Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
|---|---|
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 99ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 96, de 2023, desta Comissão, de minha autoria e de outros, para discutir, debater, apontar caminhos... E o dia adequado é hoje, porque hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Este é o debate: em relação ao Dia Internacional dos Direitos Humanos. |
| R | A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria: 0800 0612211. Nós temos aqui... Vou fazer a leitura dos nossos convidados, tanto os que estão presencialmente como aqueles que estarão por videoconferência. Na primeira mesa, vamos ter Fernanda Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Pode vir para a mesa. Está convidada - não pode - está convidada. (Palmas.) É isso aqui mesmo, Christiano. Convido José Henrique de Oliveira Varanda, Pesquisador do DataSenado. (Palmas.) O Christiano, que é Secretário da Mesa, consequentemente, é quem nos assessora aqui. Quando eu falei que o debate hoje é sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia 10/12. A assessoria funcionou, viu? Parabéns. É que eu critico, às vezes... Está certinho. Parabéns, viu, Christiano? Obrigado pela contribuição. Temos também... vamos ter aqui do e-Cidadania já algumas perguntas que eu vou fazendo ao longo da nossa audiência pública. Por videoconferência, teremos também Cândida Soares da Costa, Professora Associada, atua no Programa de Pós-Graduação em Educação (nível Mestrado e Doutorado) e coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Relações Raciais e Educação, Pesquisadora associada à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e à Associação Brasileira de Pesquisadores e Pesquisadoras Negros e Negras. Beatriz Gallotti Mamigonian, Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, integrante do Programa de Pós-Graduação em História e o Programa de Doutorado Interdisciplinar. Essas são as duas que confirmaram até o momento. Como é de praxe, eu faço uma introdução do tema para situar principalmente os nossos ouvintes da Rádio Senado, quem nos acompanha também pela TV Senado e, naturalmente, pela Agência Senado. Dia Internacional dos Direitos Humanos. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Eis o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1948. É a assinatura desse mais valioso documento que fundamenta o Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado todo dia dez do último mês do ano. |
| R | A história demonstra que o tema dos direitos humanos permeia a sociedade há mais de 2.500 anos. Um registro importante é o do Cilindro de Ciro, uma peça de argila que contém os princípios do rei da antiga Pérsia. Eu repito: um registro importante é o do Cilindro de Ciro, uma peça de argila que contém os princípios do rei da antiga Pérsia. Ele, ao conquistar a cidade da Babilônia, libertou os escravos, estabeleceu a igualdade racial e declarou que as pessoas poderiam escolher suas próprias religiões. A peça data do ano de 539 a.C. e, até hoje, nós estamos combatendo ainda o racismo e o preconceito. Veja bem, em 539 a.C., ele já tinha assegurado, naquele momento daquela conquista, que todos seriam iguais! Desde então, há registros de uma série de outras obras e peças que preservam a ideia de que todos devem ter acesso a direitos. Foi preciso, porém, o advento da modernidade, do iluminismo, do racionalismo e da luta contra as arbitrariedades do regime monárquico para que os direitos humanos fossem, pelo menos, formalmente reconhecidos. O horror das duas grandes guerras do século passado deixará de herança a urgência da ampla universalização dos direitos. Prerrogativas básicas como o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal, à segurança alimentar passariam a estar ligados à ideia da própria humanidade e a mera humanidade que nos confere, pelo menos em princípio, o acesso a direitos essenciais, o acesso à justiça. É a compreensão de que somos todos nós seres humanos, independentemente de etnia, de orientação sexual, origem, raça, gênero, renda, ou seja lá o que for, que assegura ou deveria assegurar uma vida com dignidade para todos. É isso que preveem a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Internacional dos Direitos do Homem, declarada em 1966 com o propósito de impor o respeito aos direitos civis, políticos, sociais e culturais ao redor do mundo. Documento mais traduzido do planeta, transcrito em mais de 500 idiomas e dialetos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos contém um preâmbulo de 30 artigos, que tratam de questões como liberdade, igualdade, dignidade, alimentação, moradia e ensino. Devemos, porém, reconhecer os desafios ainda no horizonte: violência de gênero e de raça, trabalho escravo, tortura, violência policial, pena de morte, terrorismo, crises migratórias, guerras, ameaças à liberdade de expressão, todas essas mazelas ainda afligem boa parte da humanidade no planeta, a cada dia. A pandemia do covid-19, que matou mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, além de deixar sequelas terríveis em incontáveis mulheres e homens, foi uma triste demonstração do desrespeito aos direitos humanos. |
| R | O acesso absolutamente desigual à medida sanitária de prevenção, ao tratamento médico e, posteriormente, à vacina é prova cabal de que algumas vidas valem mais do que outras no mundo capitalista de hoje. Assistimos também estarrecidos a uma guerra cruel que assola palestinos e israelenses e mata uma criança a cada dez minutos. Segundo as Nações Unidas, ela também é evidência de que o sistema global de direitos humanos carece de apreço e carinho mundo afora. No Brasil, a polícia mata 18 pessoas por dia. A grande maioria é composta por jovens negros. Uma mulher é vítima de feminicídio a cada seis horas. Tenho um dado que mostrei já numa CPI que fizemos aqui: de cada dez jovens que são assassinados, oito são negros. E quanto à mulher, aqui no seu conjunto, embora também atinja mais as mulheres negras, o fato é grave de qualquer jeito. Enquanto uma pessoa for agredida - branca, ou negra, ou índia, ou cigana, ou quilombola ou deficiente, ou criança, ou idosa -, nós temos que estar lá para defender a justiça. No Brasil, a polícia mata 18 pessoas por dia. A grande maioria é composta por jovens negros. Uma mulher é vítima de feminicídio, como eu dizia, a cada seis horas. Apenas nos três primeiros meses deste ano, resgataram-se mais de mil pessoas vítimas do trabalho escravo no Brasil. O Brasil é signatário da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na Guatemala por ocasião da 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Organizações dos Estados Americanos, em 5 de junho de 2013, da qual o Deputado Paulão foi o Relator na Câmara e eu tive a satisfação de ser o Relator aqui no Senado. Mas essa convenção, que tem caráter de emenda constitucional, precisa ser incorporada. É preciso que a sociedade se aproprie dela. Somente depois que a sociedade incorpora a lei, se apropria dela, é que ela acaba acontecendo. O risco é ficar só no papel. A hierarquia dos direitos humanos em face de todas as regras internacionais ou nacionais deve prevalecer em cada rincão desse planeta. Não podemos conceber uma ideia de desenvolvimento excludente, que assegure direitos para apenas determinados grupos em detrimento de outros. O que está em jogo é o respeito à humanidade, que nos constitui e que nos une. Que tenhamos hoje aqui uma ótima audiência pública, no momento de tantos conflitos mundiais, desde as guerras como também a situação do clima. Por exemplo, no meu Rio Grande do Sul, chove, chove, chove. Para dois dias, e começa a chover de novo. Dizem que essa semana é chuva de novo. E foram mais de 110 cidades atingidas. A cidade de Muçum, a que eu mais lembro, foi aquela que ficou por duas vezes debaixo de água. Vai se recuperando; quando está querendo se ajustar - querendo ainda, longe de voltar ao que era -, vem de novo a chuva. |
| R | E como eu digo... Teve um poema de uma menina, ela me mandou um poema rascunhado, mas muito bonito, em que ela diz: "O rio que chora". Eu digo: o rio que chora?, cá comigo, não li o título. Eu digo: quem chora é a natureza, enfim, os homens, as mulheres que estão morrendo. Mas a menina tinha razão. Eu fui lendo o poema e vi que disse: "O rio que chora". No fundo, resumindo o poema, ele diz, o rio diz: "Eu só queria passar, eu só queria passar, vocês é que não deixaram, por isso está acontecendo isso". Então, vem a mim um pouco de emoção, porque a frase que ela coloca, assim, em forma desenhada, é muito bonita: "o rio que chora", e ele dizendo: "Eu só queria passar, vocês é que não deixaram, por isso aconteceu tudo isso". O homem polui. Eu vejo, por exemplo, toneladas de peixe na Amazônia, agora, morrendo, faltando alimentação para as pessoas, florestas queimadas, incendiadas, águas poluídas, e o rio dizendo: "Eu, na minha pureza, só queria passar". Vamos em frente. De imediato, vou passar a palavra, vocês escolhem aqui... A preferência é para as mulheres. (Risos.) É com muita satisfação que passamos a palavra a Fernanda Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Por 10, com mais 5, no mínimo, 15 minutos. A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ (Para expor.) - Eu não vou falar muito, não. Bom dia a todo mundo, a todas, a todos e a "todes". Eu agradeço pela oportunidade de estar aqui, pelo convite. Obrigado, Senador Paim, mais uma vez, pela recepção de sempre. Eu queria agradecer, enfim, pela recepção, mas também queria agradecer à Maria Izabel, que organizou esta audiência também. Bom, eu queria falar que estou bastante contente de a gente falar sobre reparação a partir dos direitos humanos e aproveitar este momento, que é semana do aniversário dos direitos humanos - dia 10, domingo, é o Dia Internacional dos Direitos Humanos -, para falar de reparação. Para começar, quando eu penso em direitos humanos, eu penso que significa reconhecer uma condição humana que não é essencial, uma essência, ou melhor, não é universal. Essa condição humana é múltipla, diversa e também dinâmica, entende? Para além disso, pensar em direitos humanos é pensar em reconhecer as diferenças, as diferenças de diferentes sujeitos, e, então, entender que essa humanidade está em constante construção. E é a partir desse olhar também que eu me reporto já ao tema desta audiência, que é pensar em reparação, reparação da escravidão, mas, sobretudo, reparação. É que a reparação, exatamente... O olhar que a gente tem hoje para reparação está muito ligado aos direitos humanos, porque reparação é exatamente olhar para as injustiças que são associadas à violação de direitos humanos. Quando eu penso em reparação, eu penso que reparação é o coração da justiça social. Quando, no caso, a gente está falando de reparação da escravidão, a gente está falando de justiça histórica, a gente está falando de injustiça, de violações que atingem um grupo, atingem historicamente um grupo, atingem um coletivo de certa forma. |
| R | Então, ela está ligada a uma relação de pensar em direitos de um coletivo e na exigência de que esse presente compense o passado, o que significa reparar e ser reparado por danos e prejuízos que atingiram o grupo coletivo específico. Então, assim, é nesse sentido que eu penso em reparação. E a Corte Interamericana de Direitos Humanos pensou, por exemplo, um conjunto de formas reparatórias, um conjunto de medidas reparatórias, cinco itens, em que coloca que o primeiro item é de medidas reparatórias para reparação dessa violação de direitos humanos, essas violações, essas justiças sociais e históricas, enfim. O primeiro conjunto reparatório seria investigação e elucidação das situações de violência ocorrida; o segundo conjunto reparatório, o segundo item é a responsabilização dos agentes que praticam as violações; o terceiro é a reparação dos danos suportados pelas vítimas; o quarto é a promoção da memória; e o quinto é adoção de medida destinada a prevenir a repetição das violações no futuro. Assim como a Corte Interamericana pensou em medidas reparatórias, nesses cinco itens, o Alto Comissariado da ONU também traz a reparação nesse sentido de ver reparação como a restituição, que é restituir a vítima; reparação como compensação, que é compensar os danos sofridos; reparação como reabilitação, onde pensa em atenção social, médica, psicológica e legal; mas também reparação como satisfação e garantia da não repetição, que é medida para o fim das violações: pedido de desculpas, reconhecimento da responsabilidade, revelação e revelação da verdade, entre outras questões. Bom, hoje eu tenho visto algumas discussões um pouco mais tímidas, mas parece que têm ressurgido algumas discussões em torno da reparação, pensando em reparação histórica, reparação da escravidão, mas a gente tem, por exemplo, um histórico de que o momento mais fervoroso que a gente tem, de uma história mais breve, na discussão sobre reparação é das décadas de 80 e 90, e nos Estados Unidos e no Caribe surge essa discussão com mais amplitude dos movimentos sociais - enfim, nas décadas de 80 e 90. Aqui, no Brasil, isso acontece na década de 90; no continente africano também, década de 90. No continente africano tem uma questão muito específica, que é como os africanos se olhavam. Surgiu um grupo, pela Unidade Africana, que eram os chamados eminentes, personalidades eminentes, que, na verdade, reivindicavam as violações de direitos humanos feitos pelos europeus, seja no período do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas, da escravidão, mas também do próprio colonialismo. Foi uma discussão muito fervorosa, porque reunia pensar reparações simbólicas, mas também reparação pecuniária, que, enfim, era do conjunto continental. Isso foi uma questão que pulsou muito, mas, no Brasil, a gente foi muito influenciado pelo que estava se discutindo nos Estados Unidos, no Caribe e no continente africano, sobretudo o movimento Reparações Já, para pensar reparação no Brasil, na década de 70. E o que explode isso é essa discussão em Durban, em 2001, e essa conferência que acaba tendo várias discussões sobre reparação. Após isso, as discussões sobre reparação foram diminuídas. Enfim, meio que esse debate ganhou menos forças, e, no Brasil, a discussão girou muito mais em torno da ação afirmativa do que o debate de reparações em si, enfim. E hoje eu tenho visto esse debate ainda um pouco tímido, mas tem vindo com uma certa dinamicidade. |
| R | Por exemplo, recentemente, teve um inquérito civil do Banco do Brasil... Do Branco do Brasil não; do Ministério Público, em relação ao Banco do Brasil, sobre o período da escravidão, sobretudo o período do tráfico transatlântico ilegal, e isso tem gerado uma discussão, enfim, com algumas audiências públicas em torno disso, mas também, não só no Brasil, tem tido encontros, por exemplo, entre Caribe e países do continente africano, sobretudo com a comunidade de Mercado Comum e Comunidade do Caribe, com alguns países que fazem parte dessa comunidade, juntamente com a União Africana, com alguns países que fazem parte da Unidade Africana, que estão pensando, conjuntamente, em formas reparatórias - nesse caso, sobretudo em relação à Europa - e pensando em força para isso. É claro que tem várias questões que levam a pensar nas dificuldades, pensar na reparação nesse caso que envolve Caribe e África, que têm uma relação meio que intercontinental, mas, no caso do Brasil, a dificuldade que a gente teve nas últimas décadas foi um debate muito acirrado entre ação afirmativa e reparação, em que, como eu disse anteriormente, acho que a ação afirmativa ganhou o debate, um espaço muito maior hoje, mas sinceramente, no Brasil, para mim, a maior dificuldade de a gente entrar no debate sobre reparação é a dificuldade de pensar em reconhecimento, e pensando em reconhecimento numa sociedade em o apagamento faz parte da nossa construção histórica, seja o apagamento da violência da escravidão, seja o apagamento da violência do próprio racismo; seja uma sociedade que, mesmo pós-abolição, viveu um momento de eugenia de uma sociedade que importa o darwinismo social de eugenia, seja uma sociedade que, ao longo do século XX, na verdade, criou políticas em torno de uma ideia de uma democracia racial e que permaneceu até um dia desses nas mentes, na mentalidade da população brasileira, e que, na verdade, apaga essa violência do passado. Então, reconhecimento é reconhecer que esse passado foi violado e que a gente precisa reparar. Então, o reconhecimento é nesse sentido. Inclusive hoje. Ainda que aquela ideia de democracia racial esteja mais amena do que há três décadas ou mais, a gente, por exemplo, tem um discurso meritocrático que também tem uma força de apagamento. Então, é disso que eu estou falando, a dificuldade de a gente reconhecer esse passado violado, porque esse apagamento, para mim, é violento, mas também esse apagamento... Eu costumo dizer, em todas as minhas falas, que eu entendo que esse apagamento, ao longo do século XX, foi uma política de Estado sim, enfim, esse apagamento dessas violações. E é isso, é a partir do reconhecimento, que eu acho, que eu penso que é um caminho basilar para a gente pensar reparação. Sem o reconhecimento dessas violações, a reparação não tem seu sentido e seu efeito. Ele recoloca, em um ímpeto, o presente com o passado, e, para mim, o reconhecimento é um princípio filosófico e político e até mesmo moral para pensar reparação. Tem uma pesquisadora chamada... (Soa a campainha.) A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ - ... Roda Roddy Rosemann. Ela diz que o pagamento das reparações exige primeiro que o perpetrador enfrente e admita sua vergonha. Isso é possível quando a gente pensa nesse reconhecimento desse passado, porque as reparações quase sempre... A gente sabe disto, que as reparações não reparam de fato, mas, assim... Até porque a gente não vai reparar o passado que foi violado, obviamente, mas a ausência de reparação... Leva a uma falta de reconhecimento, mas a ausência de reparação leva a uma falta de justiça social também. Então, pensar em reparação é importante. Atualmente, sou Coordenadora-Geral de Memória da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, do Ministério de Direitos Humanos, em que foi criada essa ideia da memória da escravidão, que é pensar memória nesse ínterim, junto com o reconhecimento e reparação, e a memória não somente como a construção identitária, mas também como construtiva da reparação. Então, assim como o reconhecimento, a memória também faz parte dessa constituição e reparação. |
| R | E a gente tem pensado muito nisso nessa coordenação, a qual eu tenho levado à frente. Na verdade, a memória aparece nesse trabalho que a gente tem feito como o encontro que revela o reconhecimento. É através da memória que a gente identifica as violações, os perpetradores, as responsabilidades, as pessoas violadas e os danos causados. É nesse caminho que a gente tem pensado que a ideia de enfrentar esse apagamento da memória é fundamental, mas também a ideia de colocar essa memória social, que traz as violências desse passado, sim, para o domínio público, para o espaço público, tornando pública essa memória. É nesse sentido, por exemplo, que essa coordenação que eu estou à frente... Ela foi criada este ano, ela é super-recente no Ministério dos Direitos Humanos. Ela foi criada dentro de uma assessoria que é a Assessoria Especial de Defesa da Memória e Verdade, que exatamente surgiu para falar dessas violações de direitos humanos, dessas violações do passado. Até então, essa assessoria falava sobre ditadura, e é a partir dessa nova gestão que se pensou que, se a gente ia falar sobre injustiça do passado, a gente precisava falar da escravidão, que durou tanto tempo, mais de 300 anos. O Brasil foi o país que mais recebeu africanos durante o período de tráfico transatlântico de pessoas escravizadas. E a gente não fala sobre isso, a gente não olha para esse passado reconhecendo esse passado de violência. Então, é nesse sentido que, na própria coordenação, a gente pensa nesta tríade: memória, reconhecimento e reparação. E, para pensar em reparação, a gente não consegue se furtar de olhar para a memória e, sobretudo, para o reconhecimento. A partir disso, a gente tem feito várias ações... Eu sei que o meu tempo já está acabando ou já acabou. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Tem mais cinco minutos. A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ - A gente tem feito várias ações em torno disso, pensando como um país que tem um histórico profundo de apagamento dessas memórias do passado, embora com uma sociedade em que essa escravidão... É porque, quando a gente fala em escravidão, eu defino escravidão como violência, desumanização e exploração, sobretudo exploração do trabalho. Então, se a gente tem um país que estruturalmente é marcado por essa violência, como é que a gente não fala sobre isso? Até para a gente enfrentar enquanto um trabalho novo de uma coordenação, que é a primeira coordenação que surge em nível federal para pensar, para olhar especificamente para isso... É porque, se a gente está falando de memória, de memória da escravidão, a gente está falando de presente e, sobretudo, de futuro. A gente olha para o passado para tentar entender esse passado no presente e olhar para o futuro. Eu quero dizer com isso que a gente está falando de memória, dos impactos desse passado no presente hoje e do que a gente pode construir para um futuro melhor. A gente tem tentado, por exemplo, criar um trabalho mais regionalizado, com a criação de núcleos regionais, para a gente conseguir dar conta de tanto apagamento de uma história que faz parte da nossa vivência cotidiana neste país. A gente tem criado núcleos regionais, a gente tem os núcleos do Sudeste, Norte, Nordeste, Centro-Oeste, que a gente está construindo de certa forma para a gente ter um trabalho mais territorializado, com participação social. Semana passada, a gente fez um lançamento, no Rio de Janeiro, na região da Pequena África, de um projeto que a gente tem de sinalização e reconhecimento, em que a gente vai colocar placas em vários lugares - cem lugares - de memória da escravidão. E, a partir dessa sinalização que a gente vai colocar no Brasil inteiro - são 66 municípios e 16 estados -, a gente vai fazer um trabalho pedagógico. A gente acredita que o trabalho de política de memória não é só sinalizar, mas a gente precisa fazer um trabalho pedagógico, com o histórico que a gente tem. E aí, a partir disso, a gente acredita que a gente pode pensar em avançar, em olhar e reconhecer esse passado. Obviamente, isso traz várias questões. A gente tem várias ações em torno disso, desde curso na Enap sobre reparação, desde trabalho de análise de inquérito policial em relação à violação de população negra.. Enfim, tem vários projetos, desde as pessoas com deficiência negras entenderem o quanto, por exemplo, a escravidão e a violência do racismo ao longo desse processo histórico não só produziram pessoas com deficiência, não só violentaram mais pessoas com deficiência. |
| R | Então, são inúmeros projetos que a gente tem no sentido de pensar o impacto dessa memória e pensar o que a gente precisa reconhecer nessa memória, e a reparação é importante para a gente pensar em justiça social. E para finalizar, eu queria dizer que precisamos falar, sim, de memória, reconhecimento e reparação a partir desse combo, dessa tríade. Só assim entenderemos a importância e a necessidade da reparação no país, cuja história da escravidão perdurou por séculos. A gente tem dificuldade de falar de reparação em sua totalidade. Isso é fato, e a gente precisa falar de alguma maneira. A gente pensa muito mais em reparação simbólica - se a gente falar de reparação pecuniária e financeira, a gente entra num lugar quase pavoroso para a sociedade brasileira - até porque a gente tem dificuldade inclusive de responsabilizar por esses danos: quem responsabilizar e como responsabilizar; a quem atribuir direitos por esses danos causados historicamente também; e como reparar e compensar esses lugares. Para mim, esse é o debate mais delicado e que temos muita dificuldade de enfrentar, de fato, mas precisamos não esmorecer na discussão, porque, sem reparação, como já foi dito, não há busca por justiça e igualdade racial em uma sociedade que se estruturou e se construiu a partir de um processo de violência e desumanização, exploração do corpo dos sujeitos que foram escravizados. E eu termino minha fala por aqui. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Fernanda Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, que falou em nome do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Parabéns pela fala! Fez uma retrospectiva histórica falando o passado, falou do presente, que é gravíssimo ainda, e também apontou para o que temos que fazer no futuro. E perseguir a reparação é um caminho, sim, é um caminho, um caminho. Claro que a gente entende, muitos entendem que nós estamos avançando. Só criar o Ministério dos Direitos Humanos, que você aqui representou muito bem, o da Igualdade Racial, a política de cotas, aprovada agora mais uma vez, obra do Governo que você aqui representa, e o próprio 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi, agora é feriado nacional... O pessoal às vezes fala do Relator, mas não fala do autor. Não sei por que não falam do autor; eu sempre falo do autor. O autor não sou eu, não; é o Líder do Governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, que foi o autor e pediu para mim, porque nós vínhamos brigando junto, eu, a Benedita, o Caó, que já faleceu, com essa proposta, o movimento negro, desde a Constituinte; eu diria até antes da Constituinte. Apresentamos diversas vezes, e fomos sempre derrotados. E nesse Governo Lula, o Randolfe conversou e disse: "Vamos apresentar?" "Vamos!". Ele apresentou, e eu peguei a relatoria. Aprovamos no Senado, e foi para Câmara. Lá a Reginete Bispo, que casualmente minha suplente no Senado, assumiu, e é uma realidade. Eu creio que o Lula vai sancionar agora. Acho que o Lula tem bons projetos para sancionar, porque ontem à noite aprovamos também a Política Nacional para a População de Rua. E nós sabemos que a maioria da população de rua, infelizmente, tem cor. E felizmente foi aprovado. O projeto veio da Câmara dos Deputados, onde a Erika Hilton foi a autora - eu sempre gosto de frisar o autor e o Relator -, e aqui no Senado fomos eu e a Senadora Teresa Leitão. Ela, na Comissão de Assuntos Econômicos; eu relatei aqui na Comissão e no Plenário. |
| R | Assim, nós teremos um projeto que tem tudo a ver também com o nosso povo, é um belo projeto. Havia projetos circulando na Casa - havia um de minha autoria, um do próprio Randolfe, um do próprio Contarato -, mas prevalece a Casa que aprova primeiro, e é mais do que justo. Se a Câmara aprovou primeiro, de forma definitiva, no Plenário, vem para cá; os outros podem ser apensados, mas prevalece aquele projeto. E é um belo projeto. Eu li todo ele ontem no Plenário, e não ficou nenhuma dúvida da justeza, do equilíbrio e da forma humanitária, já que nós temos hoje que, com o dia 10 que se aproxima, que é o Dia Internacional dos Direitos Humanos, lembrar exatamente essa população, que é tratada até como se fosse invisível. Nós estamos aqui, como disse, no ar condicionado, e não tem nada de mais, não é? Agora, o que nós queremos é que esse povo que está jogado nas ruas tenha direito à moradia, ao ensino técnico, por exemplo, que está no projeto, acesso à educação, à saúde, ao bom viver, ao bem viver - nem é bom viver; é bem viver, viver com dignidade. Por isso, eu fiquei muito feliz. Ontem foi fundamental - e estou aproveitando este minuto aqui para falar - o apoio que tivemos do Presidente Rodrigo Pacheco; ele disse: "Vou botar na pauta [eu aprovei aqui o requerimento de urgência] e vamos aprovar". E nós vamos aprovar. E todo mundo achou que ia ter muito problema no Plenário. Eu terminei de ler o relatório e ele disse: "Em discussão. Alguma emenda apresentada?". Não. "Em discussão. Em votação". E votou simbolicamente. Foi unanimidade. Não teve um voto contrário a esse belo projeto, que eu chego a dizer que chega a ser um estatuto para recuperar a população que está jogada nas ruas em todos os sentidos. Então, agradeço muito aqui ao Presidente Rodrigo Pacheco neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, que tem nos ajudado muito em todas as políticas de combater o racismo e o preconceito - em todas ele tem nos ajudado. Por isso, aprovamos, até com uma certa facilidade, durante esse mandato dele. Quero agradecer também ao Líder do Governo, Jaques Wagner, que tem nos ajudado muito e ontem ajudou novamente para esse projeto; à Senadora Teresa Leitão, que foi Relatora na Comissão de Economia - eu fui aqui e fui depois no Plenário -; e naturalmente à autora desse projeto na Câmara dos Deputados, que é a Deputada Federal Erika Hilton. Todo mundo ajudou, todo mundo trabalhou, foi parceira grande do Governo, inclusive com o seu ministério, na formulação desse projeto, que é um projeto, como eu disse ontem, num outro projeto do Alessandro Vieira, num outro projeto de que eu fui Relator ad hoc... Aí eu percebi que o Plenário estava praticamente aprovando a ideia, e o Presidente Rodrigo Pacheco: "Me dá aí, Senador Paim", "Presidente, como eu percebo que aqui vai pela aprovação simbólica, projeto bom não é um projeto discursado: só falado, é aprovado". Ele: "Eu entendi". Botou em votação a matéria e aprovamos também por unanimidade. Na verdade, é do Alessandro Vieira, e o Relator era o Veneziano Vital do Rêgo, que é o Vice-Presidente da Casa, mas, como ele não estava, estava viajando, pediu que eu fosse Relator ad hoc. E eu mantive na íntegra o relatório dele, que estava a conhecimento de todos. Então, eu fiquei uma hora, duas horas lendo, só disse que o relatório era aquele e foi aprovado. Temos aprovado coisas importantes aqui, graças a muita costura, muita conversa. |
| R | Eu elogiei aqui com justeza o trabalho do Líder do Governo, Jaques Wagner. Ele se vira. Eu sei como é isso aqui, eu estou aqui há alguns anos, não é? Mas vamos em frente. Tudo isso aqui é direitos humanos, o que eu falei aqui é direitos humanos e a tua bela exposição. Agora, segundo me informaram, a gente pode ir intercalando... Mas isso aqui eu pedi e chegou. Eu queria cumprimentar a Diretora Elga Lopes, Diretora da Secretaria de Transparência, sempre aqui na Comissão, apoiando a Comissão - naturalmente, o DataSenado faz um papel fundamental, e o seu trabalho ali é reconhecido por todos, tanto que tem uma equipe aqui, não é? -, e Isabela de Souza Lima Campos, Chefe do Serviço de Pesquisa e Análise do DataSenado. É isso? Não está lá, porque eu estava olhando aqui, olhei aqui, olhei lá, e ela estava lá atrás. Muito bem, meus cumprimentos a Isabela Souza Lima Campos, a Elga Lopes, Diretora, que eu já mencionei, e aos colegas que estão aqui. Uma salva de palmas a todos vocês, pelo trabalho belíssimo que vêm fazendo. (Palmas.) É política de direitos humanos o trabalho de vocês. O trabalho do DataSenado, quem não sabe fique sabendo, é um trabalho de direitos humanos. O que eles fazem, pesquisa, elaboração, construção, sugestão, a maioria acaba aqui na Comissão de Direitos Humanos, porque aqui, a bendizer, é o nascedouro das políticas humanitárias. Fizemos aqui aquele trabalho do ciclo de debate com vocês, que foi muito, muito bom - depois você vai poder comentar a importância e o desdobramento. Mas eu fiz essa introdução para apresentar você, porque aqui na mesa, então, está conosco a Fernanda Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral de Memória e Verdade... Fernanda já falou... Não, está aqui conosco na mesa... É que me pediram, por isso que eu troquei as folhas, que eu colocasse alguém por videoconferência, que está esperando já. O Adami? Tem a Cândida Soares da Costa, Beatriz Gallotti e o Adami. Quem está na tela? Veja aí para mim. Eu chamo aquele que estiver na tela. (Pausa.) O Adami. Então, nesse momento, por videoconferência, para intercalar um por videoconferência e um presencial, eu vou convidar o Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, integrante do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Doutorado Interdisciplinar. Por favor, Dr. Humberto... Foi aqui de novo, troquei os nomes aqui. Só um pouquinho que eu já vou encaminhar. (Pausa.) Não, não, não, não pode. Não pode... Meus assessores aqui, dois painelistas, não precisa de assessor mais no plenário, é demais... (Risos.) Os assessores aqui... A Beatriz vai falar depois. Eles me alertaram aqui, os dois, eu vi, cada um botou uma mão para cá. (Risos.) Eu fiquei abraçado pelos dois. Não, mas foi o alerta. Quem vai falar agora, com muito carinho e respeito eu o convido, é quem está na tela, Dr. Humberto Adami Santos Júnior, Vice-Presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da seccional da OAB-RJ. Dr. Humberto Adami, é uma satisfação enorme ouvi-lo aqui, como o primeiro a falar por videoconferência. |
| R | O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - Bom dia, querido Senador Paulo Paim. Eu estou em dois aparelhos aqui. Neste aqui, já estão me vendo? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está perfeito. Está melhor do que eu. Eu que me atrapalhei na abertura aqui, mas você está bem. Estamos te ouvindo bem. O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - A conexão cai. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou dizer a mesma coisa. O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Senador Paulo Paim, é um imenso prazer e uma alegria revê-lo sempre na vigília do Senado Federal, há tantos anos fazendo esse trabalho importante para a população brasileira, não apenas para a população negra. Quero saudar também as pessoas presentes na plateia e na mesa, especialmente a Profa. Dra. Fernanda Thomaz, querida amiga que agora nos abrilhanta com essa coordenação da memória e da reparação no Ministério de Direitos Humanos, e que, aliás, está sempre aqui no Rio, não é? Que bom! Eu queria lembrar a importância dessa pauta da reparação da escravidão, uma pauta a que eu venho me dedicando já há algum tempo, com o Senador Paulo Paim e a sua poderosa assessora Bebel, que estão sempre em contato já há algum tempo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está podendo, hein, Bebel? (Risos.) O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - Hein? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos elogiando teres se lembrado da Isabel, que veio trabalhar comigo por indicação do Frei David. Há o quê? Uns 20 anos, não é? (Pausa.) Há 15 anos. O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - Pois é, nós estamos todos aí há algum tempo nessa pauta. Na verdade, quando vem a coordenação da memória e reparação, hoje brilhantemente dirigida pela Fernanda Thomaz, isso é uma vitória de toda essa luta que o Senador Paulo Paim vem trazendo, com muita firmeza, no Parlamento brasileiro, há muito tempo. Eu queria lembrar também... Eu tinha o número do projeto aqui - eu até passei para a Bebel, mas não está mais aqui - que foi apresentado, inclusive, pelo grupo da atual Secretária-Executiva do Ministério dos Direitos Humanos, que é a querida Dra. Rita Cristina, que também apresentou o do museu da reparação da escravidão, que nem sei se continua em andamento, porque era na legislação anterior. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O do Cais do Valongo, se me permitir, também foi ela que sugeriu para nós. Nós o apresentamos, aprovamos no Senado e está lá na Câmara do Deputados. O do Cais do Valongo aqui está resolvido. Agora, o do museu... Ele está lembrando... Você não lembra o número do museu da reparação da população negra? (Pausa.) Não. Só do cais que foi para a Câmara. |
| R | O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - E também quero lembrar que eu fiz, no meio da pandemia, junto com o Bruno, da liderança, trabalha na liderança, assessor também, junto com a queridíssima Bebel, minha amiga de tantos anos, que é a proposta de uma subcomissão de reparação da escravidão no âmbito do Legislativo brasileiro. Na época, a avaliação foi que não havia condições de se aprovar, como o senhor mesmo falou agora. Está sempre... Vai dar para aprovar, não vai dar para aprovar. E eu queria renovar essa proposta de se fazer a subcomissão de... Ou qualquer outra ferramenta que vocês acharem melhor, de reparação da escravidão, para aglutinar essa discussão da reparação da escravidão no meio do Senado brasileiro. Eu quero refazer a proposta - e acho que agora o momento está mais favorável do que aquele momento anterior - de puxar, no âmbito do Senado brasileiro, essa discussão. Eu quero aproveitar e falar que hoje eu estou na Vice-Presidência da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra. Eu estive Presidente lá por três gestões. Nós conseguimos colocar a Comissão da Verdade da Escravidão Negra em 18 seccionais e várias subseções ao longo do Brasil, trabalhando independentemente, trabalhando a proposta de verdade, memória e reparação no seu âmbito local, naquela perspectiva que a gente tem no meio ambiente, lembrando aí a Ministra Marina, de pensar globalmente e agir localmente. Então, a memória, a verdade e a reparação também podem seguir esse adágio, esse combo, porque uma das dificuldades que a gente tinha era pensar na reparação como um todo. É muito mais difícil você estabelecer uma proposta que vem agora dos países africanos, um fundo para a reparação... Ora, isso não consegue... Na realidade, no nosso Legislativo das causas raciais, nós temos um contingente muito pequeno de Parlamentares dedicados a esses temas e um contingente muito maior de contrários. Então, trabalhar a reparação também em pequenas reparações locais é uma estratégia, porque várias pequenas reparações são um conjunto formidável de reparação, que aliás é a medida que se vê na prática à lei da história da África e cultura afrobrasileira e indígena, a chamada Lei 10.639, que também é a Lei 11.645. Mas ela funciona muitas vezes com as professoras do ensino fundamental fazendo lei da história da África no seu município. E muitas vezes não funciona. A reparação pode seguir esse caminho. Aí eu chamo também a intolerância religiosa, que faz parte desse projeto grande, nacional, de reparação da escravidão, com as religiões de matriz africana sendo atacadas todos os dias na normatização da sociedade brasileira escravocrata, onde a repercussão da escravidão permite isso até hoje. |
| R | E aí eu chamo também a intolerância religiosa, que faz parte desse projeto grande, nacional de reparação da escravidão, com as religiões de matriz africana sendo atacadas todos os dias na normatização da sociedade brasileira escravocrata, onde a repercussão da escravidão permite isso até hoje. Então, nessa Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra, que eu presidi por três gestões - hoje, ela é presidida por uma advogada negra, conselheira federal pelo Paraná, Silvana Niemczewski, e eu estou lá como Vice-Presidente, muito orgulhosamente -, nós conseguimos trazer lá do Piauí a figura da Esperança Garcia, do trabalho da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB do Piauí, que era presidida pela saudosa Profa. Maria Sueli Rodrigues. Hoje, a OAB tem o busto da Esperança Garcia na sede do Conselho Federal da OAB, aí em Brasília. E nós vamos ter muitas surpresas aí no IAB - já vou falar em parte. Mas esse trabalho é fruto da reparação também, porque a Esperança Garcia estava circunscrita à carta que o Luiz Mott, o historiador, achou lá em Teresina, no Piauí. Então, esse trabalho de resgate, embora não se credite à Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão, é um trabalho direto da Comissão da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da OAB e da OAB do Piauí. O Luiz Gama também estava esquecido no cenário brasileiro, até que a OAB vai entregar uma placa de Luiz Gama, que, mais do que advogado, foi herói brasileiro, herói da pátria. Isso porque se dizia que o Luiz Gama não era advogado. Essa placa foi entregue pelo Presidente do Conselho Federal da OAB e por mim, como Presidente da Comissão Nacional da Verdade, no Instituto Luiz Gama, e quem a recebeu foi o atual Ministro Silvio Almeida, como Presidente do Instituto Luiz Gama. Daí em diante, Luiz Gama ressurge e ganha o noticiário. O Prof. Fábio Konder Comparato estava presente, a Profa. Ligia Ferreira. Em uma semana de mídia, a OAB então produziu esse aspecto. Não é que ela foi lá fazer a pesquisa, que é dos historiadores, mas ela amplificou e trouxe para o cenário da discussão, o cenário brasileiro, o trabalho de vários historiadores, dentre os quais o da Profa. Ligia Ferreira. E quero lembrar também o trabalho do querido Déo Garcez, que já dura mais de oito anos aí, com: Luiz Gama - Uma Voz pela Liberdade, que é uma peça fantástica, que eu ainda quero ver encenada aí no Senado brasileiro. Aí falamos da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB do Rio de Janeiro, que eu também presido pela terceira gestão. E eu quero trazer para esse trabalho de memória, de verdade e de reparação as figuras de Manuel Congo e Marianna Crioula. Ele é o segundo herói negro do Estado do Rio de Janeiro, por lei - da Deputada Inês Pandeló, se não me engano -, e também está esquecido aí, como o Luiz Gama. Foi responsável pela insurreição e foi enforcado aqui em Paty do Alferes. Nós temos que trazer esses heróis para o dia de hoje. |
| R | E, por fim, eu chego, nesse cenário rápido, Senador Paulo Paim, ao Instituto dos Advogados Brasileiros. Nós produzimos a Comissão de Igualdade Racial no Instituto dos Advogados Brasileiros, que eu presido... Primeiro, pela advogada Rita Cortez, ex-Presidente, segunda mulher negra em 180 anos a presidir o IAB. E fizemos um projeto lá, dez mulheres negras no IAB, porque não existiam nem mulheres nem negros. E aí, com essas dez mulheres negras, nós iniciamos uma vasta chegada de advogadas e advogados negros, que estão hoje entrando no IAB, que não existiam - estou no IAB desde 1995. E agora o último a entrar foi o Ministro Silvio Almeida, que também entrou como sócio confrade benemérito. Então, os pretos estão chegando ao IAB. E no IAB a Comissão de Igualdade Racial produziu um documento de 80 páginas que está no site do IAB: "Aspectos Jurídicos da Reparação da Escravidão". Nós estamos esperando a agenda no Senado brasileiro, e queria pedir o apoio do Senador Paulo Paim para combinar. Ontem mesmo eu falei com o Presidente do IAB, Presidente Sydney Sanches, agora já para o ano que vem, arranjar uma agenda com o Presidente Rodrigo Pacheco - que é ex-conselheiro federal, colega aqui, conselheiro federal por Minas Gerais -, uma agenda para a gente fazer a entrega solene desse parecer ao Presidente do Senado: "Aspectos Jurídicos da Reparação da Escravidão". É um documento onde a gente, naquele tempo, até um tempo atrás, conseguiu resumir o que tinha sobre reparação da escravidão no âmbito jurídico de uma forma ordenada, e é uma coisa que não para. Então, esse documento deve ser recebido pelo Presidente do Senado brasileiro, Senador Rodrigo Pacheco, e daí vir a ajudar, inclusive, na aprovação dessa Subcomissão da Reparação da Escravidão. Não deu para fazer esse ano, mas a gente espera essa agenda. Eu peço que o Senador Paulo Paim, já autorizado pelo Presidente Sydney Sanches, que veio ontem de noite aqui, a fazer essa agenda no próximo semestre, e aí iremos todos comparecer - na mão, o documento de trabalho, em que a gente reuniu tudo o que tinha no mundo sobre esse aspecto da reparação da escravidão na forma jurídica. Acho que vai ser um documento importante e que vai propiciar muita discussão. E agora a gente vê a África trazendo essa proposta dos países do fundo. Eu não acredito muito que vá acontecer, mas o fundo soberano é uma ideia que já vem aí desde o Fernando Conceição, passando pela Vereadora Claudete. |
| R | Eu ia falar também - mas a Fernanda já falou - dessa coisa nova que é o Banco do Brasil pedindo desculpas à sociedade brasileira pela escravidão, que é um movimento importante para o início. Estamos acompanhando aqui o Ministério Público Federal, com o Julio e com o Iara (Instituto de Advocacia Racial e Ambiental). Então, dentro desse tempo que foi deferido aí, dos 15 segundos, eu queria agradecer a oportunidade... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas já lhe dei mais dois minutos. Fique à vontade, porque tem mais dois minutos além dos 15 segundos. O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - Não, eu vou ficar dentro do tempo que me foi dado aí. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - Como é que se diz? Sou obediente. E eu vejo como esse trabalho da reparação é um trabalho transgeracional. Esse trabalho vai continuar. E eu quero dizer que para mim essa é a pauta mais importante do Brasil. É a pauta que liga o passado escravocrata com as suas repercussões que acontecem nos dias de hoje. (Soa a campainha.) O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - Nós estamos vendo aí o genocídio da população negra. Agora mesmo, vemos aqui em Copacabana, essa horda de assaltantes, que, na verdade, deveriam ter o tratamento do Estado brasileiro, para botar aqueles que estão assaltando aí, como corredores da Olimpíada, como Exército; e que essa população periférica que todo dia acorda para trabalhar, num calor infernal, aqui no Rio de Janeiro, está abandonada. A favela só vê helicóptero, fuzil, caveirão, e isso não vai dar solução para nada. Se me der mais dez segundos, Senador... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já estão dados. É com você. O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - ... eu queria entrar... (Soa a campainha.) O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - ... numa pauta em que a gente entrou aqui, na OAB do Rio de Janeiro, com a Comissão da Cannabis. Teve um congresso de Cannabis, e nós fizemos um evento sobre: "Legalização da maconha, economia, e a reparação da escravidão". Porque eu fui assistir a esse Congresso de Direito Canábico aqui, na OAB do Rio de Janeiro, e só vi lá advogados brancos, palestrantes brancos e público também branco. E os negros na legalização da maconha? Eu fiquei surpreso. Aí me socorri do advogado André Barros, decano advogado da Marcha da Maconha, e aí descobri isso no debate que está até no Supremo Tribunal Federal, sobre a legalização da maconha: que tem um mercado da maconha legalizada... (Soa a campainha.) O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JÚNIOR (Por videoconferência.) - ... inclusive do canabidiol, mas que só é deferido em habeas corpus que estão custando de R$30 mil a R$50 mil os honorários, mas só pode ser deferido para o asfalto. Quando é colocado para a favela, para a comunidade, ele é indeferido. E o preto pobre não pode ter direito ao canabidiol, que é um óleo medicinal que está fazendo bem a uma série de pessoas? Então, nós entramos nesse debate - está gravado no YouTube. Eu não vou me estender mais, mas eu queria também, Senador Paulo Paim, que o senhor, que é um paladino de tantas lutas, entrasse muito forte nesse debate, que é a questão da economia, a legalização da maconha, que está no Supremo Tribunal Federal, e a reparação da escravidão. |
| R | Muito obrigado. Desculpe por ter me estendido, mas é um assunto que me empolga. Eu fico muito feliz de ver os senhores aí com saúde. Muito obrigado. Feliz Natal e próspero ano novo! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Humberto Adami Santos Júnior, Vice-Presidente da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e Presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra, da Seccional da OAB-RJ. Mediante a sua fala - eu já peço para minha assessoria -, há alguns compromissos que eu assumo aqui e que vamos encaminhar para o ano que vem naturalmente: uma audiência com o nosso querido amigo e Presidente Rodrigo Pacheco, que tem nos ajudado muito, muito nas políticas de combate a todo tipo de preconceito e racismo contra o povo brasileiro e, naturalmente, de forma acentuada, contra os negros e negras - vamos acertar; combinarei com ele para recebê-lo, então, baseado na sua proposta, Adami -; e também vou propor que, no mesmo dia, depois de recebê-lo, a gente tenha uma audiência pública aqui, na Comissão de Direitos Humanos, com este eixo, com esse farol da reparação da escravidão. Quanto à subcomissão que você também propôs, eu conversava aqui com a Fernanda que podemos ter uma conversa entre Executivo e Legislativo, para ver se dá para fazer. Nós temos, por exemplo, aqui a Frente Parlamentar Mista Antirracismo, e então nós podemos criar uma subcomissão, ali até, com esse objetivo de tratar especificamente do tema. E, quanto à Cannabis, esse é um tema que nós estamos tratando mesmo, e com muita coragem, muita firmeza, porque o debate que está aqui nesta Comissão é o da Cannabis para fim medicinal. O debate lá no Supremo é outro, mas nós estamos tratando aqui e já fizemos três, quatro audiências públicas. Eu mesmo sou autor de um projeto nesse sentido. A Senadora que presidiu ontem a Comissão de Assuntos Sociais à distância... (Pausa.) Lembrou bem: Senadora Mara Gabrilli. Ela também tem um projeto, e o Senador Flávio Arns também tem um projeto. Nós temos aqui, entre Câmara e Senado, acho que mais de dez projetos com esse objetivo. Então, é um tema que nós vamos tratar. E, quem sabe, nessa audiência pública a que vocês virão com toda a equipe da OAB que você listou aí, nós podemos discutir a reparação da escravidão e também a Cannabis. A Cannabis para mim é fundamental. Eu tenho inúmeros amigos e amigas... Teve uma amiga que me ligou esta semana. Ela tinha ali aquelas gotinhas - dor em todo o corpo. Ela me disse que viajou, e não é quebrou o vidrinho dela na viagem? Porque é um vidrinho assim. Toma duas gotas de manhã e duas gotas de noite e diminui a dor. Ela estava desesperada. Daí, como tive diversos painelistas aqui sobre esse tema, e tem associações da Cannabis e canabidiol em diversas partes do Brasil - Brasília, São Paulo e Mato Grosso do Sul eu sei que tem -, eu dei o telefone para ela de um dos painelistas, e ele disse: "Não, nós vamos providenciar aqui". Ela entra, então, numa associação - se eu não me engano, muitos fazem isso - para remeter então. É claro, tem que pagar, mas, perto daquilo que se paga fora das associações, eu diria que é um terço do valor. Você vai a um profissional médico, o que é legítimo, mas, como ele disse, a Cannabis tem que vir do exterior - e eu reconheço que é real isso - e é caríssima. Como diz sempre a nossa Mara Gabrilli, que é uma pessoa com deficiência: "Eu uso a Cannabis, todo mundo sabe, há muito tempo. Agora, eu posso. Eu não tenho problema nenhum de pagar R$300, R$400, R$500, R$3 mil, R$4 mil, R$5 mil reais; eu pago. Então, não é para mim" - diz ela. Eu acho bonita a fala dela, e até emocionante: "Não é para mim, eu não preciso. Meus pais têm condição, eu tenho, enfim, de comprar a Cannabis pelo valor que for e quando eu quiser. Agora, e o pobre? Como é que faz?". |
| R | Como falou, inclusive, aqui o Adami, o pobre que tem doenças degenerativas - e são diversas, são mais de 50 tipos de doenças em que você diminui a dor com a Cannabis - como é que faz? Como é que compra? Não compra. Fica ali, morre na dor, e não compra. Por isso, a Anvisa está avançando bastante nesse sentido. Já tive umas conversas com a Anvisa bem interessantes. E a conversa é porque o apoio da Anvisa para aprovar o projeto aqui no Congresso é fundamental. Quem sabe nesse dia a gente traga até a Anvisa também para debater esse tema?! Adami, como você é um bom advogado, você fez aqui a defesa das tuas teses, e eu acatei todas. Eu acatei, agora vou encaminhar. Vamos ver como é que vai se dar mais à frente. Obrigado, Adami. Você é uma referência para todos nós. Agora, com muita satisfação, eu vou passar a palavra, voltando à nossa lista aqui da mesa, ao nosso querido Doutor, militante, articulador das grandes causas, que vai falar pelo DataSenado, Dr. José Henrique de Oliveira Varanda, pesquisador do DataSenado que tem nos ajudado muito aqui nesta Comissão, não é, diretora? Então vamos dar o nosso cumprimento aqui já. É com você, doutor. (Palmas.) O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA (Para expor.) - Bom dia, Senador Paulo Paim. Mais uma vez, obrigado pelo convite ao DataSenado. Falo aqui em nome do DataSenado - a Diretora Helga está aqui conosco, a Isabela, os colegas do DataSenado -, e a gente veio trazer dados de um estudo que nós fizemos sobre a distribuição da fome e da pobreza por raça e gênero. Bom dia, Fernanda. Senador, quando o senhor começou a falar hoje, deu um contexto para a gente do que é a comemoração desse Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia 10 de dezembro, e dá um contexto de fato de que, embora os direitos humanos não devessem ter qualquer tipo de preconceito - por gênero, por raça e todas as demais formas de preconceito -, o fato é que há. Não deveria. Isso não deveria diferenciar ninguém, nem o acesso, nem as desigualdades, mas há. A pobreza tem raça, a pobreza tem gênero, a fome tem cor, a fome tem gênero, e é um pouco isso que a gente trouxe aqui. Então, Fernanda, quando você fala na reparação, eu acho isso que parte muito de a gente compreender isso. Primeiro, compreender, no combate ao racismo, que realmente não deveria haver essa diferença, mas há. Ela existe, e ela tem razões históricas, razões estruturais. Ela está imbuída na nossa sociedade, tem questões estruturais, de ciclos intergeracionais de pobreza, de falta de instrução, de miséria que a gente tem que quebrar. Então, acho que passa muito por isto: como, talvez da forma mais econômica possível, a gente conseguir enfrentar isso, reconhecendo que não deveria haver essas diferenças, não por cor de pele, não por gênero. |
| R | É claro que o Brasil é muito desigual - é muito desigual -, e há desigualdade em todos esses recortes; todos esses recortes são ainda muito desiguais. A gente vai ver aqui que tem diferenças, mas também nós não podemos deixar para trás nesse processo aquela pessoa também miserável, também passando fome, que, às vezes, tem qualquer cor de pele que seja. E esse é o processo. Mas é importantíssimo a gente trazer um retrato da realidade. E esse foi o trabalho que o DataSenado fez, Senador, quando a gente começou aquele ciclo de palestras no início do ano, em que a gente constatou que há um apagão de dados no Brasil, em geral, sobretudo no tema daquele momento, que era sobre a fome, a insegurança alimentar. Esse é um tema que tem sido enfrentado pelo poder público, inclusive pelo Senado Federal. Nós estamos já nos planejando para fazer uma pesquisa ampla para entender a questão da fome, e não só quantificar a incidência da fome e da insegurança alimentar, mas entender os fatores, como essas famílias estão se sentindo, como elas estão fazendo para se virar e até fatores que levam as famílias a superarem isso. E também as dificuldades de acesso a alimentos em certas regiões e questões específicas. Esse é um outro esforço que a gente fez, de tentar se instrumentalizar para que, à medida que o poder público agora voltar a produzir dados, a gente possa, de fato, entender, analisar e percorrer esses dados. Então vamos em frente. Vamos lá. Falando rapidamente, a Secretaria de Transparência tem essa missão de prover transparência à sociedade, ao Senado Federal, subsidiar os Parlamentares, e faz isso sobretudo por três grandes eixos. Há a transparência passiva e ativa, ou seja, a gente publica informações do Senado Federal e outras informações em que a sociedade tem interesse, da atuação do Parlamento. Também nós fazemos pesquisas primárias para produzir dados para os Parlamentares, pesquisas de opinião, vamos a campo. Falando da população em situação de rua, isso mexeu comigo porque é uma população difícil até de pesquisar. A gente consegue ligar para o telefone de uma pessoa, e a gente consegue ir ao endereço onde ela mora. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Eles não têm endereço. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Eles não têm endereço, dificilmente têm telefone. Quem está passando fome, às vezes, não tem como pagar telefone, porque não está conseguindo nem comprar comida. Então, é dificílimo, é algo que a gente gostaria muito... Não é, Isabela? A Isabela tem isso com muito carinho, para a gente tentar encontrar essa população. E nós temos também o eixo de observar dados, que é o Observatório da Mulher Contra a Violência. E agora nós queremos expandir essa observação de dados para todas as questões de miséria e fome sobretudo, essas mazelas. Então, vamos adiante um pouquinho, gente? Mais um pouquinho. Quanto ao escopo desse estudo, Senador - muito brevemente -, a gente pegou um panorama de como está em insegurança alimentar e fez um recorte por localidade, por região, mas sobretudo por gênero, raça, renda e escolaridade. A gente se baseou em dados oficiais da última Pesquisa de Orçamento Familiar, entre 2007 e 2018. É um dado é um pouco defasado, por conta do apagão de dados, mas também é um dado que a gente acredita que seja mais perene em termos estruturais, para a gente entender essas diferenças de gênero e raça, porque ele estava antes do choque da pandemia e no momento em que pelo menos o Bolsa Família ainda estava estruturado com as suas contrapartidas e tudo mais. É claro que a gente estava passando pelo início de uma crise econômica que se agravou, teve a crise da pandemia, a gente sabe que essa situação de fome teve um momento muito agudo durante a pandemia, mas agora a gente espera ver uma normalização gradual. E a gente sabe que o Bolsa Família, nesse processo, por outro lado, foi reforçado. A gente tem o benefício agora para as famílias com crianças e, talvez, a gente convirja para esse cenário que nós vimos em 2017, 2018. Então, ele vai ser muito representativo da questão de raça e de gênero, que é mais estrutural, em que está mais impregnada na nossa sociedade, nas regiões, a diferença. |
| R | Outro aspecto: a gente pegou também indicadores de desigualdade de renda, para entender um pouco da pobreza, e, aí, a gente pegou os dados mais recentes, que são os dados do final de 2022, a quinta visita da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Contínua. Então, nós temos dados bem recentes e também fizemos cruzamentos... E, aí, são cruzamentos inéditos. Nem no Atlas Brasil do Pnud, das Nações Unidas, não tem o nível de cruzamento que a gente fez por gênero e por raça e por cor. Então, a gente vai trazer um pouco isso. Bem, então vamos adiante um pouquinho? Só comentando, Senador, de tudo isso a gente está se apropriando e criando um repositório de dados lá no DataSenado e criando um painel também de dados que, para o início do ano que vem, a gente quer divulgar, com todas essas massas de dados, e, à medida que elas caminhem, que elas se atualizem, esse painel vai ficar vivo, para a gente ter bastante continuidade nesse trabalho. Bem, muito brevemente, trago o panorama de como estava a insegurança alimentar em 2018. Nós tínhamos 68 milhões de domicílios no Brasil; desses, 25 milhões em algum nível de insegurança alimentar; e 3 milhões passando fome - domicílios. Eram 207 milhões de pessoas, 84 milhões em insegurança alimentar - pessoas -; quase metade da população com algum nível de insegurança alimentar. Passando fome, com a situação mais grave de insegurança alimentar, naquele momento, eram 10 milhões de pessoas. Mesmo que a gente convirja para esse número, eu ainda o consideraria um número inaceitável: 10 milhões de pessoas em situação de fome. Vamos adiante um pouquinho? É claro que a distribuição da insegurança alimentar é desigual. Ela é desigual inclusive na Federação, entre os estados. Nós temos estados, como Amazonas, Maranhão, Paraná - os três primeiros ali -, onde a insegurança alimentar supera 60% da população. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Pará ou Paraná? O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Pará. Pará. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Soou para mim "Paraná". O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Não, não. Já nos três últimos, que são justamente os estados da Região Sul do país, menos de 20% da população tem algum nível de insegurança alimentar. Isso tem muito a ver também não só com a questão da renda, mas com a questão do acesso ao alimento. Se você está num local onde, apesar de ser de baixa renda, às vezes se produz o próprio alimento, é coberto pela agricultura familiar, tem a produção alimentar do Brasil mais próxima, talvez seja mais fácil conseguir o alimento, porque tem local em que, a qualquer preço, você nem sequer consegue, ou consegue a um preço muito elevado. Então, aí são questões... Quem já viu um mapa topográfico do Brasil sabe as barreiras que nós temos, inclusive de montanhas - há uma série de dificuldades -, climas... Não se produz fácil aqui, não se tem acesso fácil. Vamos adiante. Bem, a insegurança alimentar tem gênero, tem raça, tem renda e tem escolaridade. Sobretudo, Senador... (Soa a campainha.) O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - ... ela tem cor. Ela tem cor. Se eu pudesse escolher os dois principais fatores que explicam a insegurança alimentar, é a população de pretos, pardos e indígenas - se a pessoa faz parte dessa população, a chance de ela ter, a proporção é muito maior do que a proporção dessa população nos números em geral -, e o outro é o nível de escolaridade. O nível de escolaridade também explica bastante a insegurança alimentar. |
| R | Então, talvez, no processo de reparação, no processo de estruturação para a gente combater esse problema, a gente tenha que enfrentar as famílias que têm um nível de ensino, de escolaridade baixo, porque é estrutural, é algo que acompanha a nossa história. E não é só dar uma escola de qualidade ou dar acesso; talvez a gente tenha que dar a melhor escola. A gente tem que realmente resgatar essas pessoas e fazer algo além para as pessoas todas que estão num nível de escolaridade baixo, as famílias todas, para quebrar o ciclo intergeracional da pobreza e da miséria. Vamos adiante. Se a gente faz um recorte pelas unidades federativas entre a população de pretos, pardos e indígenas e os demais, a gente também nota que a proporção em insegurança alimentar é muito maior. É só reforçando essa questão, porque também isso tem uma uniformidade, digamos assim, na Federação. Talvez, em Santa Catarina, a população branca em insegurança alimentar seja maior que a negra, mas a população negra é menor, a incidência é menor na população de Santa Catarina. Vamos adiante. Os indicadores se intensificam. Os indicadores de fome e insegurança alimentar se intensificam na população de pretos, pardos e indígenas. Você ainda tem uma proporção ainda maior de pessoas passando fome. A diferença de renda explica mais, a diferença de escolaridade explica ainda mais, ou seja, se isso é importante para qualquer pessoa, é mais importante ainda para quem tem essa reparação histórica a ser feita. É um ciclo de pobreza e miséria que se perpetua. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É interessante também a sua palestra, pois também é educativa e pode ajudar na formação da visão das pessoas de como avançar na vida, ultrapassando a barreira da fome. As pesquisas que você mostra e uma que eu tinha aqui também mostram que a educação é fundamental para tirar os mais pobres da política de fome. Quanto mais estudo, menos estão nesse campo da fome e da miséria. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Estruturalmente, Senador, para as famílias... É claro que a gente tem que fazer um enfrentamento, porque quem tem fome tem fome hoje, não é amanhã, a fome é agora; quem tem fome tem pressa. Então, a gente tem que, sem dúvida, compensar com renda, compensar com alimento, fazer um esforço para tapar o buraco. Agora, estruturalmente, realmente é preciso recuperar essas famílias, e não só de fome, não é, Senador? Isso é só uma faceta. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Claro. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - É multifacetado, é de tudo. Como o senhor falou, a violência urbana... O nosso colega Adami estava falando de uma série de questões. Tudo que a gente vê que tem... Por exemplo, o acesso a um medicamento como o canabidiol tem componente racial, tem componente de desigualdade de acesso, porque é isto: está imbricado. A desigualdade tem, sim, um componente... Não deveria. Nós estamos falando de direitos humanos, o que é universal. Não deveria ter, mas tem, tem um componente muito... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos tomar a liberdade... Estamos conversando aqui, não é? Eu tenho um projeto chamado Quilombo do Amanhã. O que é o Quilombo do Amanhã? Lá no meio da comunidade, da favela, você tem uma estrutura, que eu chamaria, para simbolizar aqui, de um campo de futebol ou um ginásio de esporte, onde os pobres da favela poderiam fazer uma refeição, poderiam ir - as crianças - estudar, poderiam praticar esporte e poderiam realmente ter um curso técnico, por exemplo. É claro que é um sonho. Eu chamo Quilombo do Amanhã. |
| R | Porque eu... Sabe, quando eu era bem moleque, eu morava na beira do Rio do Tega, lá em Caxias do Sul - quem é de Caxias sabe que era o rio mais poluído que tinha. E eu estudava, trabalhava; com poucos anos de vida eu trabalhava na fábrica de barro já, mas meus pais diziam: "Se você não estudar, você não vai sair disso aí que está fazendo" - amassar barro para o artesão construir o vaso de argila. (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, a mensagem que eu queria passar nesse momento - depois vou te dar o tempo - é que tem que perseguir a educação. Se não perseguir a educação, não vai a lugar nenhum. Não vai passar de um trabalhador de fundo de quintal o resto da vida. É claro que eu sei, e aqui eu falava, como você também concorda, que a fome é fundamental. Como é que o cara vai estudar se ele está com fome? Então, nós temos que trabalhar para garantir que ele tenha condições de viver. Mas, se não tiver como norte... Você que está em casa me ouvindo agora, nós temos aqui dois negros na mesa; somos exceção praticamente dentro do Parlamento. O que eu queria passar com esse estudo que vocês fazem é que só vai sair desse mundo de salário mínimo - e olhe lá, porque muitos não recebem nem o salário mínimo - se nós investirmos como poder público, como a União, como aqui os estados, os municípios... Temos que investir na educação lá na favela! Temos que levar a escola técnica para dentro da favela! Acha que um menino que passa fome lá na comunidade vai ter condições de ir a uma escola técnica, como eu fui? Mas eu caminhava à pé uns 30km todo dia. Eu ia com uma bicicleta quebrada ao Senai, e lá eu fiz o meu curso técnico, mas eu morava lá na comunidade. Então, é esse esforço sobre-humano que nós vamos ter que fazer. E, é claro, quanto mais a União investir... E as pesquisas de vocês mostram nesse sentido: com fome, como é que você vai andar de bicicleta por aí? Como é que você vai pegar o tal do ônibus? - eu sou do tempo do ônibus, não tinha nem trem naquela época, nem metrô na minha região. Hoje já tem. Eu quis só ilustrar - e vou lhe dar o tempo de volta -, porque eu quero valorizar a pesquisa que vocês estão fazendo. Nós temos que mostrar a pesquisa e mostrar qual é o caminho. Quem está me ouvindo em casa nesse momento... Eu sei que televisão todo mundo tem lá na casinha, lá na comunidade - o que chamavam de favela no meu tempo agora é comunidade. Você que está me ouvindo: bota na cabeça: tem que estudar! Parece uma fórmula muito fácil, mas é uma mensagem que fica. É claro que primeiro vem combater a fome, ter direito à água, ter direito a uma casinha básica - felizmente já voltou o Minha Casa, Minha Vida, não é? -, a luz. Nós estamos nessa briga ainda: Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos, Água para Todos. Mas, se não tiver como eixo "eu quero estudar".... E a política de cotas vem nesse sentido e tem ajudado muito. Doutor, continua aí. É que eu me empolguei com a tua pesquisa. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Senador, excelente sua fala. Na verdade, o que o senhor chamou de sonho, eu acho que é obrigação. É obrigação. É aquela coisa: as pessoas são diferentes, desigualdades vai haver, mas não pode haver desigualdades por gênero e por raça. E, se tem, e isso está tão imbricado, a gente tem que fazer por onde. Pelo menos a gente tem que se esforçar muito para ter igualdade de oportunidades, porque dali cada um vai traçar seu caminho, mas ele tem que saber, ter nele que aquele ciclo de onde ele nasceu, o momento em que ele nasceu, a família em que ele nasceu, a cor que ele nasceu não deveriam definir o futuro dele. Isso não deveria ser o fator. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Não deveria, mas é. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Mas é, e a gente tem que reconhecer que... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas o mundo ideal é isso. Somente quem é negro (Fora do microfone.) sabe como o preconceito é duro neste país. E você tem que vencer as barreiras. O outro, que não é negro, também tem que vencer as barreiras da fome - claro que tem, concordo plenamente com você, nós estamos aqui dialogando -, mas quem é negro sabe como é que você chega a uma sala de aula e o professor lhe diz, como foi no meu caso: "Negro tem que entender que ele nasceu para arrancar paralelepípedo". Por isso, talvez, essa minha fala, que vem de dentro de mim. Eu digo: "Não, negro nasceu para estudar e ser doutor também". E tem condições, o país está caminhando nesse sentido, graças à volta - eu sou obrigado a dizer - do Presidente Lula, que tem essa visão. |
| R | Mas, se não tiver esses dados que vocês estão dando aqui, fica um mundo invisível. Os dados de vocês vêm para não serem só números frios, como um que tenho aqui, que peguei hoje até: segundo o IBGE, quase 50% das crianças brasileiras com até 14 anos vivem em situação de pobreza - ou seja, de fome -, sendo a maioria pretos e pardos. Aí eu digo, e botei no Twitter: "É nossa responsabilidade proporcionar oportunidades para esses jovens, garantindo-lhes políticas públicas que preparem [eu cheguei a dizer aqui] para o emprego". Nós não queremos receber só o Bolsa Família, o auxílio emergencial aqui e ali; nós queremos ter direito a estudar, trabalhar, formar e ter o direito que tem todo cidadão. Quando eu digo sonho, é isso, mas muitos desses sonhos, infelizmente, terminam à força da bala, não é, Isabel? A Isabel veio de uma comunidade de pobre também, e ela me assessora há 15 anos. Mas quantos colegas seus morreram na bala, e a gente não viu mais? Continua, Doutor, senão a emoção toma conta. A gente é inspirado na tua pesquisa. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - E é aquilo, o combate ao racismo tem que partir das pessoas todas, ao verdadeiramente reconhecer que não deveria e saber - agora vamos falar da realidade - que acontece, para agora batalhar para que isso não aconteça com os nossos filhos, com quem quer que seja; que não seja pessoa preconceituosa nem seja vítima de preconceito. Isso não pode acontecer. De todo tipo, mas sobretudo o preconceito de raça e cor, que é o que mais - eu vou mostrar aqui agora - afeta. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Eu vou botar o seu tempo de volta. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Senador... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - A sua pesquisa me empolgou... O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - Vamos adiante. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Os seus dez minutos voltaram. Vai lá. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - É a penúltima página já, Senador. Falando aqui de indicadores de pobreza e, na verdade, de renda média per capita da população por vários recortes - e aí uso os indicadores de desigualdade dessa renda, de como essa renda é distribuída, a gente tem que, no Brasil, a renda média -, no final de 2022, era por volta de R$1.584. Só que, na distribuição dessa renda entre os 40% mais pobres e os 20% mais ricos, os 20% mais ricos tinham 9,8 vezes mais riqueza. No Índice de Gini, em que, quanto mais próximo de um, mais desigual é a distribuição de renda de um país, o nosso índice estava dando por volta de 0,52, que é um índice alto, comparativamente com o resto do mundo. Se a gente faz um recorte entre homens e mulheres, os homens recebiam R$1.620; e as mulheres, R$1.550. Há uma redução pelo componente de gênero, mas ela não é tão expressiva quanto as próximas que eu vou falar. Porque, se a gente pega a população não PPI e compara com a população de pretos, pardos e indígenas, a diferença é abissal. A gente tem que, na população não PPI, a renda média per capita era de R$2.124; e, na população de pretos, pardos e indígenas, era de R$1.161... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Quase o dobro. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA - ... uma queda de quase 50% na distribuição de renda. E, quando a gente cruza isso com a mulher PPI, ainda cai mais um pouquinho: vai para R$1.116. |
| R | E aí tem um outro fator, que é um fator mais de um componente de localidade, que tem a ver com o Brasil continental, com esse Brasil ermo que nós temos, que é a população urbana ter uma renda média maior do que a população rural: é de R$1.696 contra R$876. E aí, Senador, quando a gente olha também para os componentes de distribuição dessa renda nesses subgrupos, a gente nota que a desigualdade se reduz, mas não é aquela redução de desigualdade que a gente quer ver, porque na verdade isso está dizendo o seguinte: as pessoas estão sendo achatadas porque assim... converge a zero. Para cima não tem limite, em tese, limite de renda; agora, para baixo, não, vai comprimindo, vai chegando ali perto do salário mínimo, vai chegando perto das bolsas, vai chegando perto do que a vida necessita. Então se comprime; é uma "queda", entre aspas, de desigualdade, mas é que as pessoas estão se comprimindo na pobreza. Essa não é a igualdade que a gente quer promover, das pessoas se achatando e ficando pobres. Para finalizar, vamos adiante - mais um só, gente, por favor. Opa, mais um só. Senador, aqui essa mesma proporção: eu peguei aqui o homem não PPI de zona urbana e comparei com a mulher da população preta, parda e indígena também da região urbana. A gente vê que, em todas as unidades da federação, a diferença salarial entre um homem não PPI, um homem que não faz parte da população de pretos, pardos e indígenas versus uma mulher da população de pretos, pardos e indígenas é abissal. Na verdade, ela começa ali em 60% a proporção, ou seja, a mulher recebe no máximo 60%, a mulher da população preta, parda e indígena, e em alguns locais passa um pouco de 60%, ainda assim, uma distância muito grande. A verdade é que não deveria existir. É claro que as desigualdades podem até existir entre as regiões, entre as pessoas, mas aquela linha azul e a linha roxa ou linha azul mais escura - a linha azul mais clara e a linha azul mais escura - deveriam estar iguais. Não deveria haver essa diferença, porque é só cor de pele, é só gênero. Pelas qualidades humanas, não tem nada que justifique essa diferença. Essa proporção, essa área que está ali arroxeada tem que ir lá para cima, ela tem que ficar nivelada, tem que ficar igual. Então, é isso. Nós vamos ficar monitorando esses dados; esses dados vão estar em painel, esses gráficos vão estar em painel; e, à medida que os órgãos que produzem dados oficiais forem lançando - nós, inclusive, em nossas pesquisas -, a gente vai alimentar isso e criar outras dimensões, outros indicadores, para que isso fique à flor da pele e a gente não aceite mais a situação, Senador. Obrigado pela atenção, obrigado por nos receber novamente, pela parceria. É isso, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, José Henrique de Oliveira Varanda, pesquisador do DataSenado. E aqui o tempo não foi pouco para ele, mas ele deu um... Só mostrou a luz, como a gente fala, no fundo do túnel, de tanto que temos que fazer. E esse dado final que você deu - e vejam vocês que estão nos assistindo e ouvindo -, concordando com você, mostra que só fazer a lei também não resolve, porque muitas leis não são aplicadas. Tem aquele ditado da lei que pega e a que não pega, não é? Mas eu sempre digo: apesar de tudo, eu vou brigar sempre para fazer a lei. Se com a lei já é difícil, calculem sem a lei. Por que eu estou dizendo isso? Pelo gráfico que você mostrou... Vamos falar bem claro. No gráfico, o que eu achei muito interessante: entre o preto e o azul - para ficar bem claro -, em média, um homem branco, na mesma função, na mesma atividade, como a gente fala, ganha o dobro que a mulher. A média é essa aqui - pega um pouco mais, um pouco menos -, é o dobro que a mulher negra. |
| R | Por isso, eu quero também mostrar que a lei é importante. Nós brigamos aqui, há mais de 20 anos, para aprovar um projetinho que só dizia: mulher e homem na mesma função, branca ou negra, têm que ganhar o mesmo salário. É o mínimo. Eu fui Constituinte; nós brigamos para botar isso no texto da Constituição. Só que, de lá para cá, passaram-se 35 anos e nada. Fui Relator, fui autor desse projeto, fui de tudo, e outros também foram, não só eu, não. Outros também já foram, e sempre caiu. O último, felizmente - quero elogiar a Fernanda aqui, o ministério de vocês ajudou -, foi uma composição de ministérios que fez a lei sancionada, que veio para o Congresso - aqui nesta Comissão, foi votada também -, que diz simplesmente isto: homem e mulher na mesma função têm o mesmo salário. Só que agora tem multa para as empresas que não adotarem e não respeitarem essa questão. Por isso é que a lei ainda não está sendo aplicada como devia. Senão, esse quadro aqui teria que ser diferente já. E eu não vejo grandes mudanças ainda, sendo bem realista, mas acredito na lei. Acredito que, à medida que a população for incorporando na sua visão, eu diria, de sociedade organizada... E aí os sindicatos cumprem um papel fundamental de ajudar a fiscalizar, para ver se as empresas da sua área de atuação estão efetivamente respeitando a lei que diz que homem e mulher, independentemente da cor da pele, na mesma função, na mesma atividade, têm o mesmo salário. Foi uma lei sancionada pelo Presidente Lula; uma das leis mais importantes, para mim, que nós aprovamos nos últimos tempos e que exige isso. E há multa. E a multa é dez vezes o salário que ele deveria pagar para aquela pessoa, no caso, de que ele não respeitou a igualdade e retroativo ao tempo que for necessário. É claro que a lei fala cinco anos, mas, no mínimo, retroativo a cinco anos, ele vai ter que pagar. Então, a partir do momento em que eles entenderem isso, o empregador há de cumprir a lei. E, oxalá, cumprimentando o trabalho de vocês, a gente venha aqui, quem sabe, no ano que vem, dizer: "Olhe, essa diferença diminuiu. Estão agora pagando a homem e mulher, independentemente da cor, na mesma função, na mesma atividade, o mesmo salário". Eu dou uma salva de palmas às mulheres negras e brancas, porque ambas são discriminadas, uma de forma mais acentuada, outra menos. (Palmas.) Mas, enquanto nós falamos aqui - porque está boa a conversa; eu estou gostando, está muito boa -, o pessoal que está nos ouvindo... Nunca vi tanta pergunta aqui, viu? E o pessoal seleciona, diminui, mas tem quatro folhas de perguntas para todos vocês. E temos ainda aqueles que estão por videoconferência. Quem chamamos? Diga um. (Pausa.) Beatriz - que eu já havia anunciado antes, não é? Foi um equívoco, mas eu anunciei. (Risos.) Passo a palavra agora, então, para a Dra. Beatriz Gallotti Mamigonian, Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, integrante do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Doutorado Interdisciplinar. |
| R | Por favor, Dra. Beatriz, o tempo é seu: dez minutos com mais cinco. E, se eu não atrapalhar, a senhora fala até 20. A SRA. BEATRIZ GALLOTTI MAMIGONIAN (Para expor. Por videoconferência.) - Imagina! Bom dia a todos, a todas e a "todes". Eu gostaria, inicialmente, de saudar o Senador Paulo Paim, os colegas de audiência e o público que está nos ouvindo presencialmente aí no Senado e online também. Eu queria muito agradecer pelo convite à Comissão de Direitos Humanos do Senado e à Coordenação de Memória, do Ministério dos Direitos Humanos, e dizer que eu entrego o grupo de historiadoras e historiadores que apresentou ao Ministério Público Federal o documento que embasou a representação contra o Banco do Brasil a respeito do envolvimento com a escravidão e com o tráfico. Eu trouxe uma apresentação que eu acho que vai aparecer. (Pausa.) Isso. Eu vou falar aqui de violações de direitos humanos sistemáticas no século XIX. Eu sou a pessoa que vai nos transportar para o século XIX e tentar nos fazer pensar e lembrar do tempo da constituição do nosso Estado nacional, da Independência para a frente. O Brasil independente trata de cidadania e de direitos humanos pela própria legislação, pela legislação que incorporou, e com uma Constituição do Estado que passa bastante pelo Senado, onde a gente está, e pelo Parlamento como um todo: Câmara dos Deputados, Senado e ministérios. Então, eu estou falando desse nosso arcabouço institucional no século XIX. E esse arcabouço, infelizmente - os historiadores têm apontado -, promoveu sérias violações de direitos humanos, das quais eu vou falar um pouco aqui. Eu gostaria de pedir para passar para a próxima imagem. Essa é uma imagem... A legenda escapou da tela, mas é uma fotografia do fotógrafo francês Marc Ferrez, tirada no Vale do Paraíba, mais ou menos em 1885, feita num contexto de promoção da cafeicultura junto aos compradores do café brasileiro no exterior. Eu trago essa fotografia para nos lembrar de que, como professores de História, como público, a gente costuma ver as imagens de pessoas escravizadas entendendo que elas estavam associadas à produção econômica. Nessa fotografia, a gente tem... Vejam, são os trabalhadores partindo para a colheita do café. Tem muitas famílias, tem um número enorme de mulheres jovens e mais idosas e muitas crianças. Esse era o conjunto de trabalhadores de uma fazenda de café, no Vale do Paraíba, no finalzinho do período da escravidão. |
| R | Eu estou aqui para nos dizer e dizer a todo mundo, e nos lembrar de que muitas dessas pessoas eram ilegalmente escravizadas. Elas não eram pessoas escravizadas legalmente, elas não eram propriedade legal como se costuma imaginar. Próxima imagem, por favor. Essa ilegalidade - eu não vou fazer leitura disso, quero só deixar demarcado - se deu em virtude da proibição do comércio de pessoas escravizadas no Atlântico, primeiro por acordos bilaterais entre a Inglaterra e Portugal; depois, entre a Inglaterra e o Brasil, que proibiram inicialmente o comércio ao norte do Equador a partir de 1815, o que tocou o comércio que chegava à Bahia e o comércio que chegava ao Maranhão, sobretudo, que faziam comércio com a Costa da Mina e com o Maranhão. E, depois, a partir de 1830 - próxima imagem, por favor -, a gente tem a proibição a partir de legislação nacional. A lei de 7 de novembro de 1831, que muitos de nós costumamos chamar de "lei para inglês ver", é equivocadamente chamada de "lei para inglês ver", porque ela foi intenção do Parlamento brasileiro de legislar para tomar para si o encaminhamento da repressão ao tráfico. Ela declarou livres todos os africanos que chegassem a partir daquela data e estabeleceu penas para os traficantes e para todos os compradores e detentores de pessoas escravizadas que entrassem a partir daquela data. Ela remeteu ao art. 179 do Código Criminal, que era reduzir pessoa livre à escravidão. Então, todos aqueles que detinham africanos chegados por contrabando eram criminosos. O que aconteceu é que a partir de 1831 - eu vou mostrar uma tabela daqui a pouco -, a partir de 1834, 1836, e certamente depois da ascensão ao poder do grupo dos conservadores, dos saquaremas, a partir de 1837, o tráfico deixou de ser reprimido pelo Brasil, pelas autoridades brasileiras, por uma convenção política. Então, o contrabando cresceu enormemente. Daí que é interesse de alguns dizer que a lei não valia, mas na verdade ela continuou valendo. E ela foi motivo de disputa, como a gente vai ver, até o fim do século. A Lei Eusébio, que é a lei de 1850, de fato, começa, retoma a repressão ao tráfico e vai efetivamente parar com o tráfico nos primeiros anos depois da lei. Os últimos desembarques conhecidos são de meados da década de 50. Mas a Lei Eusébio foi aprovada com base em um acordo tácito de que não se trataria do passado. Então, houve uma anistia informal das pessoas que tinham e detinham africanos ilegalmente escravizados. Houve um acordo, um pacto de ignorar as pessoas que tinham sido... ignorar o crime que tinha acontecido até então e que continuava acontecendo. Próxima imagem, por favor. |
| R | Aqui eu vou fazer um breve paralelo. Nesse processo de repressão ao tráfico, foram fundadas comissões mistas e foram também usados tribunais locais. Nesse processo de repressão ao tráfico, a estimativa é de que tenham entrado no Brasil, só no século XIX, 2 milhões de pessoas. Eu já vou falar da parte ilegal dela. Aqui, o meu parêntese é para dizer que 11 mil pessoas foram resgatadas do tráfico ilegal, foram emancipadas e foram colocadas numa categoria transitória para a liberdade, chamada de africanos livres. Então, 11 mil foram africanos livres e ficaram sob a tutela do Estado, até conseguirem a plena emancipação. Esse período, que deveria durar 14 anos, durou muito mais. É uma história muito impressionante de como o Estado imperial lida com trabalhadores formalmente livres, mas sob a sua tutela. Essa é uma lista, por exemplo, dos africanos que foram emancipados de um navio chamado Ganges em 1839. A lista tinha o nome, a nação, as marcas que eles tinham no corpo, que permitiriam identificar essas pessoas nas décadas à frente, quando elas precisassem ser encontradas para que não fossem reescravizadas. Essa é uma história. Esses africanos trabalharam para particulares por concessão do Estado e para instituições públicas, como o Arsenal de Guerra do Rio, Arsenal de Marinha do Rio, o Arsenal de Marinha de Pernambuco, da Bahia, de um monte de outros lugares; Fábrica de Ferro de Ipanema, em Sorocaba; Fábrica da Pólvora; basicamente em quase todas as instituições públicas que o Estado imperial tinha no século XIX. Próxima imagem, por favor. Aqui a gente tem o casal, o Marquês e a Marquesa do Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão, que foi Senador, e a sua mulher, Henriqueta. Eles detinham 26 africanos livres que trabalharam na Fazenda de café Lordello, em Sapucaia, que ajudaram a constituir a fortuna que o Senador detinha quando faleceu, em meados da década de 50. Agora fecho o parêntese, esse era o assunto africanos livres, os 11 mil que foram resgatados do tráfico, emancipados e ficaram sob tutela. Agora eu volto para os africanos ilegais, na próxima tela. Eu trago uma tabela. Vamos ver se ela vai aparecer bem. Eu precisava que aparecesse a parte de baixo dela, mas eu posso dar os totais. Nessa tabela constituída - perfeito - a partir dos dados da estimativa do volume do tráfico transatlântico, a partir de um grande banco de dados de viagens transatlânticas de pessoas escravizadas, no século... Aliás, o banco de dados abrange todo o período do tráfico atlântico e eu filtrei os desembarques no Brasil, no século XIX. Nas colunas, a gente tem as regiões: Amazônia, Bahia, Pernambuco, Sudeste... Ou viagens cuja região de desembarque não foi conhecida. E nas linhas, faixas de cinco anos. O que eu tentei mostrar por essa faixa cinza? Essa faixa cinza é uma aproximação do volume das pessoas que foram importadas já depois da proibição. |
| R | Então, como a proibição para o norte do Equador atingia principalmente o tráfico para a Amazônia e para a Bahia, já é a partir de 1815; depois, para todo o Brasil, a partir de 1830. Na tabela, a gente percebe que o Sudeste recebeu muito mais. A partir de 1936 o tráfico explode, proibido, trazendo 208 mil pessoas, num período de cinco anos, à Região Sudeste; outras 208 mil, na segunda metade da década de 40. Então, aqui na última linha, a gente tem os totais. Ao longo de todo o século XIX, desembarcaram 2 milhões de africanos e africanas, homens, mulheres e muitas crianças, no Brasil como um todo, de forma desigual nas regiões. E esse volume também se tornou desigual ao longo do tempo da proibição, mas a parte cinza, que é uma aproximação da ilegalidade, soma 926 mil pessoas. Então, as estimativas dão conta de que 926 mil pessoas desembarcaram já no período ilegal e foram tidas e mantidas como propriedade, a despeito da proibição. Esse é o tamanho do crime. Próxima tela, por favor. Eu trago aqui a imagem do Senador Bernardo Pereira de Vasconcelos, que é considerado um dos estadistas do Império. Foi um dos redatores do Código Criminal, foi Ministro de Estado, a partir de 1837, por dois, três anos; Conselheiro de Estado. O Senador Bernardo Pereira de Vasconcelos é um dos grandes defensores da reabertura do tráfico e da conivência com o contrabando. Portanto, da impunidade dos traficantes, da impunidade do Estado para com os traficantes. Ele mesmo explorou africanos ilegais. Ele teve dezenas de africanos em casa, cerca de 80, trabalhando - alugados para as obras públicas - e rendendo, então, renda para ele e para a irmã, Dioguina, sendo que a maior parte deles eram africanos chegados depois da proibição. Portanto, Bernardo Pereira de Vasconcelos teve africanos ilegais, dezenas, trabalhando e rendendo renda, a partir de aluguel da mão de obra, até falecer, em 1850. Depois, esses africanos foram herdados pela irmã dele, Dioguina, tiveram que entrar no Judiciário para buscar a liberdade, e não conseguiram. Isto é uma outra questão: o envolvimento do Judiciário com a escravização ilegal é um tema à parte. |
| R | Eu quero dizer também - próxima tela - que muitas pessoas lutaram contra essa escravização ilegal, e entre elas estava Luiz Gama, que entrou com ações de liberdade em defesa dos africanos ilegalmente escravizados. Este era um argumento dos mais difíceis de levar ao Judiciário: dizer que essa pessoa tinha sido ilegalmente escravizada, com base na lei de 1931, que tinha chegado depois da proibição, porque era um argumento que tirava completamente o chão da negociação com o suposto proprietário, vamos dizer assim - essa pessoa não lhe deve nem um centavo de indenização, na verdade quem deveria ser indenizada era ela. Esse era um argumento muito radical, era o argumento dos abolicionistas radicais dizer que esses africanos eram ilegalmente escravizados e tinham que ser imediatamente emancipados, mas foi um argumento que foi crescendo ao longo do tempo, no século XIX, foi adotado pela campanha abolicionista, particularmente por José do Patrocínio. Então, eu estou aqui para... Estou tentando argumentar que, apesar de o Estado e os estadistas defenderem a conivência com os traficantes, havia um conjunto enorme de vozes contrárias, havia um conjunto enorme de vozes que denunciavam esse crime e insistiam na liberdade das pessoas e no limite e na reparação, mas essa era a parte mais radical da demanda. Próxima tela. Aqui a gente tem, da parte do Joaquim Nabuco, também um abolicionista branco, de elite, uma menção à reparação. Ele traz uma frase do Eusébio de Queirós, daquele debate de 1852 sobre o tráfico. Ele diz: "As nações como os homens devem muito prezar a sua reputação"; mas, a respeito do tráfico, a verdade é que nós não salvamos um fio sequer da nossa. O crime nacional não podia ter sido mais escandaloso, e a reparação não começou ainda. No processo do Brasil um milhão de testemunhas hão de levantar-se contra nós, dos sertões da África, do fundo do oceano, dos barracões da praia, dos cemitérios das fazendas, e esse depoimento mudo há de ser mil vezes mais valioso para a história do que todos os protestos de generosidade e nobreza d'alma da nação inteira. Joaquim Nabuco tinha plena consciência do tamanho desse crime e da necessidade de reparação para que se construísse uma nação pós-abolição. Eu vou fechar - por favor, a próxima tela - com um lugar de memória da abolição do tráfico, que é um baobá, na cidade de Nísia Floresta, antiga Papari, no Rio Grande do Norte, cuja história remete a um desembarque ilegal. Na memória e na plaquinha se fala que ele foi plantado por um africano que desembarcou depois da proibição do tráfico. (Soa a campainha.) |
| R | A SRA. BEATRIZ GALLOTTI MAMIGONIAN (Por videoconferência.) - Talvez não por coincidência, nessa mesma cidade, nessa mesma época em que o baobá teria sido plantado, na década de 70, corria em Papari um grande processo judicial, uma ação de liberdade de dezenas de africanos que lá estavam ilegalmente escravizados num engenho chamado Belém, da família Albuquerque Maranhão. Então, o baobá serve como um monumento dessa memória subterrânea dos direitos e da luta por dignidade das pessoas africanas ilegalmente escravizadas. Eu quero aqui dizer que a gente precisa considerar a ilegalidade do tráfico, e faz parte da nossa necessidade de reconhecimento, como a Fernanda estava dizendo, reconhecimento da nossa história, das graves violações dos direitos humanos que foram cometidas durante o período da escravidão e que continuam. A gente precisa aprofundar a pesquisa sobre todas essas histórias, que são dolorosas, mas que são constitutivas da nossa sociedade. Portanto, quero dizer que os historiadores e as historiadoras estão engajados nesse movimento de reconstituição e reparação, de reconstituição que leva para a reparação. E agradeço muito pela oportunidade de estar com vocês e pelo diálogo que nós vamos estabelecer, tenho certeza. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Olha, meus cumprimentos, viu? Meus cumprimentos, Beatriz Gallotti Mamigonian, Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, integrante do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Doutorado Interdisciplinar. Eu comentava aqui na mesa que, no meu tempo de colégio, eu não vi nada disso. Falava-se em história, mas isso não aparecia. Era um povo invisível. E, se vocês quiserem comentar, fiquem à vontade aqui, viu? Só concluir com uma frase - só com uma frase. Sabe aquela foto que nós vimos ali? Dra. Beatriz, aquela foto que você mostrou; 99,9% negros e negras e o dono deles, que não é era negro, ponto, branco. Se vocês olharem hoje, nas fotos do poder no Brasil, a foto não é diferente. (Palmas.) Nas estruturas de poder, a foto é muito semelhante. Eu digo em todas as áreas, seja onde for, em todas as áreas. Não estou me dirigindo a esse ou aquele... (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... instituto, mas as fotos do poder, vocês vão ver que 99% são semelhantes àquela. |
| R | Isso mostra que um trabalho como o de vocês, de pesquisa, um trabalho dos direitos humanos, da igualdade racial, do Governo, que tem compromisso com a verdade dos fatos da história e aponta para a justiça - e o dia hoje é um dia de lembrança dos direitos humanos, que é o dia 10 -, é muito legal. Por isso, Fernanda, fale, agora. Só falamos... A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ (Para expor.) - É rapidinho, Beatriz. O lugar que a Beatriz mostrou, que é o Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, vai ser um dos lugares que a gente vai sinalizar também com a placa do lugar de memória da escravidão e do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas. Inclusive, esse inventário que a Beatriz mostrou, apresentou, foi um inventário com suporte da Unesco, com reconhecimento da Unesco, produzido em 2014, que três intelectuais mapearam; então, tem reconhecimento da Unesco. E, nesse projeto nosso, que tem, inclusive, não só o Ministério dos Direitos Humanos, o Ministério da Igualdade Racial, o MEC, o MinC (Ministério da Cultura), mas também o BNDES e a Unesco junto. Então, esse lugar também vai ser sinalizado como lugar de memória. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agradeço pela iniciativa, eu dizia aqui, com o som desligado. Agora, vamos convidar a Dra. Cândida Soares da Costa, Professora Associada. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação, nível mestrado e doutorado, e coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação. Pesquisadora associada à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e à Associação Brasileira de Pesquisadores (as) Negros (as). Por favor, Dra. Cândida Soares da Costa, 15 minutos, com a tolerância necessária. A SRA. CÂNDIDA SOARES DA COSTA (Para expor. Por videoconferência.) - Olá a todas as pessoas presentes. Estão me ouvindo? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos lhe ouvindo, sim. Está na tela. A SRA. CÂNDIDA SOARES DA COSTA (Por videoconferência.) - Muito obrigada a todas as autoridades, celebridades ou anônimas, que se fazem presentes nesta audiência pública que tem por tema o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Na pessoa do Senador Paulo Paim, agradeço à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa pelo convite que me possibilitou estar aqui - meu muito obrigada -, tendo a oportunidade de ouvir o resultado de trabalhos tão relevantes como os que já me antecederam. Eu sou, como já foi anunciado, da área da educação e venho aqui também como professora de uma universidade pública hoje e com a experiência de ter vivido, praticamente por quase 30 anos, por 28 anos, em escola pública da educação básica também. É indiscutível, eu considero, a relevância desta audiência, seja para celebrar os avanços que se possam registrar, seja para refletir, problematizar, debater sobre o desafio que o usufruto dos direitos humanos ainda se constitui no Brasil, especialmente para a maioria da população negra, particularmente em relação à não discriminação racial e à proteção ao direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, que impactam o acesso a outros direitos. |
| R | Nesse sentido, sob quaisquer aspectos que se queira pautar o tema, percebe-se que ainda há muito por percorrer frente às profundas iniquidades que afetam a vida da maioria das pessoas negras, do nascer ao morrer, como já foi demonstrado com os dados produzidos e com pesquisas sobre a história brasileira, independentemente da garantia constitucional dos direitos sociais, sejam eles a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, enfim, o direito à vida, já que a vulnerabilidade ao acesso a qualquer um desses direitos atinge diretamente a qualidade do acesso ao direito à própria existência. Isto porque se construíram e se mantêm os mecanismos que sustentam o racismo, que, ainda no tempo presente, visa à destituição dos povos africanos e de seus descendentes negros e negras, na diáspora e indubitavelmente também no Brasil, do seu lugar enquanto agente da história humana, tanto em relação ao passado quanto em relação à história que se faz no presente. Escolhi falar aqui considerando a educação escolar uma das reparações fundamentais. Nesse sentido que trago aqui a urgente necessidade de que não se perca de vista que a reflexão e o debate sobre direitos humanos no Brasil não prescindem de se colocar a educação das relações étnico-raciais como uma das principais pautas da agenda. Em 2023, a Lei nº 10.639, de 2003, reafirmada pela Lei nº 11.645, de 2008, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para tornar obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, completou 20 anos. Apesar de seu significado histórico e de sua importância, ainda se observa quão lenta é sua efetivação, tanto em relação ao currículo da educação básica quanto atinente ao currículo do ensino superior, seja nos cursos de graduação em licenciatura ou bacharelado, onde se preparam os profissionais para atuarem atendendo às demandas sociais, seja nos currículos dos cursos de pós-graduação, onde se preparam pesquisadores e pesquisadoras para atuarem na produção de conhecimento, que, sem a educação das relações étnico-raciais, dificilmente podem atingir o objetivo de contribuir para a elaboração de epistemologias capazes de fazer frente ao etnocentrismo, ao eurocentrismo, ao racismo e ao epistemicídio. |
| R | Vivemos em um país cuja sociedade se orgulha de ser cristã, acolhedora, solidária, com toda razão - não se pode negar que seja -, porém, o contrassenso está no fato de que essa mesma sociedade, cujas raízes se ancoram na violência, naturalizou a exploração, a insensibilidade, a insensibilidade à vulnerabilidade e a desumanização de grande parte da população a ponto de desconsiderar a humanidade para além de si, sustentando um processo de organização social em que os desafios diários em relação ao acesso aos direitos se impõem de forma muito mais intensa para as pessoas negras, conforme expressam os dados aqui apresentados, assim como os decorrentes das análises sobre os indicadores sociais feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) igualmente no que se refere ao racismo ambiental enquanto entrave ao acesso de mulheres negras ao saneamento e à água potável, conforme denúncia feita pela organização denominada Articulação de Mulheres Negras Brasileiras. Evidentemente que não chegamos a essa realidade ao acaso. Isso resulta de um processo histórico de um país que se constituiu e se constitui como nação tendo o racismo como principal base biológica. Assim, a educação das relações étnico-raciais se faz urgente desde a infância, posto que visa à construção de um projeto de sociedade antirracismo, que se paute pelos direitos humanos. E direitos humanos e racismo, evidentemente, são opostos, porque um representa a vida e o outro, a morte; e vida e morte são inconciliáveis. Um país que honra os direitos humanos também cuida e qualifica a educação das crianças, da juventude, potencializando cérebros, sensibilidades, criatividades e bem viver, de modo a superar o racismo e promover de modo mais eficaz os direitos humanos. Que o Dia Internacional dos Direitos Humanos impulsione o debate sobre a necessidade da educação das relações étnico-raciais na sociedade brasileira, capaz de contribuir para a promoção do reconhecimento e valorização da população negra e, assim, garantir os direitos humanos fundamentais ao povo brasileiro, o orgulho de sua identidade, que, com certeza, se compõe pela presença negra, branca e indígena, e que seja capaz de valorizar igualmente suas matrizes. Às pessoas negras, pretas e pardas, os direitos de constituição e sustento material, mas também o direito à imagem de referência positiva; o direito à vida, sem que corram o risco de serem assassinadas por bala perdida, ainda no ventre materno, na infância ou na adolescência, quando brincam com os colegas e amigos na rua ou dentro de casa, que os noticiários têm dado conta nos últimos anos; o direito de pegarem uma chave para abrir o portão de suas casas sem serem mortas a tiros por um vizinho que, ansioso, diz confundir o seu vizinho com um bandido, pois queria preservar a sua vida; ou mesmo o direito de trafegarem, dirigindo seus próprios carros, sem serem baleadas dezenas de vezes e morrerem no meio do trânsito, sob as mesmas velhas justificativas de que talvez fosse um carro roubado. |
| R | Lutar pelos direitos humanos é garantir o direito de discordar, é garantir o direito de poder falar, de poder reagir sem ser morto a pauladas em um espaço rodeado por tantas pessoas. Enfim, o acesso qualificado ao direito aos bens socialmente produzidos, como a educação, e poder fazer com que haja sucesso no percurso escolar, visto que a educação de qualidade é um direito humano, que, especialmente em relação às pessoas negras, repara os danos não em sua totalidade, mas podem trazer alguma reparação sobre os dados historicamente produzidos pela injustiça decorrente do racismo estrutural e institucional. O acesso à educação de qualidade é um direito humano que encurta o caminho para que se atinja a efetividade de outros direitos fundamentais à vida enquanto ser humano, e não como semovente. Nesse sentido, quanto à qualidade da educação pública brasileira, em todos os níveis, da educação básica ao ensino superior, em todas as modalidades - como é o caso, por exemplo, da educação escolar quilombola, em que muitas escolas têm sido fechadas -, apesar de a lei garantir o direito, ainda se vê pouco avanço nesse campo. A educação é um direito fundamental, e isso não se discute. É fundamental, faz a vida, ajuda a compor a existência e somente se efetiva com política pública, política pública universalista, porque ela precisa alcançar, de modo geral, a toda a população brasileira, mas, ao mesmo tempo, é imprescindível enquanto políticas públicas afirmativas, no sentido de que, como já foi dito, possa corrigir distorções. Muito obrigada! Agradeço imensamente por esse espaço e por poder estar aqui, podendo ouvir e trazendo um pouco da descrição também sobre a importância da educação como direito humano. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito, muito obrigado, Dra. Cândida Soares da Costa, Professora Associada. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação, nível mestrado e doutorado, e coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação. Pesquisadora associada à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e à Associação Brasileira de Pesquisadores (as) Negros (as). |
| R | Muito bem, Profa. Cândida. Num linguajar simples, direto, que todos nós entendemos, ela viajou no tempo e trouxe a situação atual da realidade do nosso país. Obrigado, Professora. Quem dera, no meu tempo, eu tivesse tido professoras iguais a você, viu? Tive muitas, claro, que eu respeito, com o maior carinho, mas precisava ter uma ou outra, pelo menos, que destoasse... Mas naquela época não tinha, na minha época não tinha. Era tudo concursada e não tinha... Claro, escola pública não tinha professores que aprofundavam esse debate. É com satisfação que eu convido agora o Senador Esperidião Amin, que está prestigiando a Comissão de Direitos Humanos. É um Senador muito querido e muito respeitado aqui no Congresso, viu? Eu digo isso, porque até alguns projetos meus eu pedi para ele relatar. Senador Esperidião Amin, o tempo é seu, na mesma forma dos painelistas. O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Para discursar. Por videoconferência.) - Eu quero também tornar pública a minha admiração pelo seu trabalho, o senhor sabe disso, mas não custa nada publicizar. Eu sou fã e admirador da sua forma de dizer coisas contundentes docemente. Gostou? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Adorei. Adorei. É preciso ser duro, sem nunca perder a ternura. (Risos.) O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Por videoconferência.) - Já dizia aquele senhor que gostava de motocicleta: "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás". Não é isso? O homem que andou de motocicleta pela América Latina. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito, Senador. O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Por videoconferência.) - E terminou a sua vida em Cuba. Mas o registro que eu gostaria de fazer é que, realmente, o senhor contribui muito, com a realização de uma sessão como esta, que não é a única, para que nós nos contextualizemos e conheçamos melhor a nossa história. Então, eu quero cumprimentar a palestrante, que acaba de encerrar a sua manifestação, todas as outras contribuições, mas, por uma questão de bairrismo, eu não posso deixar de registrar o meu aplauso ao depoimento da minha colega da Universidade Federal de Santa Catarina, a Profa. Beatriz Gallotti Mamigonian, que trouxe a lume essa questão que ilumina aspectos mais obscuros da história da escravidão no Brasil. Eu adquiri o livro Africanos Livres, que serviu de argumentação à Professora, instigado sabe por quem, Senador Paulo Paim? Por uma matéria do Elio Gaspari, na sua coluna, no O Globo, de 7 de outubro de 2020. Ele escreveu, na época, o seguinte: "Todas as informações referentes aos escravizados estão no magnífico livro Africanos Livres, da Profa. Beatriz Gallotti Mamigonian, e em sua tese de doutorado: To be a liberated african in Brazil, que está na rede. |
| R | Portanto, eu quero destacar essa contribuição sobre um lado não iluminado pela historiografia a que o senhor se referiu, quando mencionou que, na sua escola, nunca ouviu que houve tais artifícios para driblar o tráfico e para fazer perdurar o tráfico. E esse expediente de africanos livres talvez tenha sido um dos mais engenhosos expedientes para aumentar a longevidade prática da escravidão num país que lançou mão de várias leis que se mostraram não eficazes ou não absolutamente eficazes para tolher a escravidão e que, no fim, lançou mão da controvertida Lei Áurea para dar o assunto supostamente como encerrado, o que, afinal das contas, não aconteceu. E, só para deixar o senhor com inveja - mas inveja não corrosiva -, eu tive o privilégio de ser alfabetizado pela Profa. Leonor de Barros, irmã da Antonieta de Barros. É um privilégio, foi um privilégio para mim, especialmente na condição de filho de imigrantes que eu sou - nem meu pai nem minha mãe nasceram no Brasil. Eu queria me congratular com essa contribuição para a história e para iluminar também o nosso caminho futuro em políticas públicas que conheçam a verdade e, portanto, tenham as suas causas melhor conhecidas. Vou continuar assistindo, tanto quanto eu puder, à reunião, mas, desde já, minhas congratulações. E esta contribuição muito efetiva, pelo menos na sinceridade, do que eu estou falando. Cumprimento a todos, mas, de uma maneira especial, a Profa. Beatriz Mamigonian pela circunstância de ter o Gallotti, de uma família histórica de Santa Catarina, e o Mamigonian, que evidentemente é armênio. E, como sugestão de um filme magnífico e pouco conhecido, Mayrig, que em armênio quer dizer mãe. Ele tem entre outras atrações o fato de ter Omar Sharif e Claudia Cardinale como atores do filme. Um abraço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande Senador Esperidião Amin, que faz uma fala com muita diplomacia, prestigiando esta Comissão e mostrando que... Sabem que ele é mestre de universidade? É um homem muito preparado e muito respeitado aqui no Senado, independentemente das posições ideológicas. Sabem o que ele fala para mim seguidamente quando ele me encontra no corredor? Vou contar aqui, Senador Esperidião Amin, mas fica só entre mim e o senhor - ninguém vai ficar sabendo. Ele passa por mim: "E aí, meu parceiro, companheiro do PP?". E eu: "Mas que PP? Eu sou do PT, Senador". "PP!" - ele faz bem assim. PP é o partido dele, o Partido Progressista, e PP é Paulo Paim. "Um abraço, PP". Esse é o Esperidião Amin, que tem suas posições. E todos nós nos respeitamos muito. Não precisamos todos de pensar igual, mas é um cidadão muito preparado e muito respeitado aqui na Casa. |
| R | Um abraço, Senador Esperidião Amin. Foi uma satisfação recebê-lo aqui na Comissão de Direitos Humanos. Nós vamos... Eu não sei se entrou por videoconferência a Sra. Maria Neide Martins. Não? Então nós entramos num momento agora... É que eu pedi uma relação para o plenário e não chegou aqui ainda, viu? (Pausa.) Vai chegar? Então, está bom. Mas se eles não tomarem nota, eu não vou entender a letra de cada um. Ah, vocês vão traduzir ali. Vão traduzir. Mas vamos ter um tempo aqui, pessoal, porque nesse momento da nossa audiência pública, que está muito boa, são as perguntas que chegaram pelo e-Cidadania de todo o Brasil. Claro que eles reduzem um pouco, porque são tantas perguntas e nem todas podem chegar aqui ao plenário. Mas vamos lá! Diego Santos, do Rio Grande do Sul: "Quais são os principais desafios [...] para a manutenção e promoção dos direitos humanos para as minorias no Brasil?". Eu vou pedir para a Secretaria, se puder, imprimir e passar para os convidados. O critério é o seguinte: escolham algumas que queiram responder e as outras, depois, a própria Comissão responde. Fiquem bem à vontade. Felipe Santana, do Pará: "Qual a importância do respeito às garantias processuais para a efetivação dos direitos humanos?". Muito parecido. Daniela Matarazzo, de São Paulo, pergunta: "Com as tecnologias cada dia mais aptas a interagir com humanos, qual o papel do Estado em garantir a privacidade de nossos afetos?". Keisy Graziellen, de São Paulo: "[...] [Quais] os projetos para a melhoria do sistema educacional e [...] [o acesso inclusivo] nas universidades?". Amy Rodrigues, do Paraná: "Como cumprir com os Direitos Humanos [no SUS] em atendimento preferencial, empático, respeitoso [...] para pessoas que possuem TEA [...]?"'. Vocês fiquem bem à vontade. Não precisa responder todas. Escolha alguma e depois responda. O resto a Comissão se encarrega de responder. Tânia Prodomo, de São Paulo: "Como resolver os problemas de abuso de autoridade por parte de policiais civis e militares [...] [crescente] nos últimos anos?". Paulo Souza, da Bahia: "Diante da crescente violência social, o que pode ser feito para reformulação do Código Penal em consonância com os direitos humanos?". |
| R | Aquela da abordagem aqui, Isabel, se puder... Essa acho que dá para responder com aquela da abordagem policial. A síntese é aquela da abordagem policial. Luiz Felipe, do Rio de Janeiro: "Como está a desigualdade social brasileira comparada aos dados mundiais? O que pode ser feito [...] para alterar este quadro?". Beatriz Duart, do Distrito Federal: "Como faremos para garantir o direito das pessoas não binárias?". Leone Guilherme, do Distrito Federal: "Existe algum plano de incentivo à inclusão produtiva e ao empoderamento econômico para negros, indígenas, mulheres e pessoas LGBTQI+?". Continua, não terminou ainda, hein? Não pense que terminou. André Gabriel, de Pernambuco: "Qual o papel da educação na promoção dos direitos humanos e superação das desigualdades no país?". Essa é interessante também. André Gabriel, de Pernambuco: "Qual o papel da educação na promoção dos direitos humanos e superação das desigualdades no país?". Se o nosso Diretor aqui do DataSenado quiser responder alguma, fique à vontade, meu Diretor. Carolyne Oliveira, do DF: "Como garantir igualdade de direitos humanos para todos os cidadãos [...] diante das altas taxas de desigualdade socioeconômica no país?". Cristiano Queiroz, da Bahia: "[...] [Que] ações práticas e normativas estão sendo pensadas para [...] [garantir direitos] que proporcionem a redução carcerária no Brasil?". Thyago Silva, de Alagoas: "Quais as medidas a curto e médio prazo para minimizar a desigualdade social e trazer mais dignidade a quem aparentemente não tem direitos?". Antony Miassi, de São Paulo: "Quais acordos vêm sendo feitos para preservar a integridade da comunidade indígena?". Ainda agora, a última folha. Lucas Nunez, de Goiás: "[...] como o Brasil pretende legislar para combater discriminação racial, de gênero e orientação sexual e promover direitos humanos?". Paula Miyuki, do Acre: Como ficam as questões LGBT+ (trans/homofobia, casamento, educação)? Vemos ações do Judiciário, mas o Legislativo não se pronuncia". Por fim, um comentário do Ivan Paiva, do Rio de Janeiro: "Acredito que [...] deveríamos considerar o acesso às mídias digitais como um direito humano. A exclusão digital é uma realidade latente". Como eu havia combinado, a maioria das perguntas, entendo eu, que a Comissão, depois, junto com a minha equipe, pode responder tranquilamente. |
| R | Agora os nossos convidados ficam com total liberdade para responder algumas das perguntas, e quem estiver virtualmente também e quiser responder é só entrar na tela. Antes de passar para os nossos painelistas, para as suas considerações finais e ao mesmo tempo os comentários - mas usem o tempo que entenderem adequado, ambos, tanto a Fernanda como o José Henrique -, eu quero registrar a presença aqui no plenário do Sindatran (Sindicato dos Agentes Municipais de Trânsito do Estado de Alagoas), representante J. Souza. Então, palmas, J. Souza. (Palmas.) É muito bom ver vocês aqui num dia que estamos debatendo direitos humanos. Tem tudo a ver com a vida de vocês. Eu vou ler todos, depois no fim a gente cumprimenta: - Sintran, Porto Alegre, representante Silveira, presente aqui, nosso carinho; - Sindttrans, Bahia, Salvador (Sindicato dos Servidores de Trânsito e Transportes de Salvador e Região Metropolitana), aqui presente, nossos cumprimentos; - José Luís, Presidente e Diretor Jurídico da AGT Brasil, aqui também, nossos cumprimentos; - BTrans, Belo Horizonte, representante: Marco Carvalho, agente de trânsito; (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - BH, aí. - Márcio Pereira de Souza, da STMU, de Guarulhos, representante do Stap, Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública. Sejam todos bem-vindos. E agora chegaram aqui também para acompanhar esse debate da Comissão de Direitos Humanos líderes que vieram para o Fórum Nacional de Educação. Eu disse aqui, não é porque vocês chegaram, vou repetir antes das palmas: é a educação que liberta. Parabéns a vocês. (Palmas.) A frase é conhecida, de um grande pensador e intelectual. E agora, meus amigos, vocês dois. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Por favor, Fernanda, comece respondendo. A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ (Para expor.) - Vou aproveitar para falar, porque eu ia falar de educação mesmo, da pergunta do André Gabriel, de Pernambuco. Ele pergunta: "Qual o papel da educação na promoção dos direitos humanos e superação das desigualdades no [...] [Brasil]?". Eu concordo com o Senador que a educação liberta, e é fundamental a gente ter uma educação que seja humanizadora. Só que eu queria chamar a atenção: a educação não é essencialmente, naturalmente libertadora, ela não é naturalmente progressista e ela não é naturalmente humanizadora. A gente falou de racismo aqui, a gente falou de apagamento, de violência, de herança da escravidão, que se mantém até hoje. Se isso se manteve, se se mantém até hoje é porque teve uma estrutura que, também através da educação, fez com que isso permanecesse até hoje. Então, a gente pode ter, como a gente teve ao longo da nossa sociedade, uma educação extremamente racista, por exemplo, uma educação que tampouco estava preocupada com as memórias de violência para tentar reparar isso, como o Senador acabou mencionando mais cedo aqui comigo e mencionou aqui publicamente, que ele não teve essas informações no processo educativo. Então, o que a gente precisa é de uma educação humanizadora. E aí, sim, essa educação humanizadora, ela, sim, vai libertar. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Concedo a palavra agora ao Dr. José Henrique. Dra. Fernanda, acho que ficou claro isto: quando a gente fala que a educação liberta, é uma educação com o olhar para o nosso povo, e não uma mentira, como foi ao longo da história. Inclusive, muitos de nós vivemos a mentira do que foi a participação do povo negro na construção do Brasil. Então, a educação liberta desde que seja verdadeira e tenha uma linha humanitária. |
| R | O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA (Para expor.) - Senador Paulo Paim, primeiro, quero agradecer, em nome do DataSenado, por esta manhã maravilhosa, proveitosa e extremamente rica. Fernanda, obrigado por toda essa perspectiva. Inclusive sobre essa última, vou fazer um comentário agora. Eu acho que é perfeito o que você acabou de falar, porque o que nós vimos, em diversos fenômenos históricos e sociais que a gente acompanhou no último século, de ascensão de forças autoritárias e guerras, é que normalmente têm um componente de manipulação de massas, desde a parte de propaganda, toda aquela propaganda que se faz, até a parte de educação. A educação conta a história. Quem conta a história conta como quer, e muita gente é apagada. Desde o Egito antigo, se destruíam monumentos, se apagavam inscrições para que se apagasse a história, e isso se propaga na educação. É claro que boa parte da nossa desigualdade estrutural, da nossa desigualdade que é, entre aspas, "aceita na sociedade ou a que a sociedade fecha os olhos" tem um componente também educacional. Nesse aspecto, por exemplo, da política de cotas, em que às vezes as pessoas veem algum nível de polêmica, eu acho que as pessoas não param para perceber a extensão, a abrangência que essa política traz, porque não é só o fato de abrir as portas e permitir a inclusão, permitir o acesso, é muito mais do que isso. Você vê que existem famílias ricas que, às vezes, escolhem a escola do filho pensando muito mais no networking, nas relações que ele vai formar, nas amizades que ele vai criar. Da mesma forma, às vezes a pessoa evita certos locais, porque ali vai ter relações ruins e tudo mais. A verdade é que, quando a gente faz esse acesso, a gente permite às pessoas se conhecerem. Combater o racismo também é convivência, mostrar que as pessoas são plenamente capazes, são seres humanos tanto quanto os outros e é se criarem esses laços, laços de amizade, laços de parceria. Então, sobre a abrangência de políticas educacionais, como a de cotas públicas em universidades - aqui respondendo, por exemplo, à nossa colega Keisy Graziellen, de São Paulo, perguntando quais projetos para a melhoria do sistema educacional e acesso inclusivo às universidades -, eu acho que a gente tem que reforçar e conscientizar as pessoas da importância dessas políticas. Aproveitando, Senador, para responder também ao Luiz Felipe, do Rio de Janeiro, que perguntou como está a desigualdade social brasileira comparada aos dados mundiais e o que pode ser feito para alterar esse quadro, bem, infelizmente, se a gente pegar um índice de desigualdade muito conhecido e muito amplo, que é o Índice de Gini - muito amplo no sentido de que ele é aplicado a muitos países -, num painel de 168 países, o Brasil é o nono país com maior desigualdade, um país continental com mais de 200 milhões de pessoas. Até por isso o Brasil é diferente em si, é desigual em si nas próprias regiões, nas localidades, no clima, no acesso a alimentos, na composição da população de cada região. Não tem jeito, é desigual. Mas o componente de desigualdade não pode ser por cor de pele, não pode ser pelo sexo, não pode ser pela família em que nasceu. Tem muitas outras forças que vão forçar a desigualdade entre as pessoas, que não sejam essas. |
| R | E, para finalizar, Senador, várias pessoas aqui perguntaram o que a gente pode fazer para aprimorar os direitos humanos, diminuir as desigualdades. Eu também concordo com o senhor, sou fã da educação. Tem um pesquisador americano, Heckman, da Universidade de Chicago. Ele é um economista e demonstrou que o real mais bem gasto de qualquer política pública é com educação, em primeiro lugar (Palmas.) e sobretudo com aquela educação das crianças que estão entre 1 e 7 anos de idade, porque ali que o cérebro está-se formando, que a estrutura, a consciência da pessoa, a capacidade crítica, a capacidade de leitura, a capacidade de processar a lógica e a matemática é ali. Se a gente cuida muito bem, faz um esforço concentrado como sociedade para preservar muito e dar muita oportunidade para que crianças possam ir para a escola - idealmente escola em tempo integral, em que elas possam tomar o café da manhã na escola, almoçar na escola, lanchar na escola, tomar banho na escola e serem entregues perfeitinhas para a família delas; eventualmente, até no final de semana terem atividade, para não ficarem ser ter isso no final de semana também, porque tem família que às vezes não consegue dar a merenda escolar que a criança come durante a semana, no final de semana -, se a gente cuidar muito bem dessa geração, a gente prepara o ser humano, a gente dá aquela oportunidade para ele ser pleno. É claro que não é suficiente, tem que depois dos 8, 9 anos continuar, mas essa fase forma uma pessoa nas capacidades básicas dela, como ser humano, de ser plena. Então, eu acredito, sim, que se a gente for ter que escolher, e de vez em quando ser gestor e fazer política pública, e estar aqui no Parlamento... O Senador bem sabe - não é, Senador? -, mais que ninguém, que tem que fazer escolhas no orçamento público, nas decisões, nas deliberações. Que a gente faça as escolhas pelos melhores caminhos, pelos que geram mais resultados. É isso. Obrigado pela oportunidade, viu, gente? (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com muito carinho, o Dr. José Henrique de Oliveira Varanda, pesquisador do DataSenado. Eu fiquei muito feliz com o seu discernimento, viu? Você mostrou o caminho, e a Fernanda complementou. Ela quer fazer mais uma pequena fala, vai fazer. É pela educação, querendo ou não, mas, claro, você mostrou o caminho da educação: a educação humanitária, a educação sem preconceito, com estrutura para a criança tomar café, almoçar e jantar! Serão os nossos líderes, amanhã, sejam negros ou sejam brancos, sejam índios, sejam quilombolas, seja pessoa com deficiência. Eu fiquei muito feliz, viu? Quero te dar mais uma salva de palmas. (Palmas.) Fechou assim... Fernanda, você havia... Queria fazer uma fala. A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ (Para expor.) - É bem rapidinho. Também tem a ver com o que o José Henrique terminou, não é? É porque são várias perguntas aqui sobre pensar promoção, ou então como cumprir os direitos humanos, não é? Eu concordo que é a educação, mas tem uma questão que me ocorre que é... Eu acho que tem um princípio. Se a gente quer pensar os direitos humanos e o cumprimento deles, a gente precisa pensar na diferença, não dá para a gente nivelar os direitos humanos como universal, como se todos tivessem o universal, porque uma sociedade desigual produz pessoas diferentes. Mas as pessoas são diferentes. Então, há uma diferença entre desigualdade e diferença. Então, se a gente pensa, por exemplo... O José Henrique trouxe a pesquisa que eu achei belíssima sobre a questão da fome, e não tem como a gente nivelar, inclusive pensar as pessoas racialmente, e que tipo de reparação a gente faz... Mas, assim, pensar os direitos humanos é pensar como aplicar isso, mas pensar diferenças, porque, se a gente nivelar e continuar pensando em direitos humanos a partir de uma ideia de universalidade, a gente continua ainda reproduzindo desigualdades. Então, era nesse sentido. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fernanda, sabe o que eu estava fazendo? E a tua fala, como sempre, brilhante, merece as minhas palmas. Agora, minhas palmas. (Palmas.) Eu estava ali indo buscar e, como eu não achei o vídeo... Eu queria achar um videozinho de um minuto. Não sei se algum de vocês viu, já recebeu, porque está circulando o mundo, esse vídeo. O meu gabinete tinha, mas eu não sei se o pessoal vai achar no YouTube. É um videozinho de uma mulher negra, que vai contratada para a Europa, por uma família rica, para cuidar dos filhos - e ela foi. E lá cuidou dos filhos dessa família. Eu estou resumindo o vídeo, viu? Pena que eu não acho o vídeo. E ela cuidou. E chegou a hora em que ela teve que ir embora. Teve que ir embora, não por maltrato, por nada disso, pelo contrário. Estava o casal ali e as três ou quatro crianças. Precisam ver o desespero das crianças no aeroporto, se agarravam, abraçavam-na: "Não vá". Você viu? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vocês não têm esse vídeo aí? Olha, eu mandei. As crianças se agarram, choram, beijam. E ela diz: "Eu tenho que ir". No Instagram. E ela diz: "Eu tenho que ir". Ela só fala baixinho, pega no colo e tal. Mas qual é a mensagem desse vídeo que circula o mundo? Que criança não é racista, nem criança branca, nem criança índia, nem negro, indígena, quilombola - criança não é racista. Se no futuro ela vira racista, é porque o adulto a ensinou a ser racista. Esse vídeo... Eu queria terminar com ele aqui, mas não deu tempo de nós acharmos. Mas assim mesmo eu queria, simbolicamente, dar uma salva de palmas para todas as crianças brasileiras. Não importa se é menino, se é menina, se é branco, se é negro, se é indígena, se é quilombola. Elas não nascem racistas. Se o adulto se torna racista, é porque é ensinado. Por isso, aqui falamos tanto hoje em educação, em formação, em conhecimento. E tem uma frase que é do Mandela que eu vivo dizendo. Mandela disse um dia: como é bonito ver uma criança amar a outra. E como é cruel alguém querer ensinar uma criança a odiar a outra pela cor da pele. Prevalece o amor, a liberdade, a igualdade, o reconhecimento, a fraternidade e a solidariedade. Eu dou uma salva de palmas a todas as crianças do Brasil e do mundo. Elas não são preconceituosas e não são racistas. Não nasceram assim, foram ensinadas a ser. (Palmas.) Você achou aí no YouTube, meu parceiro? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você viu o vídeo? O vídeo merecia ser passado no encerramento. Mas vamos para o encaminhamento final agora. Agora é a despedida aqui dos meus convidados. E eu convido também a nossa Diretora, com muito carinho, porque ela fez um ciclo de debate aqui provocado por todos, Elga Lopes, Diretora da Secretaria de Transparência, para comentar o encerramento da nossa audiência de hoje. A SRA. ELGA LOPES (Para expor.) - Bom dia, Senador. Bom dia a todos que estão nos assistindo. Bom dia, Fernanda. Bom dia, Varanda, com quem tenho a honra de trabalhar no dia a dia, é um dos nossos pesquisadores. |
| R | Senador, todo mundo fala muito da dívida dos estados com a União, mas eu acho que a União, o Senado e nós temos uma dívida com o Estado do Rio Grande do Sul, que é a sua presença no Senado. Para cada gaúcho que está nos assistindo, eu gostaria de dar esse testemunho como servidora do Senado há 20 anos, como diretora, como cidadã que quer dar algum tipo de contribuição para o país enquanto estiver aqui. A sua paciência, a sua dedicação dia e noite aqui, no Senado, sempre nos assuntos humanos, sempre na preocupação com os menos favorecidos, é admirável e nós temos muito orgulho de prestar o serviço para o senhor e para o Brasil. O DataSenado está aqui hoje nesta Comissão, na sequência de uma série de audiências públicas que nós fizemos com o Senador Paulo Paim sobre a fome e a miséria, porque o Brasil ainda tem muita carência de dados sobre a pobreza. E nós vimos, infelizmente, na campanha presidencial de 2022, o debate sendo feito entre candidatos, em que existiam afirmações, foram feitas afirmações de que a fome não existia, e isso chamou nossa atenção. Nós decidimos, então, propor ao Senador Paulo Paim que a gente contribuísse no levantamento de informações sobre a fome. Hoje nós já estamos num estado bastante avançado desse estudo e vamos oferecer, Senador, para o Brasil, com seu apoio, em 2024, um mapa da miséria e da fome, em que todos os dados, sejam do Governo Federal, sejam nossos, sejam do IBGE, vão ser oferecidos no mesmo ambiente, para que nunca mais a gente tenha debates sem informações sobre a pobreza no Brasil. Estamos também entrando em contato com o Ministério, com o Senador Wellington, que agora está Ministro, para que a gente possa contribuir, no grupo de trabalho que foi criado por ele, com o estudo da fome e da miséria para o Brasil. Então, é isso. Muito obrigada, Senador; muito obrigada a todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - (Falha no áudio.)... Secretaria de Transparência pela contribuição e pela mensagem que deixou para mim, claro, que estou há tantos anos no Congresso. Entrei na Constituinte e termino agora com quatro mandatos de Federal e três de Senador, mas eu aprendi uma coisa lá fora, e vocês também me ensinaram aqui dentro, que o que interessa na vida são as causas. O homem ou a mulher que não tem causas não entendeu nem a razão da sua existência, sejam as causas da criança, dos idosos, do deficiente, de combater todo tipo de preconceito a negro, índio, LGBT, combater a violência contra as mulheres. O Brasil é o país que tem o maior feminicídio do mundo praticamente. Combater a fome, combater a miséria, querer uma educação de qualidade que realmente liberte. É uma educação humanitária, como vocês dois falaram aqui, falaram muito bem. Contar a verdadeira história. Por que não contar a verdadeira história da formação do povo brasileiro? Por que não contar? Mexer nos livros, contar a história. Vamos falar só a verdade de como é que se formou o nosso povo. A partir daí que eu acho que nós seremos um país de primeiro mundo. Tem uma das frases do Martin Luther King que eu jamais esqueci também, porque algumas eu guardei, até repito, às vezes, em que ele diz que o sonho dele era ver brancos, negros, indígenas, segmentos de todos os níveis religiosos - ele era evangélico, no caso dele -, LGBTQIA+, tudo isso ele colocou... O sonho dele era ver todos esses segmentos sentados à mesa, à sombra da mesma árvore e dividindo o mesmo pão. É realmente assim, você não pode querer achar que é melhor que o outro pela sua forma de ser, porque cada um é um ser, em si, como é - eu estou aqui traduzindo algo que eu já vi - e não tem como você querer viver no campo da discriminação, da violência e do ódio. Eu passo agora para o encerramento, então, só para as considerações finais, para a Dra. Fernanda e para o Dr. José Henrique. |
| R | A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ (Para expor.) - Eu queria mesmo agradecer pelo convite e também por este momento, porque trouxe um tema tão delicado e tão urgente e necessário de se discutir, pensar direitos humanos e, sobretudo, pensar reparação. E eu queria aproveitar a fala aqui e também agradecer pela sua sensibilidade, viu, Senador? Porque eu lembro que, a primeira vez em que eu estive aqui, para conversar com o Senador, eu tinha acabado de assumir a coordenação, eu fui embora, eu sou professora de história, trabalho com História da África. E, quando eu fui embora, eu recebi um telefonema, no Uber, do gabinete do Senador. E ele falou comigo assim: "Não, eu soube que a Lei 10.639, que dá obrigatoriedade ao ensino de História da África e da cultura afro-brasileira, está fazendo 20 anos". O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A verdadeira história, não é? A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ - "Vamos fazer uma audiência pública. Eu quero que você venha aqui e fale tudo o que você falou para mim". O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Gostei da lembrança. (Palmas.) A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ - E, desde então, eu acho que a gente tem um laço, tem um laço com a Bel, enfim, que é assessora do Paim nesse tema, e que a gente tem construído coisas juntas. Eu sou muito grata por isso, pela sensibilidade. Obrigada, viu? (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem! Agradeço muito à Dra. Fernanda Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral da Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, do nosso querido Silvio. Mande por ele um abraço. Ele é de fato uma referência para todos nós. A SRA. FERNANDA NASCIMENTO THOMAZ (Fora do microfone.) - Exatamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - José Henrique de Oliveira Varanda, pesquisador do nosso DataSenado, para os seus comentários finais. E, depois, também para os comentários finais, está na tela - ela vai entrar em seguida, depois de senhor -, a Profa. Beatriz Mamigonian. O SR. JOSÉ HENRIQUE DE OLIVEIRA VARANDA (Para expor.) - Senador, muito brevemente, quero novamente agradecer e corroborar a admiração que eu tenho pelo trabalho do senhor. O senhor comentou aqui: já há quase 40 anos de Congresso, mas de enorme trabalho, grandes projetos aprovados, conquistas, batalhas. O senhor é uma referência, é realmente uma admiração verdadeira a que eu pessoalmente tenho. E é verdade: toda a nossa equipe, a gente sempre o admira, mesmo quando a gente não está envolvido nas pautas, a gente acompanha e é impressionante o volume, inclusive, de trabalho que o senhor faz aqui no Congresso. Parabéns, foi uma honra e conte conosco! A seguir, novas pesquisas virão sobre a fome, o painel, como a Elga anunciou há pouco, e temos uma agenda de trabalho bem extensa, principalmente no primeiro semestre de 2024, e, à sua conveniência, estaremos à disposição, viu, Senador? Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Meu abraço respeitoso, carinhoso pela brilhante exposição que fizeram, ao longo desta manhã, tanto a Fernanda, como agora o José Henrique de Oliveira Varanda, pesquisador do DataSenado. Eu, neste momento ainda, depois de agradecer a ambos, ambos foram brilhantes... Quem pediu a palavra para as suas considerações finais foi a Profa. Beatriz Gallotti Mamigonian, Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, integrante do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Doutorado Interdisciplinar. Por favor, Profa. Beatriz. |
| R | A SRA. BEATRIZ GALLOTTI MAMIGONIAN (Para expor. Por videoconferência.) - Olá novamente. Eu queria também agradecer muito por a Comissão de Direitos Humanos do Senado ter promovido essa audiência pública. Eu queria dizer que a promoção da educação em direitos humanos, complementando o que estava falando a Fernanda, depende muito das escolas, das escolas públicas, do sistema de escolas públicas brasileiro, que é muito robusto, é muito importante. Ressalto a importância dos professores concursados, com liberdade de cátedra garantida, com plano de carreira e valorização de salário. Nós também devemos esse momento em que nós estamos ao sistema robusto da ciência brasileira e das universidades públicas e ao fomento pela Capes, pelo CNPq e pelas agências estaduais. Esses recursos devem ser ampliados e as ciências humanas devem receber recursos à altura das outras áreas, sendo que nós tivemos muitos ataques nos últimos anos, do golpe de 2016 para cá. As instituições culturais, arquivos, bibliotecas e museus também são lugares de disseminação de conhecimento sobre história e direitos humanos, e elas têm um custeio muito desigual, pouquíssima estrutura de funcionamento em termos de funcionários públicos e concursados. Eu digo isso porque história a gente não aprende só na escola; a gente aprende pela televisão, a gente aprende nos museus, a gente aprende nos jornais. Então, nós professores de história concorremos com muitas outras vozes e nós não somos os únicos a tentar fazer essa educação libertadora de que a Fernanda estava falando. E eu quero, só para finalizar, dizer que a história da escravidão e da extensão imensa do contrabando não é uma página virada da nossa história, a gente não pode entender como uma página virada, porque a gente convive com todas essas consequências. Então, apesar de eu ter falado de um século que já está mais para trás, as consequências dessa história estão com a gente ainda hoje. E é por isso que a gente precisa, primeiro, reconhecer que isso foi intolerável. E todas essas consequências precisam ser reparadas. Eu agradeço demais pela atenção de todos e desejo uma boa tarde. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... carinho à Profa. Beatriz Gallotti Mamigonian, Professora Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, integrante do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Doutorado Interdisciplinar. Pediu a palavra também, para as suas considerações finais, a Profa. Cândida Soares da Costa, Professora Associada... Tem aqui um currículo longo, que eu já li três vezes, mas vou ler de novo no encerramento. Dra. Cândida Soares, por favor. |
| R | A SRA. CÂNDIDA SOARES DA COSTA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, eu quero, primeiramente, reiterar meus agradecimentos a todos pelo convite e a todas as pessoas que nos concederam a sua audiência nesta manhã. E gostaria de pontuar que a educação serve àquilo para o qual ela foi direcionada, porque a educação só se realiza com intencionalidade. Da mesma forma como a educação foi muito utilizada, serviu para tornar tão natural a ideia de raça e, ao mesmo tempo, a hierarquização das pessoas a partir dessa perspectiva de raça, eu entendo que a educação das relações étnico-raciais não somente é necessária como é possível. E evidentemente tem que ser encarada como política pública, porque política pública não se desenvolve com voluntarismos. E uma política pública que dê suficiente estrutura aos sistemas educacionais, às organizações, às escolas e as condições para que as pessoas possam frequentar as escolas, os professores e as professoras possam desenvolver o currículo e a educação das relações étnico-raciais no cotidiano da escola. Então, por ser algo que se realiza pautado em intenções é que nós entendemos que a educação escolar também pode contribuir, e muito, para a transformação dos problemas e construção de novos imaginários, novos entendimentos sobre nós mesmos nessa sociedade em que muitas vezes somos tão carentes do entendimento de quem nós somos, da nossa importância e do nosso papel enquanto pessoas negras, enquanto pessoas brancas, enquanto indígenas e tudo mais, porque nós conhecemos muito pouco sobre nós mesmos e sobre nossa importância para o país e para o mundo. Muitíssimo obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Um abraço carinhoso e palmas de todos nós para a Profa. Cândida Soares da Costa, Professora associada que atua no Programa de Pós-Graduação em Educação, nível mestrado e doutorado, e coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação, pesquisadora associada à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e à Associação Brasileira de Pesquisadores. Vocês sabem que eu sou teimoso. Eu queria aquele vídeo, botei uns 30 para correr atrás, mas, quando eu vi que ninguém achava - de vez em quando, eu também tenho que falar de mim, não é? -, eu fui aqui no meu e disse: vou achar. E alguém falando aqui... Achei. A equipe já pegou e nós vamos falar no encerramento, que vai ser agora. E eu fui levando até aqui. Mas tem uma pergunta que eu fiquei de responder, lembram? Eu queria dizer que nós temos um projeto, aprovado por unanimidade no Senado, no sentido de mudar a abordagem inicial, o que foi muito falado nas perguntas aqui, que é: como diminuir a violência, a forma de abordagem, infelizmente, como é no país. |
| R | E eu quero lembrar vocês que quem me ajudou nesse projeto, a votá-lo - é uma questão de justiça, a família dele deve estar ouvindo lá em São Paulo... Ele era major da polícia e disse: "Paim, eu vou votar contigo, mas tu consegues mexer ali numa redação? Seria uma emenda quase de redação, mas para nós é importante". Eu disse: "Pronto, Major Olimpio!". Acatei, nós aprovamos por unanimidade, e a fala dele no Plenário foi fundamental; senão não aprovaria. Então, eu queria dar uma salva de palmas para o Major Olimpio. (Palmas.) Vocês o conheceram como Senador, não é? Um Senador muito lutador, parceiro, e tinha essa visão humanitária. Mas, então, o projeto que nós aprovamos foi o PL 5.231, de 2020. O que diz a ementa? Veda a conduta de agente público ou profissional de segurança privada [inclusive] fundada em preconceito de qualquer natureza, notadamente de raça, origem étnica, gênero, orientação sexual ou culto, altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 - Lei de Crimes Raciais, e a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019 - Lei de Abuso de Autoridade, e dá outras providências. Eu fui autor aqui, no Senado. Se eu não me engano, o Contarato foi o Relator desse projeto. A sugestão chegou, por questão de justiça, da Coalizão Negra por Direitos. Nós a transformamos em projeto, e foi aprovado por unanimidade. Está na Câmara dos Deputados, e, como a gente trabalha aqui em sequência, a Reginete Bispo, que é minha suplente, gaúcha e Deputada Federal, é a Relatora desse projeto lá na Câmara, com grandes condições de ser aprovado. É um projeto que fortalece, no fundo, nossas polícias, porque vai, de uma forma educadora, fazer com que a violência, como a gente fala... Infelizmente, eu tenho que dizer isto: é diferente a forma com que você aborda um menino pobre na favela ou um cidadão pobre na favela, vestido com aquilo que tem, e um cidadão vestidinho que nem o Paim aqui, ali no Leblon, de gravata, terno, caminhando, tudo com pasito. Infelizmente, tem aquela frase, que diz que um cidadão negro é suspeito; correndo, ele já é culpado. Eu não vou nem contar uma história que eu tive na minha família, quando um cidadão casado com uma irmã de criação minha... Essa história é bem lá de trás. Ele teve um problema, houve uma abordagem, e ele inventou de correr. E daí diz que um dos policiais - não vou entrar no detalhe -, disse: "Não, pode deixar ele correr, que, antes de ele dobrar aquela esquina, eu o derrubo", e ficou mirando. E dito e feito: ele deixou chegar quase na esquina e o matou. Eu tinha, naquele tempo, acho que uns seis anos de idade; nunca esqueci essa história. E conto aqui porque é verdadeira; se alguém tiver dúvida, me procure, que eu levo lá na região em que aconteceu, e vão falar daqueles que acompanharam isso, porque as famílias contam de um para o outro. Então, é fundamental a mudança da abordagem policial. Eu espero que a Câmara vote. Mas para concluir esta bela audiência, vou agradecendo a todos os painelistas, a vocês, do plenário. |
| R | Conseguimos, enfim - que foi um trabalho de todos nós, porque todos procuraram resgatar esse vídeo. E por que eu quero que passe? Porque eu sou daqueles que só acredita... Só quando, juntos, brancos e negros - como eu digo - derem as mãos para um país para todos, é que a gente vai resolver. E essas crianças dão o sinal. Se puder botar o vídeo... É só botar o vídeo, que eu digo que está encerrada a nossa audiência. Com o devido som. Ali é a mãe dele. (Procede-se à exibição de vídeo.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ó... Ó o desespero. (Procede-se a exibição de vídeo.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Lindo, lindo, lindo, lindo. (Palmas.) Está encerrada a audiência pública de hoje. (Iniciada às 9 horas e 12 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 23 minutos.) |

