os direitos previdenciários das pessoas trans, uma temática ainda muito pouco discutida: o direito previdenciário dentro do recorte da comunidade LGBTQIA+. Possuímos guias para atendimento dessas pessoas e proteção dos direitos humanos das pessoas que são discriminadas em função da sua opção sexual ou afetiva. Bom, eu não posso me alongar mais, porque eu estou passando por uma patologia, estou com a voz falhando, mas eu queria agradecer a participação da Defensoria Pública da União neste debate e, novamente, celebrar a divulgação desse guia de proteção dos direitos das minorias. Ele vem reforçar tanto a atuação da Defensoria Pública da União, como a atuação, eu acredito, também das outras instituições integrantes do sistema da Justiça, das instituições do Poder Legislativo, do Poder Executivo, da sociedade civil. Todos os movimentos sociais podem fazer um uso muito valioso desse guia, que propõe a proibição de todas as formas e manifestações de discriminação e faz esse compilado dos compromissos internacionais que estabelecem essa proteção. |
R | Então, eu agradeço a todos e permaneço aqui para acompanhar esse debate. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Charlene da Silva Borges, Secretária-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União (DPU), que fez uma análise da defesa dos setores mais vulneráveis, combateu todo tipo de discriminação e apontou o caminho que é das políticas humanitárias. Eu vou passar a palavra agora à Angela Pires Terto, que iria estar presencialmente, mas não pôde, mas ela vai entrar de forma virtual. Angela Pires Terto, Assessora Nacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), por favor, o tempo é seu. (Pausa.) Não a estamos ouvindo. (Pausa.) Continuamos não ouvindo. (Pausa.) A informação que nós temos aqui é que o seu microfone está desligado. (Pausa.) Vamos ter que passar para outro convidado até que se consiga refazer a conexão com a senhora. Vou chamar Arquias Cruz, representante da Conectas Direitos Humanos. O SR. ARQUIAS CRUZ (Para expor. Por videoconferência.) - Alô, vocês me escutam? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto. Estou ouvindo bem. O SR. ARQUIAS CRUZ (Por videoconferência.) - Perfeito. Bom dia a todas, todos e "todes". Eu me chamo Arquias Cruz, sou assessor internacional na ONG Conectas Direitos Humanos. Primeiramente, agradeço o convite feito à Conectas e cumprimento o Presidente da Comissão, Senador Paulo Paim. Muito obrigado pelo convite, Senador. Cumprimento também a todas as Senadoras e todos os Senadores presentes, as pessoas convidadas e demais pessoas presentes, com agradecimento a toda a equipe da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa pelos arranjos para a nossa participação híbrida. Começo a minha fala destacando a relevância de trabalhos como a publicação de um guia prático para desenvolver uma legislação abrangente de combate à discriminação. Trata-se de uma iniciativa importante para a defesa e promoção de direitos humanos, realizada pela DPU, pela Equal Rights Trust e pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Infelizmente, diante de graves e sistemáticas violações de direitos humanos que presenciamos ao redor do mundo, sobretudo em nosso país, sabemos na prática que a exclusão social estrutura nossas sociedades, sendo necessário que os países elaborem normativas e políticas públicas para a inclusão e não discriminação. Também há necessidade de reorientarmos como atuamos sobre problemas globais como, por exemplo, a emergência climática e como uma gestão pública democrática deve efetivar suas políticas em diálogo com padrões de direitos humanos e com organismos internacionais. |
R | Vale destacar que a proteção aos direitos de minorias e o combate à discriminação é um dos pilares do atual regime internacional de direitos humanos e, portanto, do direito internacional público. Como bem explica a referida publicação, os países signatários de tratados da ONU e de outros organismos se comprometem a efetivamente garantir o amplo respeito às diversidades e dignidades das suas populações. Assim, o Brasil, como país signatário de convenções como a recentemente ratificada Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, deve implementar medidas urgentes de proteção de grupos mais vulnerabilizados. Deve-se relembrar que tal convenção tem status equivalente a uma emenda constitucional, diante do rito pelo qual ela passou. Gostaria, então, de abordar brevemente, em respeito ao tempo concedido, alguns poucos tópicos sobre cumprimento de medidas internacionais por parte do Estado brasileiro. Em nosso histórico diplomático republicano, é possível dizer, com as necessárias ressalvas, que o Brasil tem uma valorosa tradição de adesão ao multilateralismo. E assim, relembro que um primeiro ponto é que, quando falamos em esfera internacional, é necessário tratarmos a política externa como política pública, representativa e aberta à participação social. Isso implica haver mais transparência e participação social em diversos espaços que compõem a construção da política externa brasileira. No debate internacional, accountability tem sido uma expressão bastante utilizada para descrever o elemento essencial de prestação de contas por parte dos agentes envolvidos em políticas públicas. Evidentemente, diversos órgãos e agentes estão envolvidos na construção e no monitoramento da política externa brasileira, e destaco o papel crucial exercido por esta Comissão, por exemplo. Conforme o art. 4º, inciso II, da Constituição Federal, a prevalência dos direitos humanos é um dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil. Nesse sentido, é importante prosseguirmos em um outro tópico basilar desta audiência pública: a ratificação de tratados internacionais de direitos humanos. Indico alguns desses tratados que já foram assinados pelo Poder Executivo, mas ainda não completaram o devido processo de ratificação, o que perpassa pelo envio do Executivo ao Legislativo, tramitação nas duas Casas Legislativas, entre outras etapas. No âmbito do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, é necessário prosseguir, portanto, com a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra Toda a Forma de Discriminação e Intolerância, documento em prol do combate às discriminações de gênero e de orientação sexual, por exemplo. Deve-se também completar a ratificação do Protocolo de 2014 à Convenção sobre o Trabalho Forçado, da OIT; do Protocolo à Convenção nº 29, sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, da OIT; da Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, nº 189; e da Recomendação sobre o Trabalho Doméstico Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, nº 201, da OIT também, para efetivamente situar o país no combate às formas contemporâneas de escravidão. Um terceiro tópico que eu gostaria de trazer é sobre a articulação proativa com mecanismos internacionais. Hoje, há uma série de aceites pendentes, por parte da Itamaraty, para a realização de visita dos chamados procedimentos especiais da ONU. Esses mecanismos são fundamentais para a avaliação da situação de direitos humanos no país e para o diálogo com a sociedade civil local, sobretudo no contexto da escalada de violência e de violações contra as populações negras e indígenas nos últimos anos. |
R | No âmbito das Nas Nações Unidas, temos também ainda a questão dos processos de revisão do país por órgãos de tratado, que são mecanismos de avaliação do cumprimento dos tratados internacionais por parte dos Estados signatários, como a referida publicação também explica. O Brasil, no último ano, tem passado por quatro revisões, recebendo inúmeras recomendações e avaliações desses órgãos da ONU, a saber: o Comitê contra a Tortura, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial, o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais. As denominadas Observações Conclusivas, como é conhecido o documento final de cada revisão, trazem pontos prementes para o avanço da defesa e promoção dos direitos humanos no país, devendo diferentes agentes e poderes do país se apropriarem e dialogarem com as recomendações efetivadas. Ademais, houve ainda a revisão periódica universal (RPU), que analisou a situação dos direitos no país a partir de relatórios enviados pelo próprio Estado brasileiro, por organismos internacionais e pela sociedade civil. Foi realizada a sessão de sabatina com o Estado em novembro de 2022, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, e com o aceite das recomendações pelo Estado brasileiro, no mesmo espaço, em março deste ano. Nesse processo, enfatizo que o Brasil deve adotar um procedimento que garanta permanentemente a consulta pública prévia e ampla à sociedade civil com reuniões sobre os relatórios a serem enviados pelo Estado brasileiro, essas avaliações em direitos humanos. Em 2022, por exemplo, a consulta pública para o relatório do Estado brasileiro na RPU não contou com procedimentos devidos de escuta, além de a consulta em si consistir em apenas um formulário simplificado, impedindo análises mais aprofundadas e críticas ao contexto nacional. Em complemento, indica essa necessidade de o Estado cumprir com os prazos de envios dos relatórios, já que o Brasil esteve em atraso nos últimos 20 anos com os referidos mecanismos. Por fim, quando tratamos sobre articulação proativa com mecanismos das Nações Unidas, é necessário compreender que o diálogo com os mecanismos é uma forma fundamental de avaliação da situação do país e na construção de novas políticas públicas em diálogo com a sociedade civil, sobretudo nesse contexto de reconstrução e de promoção de direitos das populações mais vulnerabilizadas. Agradeço novamente pelo convite. Muito obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos para o representante da Conectas Direitos Humanos, Arquias Cruz, que fez um resumo e demonstrou quão importante é a nossa luta no combate a todo tipo de racismo e preconceito. Eu vou passar a palavra nesse momento para a Assessora Nacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), Angela Pires Terto. (Pausa.) Não a estou ouvindo. Não estamos ouvindo. (Pausa.) Só há a imagem, mas a voz não está chegando para nós. (Pausa.) Nós continuamos não a ouvindo. (Pausa.) |
R | Eu percebo que a senhora está falando, mas não se ouve. É preciso ver o que está acontecendo no seu microfone. Aqui não se ouve nada. Eu vou voltar à lista original na expectativa de que a senhora possa tornar a falar conosco. Então, eu passo a palavra agora para Alex André Vargem, Diretor de Promoção dos Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. (Pausa.) Alex, fala aí para nós vermos se o som chega aqui. Não está chegando. (Pausa.) Não o estamos ouvindo, Alex. (Pausa.) Não o estamos ouvindo, Alex. Então, nós vamos para... Enquanto vocês tentam, tanto a Sra. Angela como o Alex, eu vou fazer uma fala da Presidência que eu não havia feito ainda, esperando... Eu iria fazer no encerramento, mas eu faço a fala, e, se vocês conseguirem se conectar, vocês falam ainda, o.k.? E depois... (Pausa.) Angela, está na tela? A SRA. ANGELA PIRES TERTO (Para expor. Por videoconferência.) - Sim. Vocês me escutam? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, sim. A SRA. ANGELA PIRES TERTO (Por videoconferência.) - Ah, sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode falar, Angela. A SRA. ANGELA PIRES TERTO (Por videoconferência.) - Muito obrigada. Muito bom dia, Senador Paulo Paim e todas e todos os presentes! Saúdo os companheiros e companheiras que me antecederam, o meu colega do Alto Comissariado para os Direitos Humanos Claude Cahn; também o Jim Fitzgerald, do Equal Rights Trust; a Charlene Borges, da Defensoria Pública da União; também o Arquias, que me antecedeu ainda há pouco; saúdo a todos, especialmente pela oportunidade de ter esta audiência pública acontecendo às vésperas da celebração do dia em que a gente comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos. São 75 anos de adoção da declaração pelas Nações Unidas, e sabemos que o enfrentamento a todas as formas de discriminação tem sido um dos principais desafios de direitos humanos que as Nações Unidas têm. E, após 75 anos de vários avanços, a gente pode notar que muitos desafios persistem. Aqui no Brasil, no mês de novembro, celebramos a consciência negra e sabemos que o racismo é algo que não só no Brasil, mas em diversos países do mundo, segue persistindo. |
R | Por coincidência, ao passo que estamos nesta audiência pública, o Mecanismo Independente das Nações Unidas sobre Justiça e Igualdade Racial, na aplicação da lei, visita o Brasil, se reúne com órgãos de segurança pública, órgãos da Justiça, organizações da sociedade civil, diversas instituições independentes, também do Estado, Legislativo, Judiciário, enfim, se reúne com todos os atores no sentido de conhecer melhor a situação do Brasil, colher testemunhos de vítimas e seus familiares que tiveram, muitas vezes, seus entes queridos assassinados em razão de um perfilamento racial, ou seja, dos diversos tipos de violência, incluindo assassinatos de pessoas queridas com base, unicamente, na raça dessa pessoa. E esse mecanismo, coincidentemente, visita hoje o Brasil. Destaco essa visita por conta do tema de que tratamos, o tema de combate à discriminação, o guia que foi apresentado, que contou com a tradução da Defensoria Pública da União, e a necessidade, sobretudo, de que os diversos atores do país consigam implementar, seja políticas, seja legislações, adequadas, não só para promover toda responsabilização em razão da discriminação, mas também buscar prevenir os diversos tipos de discriminação e, uma vez que ela ocorra, também promover todas as formas de reparação. Então, essa visita é muito oportuna, ela acontece agora. Ao final são oferecidas várias recomendações produzidas por esses especialistas que compõem a delegação, e constituem um - eu diria - mapa importante para guiar o Estado na realização das ações necessárias para, assim, dar conta de enfrentar a discriminação, sobretudo nesse caso, na aplicação da lei. O Arquias mencionou, ainda há pouco, os diversos órgãos de tratados das Nações Unidas que recomendaram ao Brasil a adoção de uma série de medidas. Eu queria destacar aqui algumas das recomendações do comitê da ONU sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, o qual analisou a situação do Brasil e destacou a questão da interseccionalidade. Falamos de discriminação e sabemos que, quando essas discriminações se sobrepõem, elas produzem um impacto muito maior em indivíduos e no coletivo. E essas discriminações afetam de tal forma que impedem, muitas vezes, inclusive, a realização dos projetos de vida dessas pessoas. |
R | Então, o comitê fez diversas recomendações para que o Estado brasileiro possa melhorar tanto a sua legislação quanto a aplicação da lei no sentido de olhar as interseccionalidades, de olhar, por exemplo, a discriminação racial. Mas, quando ela é somada a uma discriminação baseada em gênero, seja pelo fato de ser mulher, seja pelo fato de ser uma pessoa LGBTQIA+, pela origem dessa pessoa, pela nacionalidade, seja mesmo pelo status de deficiência, a pessoa é muito mais afetada pela discriminação. Então, eu chamo atenção para esse ponto para que o nosso Congresso Nacional possa ter um olhar mais dedicado a essas sobreposições de discriminação. E também destaco que no próximo ano dois comitês também analisarão a situação do Brasil, que é o Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e também o Comitê da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Então, são oportunidades em que o Estado brasileiro apresentará o que tem feito para garantir tanto os direitos das mulheres quanto os direitos das pessoas com deficiência. E aí, eu digo o Estado brasileiro já convidando, instando também o Senado Federal, que promove esta audiência, a participar ativamente dessas duas sessões que ocorrerão em 2024, trazendo não só as ações que têm sido realizadas, mas também trazer os desafios que são postos. Esses espaços no âmbito das Nações Unidas são espaços sobretudo de cooperação, são espaços de troca de conhecimentos, em que os Estados trazem as suas ações, os especialistas oferecem as suas recomendações de maneira a fortalecer o que o Estado deve implementar para que os direitos dessas populações sejam realizados. Então, são oportunidades únicas de trazer os pontos de vista com enfoque nessas populações. Então, eu faço esse convite e agradeço novamente a realização desta audiência pública e coloco o nosso escritório à disposição. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Angela Pires Terto, Assessora Nacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh), que ajudaram na construção deste momento. Passo a palavra agora para o Sr. Alex André Vargem, Diretor de Promoção dos Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. O SR. ALEX ANDRÉ VARGEM (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, bom dia. Vocês me escutam? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sim, perfeito. O SR. ALEX ANDRÉ VARGEM (Por videoconferência.) - Perfeito. Obrigado, Senador Paulo Paim. Agradeço o convite e felicito também os demais membros da audiência. É um prazer colaborar. |
R | Trago também aqui a saudação da nossa Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Dra. Isadora Brandão. Esse tema é de suma importância e vou traçar aqui algumas ações, por parte do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que estamos fazendo. No âmbito da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, que é a maior secretaria do ministério, nós temos a diretoria da qual estou à frente, a Diretoria de Promoção dos Direitos Humanos. A Diretoria de Promoção tem um desafio muito grande de pensar promoção e sensibilização de grupos sociais que são historicamente marginalizados e vulnerabilizados. Então, quais são as ações e as políticas que nós estamos desenvolvendo e que vamos implementar também, não só agora em novembro e dezembro, mas também ao longo de 2024? O que nós estamos planejando? Acho que uma das grandes interfaces que nós temos é a questão da interlocução com os movimentos sociais, o que é de suma importância, esses espaços de interlocução, de canais de diálogo. Nós temos conselhos e comitês aqui dentro da nossa diretoria, e eu vou explicar quais são esses comitês, para a participação social, sobretudo, desses grupos, para que eles tenham vozes também dentro da esfera federal para a promoção de direitos. Na Diretoria de Promoção, nós temos três eixos centrais. Um deles é a questão da constituição de políticas para imigrantes, refugiados e apátridas, pensando em uma forma de promoção e sensibilização dos direitos. Temos também um eixo de promoção do registro civil de nascimento e acesso à documentação básica. Esse é um tema muito caro aqui para o ministério, pensando que nós temos aí milhões de brasileiros que sequer têm a certidão de nascimento ou a documentação básica, RG ou CPF, por exemplo. Então, obviamente, essas pessoas estão invisíveis do ponto de vista normativo e jurídico e não conseguem acessar direitos concedidos pelo Estado brasileiro. E em grande parte, desse número de pessoas que estão nessa categoria de sub-registro, nós temos indígenas, quilombolas, ciganos, pop rua, LGBTQIA+, entre outros grupos sociais que tangem também aos PCTs (povos e comunidades tradicionais). Então, nessa questão da documentação, a gente trabalha com a estimativa do IBGE de 3 a 4 milhões de pessoas, no Brasil, no âmbito dessa categoria de sub-registro. Esse é um tema de suma importância para se pensar quais são os mecanismos de proteção para as pessoas para que possam ter os seus direitos e ter a sua cidadania garantida. Então, nessa questão, nós temos aqui a coordenação-geral, dentro da diretoria, que pensa, articula e fomenta o debate junto a estados, ao poder público municipal e à própria esfera interministerial para pensar ações e desenvolver uma política de combate ao sub-registro de brasileiros sem documentação, como também conversas com cartórios, enfim. Nós temos aqui também outros comitês. No âmbito dessa pauta, temos o Comitê Gestor do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil, que é um comitê que congrega informações, que reúne vários ministérios, e também o Comitê Gestor Nacional pela Erradicação do Sub-registro. São dois comitês que nós reativamos nesta gestão - agora, no segundo semestre -, que estavam desmantelados na gestão anterior. E, agora, o próximo passo é, para além da composição estatal, governamental, trazer também a sociedade civil para que possa atuar fortemente. Uma outra pauta que também é de suma importância aqui no âmbito da Diretoria de Promoção é a questão da promoção da liberdade religiosa, liberdade e diversidade religiosa, da qual está à frente a Ialorixá Gilda d'Oxum, que também recentemente participou de uma audiência junto ao Senador e outros colegas. |
R | Essa coordenação também tem o papel fundamental de pensar a liberdade religiosa para todas as religiões, mas, em especial, para as religiões dos povos de terreiro, as religiões de matrizes africanas; então, pensar quais são as garantias, os direitos de proteção, a sensibilização e a promoção de direitos. Uma das questões que nós também estamos reativando é o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa, um comitê que existia na época do Governo Dilma, na última gestão deixou de existir, e que nós estamos reativando com uma nova roupagem institucional, que terá a garantia da participação da sociedade civil, não só do ponto de vista de diversas religiões, mas, também, com uma posição regional, de gênero, de raça. Esse vai ser um comitê de suma importância, e também essa portaria já está em vias de ser assinada pelo Ministro Silvio Almeida. Então, essa é uma entrega que nós vamos deixar para a sociedade brasileira para que também seja um espaço que forneça subsídios para pensar em políticas de promoção e também de proteção, nessa interlocução com diversas esferas, dentro do próprio ministério e outros ministérios, com o poder público e com a sociedade civil em geral. Também estamos realizando aqui diversas parcerias com universidades no que tange à sensibilização - nós trabalhamos muito com a promoção e com a sensibilização - de direitos. Então, promovemos a formação e a capacitação de agentes públicos e também da sociedade civil organizada, em parceria com grandes universidades no Brasil, universidades federais, para que as pessoas possam entender, por exemplo, a importância das religiões de matriz africana, a contribuição também dessas religiões para a formação histórica da sociedade brasileira; e mapeamentos de pesquisas também, no que tange à intolerância. E uma questão também superimportante, acho que uma política pública já estabelecida pelo ministério, que existe ao longo desses anos, é o Disque 100 e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. No Disque 100, nós estamos também capacitando os nossos colaboradores que ali atuam, e é um número grande de colaboradores, capacitando-os sobre diversas temáticas, no que tange ao enfrentamento à intolerância religiosa e ao racismo religioso; à importância da migração e do refúgio também - a contribuição de migrantes e refugiados na formação histórica do Brasil -, da promoção de direitos, do acesso à documentação básica; enfim, outros temas aí correlatos. Então, um tema de suma importância é a capacitação, a qualificação desse serviço para a sociedade brasileira. Também temos recebido, aqui no ministério, como um todo, muitos grupos, como eu falei, grupos sociais, que são historicamente marginalizados e vulnerabilizados, entre os quais eu coloco os quilombolas, que têm nos procurado muito, e também os ciganos - ciganos de algumas etnias, como rom, calom -, que têm nos procurado no que tange também à promoção e à proteção de direitos, em especial na questão também do sub-registro civil. Como eu citei anteriormente, o sub-registro, em alguns grupos sociais, tem uma taxa alta, e o nosso papel aqui é articular, cobrar e somar esforços para desenvolver uma política nacional pela erradicação do sub-registro. Então, são temas importantíssimos que nós temos trabalhado aqui também. E também temos os indígenas - indígenas de alguns grupos étnicos, como pataxós, cariri-xocó, fulniô, entre outros -, que têm nos procurado também nessa articulação, porque a política desenvolvida aqui tem muito essa questão da transversalidade e da intersetorialidade das políticas públicas, nas quais também nós estamos envolvidos aqui. Nós sabemos que outros ministérios estão à frente de algumas pautas, mas, no âmbito da transversalidade, pelos temas que nós trabalhamos aqui, nós também temos pensado na promoção e na proteção desses direitos também, como é do acesso à documentação, por exemplo, como eu já falei aqui anteriormente. São temas de suma importância. |
R | E, como eu falei, o espaço da interlocução, ou seja, criar essa interface entre o Governo Federal e a sociedade civil, por meio desses conselhos, comitês, que foram restabelecidos ou que serão criados, como já mencionado, é de suma importância e é também uma entrega para a sociedade; a reaproximação desses movimentos sociais. Eu falo que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania é um ministério que está próximo dos movimentos sociais, dos movimentos negros, entre outros. Então, é de suma importância, também, que esses espaços sejam ocupados e que nos deem um norte balizador para a formatação das políticas públicas. Acho que é um pouco disso que eu queria falar. Agradeço aqui o convite, em nome do ministério... (Soa a campainha.) O SR. ALEX ANDRÉ VARGEM (Por videoconferência.) - ... e fico aqui à disposição. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Alex André Vargem, Diretor de Promoção dos Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Parabéns! Você falou de uma categoria, de um setor que muitas vezes fica invisível, que é o dos ciganos. Nós fizemos, durante alguns anos, debates nesta Comissão e conseguimos aprovar o Estatuto dos Ciganos, que se encontra agora na Câmara dos Deputados. Com certeza, com o apoio de vocês, nós avançaremos para que eles tenham também o estatuto deles. Parabéns pelo trabalho. Agora vamos para o final. Como estamos com problema de horário já, a querida convidada, que ficou todo o tempo na mesa, Dra. Marcia Pereira da Silva, graduanda na Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas, representante da Educafro, vai fazer a fala final em nome de todos os painelistas. Eu farei uma fala, em seguida, só em nome da Presidência, o que até o momento não fiz porque quis ouvir primeiro os convidados. O tempo é seu, Dra. Marcia. A SRA. MARCIA PEREIRA DA SILVA (Para expor.) - Mais uma vez, muito obrigada, Senador Paim, pela oportunidade. Eu gostaria de lembrar que, no mês da consciência negra, nós tivemos muitas vitórias para comemorar. Que a boa disposição que se manifesta neste período se mantenha ao longo do próximo ano, reafirmando essas parcerias que nós conseguimos, incríveis! E o Senador me chamou a atenção - conversávamos um pouco - para algo a comemorar, que é o aumento da bancada negra, de 6 para mais de 120 membros. Mais uma vez, eu gostaria de agradecer a todos pela oportunidade e reiterar o convite para as pessoas que desejam retomar os seus estudos ou começar uma nova profissão. A Educafro Brasil pode assisti-las nisso. Essa é uma mensagem do Diretor Executivo da Educafro Brasil, o Frei David. Se você tiver interesse, acesse, por favor, www.educafro.org.br. Eles estão prontos para assistir você com seu curso pré-vestibular, com o pagamento da inscrição - às vezes custa R$150, R$500, depende da universidade. São mais de duas mil universidades privadas, e o Frei David tem conquistado muitas parcerias. E também, se você deseja entrar numa universidade federal, também é bem-vindo no curso pré-vestibular da Educafro. Mais uma vez, muito obrigada a todos. Muito obrigada pela sua gentileza, Senador, e acolhimento. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Marcia Pereira da Silva, graduanda na Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas, que aqui representou, com muita competência e brilhantismo, a Educafro. Agora eu faço uma fala em nome da Presidência, que eu deveria ter feito na abertura ainda, mas, como os convidados foram chegando, eu fui deixando vocês falarem. Vou tentar ser o mais rápido possível aqui. |
R | Quero lembrar que esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado foi uma sugestão da Defensoria Pública da União, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e do Equal Rights Trust. Em 6 de outubro de 2023, eles divulgaram a publicação que levou o título Proteção aos Direitos de Minorias: um guia prático para desenvolver uma legislação abrangente de combate à discriminação. Proteção aos direitos de minorias e combate à discriminação são temas incisivos, que exigem a atenção de toda a sociedade - de brancos, negros, índios, de todos os setores -, sendo essencial nas agendas das instituições, escolas, universidades, associações diversas, movimentos sociais, sindicatos, setor empresarial, Parlamento e Poderes constituídos. A responsabilidade das pessoas que ocupam cargos públicos é imensa. Uma Comissão de Direitos Humanos como esta não pode permitir a omissão. No silêncio, não apenas os segredos da verdade estão ocultos, mas também o amparo que deveria ser feito àqueles que mais sofrem. A ação deve ser guiada pela mais profunda inspiração humanitária, democrática, em respeito aos direitos humanos. As minorias, como eles dizem - que na verdade são maioria; se pegarmos a comunidade negra, é mais de 54% -, devem ser integralmente incluídas ao direito de cidadania, e seus direitos devem ser respeitados. É fundamental destacar que não podemos erguer muralhas, promover a discórdia e a intolerância. A obrigação de combater todas as formas de preconceitos e discriminação, independentemente de suas dimensões, tem que ser compartilhada por todos e todas. Cabe a cada um de nós ser um agente de um presente e futuro renovados, contribuindo com dias mais felizes para toda a nossa gente, para toda a gente brasileira. Sem amor, as mudanças positivas acabam não acontecendo. Pelo contrário, surgem de ações irresponsáveis, de medíocres, gananciosos, covardes e mal-intencionados, que pregam o ódio. Não ao ódio. Queremos que todos nós possamos dizer não ao ódio, sim ao amor. É alarmante perceber que milhões de pessoas em todo o mundo vivem na miséria e na pobreza, sofrendo de fome e sede, sendo discriminadas com base na cor da pele, orientação sexual, escolha política ou crença religiosa - só demos aqui alguns dos exemplos. Promessas não cumpridas alimentam a chama da exclusão, desumanidade e falta de compaixão. Como afirmou Franz Kafka: "A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana". Acredito, senhoras e senhores, que, enquanto houver um sopro de vida e um brilho nos olhos, a esperança de lutas boas, o bom combate em defesa do direito das minorias e contra as discriminações vai persistir. E repito: minorias que não são minorias. Se pegarmos as minorias, nós somos ampla maioria. Certamente, teremos dias melhores, guiados pela justiça, políticas humanitárias e pela constante presença do amor e suas amorosidades. |
R | Concluindo, o poeta norte-americano Walt Whitman, defensor dos ideais libertários, falava em seus versos dos horrores das guerras e do racismo, defendia o direito de todos e dava destaque ao direito das mulheres. Ele expressava compaixão pelos excluídos e discriminados, promovendo o princípio da igualdade entre todos os seres humanos e o respeito à natureza. Em sua poesia, Whitman tocava também na espiritualidade e na unidade entre todos os seres, proclamando, assim, como dizia ele: Celebro a mim mesmo, e canto a mim mesmo, e o que eu assumo [...][vocês devem] assumir, pois cada átomo que a mim pertence, [...] [também a vocês pertence]. Somos todos uno. Vamos dar uma salva de palmas não para o meu discurso, mas para poeta, cujo pronunciamento eu só li no final aqui. (Palmas.) Assim, encerramos a nossa audiência pública de hoje. Retornamos hoje à tarde, no Plenário, às 14h10, quando farei uma fala sobre a situação dos idosos no nosso país. E, claro, durante a semana, teremos outros embates, outras boas audiências públicas nesta Comissão. Até mais! Obrigado a todos. (Iniciada às 9 horas e 43 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 25 minutos.) |