06/05/2024 - 17ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 17ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura do Senado Federal.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 8, de 2023, desta Comissão, de minha autoria, para debater o tema "Trabalho Escravo no Ambiente Doméstico", como parte do ciclo de debates sobre a SUG 12, de 2018, que institui o Estatuto do Trabalho e regulamenta os arts. 7º a 11 da Constituição Federal.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria: 0800 0612211.
Eu já conversei com os panelistas, porque nós vamos ter que dividir esta sessão em dois momentos.
Todos vocês sabem que eu sou do Rio Grande do Sul, e o nosso estado está numa situação de calamidade pública em cerca de 338 ou 336 municípios. É algo de fato nunca visto na história do Rio Grande, a maior enchente de todos os tempos, envolvendo já cerca de 340 cidades - depois aqui eu vou dar o número exato. O Presidente Lula esteve já por duas vezes lá: esteve no interior - esteve em Santa Maria, esteve no Vale do Taquari, esteve na região de Lajeado e Estrela - e esteve ontem, domingo, em Porto Alegre, onde participou de uma série de eventos.
Os relatos são muito, muito, muito tristes. Para vocês terem uma ideia, a cidade de Caxias do Sul está, como a gente diz, quase debaixo d'água. Não é toda, mas as partes mais humildes, mais pobres, principalmente, estão todas cobertas, com água acima do primeiro piso, e as pessoas ficam no telhado. A cidade onde eu resido, Canoas, igualmente. O Prefeito Jairo Jorge tem feito o que pode, mas o rio tomou conta da maior parte da cidade. E assim também Roca Sales, no sul, o Vale do Taquari... Enfim, é algo muito, muito triste.
O que a gente viu lá foram pessoas no meio da noite, a 1h, 2h, 3h da madrugada - relatam os bombeiros -, gritando, por amor de Deus, para que os salvassem. Muitos bombeiros também relataram... Dou este depoimento, inclusive, porque um filho meu estava como voluntário lá - avisaram-me que o aeroporto ia fechar, e eu tinha que vir para cá para cuidar da questão do Rio Grande e do assunto de hoje também -, e ele disse que os bombeiros tinham que escolher: "Olha, nós vamos levar alguns deste ponto a que nós chegamos, lá por onde não tinha a água tomado conta. Mas quem nós levamos? Os filhos ou os pais?". (Manifestação de emoção.)
Os próprios bombeiros e policiais, tanto civis quanto militares ou de guarnição dos presídios, estavam todos lá ajudando como podiam.
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E, como disse um dos Prefeitos, inclusive... Não foi só o caso de Canoas. Ele disse... O repórter disse para ele: "Foi a escolha de Sofia". E ele disse: "Sim, exatamente", que tinha diversos bairros alagados. Para onde vai o socorro para salvar? Para onde vai? Tinha duas opções: se vai, digamos, para o bairro A ou para o bairro B. "Se formos para o A, o B vai morrer. E, se formos para o B, o A vai morrer", e ele tinha que decidir, e ele decidiu. (Manifestação de emoção.)
Esse é o resuminho da história, do que é que está acontecendo no Rio Grande. Até agora tem pessoas em cima de casa, porque ninguém dá conta. Os voluntários estão fazendo o que eles podem, de jet ski, a pé, empurrando barco, muitos, muitos voluntários. As Forças, constituídas do Exército, da Marinha, estão todas lá, mas fazem o que podem, não é? E são milhares de pessoas, estamos falando de milhares de pessoas!
Eu vou fazer minha abertura, nesse sentido, e, depois, num segundo momento, eu falo especificamente da reunião de hoje. A Ilana já está aqui também. Num primeiro momento, foi combinada, inclusive - não é, Ilana? -, uma campanha que estará sendo lançada aqui. A gente vai ter um espaço para isso. Mas vou falar agora um pouco do Rio Grande.
Aqui, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, nós todos expressamos nossa solidariedade à população do Rio Grande do Sul. É um momento de profunda dor, devido à maior tragédia climática que nós vimos no nosso estado. É importante destacar que, em menos de um ano, foram quatro calamidades referentes ao clima. O cenário é de devastação. É um filme de terror, caos, sofrimento, cenas de guerra, como diz o próprio Governador do estado, Eduardo Leite, que está se dedicando, com muito carinho, como também está o Presidente Lula, com dezenas e dezenas e dezenas, já são mais de quase 80 pessoas... Perderam vidas, quase 80 já. Pessoas desaparecidas, 105. Feridas... Cidades isoladas. Cidade inteira isolada. Não entra gasolina, não entra diesel, não entra gás, não entra alimentação, não entra nada. Quilômetros e quilômetros - claro, que o estado é muito grande, não é? - de estradas interrompidas, pontes destruídas. Falta luz e falta água. Falta comida. Os relatos são angustiantes.
Até agora, 341 municípios foram atingidos; mais de 800 mil pessoas afetadas; 265 municípios em estado de calamidade, que vão entrar também... Rapidamente, vai chegar aos 340. Mais de 200 mil desalojados; 155 feridos; 105 desaparecidos... Como eu dizia antes, 78 pessoas mortas: crianças, idosos e pais de famílias. Mais de 15 mil em abrigos - mais de 15 mil, em abrigos -, e os helicópteros fazem, dentro do possível, o resgate. Mais de 20 mil pessoas e 3,2 mil animais foram resgatados. Esses dados ainda não foram atualizados. Há quem diga que são muito mais de 20 mil desabrigados.
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Os esforços conjuntos do Governo Federal e estadual são dignos do nosso respeito, como também os dos Prefeitos de cada município - cada um faz o que pode -, Vereadores, sindicalistas, trabalhadores... E quero muito destacar aqui o dos voluntários. Muitos jovens motoqueiros entram mato adentro para abrir picadas para chegar às cidades. (Manifestação de emoção.)
Muita solidariedade de pessoas, com seus jet skis, com seus barcos particulares, enfrentando a correnteza do rio.
No meu próprio escritório - eu estava recebendo as pessoas ali na entrada da Mathias -, tivemos que evacuar... Água e água e água, mas ali não morreu ninguém, e não estou preocupado com o estrago material, é só para dar um exemplo.
A mobilização de recursos humanos e materiais com envio de militares - os militares estão fazendo um belo trabalho -, veículos se colocando à disposição, muitas vezes, tragados pelas águas, e muitos voltam nadando. Centenas de hospitais tiveram que retirar as pessoas que invadiram o hospital colocado numa zona de periferia, numa zona mais baixa. Mas, enfim, veículos, unidades hospitalares móveis, agentes da Força Nacional, aeronaves e embarcações para as áreas afetadas estão sendo destinados. Só trabalhando para salvar vidas - um dado que a assessoria me passou - são 15 mil pessoas, centenas, milhares de voluntários.
Além disso, foram alocados recursos significativos para assistência às vítimas e ações de reconstrução, dentre eles: de imediato, foram encaminhados R$55 milhões pelo Governo Federal - e eu quero falar aqui Governo Federal e estadual, porque aqui não tem nada de partidarizar, pessoal. O Governador está fazendo um excelente trabalho, como também o Presidente Lula está fazendo tudo aquilo que é possível -; R$580 milhões em emendas do estado; R$20,3 milhões para obras de tratamento.
Nós, aqui, colocamos que as emendas parlamentares nossas serão destinadas a ajudar essa população e diminuir o desespero de milhares e milhares de pessoas. Então, há esta decisão já nossa - eu fui um dos que coloquei, e outros também colocaram - de abrir mão das emendas parlamentares e doá-las para esse momento. Emenda parlamentar não é muito, mas dá quase R$90 milhões de cada Parlamentar, viu? Se você pegar emenda de bancada, emenda individual e outras indicações, dá em torno de R$90 a R$100 milhões, que seriam destinados a ajudar essa população no desespero em que estão. Foram destinados também já em torno de R$9 milhões para compra de 52 mil cestas básicas, equipes de saúde, medicamentos e insumos. O cancelamento do Concurso Nacional Unificado demonstra a prioridade dada à emergência da situação do Rio Grande do Sul. Doação de roupas e calçados pela Receita Federal é um gesto de solidariedade, que é muito bem-vindo. Tudo aquilo que a Receita arrecada de roupas que estariam sendo apreendidas eles estariam mandando para lá. Liberação do saque calamidade do FGTS - eu falava com o pessoal do Ministério de Trabalho que está aí, e isto aqui já foi anunciado: liberação do saque calamidade do FGTS, avançar no seguro-desemprego.
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Saudamos aqui o envolvimento do Corpo de Bombeiros, da Brigada Militar, da Força Nacional, da Polícia Rodoviária Federal e estadual, da Polícia Federal, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica. Todos estão deslocando contingentes para lá. E, naturalmente, os voluntários: centenas, para não dizer milhares, de voluntários estão lá, neste momento, trabalhando.
Agradecemos também a presença do Presidente Lula e da Primeira-Dama Janja da Silva e de 13 Ministros. Foram lá os Ministros pela terceira vez, e o Presidente Lula, por duas vezes já. Agradecemos também aos Presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, e do Vice-Presidente do Supremo, Ministro Edson Fachin.
Ressaltamos a gravidade da situação e o compromisso com a assistência às vítimas. Salvar vidas é a palavra.
O Presidente esteve reunido com o Governador Eduardo Leite e secretários. Fala-se muito na reconstrução do estado depois deste momento em que o fundamental é salvar vidas e dar assistência.
O que é mais pedido neste momento é cobertor e colchão, além, claro, de alimentação e remédio - mas cobertor e colchão, porque eles não têm onde dormir; perderam tudo. São milhares de casas que foram invadidas pelas águas.
As reivindicações que nós apresentamos, em reunião da bancada federal - estão reunidas neste momento, lá em Porto Alegre, a bancada federal e estadual -, estão sendo bem-vistas pelo Governo. E já vamos liberar, no caso aqui, as emendas individuais, por exemplo, e de bancada.
Em reunião urgente de Senadores, ficou definido - e também de Deputados, aqui com o Pacheco e também com o Lira - e reafirmamos que o Decreto nº 100, de 2023, para o qual fui indicado Relator pelo Presidente Rodrigo Pacheco, com apoio do Lira naturalmente, era para ser 2023, mas daí conversamos com o Presidente Rodrigo Pacheco e, naquela oportunidade, nós falamos: "Não, vamos jogar até dezembro de 2024". Mediante esse entendimento, esse decreto já está aprovado e está sendo aplicado. O decreto já é válido até 30 de dezembro de 2024.
Destacamos a campanha SOS Rio Grande do Sul, liderada pela Liga do Bem, pelos gabinetes dos três Senadores e liderado pela...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... Diretora-Geral Ilana - era o cargo, Ilana eu lembrei, mas o cargo -, que está liderando a todos nós nesse movimento, e ela vai usar a palavra aqui em seguida.
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Destacamos só que o apoio e a ajuda de todos os estados são fundamentais. Ontem eu recebi a ligação de dois, três Senadores perguntando: "Para onde eu mando?". A orientação é mandar para o corpo de bombeiros, que, por sua vez, eles encaminham para que cheguem ao estado. Neste momento difícil é essencial que nos guiemos por solidariedade, compaixão e compromisso com os direitos humanos.
Termino aqui dizendo que vamos todos trabalhar para a reconstrução do Rio Grande. A esperança para o povo do Sul continua viva. É preciso muita união: que nossas divisas ideológicas sejam esquecidas para o bem-estar de toda a população.
Isso aqui é uma introdução rápida do tema.
Eu gostaria de convidar para a mesa, neste primeiro momento, com uma salva de palmas pela iniciativa que ela tomou já bem antes, a Diretora Ilana Trombka, Diretora-Geral do Senado Federal. (Palmas.)
Eu sempre digo "trombeca"...
A SRA. ILANA TROMBKA - É "Trombka".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - "Trombka".
Muito bem, Ilana Trombka, Diretora-Geral do Senado Federal.
Eu convido também o Sr. José Henrique Medeiros Pires, Secretário-Executivo do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que se prontificou a vir aqui neste momento para a gente falar, pela Rádio Senado e pela TV Senado, para todo o Brasil.
E convido também, porque ela já está aqui, uma senhora que mora lá no Rio Grande do Sul cuja casa também está sendo, infelizmente, ocupada pelas águas. Convido a Sra. Laury Garcia Job, gaúcha que está em Brasília trabalhando e não conseguiu voltar. Os três filhos e ela tiveram as casas alagadas no bairro Sarandi, Porto Alegre. Seja bem-vinda aqui! Sei que é um momento triste... (Palmas.)
Eu, de imediato, passo a palavra para a Diretora Ilana, Diretora-Geral do Senado Federal.
A SRA. ILANA TROMBKA (Para expor.) - Bom dia a todos e todas.
Senador, esses momentos de união nos trazem algumas coincidências: a Laury foi minha professora na faculdade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quem?
A SRA. ILANA TROMBKA - A Laury, que é Professora de Relações Públicas e durante muito tempo ministrou aula na PUC, e foi minha professora - e você imagine que não foi ontem, isso faz tempo.
Bom dia a todos e todas.
Eu quero agradecer o espaço que o Senador Paim está nos dando. Eu vou rapidamente colocar uma campanha que nós estamos coordenando.
Senador, eu quero dizer, sem medo de me emocionar - porque todas as vezes que eu falei para a imprensa, desde sexta-feira, isso aconteceu -, que na sexta-feira nós resolvemos, ou eu resolvi, ligar para três colegas gaúchos aqui do Senado - a Dra. Gabrielle Tatith, nossa Advogada-Geral do Senado; o Rafael, Diretor da Gráfica; e o Nilo, um jornalista nosso -, e disse: "Gente, a gente precisa fazer alguma coisa. Eu ainda não sei bem o quê, mas a gente precisa fazer alguma coisa". E, claro, a Liga do Bem, que é o nosso braço de trabalho voluntário do Senado, que já vai fazer no ano que vem dez anos, é expert em iniciativas muito bem sucedidas e meritórias. Isso foi às 11h, Senador; e, 1h30 da tarde, nós estávamos na minha sala: o Dr. José Henrique, representando o Governo do Estado do Rio Grande Sul; esses três colegas Nilo, Rafael e Gabrielle; as torcidas de Grêmio e Inter; CTGs; o Samba da Zélia; e principalmente os três gabinetes parlamentares, o do senhor, o do Senador Heinze, que, inclusive, está licenciado, e o do Senador Hamilton Mourão. E ali decidimos, com a orientação do Governo do Estado do Rio Grande Sul, fazer essa campanha de cobertores. Nosso objetivo é até quinta-feira conseguir recolher 5 mil cobertores, seja pelo Pix da apcnsocial@gmail.com, seja com doação.
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Eu preciso dizer que eu trabalhei todo o fim de semana com alegria, porque a reação de todos com que nós conversamos foi incrível: a Presidente do STJ, a Ministra Maria Thereza, que me ligou; o TST; o Sindilegis; a própria APCN, que é a Associação dos Policiais do Congresso Nacional; o Shopping Pátio Brasil; o Shopping Anhanguera, em Taguatinga; uma série de instituições... No fim de semana, Senador! Hoje é o primeiro dia útil. A gente se reuniu sexta-feira, 1h30 da tarde, a identidade visual da campanha ficou pronta às 6h30. No fim de semana! Todos fazendo contato.
E hoje já temos agora a notícia de mais de 3 mil cobertores, que já conseguimos. Já falei com a FAB no corredor, adiantando a nossa entrega, para que ela possa chegar o mais rápido possível, porque quem tem fome tem pressa e quem tem frio tem pressa. E a gente sabe que as temperaturas no Rio Grande Sul baixarão a partir de quarta-feira, com muita chuva, as roupas não secam, as pessoas não têm para onde ir, e a gente precisa acolhê-las.
A gente costuma dizer lá no Sul - é um termo que a gente usa, não é, Senador? - que são gaúchos e gaúchas de todas as querências. A gente fala isso muito, todo mundo que é gaúcho sabe. E eu acho que agora a gente precisa ampliar e dizer que o Rio Grande Sul precisa dos brasileiros e brasileiras de todas as querências. Que os brasileiros da Amazônia, do litoral, do Pantanal, deste país tão grande e tão generoso, porque o brasileiro é generoso e afetivo, se unam em prol dos nossos irmãos gaúchos que hoje precisam.
E eles não precisam só hoje. Eu vou ver se a gente tem condição de passar um vídeo, que oito colegas gaúchos do Senado gravaram, que termina com uma fala da Gabi falando do depois, Senador, porque a gente sabe que a gente sabe que a convivência com essas águas sem tratamento de esgoto gerará doenças. Muitos hospitais tiveram que suspender as cirurgias eletivas, suspender os atendimentos, como o próprio Hospital Moinhos de Vento. O Mãe de Deus em Porto Alegre teve que ser evacuado, porque foi invadido, assim como o Pronto-Socorro de Canoas. Temos racionamento de oxigênio, temos pessoas nas suas casas com dificuldade de locomoção, pessoas...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. ILANA TROMBKA - Água é um problema coletivo, porque quatro subestações de Porto Alegre das seis já não estão mais funcionando.
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Eu confesso para o senhor que eu falo com o meu pai todas as noites, e ontem, quando eu liguei para ele, ele me disse que o Prefeito de Porto Alegre pediu para que aqueles porto-alegrenses que tivessem casa no literal fossem para o litoral e saíssem da cidade. Eu nunca pensei que a gente iria viver isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me. Isso eu vivi na pele, porque eu tenho uma casinha na praia, em Rainha do Mar - quem está lá, está vendo. Eu cedi a casa para aqueles que não têm para onde ir, porque a minha casa é no Igara, a senhora conhece ali, é no alto. Mas eu cedi a casa na praia com esse objetivo.
A SRA. ILANA TROMBKA - Isso, a Freeway está fechada, mas se sai ainda por Viamão. Porto Alegre começa a ter um problema de desabastecimento, mas não é só Porto Alegre; são muitas outras regiões do Estado. Eu tenho um grande amigo que é o Diretor do IPH da UFRGS, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas, e ele me relatava que o rio chegou a 5,5m, e a gente sabe que o Muro da Mauá está construído a 6m. Então, realmente, é uma situação em que, por um pouco mais, o rio teria vazado para a cidade. Já vazou... Há muita inundação, mas, se o rio vazar, vai ser uma situação nunca antes sequer pensada. O Muro da Mauá, para quem não sabe, é um muro que separa o rio do Centro de Porto Alegre, que tem uma altura de 6m. O rio chegou a 5,5m; já baixou para 5,2m, mas a gente sabe que, a partir de quarta-feira, vai chover novamente.
Então, é preciso pressa neste momento, é preciso que nós tenhamos ações rápidas. Depois, teremos outros momentos de ajudar. Haverá uma situação de saúde pela convivência com água; um terceiro momento de reconstrução da vida desses milhares de desabrigados.
Por fim, Senador, um momento de conscientização de todos nós, porque o meio ambiente grita por respeito. O senhor deve ter visto, tem um vídeo circulando, que é o rio falando para todos nós, gaúchos, dizendo: "Eu só queria passar". O meio ambiente grita por respeito, ele demonstra a sua força. Nós precisamos conviver melhor no Rio Grande do Sul, em todo o país e em todo o mundo, com as questões ambientais e climáticas.
Eu não sei se o vídeo veio para vocês, para a Secretaria da Comissão. Eu só queria terminar a minha fala agradecendo ao Senador Paim e agradecendo a todas as pessoas que estão colaborando, pedindo a colaboração. Quanto mais rápido a gente chegar aos 5 mil cobertores, mais rápido eles chegam, e a gente nem sabe se vão descer na Base Aérea de Canoas ou de Santa Maria, porque há uma dificuldade de distribuição a partir de Canoas - só de helicóptero -, mas tudo isso vai ser coordenado pela representação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e pela FAB.
Eu só queria terminar com este vídeo, que é uma iniciativa muito pequenininha de oito colegas gaúchos, pedindo para os seus colegas de todas as querências do Senado para nos ajudarem. Que todos os órgãos públicos que nos escutam façam contato conosco ou façam suas próprias companhas. Não importa; o que importa é que seja organizado e que se respeitem as prioridades do Governo do Estado, porque nós sabemos que é um trabalho monstruoso de apoio, que tem uma coordenação. Tal qual o Senado fez, que é reunir todos os Senadores que são de partidos diferentes - e o Senado é uma comunidade... Naquela reunião, a política partidária não passou nem na porta. O que importava era que a gente se reunisse em prol do Rio Grande do Sul, que é o que os Senadores estão fazendo, e eu convido que o exemplo do Senado Federal possa ou ser acolhido por outros órgãos, como o STJ e o TST já fizeram, ou que se organizem nos seus próprios órgãos. Nesse momento, não importa. Importa que seja organizado e que respeite as prioridades indicadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que é quem está lá e quem pode nos dar as melhores diretrizes.
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Eu agradeço àquele grupo inicial e a todos que estão se somando e conclamo a que os brasileiros, que tanto respeitam e acolheram parte da cultura gaúcha, o churrasco, a música, a dança e até a admiração aos gaúchos - e eu disse isso na reunião: que a gente saiu do Sul, mas o Sul não sai da gente - e que admiram a forma com que o gaúcho preserva a sua cultura possam, nesse momento, dar as mãos para o nosso estado.
Eu queria só terminar com um vídeo... Está aí?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O vídeo já está pronto?
O vídeo.
A SRA. ILANA TROMBKA - Enquanto está subindo, o senhor quer chamar um outro para falar?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, isso, mas eu aproveito...
A SRA. ILANA TROMBKA - Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... o teu encerramento já... Pediram que eu passasse o Pix para quem está nos assistindo e quem estiver aqui no plenário quiser ajudar com qualquer valor.
Muitas cidades me pediram, e eu me vi na responsabilidade de passar para o governo do estado, porque, se eu botar uma cidade, não vou colocar outra. São quase 350 cidades.
Então, Pix, se puderem...
Esse é o Pix do Governo do Rio Grande do Sul. Se a TV puder jogar na tela também, já que vai para todo o Brasil...
Eu vou ler, mas as pessoas que estão assistindo... Vamos ver aqui.
"Pix SOS Rio Grande do Sul. Ajude doando qualquer valor. Chave do Pix: CNPJ 92.958.800/001-38. Instituição: Banrisul".
Mas está na tela. As pessoas que puderem olhar, estou segurando um pouco mais...
E agora temos aqui, permitam-me... Meta: 5 mil cobertores.
E é bom dizer que está aqui o representante do Rio Grande do Sul, aqui na mesa, mas essa eu vou mostrar do lado de cá. Se puderem também...
Meta: 5 mil cobertores.
Cada cobertor, segundo a própria diretora, está aqui escrito, R$20 um cobertor de casal. Pix... Aí, eu vou pedir para você ler o Pix SOS Rio Grande do Sul.
A SRA. ILANA TROMBKA - É apcnsocial@gmail.com, a campanha coordenada pela Liga do Bem, com uma série de parceiros e colaboradores.
Ontem a gente já tinha quase chegado à metade. Hoje de manhã ganhamos uma grande doação do Sindilegis, e o gabinete do Senador Plínio Valério também fez uma doação bastante interessante. Com essas duas doações, já vamos chegar a 3 mil cobertores doados, faltando 2 mil. E, assim que tiver, sai o nosso caminhão daqui para a base aérea, para mandar para o Estado do Rio Grande do Sul.
Gente, muito obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. (Palmas.)
Agora vamos, de imediato, passar a palavra para o Secretário-Executivo do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. José Henrique Medeiros Pires.
O SR. JOSÉ HENRIQUE MEDEIROS PIRES (Para expor.) - Bom dia.
Inicio, Senador Paim, fazendo minhas as palavras da Diretora do Senado, Ilana Trombka, que, com uma agilidade surpreendente, para quem não a conhece, e não surpreendente, para quem a conhece, conseguiu mobilizar, depois de um feriado nacional, que foi dia 1º, na sexta-feira, as torcidas do Grêmio, do Internacional, os CTGs, as forças vivas todas que estavam em Brasília naquele momento. E eu estendo, Senador Paim, os cumprimentos a toda a equipe do Senado da República, porque a reunião foi feita à 1h e meia da tarde, nós já tínhamos uma ideia do que seria feito, e, às 6h da tarde, inclusive, o pessoal da gráfica já tinha preparado um material, quer dizer, em tempo recorde, mostrando que há um profissionalismo excepcional dando suporte a essas ações.
Dito isso, Senador, eu quero agradecer a presença, aqui no Senado, do Presidente do Senado, no Rio Grande do Sul, na comitiva que lá esteve neste fim de semana. E, aproveitando a citação do Presidente do Senado, no ano passado, quando nós tivemos cinco eventos climáticos graves no Rio Grande do Sul, mas nenhum deles tão grave quanto este, mas já lá no mês de setembro, com um evento climático bastante complicado, o Presidente do Senado propôs um decreto legislativo do qual o senhor foi Relator, e é por isso que eu...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - A pedido, por uma questão de justiça, do Governador.
O SR. JOSÉ HENRIQUE MEDEIROS PIRES - Exatamente.
Mas o que eu quero destacar é o seguinte: a legislação foi feita rapidamente, no dia 28 de setembro estava publicada, os efeitos tiveram já de imediato aplicação, e foi tão bem feita a legislação que ela se aplica, inclusive, a este caso, porque vocês - e o senhor, de uma maneira muito especial, por isso essa referência - tiveram o cuidado, ao tratar da relatoria, de colocar o prazo de 31 de dezembro de 2024.
Então, Senador, por sua experiência de muitos e muitos anos no Senado, eu acredito que isso também agiliza, porque, como bem disse a Ilana, nesses momentos há pressa.
Então, meus cumprimentos, a minha gratidão, em nome do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, ao senhor, Senador Paim; ao Senador Mourão; ao Senador Heinze; e ao Senador Ireneu, que está na titularidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso é importante também lembrar, porque nós estamos trabalhando juntos, todos os Senadores estão na mesma toada.
O SR. JOSÉ HENRIQUE MEDEIROS PIRES - Muito bem.
E quero sublinhar aquilo que disse a Dra. Ilana. O Rio Grande do Sul é um estado que, neste momento - um estado que tem as quatro estações bem definidas -, está entrando no inverno. As águas vão baixar, já estão baixando. Nós recebemos informações lá do Porto de Rio Grande de que o fluxo da água em direção ao mar aumentou, ou seja, a água vai para a Lagoa dos Patos, mas o sangradouro que fica lá em Rio Grande está funcionando, a água está saindo da lagoa, mas, até que isso aconteça, teremos enchente. Porém, quando terminar a enchente, as pessoas vão voltar para casa, e vem um momento extremamente delicado, em que eu entro com essa campanha da Liga do Bem que está sendo coordenada pela Dra. Ilana: são cobertores, como ficou definido na reunião de sexta-feira, novos, zero; cobertores que, eu tive o cuidado de ver no comércio em Brasília, custam R$35, em média - cada cobertor. Como o volume é muito grande, a Dra. Ilana, juntamente com a sua equipe, conseguiu, pelo volume de compras, a R$20 cada cobertor. Nessa primeira leva, serão 5 mil cobertas novas que serão colocadas dentro do Rio Grande do Sul, numa iniciativa dessa equipe, desse grupo, dessa gauchada dos quatro costados que está aqui, em torno deste projeto, que certamente está tendo êxito e possivelmente tenha uma segunda fase.
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Quero manifestar também alguns agradecimentos, aproveitando o espaço que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa nos oferece, dizendo de uma maneira muito especial do agradecimento gaúcho e brasileiro ao Uruguai, cujo Embaixador, Guillermo Valles, imediatamente colocou à disposição alguns equipamentos, e nós já temos helicóptero uruguaio atuando em salvamento, graças à agilidade do Ministério da Defesa do Uruguai, com a chancela do nosso Itamaraty, que tratou de todas as documentações necessárias para que lá, na região de Santa Maria, essa aeronave de salvamento, com todos os equipamentos, esteja atuando. Nós aguardamos agora que a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) autorize a entrada no Brasil de lanchas que foram disponibilizadas pelo Uruguai, lanchas que estão prontas para embarcarem para o Brasil, veículos anfíbios que poderão ajudar.
Bom, por que também eu destaco a questão do Uruguai? Porque o Uruguai tem mais de mil quilômetros de fronteira com o Rio Grande do Sul e certamente tem regiões fronteiriças que também estão sendo afetadas por este volume de águas que se estende por todo o Estado do Rio Grande do Sul.
Então, fica esse apelo para que a Associação Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, consiga ter neste momento a agilidade que teve quando liberou aquele primeiro helicóptero naqueles primeiros dias, quando o Governo uruguaio o disponibilizou, a partir de um pedido do Governador Eduardo Leite. Agora nós temos outros pedidos em tramitação, enfim, porque justamente nesse momento todos somos gaúchos também, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me já assegurar, porque você havia me pedido aqui e você reafirmou: terminada nossa audiência, eu faço um contato com o Itamaraty para liberar o mais rápido possível a questão das lanchas e da ajuda que você colocou muito bem aqui.
O SR. JOSÉ HENRIQUE MEDEIROS PIRES - Muito obrigado, Senador Paim.
Também quero fazer uma referência, já que falamos em Ministério das Relações Exteriores, uma referência muito especial à representação brasileira junto à Santa Sé. O Embaixador Everton Vargas, tão logo soube da nossa campanha e tão logo soube da situação do Rio Grande do Sul, fez um documento junto ao Vaticano, que resultou num relatório que foi entregue a Sua Santidade o Papa, que ontem fez publicamente uma bênção ao Rio Grande do Sul, bênção que está destacada em todos os jornais do país. Mas eu quero fazer um agradecimento muito especial a toda a equipe da Nunciatura Apostólica brasileira, da Nunciatura do Vaticano aqui, mas também da nossa representação junto à Santa Sé, através do gaúcho Everton Vargas, que é o Embaixador que está lotado lá e que teve a sensibilidade de pedir que o Papa fizesse uma oração pública, que está hoje em todos os jornais.
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Bom, de minha parte era isso, um agradecimento.
A Dra. Ilana colocou as coisas muito bem colocadas. Existe, em Brasília, uma rede. Certamente vocês vão saber os locais, porque, além da contribuição de R$20 por cobertor, existem algumas caixas coletoras de materiais para doação. As caixas foram elaboradas aqui no Senado, têm o logotipo dessa campanha - a campanha está na caixa -, estão distribuídas em diversos locais, e as pessoas também podem colocar ali algum gênero, alguma roupa, alguma coisa.
Nós vamos aproveitar a Força Aérea Brasileira e o Ministério da Defesa, que têm sido grandes parceiros, para deslocar para o Rio Grande do Sul essa ajuda humanitária fundamental, que vai chegar no momento certo, vai chegar no momento em que as pessoas voltam para casa e ter um cobertor novo vai fazer muita diferença.
Muito obrigado, Senador Paim. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Sr. José Henrique Medeiros Pires, Secretário-Executivo do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Já está na mesa conosco... Quero agradecer muito ao Ministro Padilha, porque, ainda ontem à noite, eu fiz contato com o ministério e eles nos asseguraram que alguém viria representar o Ministro, com certeza, nesta reunião, que é preliminar de outra reunião que faremos em seguida.
Eu passo a palavra, neste momento, ao Dr. Olavo Noleto, Secretário-Executivo da Secretaria de Relações Institucionais, representando o Ministro Padilha.
O SR. OLAVO NOLETO (Para expor.) - Um bom dia a todos e a todas.
Obrigado, Senador Paim.
Quero cumprimentar os membros da mesa, a Sra. Laury Garcia, a Sra. Ilana, o Sr. José Henrique, do Governo do Rio Grande do Sul.
Senador Paim, nós passamos os últimos dias trabalhando com o conjunto dos órgãos federais, acompanhando e monitorando a situação do Estado do Rio Grande do Sul.
Em primeiro lugar, quero cumprimentar V. Exa. pela iniciativa, entendendo a importância desta Casa, a importância desta Comissão, a importância do seu trabalho - me permita aqui o registro de um fã, pela sua história, pelo que o senhor representa na política brasileira.
Cumprimentando o José Henrique, quero me solidarizar com o povo do Rio Grande do Sul, com o Estado do Rio Grande do Sul, com o Governo do estado, com os Prefeitos e Prefeitas municipais.
Quero dizer que o Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desde o primeiro minuto, entrou em estado de alerta total, botou todo o Governo Federal à disposição do Sr. Governador Eduardo Leite, não só manifestando a sua posição, mas nos mobilizando a todos. Todos os profissionais, todas as equipes de todos os ministérios foram colocados em estado de alerta; imediatamente as forças de segurança e defesa civil entraram em ação, não só como é previsto em lei, como é da sua natureza, mas também em um estado de solidariedade, de vigilância e de apoio. Essa movimentação das forças de segurança e defesa civil, Senador, também foi somada às forças de segurança e defesa civil de outros estados da Federação. Acho que é importante registrar o apoio do conjunto dos Governadores, do conjunto das secretarias de defesa civil.
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Existe hoje uma organização nacional que vai além das forças exclusivas do Governo Federal, essa organização nacional passa também por uma rede de apoio dos estados federais, a exemplo do Corpo de Bombeiros. Então, eles têm uma organização nacional, têm uma coordenação dessa organização nacional, que automaticamente entrou em ação e veio se juntar ao conjunto das forças nacionais que se somaram ao Estado do Rio Grande do Sul nessa tragédia. E a gente faz questão de ressaltar o trabalho, o carinho, o apoio dos estados também nesse momento tão importante e tão difícil.
O Governo Federal, a partir desse acionamento do Senhor Presidente, então com as forças de segurança, com as forças de defesa civil, sempre como método... A primeira preocupação é salvar vidas, a primeira preocupação é salvar vidas! Então, naquele momento, com pessoas não só sendo desabrigadas, mas correndo risco de vida, o trabalho das forças de segurança, o trabalho das forças de defesa civil passou por organizar a logística possível para aquele primeiro momento de salvamento das vidas.
Como os noticiários mostraram, foi algo muito forte, muito abrupto, e as forças que foram destacadas foram organizadas no sentido de otimizar os esforços e tentar poupar todas as vidas possíveis. Nesse sentido, sempre a sensação que nós cidadãos temos, Senador Paim, é de que tudo é pouco, porque, numa situação dessa, você não comemora ter menos mortes, numa situação dessa você chora a cada vida perdida. Nesse sentido, o Governo Federal se solidariza e apoia. E tudo que a gente mobilizou nós ainda achamos pouco, mas tudo que foi mobilizado foi aquilo que o aparato estatal tinha pronto naquele momento.
Essa catástrofe, com certeza, vai nos servir também para cada dia mais aprimorarmos a nossa estrutura de defesa civil dos estados, do país e dos municípios, que é um trabalho que aqueles que trabalham no tema da defesa civil militam em torno desse tema, porque eles sabem que um dia essas catástrofes podem acontecer e que estarmos bem estruturados pode significar salvar mais vidas.
É importante destacar aqui, Senador - atrevendo-me e prestando contas a esta Comissão -, que, além do levantamento... Após esse primeiro momento, que é de salvamento, vem um segundo momento, como bem disse aqui o Secretário, de pessoas que estão desabrigadas, e um terceiro momento, o apoio à reconstrução da infraestrutura, das casas das pessoas, da economia, porque as pessoas precisam voltar a trabalhar, precisam voltar a ter renda. Então, tudo o que compõe o universo de reconstrução do estado compõe o que seria uma terceira etapa de um trabalho que já começou. Então, quanto à primeira parte, de salvamento de vidas, nessa ação conjunta de todas as forças de segurança e defesa civil, nós temos neste momento mais de 900 militares das Forças Armadas lá do Rio Grande do Sul, 100 agentes da Força de Segurança Nacional, 20 helicópteros, 98 embarcações, 81 viaturas federais lá no estado; isso, fora o apoio dos estados, nessa força conjunta que foi chamada pelo Rio Grande do Sul e pelo Governo Federal, em total sinergia entre o Governo do estado e o Governo Federal - é importante destacar isso.
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Os hospitais estão sendo apoiados, o hospital de campanha está montado. Quanto ao envio de cestas básicas de toda a ordem possível, nós temos aqui o registro neste momento de 52 mil cestas básicas. Lembro que, no dia de ontem, aumentou o número de municípios em situação reconhecida de calamidade para 336 municípios - no final do dia de ontem. E o Presidente da República, nas suas duas idas ao Rio Grande do Sul agora nesses dias, fez questão de dizer que todas as iniciativas e todos os recursos necessários para apoiar o Rio Grande do Sul, o Governo do estado, as prefeituras, a economia local estarão à disposição do estado. O Presidente, nas suas palavras de ontem, disse inclusive que o Brasil reconhece o quanto o Rio Grande do Sul apoiou o desenvolvimento brasileiro e o quanto o Brasil é devedor do Estado do Rio Grande do Sul. Essas foram palavras do Senhor Presidente, no dia de ontem, lá no Estado do Rio Grande do Sul.
A Secretaria de Relações Institucionais, o Ministro Alexandre Padilha, Senador Paim, já adiantou para a coordenação do Governo um mapeamento de recursos provenientes de emendas federais da bancada do Rio Grande do Sul, para podermos acelerar a liberação dessas emendas, principalmente aquelas destinadas a áreas afins à necessidade mais proeminente: no dia de ontem, se eu não estou enganado - a cabeça já está aqui... -, na ordem de R$580 milhões de emendas no fim de semana; um pouco mais de R$500 milhões do Ministério da Saúde; e outros recursos estão sendo mapeados, ainda também de emendas parlamentares, para podermos, de forma coordenada com os ministérios, acelerar a execução, a exemplo da modalidade RP 8, que são as emendas de Comissão.
Além disso, é importante destacar que, durante o fim de semana, nós estivemos em contato, a Secretaria de Relações Institucionais, Senador Paim, com todos os Prefeitos e Prefeitas dos municípios atingidos do Rio Grande do Sul. É claro que, até ontem no meio do dia, o número era diferente desse; se eu não estou enganado, algo em torno de 260 municípios. Então, falo desse contingente de Prefeitos e Prefeitas. Nós falamos diretamente com todos eles, além do contato da defesa civil. Estamos falando de um contato da Secretaria de Relações Institucionais para entender do Prefeito o seguinte: como foi o contato com a defesa civil? Além do número de vítimas, desabrigados e estragos, qual é a sua dificuldade mais imediata e de que maneira nós podemos apoiar? Então, essa conversa bilateral, com cada Prefeito e Prefeita, nós fizemos no final de semana. A nossa equipe contactou todos os Prefeitos e Prefeitas - todos. É claro que agora, aumentando o número, como no final do dia de ontem, até o dia de hoje, esperamos contactar todos aqueles que se somaram a essa situação de calamidade no final do dia de ontem. Esse contato é importante para irmos além da coisa que, muitas vezes, parece fria, das forças de segurança, mas elas têm uma objetividade muito clara, as forças de defesa civil e de segurança, que é no pronto-socorro. Agora, nós já estamos preparando uma segunda etapa, porque cada município tem uma especificidade, tem uma história, tem um problema que, de repente, outro não tem.
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Houve um caso, se não estou enganado, em Canoas, em que o hospital teve - se eu estou entendendo corretamente - um curto na UTI...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Na UTI, falta oxigênio.
O SR. OLAVO NOLETO - ... e as pessoas entraram em óbito por falta de oxigênio, nove pessoas. Esse é um tipo de caso único e que precisa de apoio único. Então, nesse momento, esse contato com os Srs. Prefeitos e as Prefeitas, é para entender, caso a caso, como é que nós podemos apoiar.
Também no dia de ontem, às 19h, nós chamamos reunião com todos os Prefeitos e Prefeitas lá na sede da Famurs, em Porto Alegre, mas aqueles Prefeitos e Prefeitas que precisassem contactar pela internet, participaram pela internet, por plataforma social. Fizemos uma reunião presencial e virtual com todos os municípios afetados. Se eu tenho correto, cerca de 330 municípios participaram da reunião de ontem, às 19h, presencial na sede da Famurs e virtual pela rede.
Ouvimos os Prefeitos também não só sobre os problemas, mas também sobre sugestões de como nós devemos proceder nesse próximo momento, agora. Atrevo-me a dizer que uma das coisas mais solicitadas pelos Prefeitos, Senador, foi o trato não só da liberação de recursos, mas da burocracia na liberação, que sempre é uma aflição para o ente federado conseguir acessar um recurso federal. Nesse caso, de um recurso para atender situações de calamidade, já existe um rito próprio, que já é facilitador para o município conseguir acessar o recurso.
Nós, nesse diálogo, direto com os municípios, estamos verificando se eles estão tendo dificuldade para confeccionar o planinho de trabalho que é exigido pela defesa civil, para o Prefeito poder enviar. Todos os Prefeitos que nós contactamos disseram que estavam conseguindo fazer, que iam conseguir entregar rapidamente. Mesmo assim, nós colocamos a equipe à disposição para apoiar na confecção do plano se algum município tiver dificuldade.
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E, quanto à solicitação dos Prefeitos e Prefeitas para desburocratizar o acesso aos recursos federais, nós também estamos verificando, na prática, o que seria essa desburocratização, para atender exatamente àquilo que os Prefeitos e Prefeitas estão demandando.
Então, de maneira que, Senador Paim, atrevendo-me aqui a um primeiro relato, com certeza faltou muita coisa, mas, não querendo estender demais a fala, colocar à disposição para esclarecimentos e reafirmar o compromisso do Governo Federal, da Secretaria de Relações Institucionais, do Ministro Alexandre Padilha... O Presidente Lula está 1.000% à disposição desta Casa e à disposição do povo do Rio Grande do Sul. A nossa solidariedade, o nosso apoio total e irrestrito, e nós estaremos juntos não só para salvar vidas, mas para reconstruir tudo o que for preciso reconstruir no Estado do Rio Grande do Sul.
Então, o nosso respeito e a nossa total disposição em apoiar o estado, os municípios e a população do Rio Grande do Sul. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Secretário-Executivo da Secretaria de Relações Institucionais, Olavo Noleto, representando o Ministro Padilha. Liguei ontem à noite, eles disseram que iriam te procurar, e te acharam. Eu acho que eram 10h, 11h da noite, quando deram o retorno de que você viria.
Eu queria, nesse momento ainda... Eu sei que vocês... Muitos dos que estão aqui vieram devido também ao debate do combate ao trabalho escravo, mas sei que todos estão sensíveis à situação do Rio Grande do Sul, que a gente fala em 78, 76, mas há quem fale que são mais de 100 mortos já e milhares de pessoas desabrigadas, milhares, desabrigadas são milhares! E há, em torno, se eu não me engano, de 105 desaparecidos, entre os dados que eu dei.
Pode complementar.
O SR. OLAVO NOLETO - Posso me atrever aqui, Senador?
No nosso número, nós temos, já confirmadas, 78 mortes...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Setenta e oito mortes!
O SR. OLAVO NOLETO - ... 105 desaparecidos, 175 pessoas feridas, 134 mil pessoas fora de casa, sendo 18 mil em abrigos e 115 mil desalojadas, que recebem abrigo nas casas de familiares ou amigos. E 341 dos 496 municípios do estado registraram algum tipo de problema desse tipo, afetando cerca de 844 mil pessoas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É isso. Infelizmente, essa é a realidade.
Mas, para que todos percebam e vejam o que está acontecendo, nós separamos alguns vídeos - aí tem um específico da campanha, não é, Ilana? - para que fossem passados agora, aqui, rapidamente. Então, os vídeos, rapidamente, por favor... (Pausa.)
Em seguida, a senhora vai falar como moradora do estado. Segure só para o final. (Pausa.)
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para o Brasil, via TV Senado, Agência Senado, ver como é que está a realidade lá.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vocês podem ver que, em muitas casas, é só o teto que a gente consegue ver. Olhem ali.
São tão semelhantes, todas, que é difícil identificar qual é a cidade.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A sugestão aqui da assessoria é de que a Sra. Laury Garcia Job, gaúcha, que conhece muito bem o que aconteceu, como nós estamos com dificuldade de áudio, pode ir falando, e as imagens vão correndo.
É só apertar aí.
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A SRA. LAURY GARCIA JOB (Para expor.) - Bom dia.
Eu sou gaúcha de Porto Alegre e da cidade de Tapes, do Rio Grande do Sul. Tapes é uma cidade que fica à beira da Lagoa dos Patos, mas fomos abençoados e a água passou pela grande lagoa e não atingiu a nossa cidade até agora.
Eu estava em Brasília fazendo um trabalho, porque eu sou Secretária-Geral do Conselho Federal de Relações Públicas, estava aqui trabalhando no Fórum dos Conselhos de Profissões Regulamentadas, cheguei aqui e não posso retornar para minha casa porque não tem aeroporto, porque se eu chegar no aeroporto eu não posso ir para minha casa, que fica no bairro chamado Sarandi, que é atrás do aeroporto. Não tem como chegar na minha casa, até porque a minha casa está até o teto com água.
Eu moro num condomínio de classe média, simples, com os meus filhos, cada um mora numa casa. Todos nós perdemos tudo dentro de casa. Eu tenho netinhos de dez, nove e oito anos, que estão desconsolados porque não têm a casa mais, não têm mais o brinquedo, não têm mais nada daquilo que era referência deles.
Nosso Governador nos alertou diversas vezes. Ele disse: "Vai ser algo que a gente não espera, que nunca aconteceu". Isso deve ser dito, mas nós nunca pensamos que seria algo desse nível, até porque nós moramos num bairro da zona norte e nesse bairro não chegaria a água do Rio Guaíba, mas os diques que nos rodeiam vazaram, e nós estamos nessa situação.
Meu condomínio tem cento e vinte e poucas famílias, e todos nós estamos alojados em casas de parentes, em casas de amigos. Minha família está no apartamento de um amigo, estamos todos lá. Eu não posso retornar para estar junto com os meus netos. São crianças pequenas, que choram. (Manifestação de emoção.) É muito difícil ver essa situação, e eu vejo e ainda me alegro da minha situação porque eu tenho casa para voltar. Daqui a sete, dez dias, quando baixar tudo e eu puder retornar, enfim, quando a minha família puder retornar, nós temos casa para voltar. Mas nós sabemos que tem gente que não tem, que não vai ter mais a sua casa.
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Eu vim de um trabalho... Eu sou professora universitária e eu estava em Lajeado na semana anterior; na semana em que eu vinha para cá eu estava dando aula, e no hotel em que eu parei tem um mapa de toda aquela região, e são trinta e poucos municípios que vivem na região do Rio Taquari. E eles me falavam, naquele período em que eu estive lá: "Professora, a senhora não imagina o que foi a nossa tristeza em setembro. Tudo aqui estava alagado, muitos perderam tudo". Sabia eu que, dali a uma semana, eu estaria aqui e eles estariam numa situação pior do que estavam antes.
E não é só isso. Eu, como avó, vejo crianças perdidas. Eu vejo, não; eu acompanho crianças que se perderam das famílias. Nós temos uma universidade lá que está recebendo crianças perdidas e que não vão ter casa para voltar. Falo de crianças, mas são quantas pessoas perdidas? Lembrem, gente, que, dentro das nossas casas, nós temos pessoas que, às vezes, nem sabem quando estão dentro de casa por causa das suas doenças mentais, os idosos... Então, nós temos...
Nunca participei de uma guerra, mas eu acredito que nós estamos numa situação de guerra. Agora Porto Alegre está cercada, não pode sair, não pode entrar. A comida, a situação, a água, a luz... Enfim, a situação realmente é difícil.
Essa campanha em que a minha querida Luna me permitiu colaborar eu digo aos senhores que foi um presente de Deus, porque eu estou longe e extremamente angustiada. Ela me conhece e sabe que eu sou uma pessoa que estou sempre preocupada em trabalhar para o ser humano, não pelo título, Senador em que eu sempre votei, mas pela pessoa. Está na hora... E nós agora não temos mais título, não existe mais título. Agora existe um ser humano que está sofrendo, está doído, está com frio e vai ficar com mais frio ainda.
Por isso, a campanha da Ilana é o cobertor. Para nós gaúchos o cobertor simboliza o pala que nós usamos, simboliza o aquecimento, aquele que me aquece. Então, essa campanha do Senado, que felizmente ela me permitiu também estar aqui apoiando, já que eu não posso voltar para minha casa... Isso não quer dizer que eu não esteja superbem acomodada aqui, estou na casa da minha mana, graças a Deus. Deus me botou na casa da minha mana, que é uma pessoa fabulosa. Então, esta campanha vem dizer assim: aqueçam os gaúchos, nos aqueçam, aqueçam o nosso coração.
Uma das coisas mais significativas para os meus filhos... Eu estava conversando ontem, e a minha nora disse, chorando ao telefone: "Eu choro, mas eu nunca na vida pensei que eu iria ter tanto carinho como eu recebi agora". E, vejam bem, perdemos tudo, os documentos, a nossa história.
Não foi falta de aviso do Governador, eu não concordo com as pessoas que dizem... Desculpe, eu não tenho, eu não estou aqui... Não é político, mas é a realidade. Não foi falta de aviso, mas era uma realidade que nunca existiu na nossa vida; então, foi muito difícil para a gente entender. Isso implica que muita gente não saiu de casa porque acreditava que não ia acontecer assim. Então não foi por desleixo, não foi por descuido, mas foi justamente por ser um fato completamente novo para nós. Nós vamos enfrentar isso, nós vamos enfrentar com coragem, porque nós sabemos que vamos ter, sim, esse apoio todo e nós sabemos, sim, que é preciso agilizar esta chegada aos nossos municípios, porque estão destruídos. Nós sabemos que podemos contar com as autoridades que vão nos dar esse apoio e podemos contar com aqueles que nos oferecem um cobertor para nos aquecer. Hoje nós precisamos que aqueçam o nosso corpo e aqueçam o nosso coração.
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Então, obrigada por poder dar este depoimento. Digo também que o grau de solidariedade dos gaúchos entre si tem sido espetacular. Os Prefeitos têm auxiliado uns aos outros. Posso dizer pela minha cidade de Tapes. Eu moro na Vila dos Pescadores, não fomos atingidos. Nossos barcos, nossos pescadores, todos se deslocaram para Guaíba, cidade próxima, e Eldorado, para poder atender aquela comunidade que precisa. Então, mesmo doendo, sabemos que vamos agora, depois de reconstruir, quando chegar às nossas casas, aqueles que têm casa, ter que começar toda uma vida novamente, mas nós sabemos que estamos contando com o apoio de todos os brasileiros, com oração, com ajuda financeira, com ajuda de todas as formas.
Àqueles que estão nos apoiando, o nosso muito, muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem, Sra. Laury Garcia Job, gaúcha, que está longe de casa, não pode voltar, que é uma situação de muitos e muitos gaúchos que estão em outros estados, porque o aeroporto de Porto Alegre está todo alagado, mostra claramente que não tem como deslocar.
E ela falou muito bem, se você sair do aeroporto, você não consegue chegar a nenhuma cidade: não entra em Porto Alegre, não entra em Canoas, não entra em Cachoeirinha, porque está tudo bloqueado devido à chuva.
Nós agora vamos agradecer a todos.
Chegou aqui para nós, veio do Plenário: atenção, moradores de Canoas, que é a cidade em que eu resido - o Prefeito Jairo Jorge está fazendo um belíssimo trabalho com o esforço que ele pode fazer, como os outros Prefeitos também -, toda criança resgatada na cidade deve ser levada à Ulbra, a universidade está acolhendo. Muitas crianças estão sendo resgatadas, porque os pais fizeram questão de salvar os filhos. Equipes do Conselho Tutelar estão realizando acolhimento das crianças no local, pois muitas delas estão sem pais ou responsáveis. Da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, então mais um aviso.
Neste momento eu vou liberar os meus colegas, amigos que estão aqui na mesa, e nós vamos para a outra mesa, mas vai continuar, vai continuar.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então fale, fale, fale, fale agora, que você está na outra mesa.
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA (Para expor.) - Desculpem. Eu sei que estou na próxima mesa, mas esta mesa eu acho que é muito importante.
Eu sou a Anna Paula Feminella, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, e Presidente do Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência). E os dados que nós temos... Hoje à tarde a gente vai se reunir, online, com o Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado do Rio Grande do Sul. Os dados que estão nos chegando são muito graves sobre a situação das pessoas com deficiência. Só no Município de Canoas são apontadas 500 pessoas com deficiência com necessidades emergenciais de cuidados. Então, é importante, pois, além das crianças e das pessoas idosas, as pessoas com deficiência também requerem atendimento prioritário. Elas perdem condições básicas, como cadeira de roda, perdem situações básicas, como aquelas que estão acamadas, aquelas camas ou colchonetes de casca de ovo, fralda geriátrica, sonda, alguns produtos. O Conade e o Ministério dos Direitos Humanos também estão montando a sua comitiva para atender esses grupos prioritários. Estamos fazendo contato com organizações.
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Então, eu queria só aproveitar e dizer da nossa solidariedade com o Governo do Rio Grande do Sul, com o Governo... E estamos junto com o Presidente Lula, indo numa comitiva, e também já articulando esses recursos necessários. Eu acho necessário dizer que, para o volume de demandas que a gente vai ter, a gente ainda não tem os dados precisos sobre essas demandas, mas já é de comum o acordo dizer que a gente vai precisar de cadeira de rodas, vai precisar... Às vezes tem cadeira de rodas que está deixada... sem uso em algumas casas. A gente precisa de cadeira de banho, precisa de fralda geriátrica, precisa de colchões, precisa de materiais, de muletas, bengalas, coisas que foram perdidas por essas casas todas desaparecidas.
Então, contem conosco, estamos juntos. E é isso. Está bom? A gente vai fazer ainda uma campanha nesse sentido. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou dar uma salva de palmas para essa mesa. Parabéns por tudo que disseram aqui. O Rio Grande do Sul e o Brasil agradecem. (Palmas.)
E vamos chamar agora a próxima mesa. (Pausa.)
Eu chamo para esta mesa o Sr. Thiago Lopes de Castro, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Por favor. (Palmas.)
Convidamos André Roston, Auditor Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. (Palmas.)
Luciana Paula Conforti, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). (Palmas.)
William Charley, Defensor Público da União, DPU. (Palmas.) (Pausa.)
Se vocês concordarem, nós vamos encaminhar da seguinte forma...
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Estão chegando pelo celular muitas mensagens sobre a situação do Rio Grande do Sul: "O que eu faço? Como eu apoio?", enfim. Eu vou dar oportunidade para as mesas, nós vamos tocar todo nosso trabalho. No momento em que eu chamar, façam uma primeira fala, se entenderem que é um minuto, dois minutos, fiquem bem à vontade, sobre a situação desse estado de guerra em que está o nosso estado; em seguida, sigam na sua palestra.
Pediu para que eu chamasse primeiro, pois está com problema de horário, a Sra. Laís Abramo, Secretária Nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Não sei se a Sra. Laís já está na tela.
A SRA. LAÍS ABRAMO (Por videoconferência.) - Estou, sim, Senador, desde o começo da manhã.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, parabéns. Estamos juntos aqui.
Eu combinei aqui que cada um, no momento da fala, pode falar por um minuto, pelo menos, ou dois, se assim entender, sobre a situação de calamidade pública que envolve quase 400 municípios dos 497 do Rio Grande do Sul. Todos terão um tempo de dez minutos.
O tempo é seu, Secretária Laís.
A SRA. LAÍS ABRAMO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Senador.
Queria cumprimentá-lo por essa importantíssima iniciativa de convocação da audiência pública e por toda a discussão que foi feita até agora. Eu estou aqui desde o comecinho, escutei tudo que foi dito sobre a situação do Rio Grande do Sul e não poderia não expressar a minha mais profunda solidariedade com o povo do Rio Grande do Sul e com todo o esforço que está sendo realizado para enfrentar essa tragédia. Em nome do Ministro Wellington Dias, Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social também, digo que o ministério está participando ativamente, junto com o Presidente Lula, todos os membros do Governo e todos os demais Poderes que estão atuando para tentar lidar com essa situação.
No caso do Ministério do Desenvolvimento Social, em primeiro lugar, está sendo colocada à disposição toda a rede do SUAS (Sistema Único da Assistência Social), especialmente, entre as diversas coisas que estão sendo feitas, a disponibilização de cestas básicas de alimentação, foi colocada aqui de maneira tão clara a importância disso. A partir de hoje chegam as primeiras 1,5 mil, amanhã mais 3 mil e, a partir de depois de amanhã, 4,5 mil cestas básicas por dia, além de tudo que o MDS vem fazendo, como parte do Governo Federal, em situações desse tipo, que é antecipar o pagamento do Bolsa Família, do BPC e prestar toda a atenção no que se refere a minorar os efeitos de toda essa calamidade.
Então, se o senhor me permite, eu passaria a falar sobre o tema da audiência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito. Foi uma bela introdução.
A SRA. LAÍS ABRAMO (Por videoconferência.) - Obrigada, Senador.
Então, eu queria começar cumprimentando também o Frei Xavier Plassat e todas as demais pessoas, como a nossa querida Luiza Batista, Coordenadora-Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, e todas as demais personalidades que vêm há tanto tempo - oi, Luiza - se dedicando, de maneira tão intensa e corajosa, a essa luta pela prevenção e erradicação do trabalho escravo no Brasil.
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Nós sabemos que o trabalho escravo, forçado ou em condições análogas à escravidão, tal como definido pelo Código Penal Brasileiro, constitui uma gravíssima violação aos direitos e princípios fundamentais do trabalho e aos direitos humanos das pessoas submetidas a essa condição. Trabalho escravo configura, ao lado do trabalho infantil, uma das antíteses mais claras da noção de trabalho decente.
O Brasil vinha se destacando no combate a essa chaga desde que a existência do trabalho escravo foi oficialmente reconhecida no país, em meados dos anos 90 do século passado, após insistentes denúncias de organizações da sociedade civil, entre as quais se destaca justamente a Comissão Pastoral da Terra.
A constituição da Conatrae (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), dos grupos móveis de fiscalização, do cadastro de empregadores flagrados empregando trabalhadores em condições análogas à escravidão e dos pactos nacionais pela prevenção e erradicação do trabalho escravo são alguns dos marcos destacados dessa luta que foram reconhecidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) como referência e exemplos de boas práticas no âmbito internacional.
Infelizmente, esse esforço foi enfraquecido em anos recentes, por razões que nós conhecemos, entre outros motivos devido à extinção da Conatrae, em abril de 2019, e o seu debilitamento quando ela foi recriada. Por outro lado, o avanço da pobreza e da fome no país e o aumento da precarização e desproteção do emprego, processos que apenas a partir do ano passado começaram a ser revertidos, tornou os trabalhadores e as trabalhadoras mais vulneráveis ao aliciamento para essas formas degradantes e inaceitáveis de trabalho.
Entrando na questão das trabalhadoras domésticas e do trabalho escravo, de acordo com a OIT, existem atualmente no mundo 6 milhões de mulheres em situação de trabalho forçado, das quais 1 milhão estão no trabalho doméstico, ou seja, no âmbito mundial, quase uma de cada cinco mulheres que estão em situação análoga à escravidão são trabalhadoras domésticas. Vale notar que nesse conjunto não estão considerados os casos de casamentos forçados, que afetam quase 15 milhões de mulheres no mundo, muitas vezes crianças e adolescentes, como nós sabemos, e que muitas vezes escondem situações de trabalho doméstico forçado também.
No Brasil, como sabemos, os primeiros casos de trabalhadoras domésticas resgatadas de condições análogas à escravidão são de 2017, foram dois casos nesse ano, o que não quer dizer evidentemente, como tão bem sabemos, que antes dessa data esses casos não existissem. Entre 2017 e 2023 ocorreram 217 resgates, e a última atualização do cadastro, da lista suja, quando foram excluídos 248 empregadores, 43 deles eram de empregadores domésticos que estavam submetendo trabalhadoras domésticas a essas condições. É a primeira vez, desde a existência do cadastro, que as trabalhadoras domésticas estão no topo da lista, infelizmente.
Esses dados evidenciam a gravidade da situação, mas ao mesmo tempo evidenciam também que uma maior atenção começa a ser dada ao tema, fruto em grande medida da atuação da Fenatrad e de outros órgãos e instituições comprometidos com a luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas e pela prevenção e erradicação do trabalho escravo, como a Conatrae, a OIT, o MPT (Ministério Público do Trabalho), a Anamatra. Muitas dessas organizações estão participando desta audiência, o que é muito bom.
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É importante ressaltar aqui a importância da emenda constitucional de 2013, conhecida como PEC das domésticas, nesse processo, ao ampliar o direito das trabalhadoras domésticas, assim como a Lei Complementar 150. Antes dela, por exemplo, não havia um controle obrigatório da jornada de trabalho das trabalhadoras domésticas nem uma vedação legal a descontos salariais feitos em decorrência do fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, fazendo com que fosse muito mais difícil identificar as práticas associadas ao trabalho análogo ao escravo, tais como as jornadas exaustivas, as condições degradantes, a servidão por dívida, a retenção de documento, a restrição de locomoção, entre outras.
Mas isso ainda é muito insuficiente. É possível, é muito provável que existam ainda muitas mulheres em situação de escravidão moderna, entre elas trabalhadoras domésticas que ainda não foram devidamente identificadas e visibilizadas. Se isso é verdade, onde elas estariam?
Para avançar nestas necessárias identificação e visibilização - esta audiência pública é muito importante neste sentido também -, é necessário aprofundar o enfoque de gênero no esforço de prevenção e erradicação do trabalho escravo no país e olhar com mais cuidado situações que podem afetar particularmente as mulheres e principalmente as mulheres negras, como é o caso do trabalho doméstico.
Mas é necessário olhar com atenção também para as mulheres que fazem um outro tipo de trabalho doméstico, como cozinhar para os trabalhadores rurais submetidos a condições de escravidão. Já houve casos em que, em ações de resgate, essas mulheres não terem sido identificadas como trabalhadoras e em condições análogas à escravidão, porque simplesmente não eram identificadas como trabalhadoras. Muitas vezes, esse trabalho doméstico é invisibilizado, não é reconhecido como um trabalho. E isso é uma situação que a gente tem que superar. Ao não serem identificadas, não receberam as devidas reparações.
Eu queria gastar um minutinho do meu tempo para falar sobre algo que eu acho que é muito importante, que é a relação entre trabalho escravo e trabalho infantil no serviço doméstico.
Os casos das trabalhadoras domésticas resgatadas da escravidão contemporânea são muito dramáticos e eloquentes por diversos motivos. Entre eles, o fato de que, em geral, se trata de crianças e adolescentes que, entre aspas, "foram entregues" às famílias de seus escravisadores em idades muito tenras, e lá permaneceram ao longo de toda a vida, sendo muitas vezes resgatadas já como mulheres idosas, com vínculos totalmente rompidos com suas famílias e comunidades de origem.
As estatísticas e análises sobre o tema indicam uma relação muito importante entre o trabalho infantil e o trabalho escravo, ou seja...
Vou terminar. Desculpem-me. Não me dei conta.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai ter mais um minuto.
A SRA. LAÍS ABRAMO (Por videoconferência.) - Está bom.
Oitenta por cento das pessoas resgatadas da situação de trabalho escravo foram vítimas do trabalho infantil.
(Soa a campainha.)
A SRA. LAÍS ABRAMO (Por videoconferência.) - E ser vítima do trabalho infantil aumenta significativamente a vulnerabilidade a situações de trabalho escravo na juventude e na vida adulta.
Eu só queria chamar atenção para o fato de que os últimos dados sobre o trabalho infantil, divulgados em dezembro passado, mostram que ainda existem hoje no Brasil 126.027 crianças e adolescentes no serviço doméstico no país. O mais grave é que esse número aumentou significativamente entre 2019 e 2022.
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Para terminar e usar este minuto, eu só queria dizer que as trabalhadoras domésticas são um dos grupos prioritários da Política e do Plano Nacional de Cuidados, que estão sendo elaborados no âmbito do Governo Federal, em diálogo com o Congresso e com as organizações representativas dos trabalhadores e as demais organizações da sociedade civil. Foi discutida, neste âmbito, uma série de propostas para as trabalhadoras domésticas, em conjunto com a Fenatrad e seis Ministérios do Governo Federal - MDS, Ministério das Mulheres, do Trabalho, da Educação, dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial e das Cidades -, com o apoio da OIT.
Entre as principais propostas - com isso eu termino - está justamente a ideia de que tem que haver um protocolo especial para o fluxo de atendimento das trabalhadoras domésticas resgatadas das situações de trabalho escravo que envolva diversos órgãos públicos.
Sabemos que existe um grupo, um GT na Conatrae que está revisando o fluxo que foi definido há uns anos. E seria muito importante que um olhar específico sobre as trabalhadoras domésticas fosse incorporado nesse processo.
Muito obrigada.
Desculpem-me ter passado do tempo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Laís Abramo, Secretária Nacional da Política de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Parabéns pela fala.
Aqui informavam-me que ela foi Diretora da OIT. Por isso conhecimento não falta ali. Sabia muito bem o conteúdo do tema que estamos tratando.
Eu vou chamar agora e vou intercalar uma convidada ou um convidado presencial e outro por videoconferência.
Agora é o Sr. Thiago Lopes de Castro, Procurador do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho; dez minutos.
O SR. THIAGO LOPES DE CASTRO (Para expor.) - Bom dia a todas as pessoas presentes e as que acompanham esta audiência pública pela internet.
Cumprimento a mesa e todas as autoridades, instituições públicas presentes.
Na pessoa do Senador Paulo Paim, presto solidariedade ao povo gaúcho.
Registro, Senador Paulo Paim, que, na sexta-feira, o Conselho Nacional do Ministério Público editou uma recomendação no sentido de que o Ministério Público brasileiro envide todos os esforços para promover ações articuladas para auxiliar o Estado do Rio Grande do Sul, inclusive por meio de destinação de recursos decorrentes de ações da atuação finalística do Ministério Público, sejam recursos provenientes de termos de ajustamento de conduta, recursos provenientes de condenações judiciais. Enfim, o Ministério Público brasileiro certamente contribuirá com essa causa tão importante, neste momento de dor e de tragédia para o povo gaúcho. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado.
O SR. THIAGO LOPES DE CASTRO - Cumprimento também todas as instituições privadas e representantes da sociedade civil, em nome da Fenatrad e também da Marta de Jesus, irmã da trabalhadora doméstica Sônia Maria de Jesus.
Agradeço o convite para, na qualidade de Vice-Coordenador do Grupo de Trabalho do MPT Trabalho Doméstico, representar a instituição e também a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho em mais uma audiência pública para tratar deste tema.
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No ano passado, eu tive a oportunidade e a felicidade de estar aqui em comemoração aos 10 anos da Emenda Constitucional nº 72, de 2013, fruto de uma conquista histórica da categoria, que deve ser celebrada e que, naquela ocasião, já chamava a atenção para a situação do trabalho escravo doméstico. Fico feliz de saber que estamos aqui para debater o tema.
Sou Thiago Castro, Procurador do Trabalho, atualmente lotado aqui em Brasília, mas, até o ano passado, estava lotado em Patos de Minas, Minas Gerais, onde, em 2020, tive a oportunidade de, juntamente com a Auditoria Fiscal do Trabalho - e aqui nomino os Auditores Humberto Camasmie e Gustavo Castanheira, supercompetentes e combativos -, efetuar o resgate da trabalhadora doméstica Madalena Gordiano.
É um caso paradigmático que guarda muitas semelhanças com o caso da trabalhadora doméstica Sônia, razão pela qual eu vou elencar algumas dessas características que evidenciam que se trata de uma problemática de gênero, de raça e de classe social.
Ambas nasceram em 1973 e hoje têm exatos 50 anos. Madalena foi resgatada aos 47 anos, Sônia aos 49. Ambas foram resgatadas após aproximadamente 40 anos de submissão à escravidão contemporânea. Ambas trabalharam para duas gerações da mesma família. Ambas as famílias exploradoras são compostas por quatro filhos que tiveram pleno acesso à educação formal e que hoje estão muito bem inseridos profissionalmente. No caso da família da Madalena, todos os quatro irmãos têm nível superior, tendo dois deles pós-doutorado. No caso da família que acolheu a Sônia, em Santa Catarina, uma é CEO de uma grande empresa, uma é advogada, uma é médica e o outro é engenheiro. Por outro lado, as duas foram vítimas de trabalho escravo doméstico, trabalho infantil doméstico e foram privadas da educação formal por essas famílias - não famílias que as acolheram, mas famílias que as exploraram. Então, é importante fazer esse registro para que não haja nenhuma confusão entre uma família realmente acolhedora e uma família empregadora e exploradora.
Ambas tiveram a saúde negligenciada pelas famílias exploradoras. Ambas dormiam em quartos destinados exclusivamente a trabalhadoras domésticas: Madalena dormia num quarto minúsculo sem banheiro e sem janela; Sônia dormia num quarto fora da casa principal. Ambas tinham restrição parcial de sua liberdade: o convívio social delas se restringia basicamente ao núcleo familiar das famílias. Ambas trabalhavam de domingo a domingo, sem férias, sem feriado e, portanto, foram submetidas a jornadas exaustivas - uma das modalidades de trabalho escravo contemporâneo - e também trabalharam sem perceber qualquer remuneração ou um valor irrisório pelo seu trabalho.
Madalena, ao depor, em Patos de Minas, disse que recebia R$100, R$200 pelo seu trabalho. Perguntada se alguma vez recebeu salário mínimo, sequer soube dizer o que era um salário mínimo.
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O caso da Madalena foi paradigmático, em razão da grande divulgação do caso pela grande mídia nacional e internacional, trazendo luzes à categoria, trazendo visibilidade a essa categoria que até então era tão invisibilizada.
O Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo foi criado em 1995 e, apenas em 2017, 22 anos depois, é que ocorreu o primeiro resgate de um trabalhador doméstico no Brasil. Entre 2017 e 2020, foram apenas 12 resgates em todo o país, o que dá uma média de três por ano, no período de quatro anos. A partir do caso da Madalena e de todos os outros que se seguiram, esse número subiu para 31 resgates em 2021, 35 resgates em 2022 e 41 resgates em 2023. Foi um aumento de mais de 1000%, em número de resgates, mas nós sabemos que é um número insignificante, um número simbólico. A Dra. Laís, que me precedeu, informou uma estimativa de 6 milhões de trabalhadoras domésticas escravizadas no mundo inteiro. Então, há de se supor que, no Brasil, esse número, certamente, corresponde a alguns milhares também, Senador Paulo Paim - em que pese o resgate de 119 trabalhadoras domésticas nos últimos 7 anos.
Gostaria de destacar um ponto muito importante. Eu fui lotado em Patos de Minas e, com exceção do ano passado, em que o Estado de Goiás foi o campeão em número de resgates no Brasil, Minas Gerais, até então, foi o campeão em resgates por 10 anos consecutivos. Nos últimos quatro anos, com exceção do ano passado, a região de Patos de Minas foi a que mais resgatou, juntamente com a Auditoria Fiscal do Trabalho - o maior número de trabalhadores resgatados em todo o país.
Pela minha experiência, cabe destacar aqui uma distinção muito importante em relação aos trabalhadores rurais, que são a maioria dos trabalhadores resgatados no país. Eles são resgatados... Eles têm uma característica: geralmente são migrantes e safristas. E, ao fim da safra, sendo resgatados ou não pela fiscalização, recebendo ou não seus salários, parcialmente, eles retornam para seus lares, para suas famílias e têm uma vida normal, em que pese terem tido alguns de seus direitos violados. Trata-se, na minha concepção, de trabalhadores escravizados de forma temporária.
Já as trabalhadoras escravas domésticas são submetidas a essa condição por décadas. Então, elas têm a infância roubada, a adolescência, a juventude, a vida roubada. Trata-se, na verdade, de trabalhadoras escravizadas de forma permanente. Essa é uma característica substancial e importante a ser levada em conta em qualquer política que pretenda combater efetivamente e resgatar efetivamente a cidadania dessas trabalhadoras.
Voltando ao caso da Sônia, da trabalhadora Sônia, também é um caso bastante paradigmático, porque Sônia foi resgatada após uma intensa operação e, poucos dias depois, ela foi "desresgatada". Houve uma decisão judicial pelo Superior Tribunal de Justiça que permitiu à família que tivesse um momento com ela. E então ela retornou para essa família sem ter tido o devido amparo - o devido momento para a sua ressocialização.
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E essa decisão é inédita no Judiciário brasileiro, cabe destacar, e causa perplexidade.
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO LOPES DE CASTRO - Causa perplexidade porque é o próprio Poder Judiciário institucionalizando uma cultura escravagista que perdura há 500 anos e cuja abolição formal já ocorreu há 135 anos. Nós não podemos compactuar mais com essa cultura escravagista do país, sobretudo por parte do Estado. O Estado tem que ser o primeiro a abortar, a abolir esse tipo de cultura.
Destaco também, em relação a essa temática, que uma família que pretenda realmente recolher uma criança pode colocar a criança para fazer alguns afazeres domésticos, mas não a submeter a trabalho infantil doméstico. De forma que, para que haja efetivamente uma criação, aquela criança tem que ser criada como se fosse um filho biológico, um filho adotivo, com todos os cuidados, com inclusão escolar, com assistência à saúde, com liberdade plena, convívio social e familiar comum a qualquer pessoa, o que não ocorre nesses casos de trabalho escravo doméstico.
Destaco também que não se pode compactuar com estratégias adotadas por algumas famílias que instrumentalizam o Poder Judiciário, ajuizando ações de reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva, tão somente após décadas de exploração com o objetivo de se furtar à sua...
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO LOPES DE CASTRO - ... responsabilização trabalhista e criminal.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais um minuto, Thiago.
O SR. THIAGO LOPES DE CASTRO - Considerando o encerramento aqui, mais um minuto, gostaria de destacar algumas políticas públicas, como o combate ao trabalho infantil doméstico, a necessidade de flexibilização dos requisitos para autorização do ingresso em domicílio, quando se tratar de denúncias envolvendo trabalho escravo doméstico, tendo em vista se tratar de um crime permanente, e a necessidade de oferecer assistência integral no pós-resgate, que abranja assistência social, oferta de moradia, de alimentação, assistência psicológica, assistência médica. Uma assistência que possa realmente resgatar a dignidade das trabalhadoras e não apenas resgatá-las daquela situação, de modo que elas possam, por meio do devido acompanhamento, vislumbrar uma vida nova, uma vida livre e autônoma.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Thiago Lopes de Castro, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho.
Agora, intercalando, Ideli Salvatti, Coordenadora do Instituto Movimento Humaniza.
Está na tela, Ideli Salvatti, videoconferência? (Pausa.)
Ideli Salvatti, por favor.
A SRA. IDELI SALVATTI (Por videoconferência.) - Oi.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É com você, dez minutos.
A SRA. IDELI SALVATTI (Por videoconferência.) - Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia, bom dia.
A SRA. IDELI SALVATTI (Para expor. Por videoconferência.) - O.k.
Em primeiro lugar, Senador Paulo Paim, eu quero prestar minha total e irrestrita solidariedade aos irmãos do Rio Grande do Sul.
Sabe que Santa Catarina é um estado que também já sofreu muitas tragédias gravíssimas. Então, neste momento, a nossa solidariedade total e irrestrita.
Quero aqui parabenizar a iniciativa que o Senado Federal adotou com a campanha dos cobertores; todas as medidas adotadas pelo Governo Federal, que se somam às medidas adotadas pelo Governo do estado e dos municípios gaúchos.
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Nós não temos que partidarizar, eu concordo plenamente. Nesse momento, é socorrer vidas. Nesse momento, é dar as condições de dignidade para as pessoas, mas esse momento é de falar de política, sim, porque aconteceu o ano passado no Rio Grande do Sul. Todo mundo sabia que ia acontecer de novo e mais grave, como nós sabemos que vai acontecer de novo e mais grave, em outros estados e talvez até no próprio Rio Grande do Sul.
Então, este é um momento de socorro, de solidariedade, de amor, mas também é um momento de a gente não deixar passar. Tem que ter política de prevenção. Tem que ter política voltada para as mudanças climáticas, que estão cada vez acontecendo com maior gravidade. A estrutura do Estado brasileiro, quando eu falo Estado é federal, estadual, municipal, para poder fazer frente a esses desastres, que serão indiscutivelmente cada vez mais frequentes.
Então, não é uma questão de partido, é uma questão de política com relação ao meio ambiente e às medidas necessárias para prevenir as tragédias e estar preparado para socorrer a população.
Dito isso, Senador Paulo Paim, eu quero parabenizar pela iniciativa da audiência. Essa discussão do trabalho análogo a escravo no trabalho doméstico é gravíssima, todos nós sabemos, com milhões de pessoas sendo submetidas a ele.
E nós temos uma política pública de combate ao trabalho análogo à escravidão. Uma política, como a minha querida Laís Abramo relatou, que é referência, que foi durante muito tempo referência nacional e internacional. E o seu desmonte é um agravamento da situação que nos preocupa. Por isso que a audiência neste momento é tão importante para a gente poder tomar as medidas necessárias.
E eu quero aqui parabenizar quem me antecedeu e cumprimentar todos que vão ter direito à fala nesta importante audiência, porque o caso da D. Sônia Maria de Jesus é extremamente emblemático. E ele traz, Senador Paulo Paim, para a Comissão de Direitos Humanos do Senado alguns desafios que eu quero pontuar ao final.
Já foi aqui bastante colocada a condição. Ela foi submetida a trabalho infantil. Ela foi retirada da sua família durante 40 anos, ficou sem qualquer contato. A família só descobriu que ela ainda estava viva por causa da reportagem no Fantástico, porque, para eles, inclusive, ela provavelmente já tinha falecido. Eles não tinham qualquer contato.
Uma mulher preta, com surdez, deficiência auditiva, que ficou analfabeta porque não lhe foi dado o direito à educação. Ficou incomunicável porque não lhe deram acesso a libras. Ficou sem documento, indocumentada.
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E, quando ocorreu a denúncia e que houve todo o procedimento de resgate dessa mulher preta e com problemas de surdez, esse procedimento de resgate não se deu em qualquer domicílio, não é um domicílio qualquer que teve durante anos uma mulher preta, surda - entende? -, indocumentada, sem direito à educação e com vários problemas de saúde que não estavam sendo atendidos. Isso ocorreu na casa de um Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, então, não é em qualquer lugar!
Inclusive, posso estar enganada, mas o desembargador tem, inclusive, vínculos com a Justiça do Trabalho. Então, não é qualquer coisa alguém do Judiciário brasileiro manter uma pessoa em situação análoga à escravidão durante 40 anos.
Ela foi resgatada numa operação muito clara, envolvendo, como sempre, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Polícia Federal, e foi encaminhada a um abrigo para ter as condições mínimas. Inclusive ela iniciou um curso de libras para poder se comunicar, houve um atendimento nas questões de saúde - ela estava com questões gravíssimas, inclusive câncer. Então, todo esse atendimento foi dado.
A família fez uma solicitação judicial de direito de visita ao STJ. Esse pedido de visita, onde ela estava abrigada, foi colocado pelo Ministro Mauro Campbell. Ele não só deu o direito de visita, como deu o direito de que, caso, na conversa, a D. Sônia se sentisse confortável, concordando, poderia retornar à residência onde durante 40 anos sofreu as condições de trabalho análogo à escravidão.
A Defensoria Pública entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal e, pelo sorteio, foi designado o Ministro André Mendonça.
Extremamente preocupado com essa situação, o Ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, que numa vinda a Santa Catarina conheceu a D. Sônia e a sua situação, fez um e-mail preocupado com a possibilidade de ela retornar à sua situação análoga à escravidão na residência do desembargador. E o Ministro André Mendonça, ao invés de responder, abriu um processo contra o Ministro Silvio Almeida, processo que eu não sei em que termos está ou se foi encerrado ou não.
Mas seria muito importante, já quero deixar aqui, Senador Paulo Paim, e de fundamental importância que a Comissão de Direitos Humanos do Senado questionasse por que se abre um processo quando é legítimo o Ministro dos Direitos Humanos, preocupado com uma situação grave como essa, fazer essa solicitação de informações.
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E o Ministro André Mendonça negou a liminar no habeas corpus para impedir que a D. Sônia tivesse o "desresgate", ou seja, que ela retornasse à residência onde ela foi, durante 40 anos, submetida à situação análoga à escravidão. Teve um outro episódio também entre o resgate e essa não concessão de liminar em retorno, em que o auditor que comandou todo o processo de resgate sofreu um processo e foi afastado das suas funções.
Então, vocês percebem que é um conjunto de peculiaridades absolutamente inadmissíveis, porque o "desresgate", ou seja, fazer a pessoa voltar à sua situação anterior, é inédito, nunca aconteceu - nunca aconteceu! Pessoas resgatadas da condição análoga à escravidão nunca tinham sido - e, olha, pelo Judiciário brasileiro - autorizadas e permitido que elas retornassem ao local do crime.
Então não me parece, sabe, Senador Paulo Paim, que a gente deva tratar desta questão da D. Sônia como mais um exemplo - não é mais um exemplo. Ela carrega uma simbologia tão forte, tão forte da situação em si e de todos os somatórios sociais que a D. Sônia carrega: como mulher, como preta, como pessoa com deficiência - entende? -, de ter se submetida a trabalho infantil, a trabalho análogo a escravo. Então, é muito importante, Senador Paulo Paim, que todos esses envolvimentos... Inclusive, porque, assim, está claro... Do meu ponto de vista, não resta nenhuma dúvida que há um corporativismo do Judiciário em defender - entende? - a situação criada por um Desembargador de Santa Catarina. Então eu queria aqui deixar o meu apelo, Senador Paulo Paim, que eu sei que o senhor é uma pessoa que, quando decide encarar e enfrentar determinadas situações, as leva até as últimas consequências.
Primeiro, a 2ª Turma do STF tem que decidir o mérito. Já faz quase oito meses que a liminar foi negada. Ela foi devolvida ao local do crime, e a 2ª Turma não decide o mérito, porque a hora em que colocarem o mérito, a hora em que derem, assim, uma lida por cima no processo, eu não tenho a menor dúvida de que ela será de novo resgatada - de novo. A outra questão que eu quero alertar é para esta situação do Ministro Silvio Almeida, porque, se a moda pega... Entende? E o Governo não pode pedir informações, pois ele tem preocupações a respeito de situações. E levar processo é algo em que - entende? - a harmonia dos três Poderes não vai estar tão harmonizada assim. Então essa é a segunda questão que eu considero importante: a Comissão de Direitos Humanos possa tomar providências. E, por último, deve acompanhar também, pela Justiça, o processo que o auditor fiscal sofreu.
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Então são três medidas que eu considero absolutamente relevantes e importantes para que a D. Sônia possa ter justiça de uma vez por todas e possa, inclusive, voltar ao convívio de sua família, da família da qual foi subtraída há mais de 40 anos.
Então, era isso.
Em nome do Humaniza, de Santa Catarina, um instituto que nós criamos aqui para defender os direitos humanos, para enfrentar toda a onda de ódio, violência, preconceito, negacionismo e manifestações nazifascistas.
Aqui em Santa Catarina a gente sabe, e todos sabem, que a situação tem bastante gravidade em vários casos, e nós, do Humaniza, adotamos e pedimos, inclusive oficialmente, ao Ministro André Mendonça que o Humaniza pudesse ser colocado...
(Soa a campainha.)
A SRA. IDELI SALVATTI (Por videoconferência.) - ... como amicus curiae nessa ação que ele sentou em cima, eu digo assim bem claramente.
Então, os meus parabéns a todos e os meus agradecimentos.
Viva a D. Sônia e que a gente dê dignidade a ela de uma vez por todas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, ex-Senadora Ideli Salvatti, Coordenadora do Instituto Movimento Humaniza.
Eu peço à assessoria que todas as propostas sejam reunidas num documento para a gente dar o devido encaminhamento.
Convido, agora, o Sr. André Roston, Auditor Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.
O SR. ANDRÉ ROSTON (Para expor.) - Bom dia a todas as pessoas aqui presentes.
Gostaria de, em nome de toda a Mesa, cumprimentar o nosso caro Senador Paulo Paim.
Gostaria de muito especialmente dizer que a verdadeira família está sempre, sempre, sempre do lado da gente nos momentos importantes e eu queria dizer que eu vejo aqui, que está presente aqui, a verdadeira família da Sônia. (Palmas.)
Acho que muito especialmente, em nome de todos, gostaria de cumprimentar a verdadeira família dela aqui hoje.
Antes de falar sobre o assunto que inicialmente nos traz aqui, eu quero dar uma importante palavra, como não poderia deixar de ser, sobre o registro da nossa solidariedade - e falo aqui em nome do Ministério do Trabalho - à toda a população do Rio Grande do Sul, da nossa solidariedade aqui ao nosso Senador Paulo Paim, e quero dizer que o Ministério se soma a esse esforço de primeira hora, coletivo, determinado desde essa primeira hora pelo Presidente Lula, entrando o Ministério do Trabalho muito especialmente nas medidas aqui que estão sendo produzidas, gestadas aqui, nesse viés aqui de reconstrução.
Nesse segundo momento, nós temos ferramentas importantes, já previstas internamente, como a possibilidade de antecipação do Saque emergencial Calamidade do fundo de garantia em relação aos trabalhadores, aumento das parcelas do seguro-desemprego também, por conta da calamidade pública, uma previsão de antecipação do calendário de pagamento do abono salarial e, em relação aos empregadores, também a prorrogação do vencimento dos recolhimentos do fundo de garantia, uma suspensão dos recolhimentos. São todas medidas que nossas áreas técnicas internamente já estão trabalhando com todo o afinco e com toda a rapidez e urgência que a situação requer, por orientação também do nosso Ministro do Trabalho Luiz Marinho, e tão logo todos os trâmites internos, todos os encaminhamentos estejam prontos, haverá um comunicado oficial de nosso Ministro em relação a essas medidas; mas pelo menos estas aqui já estão sendo gestadas e trabalhadas para a atuação também conjunta do Ministério do Trabalho.
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Falando agora, entrando um pouquinho no nosso assunto, queria só registrar, de novo, a importância... Porque já vim aqui algumas vezes, de muitas, em que esse tema foi trazido à baila pelo Senador Paim - o tema do combate ao trabalho escravo no Brasil -, e queria registrar a importância da figura do Senador Paim nesse processo coletivo de combate, e a importância de esses espaços acontecerem, não só nos momentos em que a gente tem a grande comoção, quando a gente tem a grande notícia; mas de a gente ter atores e lideranças que nos congregam aqui para falar no dia a dia sobre isso, para que a gente não se esqueça do assunto no nosso dia a dia, depois de passado o calor do momento, porque o principal trabalho é esse trabalho de formiguinha; de dia a dia; de conscientização; de visibilização; de não deixar o assunto morrer.
A política pública do Estado brasileiro de erradicação existe desde 1995. São mais de 63 mil - acho que estamos chegando, talvez, perto de 65 mil - trabalhadores e trabalhadoras resgatadas desde aquele ano. É um trabalho que é coordenado pela Inspeção do Trabalho, pela fiscalização do trabalho, que tem a missão legal de fazer o resgate dos trabalhadores. É um trabalho que é feito e nasce com uma vocação interinstitucional, com um trabalho coletivo desde o começo, com instituições importantes, como aquelas que participam do Grupo Móvel tradicionalmente, como o Ministério Público de Trabalho; a Defensoria Pública; o Ministério Público Federal; a Polícia Federal - e as polícias proveem apoio de segurança; muito tradicionalmente também a Polícia Rodoviária Federal.
Um ponto importante para a gente dar um contexto, em geral, sobre o trabalho escravo: evidentemente o trabalho escravo é um problema de raça, é um problema de classe, como sabemos, estruturalmente, num país desigual e construído, erigido com base na exploração de pessoas escravizadas ao longo de séculos, não é? Mas tem uma questão de gênero muito forte, que, inclusive estruturalmente, é invisibilizada: o trabalho da mulher é estruturalmente invisibilizado, e isso aparece também nos números, nos resultados do combate do trabalho escravo. Não tenho um número exato aqui, mas o patamar é mais ou menos este mesmo: perto de 90% das pessoas que são resgatadas são pessoas do sexo masculino. E a pergunta que sempre se fazia era essa: poxa, mas é tão prevalente assim, no mundo real, o trabalho escravo só para os homens?
Isso tem a ver com por onde começou a política pública - nos trabalhos braçais de desmatamento, na Amazônia -, mas tem a ver com o fato de que o trabalho da mulher foi estruturalmente, durante muito tempo, invisibilizado; foi preciso, por exemplo, para o combate ao trabalho doméstico, que a Inspeção do Trabalho criasse um normativo interno para dizer o óbvio - isso de 2016 para 2017 -: o trabalho escravo acontece também no âmbito doméstico, e é papel da Inspeção do Trabalho e de todas as instituições do mundo do trabalho, e do combate ao crime também, visibilizar e reconhecer essas pessoas, essas mulheres, como trabalhadoras, garantir seus direitos e legalizar o resgate.
E é daí que surgem os números, como o Dr. Thiago falou antes: a partir de 2017 a gente visibiliza os números - até há resgates anteriores a esse momento, mas eles não foram contabilizados e não foram realizados de forma sistemática.
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Até a gente chegar ao ano de 2023, do universo total de 3,2 mil trabalhadores resgatados e trabalhadoras, 41 foram resgatadas ou resgatados do trabalho escravo no âmbito doméstico. Então, temos um problema estrutural de invisibilização, de inação do Estado brasileiro em relação a essas mulheres, a essas trabalhadoras, aos trabalhadores e trabalhadoras no âmbito doméstico de modo geral, que tem esse recorte muito marcado de gênero, mas vimos avançando desde 2017.
Até chegarmos ao caso que nos traz muito especialmente aqui para discussão, e vou falar um pouquinho dele especificamente, do caso do resgate e desresgate da Sônia, por conta da gravidade do próprio caso e também por conta da gravidade do precedente. Esses avanços de chegar nesses casos ali geraram reações também muito graves com consequências para a política pública também.
E aí, fazendo uma radiografia muito rápida com base nos dados públicos, tanto das investigações no Ministério do Trabalho quanto do habeas corpus que já foi mencionado aqui, impetrado em favor da Sônia, uma radiografia bem rápida do que levou ao diagnóstico mesmo de escravização da Sônia, que é uma mulher negra, portadora de deficiência, de surdez bilateral, que foi levada, traficada, criança, aos 9 anos de idade, para trabalhar para uma família.
Num primeiro momento, ela foi acolhida no estado de origem dela em São Paulo, mas foi, sem o consentimento de sua mãe e sem o conhecimento de sua mãe, traficada para Santa Catarina, primeiro para Blumenau e depois para Florianópolis. E passou aproximadamente 40 anos, então, nessa situação de trabalho para a família. Boa parte desse tempo em trabalho infantil.
Durante esse tempo todo, como já foi dito, ela trabalhou sem remuneração, trabalhou convivendo nos espaços com as outras trabalhadoras que prestavam serviço nas casas. Ela dormia numa edícula, por exemplo, na casa da família que a explorava em Florianópolis.
Há fotos, há dados até da própria família em redes sociais, que foram parte da investigação, que mostravam primeiro a família, o que se reconhecia como família, da família exploradora, que não incluía a Sônia e não incluía outras trabalhadoras. E fotos das trabalhadoras agradecendo às trabalhadoras, que incluía a Sônia entre as trabalhadoras.
Então, essa percepção ou esse tratamento dado como trabalhadora e não como integrante da família saía das próprias fotos, dos registros e das marcações do discurso da própria família. Não somos nós só, as autoridades, que fizeram essa apuração, que chegaram a essas conclusões, e não só as testemunhas, que também disseram que ela trabalhava cuidando das famílias, dos filhos, dos netos dessa família.
Tanto pelo menos não tinha o mesmo tratamento que as outras pessoas da família, que a Sônia não existia formalmente até os 45 anos de idade. Ela não existia para o Estado brasileiro até os 45 anos de idade. Que pai ou mãe deixa o seu filho não existir até os 45 anos de idade? Ela teve o primeiro RG expedido no ano de 2019.
Por falta de assistência odontológica, ela perdeu três dentes antes do...
(Soa a campainha.)
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O SR. ANDRÉ ROSTON - ... momento do resgate. Enfim, só para trazer talvez essa radiografia geral aqui e dizer isso. Isso aqui é um caso clássico, bem preto no branco, de trabalho forçado, gente. Não é nenhum caso cinzento ou pouco marcado. Foi um caso de tráfico, de sequestro de uma criança, para trabalhar - traficada - e para ser submetida a trabalho forçado. Lembrando que ela não foi alfabetizada, nem versada em libras também, que é uma coisa que qualquer pai ou mãe naturalmente faria com seus filhos. Isso só para dar uma radiografia do caso e para dizer que a gente tem, de fato, muito o que avançar, como se disse aqui, em relação ao atendimento às vítimas do trabalho doméstico.
Eu quero dizer que a Sônia foi resgatada e foi acolhida...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ ROSTON - ... no sistema de assistência social. Ela foi acolhida, foi abrigada, passou a ser versada em libras, passou a ser alfabetizada, passou a conviver com outras pessoas com deficiência e passou a se desenvolver e a desabrochar, em dois meses, antes de ser desresgatada. Ela foi desresgatada de um processo de construção de autonomia e de cidadania que estava em pleno curso. É bom deixar isso muito claro.
Quero deixar, por fim, registrada a gravidade do precedente. É direito da vítima... Ela é vítima, gente, também - e é bom reforçar isso - de violência doméstica. É direito da vítima de violência doméstica e é direito da vítima de trabalho escravo não ter contato com seus ofensores. Se depois vai haver responsabilidade criminal ou não de cada um dos membros da família, isso é outro problema. É direito da Sônia não ter esse contato, como foi o contato forçado, por uma determinação judicial, com 48 horas para cumprimento, para esse retorno à casa. A vítima tem direito ao seu período de afastamento e direito ao seu período de reflexão. Isso foi negado concretamente à Sônia. É importante que a gente diga isso.
Falando sobre a importância do precedente, só para finalizar... Estamos falando da Sônia. A Sônia vale... Todo mundo, por si só... A gente precisa dar uma resposta à Sônia, mas o precedente para as próximas vítimas de trabalho escravo é desastroso para a política pública. Em 30 anos, a gente nunca enfrentou uma situação como esta: uma política pública negar às vítimas de trabalho escravo o direito ao resgate. Isso foi negado, agora, à Sônia... (Palmas.)
A gente corre um sério risco, se a gente não rediscutir o que está acontecendo agora no caso da Sônia, de que esse direito venha a ser sistematicamente negado às próximas vítimas. A gente não pode dormir no ponto, a gente não pode silenciar.
É claro que a gente tem que respeitar - falando pelo Ministério do Trabalho, pela inspeção - todas as instâncias, os trâmites legais, mas o Estado precisa se provocar para rever o que está acontecendo com o caso da Sônia e com o precedente perigosíssimo que a gente está vivendo para toda a política pública e para as futuras vítimas resgatadas também.
É isso. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Dr. André Roston, Auditor Fiscal do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, que detalhou aqui com muito cuidado as preocupações do combate que nós temos que fazer.
Eu vou agora para a videoconferência.
Frei Xavier Jean Marie Plassat, Frade dominicano francês, representante da Comissão Nacional de Amparo e Erradicação do Trabalho Escravo.
Frei, é com o senhor.
O SR. FREI XAVIER JEAN MARIE PLASSAT (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador. Bom dia a todos e todas.
Estou falando de Araguaína, no Tocantins, onde há muitos anos eu participo do trabalho da Comissão Pastoral da Terra, especificamente da campanha nacional contra o trabalho escravo.
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Eu queria fazer minhas as palavras de todos os que me antecederam tanto na formulação da solidariedade com o povo do Rio Grande do Sul quanto nos vários destaques que eles fizeram nas suas falas em relação ao combate ao trabalho escravo em ambiente doméstico, especialmente no caso da Sônia e da Madalena.
Eu queria levantar que, na mesma semana em que a Comissão Pastoral da Terra divulgou os dados da violência no campo, eu vejo que um comentarista argentino escreveu a respeito dos custos de não fazer reformas estruturais ao constatar que quase dois terços dos atos de violência em 2023 ocorreram contra povos tradicionais no Brasil. Eu quero afirmar que o mesmo se diga da catástrofe climática que hoje aflige o Rio Grande do Sul. Nós pagamos o custo... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Travou, não o estamos ouvindo mais. (Pausa.)
Depois o senhor volta.
Agora, eu passaria, então, para a Luciana Paula Conforti, Presidente da Anamatra.
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI (Para expor.) - Obrigada.
Bom dia a todas as pessoas presentes!
Inicialmente, eu gostaria de agradecer ao Senador Paulo Paim pelo debate, necessário, deste tema tão caro à sociedade, pela iniciativa, e pelo convite à Anamatra para estar, mais uma vez, presente a fim de contribuir com essa relevante matéria.
Inicialmente também, eu gostaria de me solidarizar com os gaúchos, não só com o Senador, mas também com os nossos colegas juízas e juízes do trabalho do Rio Grande do Sul.
Estávamos num grande evento da Anamatra agora, Senador Paim, no feriado e no final de semana, e soubemos dessa tragédia que tem ocorrido lá no Rio Grande do Sul. Inclusive, dois ministros nossos ficaram sem poder comparecer ao evento porque também estavam lá. E aí a Amatra IV, que é a nossa regional de associados, fez uma campanha junto com o Sintrajufe... E aqui eu vou divulgar então: o Pix é (51)996334622 para arrecadação de fundos também para essa campanha. E nós fizemos este registro na Carta de Foz de Iguaçu, da nossa solidariedade ao povo gaúcho em razão das fortes chuvas e dos mortos desaparecidos. Então, realmente, reiteramos essa solidariedade.
Bem, eu gostaria que contasse o meu tempo agora porque já falei um pouquinho sobre a questão do Rio Grande do Sul.
Nós temos aqui que tratar da questão cultural. Inicialmente, acho bem importante nós falarmos dessa questão cultural, também de um pequeno panorama do mercado de trabalho que envolve as trabalhadoras domésticas e, depois, falar um pouco da questão do Poder Judiciário.
Inicialmente, eu gostaria de esclarecer, como foi mencionado aí que o Desembargador em questão, como já foi mencionado aqui, tem vínculos com a Justiça do Trabalho, pelas informações que tenho de Santa Catarina, e a sua cunhada trabalhou como servidora da Justiça do Trabalho e hoje é uma advogada, e parece que o próprio Desembargador atuou como advogado na Justiça do Trabalho... Então, vínculo formal não há; se há, é de relação de conhecimento. E, como se falou de um corporativismo no Poder Judiciário em torno do caso, é bom que esclareçamos para que não haja confusões inadequadas.
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E a questão cultural, então, que temos que falar é que, por exemplo, tem uma obra que fez 64 anos, que é aquela Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, em que ela retrata a própria situação, diário de uma favelada, que diz que foi trabalhadora infantil, que passou de casa em casa, sofrendo todas as humilhações, em troca de comida. E como essa questão a gente vê que não se modifica, nós temos isso desde sempre. E essa questão cultural nós temos que ter bem em mente, porque, por exemplo, já foram citados vários casos aqui, mas eu queria dizer do mais longevo, que foi aquela trabalhadora do Rio de Janeiro, trabalhadora escrava doméstica, que foi por 72 anos escravizada - ela estava com 84 anos -, chegou muito criança na casa de uma família, foi escravizada por três gerações seguidas da mesma família, sem receber salários, sem frequentar escola, sem ter uma vida própria, sem ter o convívio social. E é uma dinâmica desses casos, as mesmas situações, como já foi mencionado aqui.
Importante também fazer esse recorte de gênero e raça, além do social, para tratar desses casos, porque, na verdade, vemos que essa questão racial e de gênero fica muito invisibilizada quando tratamos do trabalho análogo à escravidão no Brasil, já que a maioria dos trabalhadores resgatados são do sexo masculino, 95%, pretos e pardos, mas, na verdade, é aquele trabalho que já foi mencionado aqui pelo Roston, no desmatamento, no trabalho rural, entre outros, na pecuária, etc. Mas, segundo dados do próprio Ministério do Trabalho, apenas cerca de 5% dos resgatados são mulheres, e não é porque temos pouquíssimas mulheres, mas, na verdade, é diante dessa invisibilização, que foi mencionada também pela Laís, de que, às vezes, chega ao cativeiro e não identifica a cozinheira ou a trabalhadora que faz aquele serviço como trabalhadora escravizada, mas apenas como acompanhante dos maridos, filhos, etc., ou seja, é a naturalização do trabalho de cuidado doméstico, como se não fosse algo a ser protegido pelo Estado.
Então, a gente tem que problematizar essa naturalização das formas de exploração do trabalho da mulher pela negação e desvalorização desse trabalho, especialmente os serviços domésticos, que naturalmente são atribuídos à mulher, embora também existam trabalhadores homens domésticos. E isso foi desde sempre. E há muita também subnotificação e dificuldade dos resgates dessas trabalhadoras, porque é no âmbito doméstico, como sabemos.
As crianças são levadas do interior para a capital com a promessa de ter uma vida melhor de estudo e que terão um futuro, realmente. E o que se vê, na verdade, é que ficam desde criança fazendo todo o serviço doméstico da casa - entre aspas - "como se fosse pessoa da família", mas que pessoa da família não é, já que não se vê deixando no testamento essas trabalhadoras como efetivamente herdeiras, e elas não participam então dos estudos, não participam do convívio familiar, não têm sua própria família.
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Eu gostaria de trazer um caso positivo do Judiciário brasileiro para contrapor ao caso que já foi mencionado aqui, da obrigação dos magistrados e magistradas brasileiros de observarem o protocolo para julgamento de gênero do Conselho Nacional de Justiça, que é uma resolução, portanto, vinculante a toda a magistratura. Esse caso foi julgado no Tribunal Superior do Trabalho, na Sexta Turma, e relatado pelo Ministro Augusto César Leite de Carvalho.
Nesse caso, foi retratado, então, no voto do Ministro, que a trabalhadora não foi retirada do âmbito familiar por sentido altruísta da família, para que tivesse um futuro melhor. Ela não era tratada como as filhas da casa. Ela foi privada dos estudos, ao menos desde os 14 ou 15 anos, e era reconhecida pela vizinhança como empregada da casa e também estava trabalhando desde os sete anos de idade. Então, dos sete aos dezoito anos, ela era uma trabalhadora escrava doméstica, sem nada a receber, sem ter seu estudo, convivência, etc., como já falamos.
E aí o acórdão fala assim - rapidamente -: a ausência do pagamento de qualquer parcela do salário, acrescido da completa privação de instrução, retrata que não era uma pessoa da família; na verdade, leva à conclusão de que a reclamante esteve submetida a condições degradantes de trabalho, o que é uma das formas de trabalho escravo, considerando-se, por isso mesmo, a hipótese de trabalhadora doméstica escrava.
O Poder Judiciário tem um papel fundamental na quebra desses padrões culturais que levam a violações de direitos e também tem um papel fundamental para não naturalizar essa exploração, para não aprofundar os preconceitos, para não reforçar o status atual, ou seja, tem que haver uma quebra desses padrões, uma evolução nessa cultura para que essas trabalhadoras tenham real dignidade, tenham seus direitos trabalhistas protegidos, como prevê a Constituição, e para que o Judiciário não naturalize essa exploração como se fosse algo absolutamente normal e não fosse um crime previsto na legislação. Então, realmente, nós temos que reforçar isso.
Outra coisa que eu queria falar é sobre a questão dos riscos do trabalho doméstico, pois sabemos que ele é uma das formas de piores condições de trabalho infantil. Nós temos que falar dessa questão da vinculação com o trabalho infantil. A Convenção 182, da OIT, retrata essas piores formas de trabalho infantil, e o trabalho doméstico está listado na lista das piores formas de trabalho infantil no Decreto 6.481, de 2008. Então, não podemos achar que isso não faz mal a essas meninas jovens. Isso, na verdade, é trabalho escravo e o é nas suas piores formas. A Convenção 182 teve uma ratificação universal, Senador Paulo Paim. É a única convenção da OIT que foi ratificada por todos os países membros da OIT e, por isso, devemos observá-la.
Comemoramos, ainda, a promulgação, na semana passada, da Convenção 189, da OIT, que trata da questão do trabalho doméstico. Em que pese ter sido ratificada e termos tido a PEC das trabalhadoras domésticas, a promulgação da convenção só ocorreu na semana passada, o que foi motivo de comemoração.
Falo ainda aqui não só como representante, mas como Presidente da Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho de todo o país...
(Soa a campainha.)
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI - ... que a entidade é membro eleito da Conatrae, representando a sociedade civil junto com a CPT. Então, é importante também essa nossa posição nesse sentido. E, como foi falado aqui, temos a questão da escravização por mais de 400 anos no Brasil, mas independentemente disso não houve essa absolvição necessária em termos de entendermos o trabalho de cuidado como um trabalho que escraviza e que submete as mulheres à completa exclusão de um progresso social. E por isso, também, o trabalho de cuidado será tratado neste ano na Conferência Internacional da OIT, que será realizada agora em junho, então é um tema que está sendo de atenção internacional.
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Antes de encerrar, Senador, eu peço licença ao senhor para tratar de um projeto de lei que está na Câmara e que depois virá para o Senado, já pedindo como encaminhamento um apoio. É o Projeto de Lei 5.760, de 2023, que teve, como uma das iniciativas da Anamatra, a promoção deste debate, a qual o trouxe para a Procuradoria da Mulher, foi acolhido integralmente pela Benedita da Silva, mas também teve a colaboração de autores fiscais, do Ministério Público do Trabalho e de outras entidades. É para conceder uma pensão especial para acolher essas trabalhadoras de modo emergencial, justamente considerando que essas pessoas passam uma vida inteira sem ter condições de - como eu disse - estudo, convívio social, então apenas o resgate e os meses de seguro-desemprego não são...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dra. Luciana, eu vou lhe dar mais um ou dois minutos, pois o que acontece é que neste momento eu tenho que entrar na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Eu só vou dar um recado rápido, em torno de dois minutos no máximo...
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI - Depois voltamos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... sobre o tema de que tratamos hoje aqui da questão do estado.
Quando eu puder entrar... posso entrar? (Pausa.)
Então ela pode voltar a falar. (Pausa.)
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI - Posso concluir, então?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então ela pode concluir. Perfeito.
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI - Não vou demorar muito, porque é o tempo de...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, isso. Vai dar certo.
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI - Esse projeto de lei prevê essa pensão especial para esse acolhimento emergencial dessas trabalhadoras, porque só o seguro-desemprego não tem, enfim, sido suficiente para evitar essa reescravização ou retorno até aquele lar, porque foi o único lar que a pessoa conheceu por 40, 50, 60, até 70 anos, como eu citei aqui.
Então é muito importante que nós tenhamos essa dimensão de que é uma proteção dos direitos humanos, de que é uma concessão de direitos trabalhistas para essas trabalhadoras e uma nova forma de vida, após esses resgates, para que elas percebam realmente que tem uma nova perspectiva, como aconteceu com a Madalena e como acontece com outras trabalhadoras a partir dos resgates. Então quero pedir apoio a esse projeto de lei que eu soube que terá tramitação prioritária no mês dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Muito obrigada pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Luciana Paula Conforti, parabéns. V. Exa., que é Presidente da Anamatra, deixou muito clara aqui a importância de avançarmos, inclusive, nesse projeto de lei.
A SRA. LUCIANA PAULA CONFORTI (Fora do microfone.) - No projeto de lei e no julgamento do Judiciário.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Eu pergunto à minha assessoria se já posso entrar. (Pausa.)
Fico a postos.
Aqui é só para dizer que eu não estou lá porque estou aqui, mas se eu não fizer isso, eles vão dizer que eu não estava na reunião dos Parlamentares, que estão discutindo a questão do Rio Grande do Sul. E nós discutimos aqui, eu tenho até uma notícia para dar para eles lá, mas vai ser questão de minutos, de dois minutos no máximo.
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos fazer o seguinte para ganhar tempo, porque eu sei como é que é Deputado e Senador, dá a palavra e ele diz que é um minuto e fala dez; é normal isso.
Então, se não pudermos esperar... O próximo aqui seria o William. Se o William concordar, você começa; e se abrirem para mim, eu entro lá e você volta, pode ser? (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ah, mas eu sou um democrata. Eu, quando presidi o sindicato, eu tinha a minha opinião, mas eu jogava tudo para a Assembleia. E claro que eu defendia a tese.
Estão falando ainda, não é? Posso falar? Alô? (Pausa.)
Que barbaridade...
Acho que vamos. Vamos nós, senão nós vamos ficar... Não dá. (Pausa.)
Vai dar, vai dar... Alô! Alô? Olá! Oi! (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É bem rápido, Maria do Rosário, a minha fala... é um segundo só. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode tirar.
Vamos voltar. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos voltar. (Pausa.)
Vamos voltar aqui, porque ali eu vi que vai demorar.
Pronto.
Por favor, Dr. William Charley, Defensor Público da União.
O tempo é seu.
O SR. WILLIAM CHARLEY (Para expor.) - Bom, boa tarde. Bom dia ainda, não é? Estamos antes do almoço.
Bom dia, senhoras e senhores presentes também aqui no Plenário, como também online.
Senador Paim, obrigado pela oportunidade de estar aqui.
Primeiramente, eu queria falar que o Rio Grande do Sul mora no meu coração, Senador. Eu não falei com o senhor aqui um pouquinho antes, mas eu tenho 23 anos de Defensoria Pública da União e, no ano de 2002, eu residi no Rio Grande do Sul, morei em Caxias do Sul, no Edifício Wall Street, na Avenida Júlio de Castilhos.
O senhor conhece bem, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Sou de lá.
O SR. WILLIAM CHARLEY - O senhor é de lá de Caxias do Sul.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Eu nasci em Caxias do Sul e resido em Canoas.
O SR. WILLIAM CHARLEY - Aquela cidade tão acolhedora e também uma cidade industrial, uma pujante cidade, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Está debaixo d'água também.
O SR. WILLIAM CHARLEY - Sim, imagino!
Eu morava próximo ao Estádio Alfredo Jaconi.
Então, aquela descida deve estar bastante difícil para o pessoal que mora naquela região.
E, assim, queria dizer também que passei momentos difíceis também no Rio Grande do Sul, a minha família é em Minas. Perdi uma irmã, tragicamente, lá em Minas, no ano de 2002, e quem primeiro me acolheu lá, quem me deu os sentimentos foi o povo gaúcho que morava comigo ali, meus vizinhos, meus colegas de trabalho.
Então, assim, eu tenho muito agradecimento a eles e presto minha solidariedade ao povo gaúcho neste momento tão difícil.
E também vim dizer que a DPU, por exemplo, juntamente com a DPE, tem um plano agora estratégico para as enchentes do Sul, para que eles possam dar assistência jurídica, inclusive prioritária, no caso de trabalho escravo em casos do Rio Grande do Sul também.
Bom, Senador, o caso presente é um caso que nos apaixona e a mim, pessoalmente, porque eu impetrei o habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor da Sra. Sônia. É uma coisa que, para mim, foi inédita, porque a gente é acostumado, na área penal - eu sou da área penal - a entrar com ações para acusados, não é? Habeas corpus é para libertar ou providência em favor de acusados. E, no caso, a Sônia é uma vítima de trabalho escravo, uma vítima de um crime federal, um crime de ordem pública, um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, não admite transação. É um crime gravíssimo.
E, nesta oportunidade, Senador, eu aproveito para dizer algumas coisas aqui. Pode ser um pouco duro de se dizer, mas têm que ser ditas, porque, neste espaço do Parlamento brasileiro, da cidadania, da Comissão de Direitos Humanos, tem que se falar abertamente as coisas que estão acontecendo na Justiça brasileira para que os senhores possam tomar providências e nós, como sociedade, sejamos mais conscientes.
Acontece, Senador, que neste processo, eu estive lá juntamente com a psicóloga Yasmin, que está ali na frente, no resgate, naquele junho de 2023, e a situação da Sônia, da cidadã Sônia é muito grave: uma pessoa esquecida realmente, morava numa casa abastada num bairro nobre de Florianópolis, mas não tinha acesso à saúde, não tinha educação. Eu, particularmente, questionei, nas investigações, juntamente com o Procurador Luciano Carlesso, do MPT de lá, sobre essa situação da Sônia para o Desembargador. Perguntei: "Desembargador, por que o senhor não colocou a Sênia na escola?". "Não, porque ela não aprenderia nada, ela é incapaz de aprender". "Por que o senhor não a levava ao posto de saúde?". "Não, tem uns médicos, amigos meus, que vêm aqui de graça tratar da pessoa". "Então, o senhor tem um relatório médico? O senhor tem a consulta médica? Os recibos médicos?". "Não, não tenho. Não tenho. Mas ela era da minha família".
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E a família do Desembargador são pessoas preeminentes na sociedade, em termos de renda e conhecimento. São pessoas que têm curso superior, pós-graduação, são profissionais liberais, bem-sucedidos. E a Sonia era da família, que não convivia com a família no que era a parte boa; só ficava com a família na parte do trabalho doméstico. E nós apuramos, juntamente com a equipe que lá estava, que ela estava com a família desde os nove anos de idade. Primeiramente, foi retirada de uma creche, porque a Sra. Deolina de Jesus - que Deus a tenha, ela já partiu - é uma pessoa carente, a mãe da Sônia. Infelizmente, a Sonia foi vítima de violência doméstica em casa também, então, na creche, a Sra. Leonor, Maria Leonor, propôs à Sra. Deolina que a tirasse daquela situação ali. A Sra. Deolina, na sua pobreza, sua humildade, não viu outra situação possível para a Sonia e, temporariamente, permitiu que ela saísse ainda no Estado de São Paulo; a D. Leonor morava em São Paulo.
Acontece que a Sra. Leonor, sem autorização judicial, muito menos por escrito, a levou para o Estado de Santa Catarina, onde ela foi servir a outros membros da família. E esse caso, inclusive, é muito comum, o caso da Madalena foi citado aqui, aconteceu isso: uma transferência de propriedade, vamos dizer assim, de uma pessoa para outra da família.
O que aconteceu no caso da Sonia foi esse, um caso gravíssimo. E nós, quando a resgatamos, fizemos o que o Estado brasileiro prevê no fluxo nacional de combate ao trabalho escravo. Inclusive foi feita em 2021 com a Presidência da Senadora Damares aqui da Casa. Ela participou das reuniões sobre isso também; membros aqui presentes participaram do fluxo da Conatrae. (Pausa.)
Pode passar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Alô, posso falar?
(Intervenção fora do microfone.)
Maria do Rosário?
(Intervenção fora do microfone.)
A minha fala é de um, dois minutos.
(Intervenção fora do microfone.)
Estou aqui, só você mandar aí. Posso falar?
(Intervenção fora do microfone.)
Estou na linha. Pronto!
(Intervenção fora do microfone.)
Está na linha. A TV Senado está cobrindo.
Ela não está me ouvindo? (Pausa.)
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora deu.
Olha a turma toda batendo palmas, porque agora eu vou falar. (Palmas.)
Bom, rapidamente, querida coordenadora do evento neste momento, Deputada Federal Maria do Rosário, na sua pessoa, pela brevidade, eu cumprimento todos os Parlamentares presentes, Deputados Estaduais, Federais, Vereadores, Prefeitos, Prefeitas. E neste momento, claro, cumprimento a equipe do Presidente Lula, que está fazendo um excelente trabalho, cumprimento o Ministro Paulo Pimenta, Ministro Waldez Góes, Ministra Nísia Trindade e o Ministro José Renan Filho. Parabéns a todos.
Aqui hoje é um debate sobre combate ao trabalho escravo doméstico, mas todos acordaram que nós faríamos aqui um trabalho mesclado. Debateremos os interesses do Rio Grande, essa situação de guerra, desastre total, infelizmente, no nosso estado. E todos aqui já entraram em campanhas, as entidades de caráter nacional, pela recuperação do Rio Grande.
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Eu quero ser muito breve. O de mais concreto que eu posso dizer nesse momento são duas questões: primeiro, que está avançando bem aqui o compromisso de Deputados e Senadores de que as emendas individuais e de bancada... Pelo menos está avançando bem - isso não quer dizer que todos pensam igual. Isso vai garantir alguns milhões e milhões para o Rio Grande.
A segunda questão que quero colocar é que eu recebi um convite, há poucos minutos, do Presidente Pacheco. Ele quer fazer um almoço na casa dele - calculo eu que vai ser em torno de meio-dia e quarenta - para aprofundar os projetos que o Senado pode aprovar, de imediato, de interesse do Rio Grande do Sul. E é ir para lá... E se, inclusive, Maria do Rosário, vocês tiverem algumas contribuições, já que eu estou aqui - porque vim do Rio Grande no último voo, na sexta à noite, e não pude retornar porque o aeroporto fechou -, eu me disponho a levar o que vocês decidirem aí. Eu não estou presente, mas a minha posição... A decisão do encontro de vocês aí, com esses quatro ministros e com o Presidente Lula, é também a minha posição.
Era só isso.
Vamos recuperar o nosso querido Rio Grande.
Parabéns! Parabéns a todos vocês e a toda essa turma que está aqui no Plenário do Senado, batendo palma para vocês, e não para mim. (Palmas.)
Estamos juntos! Vamos recuperar o Rio Grande.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. WILLIAM CHARLEY - Obrigado, Senador.
Então, Senador, a situação da Sônia era muito difícil, extremamente difícil. A Luciana, Auditora-Fiscal do Trabalho, que está aqui conosco, também participou das tratativas, e nós vimos que a Sônia, uma pessoa que tem a minha idade, mais ou menos 50 anos, foi esquecida durante 40 anos, não teve nenhuma inserção social. Ao contrário da legislação, de que o senhor participou, da Lei de Inclusão, prevista como emenda constitucional na nossa Constituição Federal, o tratado e o protocolo...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Eu estava lá.
O SR. WILLIAM CHARLEY - O senhor estava também na promulgação desse livro importantíssimo para nós todos, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Só tem dois aqui no Senado...
O SR. WILLIAM CHARLEY - Que estavam aqui nesse momento?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Só eu e o Renan Calheiros. Aí a minha preocupação: só tem dois, onde é que estão os outros? Morreram? Espero que não. (Risos.)
Vamos lá.
O SR. WILLIAM CHARLEY - Então, Senador, o que foi feito no caso da Sra. Sônia? Ela foi retirada do local de cativeiro dela e foi colocada aos cuidados da Associação de Surdos da Grande Florianópolis, de Santa Catarina. Quero agradecer à Sra. Sandra, que preside a associação, que esteve presente com a gente, dando apoio total à Sônia para que ela se inserisse como pessoa na sociedade e na sua família.
Localizamos a família Jesus, que sempre, desde o início, quando nós conversamos, a quis de volta, porque essa é a família natural dela.
Então, Senador, aconteceram infelizmente alguns fatos graves, que nós temos que colocar nesta Comissão, e depois eu vou pedir algumas providências ao senhor.
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O Ministro Mauro Campbell, do STJ - o Ministro que comandava as investigações penais contra o desembargador por ter foro privilegiado, conforme a Constituição -, autorizou a Polícia Federal a entrar na casa do desembargador e colher os indícios do crime, e assim foi feito. Tanto é que o Auditor Fiscal Humberto Camasmie participou dessa operação, esteve lá, obedeceu ao sigilo, porque interessava à equipe toda o sigilo da operação, para que ocorresse com sucesso, e foi feito assim.
Infelizmente, o sigilo vazou, mas não foi da nossa equipe. É bom que seja dito isso agora. O Humberto Camasmie é um Auditor Fiscal de grande responsabilidade e jamais faria isso. Tenho certeza de que na Justiça será provado que ele jamais cometeu esse crime tão grave, que é a violação do sigilo funcional.
Infelizmente, o Ministro Campbell - Ministro por quem nós temos muito respeito, é um Ministro experiente, veio do Ministério Público amazonense, está no STJ há muitos anos, tem um histórico no STJ - decidiu, em agosto de 2023, já com andamento dos trabalhos para a inclusão da Sônia, não só pelo afastamento do Humberto, porque era um suposto sigilo, já que ele deu uma entrevista no Fantástico uma semana após a operação, ou seja, quando já havia esgotado totalmente a ação cautelar, ele foi colocado, isso é importante colocar... (Palmas.)
É importante colocar isso, Senador, porque as pessoas que lutam contra o trabalho escravo sofrem muita perseguição. É um crime muito grave, é um crime muito grave e a gente tem que colocar em questão que as pessoas que combatem a escravidão não podem ser perseguidas, têm que ser respeitadas, têm que ser apoiadas do trabalho.
Todo apoio ao Auditor Humberto, pelo seu trabalho. Infelizmente, ele foi perseguido, mas, se Deus quiser, vai dar tudo certo e ele vai ser inocentado, porque ele é inocente nesse caso.
Mais à frente, Senador, o Ministro determinou, nessa mesma ação cautelar, mesmo com dos elementos de prova constando que havia um trabalho escravo ali, que a Sônia, se quisesse - é uma pessoa que não tem condições de expressar a própria vontade, pela questão da deficiência - fosse visitada num local público, num local de guarda de pessoas vítimas de violência doméstica. O Ministro autorizou essa entrada lá, de uma equipe de advogados, e mais parentes e amigos, uma multidão de pessoas, num local que deveria ser um local de acolhimento de pessoas vítimas de violência doméstica.
Isso é outra coisa grave que nós temos que combater no Brasil, infelizmente, é a violência contra a mulher. E também o trabalho escravo é uma violência contra a mulher, isso eu quero deixar bem claro também, que é uma pessoa cativa, empregada, que está ali, também é uma vítima de violência doméstica. (Palmas.)
(Soa a campainha.)
O SR. WILLIAM CHARLEY - Então, Senador, nesse caso, o Ministro autorizou, infelizmente, essa visita lá. E eu posso dizer, assim, esse é o momento de dizer, porque é o Parlamento brasileiro, tem que ser dito isso, porque as pessoas com deficiência foram tratadas infelizmente como animais, animais...
(Palmas.)
O senhor me desculpe, é tanta emoção, porque é o caso que apaixona a gente, a gente tem contato com uma causa e a gente fica um pouco apaixonado por ela, mas acontece que essa volta da Sônia foi um absurdo, porque o que foi feito lá com ela foi um adestramento da pessoa, ela foi adestrada a voltar com os seus patrões. Bateram na mala "Volta, venha!", e ela não teve outra vida, não teve chance de se entender como pessoa... Infelizmente, ela não expressou claramente a vontade - como a psicóloga Yasmin sabe bem, ela está aqui presente, pode dizer sobre isso -, e ela retornou.
Nesse retorno, Senador, nós tivemos que entrar com habeas corpus...
(Soa a campainha.)
O SR. WILLIAM CHARLEY - ... porque é um absurdo que a pessoa vítima de violência no Brasil - após a abolição da escravatura, mais de cem anos - seja, vamos dizer assim, questionada sobre ela querer ser livre, ou não. Essa é a questão, essa é a questão, é uma questão grave.
Infelizmente, o Ministro André Mendonça indeferiu o nosso pedido de liminar, mas nós estamos, assim, bastante confiantes de que, no mérito, vai ser julgado procedente. Temos conversado bastante com o gabinete do Ministro André Mendonça para que ele julgue o mais rapidamente possível esse habeas corpus.
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E também, senhoras e senhores, eu gostaria muito de dizer que essa causa pode gerar um precedente perigosíssimo para todos nós que atuamos contra o trabalho escravo, para toda a sociedade brasileira, e por isso nós pedimos ajuda nesse habeas corpus a muitas entidades, que, prontamente, participaram. Estão lá, como amicus curiae. Eu quero nominar aqui o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), o Instituto Memória, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina); a Fenatrad, a CUT - a Sra. Luiza está aqui presente online assistindo à gente -; o Sinait, que esteve presente também; a Secretária Feminella, que estava aqui com a gente e sempre participa de reuniões - e o Ministro Silvio Almeida, através dela, já fica também agradecido pelo apoio -; a CPT, do Frei Xavier; e a família de Jesus, que está atuando também no processo para que haja o retorno da Sônia à sua família natural e que ela possa se inserir como pessoa.
Nós entendemos, Senador, que é um crime altamente grave, e não cabe à pessoa ser questionada sobre a sua liberdade. A liberdade é fundamental para o ser humano, o que está previsto no nosso livro básico do nosso país, que é a nossa Constituição Federal. E a nossa Constituição tem um artigo de que eu gosto muito - o senhor deve se lembrar bem -, é o art. 3º da nossa Constituição. É o art. 3º que dá a tônica do nosso trabalho. Para que serve a Defensoria Pública? Para que serve o Ministério Público? Para que serve esta Casa, o Senado? Para que haja a promoção do bem de todos, independentemente da sua cor, origem, religião, etnia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
O SR. WILLIAM CHARLEY - Eu acho que isso é importante, Senador, e peço, já finalizando a minha fala, algumas providências do senhor e da Comissão de Direitos Humanos.
Que esta Comissão faça gestões junto ao Conselho Nacional de Justiça, porque nós temos uma representação no Conselho Nacional de Justiça, porque acontecem irregularidades naquela suposta ação que a família do Desembargador entrou após ação fiscal, para reconhecimento de filiação, após ação fiscal - somente após ação fiscal, é bom que se diga isso. E há uma série de irregularidades naquele procedimento que corre perante a Justiça catarinense. Nós pedimos apoio do Senador perante o CNJ, apoio do Senador perante o STF, para que a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal possa julgar rapidamente esse habeas corpus, possa concedê-lo e que, enfim, seja garantida a liberdade da Sônia e que nenhuma pessoa no Brasil se sujeite a ter um precedente perigoso, que seria a manutenção em escravidão de uma pessoa com deficiência.
Muito obrigado, Senador. Obrigado aos senhores presentes. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Sr. William Charley, Defensor Público da União.
Agradeço também pela sua gentileza de permitir que, no meio da sua fala, eu falasse para os gaúchos e gaúchas que estavam esperando lá esse informe da reunião com o Presidente Pacheco.
Eu convidaria vocês a retornarem ao Plenário, e nós vamos para a última mesa.
Uma salva de palmas aqui aos nossos parceiros. (Palmas.)
Estamos juntos na luta. Desculpem ter que misturar ... (Pausa.)
Eu quero registrar a presença de Renato Bignami, Diretor de Inspeção do Trabalho do Sinait; Marco Aurelio Gonçalves, Diretor também do Sinait; Joedson Alves da Silva, jornalista, sejam todos bem-vindos.
Está aqui já a segunda mesa. E eu tenho aqui Rio Grande, chuva, trabalho escravo, mas faz parte, não é?, faz parte do nosso trabalho aqui.
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Eu tenho um almoço com o Rodrigo agora para discutir a situação do Rio Grande do Sul. Mas vai dar tempo.
Segunda mesa:
Marta de Jesus, irmã de Sônia Maria de Jesus, a doméstica resgatada da condição análoga ao trabalho escravo. (Palmas.)
Anna Paula Feminella, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Por favor, Anna Paula. (Palmas.)
E Valdirene Boaventura Santos, Secretária de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Domésticas do Estado da Bahia. (Palmas.)
Está aqui.
Seja bem-vinda!
Eu vou fazer só um apelo a vocês: se puderem ficar exatamente no tempo, daí dá para a gente terminar exatamente ao meio-dia e trinta.
Então, de imediato, Marta de Jesus, irmã de Sônia Maria de Jesus, a doméstica resgatada da condição análoga ao trabalho escravo.
A SRA. MARTA DE JESUS (Para expor.) - Bom dia. Estou um pouco nervosa para mexer nisso aqui, mas dá jeito.
Bom, gente, eu sou a Marta de Jesus, irmã da Sônia Maria de Jesus. Estou acompanhada do meu irmão, Marcos José de Jesus, também. Somos irmãos dela.
Tudo o que foi dito aqui eu acho que foi bem contextualizado: a situação da Sônia, a situação em que ela se encontra. E aí eu queria trazer um recorte um pouquinho sobre a história da minha mãe, porque a Sônia não nasceu com 9 anos. A Sônia teve uma história anterior a isso.
Minha mãe, uma mulher negra, como já foi bem mencionado aqui, está sim relacionada à questão de gênero, está sim relacionada às questões sociais. Ela veio da Bahia sem muitas condições financeiras, em razão de um ferimento que ela teve, sem auxílio - sem auxílio de pessoas, sem auxílio de terceiros. Ela veio para se cuidar, tratar da saúde, como é muito comum acontecer.
Minha mãe teve dois relacionamentos. Do primeiro ela concebeu três filhas, que é a Sônia, a Marlene e a Aparecida. Nesse relacionamento extremamente abusivo, todas elas sofreram diversos tipos de violência, que se estendeu de forma mais grave à Sônia. Porém, todas elas eram agredidas. Tinha uma questão de vulnerabilidade muito grande, fome, enfim.
Houve rumores - aliás, acontecem diversos rumores sobre esse caso -, e um dos rumores era que a Sônia estava dentro de um abrigo, de uma instituição para onde minha mãe havia entregado a Sônia, e isso não aconteceu. A Sônia estava dentro de uma creche: a Sônia saía às 7h da manhã e voltava às 4h da tarde. Ela morava com a minha mãe. Inclusive minha mãe garantia educação para a Sônia, porque a Sônia foi retirada de dentro de uma creche, não foi de dentro da nossa casa especificamente. Então, a Sônia tinha educação com a minha mãe.
Porém, dentro desse cenário de extrema violência, essa senhora se dispôs a auxiliá-la, a auxiliar a minha mãe, que não tinha uma rede de apoio, que não tinha alguém para auxiliar, que não tinha alguém para fortalecê-la naquele momento, e a ideia era que a Sônia fosse cuidada e que minha mãe tivesse acesso a ela, e não levada. Tanto que a Sônia estava numa creche, volto a dizer, de onde ela retornava para casa. E minhas outras irmãs também estavam nessa creche. Então minha mãe teria contato com ela, não teria por que esse contato ter sido rompido.
Só que não foi isso que aconteceu. A Sônia foi levada. Ponto. Isso que aconteceu. O acordo que havia sido feito foi uma tentativa de auxiliá-la, de tentar tirar um pouco daquela situação de extrema vulnerabilidade, de agressão, porque a Sônia foi espancada dentro de casa, o próprio pai foi quem a esganou e, por isso, em decorrência disso, a deficiência auditiva. Então, foi quem se prontificou a auxiliar a minha mãe, naquele momento. Aí minha mãe confiou na única rede de apoio dela. E a única rede de apoio dela foi quem ocasionou tudo o que está acontecendo aqui hoje, que já foi muito bem mencionado.
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Posteriormente a isso, minha mãe passa a fazer uma busca constante pela Sônia. Eu tenho 34 anos e sou a irmã mais nova. Eu ainda não a conheço, porque, quando começaram todas as visitas, tudo, eu estava gestante. Mas eu fui uma das filhas que percorreu, diversas vezes, atrás de buscas de notícias da Sônia junto com a minha mãe. Todos os irmãos percorreram essa mesma história, esse mesmo caminho, esse mesmo trajeto, porque toda essa conversa que aconteceu foi dentro de uma creche, dentro de uma instituição educacional, com uma pessoa intermediando isso. Nós tínhamos um certo contato. A minha mãe tinha um certo contato com essa pessoa que auxiliou na intermediação. Com a senhora que a levou, isso foi rompido totalmente. Então, a gente ia fazer essas buscas. Nós íamos juntos. Nós caminhávamos muito. A minha mãe era uma senhora negra, analfabeta, periférica, que tinha uma questão de saúde, que morreu em decorrência disso. Minha mãe não conseguia andar de ônibus, minha mãe vomitava, minha mãe passava muito mal. Então, tudo o que a gente fazia era caminhando. E caminhávamos quilômetros, 10km, 11km... E, quando a gente chegava, às vezes, da casa dessa pessoa que estava meio que intermediando, ela dizia: "A Sônia está muito bem, a Sônia está nos Estados Unidos, a Sônia não precisa de você. Você tem outros filhos. Cuide dos seus outros filhos".
E essa era a busca constante. Davam endereço que não existia - nós íamos até o endereço, e não tinha ninguém. Davam telefone que não existia. E assim foi a saga da minha mãe até a morte dela. A minha mãe dizia: "Eu vou morrer e não vou rever a minha filha". E assim aconteceu. Desse jeito, as coisas aconteceram.
E todos nós percorremos, com essa busca, atrás da Sônia. E havia o sofrimento da minha mãe, porque a minha mãe buscou auxílio e, depois, foi a culpada de tudo isso, porque era ela a culpada de ter dado a filha. E não foi bem isso que aconteceu. Nós ainda, enquanto irmãos, ainda temos que escutar todos os rumores de todo o sofrimento da minha mãe, de um sofrimento que hoje é nosso também, porque nós revivemos a história da nossa mãe, porque nós não sabemos onde a Sônia está, especificamente, o que ela está fazendo, como ela está sendo tratada. O que nós sabemos é que ela está viva. Era a única informação que a minha mãe não tinha. De resto, a gente também não sabe. Como está ela hoje? O que está acontecendo? Como é que a Sônia está sendo tratada, realmente, dentro daquela casa? A gente vive a mesma história da nossa mãe, a mesma história.
Em junho do ano passado, nós fomos notificados de que havia acontecido uma reportagem no Fantástico. Eu até assisto, mas calhou de, naquele dia, eu não ter assistido. Fomos contatadas: "Olha, vocês são irmãos da Sônia? Porque nós fizemos uma busca, ela foi encontrada nesse formato, assim, assim, assado". E a gente: "Oi? Como assim? A Sônia está muito bem". Achávamos que a Sônia, das duas uma: ou ela não queria contato conosco, porque não sabíamos como ela foi educada e criada; ou ela, de fato, havia morrido. Acabou. Não tem Sônia. A gente nunca teve contato com a Sônia. Essa era a nossa cabeça. Então, se a Sônia está muito bem, que bom e que ela consiga viver a vidinha dela. E não foi bem isso. Não foi nesse formato que ela foi encontrada.
Aí nos trouxe diversas situações. Começamos a reviver o óbito da minha mãe, que é algo muito dolorido para a gente. A minha mãe teve os seis filhos, sete com a Sônia, e morreu em decorrência de uma hérnia, que ela não teve coragem de operar, porque ela tinha medo de morrer e acontecer a mesma coisa que aconteceu com a Sônia: "Vão levar meus filhos? Então, eu prefiro ficar aqui". De uma complicação de uma hérnia, de uma coisa tão pequena, minha mãe veio a óbito aos 70 anos, em 2016. Quando a gente fica sabendo das notícias da Sônia, a gente: "Oi? A Sônia foi encontrada numa situação análoga à de escravidão. Como assim?!". A Sônia foi tirada da minha mãe por uma psicóloga, por um médico, e a minha mãe, a negra, periférica e analfabeta, não tem um filho analfabeto; nenhum dos meus irmãos é analfabeto. Nós não somos analfabetos...
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(Palmas.)
Nós não somos.
Como assim?! Isso nos causou extrema indignação, muita tristeza, porque eu até brincava - brincava, assim, num modo de dizer -: se minha mãe não tivesse morrido, ela teria morrido agora, porque saber de uma notícia dessas foi um baque gigante para todo mundo. Para nós, é, assim, surreal. E pior: a Sônia não teve direito à socialização, a Sônia não teve direito a se comunicar, a Sônia não teve direito a tentar a vida dela, a Sônia não casou, a Sônia não teve filhos. Como assim?! Nós tivemos filhos, nós temos filhos, nós temos família e nunca nos separamos.
O que minha mãe sempre prezou foi a união da nossa família, e assim somos. Nós moramos num terreno dentro da comunidade, são cinco casas; todos os irmãos moram no mesmo lugar, todos os irmãos são honestos, todos os irmãos nunca tiveram passagem pela polícia, pela delegacia, nada. São todos trabalhadores e honestos. Minha mãe era analfabeta academicamente, mas era uma mulher de extremos valores, e foi assim que ela nos criou, foi assim que ela passou para a gente.
Começamos, então, graças a Deus, com muitas pessoas nos auxiliando.
Gostaria até de enaltecer o trabalho dessa galera que está nos apoiando, que está do nosso lado, que é extremamente humana - é extremamente humana - e que começou a nos auxiliar.
E aí a gente conseguiu ter alguns encontros com a Sônia. Tivemos três encontros com a Sônia. Nós precisamos, enquanto família, ir até Florianópolis. A gente faz um encontro na associação de surdos, onde ela faz os acompanhamentos dela, com o auxílio do Cáritas, porque somos uma família de seis irmãos, com crianças, e é a família da Sônia que precisa ter acesso a ela, porque a gente quer estar perto dela, e ela tem demonstrado esse interesse por nós também. E eles têm nos auxiliado com essas passagens, têm nos auxiliado muito nesse sentido, que é o que nos faz ficarmos próximos da Sônia.
Tudo o que foi dito aqui eu acho que foi muito bem colocado, e uma das coisas que...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARTA DE JESUS - ... me pegou ali foi uma das falas: a Sônia não teve nem direito ao resgate dela, foi revogado o resgate da Sônia. Não foi só revogado o resgate da Sônia, a Sônia também não teve direito à família dela, que está de braços abertos esperando por ela. Como assim?! A Sônia é da família, mas não tem direito às necessidades básicas dela. A Sônia não é uma funcionária da casa, mas trabalha como se fosse. Isso não caracteriza um trabalho escravo? Se se caracteriza um trabalho escravo, por que a Sônia está lá dentro, gente? Por que a Sônia voltou?
E o nosso pedido, assim como foi feito por outras pessoas aqui, é o mesmo: os órgãos competentes que estão à frente desse caso precisam ter uma conduta que seja, de fato, favorável à Sônia, que privilegie a Sônia, porque a gente vive num sigilo de justiça. A gente não pode falar um monte de coisa, a gente não pode fazer um monte de coisa. Para resguardar quem?
(Soa a campainha.)
A SRA. MARTA DE JESUS - Porque a Sônia não está sendo resguardada.
Eu agradeço pela minha fala, agradeço a oportunidade de a gente estar aqui representando a minha família, agradeço aos serviços que têm nos auxiliado. Agradeço a todos.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Marta de Jesus, irmã de Sônia Maria de Jesus, doméstica resgatada de condição análoga à de trabalho escravo. (Palmas.)
Ela é tão séria e tão competente que ficou exatamente nos dez minutos, como eu pedi a ela.
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Um abraço. (Pausa.)
Eu acho bonito, porque ela foi solidária com o Rio Grande do Sul ainda; e, como eu disse que eu tenho almoço 12h30, ela correu para garantir que eu possa ir lá discutir o interesse do Rio Grande com o Presidente Pacheco nesse almoço.
Mais uma vez, obrigado, viu? (Palmas.)
Mostra a seriedade e a responsabilidade dela.
De imediato, Anna Paula Feminella, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Eu tenho certeza de que ela vai ficar nos dez minutos também.
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA (Para expor.) - Eu sou de Floripa, daí eu vou falar bem rapidinho. (Risos.)
Bom dia.
Que momento histórico!
Obrigada, Marta; obrigada, Senador; e obrigada a cada trabalhador e trabalhadora que está aqui.
Primeiro, eu quero fazer uma saudação à Sônia, porque eu acabei de descobrir que o sinal dela em libras é um sorrisão. Olha só, que lindo!
Sônia, a gente está contigo! (Palmas.)
Você não está sozinha, a tua família está aqui. Tua família te quer.
Aqui eu estou vendo o Marcos, o Marcelo mandou um recado lá pelo zap. Estão acompanhando os irmãos todos.
Então, essa história não pode acabar aqui. A gente não quer ficar só na denúncia. A gente...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Está bom.
Eu vou ganhar mais tempo, então. (Risos.)
Eu preparei um discurso longo, mas eu me senti muito contemplada na fala de todas as pessoas que aqui falaram antes de mim. Eu só vou reafirmar aquilo que está evidente: os casos de trabalho escravo; o quanto o trabalho escravo cresce onde a humanidade da pessoa é questionada; e as mulheres, as mulheres pretas, as mulheres pretas com deficiência são um grupo social dos mais desumanizados, e as pessoas surdas também são.
Então, é nesse rol de violências e violações que a gente está sendo revitimizada; essa família está sendo revitimizada; a Sônia, revitimizada, pelo que está acontecendo nesse estado de coisas.
Acho que a gente precisa dizer que aqui o que estão questionando é a negação da reparação, a reparação à injustiça praticada desde muito cedo, ao sequestro de uma criança, a um histórico que rompe com tudo aquilo que a gente já conquistou na nossa Constituição, conquistou no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em todas as convenções internacionais que o Brasil já assinou e se comprometeu a cumprir em relação aos direitos humanos.
A gente está falando de recuperar os direitos humanos de uma cidadã, a Sônia, e eu acho que, assim como ela, quantas outras mulheres com deficiência, quantas mulheres surdas podem estar em situação análoga ao trabalho escravo? Quantas de nós podemos dizer que não temos, literalmente, voz nessa história? Eu quero que, no próximo momento que a gente for tratar disso, a gente já trate com a Sônia aqui, a Sônia podendo se manifestar, aprendendo libras, aprendendo uma língua. A negação de uma língua, do direito à expressão, é das mais brutais para mim.
Muito se falou aqui sobre a relação gênero, raça, classe, com o trabalho escravo, mas a gente tem que falar também de deficiência. Deficiência ainda é um tabu para a sociedade brasileira. A gente precisa entender a deficiência como um dado da realidade do povo brasileiro: 15% da população mundial tem pelo menos um tipo de deficiência, e a gente não pode tratar isso como um detalhe. Isso é uma característica da Sônia, é uma característica de muitas e muitas pessoas, de muitos brasileiros. E essa condição, então, da desvalorização da pessoa com deficiência também está nesse jogo. Também está na naturalização da violência contra quem tem deficiência.
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E aqui eu quero falar que todos os movimentos de defesa de direitos da pessoa com deficiência estão aqui com a gente. Estão nos vendo... (Palmas.)
... vão nos ouvir, estão nos apoiando. São milhares e milhares de pessoas com deficiência, organizações da sociedade civil que defendem e acompanham.
E o Conade, Conselho Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência, que eu presido nesta gestão, também tem se posicionado sempre a favor de Sônia, sempre pela reparação e por não criminalizar quem fez o trabalho correto. O Auditor Fiscal do Trabalho não pode sofrer por ter cumprido a sua tarefa, suas atribuições enquanto Auditor Fiscal do Trabalho. Isso é muito grave. Esse é um recado com que tentam nos intimidar, intimidar quem está fazendo correto, quem está seguindo as normas e cumprindo com a sua tarefa.
Eu acho muito importante dizer que os empregadores, quando mantêm assim, eles confiam na impunidade. E a gente não pode deixar impune. Manter essa impunidade é manter a situação, é manter ainda resquícios de uma sociedade escravocrata no nosso país.
Isso é um absurdo que está acontecendo. Acredito que a gente tem avançado, que bom que a gente tem o Governo Federal, que a gente está apoiando, que as organizações, que a Anamatra, que todas que aqui antes relataram estão atentas a essa situação.
Estou passando algumas folhas para não repetir aquilo que...
Eu quero dizer que as mulheres negras com deficiência precisam ter voz aqui. A gente tem que trazer a população surda.
Quero agradecer na pessoa da Sandra, que eu também tive a oportunidade de conhecer, o que foi o trabalho, o que está sendo o trabalho de acolhimento e de ensinar uma língua para a Sônia lá em Florianópolis. Então, o quanto o universo dela está se ampliando a partir da socialização, mesmo que tardia, mas ela está começando a socialização e a gente não pode aceitar....
Quando eu estive com o Ministro Silvio em Florianópolis, foi final de julho, a gente conheceu - não, foi dia 1º de agosto -, dentro do Ministério Público do Trabalho, a Sônia. Tinha uma intérprete de Libras que já estava ensinando, já estava aprendendo algumas palavras, era bem no início, porque foi em junho que ela foi resgatada. Ela ainda estava com a equipe de acolhimento de vítimas de violência doméstica e estava se abrindo para o mundo.
Então, é um absurdo a gente ver o quanto é a banalidade da violência e a violação dos direitos humanos no nosso país. A gente não permite, e além da gente, do Conade, a Conatrae (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) também tem apoiado e tem acompanhado esse processo.
E o que a gente quer dizer aqui, finalizando, Senador, é que a gente acredita na potência do trabalho coletivo, na necessidade de a gente enfrentar o capacitismo, que é a discriminação em razão de deficiência, da mesma forma como a gente reage e atua contra o racismo no nosso país, contra o sexismo, a transfobia e toda a forma de opressão.
Senador, não sei se você lembra... Lembra-se do Bacurau? Bacurau, vítima da hanseníase, foi um ativista que, na época da Constituição, colocou, lá no art. 3º, o combate a qualquer forma de discriminação - ele também pessoa com deficiência -, citando a discriminação em razão da deficiência, que, naquele momento, não estava citada, mas para a qual agora a gente tem nome, para esse tipo de discriminação, que é "capacitismo".
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Inclusive, eu não pude entrar com essas cartilhas aqui, não sei por que a segurança não me deixou trazer as cartilhas de combate ao capacitismo, do Governo Federal, que falam, em linguagem simples, o que é a discriminação em razão de deficiência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É importantíssima a cartilha. Já vou te dizer, o meu pessoal pega e entrega. Onde é que estão as cartilhas?
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Ficaram lá na portaria.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Lá embaixo?
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - No Anexo 2.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, o meu pessoal desce junto com você, e, depois, a gente distribui aqui dentro. Não tem problema nenhum distribuir cartilha aqui... É a primeira vez que alguém não pôde distribuir uma cartilha...
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Não acreditaram na cadeirante, não é? Vai ver que foi...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Preconceito. É puro preconceito.
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Então, a gente tem, então, essa questão. Eu acho que é importante a gente falar da necessidade de tratar o tema da deficiência também como um elemento que complexifica, prejudica, ainda mais, esse público e nos expõe, nos vulnerabiliza a toda forma de violência e repressão.
A falta de informação, inclusive dos agentes do Judiciário sobre o tema, também nos assusta. Lei a gente já tem. A gente tem muitas leis. O Estatuto da Pessoa com Deficiência... Está aqui o nosso querido Senador... (Palmas.)
... que, desde 2000, em um processo legislativo de 15 anos, trouxe essa pauta.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Construímos juntos, construímos juntos.
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Construímos junto com a sociedade civil, junto com o compromisso.
Quero finalizar dizendo da necessidade de a gente fortalecer a capacidade institucional de recepcionar toda forma de violência e violação de direitos contra a pessoa com deficiência. Pelo fim da banalização disso, a gente precisa abordar uma cultura anticapacitista no nosso país. É preciso ter orçamento e mecanismos de financiamento de políticas públicas, tanto políticas afirmativas quanto valorizativas, repressivas também e formativas, sobre a pauta da deficiência, disseminar informações e, sempre, sempre denunciar. Todos têm aqui a obrigação de denunciar qualquer prática de violação e violência contra a pessoa com deficiência. O Disque 100 tem que ser o caminho.
Por isso, gente, só para finalizar mesmo, mesmo, o acompanhamento ao caso do Humberto, para que o Humberto não seja penalizado. A gente está junto com o Humberto. Humberto, estamos contigo, você não está sozinho.
(Soa a campainha.)
A SRA. ANNA PAULA FEMINELLA - Também quero dizer que é um absurdo tentar adotar a Sônia agora. A Sônia tem família, a família a quer, a Sônia tem 50 anos e ela precisa ter opção de escolha, mas, para isso, ela precisa ter acesso, socialização e precisa ter domínio da sua língua e dos seus conhecimentos e conhecimentos sobre os seus direitos.
Muito obrigada! Nada sobre nós, sem nós!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Anna Paula Feminella, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos.
Devido ao nosso tempo, vamos ter que, agora, acelerar, mas ficou dentro dos dez minutos, viu?
Valdirene Boaventura Santos, Secretária de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Domésticas do Estado da Bahia.
É com você.
A SRA. VALDIRENE BOAVENTURA SANTOS (Para expor.) - Boa tarde a todas e a todos.
Meu nome é Valdirene Boaventura. Hoje, eu estou como Secretária de Assuntos Jurídicos do Sindoméstico da Bahia, faço parte da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas e também sou uma trabalhadora doméstica que foi resgatada do trabalho análogo à escravidão.
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Aonde eu vou eu gosto de contar a minha história, não como... Hoje, eu não falo mais como vítima do trabalho escravo, e a gente vê que, mesmo diante dos avanços legislativos, a gente continuou sendo trabalhadora doméstica em trabalho análogo à escravidão, em tempo moderno. Hoje, eles mudaram, e a gente continua no quarto dos fundos, onde é colocado todo tipo de dejeto, como produtos químicos, aquele pneu velho que não querem mais, aquela bicicleta velha que não serve mais, e aí vai se colocando lá no quarto, naquele quartinho dos fundos onde a gente divide o espaço. Então, hoje, a gente vive, mesmo diante desses avanços, a gente ainda continua na invisibilidade nacional, continua sendo escravizada. Então, a gente precisa mudar isso.
Hoje, tem as leis. Veio a Lei Complementar 150... Hoje, a gente também... Esta semana foi promulgada a Convenção 189 pelo nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que eu acredito que agora a gente vai seguir.
E, voltando à situação de Sônia, ao caso Sônia, nem só Sônia, mas também Madalena, outras e outras trabalhadoras, à situação de Sônia, não existe essa possibilidade de dizer que ela hoje é membro da família. Durante mais de quatro décadas, ela foi escravizada, ela manteve-se sendo escravizada por essa família, era obrigada a fazer os afazeres da casa, não tinha direito, não teve direito à educação, à saúde... Como os relatos falam, existiam fortes assaduras devido aos maus-tratos naquela residência, que ela tinha, há a questão também do mioma que foi descoberto... Então, ela, durante esse tempo todo, foi escravizada. Aí, agora vem o Desembargador e quer adotá-la como membro da família. Será que, durante esses anos, Sônia fez parte mesmo dessa família? Será que ela estava no testamento dele? Porque, anteriormente, não estava. Agora, eles querem incluí-la como membro da família.
Então, é realmente surreal essa história de Sônia. E você vê o abuso de poder desse desembargador de querer burlar a lei e querer colocá-la agora como membro da família, uma trabalhadora que, durante anos, teve seus direitos desrespeitados. Então, isso é uma situação que a gente precisa... Senador, a gente precisa tomar posse disso e fazer valer o nosso direito, fazer valer... Nós, como trabalhadoras domésticas, merecemos o respeito. E em respeito a isso... (Palmas.)
... Sônia precisa ser libertada, tirada do cárcere privado, porque ela, lá, não tem direito à socialização, não tem direito a nada, está isolada do mundo, está isolada da sociedade, e a gente precisa tomar a frente disso.
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, em parceria com outros membros, está correndo atrás disso, e a gente não vai se calar, a gente vai continuar, sim, em luta pela libertação de Sônia. Todos nós aqui queremos Sônia livre, queremos sônias livres. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, viu? E parabéns também pela forma direta, objetiva, que disse tudo. E ficou dentro dos dez minutos.
Então, pessoal, infelizmente, eu estou com problema de horário.
O Frei Xavier Marie Plassat, infelizmente, caiu, mas depois voltou, a Dra. Teresinha de Lisieux Rodrigues Moura de Freitas, auditora fiscal também, e Luiza Batista Pereira, da Federação das Trabalhadoras Domésticas, todos estavam virtualmente, mas, como estourou o nosso tempo, se vocês concordarem, e aí eu me atraso um pouquinho - não sei se ela está ainda aí, a Luiza -, vamos pedir para a Luiza Batista Pereira, Coordenadora-Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, fazer a fala de encerramento. O.k., Luiza?
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A SRA. LUIZA BATISTA PEREIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador Paulo Paim, pela consideração, pelo respeito. Eu fiquei emocionada. Fiquei triste sabendo que eu não ia ter fala, mas agora estou emocionada.
Primeiro, quero, em nome da Fenatrad, externar nossa solidariedade aos nossos irmãos e irmãs gaúchas, que estão passando por esse desastre climático, e reforçar o pedido de que, se a gente faz um Pix de R$1, R$2, R$3, R$5, R$10...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito.
A SRA. LUIZA BATISTA PEREIRA (Por videoconferência.) - ... nós já estamos contribuindo, sim, com o povo gaúcho, que está nesse sofrimento terrível.
E quero dizer que a Fenatrad, há muito tempo, já vem falando sobre essa questão do trabalho doméstico análogo à escravidão e que o caso de Sônia, se a Sônia não volta a ter liberdade, se a Sônia não sai desse regime escravocrata em que ela se encontra, vai gerar uma jurisprudência.
O que é mais revoltante é que a escravidão de Sônia não foi feita por uma pessoa leiga, foi feita por uma pessoa que sabe o que está fazendo e que confia na impunidade. Isto é o pior: a gente saber que quem comete esse tipo de crime comete porque sabe que vai ficar impune. E, no caso da Sônia, se torna muito mais grave. É inadmissível, em pleno século XXI, um desembargador, que tem conhecimento de todas as leis do país, trazer uma pessoa, uma criança de nove anos de idade, sempre com aquela promessa, porque é sempre assim que se consegue trazer as meninas pretas, as meninas que vivem em situação de violência, naquela promessa de que ela vai ter uma vida, vai ter oportunidade na vida. Que pai, que mãe não quer uma filha tendo a oportunidade de estudar? E nisso muitas se transformam em trabalhadoras análogas à escravidão, como é o caso de Sônia e de Madalena e de tantas outras que estão sendo resgatadas.
Na Bahia, por exemplo, tem várias companheiras que foram resgatadas em condições análogas à escravidão. Então, eu não sei nem quanto tempo eu tenho de fala, sei que o senhor está aí com o seu tempo assoberbado para esse almoço tão necessário, porque precisa, sim, olhar para os irmãos do Sul, neste momento, com um olhar humano, um olhar de solidariedade, mas eu não poderia deixar de dizer que a Fenatrad agradece, mas que a gente vai, sim, continuar lutando para que esse habeas corpus seja concedido e a Sônia volte a ser livre, a Sônia volte a ter o convívio com a família biológica, esse convívio que foi tirado dela de forma tão abrupta e de uma forma assim tão - como é que eu digo? -, de uma forma que não foi a forma correta, em que se usou da situação de violência que Sônia assim como milhares de outras crianças negras em situação de vulnerabilidade e de violência vivem, para levar e depois ter essa mão de obra escrava.
A gente tem uma lei que tem mais de cem anos, a Lei Áurea, mas que, infelizmente, em muitas situações, ainda está no papel. Por isso que a gente precisa, sim, que a Sônia fique livre, mas que a gente tenha também esse projeto da Deputada Benedita aprovado, porque é muito preocupante quando essas companheiras são resgatadas, elas têm três meses apenas de seguro-desemprego, e depois, como fica a situação dessas companheiras? Elas precisam, sim, reorganizar a vida. E que essas pessoas que roubam a infância, a adolescência e a juventude dessas meninas sejam punidas porque o crime acontece por conta da impunidade.
R
Muito obrigada. Desculpe as minhas palavras tão soltas. Eu já não estava mais preparada para fazer essa fala. Eu me sinto muito grata. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foste muito bem. Muito emoção, muito carinho, muito verdade. Muito bem, Luiza Batista Pereira, Coordenadora-Geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.
Eu, por mim, ficava mais tempo, mas eu tenho que ir. Então, muito obrigado, uma salva de palmas a vocês. Viva o povo brasileiro!
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, agora.
Viva o povo brasileiro! Vivam as empregadas domésticas! Viva o povo do Rio Grande, que está sofrendo tanto!
Está encerrada a nossa reunião.
(Iniciada às 9 horas e 06 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 34 minutos.)