01/12/2023 - 91ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 91ª Reunião da Comissão de Educação e Cultura da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 1º de dezembro de 2023.
A presente reunião será a primeira de um ciclo de três audiências públicas destinadas a instruir o Projeto de Lei 1.338/2022, que, abrem-se aspas, "altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica", fecham-se aspas, em atenção ao Requerimento 125/2023, Comissão de Educação, de autoria da Senadora Professora Dorinha Seabra e da Senadora Damares Alves; ao Requerimento 126/2023, também da Comissão de Educação, de autoria da Senadora Teresa Leitão; ao Requerimento 128/2023, de autoria da Senadora Professora Dorinha e de minha autoria; Requerimento 129/2023, Comissão de Educação, de autoria do Senador Marcelo Castro e de minha autoria; Requerimento 131/2023, Comissão de Educação, de autoria da Senadora Teresa Leitão; e Requerimento 133/2023, Comissão de Educação, de autoria da Senadora Damares Alves.
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Quando eu menciono "e de minha autoria", é que provavelmente o autor do requerimento não estivesse presente na reunião da Comissão de Educação, então eu subscrevia para que não ficássemos na dependência de aprovação em outra reunião.
Participam da audiência, de forma remota, a Sra. Priscila Cruz, Presidente do movimento Todos pela Educação; o Sr. Cláudio Vieira da Silva, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda); a Sra. Patrícia Raquel Barone, Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e representante da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped); a Sra. Roberta Guedes, Gerente da Câmara de Educação Básica da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec); o Sr. Gilson Luiz Reis, Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino; a Sra. Angela Gandra, Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Presidente do Instituto Ives Gandra; e o Sr. Diego do Nascimento Vieira, Presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina (Afesc). Informo que a Sra. Marlova Noleto, Diretora e representante da Unesco no Brasil, e também o Sr. Heleno Araújo, Coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), não puderam comparecer a esta audiência e justificaram as suas ausências. Foram convidados também o Ministério da Mulher e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), que não enviaram representantes.
Em primeiro lugar, eu quero dar as boas-vindas aos nossos convidados e convidadas, dizer da alegria de estarmos juntos debatendo o tema que é objeto desse projeto de lei, dizer que já foram realizadas, no ano passado, três audiências públicas a esse respeito, vários dos participantes dessas audiências inclusive estiveram naquelas audiências anteriores, porém, como o assunto foi retomado, as pessoas tinham a liberdade de estar presentes, retomar o assunto, afinal passou também um ano daquelas audiências. E sempre repisar, repensar, reapresentar os argumentos num sentido ou no outro é importante. Então, nós sempre temos essa liberdade na Comissão para que as pessoas que o desejarem, representando setores da sociedade que tenham uma relação com o tema, possam se manifestar.
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Eu quero dizer, antes de passar a palavra aos nossos convidados, que essa reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Quero também dizer que temos, como já mencionado, três audiências públicas. O número de pessoas apresentadas para participar é um número grande, por isso que nós temos um número, assim, relativamente, não tão grande hoje, sete pessoas, mas a outra audiência pública será na segunda-feira pela manhã, no dia quatro, e a terceira audiência pública na semana seguinte.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos. Eu já combinei com os convidados que nós daremos um tempo extra, assim, de dois minutos, mais ou menos, para que possam, os convidados e convidadas, terminar o pensamento, a exposição, ainda colocar algum ponto. E, ao final, repassarei a palavra aos convidados, porque um escutando o outro poderá acrescentar algum argumento, pensar, refletir sobre o tema.
E quero também dizer que já temos algumas perguntas que vieram pelo e-Cidadania. Leio-as rapidamente.
A Cris, do Paraná: "Serão definidos critérios objetivos para autorização de educação domiciliar? Quais serão? Quem efetuará a avaliação da condição familiar?".
Aline Soares, de Minas Gerais: "Como a parceria entre escola e famílias educadoras pode contribuir para assegurar os direitos da infância?".
André Gabriel, de Pernambuco: "Quais estratégias podem ser adotadas para garantir que a educação domiciliar não amplie disparidades socioculturais no país?".
Rodrigo de Souza, do Rio de Janeiro: "Segundo o Disque 100, em 2021, 81% das denúncias de abusos (total de 50.098), ocorreram dentro da casa da criança/adolescente. A escola não protegeria?".
Lúcia Zaia, de São Paulo: o ensino domiciliar em pleno século XXI não seria um retrocesso, dado que a escola é o primeiro núcleo social do indivíduo?
Então, temos essas perguntas que cada um poderá, de uma forma ou de outra, também abordar nas exposições, mas também o aspecto interativo continua à disposição das pessoas que nos acompanham pelo Brasil.
Eu passo, em primeiro lugar, com muita honra, à Sra. Priscila Cruz, que é Presidente de um movimento tão importante para o Brasil e que tem colaborado tanto com a educação como em nosso país - quero dar as boas-vindas -, que é o movimento Todos pela Educação.
Com a palavra, Priscila.
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A SRA. PRISCILA CRUZ (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador.
É um prazer estar aqui falando sobre esse assunto importante, neste importante espaço democrático para a gente poder debater esse assunto.
Cumprimento o Sr. Senador; cumprimento todos os participantes aqui desta mesa virtual. Eu não vou ficar citando os nomes, senão a gente fica mais tempo citando nomes do que usando a palavra aqui para o assunto objetivo.
Quero dizer do meu prazer de estar aqui. No entanto, eu não posso deixar de dizer que esse é um assunto que me tira o sono. Se tem um assunto hoje que tira o meu sono e, de vez em quando, eu vou dormir muito preocupada e acordo angustiada, é esse tema do ensino domiciliar no Brasil.
No Todos pela Educação, o próprio Senador sabe disso, a gente teve vários diálogos, no passado, a respeito desse tema. O Todos é bastante contrário ao avanço dessa temática no país, o que não significa não regulamentar, porque, obviamente, acho que tem algumas questões que precisam dar segurança jurídica às famílias que estão em situações muito específicas, mas, da forma como foi aprovado na Câmara dos Deputados, que é uma autorização geral, com poucas travas de exercício do ensino domiciliar, é algo que realmente preocupa demais à nossa instituição, ao Todos pela Educação e a mim, pessoalmente.
Antes de fazer a projeção, só quero fazer aqui um testemunho. Eu tenho visitado, percorrido o Brasil inteiro nesses últimos anos, mas, neste ano, especificamente, neste pós-pandemia, muito fortemente, o tema violência domiciliar é algo que está muito presente nas escolas. Eu nunca, há mais de 20 anos... Para ser bem precisa, há dois anos, eu visito secretarias estaduais de educação, secretarias municipais de educação, escolas de todas as etapas de educação básica, isso faz parte do meu dia a dia, e esse assunto da violência doméstica, principalmente pós-pandemia, vem surgindo de forma muito forte. Eu nunca vi... Realmente, a gente está vivendo um fenômeno muito forte, e quem tem conseguido acolher essas crianças e ouvir essas crianças são os educadores, professores, professoras, coordenadores pedagógicos, gestores escolares. Então, acho que tem aqui um ponto que é fundamental.
O Sr. Senador sabe dessa nossa posição desde o início, desde que essa matéria começou a tramitar lá na Câmara dos Deputados, que tem uma dimensão que nos preocupa demais, que essa tiro o sono, que é a dessas crianças que vão ter, enfim, a possibilidade ampliada de estudar em casa. Elas estarão invisibilizadas, estarão fora do radar, do campo de visão do equipamento público que mais convive com essas crianças fora a família, que é a escola. Então, acho que tem essa dimensão da proteção, da integridade dessas crianças, desses estudantes - de forma geral, crianças, adolescentes, jovens -, e eu não conseguiria dormir em paz sabendo que uma lei como essa permite, pode permitir que as crianças estudem em casa de uma forma generalizada.
A gente sabe que, lá no texto da Câmara, tem uma série de acompanhamentos, de avaliação. Só que acho que aqui ninguém é ingênuo para acreditar que todas essas crianças serão acompanhadas e que a gente vai conseguir ter um acompanhamento com a frequência necessária que essas crianças precisam para poderem estar protegidas.
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Claro que uma das perguntas aqui de quem está nos escutando, de quem está acompanhando essa audiência pública colocou isso: 51% dos casos acontecem em casa, no domicílio, desculpa, 81%. Desculpa, falei errado, 81% dos casos de abuso sexual de crianças acontecem dentro da própria casa. Então, a escola é um lugar de proteção.
Enfim, eu quero deixar só clara aqui a nossa posição absolutamente contrária a ter uma lei de educação domiciliar que seja permissiva, que seja ampla, que seja geral, como a que saiu da Câmara. Então, acho que aqui tem uma... O Senado tem um papel importante de estabelecer os critérios e os casos específicos em que a educação domiciliar pode ser admitida, por exemplo, em caso de extremo sofrimento da criança. Uma criança que para o seu deslocamento... Uma criança que está hospitalizada, uma criança que está numa situação de extrema dificuldade física... Porque não é distância da escola, porque a escola tem que estar perto de todas as crianças, mas há crianças que estão numa situação de absoluta dificuldade momentânea... Também não pode ser para toda trajetória da educação básica, mas muitas vezes as crianças têm ali uma questão, um episódio em que elas realmente não conseguem frequentar a escola. Esses casos precisam ser entendidos como a exceção para ser regulamentada. Agora, da forma como o texto da Câmara apresenta a educação domiciliar, como um direito das famílias que querem educar os seus filhos fora da escola, ou fora da escola pública ou da escola particular, essa é uma ideia que nos preocupa demais e que realmente tira o meu sono.
Então, só queria deixar isso aqui bem claro. Eu vou compartilhar aqui uma tela, só para projetar para vocês. Essa aqui é a nota técnica que o Todos pela Educação produziu, logo que o projeto de lei de educação domiciliar foi aprovado na Câmara dos Deputados, então, já expressando a nossa profunda preocupação. Aqui é a questão da forma generalizada, que eu já comentei aqui. Esse é o ponto que nos preocupa. Então, é importante que esse texto do Senado aponte de forma muito clara quais são as situações específicas em que uma criança pode não frequentar a escola e fazer a educação domiciliar, por uma questão de segurança jurídica e até para a própria família; mas tem que ser algo extremamente restritivo, tem que ser realmente nos casos em que não há a menor possibilidade de essa criança ir para a escola.
Outro ponto que a gente traz aqui na nota é em relação às avaliações de aprendizagem. Eu queria só relembrar que a gente passou por uma pandemia, muitas crianças ficaram em casa, tiveram aulas remotas, outras não; houve muitas dificuldades. A gente teve uma queda muito grande da aprendizagem dessas crianças, e a gente vem travando uma discussão, Senador, em relação à formação de professores. O senhor acompanha esse tema também. Formação de professores é algo absolutamente prioritário no país. A gente acaba de fazer uma discussão grande no país sobre formação de professores por educação à distância, o que não prepara o professor para uma atividade que é extremamente complexa, e aqui a gente está dizendo que a criança pode estudar em casa com um tutor, ou com a mãe, ou com o pai, ou com um familiar, que não tem formação. E essa formação é uma formação que é específica, uma formação que exige metodologias específicas. Então, aqui tem uma preocupação: eu acho que a gente precisa ficar muito atento em relação à banalização do que é educar uma criança, do que é garantir que essa criança aprenda.
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Então, tem a questão das avaliações anuais de aprendizagem, mas você querer, de forma anual, avaliar o que uma criança aprendeu é muito insuficiente. E o trabalho de uma escola... Nenhuma avaliação é capaz de capturar esse trabalho, o trabalho todo de uma escola, porque a gente está falando aqui de outras aprendizagens que não estão avaliações de aprendizagem, a gente está falando de convivência com outras crianças, com outros alunos, com outros adultos, da convivência com pessoas que pensam diferente. É fundamental, inclusive num país que quer fortalecer a sua democracia, saber conviver com o diferente - o professor que tem uma religião diferente, um colega que vem de uma família que tem uma visão de mundo distinta. Isso é fazer parte da sociedade. Então, quando a gente coloca essas crianças dentro de casa e priva essas crianças da convivência com outras crianças da mesma idade, mais novas, mais velhas, tem uma série de outros desenvolvimentos - a gente está falando de desenvolvimento cognitivo, social, físico, emocional - que não é possível garantir no ensino domiciliar. Então, tem esse espectro mais amplo, e acho que a gente precisa tomar muito cuidado para fazer com que a gente não perca essa dimensão.
Eu já falei sobre violência das crianças, a gente também falou sobre a questão do Governo passado, que acabou sendo muito leniente em relação a várias coisas, mas tem um outro ponto que eu queria falar aqui, porque eu tenho dois minutos para encerrar, que é o risco de proliferação de instituições, de organizações que vão começar a se creditar ou vão começar a vender o serviço de educação domiciliar. Isso já acontece no Brasil, não é um fato novo, mas, com a permissão legal de essas crianças poderem estudar em casa - e a própria mãe, o pai, a tia, a vizinha não vai dar conta de fazer um trabalho como uma escola é capaz de fazer -, muitas delas vão acabar indo para essas instituições informais, ligadas a instituições que a gente não tem como controlar, com a intenção que a gente também não tem como saber previamente. Então, esse é um caso que exige um olhar atento de todos nós, porque a escola pública está dentro de uma legislação - ela tem o controle, ela tem as avaliações, ela tem as visitações, ela tem uma governança dentro de cada secretaria estadual ou municipal. Então, o acompanhamento, o fato de a escola pública ter ali a presença de vários profissionais e várias famílias, coloca muitos olhares numa escola. E essas instituições que vão atender crianças... A gente não sabe quantas - quatro, meia dúzia, uma dúzia -, o que vai acontecer, onde vai ser, se tem segurança para essas crianças, o que está acontecendo nesses espaços? Então, esse é um ponto em que eu acho que a gente precisa ficar muito atento. Então, só para resumir, tem a questão da aprendizagem, que vai além do que qualquer avaliação é capaz de captar. Então, a gente não pode tirar essas crianças da escola com o argumento de "não, tudo bem, elas vão aprender e a gente vai fazer essa avaliação", até porque, pelo princípio da economicidade da gestão pública, vai ficar mais caro fazer esse tipo de avaliação para essas crianças - até identificar essas crianças que estão em homeschooling, em educação domiciliar, e fazer essa prova chegar ou ela ter que ir para a escola, enfim, é um custo adicional que hoje a gente não tem. Não é simplesmente pegar o sistema de avaliação que a gente tem no Inep e expandir. A gente vai ter um custo adicional. Então, tem a questão da aprendizagem que nenhuma avaliação vai ser capaz de captar. Tem a questão dos vários desenvolvimentos que essa criança vai deixar de ter, não é? Então, não é só a aprendizagem, a gente tem muitos desenvolvimentos que acontecem na escola.
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Convivência democrática com o diferente é muito importante para o desenvolvimento das crianças.
A questão da violência - eu abri falando sobre isso e quero fechar falando sobre isso - é seríssima. Com todo o resto a gente tem que ter muita preocupação. Agora, o que deve doer no nosso coração é imaginar que, por conta dessa lei, crianças vão sofrer abuso sexual e abuso físico, porque elas estão sem o olhar da sociedade, sem o olhar da escola pública ou o olhar da escola. Então, eu acho que "só" por essa razão - e só com muitas aspas - a gente não poderia deixar de forma ampla a possibilidade da educação domiciliar.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço à Priscila Cruz pela apresentação, que é Presidente do movimento Todos pela Educação. Obrigado, por enquanto.
Passo em seguida a palavra ao Sr. Cláudio Augusto Vieira da Silva, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador Flávio Arns e demais participantes daqui desta sessão.
Agradeço o convite em nome do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e também da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da qual sou titular, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Vou ser um pouco repetitivo por aquilo que tinha pensado e preparado em colocar aqui, mas são colocações da Priscila, pelo Todos pela Educação, que, a nosso ver, são questões absolutamente essenciais - absolutamente essenciais.
Começo tentando destacar aqui a exposição de crianças e adolescentes, a questão da convivência, o direito de desenvolver-se e, evidentemente, os custos dessa operação.
A exposição que eu estou chamando aqui se refere exatamente a essa última colocação da Priscila, que é nós nos reconhecermos - e a pandemia, se alguém puder ter algum resquício de dúvida - como uma sociedade violenta a partir do ambiente doméstico. Por isso que, com a pandemia, os índices de violência contra crianças, adolescentes e mulheres tiveram absurdos aumentos.
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Então, nesta colocação, conforme está disposto na proposta de lei, desconsidera-se absolutamente esta realidade. Nós sabemos muito bem, também, que uma vítima de violência, no caso crianças ou adolescentes, o primeiro lugar em que ela pode se manifestar ou em que vão ser sentidos sinais desta situação é exatamente no ambiente escolar, e é exatamente aí em que há a primeira decadência do desenvolvimento dela, cognitivo e emocional. Então, se nós estivermos com essas crianças nesse ambiente, onde não há outras interferências, nós estamos optando deliberadamente por expor crianças a um risco alto. Não é uma coisa de se desconsiderar numa sociedade como a sociedade brasileira.
O ambiente escolar, é a segunda questão que eu gostaria de colocar, é o ambiente - também pedindo licença a todas e todos que estão aqui; preciso repetir essa ideia da Priscila que é absolutamente central nessa discussão -, o ambiente escolar é o ambiente onde, em primeiro lugar e por mais tempo, em algumas vidas, eu vou me encontrar com o outro, reconhecer o outro e a mim mesmo, viver diferenças que eu não vivo na minha relação familiar, viver com situações absolutamente distintas e poder exercer aquela nossa capacidade de aprendizagem com um universo distinto do qual eu sou proveniente. Suprimir esse direito de uma criança sem necessidade - e aí faço um parêntese aqui: evidentemente que precisamos regular a ação educativa para aquelas crianças e adolescentes que tenham absoluta necessidade a uma exceção como essa, pelos vários motivos que a própria Priscila já colocou aqui -, mas eu não posso permitir ou entender que esse lugar, que é o lugar em que nós viemos desenvolvendo toda a nossa cultura ocidental como o lugar do contato, como o lugar da aprendizagem, como o lugar do seu reconhecimento, da sua afirmação, da sua avaliação, enfim, da sua formação enquanto pessoa, eu possa restringir esse direito para uma criança. Acho isso um perigo desnecessário e uma violência, uma violência! Crianças e adolescentes têm o direito de expandir, de criar a sua identidade enquanto pessoa, a sua identidade enquanto cultura, a sua identidade enquanto localizados na territorialidade. Isso constitui a nossa forma de crescer e de se afirmar enquanto sociedade.
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Somente esse fato - sem nos prendermos ao primeiro fato que eu destaquei aqui, que é a questão da violência, que não é menos importante, muito pelo contrário -, mas a supressão dessa possibilidade do meu desenvolvimento vai reafirmar, reforçar e encaminhar uma sociedade do telefone celular, das mensagens; reforçar uma forma de viver em que livros, contendas, aprendizagens, respeitos, isso vai ser eliminado dessa parte do desenvolvimento dessas crianças. Então, essa questão que envolve a possibilidade do estabelecimento da convivência na sua cultura, na sua sociedade, no seu desenvolvimento enquanto crianças ou enquanto adolescentes, eu acho que é um prejuízo insuperável no decorrer da vida da história de uma pessoa.
Então, o direito a se desenvolver não estará garantido numa iniciativa em larga escala como essa. Eu acho que ela pode atender - e deve, reguladamente - àquelas situações em que crianças têm um sério comprometimento e impedimento desde mobilidade a questões de saúde, enfim; agora, não da forma como está proposto no projeto, o que aí também reforça a seguinte ideia, que é a ideia da privatização generalizada do processo educativo nacional. E eu acho que nós temos uma posição absolutamente contrária. Nós entendemos que isso é papel do Estado brasileiro, que a política de educação constitui a nossa sociedade. Ela é fundamental para o desenvolvimento econômico do Brasil, ela é fundamental para o desenvolvimento das pessoas. A política de educação não pode se restringir, não pode ser restrita a um ambiente dito familiar.
Então, não vivemos num mundo onde isso é a principal referência do processo educativo. O processo educativo acontece tanto no ambiente de referência familiar de uma criança quanto nas diversas outras possibilidades que ela, esta criança, tem o direito de ter acesso - o direito de ter acesso. Então, esse é um elemento absolutamente central nisso, que contrapõe essa possibilidade com que, claro, evidente, nós vamos lidar: iniciativas de privatização, de terceirização desse direito à educação, num ambiente restrito como esse no qual o projeto se coloca.
E finalmente, os custos. O Estado brasileiro, por mais que nós avancemos em vários aspectos sobre a educação, a universalização da educação, como todos nós sabemos aqui, nós temos gravíssimos problemas no ensino médio, maiores problemas ainda no ensino superior: o afastamento da juventude cada vez mais do uso do livro e do acesso a ele como uma potência cultural, a diminuição das matrículas no ensino universitário brasileiro. Enfim, temos muitas situações ainda a vencer no processo educativo, o que reflete as nossas dificuldades enquanto sociedade. Porém, os custos de um processo como este que está ligado, sim, a iniciativas de privatização do processo educativo brasileiro, esses custos deviam estar muito mais claros em que circunstâncias e em que estrutura o Estado brasileiro as teria como fiscal, além de dar conta de todo o processo educativo nos sistemas de ensino. Quanto isso custaria para o Estado brasileiro para poder certificar, acompanhar, enfim, fazer todo o processo de reconhecimento de um ensino que está sendo deslocado do ambiente público, de um ambiente coletivo e construído pela sociedade brasileira, e levado para um ambiente da privatização, do privado, da exclusividade do privado?
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Então, isso também não está esclarecido no projeto, e acho que é um item também absolutamente essencial para se analisar um projeto como esse, sendo que os dois primeiros que eu levantei - que eu acho que continuam no mesmo raciocínio da exposição da Priscila - são mais essenciais e afrontam diretamente com o direito da criança e do adolescente de se desenvolverem em plenitude, conforme a nossa legislação prevê.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço ao Sr. Cláudio Augusto Vieira da Silva pela exposição também. O Sr. Cláudio Silva é Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Passo, em seguida, a palavra à Sra. Patrícia Raquel Baroni, Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e representante da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
Com a palavra, então, Professora Patrícia Baroni.
A SRA. PATRÍCIA RAQUEL BARONI (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos, todas e "todes".
Eu sou a Profa. Patrícia Baroni da UFRJ, atuo, neste momento - estou participando - na Diretoria da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), e, em nome dessa entidade, eu vou trazer algumas contribuições que são pautadas justamente neste conjunto, neste repertório de pesquisas que temos desenvolvido a partir, principalmente, de 2020. Muitas pesquisas falando sobre ação domiciliar foram implementadas, no âmbito das universidades, então vou trazer algumas considerações.
Saúdo a todos e agradeço, desde já.
Eu vou projetar aqui uma tela que vai também orientar a minha fala.
Eu queria começar dizendo que eu sou Professora da Faculdade Educação da UFRJ. Justamente já também colaborando um pouco com as contribuições das pessoas que falaram antes de mim, quero dizer que há uma certa ampliação, inclusive, com relação a estes professores que estão sendo formados na universidade com relação a essa temática. Já temos uma questão de empregabilidade, que é muito frágil nesse campo, para essas pessoas, principalmente nas universidades públicas, em que, nas licenciaturas, nós temos uma quantidade muito grande de jovens, principalmente de jovens das camadas populares, jovens que estão lá através de ações afirmativas. Então, pensar um pouco também na empregabilidade, na questão social que acaba se desencadeando na medida em que você desqualifica, quer dizer, em que é desqualificado o ofício docente nessa perspectiva prevista no PL n° 1.338, ao produzir o ofício docente como algo passível de ser exercido por qualquer pessoa com ensino superior, tal como prevê o PL.
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Bom, vou passar aqui o primeiro eslaide. Eu acho que esse é um dos princípios que norteiam a discussão que me faz repetir alguns aspectos que já foram trazidos aqui. Eu acho que o primeiro ponto que a gente quer levar em consideração é justamente esse lugar, a definição da escola, essa escola como um espaço de proteção de crianças e de adolescentes. E, para desenvolver essa ideia, eu vou trazer oito argumentos que afirmam o posicionamento da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação contrário à educação domiciliar. Eu vou passar um de cada vez aqui e vou falar brevemente sobre eles.
O primeiro deles é a perspectiva de que a educação domiciliar compromete o direito das crianças e adolescentes à convivência social e ao acesso aos conhecimentos científicos e humanísticos e de outras visões do mundo. Trabalhamos também com essa ideia de que é necessário que, para uma formação ampla, para o desenvolvimento pleno do sujeito, faz-se necessário o contato com diferentes conhecimentos, com diferentes doutrinas, com diferentes ideologias, com diferentes visões de mundo, para que cada um possa participar, enfim, assumir, ao longo da sua vida, os seus posicionamentos, as suas doutrinas e as suas visões de mundo. Então, a escola é esse lugar que oportuniza o contato com essa diversidade.
Eu acho que, sobretudo, é importante pensar que a educação é dever da família e do Estado e, na medida em que a gente oportuniza algo, que já foi colocado pela Priscila nesta audiência, que é essa ideia de que, para essas crianças, as famílias acabam controlando e tirando esse espaço da diversidade. A gente precisa entender que essas famílias não têm as crianças como suas propriedades. Não é algo que seja chancelado somente às famílias. Portanto, a gente também reivindica o dever do Estado na educação das crianças e dos adolescentes.
O item dois é a questão, também já mencionada aqui, de que a educação domiciliar não só aumenta, como também oculta a violência doméstica e a exploração sexual. Então, a gente... Eu tenho muitos anos de escola pública. Antes de trabalhar, de atuar no ensino superior, eu trabalhei durante muito tempo na escola pública, e não foram poucas as vezes em que as narrativas de violência física e sexual chegaram aos ouvidos da escola e a escola se comprometeu, junto aos Conselhos Tutelares, junto ao Ministério Público, com essa denúncia.
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Então, acho que é bem importante ressaltar esse lugar da educação escolar, realizada e desenvolvida no espaço da escola, como um espaço que também protege essas crianças e também é parceiro dessas crianças na narrativa e na denúncia desses casos. Além de tudo, gostaria de considerar também que a maioria dos casos de violência doméstica e sexual acontece - e nós temos dados para legitimar isso - no âmbito da casa das crianças.
O terceiro ponto se refere à insegurança alimentar e nutricional para a qual a educação domiciliar pode contribuir. Durante o período pandêmico, nós percebemos que o grande papel que a escola acabou desenvolvendo foi o de uma política pública que atuou diretamente no enfrentamento das desigualdades, e conseguia fazer isso com capilaridade, de uma maneira constante, cotidiana. Então, é preciso ressaltar o Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma das mais relevantes e mais importantes políticas voltadas à garantia do direito humano à alimentação e nutrição. Então, a gente precisa pensar que, para a maioria das crianças que estão na escola, a alimentação escolar faz muita diferença. Para muitos desses estudantes, é na escola onde se faz a única e principal refeição do dia.
O quarto ponto é que a educação domiciliar rompe com a Política de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva. É preciso considerar que nós conseguimos, a partir de muitas lutas, o direito a um processo que seja anticapacitista, uma escola que esteja, de fato, aberta, com suas portas abertas para todos. Então, é um direito da criança que é público-alvo da educação especial, no sentido da educação inclusiva, estar na convivência social com outras crianças. Portanto, quando a gente propõe a educação domiciliar como uma alternativa possível e uma escolha, é possível que a gente acabe negando às crianças o direito à educação inclusiva.
O item cinco, que eu gostaria de trazer, é justamente a ideia de que a educação domiciliar aprofunda as desigualdades educacionais. Acho que é importante pensar se a educação domiciliar tangencia uma política para a maioria da nossa população, a maioria que demanda o funcionamento da escola, a maioria que demanda o acompanhamento de outros profissionais, profissionais qualificados, na educação de seus filhos. Então, trata-se, no caso, de um projeto de cunho elitista, que não é de interesse coletivo e que tem baixíssima demanda social. É importante dizer que a escola tem, como princípio, a oferta de oportunidades igualitárias para novas aprendizagens, de interação, interação social, interlocução com outros e respeito às diversidades.
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O item 6 se refere à ideia de que a educação domiciliar estimula a evasão escolar. Temos um repertório de estratégias e de ferramentas para acompanhar a frequência dos estudantes na escola. A gente já produz um mecanismo de busca ativa desses estudantes que têm queda de frequência. Quando a gente propõe a educação domiciliar, a gente acaba aumentando o distanciamento entre o estudante e o Estado. É difícil fazer identificação da evasão e de criar e de pensar estratégias de busca ativa. Aqui a gente traz dados do Conselho Nacional de Juventude, dados de 2020, segundo os quais 28% dos jovens que evadiram em decorrência da pandemia não pretendiam retomar os estudos quando houvesse um retorno presencial. Acho que é uma questão também importante para a gente pensar, na medida em que a possibilidade da evasão escolar pode aparecer e pode aumentar, inclusive.
Como item 7, a ideia de que a educação domiciliar fragiliza a democracia e a cidadania. Eu acho que durante o período pandêmico ficou evidenciada a importância da escola e desses espaços de socialização de crianças e adolescentes. Eu costumo dizer que a gente já teve uma experiência de educação domiciliar e essa experiência fracassou. Eu estou cotidianamente em contato com professores, com profissionais das escolas e com as famílias e não há quem diga que, durante a pandemia, a implementação de modelos que foram feitos e criados dentro do espaço da casa desses sujeitos, trouxe favorecimento pleno. Então, a gente tem uma experiência fracassada já de educação domiciliar. Eu acho que prioritária para a gente garantir a democracia e a cidadania é a possibilidade desses sujeitos históricos e culturais que são as crianças e adolescentes ao convívio social. Então, é importante que esses estudantes estejam na escola para que eles aprendam a reconhecer e respeitar as diferenças, além de conhecerem outras visões de mundo.
E como último item, que eu gostaria de trazer como um argumento também do nosso posicionamento, é que a educação domiciliar onera os cofres públicos para uma baixa capacidade de atendimento de demanda. É uma situação em que há uma demanda muito baixa. Como já foi tratado aqui, a gente tem uma excepcionalidade, alguns casos que realmente demandariam o atendimento domiciliar, mas são casos extremamente excepcionais, mas que não justificam a criação de uma política que vai acabar sendo uma política social, na medida em que ela modifica uma lei tão importante no campo da educação. Então, a educação domiciliar não pode ser encarada como economia para os cofres públicos. A regulamentação vai demandar uma estrutura de avaliação e de fiscalização dos ambientes domésticos, tal como está no PL, com difícil capilaridade e um custo muito alto para o Estado.
Então, regulamentar a educação domiciliar demandará provisionar recursos para o custeio de sua operacionalização. São muitos itens, eu posso depois disponibilizar esses eslaides, mas sobretudo acompanhamento de matrícula, aplicação de avaliações externas, tudo isso tem um custo muito alto, não mensurado.
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Finalmente, encerrando já aqui a minha fala, eu gostaria de dizer que a escola exerce um papel insubstituível para a garantia do direito à educação e dos direitos de crianças e adolescentes. Nesse sentido, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação se coloca contrária a todos os projetos de lei que tratam da regulamentação da educação domiciliar, em especial nesse caso, ao PL 1.338, de 2022, que visa alterar duas leis que são extremamente importantes no campo, fruto de muitas lutas, que são a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica.
Agradeço. Aqui estão os contatos da nossa associação. Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradecemos a você, Profa. Patrícia Raquel Baroni, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, representante da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
Eu quero relembrar a todos e todas que nos acompanham pelos meios de comunicação, que todas as falas, assim como os materiais apresentados, estarão disponíveis no site da Comissão de Educação, assim como um resumo de cada fala também - como a gente fala, não é propriamente uma ata, mas uma disponibilização para que os Senadores e Senadoras que eventualmente não estejam acompanhando a audiência pública possam ler também esse documento da audiência pública.
Passo em seguida a palavra à Sra. Roberta Guedes, que é Gerente da Câmara de Educação Básica da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec).
Com a palavra, Profa. Roberta. Seja muito bem-vinda também.
A SRA. ROBERTA GUEDES (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador Flávio Arns. Na sua pessoa, eu quero, de forma muito respeitosa, cumprimentar todos que estão aqui conosco neste momento de audiência.
Vou fazer uma audiodescrição. Eu sou branca, estatura pequena, olhos castanhos claros, cabelo loiro, com fios brancos, estou vestida de cor-de-rosa e represento aqui a Associação Nacional de Educação Católica (Anec), que fala em nome das escolas e das instituições de ensino superior da educação católica. Também falo aqui como membro do Fórum Nacional de Educação, ao qual pertencemos, e temos a alegria de compor com 61 entidades, inclusive com a Profa. Patrícia, da Anped, e outras entidades que nos acompanham e que fazem parte dessa discussão. É uma discussão muito cara para nós, uma discussão muito importante para todos nós, porque nós estamos falando das nossas infâncias, nós estamos falando das nossas juventudes.
Temos muito respeito pela fala da Conanda, a qual também compomos, que é um organismo respeitado, não só nacionalmente, internacionalmente, pela postura cuidadosa que tem com as crianças.
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Eu vou pedir licença aos senhores e senhoras para compartilhar minha tela. Peço por favor que, assim que visualizarem, me digam, por gentileza. Ela vai guiar um pouco da nossa fala.
Aqui, é no sentido de dialogar, de conversar, de buscar possibilidades reais para as nossas crianças e juventudes.
Bom, primeiro, quem é a Anec? A Anec atua há mais de 500 anos no Brasil, com as nossas instituições. E a nossa fala é do campo de uma educação de excelência, que é comprometida com a vida, que é comprometida com uma educação cristã evangélico-libertadora, que entende que as pessoas precisam de uma formação integral, integral como pessoa humana, como sujeito, como agente de construção de uma sociedade que nós entendemos que tem que ser justa, fraterna, solidária e pacífica.
Como cristãos, pregamos o Evangelho e o ensinamento social da igreja.
Hoje, a nossa fala aqui representa 900 municípios brasileiros, onde temos nossas instituições de ensino; 117 instituições de ensino superior católicas; 172 obras sociais, em que trabalhamos exclusivamente com crianças e jovens de maior vulnerabilidade; 1,5 milhão de alunos da rede católica de educação; 356 mantenedores; 1,230 mil mantidas; 901 colégios; 13 hospitais e 110 mil profissionais da educação.
Essa é a voz que vem da Anec. É a voz que acredita que a gente precisa se debruçar no contexto, que as nossas avaliações precisam passar por ver, julgar e agir.
E quando a gente faz essa metodologia do ver, tem que nos tocar profundamente independentemente de profissão de fé ou não, independentemente de religião ou não, porque a fala aqui não é proselitista, mas o nosso país, historicamente, é marcado pelas enormes desigualdades.
Senhoras e senhores, o nosso país traz uma história de uma educação que foi e está sempre a serviço de uma minoria, que precisa mudar, que precisa ser uma educação para todos.
Por isso nós acreditamos, como educação confessional católica, filantrópica, na educação de qualidade social.
Nós acreditamos que a educação tem que ser para todos e tem que vencer as mazelas da exclusão, seja educacional, seja social.
Nós não abrimos mão da formação teórica. Nós acreditamos na formação de excelência acadêmica. Mas essa excelência acadêmica tem que estar a favor de uma lente potente, de uma lente que forme pessoas para a cidadania, para a democracia, capazes de uma síntese reflexiva, propositivas. Por isso a gente prega tanto o protagonismo juvenil.
Aí eu tenho que me pautar na fala que é trazida pelo Conanda e também pelo Todos na Educação quando dizem assim: "Gente, onde estão as nossas minorias? Gente, cadê a voz das nossas minorias? Quais são as reais oportunidades que as pessoas estão tendo verdadeiramente para estudar?"
A educação está a serviço de quem?
Eu tenho que trazer aqui a fala da Profa. Raquel, que tão brilhantemente fala da formação docente.
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Eu sou de uma época, Senador Arns, em que ser professora era o maior orgulho de uma família. Ter um filho ou uma filha professor - eu sou do antigo magistério, formada no Instituto de Educação do Amazonas; eu usei estrelinhas conforme os anos de estudo -, ter um professor em casa era algo pelo que se tinha praticamente uma veneração.
E, hoje, nós temos visto todo mundo falando de educação, como se todo mundo fosse professor, como se ser professor é normal, é comum, não precisa de muita coisa. Qualquer coisa já dá para ser um professor.
Quando a Anped traz uma fala de preocupação com a formação docente, é uma fala em que a gente acredita, porque a gente tem um respeito tão profundo pelos profissionais de educação que precisamos resgatar isto, o ofício e a posição social dos profissionais da educação. Ninguém opera como um médico, ninguém é advogado ou juiz, mas todo mundo pode ser professor? É uma pergunta que nos passa.
Diante desse contexto, desse ver, a gente vai para o julgar, e a gente precisa ser uma igreja em saída. Quando eu estou falando de igreja, não estou falando do templo, eu estou falando do ser humano, independentemente de suas profissões de fé
Aí eu estou buscando a fala do Papa Francisco: a gente precisa de uma educação dialógica, de uma educação que leva ao movimento neste tempo de tantas transições em que a gente está.
Eu preciso falar que a gente precisa questionar para onde deve ir a educação. Nós, que somos Igreja Católica, que acredita nas profecias de um Jesus vivo e reencarnado, temos aqui uma representação na fala do Papa Francisco, um homem que tem pregado o diálogo inter-religioso, a paz, a solidariedade que muito nos orienta a um pacto educativo global. E o que é esse pacto educativo? É a gente sair dos nossos bunkers, das nossas zonas de segurança. É a gente ser guiado pelo Espírito Santo e se inspirar para uma nova sociedade, que é aberta, que dialoga, que leva como propósito a fraternidade, porque nós precisamos educar para a paz.
Isto é muito importante: parar os discursos de ódio e falar de paz, de solidariedade, de economia solidária, de educação para todos, de acolhimento.
Por isso a gente questiona o ensino domiciliar. O que justificaria tirar uma criança da escola? Qual é a justificativa? Todas as pesquisas a que nós temos acesso hoje, que falam das entidades que lutam pelos direitos das infâncias, das adolescências, das juventudes, todas elas, de forma maciça, entendem que a educação é um direito público. Então, ela não pode ser privada. Se ela é um direito público, todos devem ter direito à educação escolar.
E o que justificaria falar para uma criança, para um jovem: "Não, você não vai para a escola"? Será que esse é caminho? Nós questionamos isso - nós questionamos.
Se a gente está falando em tirar uma criança da escola, em só garantir, neste projeto de lei, que ela esteja vinculada a uma escola, ela é um número ou ela é um ser humano em desenvolvimento pleno? Porque, como número, como é que eu estou tendo ali esse acompanhamento? Porque, afinal de contas, falar como o PL fala... E aí a Anec entregou uma nota técnica, Senador, à sua assessoria.
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Ter uma prova. Isso não quer dizer... Eu conheço várias pessoas que foram excelentes alunos, que tiveram notas maravilhosas, mas precisam se formar como seres humanos. Então, garantir a formação completa não é só garantir, ter um número de matrícula ou estar apto a fazer uma prova acadêmica. Quem está apto a lecionar? Pergunto, Profa. Patrícia: quem está apto a lecionar? É só ter um diploma? "Sou pedagoga, graças a Deus!" Será que é só isso?
Então, quando a gente fala de uma formação docente, é uma formação que vai muito além de um diploma; ela requer a prática, ela requer a práxis, ela requer que hoje nós estejamos unidos para a valorização do trabalho do profissional de educação, lutando pela qualificação inicial e pela qualificação continuada, em serviço, aperfeiçoamento em serviço. Escola, família, Estado, sociedade juntos por esse pacto educativo global, e não separados.
Então, o que nos leva ao distanciamento do diferente, se a convivência fortalece a tolerância, o respeito mútuo, a capacidade de lidar com as diferenças, habilidades que são fundamentais para uma sociedade que tem alteridade? Conviver na diferença, no diálogo, na multiculturalidade não pode ser uma ameaça; tem que ser uma oportunidade. Estar na escola é uma oportunidade para todos, independentemente da situação social.
Então, hoje é necessário a gente questionar quais são os sentimentos de corresponsabilidade que a gente tem com a escola. Se a gente faz uma crítica: "Na escola acontece o bullying", como é que nós estamos nos unindo para formar pessoas melhores, para que não pratiquem o bullying? Segregando? Separando? "Ah, porque na escola a criança tem problemas ou a escola tem problemas." Vamos nos juntar, vamos unir forças para uma gestão democrática, fortalecer os conselhos, fortalecer os conselhos para o diálogo, porque é necessário esforços para a gente fazer uma aliança em prol da educação brasileira. A gente precisa recompor e compor essa escola e garantir que ela continue sendo um sistema de proteção das infâncias e das adolescências. Se a gente tem depressão, suicídio, violência doméstica, vacinação, é lá na escola que a gente pode, junto com a família, lutar para que esses casos diminuam e que a gente potencialize uma sociedade verdadeiramente humanizada, ou homens que estão lutando pela humanização e uma ecologia integral.
E é por isso que a gente pergunta: qual é a real prioridade de uma educação de qualidade social que esteja alinhada a esses problemas que a gente precisa enfrentar? O sistema domiciliar é imprescindível ou é a educação que é imprescindível, a educação escolar junto com a família e com a sociedade unida por ela? É uma modalidade que precisa ser legalizada por quê? Para quem? Para quê? E qual é a educação que a gente quer? Qual é a educação em que a gente acredita?
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Nós estamos sempre abertos ao diálogo. Nós acreditamos no diálogo e nós queremos sempre que a sociedade lute por uma educação fraterna, solidária e que acredite sempre. É possível, sim, gente, estarmos juntos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço a você, Roberta Guedes, Gerente da Câmara de Educação Básica da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), pela exposição.
Houve uma pequena inversão entre o Gilson e a Dra. Angela. Então, passo agora a palavra à Sra. Angela Gandra, que é Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Presidente do Instituto Ives Gandra.
Seja muito bem-vinda, Dra. Angela.
A SRA. ANGELA GANDRA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada.
Agradeço muito a oportunidade de estar aqui com vocês. Na pessoa do Senador Flávio Arns, eu cumprimento a todos presentes e a todos que nos estão assistindo.
Eu vou falar, de fato, como Professora de Filosofia do Direito, como jurista e queria tocar a educação domiciliar como um direito humano. Eu não venho aqui defender um método educativo, mas o direito humano à educação a partir da família, com liberdade e no melhor interesse da criança.
Então, eu queria repassar um pouco a legislação, a começar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos; Convenção Americana de Direitos Humanos, de que somos signatários: "Os pais e, quando for o caso, os tutores têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação [...] que esteja [...] [de acordo] com suas próprias convicções"; nossa Constituição Federal, no art. 205, reza: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho", e no art. 206:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
..................................................................................................................
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
E assim por diante.
O ensino é livre à iniciativa privada, dentro do cumprimento das normas gerais e autorização e avaliação de qualidade do poder público. O.k.
Depois nós temos, em seguida, nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: "A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". "Do educando" é cada educando.
Depois nós temos o acórdão do Supremo Tribunal Federal, que, diante da questão levantada pelo Rio Grande do Sul, ditou: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, [...] [a] educação". A Constituição Federal consagrou o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens, etc. A Constituição Federal não veda, de forma absoluta, o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional.
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Portanto, não é vedada constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na modalidade por conveniência circunstancial ou utilitarista, desde que se cumpra a obrigatoriedade de 4 a 17 anos e se respeite o dever solidário família-Estado, núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação, fiscalização do poder público e assim por diante, bem como as demais previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante às finalidades e objetivos do ensino, em especial, evitar evasão escolar e garantir a socialização do indivíduo por meio de ampla convivência familiar e comunitária. Então, nosso Supremo Tribunal também autorizou como um direito constitucional.
Por outro lado, se nós pegarmos os países, os vários países do mundo e vamos escolher no mundo, mais de 60 nações ao redor do mundo legalizaram a prática, normalmente do primeiro mundo, Canadá, França, Portugal, Bélgica, Áustria, Austrália e países emergentes também, África do Sul, Colômbia, Chile, Equador, Singapura, Taiwan, a Ásia em geral, República Dominicana, Filipinas e assim por diante. Oitenta por cento dos países da OCDE têm o ensino domiciliar legalizado.
E eu gostaria de falar um pouco da experiência que eu tive como Secretária Nacional da Família durante quatro anos, defendendo desde os primeiros cem dias de governo - foi uma das metas -, o direito humano à educação familiar.
Então, eu entendo que, se juridicamente, com base nos direitos humanos e com a forma da lei do nosso próprio Estado democrático de direito, essa educação está autorizada, é preciso se embasar nos valores fundamentais da nossa Constituição que dão a liberdade para o cidadão, para os pais decidirem.
Contextualizando, eu agradeço todas as exposições anteriores, mas eu queria contextualizar o homeschooling no Brasil. Eu morava nos Estados Unidos, eu vi que a prática ali é muito maior, mas muito mais generalizada do que aqui, não? Estudei em Harvard, e em Harvard tinha muitos alunos que vinham do homeschooling. E eu vejo que é uma prática bastante benéfica em termos de preparação científica.
Mas eu queria falar aqui do nosso Brasil. Enquanto eu estava no Governo, nós tínhamos 11 mil famílias, 11 mil famílias homeschoolers. O que eu não posso é não dar o direito a essas 11 mil famílias simplesmente que querem ir por esse caminho, opcionalmente, com base na nossa Constituição.
Eu, particularmente, trabalhei um outro programa muito diferente junto ao MEC. Sabe qual foi o programa? Família na escola. O que eu mais desejei naquele Governo era que a família e a escola fossem efetivamente duas asas para bater junto com os filhos, porque eu acho que essa é a realidade do nosso Brasil. E o que eu via muito, e que até a atividade do homeschooling ajudou, foi ajudar os pais a saírem da sua omissão e da sua delegação à escola, em vez de ajudar na educação dos filhos.
Por isso, nós trabalhamos a autorização dos pais a irem duas vezes por semestre à escola, para ver o desempenho escolar dos filhos, para ver se havia bullying, o comportamental dos filhos.
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E isso que nós trabalhamos junto aos municípios, porque víamos como importante o envolvimento dos pais na educação. E até a pauta do homeschooling trouxe alguma preocupação para os pais de falar: "Poxa, o dever do Estado não pode ser todo em relação à educação. É o meu dever matricular na escola, eu tenho que estar envolvido nessa educação".
Não é o perfil do brasileiro o homeschooling. E não pense que, uma vez legalizado e regulamentado - porque legal já deveria ser -, nós vamos ter muitas famílias homeschoolers. As famílias têm que trabalhar, as famílias têm que sustentar, as famílias... Não é o nosso perfil, mas eu penso que é um direito humano dos pais.
Eu também vi muita preocupação com escolas privadas, de competição: "Será que nós vamos deixar de ganhar dinheiro?". Muitas falaram claramente: "Vai competir conosco. Nós vamos deixar de ganhar dinheiro". Não se preocupem, não vão deixar de ganhar dinheiro.
Por outro lado, a escola pública, por mais que a Patrícia... Acho que foi quem falou aí da governança da escola pública. Nós sabemos, na realidade... Eu acompanho, faço trabalho social em escolas públicas. Não pode se dizer que a escola pública no Brasil está uma maravilha; cientificamente, ela é deficitária. A governança não é... Bom, os professores têm medo dos alunos muitas vezes, porque as situações familiares não são fáceis; há ideologização na escola, e os pais ficam aflitos com essa ideologização; há um certo utilitarismo.
Então, é importante deixar os pais julgarem, porque o pai homeschooler não vai ser o pai pedófilo. Pai pedófilo não tem condição de fazer homeschooling nem está preocupado com a educação dos filhos. O pai que abusa não está preocupado em ter uma educação para dar uma educação.
As crianças que precisam de merenda escolar vão para a escola necessariamente, porque elas precisam da comida. E, aqui no Governo do Estado de São Paulo, até eu achei muito interessante que, agora em janeiro, vai ter a merenda escolar, mesmo que sejam férias, porque isso é prioritário. Eu trabalho na Federação de Agricultura de São Paulo, tenho uma megapreocupação com a segurança alimentar e acho muito interessante. Agora, não é essa família que precisa de comida que vai querer ser homeschooler.
E não dá para generalizar que, tendo um caso de abuso, eu posso dizer que todas as famílias homeschoolers são pedófilas ou abusam. Como a Roberta Guedes, aqui da católica, que citou várias situações do Espírito Santo, eu não posso julgar os apóstolos por Judas, eu tenho que ver uma miríade de coisas boas. E eu digo que, se houver a regulamentação nesse nível que o próprio Supremo Tribunal definiu, nós não vamos ter problema de socialização, de notas, de acompanhamento.
Por outro lado, eu acho que nós temos que dar... Aliás, eu convivi muito com as crianças que são homeschoolers, que têm educação domiciliar durante o meu tempo de audiências e audiências e audiências e audiências no Congresso Nacional. As crianças eram altamente educadas, altamente sociáveis, cultas, não dançavam Anitta, mas sabiam filosofia grega, sabiam música clássica e assim por diante. Eu tive uma experiência altamente saudável com essas crianças. E acho que não é regredir, não é regressão voltar ao homeschooling. Muito pelo contrário, no século XXI, nós temos escolas híbridas, nós temos escolas que vão funcionar pelo método do caso, escolas que vão funcionar por projetos com o acompanhamento dos pais, temos as escolas comunitárias. Eu sou super a favor do dinheiro público para ajudar a iniciativa privada com suas escolas. Eu acho que isso é liberdade - liberdade, criatividade e responsabilidade. Eu aposto na liberdade constitutiva do ser humano. Eu aposto na família como a primeira educadora, junto com escola se a família decidir isso, no melhor interesse da criança. Eu acredito no Estado democrático de direito, a partir da liberdade e dos valores constitucionais, o que de fato permite a nossa Constituição, nesse Estado democrático de direito no qual nós convivemos, com pluralismo de ideias.
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Eu não gostaria que nós impuséssemos aos pais, dentro da responsabilidade deles, o que nós achamos melhor para os filhos deles. Deixem-nos decidirem. E vamos ajudar para que isso seja eficaz. Eu nunca vou saber, nunca vou saber se o homeschooling pode dar certo no Brasil se eu continuar perseguindo, com Conselho Tutelar, etc. e tal, sem dar a oportunidade. Liberdade... Como fala Amartya Sen, desenvolvimento com liberdade, ou seja, eu só posso desenvolver a partir da liberdade. E aí nós vamos ver se dá certo ou não. Mas se eu tiro, se eu castro a família, eu nunca vou saber se isso daria certo. E eu acredito, eu super aposto tanto na democracia, a partir de um Estado democrático de direito, quanto na família e no ser humano. Eu não subestimo a capacidade do ser humano de ser humano e desejar o melhor para sua prole.
Não acho que é o Estado que ama o filho mais do que os seus próprios pais. O que nós temos é que investir para que a família chegue a isso, e cuidar da doença que são os pedófilos, aqueles que abusam, etc. Temos que cuidar dessa doença, mas nós temos que projetar a educação de cada educando, cada um. E só os pais podem saber o que é melhor para os filhos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Eu que agradeço muito a senhora, Dra. Angela Gandra. Como eu já tinha dito, é Doutora em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Presidente do Instituto Ives Gandra, a quem a gente transmite um abraço também.
A SRA. ANGELA GANDRA (Por videoconferência.) - Obrigada, Senador. Muito obrigada, Senador. Vou dar.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Isso. Ele era muito amigo do meu tio, sempre foi muito amigo do meu tio, meu tio já falecido, D. Evaristo.
A SRA. ANGELA GANDRA (Por videoconferência.) - Verdade. Nós temos muito carinho... Tínhamos muito carinho por ele, de verdade.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - É. É verdade. Eu sei disso. Ele comentava com a gente.
Muito bem. Passo, em seguida, a palavra ao Sr. Gilson Luiz Reis, que é Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino.
Dr. Gilson. (Pausa.)
O Dr. Gilson está presente?
Estava, não é?
Dr. Gilson? (Pausa.)
Andréia talvez me ajude por aí, não é?
O SR. GILSON LUIZ REIS (Por videoconferência.) - Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Ah, está bem. Muito bem, com a palavra.
O SR. GILSON LUIZ REIS (Por videoconferência.) - É que o meu som estava interditado aqui, Senador Flávio Arns.
Tudo bom?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Tudo. Com a palavra, Gilson.
O SR. GILSON LUIZ REIS (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado.
Eu queria agradecer, em nome da nossa confederação de trabalhadores em educação privada brasileira. Nós reunimos aí mais de 1,5 milhão de trabalhadores, professores e trabalhadores da administração escolar. E agradeço por participar dessa importante audiência pública convocada por V. Exa. É muito importante esse debate, um debate que nós temos travado ao longo do tempo e que ganhou força no Brasil com a introdução desse neofascismo que tomou conta de uma parte da sociedade e que tenta impor uma lógica que a democracia universal questiona e combate. E nós precisamos cada vez mais construir pontes para enfrentar essa diversidade que nós estamos enfrentando.
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Então, eu traria, primeiramente, aqui três questões gerais, de princípios gerais.
O Aristóteles dizia que o homem é um ser social, pois é da sua natureza viver em sociedade e, ao buscar a felicidade, ele só a encontra na convivência humana, ou seja, Senador Flávio, a nossa experiência humana nesse planeta Terra só se viabilizou na medida em que nós convivemos socialmente, quando nós trocamos as experiências e construímos relações. E a escola foi um grande passo nessa socialização na história da humanidade. Então, a primeira questão que eu queria trazer é isto: nós temos que trazer a ciência e a filosofia para esse debate.
A segunda: o Piaget, que talvez seja um dos principais pedagogos da história da humanidade, diz que a interação com outras crianças é essencial, determinante para o desenvolvimento da infância e da cognição dessa fase da nossa formação. Retirar a criança dessa convivência, dessa relação com seus pares, com seus iguais, que constrói a sua própria identidade, é na verdade retirar a criança de uma possibilidade de construção do seu ser total, do seu ser integral, porque nós não podemos criar um indivíduo com apenas uma lógica, um pensamento, uma posição. Então, a construção da sociedade se dá nessa interação, conforme afirmava e afirma o nosso pedagogo Piaget.
E, se a ciência não nos convence, se a filosofia não nos convence, eu traria um ditado popular que diz que "caititu fora de manada é comida de onça". Esse nós conhecemos porque é da nossa história e das questões que envolvem o nosso cotidiano.
A nossa amiga, que nos antecedeu, da fundação Ives Gandra, relatou a questão da Constituição, mas ela não fez a leitura total da Constituição Federal brasileira, nem da própria posição do Supremo Tribunal Federal. Quando é citada a questão da relação da família, é a família no sentido do substantivo, do total, ou seja, as famílias são responsáveis por acompanhar a sua criança na escola. Ela é parte fundamental. Eu como professor sempre tive experiências e sempre busquei nas minhas relações com as famílias e com a escola dizer a essas famílias que não existe educação sem a presença da família na escola, porque ela é uma forma de interagir, de trocar informações e construir relações. Então, quando se coloca a questão da família na Constituição, ela está falando desse lugar e dessa relação construída, garantida na Constituição Federal brasileira. E aqui não dá tempo de a gente dissecar o art. 205 e o art. 206 da LDB, porque esse nosso tempo é curto, mas seria prudente a gente fazer esse debate, se necessário, até mesmo para a gente poder tirar qualquer dúvida sobre as questões que envolvem o processo de que nós estamos em construção.
Eu penso que - respeitando o Senado, porque eu fui Parlamentar aqui em Minas Gerais durante oito anos, fui Vereador aqui da nossa capital, Belo Horizonte, e sei da dinâmica do Parlamento e da necessidade e daquilo que é permanentemente proposto por pessoas, pela sociedade, por indivíduos, por segmentos, para que seja debatido -, nesse momento da história do Brasil e da educação brasileira, ao contrário de estarmos discutindo a escola domiciliar, nós teríamos que discutir o seguinte, Senador: nós temos milhares e milhares de crianças de zero a cinco anos fora da escola no nosso Brasil - são milhares. O Governo anterior, de que a nossa companheira participou, deixou de construir 5 mil escolas que já estavam definidas para a educação infantil brasileira. Nós temos milhões de crianças sem escola no nosso país. Inclusive o Plano Nacional de Educação determinava que, a partir de 2024, deveria ser universalizada a educação de zero a quatro anos e 11 meses. Nós deveríamos estar discutindo agora, no nosso Brasil, numa perspectiva de futuro, a escola de tempo integral, porque nós precisamos entregar à nossa infância e juventude uma escola capaz de absorver essa criança ao longo do dia, quando seus pais, homens e mulheres, precisam trabalhar para poder sustentar suas famílias e deixar essa criança sob a proteção do Estado, sob a proteção daqueles que têm responsabilidade de proteger as famílias.
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Ora, se nós estão falando que nós temos milhões fora da escola, se nós estamos falando que tem milhões que não têm escola em tempo integral, como é que nós podemos estar discutindo homeschooling? Porque nós estamos discutindo aqui numa perspectiva, talvez, de uma elite, de uma minoria de uma elite brasileira que tem condições de manter o seu filho em casa e contratar professores e professoras para ministrar educação. O que nós estamos discutindo aqui é para 0,01% da população brasileira que pode deixar o seu filho em casa e trabalhar, sob a responsabilidade de outras pessoas que serão contratadas para faze esse exercício. Veja como esse debate está fora do foco das necessidades da sociedade brasileira neste exato momento.
Não só fora, mas, principalmente, eu penso que nós deveríamos fazer algumas perguntas para nós, não é? Se nós estamos falando que nós temos milhões de crianças sem escola, milhões de pessoas sem condições de estudar e nós temos uma sociedade que tem milhões de desempregados, subempregados, em que 67% da PEA brasileira, da população economicamente ativa, estão ou desempregadas ou semiempregadas no Brasil, estão excluídas disso, estão agora se matando no trabalho uberizado para poder sobreviver, o que nós deveríamos estar discutindo é o Estado garantindo a educação e não uma minoria de milionários e ricos querendo constituir um tipo de educação a partir das suas ideologias religiosas e conservadoras e a partir da sua condição material e financeira, porque é disso que trata esse debate aqui.
E eu pergunto aqui para o Senado Federal: quem avaliará essa educação domiciliar? Será a própria família? Será o Estado, que terá de desembolsar dinheiro? Ou será o mercado? Quem vai fiscalizar? Quem vai avaliar essa educação? Quem vai construir uma relação para garantir um direito universal da criança e da infância de direito à educação? É a pergunta que eu faço. Ou o Estado brasileiro vai disponibilizar recurso para que ele possa fiscalizar uma educação que é para atender o interesse de uma minoria da minoria do povo brasileiro? Quem vai acompanhar o processo da evolução da educação dessa infância e dessa juventude? Novamente é o Estado que deverá desembolsar recursos? Será o mercado, que terá os seus interesses particulares? Porque nós temos hoje um setor também minoritário da educação brasileira que se constituiu para garantir a educação domiciliar, para ganhar dinheiro em cima disso. O objetivo é este: ganhar dinheiro em cima da educação. Não é só o grande setor educacional. Esse setor que está se constituindo é para esse objetivo, para entregar a essas famílias que têm dinheiro uma educação desse nível.
Eu pergunto, Senador: quem vai acompanhar as denúncias de violência contra a criança? Esse setor do homeschooling que está pregado em vários lugares defende, inclusive, a questão da ação das famílias de repressão - até repressão - e violência contra as crianças. Quem vai fiscalizar isso? Nós temos dados recentes de 2023: 90% das violências contra as crianças foram nas famílias, nas casas. Há um outro dado, Senador: quem acompanhará a violência sexual contra as crianças? Nós temos hoje, somente no primeiro quadrimestre de 2023, 17,5 mil denúncias de estupro contra crianças, no nosso Brasil; 75% foram nas casas, praticados por pais, por tios, por parentes vinculados a essa família. Quem vai construir essas denúncias? Grande parte, Senador - o senhor sabe disso -, chega aos ouvidos dos professores, das escolas, as denúncias de violência física, de violência sexual contra a criança. Eu não estou dizendo que o homeschooling vai ampliar isso, mas olha o perigo que nós corremos, porque, se uma família não quer o seu filho numa convivência social, quais são os objetivos dela? Há uma preocupação muito grande em se tratar essa questão, porque não podemos permitir que isso aconteça sem que possamos pensar de forma mais plena naquilo que virá a acontecer caso possamos estabelecer esse processo. Eu pergunto: quem se responsabilizará, Senador, pela formação dos indivíduos? Porque a psicologia humana, Freud e outros mais demonstram que a saída dessa infância, que é a fase de construção cognitiva e de condição de formação enquanto indivíduo, vai se dar numa criança desajustada. Há as experiências, como disse a nossa interventora anterior, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo em que impera a violência justamente na infância e na juventude, como nós vemos nas práticas dos Estados Unidos de jovens chegando às escolas e assassinando os seus colegas. Quem vai se responsabilizar por esse desajuste praticado por essas escolas domiciliares?
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Eu teria aqui pelo menos umas dez perguntas a serem realizadas, mas já foi falado aqui que o meu tempo se encerrou. Eu espero, Senador Flávio Arns, que esta Casa, que é uma Casa democrática, que tem responsabilidade histórica com a nossa infância, com a nossa juventude, e V. Exa., que tem uma responsabilidade, e um carinho, e uma determinação extremamente grande e forte na questão que envolve educação, sei que V. Exa. e os Senadores desta Casa não permitirão que uma minoria da minoria imponha à sociedade uma prática educacional que não tem os seus valores constituídos, seja na Constituição Federal brasileira, seja na história da República brasileira, seja na história da educação universal, como elemento para garantir a sua visão conservadora, tacanha, retrógrada para poder garantir aos seus uma escola. Vão para a escola pública, vão para a escola privada, porque é mentira também dizer que a universalização da educação, incluindo o setor privado, não possa garantir a essas famílias uma educação que possam considerar como melhor, porque nós temos várias escolas, de várias posições, de várias ideologias, de vários princípios no nosso Brasil, e tenho certeza de que uma delas poderá se ajustar ao pensamento dessas famílias!
Portanto, nós dizemos não à escola domiciliar, porque ela é um caminho tortuoso não somente para a sociedade, mas fundamentalmente para as crianças que conviverão numa estrutura sem a perspectiva de criar, como dizia Aristóteles, uma relação social para construir a sua vida, as suas identidades e a sua perspectiva de existência; não ao homeschooling; não à escola domiciliar; e sim a uma educação plena de qualidade e democrática para todos e todas no nosso Brasil!
Muito obrigado pela audiência e esta é a contribuição que a Contee quer deixar nesta tarde de hoje, no Senado Federal.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço ao Sr. Gilson Luiz Reis, que é Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino.
Eu só quero esclarecer, particularmente para as pessoas que nos acompanham pelo Brasil, que todos os temas de relevância na área da educação - e há muitos temas importantes - nós estamos debatendo na Comissão de Educação e Cultura. Antes era Comissão de Educação, Cultura e Esporte.
Plano Nacional de Educação. Tivemos dez audiências públicas e já temos o assunto também, em termos de Senado, encaminhado para debatermos isso, não havendo a necessidade de se repetir as audiências.
Sistema Nacional de Educação. Já aprovamos a lei também.
Valorização da profissão docente e dos profissionais da educação. Todo o debate já sendo feito.
Novo Ensino Médio. Criamos uma Subcomissão específica. Já há dez reuniões realizadas, para que a gente possa cotejar o projeto de lei que veio do Governo Federal com os debates que aconteceram na própria Comissão de Educação.
Segurança Escolar. Houve o episódio de Blumenau, de invasão, de morte de crianças. Reunimos Polícia Federal, Polícia Civil, educadores, experiências nacionais e estrangeiras e já aprovamos o projeto de lei, no Senado Federal, nessa direção.
Toda a questão do audiovisual. Uma sessão temática, audiências públicas.
Lei Geral do Esporte, quer dizer, todos...
E o tema homeschooling ou educação domiciliar é um dos temas importantes para uma parcela da população. Eu era Relator dessa matéria até o ano passado. Fui conduzido à Presidência da Comissão de Educação e Cultura, repassei a relatoria para a Senadora Professora Dorinha Seabra, que vem conduzindo também esse debate, mas, enquanto Relator, eu visitei casas de pessoas que ofereciam educação domiciliar; falei com crianças, com jovens, com pais, com famílias; fiz reuniões de videoconferência também, com todos os convidados que eram apontados pelo Brasil; fui a uma feira literária, a uma feira de ciências, para entender exatamente do que nós estávamos falando. Então, nesse sentido, eu quero dizer que é um tema que é importante, por isso que a gente está debatendo.
Inclusive, a Professora Dorinha Seabra indicou inúmeros convidados, a Senadora Teresa Leitão, também o Senador Marcelo Castro indicou outros - eu subscrevi quando, eventualmente, o Senador não estava presente. Então, todo esse debate é importante, é necessário. E todos os temas que chegam à Comissão de Educação interessam, de maior ou menor monta, para uma parcela importante da população, como é o tema homeschooling. Por isso que nós estamos debatendo.
A outra audiência pública será na segunda-feira, pela manhã, às 9h30.
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Com a palavra agora o Sr. Diego do Nascimento Vieira, que é Presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina, que, aliás, já participou também, porque eu próprio presidi três audiências públicas no ano passado. Mas, como eu mencionei no começo, é importante que cada um participe de novo, estabeleça os argumentos, para que a gente possa também pensar e refletir sobre o assunto.
Com a palavra, Diego do Nascimento Vieira.
Eu vi que você está presente aí, não é?
O SR. DIEGO DO NASCIMENTO VIEIRA (Por videoconferência.) - Boa tarde, Sr. Senador Flávio Arns, na pessoa de quem cumprimento a todos os...
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Diego, o seu som está um pouco baixo. Dá para, de alguma forma, aumentar aí?
O SR. DIEGO DO NASCIMENTO VIEIRA (Por videoconferência.) - Melhorou agora, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Eu não sei se é o meu equipamento... (Pausa.)
Eles estão apontando que não melhorou muito, não.
O SR. DIEGO DO NASCIMENTO VIEIRA (Por videoconferência.) - Melhorou agora?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Um pouquinho, sim, mas fale bem perto e bem alto, porque, além de tudo, já sou meio surdo também. (Risos.)
O SR. DIEGO DO NASCIMENTO VIEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Está bem. Ótimo.
Então, boa tarde, Exmo. Sr. Senador Flávio Arns, na pessoa de quem cumprimento todos os demais participantes deste debate.
Bem, represento a Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina, que é uma associação constituída por pais, por professores, por advogados e por demais simpatizantes da educação domiciliar, e todos defendemos que a educação domiciliar... Aí podemos utilizar o termo homeschooling, não é? O homeschooling está em total acordo com o princípio de melhor interesse da criança, é isso que nós defendemos. E aqui falo como alguém que vive 24 horas por dia a educação domiciliar, porque sou um pai educador, já convivo com famílias educadoras há mais de dez anos. Hoje também faço parte do grupo de lideranças da América Latina de homeschooling, grupo ligado à Global Home Education Exchange, na qual tenho contato com diversas famílias das demais circunstâncias da nossa querida e amada América Latina; então, desde famílias na Venezuela, famílias na Colômbia, no Equador, na Argentina, no Uruguai. Enfim, em todos os países da América Latina, o homeschooling está presente, mesmo que em alguns deles ainda não regulamentado, mas as famílias fazem um brilhante trabalho em prol da educação de suas crianças.
E por isso, por conhecimento próprio da causa... E aqui até convido, já deixo o convite para todos: conheçam uma família educadora antes de falarem sobre o tema. O Senador Flávio Arns fez um brilhante serviço a nós, à nossa causa, visitando uma feira literária, conhecendo famílias reais, crianças reais que vivem em educação domiciliar, visitando uma feira de ciências. Aqui em Santa Catarina, no último encontro fizemos um torneio de xadrez, para os senhores terem uma ideia. As crianças têm um excelente convívio, uma excelente socialização, torneio de xadrez somente com crianças homeschoolers. Isso comprova que o homeschooling já é uma realidade no Brasil.
Os senhores não podem achar que nós vamos ficar invisíveis à sociedade. Não, caríssimos senhores, o homeschooling já é uma realidade no Brasil. E posso dizer mais: ele é uma realidade imparável. E aqui não estou desafiando ninguém, só digo que é uma realidade imparável porque é a primeira modalidade de ensino que existiu na história humana. Desde que o mundo é mundo, existe a educação familiar. Ninguém conseguiu parar a educação familiar em todo esse percurso da história humana, e não vão conseguir parar, porque a família tem a primazia na educação de seus filhos.
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Aqui estamos na presença da Anec, representante das escolas de educação católica no Brasil. A Anec, como representante e citando aqui o ensinamento social da Igreja Católica, sabe muito bem o posicionamento da Igreja. Desde o Código de Direito Canônico, de 1917, desde o Divini illius Magistri, que é a carta magna de educação da igreja, desde o Gravissimum Educationis, documento do próprio Concílio Vaticano II, desde o Código de Direito Canônico de 1983, que a Igreja Católica reconhece a primazia da família na educação e na criação dos seus filhos como um direito inviolável. É um direito inegociável a primazia da educação da família na educação de sua prole.
E mais: não é apenas um direito. Isso tem que ficar muito claro. As famílias educadoras assumem a gravíssima obrigação de educar. É um dever dos pais educarem os seus filhos, e a educação domiciliar está preocupada com isso, em cumprir o seu dever na educação dos seus filhos.
A criança é o sujeito da educação. Ela precisa ser educada. Todos nós aqui, todas as nossas famílias, todas as nossas instituições do Brasil devem se preocupar com a educação de nossas crianças, simplesmente porque nossas crianças são o tesouro de nossa pátria e, como tesouro, precisam de proteção, precisam de cuidado e precisam de uma educação de qualidade, com dignidade, com liberdade, e não há educação sem liberdade; não há dignidade sem liberdade. E nós, como Afesc, defendemos a liberdade educacional.
Então, caríssimos senhores, somente para complementar: nossa instituição, a Afesc, já está ativa há mais de quatro anos, indo para o quinto ano, e, assim, acompanhando diariamente famílias educadoras além de Santa Catarina, em outros estados do país também, porque temos uma grande amizade com as demais associações de famílias educadoras.
Então, o homeschooling só cresce no Brasil por quê? Porque há, cada dia mais, esse chamado, esse clamor para que as famílias assumam o protagonismo na educação de seus filhos. Os pais são os primeiros que devem acordar para a obrigação de educar os seus filhos. O cidadão, como lembra muito bem o Papa Pio XI, o cidadão, para ele existir, ele precisa passar pela família. Então, o homem primeiro nasce na família, não nasce do Estado. Não é no Estado que o homem nasce. Então, antes de se tornar um cidadão, ele precisa existir, e a existência se dá pela família, e, por isso, é um direito natural na educação das crianças que a família eduque e crie essa criança e que ela decida o que é melhor para essa criança.
Aqui ouvimos vários argumentos contrários ao homeschooling, mas não apresentaram um sequer com embasamento empírico, com dado científico, que trate exclusivamente de homeschooling.
Querem dizer que o homeschooling vai aumentar o abuso contra as crianças. Não há um estudo no mundo todo que comprove isso, a ligação do homeschooling... Uma grande prova são os mais de 60 países em que o homeschooling é aprovado: em nenhum desses países aumentou o abuso contra a criança depois que o homeschooling foi regulamentado. E aqui não estou falando apenas de Estados Unidos, de países do Primeiro Mundo, porque muitos aqui já têm um preconceito: só porque está muito distante, não é realidade do Brasil. Não. Estou falando de países que estão tão subdesenvolvidos quanto o nosso.
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O homeschooling não é causa de abusos contra crianças. Pelo contrário, há um abismo de diferença entre família abusadora, família desestruturada, pais com problemas psicológicos e demais questões, pais criminosos, pais traficantes, etc., e os pais educadores, as famílias educadoras.
E, aqui, caríssimos senhores, a partir do momento em que os senhores falam que apenas a escola é o ambiente de proteção para as crianças, como assim?! Os senhores estão sinuando que todas as famílias brasileiras - não apenas as homeschoolers, não, todas as famílias, inclusive as suas famílias, os seus parentes, todas as famílias brasileiras - são potenciais agressoras de criança, potenciais abusadoras de direitos de criança?! A partir do momento em que perdem totalmente a confiança na família, a instituição sagrada, instituição que é a base da nossa sociedade... Qual o maior bem da nossa pátria, se não as crianças e nossas famílias? Os senhores devem mais respeito ao se dirigirem a essa instituição sagrada pela nossa Constituição, como base da nossa sociedade. Se a nossa sociedade não vai bem, é porque justamente a base não vai bem!
E, agora, com todos esses problemas no decorrer da nossa sociedade e nas demais instituições que são claríssimos - muitos aqui sabem, vivenciam diariamente esses problemas -, ainda querem reprimir, querem proibir as famílias educadoras de prestar um bem comum para a sociedade, de bem educar os seus filhos?! Tanto clamam para que as famílias eduquem os seus filhos, e agora, quando as famílias querem assumir a educação, querem privá-las?! Não, caros senhores! Não existe educação sem liberdade educacional, não existe educação sem a família. A família tem a primazia da educação na sociedade, da educação das crianças que compõem a sociedade. A família é o primeiro núcleo social da criança. Mais uma vez, repito, é na família que se tem o ambiente primordial para a socialização das crianças; é na família que as crianças aprendem os valores e princípios que vão formar a sua personalidade e o seu caráter.
Por exemplo, meu filho, hoje com 16 anos, já ensinou a mais de cem crianças xadrez! Meu filho, hoje com 16 anos, já dá aula para mais de vinte alunos de latim! Ele não está recebendo um pleno desenvolvimento, ele não está recebendo uma formação para a cidadania, com tantos alunos, crianças que ele está acompanhando educacionalmente, ajudando os pais na formação daquelas crianças?!
O homeschooling já é uma realidade imparável no Brasil, meus caros. Não podemos esquecer isso.
A regulamentação, Sr. Flávio Arns, se faz muito necessária, porque, aqui, em Santa Catarina, para comprovar que nós não somos criminosos, nós lutamos por leis municipais, lutamos por lei estadual, assim como, no seu estado, no Paraná, apoiamos muito a lei estadual. E, aqui, em Santa Catarina, a lei foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina após uma ADI do Ministério Público de Santa Catarina. Qual o argumento? Que a lei de homeschooling deve vir do Congresso Nacional para as famílias e as crianças, os alunos, terem o direito público subjetivo ao homeschooling. Então, está nas mãos do Senado, atualmente, acabar com essa perseguição contra as famílias educadoras.
Temos um caso concreto de uma família que está recebendo uma gravíssima perseguição aqui em Santa Catarina, com uma multa de mais de R$100 mil simplesmente por querer dar a melhor educação ao seu filho. O menino adolescente de 14 anos, atualmente, nunca foi visto pelo conselho tutelar, pelo Cras, pelo Ministério Público e muito menos pelo Poder Judiciário! Como ameaçam uma família, através de uma liminar, assinada por um juiz, de perda de guarda de uma criança apenas por a família optar pelo homeschooling? Olha o abuso tremendo que essa insegurança jurídica, pela falta da regulamentação, nos dá, como famílias educadoras.
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Em todos os casos em que o Ministério Público abriu estudos contra a família, estudos sociais que tiveram todos os relatórios, não teve um em que a família não tenha cumprido com os seus deveres na formação intelectual e social da criança, mas para os argumentos do Judiciário, não tem direito público subjetivo, porque falta a regulamentação do Congresso Nacional. Então, o Poder Judiciário está fazendo o papel dele, jogando essa responsabilidade para o Senado Federal. É isto que viemos clamar aqui aos Srs. Senadores: essa sensibilidade para acabar com a perseguição a essas famílias que tanto amam seus filhos e que estão se dedicando ao máximo pela sua formação integral, de corpo e alma, muito mais além do que apostilas, livros didáticos; muito mais do que isso, minha gente, é uma formação social de verdade, uma formação física, intelectual, moral, espiritual, psicológica, emocional, uma formação completa de fato.
O homeschooling é uma realidade imparável no Brasil.
Fica aqui o meu abraço a todos. Até esqueci, coloco-me à disposição para dar continuidade no debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço a você - me permita chamá-lo assim -, Diego do Nascimento Vieira, que é Presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina (Afesc), com quem a gente até já havia conversado anteriormente também, seja em reuniões, seja em audiências públicas também.
E sempre lembro às pessoas que nos acompanham pelo Brasil que a prática de audiência pública é uma prática habitual dentro do Congresso Nacional. Também nas assembleias deve ser assim, nas Câmaras de Vereadores: há um tema, e a gente convida... Não só eu convido; os Senadores e as Senadoras que fazem parte da Comissão de Educação e Cultura apresentam os requerimentos para que as pessoas possam participar da audiência pública. Então, todas as instituições hoje, os nomes foram aprovados pela Comissão de Educação. Então, todos têm que ter assegurado o direito de expressar o que pensam sobre o assunto, a gente gostando ou não, concordando ou não, vendo que pode ser de outro jeito ou não, mas o debate tem que acontecer, está certo?
Então, essa compreensão tem que haver, de todos os que não estão habituados, eventualmente, com o processo legislativo.
Muito bem, como nós havíamos dito no início, nós voltamos para o primeiro convidado ou convidada para fazer algumas considerações, se julgar importantes, em função do que foi dito, alguma coisa que faltou na exposição inicial, considerações. Vamos pensar assim agora: antes foram dez minutos; até cinco minutos. Estaria bem assim? Até cinco; pode ser menos. Pedimos que podem terminar quando bater a campainha. Como eu disso antes, não sou eu que bato o sinal; é automático, mas são cinco minutos. Estaria bem?
O.k.
Não havendo objeção, porque também é difícil fazer objeção à distância, então, começamos com a Priscila Cruz, que é Presidente do movimento Todos pela Educação.
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A SRA. PRISCILA CRUZ (Para expor. Por videoconferência.) - Senador Flávio, eu acompanhei aqui as falas, então, na verdade, eu acho que eu vou usar menos de cinco minutos. Eu só queria fazer três considerações.
Primeiro, pegando de trás para frente, Sr. Diego, assim, de forma alguma, eu acho que quem é que coloca preocupação em relação às violências possíveis que podem acontecer na infância, quer dizer... E já acontecem no país, a gente não está fazendo aqui nenhuma relação entre as famílias que são educadoras, dentro da educação domiciliar, e o abuso; a gente não está fazendo esse tipo de acusação, de forma alguma. O que a gente está dizendo é o seguinte: se essa é uma prática que começa a não ter uma regulamentação para casos específicos, a gente aumenta a chance e o risco dessas crianças. Então, acho que é importante a gente colocar aqui essa preocupação. O Brasil, como disse o Cláudio, infelizmente, é um país violento. Esse tipo de violência contra crianças e adolescentes acontece de forma muito extensiva no país todo, em todo o território nacional, então a gente não pode fechar os olhos em relação a isso. A mesma coisa em relação ao trabalho infantil, o trabalho doméstico de crianças. Então, quer dizer, qual que é a capacidade do Estado brasileiro em fazer o acompanhamento e a fiscalização se esse tipo de ensino virar algo completamente descontrolado e geral no país? Então, acho que realmente a gente precisa ter essa preocupação, então queria aqui fazer esse comentário.
O outro é sobre a complexidade dos conhecimentos que a gente tem. Ainda bem que a gente vive numa era em que a ciência - ou, pelo menos, a gente imagina que as pessoas se guiam pela ciência - é um processo cumulativo, cada vez mais a gente tem acúmulo de conhecimentos, de ciência, de complexidade. Então, imaginar que uma família vai dar conta de formar crianças e jovens, tendo incorporado todo esse conhecimento que a humanidade acumula, eu acho absolutamente impossível. Pode ter uma aula de xadrez, uma aula de latim, mas garantir a Base Nacional Comum Curricular para todos os estudantes, o acúmulo do conhecimento da humanidade que vem sempre produzindo e o tempo inteiro se renovando... Então, eu acho que a gente priva essas crianças e jovens de um conhecimento do século XXI, muito diferente de quando a gente estava falando de séculos atrás, quando a família ensinava um ofício que era passado de família, de geração para geração: avô sapateiro, pai sapateiro, filho sapateiro e aí vai passando o ofício. A educação não é para esse tipo de transmissão de conhecimento que uma família é capaz de transmitir. Então, a não ser que a família tenha ali condições de se formar em licenciatura em todas as disciplinas, enfim, acho que isso é algo também absolutamente impossível. Então, realmente a gente precisa proteger os estudantes brasileiros para que eles tenham acesso a esse arco de conhecimentos esperados na educação básica.
E, por fim, eu queria colocar aqui que, de novo, é proteção física, integridade física das crianças, física, emocional, social dessas crianças, é garantia das aprendizagens e também a gente está falando aqui de vários desenvolvimentos que são, aqui eu arrisco dizer, impossíveis de serem adquiridos quando a criança não convive com uma diversidade de pessoas, quando ela não convive em espaços públicos diversos. Então, também tem aqui uma preocupação em relação ao futuro das próximas gerações, que precisam estar preparadas para uma realidade de uma sociedade cada vez mais diversa, complexa, em que você precisa conviver com o diferente. E, se a família não concorda com outros adultos, outras crianças, que bom, a escola é um lugar para diálogo, a escola é um lugar para você poder, justamente, colocar as discordâncias de uma forma saudável. Então, quando tem aqui uma discordância em relação à frequência da criança em espaços em que a família não se sente à vontade, o que a gente precisa, justamente, nesse país, é criar espaços de convivência saudável, para que todo mundo consiga conviver de uma forma pacífica, em que o diferente não é seu inimigo. Então, o diferente não é seu inimigo.
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Então, é importante que a gente tenha, sim, uma regulamentação, mas para casos excepcionais, e não para generalizar essa oferta no país.
Muito obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço à Priscila Cruz, Presidente do movimento Todos pela Educação.
Eu só vou ter que fazer uma pequena alteração aqui e depois segue a ordem natural.
Passo a palavra agora à Sra. Roberta Guedes, Gerente da Câmara da Educação Básica da Associação Nacional da Educação Católica do Brasil (Anec).
A SRA. ROBERTA GUEDES (Para expor. Por videoconferência.) - Quero agradecer a gentileza por terem me chamado na frente, porque eu realmente tenho um outro compromisso.
Quero finalizar essas palavras dizendo que nós da Anec acreditamos muito no que o Papa Francisco coloca, que é um pacto global educativo. E o que a gente sonha junto? A gente sonha em construir uma aliança entre a escola, a família e a sociedade. A gente acredita, e sonha, numa educação que coloca a pessoa no centro, a pessoa enquanto formação integral, numa educação que gere compromisso comunitário e não solitário, numa educação comprometida sempre com o diálogo e a paz, com a economia solidária e com a ecologia integral.
Então, nesse sentido, a gente quer reforçar a todos e todas as pessoas que nós estamos sempre abertos ao diálogo e que estar aberto ao diálogo quer dizer militar contra os discursos de ódio. Eu fico muito reflexiva quando a gente olha os chats. Eu até brinquei assim, "eu não vou olhar mais o chat", porque é um discurso em que, em vez de ser do diálogo, se critica até porque a gente fala do diálogo. Mas nós vamos continuar falando do diálogo.
Então, a gente acredita, sim, na parceria entre família, escola e sociedade; a gente acredita, sim, na importância dos valores e na importância da família; como a gente também acredita na importância da educação escolar enquanto sistema de proteção e de local onde juntos podemos construir sempre pontes, porque a gente quer ser ponte, a gente não quer ser muro. E todas as vezes em que houver um discurso de ódio, a gente vai falar do discurso do amor. Pode ser piegas, pode ser banal, mas para nós é essencial, e a gente acredita, sim, que todos precisam ser acolhidos.
E aí eu reforço muito as palavras da Profa. Priscila, que haja uma regulação para exceções, mas que o Estado brasileiro, junto com as nossas famílias, junto com toda a sociedade, junto com o sistema de educação pública e privada, continue fazendo uma educação de qualidade social.
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Muito obrigada pela oportunidade.
E a gente está aqui sempre sendo uma ponte.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço de novo à Roberta Guedes, da Anec, pela participação. É um prazer revê-la também. A gente já participou de tantas audiências em conjunto.
Passo, em seguida, a palavra ao Sr. Cláudio Augusto Vieira da Silva, que é Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Com a palavra, Cláudio.
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde.
Agradeço a oportunidade de ter participado desta audiência pública.
Peço desculpas, porque também tenho um compromisso agora, que já até iniciou, e vou ter que sair assim que acabar aqui.
Eu quero só reforçar essa posição que foi colocada agora. Nós temos que estar abertos ao diálogo, nós temos que conviver com as diferenças.
Tem um estudioso que já nos colocou uma proposta para o processo educativo, que não é exclusivo da escola, mas, sem ela, não há, que não é exclusivo da família, mas sem ela cumprindo seu papel da referência familiar, também não há. Portanto, o que nós precisamos regular são as exceções. A regra é a boa escola pública, é a convivência.
Um desses estudiosos nos chama a atenção para a função da educação. E vou lembrar aqui os quatro princípios que ele coloca de que a educação tem como função: nos fazer conhecer; aprendermos a fazer as coisas; aprendemos a conviver conosco, com outro e com o nosso entorno, que pode ser um entorno local ou ampliado; e, com isso tudo, aprendemos a ser. Eu acho que isso nos ajuda muito nesse diálogo.
Não há, de forma alguma, aqui, uma posição de que "vou parar isso", "vou parar aquilo", "vou continuar isso", "vou continuar aquilo". Nós temos a grande responsabilidade de pensarmos o que é melhor, respeitando as necessidades das crianças e dos adolescentes, o que podemos deixar de melhor terreno para que eles possam fazer a sua caminhada. E, sem dúvida alguma, uma das obrigações do Estado moderno é a educação, é a valorização do profissional, é a valorização daqueles que se dedicam a construir com as crianças as suas perspectivas de vida.
Então, eu agradeço muito essa oportunidade e peço mais uma vez desculpas, mas eu não tenho mais condições de ficar aqui.
Muito obrigado, viu?
Até logo.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Eu quero agradecer a você, Cláudio, Presidente do Conanda.
Eu só quero dizer que eu já fiz parte do Conanda vários anos atrás e quero sempre lembrar para mim, como uma referência na área da criança e do adolescente aqui no Paraná, e prestar uma homenagem para ele, que é o ex-Procurador-Geral de Justiça Dr. Olympio de Sá Sotto Maior Neto, que sempre se empenhou muito também nessa área, continua se empenhando - é muito ativo ainda - e é uma referência para todos nós aqui no Paraná.
Mais um abraço para o Conanda e para todos os membros do Conanda.
Obrigado, Cláudio.
Passo, em seguida, a palavra à Profa. Patrícia Raquel Baroni, que é, como eu já mencionei, Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e representante da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
Profa. Patrícia, colega professora.
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A SRA. PATRÍCIA RAQUEL BARONI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, agradeço mais uma vez pela oportunidade de poder tecer esse diálogo, de poder participar com os colegas, independentemente das visões que estão aqui apontadas, e é isso que de fato enaltece o debate. Agradeço por todas as colocações que foram feitas, que nos fazem refletir bastante. E assim, destaco que eu estou aqui hoje falando desse lugar, do lugar da ciência, do lugar da pesquisa científica no campo da educação e o que a pesquisa científica tem a contribuir para o debate, até porque, em determinado momento, em uma das falas foi colocado: "Olha, ninguém trouxe dados que legitimam que pais de homeschooling sejam abusadores". De fato, nós não temos, porque ninguém disse aqui que (Falha no áudio.)... essa aí não foi uma fala de nenhuma das pessoas que participou desse debate. O que a gente tem, de fato, é uma pesquisa que comprova que a maioria dos casos de denúncias recebidas... Disso a gente tem dados científicos, de várias pesquisas, dados censitários também, que afirmam que várias... A maioria, na verdade, são 70% dos casos, em 2020... Foi uma pesquisa feita pelo Datafolha, em que 70% dos casos de abuso sexual e violência contra crianças se deram dentro do ambiente familiar.
Aí, eu só queria ressaltar brevemente a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 8.069/90, que estabeleceu e criou os conselhos tutelares, e o principal interlocutor desses conselhos tutelares é a escola. Então, se esses casos chegaram à tona é porque a gente teve uma escola que fez essa parceria e que pôde também favorecer essa denúncia.
Então, acho que é isso. Se a gente for analisar também, nós não temos dados antes da década de 90, por exemplo. Há poucos registros acerca dessas denúncias porque simplesmente não havia meios para fazê-las. Então, são dados importantes que a gente tem. E pensar que a educação domiciliar... Nós temos famílias que desenvolvem, famílias que participam.
Também é um erro dizer que eu nunca acompanhei, eu nunca ouvi alguém que tivesse vivenciado... Inclusive, eu fui orientadora de uma pesquisa recentemente desenvolvida na Universidade do Porto, de uma pesquisadora que falou sobre comunidades de aprendizagem no Brasil. Então, nós temos um acompanhamento, nós temos as narrativas das famílias, temos tudo isso. O que a gente está trazendo é o resultado de um conjunto de pesquisas em nível nacional. Então, é cuidado importante para a gente tomar, quando a gente acaba pegando determinados fragmentos e fazendo algumas associações que são inconsistentes.
Finalmente, o grande convite que eu deixo enquanto membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e enquanto professora que fui, durante tanto tempo, da educação básica, em escola, é justamente que a gente busque, que as famílias que estão nos assistindo, que estão nos ouvindo busquem as escolas, busquem o diálogo com as escolas. A escola também é um lugar de diálogo, a escola também é um lugar onde opiniões divergentes precisam ser dadas, precisam ser colocadas, para que de fato a gente consiga oportunizar, possibilitar e permitir às crianças e aos adolescentes o direito de crescer num ambiente plural. É dentro da pluralidade que a gente consegue o desenvolvimento e a qualidade na educação e nos processos educativos. Não é dentro da restrição; é dentro da pluralidade.
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Então, é isso. E eu gostaria aqui de agradecer a todo mundo.
Obrigada. Uma boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço de novo à Profa. Patrícia - não havia ativado meu som aqui -, tida como expositora. Seja sempre muito bem-vinda à Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal.
Gilson Reis, que é Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino.
A Dra. Angela está levantando a mão. Gostaria de falar agora?
A SRA. ANGELA GANDRA (Por videoconferência.) - Antes dele; mas também, se ele quiser falar, eu falo depois.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Isso, eu até perguntei exatamente isso, mas como acharem melhor.
Gilson, vamos...
Só que o seu som está fechado, Dra. Angela.
Sim?
A SRA. ANGELA GANDRA (Por videoconferência.) - Senador...
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Está fechado. Agora... Não, fechou de novo. Agora...
A SRA. ANGELA GANDRA (Por videoconferência.) - ... mutado por vocês. Está mutado...
Agora sim.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Sim, agora está aberto.
A SRA. ANGELA GANDRA (Por videoconferência.) - Não, eu também... Se ele precisa falar antes, não tem problema, eu espero.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Está bem.
Então, Dr. Gilson Luiz Reis, Coordenador-Geral, como eu já falei, da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino.
O SR. GILSON LUIZ REIS (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, é dos trabalhadores, porque senão fica parecendo que a gente é proprietário de escola; é dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino.
A primeira questão que eu queria trazer a este debate suscitado aqui nessa tarde é o tema que parece que ganhou repercussão nessa segunda volta da nossa discussão, que diz respeito à questão da violência contra a infância e a juventude. Os dados são de estudos do Ministério da Educação, do Ministério da Cidadania, de vários ministérios, de organismos internacionais. Estão disponíveis à sociedade. E esses estudos apontam que grande parte da violência, acima de 70%, vem da família. Essa é uma realidade científica, com estudo e com pesquisas. Então, nós não podemos refutar a pesquisa e a ciência em nome de qualquer outro objetivo. Quando nós estamos falando que a ausência da criança na escola poderá potencializar a violência contra ela, é porque os dados também remetem que grande parte das denúncias que chegam às escolas - e a grande parte chega à escola, para os seus professores e pessoas ligadas à educação - são a porta de saída para denúncia daquilo que veio acontecendo.
Então, vamos imaginar o seguinte... O representante das escolas homeschooling de Santa Catarina diz "nós somos família educadora". Eu acredito, tudo bem; são famílias educadoras, famílias prósperas, famílias responsáveis. Bom, mas, se a gente abre para todo mundo ter a possibilidade de fazer homeschooling, todas as famílias são dessa estirpe, dessa condição? Ou se imagina que poderá ser feito por uma parte das famílias endinheiradas ou que têm condições de fazer, e as outras serão proibidas? Então, na medida em que você constitui uma lei, você garante para todos, sem exceção. E, na medida em que abre para todos, há uma grande preocupação de dizer: isso vai potencializar o processo de violência contra a criança. Não tenhamos dúvidas disso - não tenhamos -, porque, se a família já tem essa posição, essa visão de violência, seja física, seja sexual, e tem uma lei que lhe possibilita fazer esse movimento, ela poderá fazer isso e vai aumentar muito a possibilidade de essa criança ser submetida a todo tipo de violência sem que o Estado possa sequer chegar a essa pessoa. Esse é o primeiro elemento, e eu acho que precisa refletir sobre isso.
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A segunda questão é sobre a posição da associação aí de Santa Catarina e de outras associações. Nós não temos regulamentação, a lei não está definida, mas, como diz ele, é imparável a homeschooling, ou seja, nós vamos fazer à revelia do Estado, à revelia da lei, à revelia da regulamentação, porque nós não vamos permitir qualquer intervenção do Estado na nossa posição individual. Ora, sem regulamentação, sem lei, sem critério pedagógico, sem critério curricular, eu considero que isso é crime. Por isso que a Justiça está mandando pagar multa de 100 mil e poderia ter outras repercussões. Então, na medida em que eu falo que vou fazer e não aceito nenhuma intervenção, nós estamos fazendo à revelia da lei e à revelia do Estado democrático de direito, porque o Estado democrático de direito se legisla através das leis e não através da minha posição individual que eu quero impor ao Estado. Então, é muito grave o que eu escutei aqui, muito grave.
Uma terceira questão que veio ao debate aqui é a seguinte: ora, nós precisamos, talvez, quem sabe, fazer as excepcionalidades através da lei e não aberto para todos que queiram fazer, porque nós consideramos que a escola é um bem público, um direito da criança, da família e da sociedade e, portanto, o Estado tem que garantir essa escola de forma plena. Então, vão abrir alguns critérios. Mas quais os critérios? Para quem? Porque, se esse é um caminho a ser seguido, nós temos que aprofundar essa discussão, porque para mim, até este exato momento, nós temos que recusar essa prática escolar porque, por todos os dados históricos da educação global, universal, todos os dados pedagógicos, todos os dados que nós temos, ela conspira e afirma, através de estudos científicos, que isso não será um caminho profícuo, um caminho de formação plena para essa criança. Então, eu penso que, se esse é um caminho a ser pensado, precisamos retomar todo o debate a partir de critérios e pensamentos.
Então, eu concluo aqui e agradeço, Flávio, pela oportunidade. E, quando eu disse sobre a questão do debate, não foi, em hipótese alguma, dizendo da importância do debate, qualquer debate. Eu sou uma pessoa democrata. Acho que a gente precisa fazê-lo. E até me remeti ao meu papel de Vereador em Belo Horizonte. Eu fazia muitas audiências públicas que eram propostas pela sociedade. Esse é um papel do Parlamentar, eu tenho consciência disso. Mas a minha preocupação é a de que nós estamos no momento da história do Brasil com tantas dificuldades, com tantas e profundas dificuldades, e nós temos temas prioritários a serem debatidos neste momento, que precisam estar no cotidiano do no nosso debate. Então, parabéns! Acompanho o Senado, acompanho o seu mandato, acompanho os debates aqui, participei várias vezes. E pode novamente aí contar com a Contee para essa discussão e o aprofundamento eventual de outras discussões que virão com esse tema.
Obrigado, uma boa tarde.
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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Obrigado a você, Gilson Luiz Reis, que é Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino. Foi bom ter enfatizado essa característica do Legislativo de debater, de trazer os assuntos para audiência pública, para reflexão não só, aqui no nosso caso, do Senado, mas também da sociedade toda que nos acompanha.
Passo, em seguida, a palavra à Dra. Angela Gandra, que é Doutora em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Presidente do Instituto Ives Gandra.
Com a palavra, Dra. Angela.
A SRA. ANGELA GANDRA (Para expor. Por videoconferência.) - Em primeiro lugar, muito obrigada, Senador, por trazer o debate. Eu também agradeço muito pelo pluralismo democrático de a gente discutir e ouvir as razões de cada participante e penso que esse debate tem que ser levado adiante para que nós logo possamos regulamentar o que foi confiado ao Congresso Nacional.
Eu queria... Não sei qual é a formação do Sr. Gilson, se ele é também advogado, jurista, não sei, mas o que eu queria dizer é que os dados que eu trouxe, constitucionais, são também interpretados segundo as atas da Constituinte, que é quem nos pode informar sobre o que quis dizer o nosso Constituinte que nos uniu num Estado democrático de direito. Por outro lado, eu posso afirmar que na Constituição a consideração de família não significa famílias e, por outro lado, quando a Constituição destaca a família como base da sociedade... Por que a família tem a proteção do Estado e é considerada base da sociedade? Porque a família gera e educa. Nós não somos um potrinho - nós não somos -, que nasce e já vai para o campo, ou seja, nós temos que ser educados. Essa educação começa na família, e a família tem proteção do Estado especialmente pelo seu dever de educar aqueles que ela gera - a família, cada família!
Por outro lado, eu gostei muito do que levantou o Diego, afinal... Aliás, também nesta audiência, estamos só nós a favor do homeschooling, mas eu acho interessante os dados empíricos também, porque é preciso ver. Olha, gostei muito, Senador, que o senhor tenha ido para conhecer uma família, conhecer a situação, porque eu sempre falo: é muito difícil tomar decisões de laboratório sem conhecer a família, cada família que realiza o homeschooling.
Por outro lado, quando eu falo de educação, eu não estou falando de violência. A discussão do homeschooling é um modo, uma maneira de educar dentro da liberdade. Agora, eu não posso falar: "Não, nós queremos dizer que tem abuso, que tem não sei o quê. Então, por isso nós não podemos dar o homeschooling". Não, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Se há violência, se há estupro, se há o que for na família, eu tenho que ir lá para cuidar. Se uma criança está dentro da família, é evidente a criança está dentro da família. Então, onde vai ocorrer a violência? Na família. É como falar: "Olha, se matam baleias. Imagina-se que se matam baleias no oceano". Nossa, lógico, porque as baleias estão no oceano e as crianças estão dentro da família. Agora, a questão do homeschooling não é uma questão de violência, e a violência doméstica contra a criança, a pedofilia vai continuar igual, porque as famílias homeschoolers não são abusivas. O homeschooling exige muito sacrifício da família. E eu falo: "Poxa, como é que nós vamos barrar um desejo tão nobre de uma família querer educar os seus próprios filhos?". Ainda que também eu goste muito da escola. Se eu tivesse que escolher, eu iria pôr os meus filhos na escola. Eu acho interessantíssima a união família-escola. Agora, o que eu não quero é barrar a liberdade.
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Eu vou dar um conceito de liberdade filosófica. A liberdade... Quer dizer, ninguém pode ser barrado de fazer o bem. Hoje, em nome da liberdade, nós estamos debatendo as drogas. Por que a pessoa não pode se drogar? É um bem se drogar? Agora debatemos o aborto, a liberdade da mulher de matar seu próprio filho no seu ventre. Estamos discutindo. Enquanto não tem regulamentação, tem muitas pessoas abortando, porque se sentem no direito de abortar, e os médicos acobertam o estupro. Eu vi isso bastante. Ou seja, não está regulamentado, então nós vamos fazer de qualquer jeito, fingindo que é estupro. Todo mundo é estuprado no Brasil, só que ninguém quer boletim de ocorrência. Então, não está regulamentado, mas eu posso exercer essa liberdade para o mal, que é botar uma criança no lixo, certo?
Agora, eu não posso ter a liberdade de educar o meu filho? É isto que eu quero dizer: vamos dar essa liberdade, vamos ver o que acontece e vamos ver se vai aumentar a violência. Vamos ver, porque as crianças, bem ou mal, pela regulamentação, vão ter que ser acompanhadas pelo Estado. E não tem problema. Ninguém está com medo disso. Todo mundo quer essa regulamentação. Agora, por favor, vamos dar essa liberdade para os pais, porque nós estamos num país que ainda respira liberdade, ainda deseja liberdade. Então, por favor, Estado, deixe que nós possamos exercê-la.
E por outro lado, Congresso Nacional, Senador, por favor, acuda esses pais que têm esse direito. E vamos ver depois as consequências da liberdade, porque Deus dá essa liberdade para nós e cobra o risco dessa liberdade. Nós fomos criados assim. E a liberdade é o maior dom constitutivo do ser humano.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço de novo, Dra. Gandra. Já que a senhora mencionou, eu só quero dizer que eu, de fato - porque era Relator, como eu falava -, entrei em contato, eu diria, com dezenas de famílias que optaram por essa modalidade, se puder chamar assim, por enquanto, de educação domiciliar. Mas eu até sugeriria que seria interessante também as pessoas, em geral, procurarem as federações, como tem lá a de Santa Catarina, que obviamente se colocou à disposição, para ver, porque eu falei com o pai, com a mãe, mas falei com o filho, a filha também.
E alguma coisa... E eu me impressionei muito, por exemplo, com uma situação de uma moça muito inteligente - já tinha terminado o conteúdo da educação básica -, fenomenal, competente e que tinha 17 anos de idade. Ela não podia fazer o vestibular, porque ela tinha que regularizar a vida escolar antes. E só podia regularizar com a idade de 18 anos, no Encceja, que é o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos. Então, isso complicava muito a vida dela.
Então, a gente, na verdade, tem que, como a Priscila e os outros falaram, examinar assim os casos. E a gente sempre diz também que é importante que as famílias mostrem o que estão fazendo, porque eu também fiquei pensando o que significa educação domiciliar; o que vocês fazem; como é que fazem; por que fazem - que são as perguntas que foram levantadas aqui, não é? E esse contato acabou, assim, me oferecendo muitas respostas que eu estava procurando conseguir.
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Então, eu passo em seguida, assim...
Dra. Angela, só o microfone é que está fechado, não é? Ainda está...
A SRA. ANGELA GANDRA (Para expor. Por videoconferência.) - Eu tenho uma reunião agora e já estou um pouco atrasada para ela. Eu peço desculpas, eu vou ter que sair.
Agradeço muito tudo que escutei, essa interação e ao senhor. Muito obrigada também por essas últimas palavras. Vamos juntos.
Um abraço para todos. Muito obrigada por podermos compartilhar esta audiência hoje. Muito obrigada. Um abraço grande para todos.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Isso, agradeço, Dra. Angela.
Passo a palavra ao Sr. Diego do Nascimento Vieira, que é Presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina, a quem também já agradeço pela presença, assim como a todos os demais expositores e expositoras.
O SR. DIEGO DO NASCIMENTO VIEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Nobre Senador Flávio Arns, é com imensa honra que estou neste debate representando mais de 3 mil famílias catarinenses e mais de 50 mil famílias brasileiras que já vivenciam o homeschooling no Brasil. Então, agradeço imensamente ao senhor e a sua sensibilidade ao tema.
Também aqui quero deixar externada a nossa gratidão pelo trabalho da Professora Dorinha, Senadora Relatora agora desse projeto de lei.
Sabemos que estamos no rumo certo para regulamentar a educação domiciliar no Brasil, porque realmente é uma realidade que não tem volta - não tem volta -, é uma realidade imparável no Brasil, em nossa nação, porque é um bem, é um bem comum. O homeschooling já está fazendo tanto bem para a nossa sociedade, para a formação de crianças, que precisamos ter essa garantia de solidariedade com o Estado através dessa regulamentação. As colunas-base de uma sociedade para evitar o caos são a solidariedade entre as instituições e a subsidiariedade. Esses dois princípios são fundamentais para toda e qualquer sociedade democrática que queira o bem comum, que tenha por objetivo o bem comum e não apenas o bem de uma parte da sociedade.
Então, aqui na Afesc, assim, já trazendo alguns pontos que foram muito batidos aqui em relação à violência das famílias contra as crianças.... Então, vamos para dados empíricos, através de pesquisas. O próprio Instituto DataSenado, o qual... O Senador Flávio Arns tem trabalhado efetivamente contra a violência nas escolas, e o Instituto DataSenado fez uma pesquisa em maio deste ano, em maio de 2023, e mostrou o espantoso número de quase 7 milhões de pessoas vítimas de violência no ambiente escolar nos últimos 12 meses, ou seja, de 2022 a 2023, 7 milhões de abusos contra pessoas no ambiente escolar. Aqui acusaram: "A maior parte das denúncias de violência vem da família". Vamos para os números, este relatório de direitos humanos está lá, é um dado do Disque 100, contra o ambiente familiar. A violência contra crianças e adolescentes atingiu o número de 50.098 denúncias no primeiro semestre de 2021; desse total, 40.822, ou seja, 81% - aqueles 81% que foram citados aqui - ocorrem dentro da casa da vítima. Podem ter certeza de que não foi na casa de família educadora.
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O que são 40 mil perto de 7 milhões de abusos dentro da escola? E agora, esse número de 7 milhões não causa espanto aos senhores? Sete milhões de abusos dentro do ambiente escolar? E é por isso que vamos fechar as escolas? Por causa disso? É óbvio que não. Temos que combater a violência dentro das escolas. E aqui nosso mais honroso desejo de sucesso nessa empreitada aos Senadores que precisam trabalhar em prol disso, para garantir a proteção das crianças nas escolas, porque, repito, as crianças são o tesouro de nossa nação.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mês após mês, em seu site, retrata casos de violência nas escolas. Ou seja: o fato de o Tribunal de Justiça de Santa Catarina estar mandando policiais para dentro das escolas já reconhece que é um ambiente inseguro às crianças. O Tribunal de Justiça está reconhecendo que a escola é um ambiente inseguro às crianças, porque sabe da insegurança real. Crianças estão morrendo dentro das escolas; crianças estão sofrendo bullying; crianças têm pensamentos suicidas dentro das escolas; crianças estão sendo sexualizadas dentro das escolas.
E os casos de abandono intelectual dentro das escolas? Isso é um crime! Isso está no Código Penal, art. 246. É um crime de abandono intelectual. Quantas crianças optam pelo homeschooling porque os seus filhos adolescentes não sabem ler, não sabem interpretar uma simples fábula de Esopo? Não sabem interpretar a fábula A Cigarra e a Formiga. Analfabetos, com 14, com 15 anos, e todo esse tempo nas escolas? Que moral tem para falar contra as famílias educadoras?
A qualidade de ensino do Brasil precisa ser melhorada. Nós precisamos, sim, de muito trabalho para aumentar a qualidade e garantir a qualidade técnica de ensino nas escolas brasileiras, e nisso tem muito trabalho o Congresso Nacional, com métodos realmente eficazes. Agora, as famílias que querem assumir o seu protagonismo na educação são combatidas? Vão ser proibidas? Esses 7 milhões de abusos caem no número de exceção? Ou seja: as famílias que tiveram seus filhos abusados, 7 milhões de famílias abusadas, são casos de exceção para fazer homeschooling? Ou não? Sete milhões, meus caros. Não são 40 mil contra denúncias às famílias. Então, de 40 mil para 7 milhões, é um número que tem uma grande diferença.
Por isso, mais uma vez repito: a família é o ambiente mais seguro para as crianças.
A educação domiciliar é um ato de amor, é um ato que exige sacrifício dos pais, é um ato que exige mudança de vida, é um ato que exige responsabilidade, porque está assumindo a formação integral da criança. E a educação domiciliar não é feita sozinha. Nós não vivemos em cavernas, meus caros. Nós vivemos uma vida social, anexa dentro da nossa sociedade. Temos grupos de apoio, como pais que são mecânicos, eletricistas, de todas as profissões possíveis da nossa sociedade.
Aqui, na Afesc, a maioria das famílias é de classe média baixa, e vem falar que o homeschooling é para milionários? Mais de 3 mil famílias aqui em Santa Catarina, a maioria... Apenas 5% ganham mais de quatro salários, meus caros. Como é que é para milionários? Que papo é esse? De onde são esses dados?
São famílias comuns, tão comuns quanto quaisquer outras famílias brasileiras, em que os pais se dedicam, trabalham e dão o seu melhor para bem educar e criar os seus filhos.
E nós, para concluir, pedimos encarecidamente ao Senado Federal que esqueçam, Senadores - eu sei que é difícil -, argumentos contrários ao homeschooling sem nenhuma base científica, sem nenhum dado empírico. Tem que esquecer, tem que descartar isso, porque não tem uma base! Isso é totalmente desconectado da realidade, porque não convém com a realidade das famílias educadoras no Brasil.
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Então, para o bem dos estudantes, para o bem das famílias, para o bem de nossa sociedade brasileira, pedimos aí a aprovação e o andamento do PL 1.338, que já garante todos os direitos necessários para a educação das crianças.
Deus abençoe a todos.
Muito obrigado, Sr. Flávio Arns, por esta oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço de novo a você, Diego do Nascimento Vieira, Presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina.
Como o tema, agora, particularmente no final, foi levantado pelo Diego, que representa as famílias de Santa Catarina, para as pessoas que quiserem acompanhar também essa discussão que está acontecendo no Senado, a pesquisa mencionada, eu vou pedir para que a Andréia... Como foi mencionado na audiência pública, isso já foi objeto, inclusive, de audiência pública na própria Comissão de Educação e Cultura. Que as pessoas possam acessar a pesquisa do DataSenado, um instituto de muita credibilidade dentro do Senado também, que realiza as pesquisas conforme os debates vêm acontecendo. É a violência que acontece também...
A gente até fala "violência contra a escola" - em vez de ser "violência na escola" é "violência contra a escola" -, porque é um tema muito amplo e complexo também para ser debatido. Muitas vezes, são pessoas estranhas à escola; outras vezes, são pessoas da própria escola que já saíram, ex-alunos. E aí, quando comete algum ato contra a escola, as pessoas vão lembrar: "Não, mas ele, quando era criança, já era quietinho" ou "Já tinha atitudes e tal".
Essas pessoas têm que ser identificadas na escola, diagnosticadas e ajudadas, porque a educação é uma caminhada pela vida também. Então, a escola pode colaborar muito na identificação, no diagnóstico posterior e na ajuda a essas pessoas. Às vezes, a gente escuta alguém dizendo que a pessoa se suicidou, em um processo de depressão, mas, fazendo o debate, a discussão, vai se lembrar de que, lá na escola, ela era uma pessoa que podia ter sido ajudada já - e talvez tenha sido, mas não tenha sido ajudada o suficiente, também pode ser.
Há a questão das mídias, porque a gente tem que cuidar muito das mídias, pois há coisas até ensinando como fazer na internet, na deep internet também, a internet profunda. Hoje em dia, o pessoal está tendo acesso a isso e levando lá para a escola.
Há o tipo de construção da escola, se a escola é mais segura, menos segura... Inclusive, um ex-Comandante da Polícia Militar do Paraná escreveu um livro interessante Arquitetura contra o crime. Muitas vezes, a secretaria da escola fica lá no meio da escola, e uma pessoa para pegar um documento ou alguma coisa tem que atravessar toda a escola, quer dizer, isso é uma coisa que não pode acontecer em termos de segurança.
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É criar mecanismos, assim, de promoção de saúde mental... Isso aconteceu muito, como foi falado até hoje à tarde, nas exposições de promoção, de gerar saúde mental, de promover saúde mental, porque a pandemia trouxe muitos problemas, e a vida, hoje em dia, é uma vida também que leva a muitas dificuldades. Conheço outras pesquisas que mostram que, às vezes, de mil alunos, 20%, 200 alunos - imaginem, crianças e adolescentes - já estão sendo atendidos na área da saúde mental - bullying, como foi levantado.
Então, em função de tudo isso, o que aconteceu na Comissão de Educação? Lá no início do ano, como eu mencionei, mas só detalhando um pouco mais, quando ocorreu o episódio lá em Blumenau, da creche, que não era... Foi uma violência contra a escola, de uma pessoa que não era da escola e, infelizmente, aconteceu. Agora, a gente tem que pensar em tudo isso para ver como propiciar um ambiente seguro, saudável, promotor da vida, da saúde, de tranquilidade, de amizade, de socialização.
Então, esse é um desafio para todos nós, como sociedade. É para o Executivo, para o Legislativo, mas para toda a sociedade, para a participação, como vários falaram, da família, abrir a escola para que todo mundo diga "não". Por exemplo, eu conheço um caso, porque eu fui Secretário de Educação também, em que todo final de semana, a chave da quadra de esportes... o cadeado era quebrado, e o pessoal invadia a escola. O diretor chamou o pessoal e disse: "Olha, não precisa quebrar, não precisa fazer nada. Olha, eu vou dar a chave para vocês. Está aqui a chave. Só vamos combinar como que tudo deve ser feito, pelo regramento, regulamento. Como é que vocês fazem? Como é que vocês saem? Quem é que vai cuidar? Vai ter limpeza? Não vai?". Então, criou-se um ambiente de paz e de segurança. Isso acontece, muitas vezes, também em termos do regulamento para a própria escola. Os diretores, bons diretores, bons gestores dizem: "Olha, alunos e alunas, venham aqui, e vamos fazer o regramento do que pode acontecer ou não aqui dentro, quais são as regras". E fazem-no em conjunto. Isso possibilita o diálogo, o entendimento. É como uma lei, a lei da escola, que tem lá. Considero, por exemplo, muito importante o grêmio estudantil, que é essencial para quem acompanha as atividades, a associação de pais, mestres e funcionários, o conselho escolar.
Quando há... Gente, o pessoal falava, não era invasão de escola; era ocupação de escola. Era um pessoal... No meu tempo não aconteceu nenhum, mas eu sei que depois aconteceu, e as pessoas diziam: "O que fazer?". E eu respondia: "Perguntem para os donos da escola". Quem são os donos? É a APMF (Associação dos Pais, Mestres e Funcionários), o conselho escolar e o grêmio estudantil, quer dizer, dar responsabilidade para todas essas pessoas para construir, no fundo, um ambiente saudável.
Eu lamento inclusive, quando há, porque teve um professor ou professora que teve uma atitude inadequada. Aqui, no Paraná - eu estou no Paraná -, são mais ou menos 80 mil professores e funcionários - 100 mil, podemos chegar a 100 mil. Se um cometeu um problema, errar, quer dizer, cometeu um deslize, um crime, alguma coisa, que seja punido, só que não joguemos a culpa em cima de 99 mil, que estão fazendo um bom trabalho. Então, tudo isso está no projeto de lei que originalmente era do Senador Wellington Fagundes, que apresentou um projeto, mas, nos episódios de Blumenau, o Prefeito veio falar, agoniado também, porque Blumenau, todos nós conhecemos, é uma cidade bonita, acolhedora, pacífica, e eles próprios, surpreendidos, mas chamando a Polícia Federal, que externou todo tipo de problema, que não é da escola, é da sociedade, mas isso se reflete na escola... Armamento mesmo, o menino atirou, onde é que pegou a arma? Não, pegou a arma com o pai. Então, tudo isso tem que ser debatido, é um problema complexo, iniciativas estrangeiras, que, no Canadá, particularmente, o que eles vêm fazendo aqui no Brasil... Isso tudo se converteu num projeto de lei, e, como a gente está debatendo, eu também peço para Andréia para deixar esse projeto de lei disponível como material adicional dessa audiência pública. Esse projeto de lei, em um ou dois meses, aprovamos, debatemos e tal - e aprovamos. Claro, toda lei pode ser aprimorada, melhorada, e foi enviada à Câmara dos Deputados, onde vai ser apreciada, também não foi apreciada ainda.
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A gente lamenta muitas coisas, porque, às vezes, acontece um episódio de violência, a gente fica um mês debatendo e depois esquece. Tem que... Nós temos que... Na questão da segurança, segurança em toda a sociedade, mas também a escola e a nossa casa, inclusive, como elementos da sociedade, a gente tem que pensar bem nisso e ter iniciativas importantes de como que isso, a segurança, pode ser promovido.
São temas que têm que ser debatidos, discutidos, enfim, mas o nosso objetivo hoje, aqui, é realmente pensar.
Agora, já há 30 anos, a minha tia, a Dra. Zilda Arns, que era Coordenadora da Pastoral da Criança, inclusive ela nasceu em Santa Catarina, em Forquilhinha, ao lado de Criciúma... A Pastoral da Criança, já pelos últimos 30 anos, está completando 40 anos neste ano, mas, pelos últimos 20, 25 anos, já vem debatendo a violência familiar, a violência até com pensamento, a violência começa em casa.
Então, a gente tem que pensar o que fazer nesses casos, que não têm nada a ver com educação domiciliar aqui, mas a violência na família é algo sobre o qual a gente tem que se debruçar e pensar o que fazer, como fazer, como ajudar as famílias a promover a paz, educar as pessoas para a paz, para a parceria, para o entendimento, para o diálogo, para uma sociedade melhor. Isso já há muito tempo, e todos nós temos uma grande responsabilidade sobre isso, poder público e sociedade em geral. Fazemos juntos essa caminhada.
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Eu agradeço sobremaneira a participação, penso que a audiência pública foi bastante enriquecedora também para responder muitas perguntas que são feitas em torno do projeto de lei. E essas audiências públicas estão marcadas, então, justamente para subsidiar todo o trabalho que venha a ser feito no Senado Federal agora, na Comissão de Educação, a respeito da educação domiciliar. Está certo?
Agradeço, de novo, a presença de todos e todas, ficamos à disposição, agradecemos quem nos acompanhou pelos meios de comunicação. Eu, inclusive, não li as perguntas seguintes, mas só para dizer os nomes das pessoas - mas eu penso que muitas das coisas foram respondidas no decorrer das falas: o Bruno Luz, do Rio de Janeiro; Olívia Rochadel, de Santa Catarina; Nívea Queiroz, de Alagoas; João Paulo, do Rio Grande do Sul; Rogério Vianna, também do Rio Grande do Sul; Maria Juliana, de Pernambuco; Weslei Chaves, de Minas Gerais; Laércio Lico, de Rondônia; Vinícius Lima, do Rio de Janeiro.
Enfim, são desafios, todas as perguntas são muito importantes, só lembrando que a gente vai ter outras duas audiências públicas sobre o assunto. Então, agradeço novamente a participação, os meios de comunicação do Senado, a equipe toda da Comissão de Educação, Andréia e demais pessoas.
E, nada mais havendo a tratar, declaro, então, encerrada a presente audiência pública.
Obrigado.
Bom final de semana.
(Iniciada às 14 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 50 minutos.)