07/05/2024 - 12ª - Comissão de Segurança Pública

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 12ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Segurança Pública.
Aprovação da ata.
Antes de iniciarmos os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura e aprovação das Atas das 10ª e da 11ª Reuniões, realizadas, respectivamente, em 16 e 23 de abril.
Aqueles que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
Estão aprovadas as atas e serão publicadas no Diário do Senado.
Comunicado de documento recebido.
Comunico que foi apresentado à Secretaria da Comissão de Segurança Pública o seguinte documento: Ofício nº 633, de 2024, da Câmara Municipal de Juiz de Fora, Minas Gerais, que encaminha moção de repúdio referente ao Projeto de Lei nº 682, de 2024, de autoria da Deputada Gleisi Hoffmann.
O documento será disponibilizado na página desta Comissão, no site do Senado, tendo o prazo de 15 dias para que membros desta Comissão se manifestem no sentido de autuarmos para que seja analisado por este Colegiado.
Objetivo desta reunião.
A presente reunião é composta por duas partes: a primeira parte destina-se à deliberação do item constante na pauta, e a segunda destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater acerca da política antimanicomial e as medidas tomadas pelo poder público ante a produção de efeitos da Resolução nº 487, de 2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em atendimento ao Requerimento nº 24, de 2023, de autoria do Senador Jorge Kajuru, e ao de nº 10, de 2024, da Senadora Damares Alves, 10/2024 e 19/2024, de autoria do Senador Sergio Moro, e 18/2024, de autoria do Senador Weverton. (Pausa.)
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Item 1.
1ª PARTE
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA N° 19, DE 2024
- Não terminativo -
Requer, nos termos do art. 58, § 2º, II, da Constituição Federal e do art. 93, II, do Regimento Interno do Senado Federal, que na Audiência Pública objeto do REQ 10/2024 - CSP, sejam incluídos os seguintes convidados: o Senhor Haroldo Caetano, Promotor de Justiça do Estado de Goiás; e representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Autoria: Senador Sergio Moro (UNIÃO/PR)
Concedo a palavra ao Senador Sergio Moro para a leitura do seu requerimento.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para encaminhar.) - Muito rapidamente, a ideia aqui é fazer um debate mais profundo, de maior qualidade possível, e os convidados iniciais acabaram indicando algumas pessoas.
Então, nós temos aqui, neste novo requerimento, um representante do Conselho Federal de Psicologia, e também foi sugerido que nós ouvíssemos o Sr. Haroldo Caetano, Dr. Haroldo Caetano, o Promotor de Justiça do Estado de Goiás.
Da mesma forma, em relação... Nós tínhamos indicado inicialmente o Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, e nos foi informado que a pessoa mais qualificada para falar sobre esse assunto de São Paulo seria o Secretário de Administração Penitenciária, que também se fez presente.
Então, são só justes, para que nós tenhamos um debate o mais qualificado possível.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, encerro a discussão.
Em votação o requerimento.
Os Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado. (Pausa.)
Começaremos agora a nossa audiência pública.
Como nós temos dez convidados, iremos dividir em dois blocos.
Primeiro, os que estão presentes... (Pausa.)
Nós tivemos aqui uma proposta e um entendimento.
Nós temos dez convidados. Nós vamos ouvir sete convidados que estão presentes - é até uma forma de prestigiar pela presença aqui em nossa Comissão - e vamos ficar com três convidados que faremos, no segundo bloco, remotamente.
É isso? (Pausa.)
Vamos convidar já, para que possa tomar assento aqui em nossa mesa, o Sr. Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi, Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça.
Sr. Luís, por favor. (Pausa.)
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O Sr. Marcello Streifinger, Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.
Por favor, desculpe aí... (Risos.) (Pausa.)
O Sr. João Mendes de Lima Júnior, Coordenador Geral de Desinstitucionalização e Direitos Humanos do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde. (Pausa.)
E vamos convidar a Sra. Fernanda Balbinot, Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás, representando o Conselho Nacional do Ministério Público.
Como nós só temos quatro cadeiras... Depois vamos para a segunda rodada. (Pausa.)
Aqui há uma questão de ordem...
Antes de começar, o nosso Senador Moro gostaria de fazer uma consideração.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Pela ordem.) - Muito rapidamente, Presidente Senador Petecão - primeiro quero agradecer a presença de todos os convidados -, o objetivo desta audiência é fazer um debate de qualidade sobre a política pública brasileira relacionada a essas medidas de segurança, envolvendo pessoas consideradas inimputáveis dentro do processo criminal, os hospitais psiquiátricos e as alternativas que existem também aos hospitais psiquiátricos.
Existe aí, no centro do debate, a Resolução 487, do CNJ, que foi editada, da qual não tenho a menor dúvida quanto às boas intenções e de que tem pontos positivos, mas que igualmente tem gerado controvérsias junto a parte da comunidade.
Então, a ideia aqui desta reunião é... A Comissão de Segurança Pública do Senado tem aqui - se me permite elogiar, Senador Petecão - feito um trabalho importante no Senado Federal, em relação a matérias que têm passado por aqui. Por exemplo, nós aprovamos aqui o projeto de lei do fim das saídas temporárias nos feriados dos presos, mas ressalvamos as saídas para atividades educacionais, que são importantes para a reabilitação dos próprios presos, e temos discutido vários temas muito importantes. Então, a ideia é fazer um debate de muita qualidade.
Se me permite colocar e pedir para que seja abordado, dentro das respectivas exposições... A maior preocupação em relação à Resolução 487, como política pública, talvez sejam as determinações quanto ao fechamento, à interdição dos hospitais psiquiátricos e, especialmente, inimputáveis, eventualmente submetidos à medida de segurança, que tenham praticado condutas criminais graves no passado, em relação aos quais há dúvidas se a rede de assistência à saúde teria condições de recebê-los, mantendo a segurança de médicos, enfermeiros e da própria sociedade.
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Eu acho que são esses, mais ou menos, alguns pontos mais emblemáticos.
Ninguém tem dúvida da necessidade de ter um tratamento que respeite a dignidade humana dos inimputáveis submetidos a medida de segurança, de buscar a recuperação dessas pessoas tanto quanto possível. A maior reflexão, no entanto, é na linha de: será que o fechamento dos hospitais psiquiátricos não é muito drástico, ou será que é uma condição de, realmente, receber todos na rede pública de saúde, com as deficiências que ela tem? Então, as dúvidas são em torno disso.
Agora, é importante nós ouvirmos tanto... E temos aqui, presentes nesta audiência, tanto visões muito positivas sobre a resolução quanto também temos pessoas que têm uma visão um pouco mais crítica, mas o debate vai ser feito em alto nível e absolutamente respeitoso ao CNJ e aos membros aqui presentes.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Nós agradecemos a participação do nosso Senador Sergio Moro, que é uma pessoa que tem dado uma contribuição grande aqui na Comissão, até porque ele é um especialista da área.
Na mesma linha dele, queria dar as boas-vindas a todos os senhores aqui presentes. Espero que possamos fazer desta nossa audiência pública um instrumento para ajudar este debate.
Com certeza, é um tema complexo, mas tenho certeza de que todos os senhores e aqui a maioria dos membros desta Comissão, nós só queremos ajudar, e, se Deus quiser, sair com uma proposta aqui que possa melhorar o nosso sistema.
Comunico que a presente audiência pública será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço do senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone: 0800 0612211. O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos.
Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos para fazerem suas perguntas e comentários.
Aqui no nosso e-Cidadania, já temos a pergunta do Gicah, do Paraná: "Como vai se dar o repasse dos recursos federais a municípios de pequeno porte para atendimento digno aos portadores de transtornos mentais?". Primeira pergunta.
Anderson, de Minas Gerais: "Está sendo cogitado o direcionamento de mais recursos para os Capes?".
Aridh, de São Paulo: "Quais estratégias de apoio poderão ser utilizadas para evitar uma possível sobrecarga no sistema público de saúde?".
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Silvana, do Rio Grande do Sul: "Teremos [a] inserção de [...] [mais] profissionais da saúde mental na rede de acolhimento e tratamento?".
Aline, de São Paulo: "Como será viabilizado o atendimento de urgência em saúde mental para aqueles que atentarem contra a própria vida ou a vida de terceiros?".
Cynthia, de São Paulo: "É preciso oferecer uma melhor estrutura de atendimento para garantir uma maior segurança aos pacientes e profissionais e à sociedade".
Verônica, da Bahia: "Não se pode esquecer também das famílias das pessoas que não têm autonomia de cuidados ou condições de ressocialização plena".
Aqui, muitas perguntas chegarão durante a nossa audiência, e, aí, nós estaremos encaminhando a todos os senhores e senhoras.
Concedo a palavra, por dez minutos, ao Sr. Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi, que é Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça.
Fique à vontade, Dr. Luís.
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas.
Antes de mais nada, os nossos cumprimentos ao Exmo. Senador Sérgio Petecão, Presidente desta Comissão de Segurança Pública; também ao Senador Sergio Moro, um dos autores de um dos requerimentos para justamente colocar em debate esse tema tão importante para o nosso país.
Também aqui destaco que requerimentos congêneres foram feitos pelo Senador Jorge Kajuru e Senador Weverton.
Evidentemente, trazendo para este momento, para este lugar essa discussão, ela, de certa forma, prestigia a participação de todos num debate que é muito importante para o nosso país, sobretudo sobre as condições a que essas pessoas estão submetidas hoje, ao cumprimento dos dispositivos aprovados por este próprio Parlamento.
Tudo, na verdade, gravitou ou se ensejou a partir da Resolução 487, como se a Resolução 487, Senador Moro, fosse a fundante de uma série de determinações que, na verdade, já aconteceram por ato e disponibilidade deste próprio Parlamento, na reforma psiquiátrica determinada no ano de 2001, à qual se seguiram outras inúmeras legislações: a Lei Brasileira de Inclusão, a própria ratificação de um tratado internacional para proscrição de todo e qualquer tipo de discriminação contra pessoas com deficiência, de modo que nós temos aqui um arcabouço muito sólido e muito robusto a respeito desse tema, em relação ao qual, portanto, a Resolução apenas o referenda, no sentido da sua aplicabilidade.
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Ou seja, nós tínhamos uma disfunção ou um hiato, digamos assim, entre aquilo que estava determinado pela lei, a lei aprovada pelo Parlamento, que representa a sociedade brasileira, e aquilo que, efetivamente, era praticado. Essa desconformidade trazendo, portanto, um desconforto muito grande para as autoridades públicas do sistema de justiça, do sistema de saúde, do sistema prisional, sobretudo na perspectiva de considerar esse tema um tema do prisional, um tema que também interessa à segurança, sim, daquelas pessoas, de todos os que estão envolvidos nesse tratamento, mas é um tema sobretudo da saúde, porque essas pessoas, ao fim e ao cabo, não recebendo, praticando, como praticaram, atos em desconformidade com as regras de convivência social, não recebem uma pena. Não estão, portanto, submetidas ao regime de cumprimento de uma pena, mas, sim, a um tratamento médico, a um tratamento curativo, em relação ao qual, portanto, estão submetidas, na expectativa de que possam superar, portanto, as disfunções psicossomáticas que elas experimentam.
Então, nós temos aqui, na verdade, a necessidade, num primeiro momento, Senador Petecão, de colocarmos aqui a todos os Senadores que compõem esta Comissão que a Resolução CNJ 487 apenas procura trazer ao estado da arte uma discussão que ficou um tanto esquecida ou pelo meio do caminho, com a necessidade de colocarmos as situações nos seus devidos lugares, para que essas pessoas possam receber aquilo que a lei determinou e aquilo que o sistema de justiça determinou de uma forma adequada, prestigiando, portanto, o mais elementar aspecto da dignidade dessas pessoas, que, diante das inúmeras demonstrações que acabam se evidenciando por inspeções a que são submetidos esses equipamentos públicos destinados a tratamento denominados de hospitais de custódia e atendimento psiquiátrico, Senador Moro, que, na verdade, acabam não sendo nem hospitais, nem de tratamento e tampouco para ministrar qualquer providência de ordem terapêutica, porque nesses espaços, sobretudo para quem os visita e para quem já neles esteve, impera, muitas vezes, o improviso.
E quem está dizendo isso não é este interlocutor e tampouco o Conselho Nacional de Justiça, mas juízes, promotores, defensores públicos, advogados, os profissionais da saúde que se dão conta de uma estrutura absolutamente precarizada, como se já não fosse precarizado o nosso sistema prisional.
E, para a nossa perplexidade e surpresa, isso está sendo tratado, evidentemente, não dentro ou com os olhares ou com a atenção da saúde, senão com a mesma preocupação, com as mesmas lentes a que são submetidas as pessoas que cumprem pena neste país.
Portanto, aqui, na verdade, a pretensão do Conselho Nacional de Justiça, muito claramente, prestigiando o próprio Parlamento, era colocar as coisas em seus devidos lugares e, uma vez fortalecendo a política adequada para o atendimento e a atenção a essas pessoas, buscar a instrumentalização dessa política, para que ela possa nascer, se ela não existe; para que ela possa se fortalecer, se ela existe, e estar mal direcionada ou menos adequadamente construída ou arquitetada.
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O que, na verdade, trazia ou traz ainda certo inconformismo de todas as partes - e é por isso que eu aprecio muito quando V. Exa. diz: "Vamos fazer um debate de alto nível", porque eu não creio nem acredito, Senador Moro, que aqui nós estejamos em lados opostos, ninguém... Todos, na verdade, com os seus pontos de vista e as suas respectivas contribuições, as ricas contribuições, de onde venham, estejam na verdade focadas e com a pretensão de atender os mesmos interesses. Aqui é talvez o como, como fazer, a forma, a maneira como adequadamente direcionar ou endereçar esse assunto.
Eu creio que, neste ponto, a resolução é muito apropriada para reinaugurar ou redefinir esse debate, volto a dizer, um tanto esquecido e um tanto esquecido pelos mais de 22 anos em que já levávamos a uma alteração de um paradigma legislativo que simplesmente seguia sendo ignorado por todas as autoridades, e trazendo um grau de responsabilidade muito grande a quem atua na ponta, sobretudo para prover essas necessidades, as necessidades dessas pessoas.
Portanto, aqui talvez, encontrando hoje, sobretudo neste Parlamento, este espaço privilegiado, pelo que desde já agradecemos, para os esclarecimentos, porque muita coisa também se diz, Senador Petecão, a respeito desse tema e muitas vezes com desconhecimento, talvez não daqueles que tenham as informações mais apropriadas em relação aos assuntos, mas muitas vezes se colocam situações diante do tema que, na verdade, não reproduzem ou não espelham a realidade. Nós estamos falando em termos de realidade, de qual realidade? De, absolutamente, um contingente que não supera 2,5 mil pessoas, num universo de 650 mil pessoas privadas de liberdade, e que, evidentemente, grande parte dessas 2 mil ou 2,5 mil pessoas, Senador Moro, estão em condições de reavaliação, se necessária, se devida a continuidade dessas medidas perante esse modelo que aí está. Ou seja, são pessoas que já poderiam inclusive estar a elas sendo dispensado o chamado tratamento ambulatorial, que é o tratamento em meio livre, nos equipamentos tradicionais de saúde, sem a necessidade, portanto, do isolamento que muitas vezes, para essas pessoas, é um isolamento inclusive muito mais prejudicial do que a própria privação da liberdade, porque, para as medidas de segurança, Senador Petecão, V. Exa. conhece muito bem, elas não têm fim, elas se submetem, portanto, a uma análise periódica dos profissionais que podem fazer essa análise.
E aqui é outro ponto, juiz nenhum pode determinar internação de quem quer que seja se não for com a intervenção ou com a opinião técnica de quem de direito, e quem de direito aqui é o profissional da saúde, que vai dizer sobre a cessação ou não de um estado de periculosidade de uma determinada pessoa. Então, aqui nós temos, na verdade, que entender que essas medidas...
(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI - ... até se comparadas à privação de liberdade, acarretam um gravame muito maior, porque essas pessoas acabam simplesmente esquecidas naqueles espaços. E o paradigma trazido pelo Parlamento justamente para reencaminhar ou reendereçar a discussão desse assunto é um paradigma que vence, portanto, a perspectiva dos espaços asilares ou dos espaços de instituições totais, em que essas pessoas acabam muitas vezes sendo dispensadas e absolutamente esquecidas. Esquecidas com o rompimento dos seus vínculos familiares, vínculos familiares esses que tornam essas pessoas simplesmente canceladas para o resto da vida. E não temos no nosso país nem pena de morte nem prisão preventiva, mas as condições desumanas, degradantes a que essas pessoas são muitas vezes expostas são aquelas situações que nos surpreendem em relação ao sofrimento a que essas pessoas, sob a proteção e sob a custódia do Estado, estão submetidas.
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Então, aqui quero dizer que a resolução do Conselho Nacional de Justiça procura trazer algum regulamento à disciplina legal, à disciplina legislativa para que essa disciplina possa ganhar os contornos e os foros de conformidade com aquilo que foi estabelecido pelo país, pelo nosso Parlamento, mas sobretudo pelo compromisso internacional que o nosso país também assumiu cumprir em relação aos Estados que hoje integram a comunidade internacional sobretudo nesse compromisso de fiel adequação a novos modelos que nos permitam tratar com dignidade essas pessoas alheias a um espaço em que ali não venha a conotação da punição, senão efetivamente do tratamento ou da medida adequada, curativa que essa pessoa merece.
Nós temos agora, e este é o esforço, Senador Moro, Senador Petecão, de buscar junto ao Executivo, junto à Saúde, e os esforços já vêm se realizando desde o ano passado, quando a resolução veio à tona. Portanto, recolocando ou reposicionando esse tema como pauta prioritária dentro da Saúde para o Governo Federal e assim chegando também aos governos estaduais. Nós estamos com uma interlocução direta e permanente com o Ministério da Saúde, com as instâncias da tripartite justamente para que os recursos possam ser mais bem distribuídos entre União, estados e municípios. E, mais do que isso, que esses recursos possam reaparelhar a rede, a fim de que essas pessoas submetidas como hoje estão possam ser reavaliadas. E, entre as reavaliadas, que nós possamos identificar aquelas que mereçam ainda algum tratamento, que seja de maior intensidade ou menor intensidade, mas nos lugares apropriados para esse tratamento se implemente.
Eu creio que a representação do Ministério da Saúde vai poder aqui nos brindar com informações mais atuais sobre esse tema. Há, sim, casos tópicos; há, sim, casos de maior atenção, que precisam ganhar uma sensibilização mais adequada diante de todo esse contexto? Com certeza! Nós estamos tratando de tratamentos de alta complexidade, muitas vezes situações crônicas. Essas pessoas, efetivamente, merecem uma adequação em relação ao tratamento médico que merecem, proporcional e de acordo com a própria patologia que as domina, mas nós temos que fazê-lo dentro das regras da medicina, à base das evidências e dos tratamentos, que são os tratamentos que nos permitam, sobretudo, preservar a integridade dessas pessoas, do ponto de vista da sua dignidade, mas ao mesmo tempo lutar para que essas pessoas possam ter os seus vínculos sociais, senão com os seus familiares, sobretudo com a possibilidade de interação com o meio social, para que não sejam simplesmente pessoas canceladas da vida civil. Eu creio que este momento é um momento decisivo, muito significativo. Desde fevereiro de 2023, nós viemos compreendendo como essa política, com essa atenção, vai ganhando forma e foros adequados, sobretudo num passo a passo ilustrativo, exemplificativo, com o qual o Conselho Nacional de Justiça...
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(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI - ... brindou os estados, mas no sentido de formar grupos de trabalho, grupos de trabalho que vão se articulando localmente, porque a solução, ainda que exista - do ponto de vista macro, para todo o país -, vai encontrar o seu melhor arranjo em cada território.
E é nessa perspectiva de ter a possibilidade de grupos locais discutindo os melhores encaminhamentos em cada um dos territórios que nós já vamos vendo vários exemplos positivos nesse sentido. E, sem nenhum alarmismo, Senador Moro, sem nenhuma situação de perplexidade, Senador Petecão, nós vamos conseguindo vencer e adequar, sobretudo, a forma como a lei deve ser cumprida, sobretudo com esses paradigmas todos respeitados.
É a minha intervenção. Agradeço a possibilidade dessa manifestação.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Nós é que agradecemos a participação do Dr. Luís Geraldo.
Já vamos passar a palavra ao Sr. Marcello, que é Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.
O SR. MARCELLO STREIFINGER (Para expor.) - Exmo. Sr. Senador Sérgio Petecão, Presidente da Mesa, Sr. Senador Sergio Moro, demais presentes, especialmente o Dr. Luís Lanfredi, com quem já convivo há um ano e três meses na busca da evolução do nosso sistema prisional e também, agora, da questão das medidas de segurança.
Na qualidade de Secretário de Estado da Administração Penitenciária de São Paulo, eu destaco São Paulo sob dois pontos de vista: primeiro, em relação ao tamanho, o Dr. Lanfredi falou que nós temos cerca de 2,5 mil pessoas em medidas de segurança, dessas quase mil estão em São Paulo, na data de hoje, 937; e também destaco São Paulo em relação ao que vem fazendo àquelas pessoas que cumprem medidas de segurança.
Há mais de 30 anos, nós desenvolvemos o trabalho de desinternação progressiva, um trabalho terapêutico individualizado às pessoas que cumprem medidas de segurança. Nós temos em São Paulo três hospitais, dois em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, e um em Taubaté. O de Taubaté tem uma estrutura de contenção mais forte, mais pesada, e os dois outros não. O de Taubaté é o de entrada, onde a pessoa fica sozinha para ser avaliada. A partir do resultado que demonstra, passa ao alojamento, que é Hospital I, de Franco da Rocha, e depois à desinternação. Essa desinternação é progressiva. A pessoa vai, fica alguns dias com a família e volta; vai, fica outros dias e volta. E assim por diante.
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Na nossa população de quase mil pessoas, cerca de 30% realmente não têm vínculo familiar, 70% têm vínculo familiar. Antes, era bem menos que isso, mas a gente acabou desenvolvendo a convivência familiar pela teleaudiência, pela visita virtual, porque muitas pessoas não têm condições de ir até o hospital ou até têm alguma restrição de estar presentes com aquela pessoa. A gente está falando de medidas de segurança. São, como disse o nosso Dr. Luís Lanfredi, casos muitas vezes extremados e isso traz desgastes familiares enormes. Essa visita virtual acabou facilitando essa aproximação.
Então, aquilo que se busca com a resolução do CNJ, com a Lei Antimanicomial, que é o tratamento individualizado, que é a evolução nesse tratamento, que é não ter a pessoa num "depósito", entre aspas, guardada simplesmente do convívio social, em São Paulo não acontece, e não acontece pelo envolvimento da saúde, da administração penitenciária e do Judiciário. Os três trabalham nesse sentido de busca dessa evolução. Entretanto, há pessoas que não têm essa condição de evolução a ponto de chegar à desinternação. Essas pessoas é que preocupam. Eu tenho cerca de 30% das pessoas que não têm autonomia. Elas não podem ficar sozinhas. Essas pessoas é que nos chamam atenção.
Foi dito aqui na mesa já, com propriedade, que todos estamos do mesmo lado. Dr. Lanfredi, com certeza, todos estamos buscando o melhor tratamento. Graças ao trabalho dos que me antecederam, nesses 30 anos, esse tratamento está sendo alcançado em São Paulo pela administração penitenciária, não pela Saúde. Agora, concordamos em relação a essa troca de protagonismo, sem problema nenhum. O que a resolução trouxe foi o prazo. E esse prazo peremptório, seis meses e um ano, é que gerou esse incômodo em todos no sentido de que: "E agora, como funciona?". Para a administração penitenciária está muito cômodo, porque no final das contas deixa de custodiar aquelas pessoas que cumprem medidas de segurança e passa para a Saúde. E a Saúde está se estruturando.
E aqui, um outro problema: o tamanho do nosso país. Há, sim, estados que desenvolveram mais rápido, há outros que não. Entretanto, com um prazo peremptório único para todos, a hora em que a luz se apagar e a porta fechar, para quem que eu entrego a chave? Essa é a questão, mesmo já fazendo tudo aquilo que se busca na Lei Antimanicomial e na própria resolução do CNJ. Então, essa é a questão.
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E, quando há uma série de pontos de interrogação e poucos pontos finais no sentido de certezas, as lendas começam. E aí começa: vai passar para a Saúde, então, não pode ter um local próprio para isso, cada um tem que estar num local diferenciado, então vão ser espalhados. Eu tenho cerca de mil pessoas, cada pessoa tem que ser cuidada por dois, se ela estiver no leito conjunto com outras enfermidades, em uma unidade de saúde que comporta diversas enfermidades. Então, se eu tiver duas pessoas tomando conta de uma, são quatro turnos, porque uma pessoa fica permanente; quatro turnos, tem o que tira férias e o folguista. Então, na verdade, eu tenho 10 mil pessoas tomando conta de mil, quando hoje eu tenho 280 pessoas. Não há condições de, de repente, mudar para essa ótica em que eu passo de um corpo de segurança de 280 para 10 mil.
Outra coisa: é óbvio que há muitas pessoas que estão evoluindo e vão sair - milhares de pessoas já passaram por esse sistema e já foram liberadas -, e outras não. Só que isso é uma roda-viva. Nós estamos falando de pessoas que vão passar por esse processo, algumas permanecerão, só que, ao mesmo tempo em que tudo isso acontece, outros casos vão acontecer, outras pessoas serão internadas, e isso é que traz essa série de dúvidas. Ou seja, a questão é a necessidade de se melhor estruturar aqueles que vão seguir com esse tratamento, e a questão maior ainda: o prazo. Estamos prontos para acompanhar e conviver com aqueles que vão assumir a nossa missão e, dessa forma, fazer uma transição muito tranquila. Só que isso começou? Não. E aí o prazo, a partir de então, não entra mais?
Só que a nossa preocupação é: nós teremos mais à frente - e, infelizmente, isso vai acontecer - um crime de proporções bárbaras cometido por uma pessoa que tem problemas mentais. Essa pessoa não poderá ser presa. Ela vai ser presa, lógico, em flagrante, só que depois se descobre e, por medida de segurança, ela não será presa, será tratada. Se essa fase de transição ainda não aconteceu, essa pessoa vai ficar de que forma? Ou ainda, ao longo dos vários e determinados casos que acontecem neste país em proporções continentais, é possível que não seja considerada a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade e a pessoa seja colocada no cárcere junto com os presos? Sim. E essa pessoa tendo problemas corre o risco de gerar problemas na população carcerária e, por consequência, sofrer a represália ali mesmo? Sim. Ou seja, há uma série de dúvidas que tem que ser esclarecida e que é de todos. É necessário que se sente, que se converse, as partes se orientem no sentido de buscar a solução, que não é difícil, é trabalhosa, sim. E eu digo trabalhosa não é por falar da boca para fora, não; eu digo trabalhosa, porque eu sinto, tomo conta de mil pessoas nessas condições. Eu não estou falando do que eu não sei, estou falando do que eu faço, e isso é necessário, porque essas pessoas não são criminosas, são doentes. Elas erraram, sim, mas dentro do universo que não é o nosso e, por consequência, precisam de cuidados, cuidados esses que estão sendo proporcionados. E como serão feitos adiante?
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Então, se eu tivesse que resumir tudo numa palavra, seria "prazo". Esse é o que está preocupando todo mundo, sob pena de colocar à revelia aqueles futuros que vão surgir, o que não pode acontecer.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELLO STREIFINGER - A pessoa doente tem que ser tratada como doente. Ela não pode ser colocada no cárcere: ou ela mata - e se ela matar, ela morre -, ou ela morre. E isso não pode ser aceito. Uma sociedade democrática colocar o seu doente junto com aquele que pode matá-lo, isso é inconcebível.
Então, eu trago somente essa preocupação de concatenação das partes envolvidas, para que a gente possa fazer uma transição tranquila, não por qualquer coisa relativa à administração penitenciária, mas ao paciente, que precisa de estabilidade para que a sua vida siga de forma tranquila também.
É esse o meu posicionamento.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O Senador Moro gostaria de fazer uma colocação.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Só das ponderações que já foram feitas, agradecendo tanto ao Dr. Lanfredi como ao Dr. Marcello as colocações, a minha dúvida talvez possa ser esclarecida pelos demais ou mais adiante. Eu tenho um inimputável que foi, vamos dizer assim, absolvido, mas foi imposta a ele uma medida de segurança, mas ele praticou condutas violentas equivalentes, por exemplo, a um assassinato. Existem casos, inclusive, na história forense, de inimputáveis que cometeram assassinatos em série. Hoje, está custodiado lá no hospital em São Paulo, Taubaté. Pela resolução, ele é transferido para a rede pública de saúde? E ele fica preso, ele fica detido, ele fica sob alguma custódia policial, recebendo tratamento? Porque, claro, ele pode estar, naquele momento, recebendo o tratamento, e não existe assim um risco imediato, mas, eventualmente, pode ter um surto de violência. Esse inimputável, o que acontece com ele pela resolução? Eu não sei se entendo muito bem como isso funcionaria, a partir do fim dos hospitais de custódia psiquiátricos. Ele ficaria na rede pública de saúde, custodiado? Seria uma espécie de cela também? Haveria o equipamento de contenção contra um risco de eventual reiteração de comportamentos violentos desse indivíduo?
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC. Fora do microfone.) - Vamos seguir a ordem. Nós temos mais dois inscritos.
Seria para quem, para ele ou para ele?
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Na verdade, para ambos, pois ambos têm um problema na mão. E a dúvida permanece. Acho que é a principal dúvida que nós temos: como ficariam esses inimputáveis responsáveis por condutas violentas?
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Então, a pergunta fica para os dois.
Nós vamos dar sequência aos nossos convidados, e, em seguida, eles já entram respondendo à sua pergunta. Está bom? (Pausa.)
Vamos ouvir, agora, o Sr. João Mendes de Lima Júnior, Coordenador-Geral dos Direitos Humanos do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde.
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR (Para expor.) - Bom dia a todos e todas aqui presentes e aos que nos assistem pela TV Senado.
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Inicialmente, agradeço o convite.
Agradeço a presença, a solicitação de participação feita pela Presidência da Comissão de Segurança Pública, Senador Sérgio Petecão, pelo Senador Sergio Moro e pelos demais Senadores e Senadoras que subscreveram esta audiência.
Aproveito a ocasião para manifestar toda a nossa solidariedade, do Ministério da Saúde, à população do Rio Grande do Sul, que, neste momento, passa por um sofrimento bastante significativo.
Esta é uma discussão absolutamente importante, feita num momento também oportuno. É a segunda vez que, aqui no Senado, nós temos feito esta discussão, por coincidência, também no mês da luta antimanicomial, o mês de maio.
No Brasil, especialmente em 18 de maio se comemora o Dia Nacional de Luta Antimanicomial.
Portanto, estamos num momento bastante oportuno para fazer uma discussão tão necessária quanto esta.
Se me permitem, inicio fazendo ponderação em relação a duas questões que foram trazidas, especialmente a dos significantes que foram apresentados que acho que são importantes para pensar o rumo do que a gente está falando. Em primeiro lugar, o Senador Sergio Moro falou em fechamento de hospitais.
Senador, no âmbito da política de saúde, sobretudo no âmbito da política de saúde mental, nós temos falado em processos de desinstitucionalização, porque esta não é uma equação simples: fechar. Nós temos que pensar, sobretudo, na necessidade de abrir um conjunto de outras possibilidades de resposta, superando o arcaico modo de cuidar de pessoas.
As ferramentas que estavam postas, antes do movimento de reorientação do modelo assistencial no Brasil, estou falando especificamente da reforma psiquiátrica, foram ferramentas assistenciais ou recursos assistenciais forjados há três séculos. Nós estamos no século XXI. E não é lógico que, no século XXI, a gente continue oferecendo as mesmas respostas, as mesmas ferramentas, as mesmas estratégias que se faziam há 300 anos.
De modo que não se trata de fechar. A grande questão é: o que a gente vai poder abrir de novo? Quais novas respostas contemporâneas a gente pode construir para essa situação?
Aproveitando o ensejo, digo ao Secretário Sérgio que talvez a nossa questão não seja como repassar a chave, mas seja como, de forma intersetorial, construir novas casas. Esse é um passo para pensar o que fazer.
Eu já vou falar sobre casas, porque isso nos diz respeito também. Daqui a pouco, falo sobre residências terapêuticas.
Na condição de representação do Ministério da Saúde, faço o compartilhamento aqui com o senhores e senhoras de algumas informações que podem orientar o rumo desta nossa discussão.
Primeiro, é preciso que a gente traga, de fato, as evidências e a robustez da nossa Rede de Atenção Psicossocial. Quase sempre, não é raro ouvir críticas feitas em relação à nossa Rede de Atenção Psicossocial. E já queria iniciar dizendo que nós temos um reconhecimento de algumas agências internacionais. E trouxe uma pequena descrição sobre como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a Organização Pan-Americana de Saúde compreendem a Rede de Atenção Psicossocial no Brasil. Essas duas instituições consideram que o Brasil é um case, é um exemplo de país de grande densidade populacional que conseguiu expandir uma rede de cuidados em saúde mental, superando o velho modelo arcaico centrado na atenção nos manicômios.
Próximo eslaide, por favor.
R
Em julho do ano passado...
Não, o anterior. Isso.
Em julho do ano passado -, sigo aqui a vereda aberta pelo Dr. Luís Lanfredi -, o Ministério da Saúde assinou, juntamente com o Conselho Nacional de Saúde, um protocolo de intenção que aproximou a relação entre o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Justiça, para, de fato, intensificar as ações necessárias decorrentes da Resolução 487. A partir do protocolo de intenção, há uma afirmação do compromisso do Ministério da Saúde com esse novo momento da política de cuidado a pessoas que, com transtorno mental, estão em conflito com a lei.
Próximo eslaide, por favor.
Aí é só um gráfico para falar da nossa longa tradição de desinstitucionalização, e esse é um conceito central. Não se trata de fechar, mas de produzir um processo de desinstitucionalização do cuidado. Nesse gráfico aqui, a gente apresenta que, de forma continuada, o Ministério da Saúde articula e encabeça um amplo processo de reorientação do modelo do cuidado em saúde mental no Brasil. Esse gráfico mostra, por exemplo, a curva de redução de leitos em hospitais psiquiátricos, mas não fiquemos com essa imagem de que reduzir leito em hospital psiquiátrico significa produzir desassistência.
Próximo eslaide, por favor.
Porque, no imediato momento em que se desabilita um leito em hospital psiquiátrico - outra vez, trazendo o debate para a cena contemporânea -, o Ministério da Saúde também tem feito um amplo esforço para ampliar o repertório de possibilidades de cuidados em serviços de caráter comunitário.
Esse é o gráfico de expansão da nossa rede de Centros de Atenção Psicossocial, que são considerados os serviços estratégicos para a reorientação do modelo do cuidado em saúde mental.
É bem verdade que, em período recente, nós tivemos uma estagnação da curva de expansão desses serviços, mas o Ministério da Saúde, desde o início do ano passado, retomou o processo de expansão dos serviços, e eu diria que também houve um impulso para essa retomada do processo de expansão decorrente da própria Resolução 487.
Próximo eslaide, por favor.
A nossa rede de atenção psicossocial - só para compartilhar de forma muito rápida, porque esse é um debate longo, e já fico aqui com o compromisso de, em ocasião oportuna, retornar para, de repente, aprofundar algumas dessas questões - tem ao menos 17 diferentes pontos de atenção. Eu não vou entrar em todos eles aqui, mas são respostas diversificadas para demandas que também são diversificadas. Se, no passado, o cuidado e a saúde mental estavam centrados em um único ponto de atenção, os leitos em hospitais psiquiátricos, o que nós temos hoje - pode passar, por favor - é um repertório diversificado com ao menos 17 pontos de atenção, e eu diria que está entrando um novo ponto de atenção que são as Equipes de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei. O termo é extenso mesmo, e a sigla será EAP Desinstitucionalização. Então, é diversificação da resposta. A nossa questão é exatamente esta: não se trata pura e simplesmente de fechar leitos, mas de diversificar as respostas. E esse é o foco do debate.
Próximo eslaide, por favor.
Para se ter uma ideia de como conseguimos expandir, no Brasil, hoje, existem 2.926 CAPSs habilitados pelo Ministério da Saúde. Entretanto, em funcionamento, Senador Sergio, há cerca de 3,4 mil serviços.
R
A diferença entre os serviços habilitados e os serviços implantados é que alguns estão na fila esperando a habilitação para que possam ser custeados pelo Ministério da Saúde. Inclusive, uma das perguntas que chegaram aqui pelo site fala exatamente desta questão: como vai ser o repasse? Na medida em que o serviço é habilitado, o Ministério da Saúde repassa o recurso via Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde, para qualquer município que tenha seu serviço habilitado.
Com 2.926 Centros de Atenção Psicossocial habilitados, hoje nós alcançamos, Senador Sergio Moro, 1,13 Caps para cada grupo de 100 mil habitantes. Nós temos serviços em 1.951 municípios dos que estão habilitados, isso nos permite alcançar 76% dos municípios elegíveis para serviço dessa natureza.
Por que é importante trazer esses números aqui? E me permita, Dr. Lanfredi, voltar um pouco aqui à sua fala inicial.
Se nós estamos falando em 2.542 pessoas que hoje estão em cumprimento de medida de segurança...
(Soa a campainha.)
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR - ... eu quero crer que é razoável pensar que com 2.926 serviços não haverá estrangulamento da nossa Rede de Atenção Psicossocial. Então, que isso fique bastante estabelecido.
Do ponto de vista da estrutura de cuidado, se o cuidado for apenas centrado no Caps - como falei, são 17 pontos de atenção -, nós temos um número de CAPSs em condição numericamente suficiente para acolher essa demanda. Óbvio que o Ministério da Saúde vai continuar expandindo sua rede de cuidados, o que significa dizer que a tendência é que haja uma condição ainda mais confortável para receber as pessoas.
Desse quantitativo de 2.442 pessoas, nós já estamos acompanhando parte dessas pessoas na nossa rede ambulatorial. Alguma coisa em torno de 215, 220 pessoas hoje, mas um número muito maior de pessoas já passou pela rede de cuidados ambulatorial e não houve, Senador Moro, nenhuma das situações como o senhor retratou, de alguém que descompensou, desorganizou a tal ponto para demandar uma estratégia mais coercitiva em relação à rede de cuidados.
Aliás, é importante que se diga que o cuidado ambulatorial a pessoas que estão em conflito com a lei acontece no Brasil há pelo menos duas décadas também. E não há registro, do ponto de vista de evidência científica, do ponto de vista de registro de literatura, de qualquer ultrapassagem que pudesse pôr em comprometimento toda essa nova política de saúde mental da forma como vem sendo desenhada.
Por favor.
Já encaminhando para a finalização, nós temos também 889 Serviços Residenciais Terapêuticos. Porque aí, Secretário Sérgio, quando o senhor fala que algumas pessoas têm menos autonomia, a política de saúde mental já trabalha com a hipótese de que algumas pessoas ou têm menos autonomia, ou não terão suporte social para sair das instituições fechadas. E para isso foi constituída uma ampla rede de retaguarda, que são as residências terapêuticas, que também podem acolher essas pessoas, inclusive nós estamos acompanhando o processo de expansão das residências terapêuticas lá no Estado de São Paulo.
Já encaminhando para o final, pode colocar no penúltimo eslaide? Próximo, isso.
Vou fazer uma síntese, dado o tempo já avançado, do que o Ministério da Saúde tem feito, algumas ações em curso do Ministério da Saúde que caminham pari passu com a Resolução 487.
Em primeiro lugar, expansão da rede de serviços. Nós continuamos fazendo a expansão, a incorporação de novos serviços na nossa rede de cuidados.
R
Em segundo lugar, importante: política pública se faz com verbo, mas também com verba. Ano passado, o Ministério da Saúde agregou, acrescentou um aporte de recurso, Dr. Lanfredi, de cerca de R$420 milhões a mais para a rede de saúde mental. Esse processo nós chamamos de recomposição orçamentária, e essa recomposição orçamentária já está em processo de planejamento para ser continuada também no ano de 2024. São duas ações estruturantes: expandir e recompor orçamento.
Está sendo pensado também, está sendo constituído um amplo processo de formação para que nós possamos oferecer condições técnicas para que os nossos trabalhadores e trabalhadoras façam o trabalho que precisa ser feito a contento, dialogando com direitos humanos, com toda a nossa história nesse campo.
Nessa ação de educação permanente, a nossa previsão é alcançar cerca de 42 mil trabalhadores, o quanto antes. A ação está sendo desenhada e provavelmente o curso estará na praça logo após as eleições. Espero que isso aconteça.
Reestruturação das EAPs, como eu falei. Nós passaremos a ter essa EAP, ela está prevista inclusive na resolução. A EAP é uma equipe conectora especialmente para ligar o Judiciário e as redes de saúde e assistência social, ou seja, não se trata de entregar a chave, mas de construir conjuntamente um processo planificado de desinstitucionalização.
Em quinto lugar, planejamento intersetorial e interministerial. Vários ministérios têm composto uma interlocução cotidiana sobre o tema.
A constituição de um painel de dados, que será apresentado em breve e ficará como instrumento de gestão tanto para o Judiciário quanto para as redes de saúde e assistência social. Nesse painel, o juiz terá oportunidade de saber exatamente quais serviços estão disponíveis no seu entorno.
Além disso, a composição de um comitê interinstitucional para monitorar e acompanhar a evolução da política...
(Soa a campainha.)
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR - ... antimanicomial. Esse comitê é chamado de Conimpa e tem tido a condução do Conselho Nacional de Justiça, mas a participação de ao menos seis ou sete ministérios.
Por fim, a construção de alguns eventos em âmbito estadual. E aí já queria, Secretário, comprometer-me com o senhor de também fazer um seminário como esse, seminário de desinstitucionalização, no Estado de São Paulo, numa forma de aquecer o debate, numa forma de instrumentalizar a discussão.
Bem, finalizo dizendo que o Ministério da Saúde entende como um processo necessário, uma página em que deveríamos ter avançado desde quando a Lei 10.216 foi aprovada, no ano de 2001. Dada a conjuntura e um conjunto de condições que até então não favoreceram a evolução dessa discussão, é absolutamente louvável que o Conselho Nacional de Justiça tenha nos trazido esse impulso, com a Resolução 487. Desse modo, o Ministério da Saúde entende que todos os ganhos civilizatórios do processo de desinstitucionalização passam a alcançar também as pessoas que até então estavam nos hospitais de custódia.
Muito obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Agradecemos a participação do Sr. João Mendes.
Vamos passar a palavra à Sra. Fernanda Balbinot, que é Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás.
Doutora, fique à vontade.
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O SR. FERNANDA BALBINOT (Para expor.) - Muito obrigada.
Bom dia a todos e todas.
Gostaria de cumprimentar o Senador Sérgio Petecão, o Senador Sergio Moro e, nas pessoas de V. Exas., pedir a autorização para cumprimentar também os demais integrantes desta seleta mesa; e de agradecer pela oportunidade de um debate democrático de alto nível sobre questões de segurança pública e de saúde pública que são muito caras à sociedade brasileira. Então, é muito importante que nós estabeleçamos esse tipo de conversa nas esferas competentes e viáveis para o tratamento das questões.
Eu queria iniciar relembrando que o Conselho Nacional do Ministério Público vem à ordem constitucional brasileira com a missão precípua de efetuar o controle externo da atuação financeira e administrativa do Ministério Público, assim como zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais de seus membros e servidores. Com essa conformação, o Conselho Nacional do Ministério Público é um importante catalisador do aprimoramento e da uniformização da atuação institucional, respeitadas sempre, claro, a autonomia de cada um dos seus ramos e unidades do Ministério Público, que é uma característica muito peculiar da nossa instituição, a independência funcional de seus membros, também prerrogativa deveras importante no Estado democrático de direito, e também as diferentes realidades em que cada uma dessas unidades atua, conforme as particularidades regionais de um país com as dimensões continentais e a pluralidade de realidades que nós verificamos haver no Brasil.
Nesse aspecto, no âmbito do próprio CNMP, existe a Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública, a CSP - um órgão homônimo a esta Comissão presidida por V. Exa., Senador Petecão -, criada no âmbito do CNMP, por seu regimento interno, como uma comissão permanente, que tem justamente a atribuição de fomentar a integração interna e externa corporis para a conformação de projetos e programas relacionados especificamente às suas áreas temáticas, quais sejam o sistema prisional, o controle externo da atividade policial e a segurança pública.
Feita essa breve contextualização inicial, no mérito do objeto, do relevante objeto de debate hoje, eu preciso salientar, inicialmente, que a CSP do Conselho Nacional do Ministério Público não teve a oportunidade de colaborar na construção dessa normativa trazida pela Resolução 487, de modo a emprestar a esse debate, lá nos debates iniciais, o colorido que a expertise institucional do Ministério Público, como órgão fiscalizador da execução das medidas de segurança, conforme o art. 67 da LEP, poderia conferir.
Não obstante isso, a gente deve assinalar que devem ser louvadas as boas intenções do CNJ ao buscar a implementação de soluções que visam adequar o tratamento conferido às pessoas com transtornos mentais ou deficiências psicossociais apresentadas ao sistema de justiça criminal aos parâmetros internacionais de direitos humanos e de direito à saúde, inclusive considerada a decisão da Corte Internacional de Direitos Humanos, no caso Ximenes Lopes versus Brasil.
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Uma vez advinda a Resolução 287, recebida também no âmbito da CSP, assim como recebida por toda a comunidade jurídica, prisional, de administração penitenciária, de saúde, verificou-se que os seus impactos fizeram-se sensíveis não somente aos órgãos do Poder Judiciário, ou seja, juízes, desembargadores, tribunais, mas também àqueles direta ou indiretamente imbricados na execução das medidas de segurança pública, dentre eles, por óbvio, o Ministério Público, nessa qualidade de fiscal da execução da medida de segurança, razão pela qual, no âmbito da CSP do Conselho Nacional do Ministério Público, instaurou-se um procedimento interno de comissão, que é um procedimento havido no regimento interno do CNMP, justamente para monitorar os desdobramentos e os efeitos práticos da Resolução 489, dessa importante resolução, na atuação dos órgãos ministeriais.
No bojo desse procedimento interno de comissão, foram solicitadas informações às 26 unidades do Ministério Público estadual e aos 4 ramos do Ministério Público da União, sendo recebidos até o momento detalhamento advindo de 27 unidades ministeriais em relação ao impacto dessa resolução na atuação do Ministério Público na questão da fiscalização da execução das medidas de segurança.
O que a gente pôde constatar da análise dessas informações encaminhadas pelos ramos e unidades do Ministério Público foi que desde logo, desde o advento da resolução do CNJ, os ministérios públicos articularam-se às redes locais, em especial às de saúde pública e assistência social, a fim de instrumentalizar uma solução para a substituição completa do modelo de internação em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico pelo da política antimanicomial trazida com a resolução em comento, com os cuidados sanitários conferidos pela rede psicossocial, ou seja, a rede de saúde e não a Secretaria de Segurança Pública, dependendo da conformação do estado, Secretaria de Administração Penitenciária, sobretudo considerada a premência temporal - acho que a premência temporal aqui é a palavra que traz talvez as maiores inquietações -, considerando que o prazo conferido pelo CNJ foi exíguo tanto para a interdição parcial como para a total desses hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em funcionamento no Brasil.
Ainda explorando essas respostas dessas informações que nós obtivemos na CSP sobre a atuação do Ministério Público, é importante pontuar que à exceção de três unidades do Ministério Público que referiram a existência prévia nessas unidades federativas específicas de programas mais bem estruturados de atenção integral à saúde de pessoas com transtornos mentais e deficiência psicossocial em conflito com a lei, não obstante esses mesmos estados, apesar de ter indicado a existência desses programas prévios, também teria indicado a necessidade de uma adequação desses programas previamente existentes para alcançar a abrangência da política antimanicomial conforme instituído no art. 1º da Resolução 487. À exceção dessas três unidades, a questão que foi trazida como premente por todas as unidades que trouxeram informações à CSP do CNMP é a já constatada deficiência de estrutura, seja física ou de pessoal, e de recursos investidos na rede de atenção psicossocial existente para o atendimento da demanda já existente da população em geral, que será consideravelmente impactada pelo incremento da demanda advinda do sistema de justiça criminal.
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Nesse sentido, agradeço ao senhor pelas informações trazidas, dando conta de uma estruturação, um investimento de recursos nessa Rede de Atenção Psicossocial, mas as informações trazidas à CSP pelas unidades do Ministério Público reportam que a rede ainda é insuficiente para o atendimento da demanda ordinária, ainda não sobrecarregada por eventual advento de uma demanda extraordinária.
Há outras inquietações também que são relevantes, foram manifestadas por essas unidades do Ministério Público - e já ressalto que não posso falar da autonomia administrativa do Ministério Público aqui, trazendo aos senhores apenas um relato daquilo que foi colhido pela CSP do CNMP - e também já foram indicadas. Muitas das inquietações que são do Ministério Público já foram indicadas também nas perguntas iniciadas aí no e-Cidadania e também pelo senhor, Senador Sergio Moro.
(Soa a campainha.)
O SR. FERNANDA BALBINOT - São as seguintes situações: algumas unidades do Ministério Público mencionam uma eventual - e acredito que isso já esteja em estudo aqui nesta Comissão - extrapolação do poder normativo do CNJ, o que ensejaria em tese uma inconstitucionalidade formal dessa Resolução 487, haja vista que a política antimanicomial do Poder Judiciário, em verdade, estabelece um novo sistema de política criminal quanto a inimputáveis e semi-imputáveis, vinculando e parametrizando a atuação de outros órgãos, além daqueles órgãos do Poder Judiciário, como, por exemplo, órgãos do Poder Executivo responsáveis pela execução dessas medidas, e também implicações de ordem de segurança pública, como essas que o Senador Sergio Moro manifestou aqui, no sentido de que, pela política manicomial ora desenhada, pelo que se pôde apreender do seu conjunto normativo e das implicações dele, a inserção de pacientes que praticaram crimes graves, muitas vezes com violência à pessoa, que necessitam, além do claro, necessário, cabível e digno tratamento e atenção de saúde, também de uma atenção típica de segurança pública, como, por exemplo, escolta em leitos de saúde mental de hospitais gerais, ocasião em que essas pessoas, que eventualmente precisariam também de uma atenção de segurança pública, teriam uma convivência com pessoas com transtornos mentais e deficiências psicossociais que não praticaram quaisquer crimes.
Além disso, há preocupações também manifestadas no sentido do ponto de vista da segurança pública quanto ao tratamento conferido aos casos de superveniência de doença mental no curso do cumprimento da pena, conforme o art. 15 da resolução em comento, que pode ensejar o deslocamento de uma pessoa que estava regularmente cumprindo sua pena em regime fechado para um tratamento preferencialmente meio aberto e as implicações que isso pode trazer do ponto de vista da segurança pública.
Sendo essas as contribuições iniciais a serem ofertadas, agradeço a atenção de todos e a oportunidade de estar aqui para esse debate. Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k. Nós agradecemos a participação da Dra. Fernanda.
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Nós já temos aqui mais algumas perguntas. Antes, o Senador Moro queria fazer uma consideração, mas nós temos aqui o Gustavo, do Rio de Janeiro, que faz a seguinte pergunta: "Quais os principais desafios enfrentados pelos serviços de saúde mental na adequação aos requisitos estabelecidos pela Resolução [...] [487, de 2023]?".
Júlia, de Goiás: "Quais ações estão sendo tomadas para garantir o respeito aos princípios da reforma psiquiátrica e promover a inclusão social dessas pessoas?".
Desiree, do Distrito Federal: "Como fica a situação [...] [daqueles] que adoeceram dentro do sistema prisional?". E ela faz outra pergunta: "A resolução também é válida? O que deve ser feito nesses casos?".
Vicente, de São Paulo: "Como [...] [o poder público] pode alterar o formato da rede de apoio existente, para que casos crônicos sejam vistos com atenção continuada?".
Bruna, do Mato Grosso: "Como a Resolução do CNJ se alinha às normativas de direitos humanos para o tratamento de transtornos mentais?".
Gente, esta Comissão já tratou de muitos temas complexos, mas nós estamos diante aqui de um grande desafio e nós vamos precisar que... Eu já agradeço a presença dos senhores aqui, isso nos ajuda e ajuda muito. O tema requer uma dedicação muito grande desta Comissão.
O Senador Moro gostaria de fazer uma consideração.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Só aproveitando o gancho aqui apresentado pela Dra. Fernanda - a quem cumprimento pela exposição -, a grande preocupação é quanto à questão da segurança pública, como eu coloquei anteriormente.
E o que está hoje em um hospital de custódia psiquiátrico recebendo um tratamento? É claro que humanizar esse tratamento é o desejado, mas, se ele for transferido para um hospital geral, para um leito geral, ele vai com uma escolta? Ele vai ficar submetido sob custódia? De alguma forma vão ser transformados, não sei, esses centros de atenção psicossocial? - e eu elogio o trabalho feito pelo Ministério da Saúde. Para esse indivíduo haveria uma espécie de retenção? Ele ficaria num tratamento ambulatorial? Porque até entendo que parte desses submetidos à medida de segurança tenham condições de progressivamente caminhar para um sistema de semiliberdade, de um tratamento mais humanitário, mas existem algumas situações que geram intranquilidade.
A minha equipe separou um caso aqui. Eu não sei se está totalmente atualizado, mas tem um indivíduo aqui, Marcelo Costa de Andrade, do Rio de Janeiro, 56 anos, preso em 1991, após ser associado à morte de um menino de 6 anos que foi enforcado e depois sofreu violência sexual. Andrade confessou ter matado 13 crianças entre 6 e 13 anos, em um período de 8 meses. Supostamente abusaria sexualmente dos corpos e bebia o sangue das vítimas. Considerado inimputável, foi encaminhado ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo. Em várias ocasiões, os psiquiatras reavaliaram o criminoso e concluíram que ele não tem condições de viver em sociedade. É claro que não dá para generalizar que seja uma situação assim em relação a vários desses custodiados hoje nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico mas, por exemplo, um indivíduo dessa complexidade, pela resolução, seria transferido a algum lugar? Ele ficaria sem custódia?
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Acho que essa é uma indagação que nós temos que fazer aqui perante esta Comissão, sem embargo dos propósitos, com que nós concordamos, de um tratamento humanitário a pessoas submetidas à medida de segurança. Talvez a questão principal seja: com o fechamento desses hospitais, esses indivíduos permanecerão custodiados na rede geral de saúde, nos Centros de Atenção Psicossocial? O que será feito com eles?
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Já temos aqui uma pergunta pelo Senador Sergio Moro. Nós vamos agora abrir para que alguns Parlamentares - e já está inscrita a Senadora Margareth - possam fazer os questionamentos. Aí os nossos convidados responderão. Em seguida, nós formamos a outra mesa, porque, se ele sair daqui... Nós temos que aproveitar o clima aqui. Temos aqui as perguntas do e-Cidadania, e, se alguns dos senhores acharem interessante respondê-las aqui... Senão, depois, nós iremos responder através da nossa assessoria aqui da Comissão.
Eu passo a palavra... A sua pergunta foi para toda a mesa ou...
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fora do microfone.) - Sim, basicamente...
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Cada um faz uma avaliação.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fora do microfone.) - Uma questão rápida...
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Vamos, Margareth...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Como ele já fez uma pergunta, seria interessante que nós ouvíssemos a mesa. Em seguida, eu passo para você. Pode ser?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Tá.
Então, temos essa pergunta feita aqui pelo Senador Moro. Quem gostaria já de respondê-la pode se manifestar.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k.
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Para expor.) - Agradecendo o questionamento do Senador Moro, eu creio que aqui V. Exa. traz uma situação de perplexidade, essa mesma perplexidade que se imputa à própria resolução, como se ela fosse colocar casos como esse, crônicos, limítrofes, numa situação simplesmente de rua e salve-se quem puder. Não é... Em nenhum momento, teve a resolução esse propósito, como não tem nenhum propósito dessa natureza toda a reforma legislativa que foi feita neste país a partir de 2011. E, sobretudo na proteção individual dessa pessoa, está a proteção de toda a coletividade. Então, há, aqui, Senador, se o senhor me permite, uma preocupação muito grande para que o reendereçamento dessas questões possa acontecer de uma maneira adequada. Cada pessoa como essa estará sendo submetida a um tratamento, a um projeto de tratamento singular que é a própria individualização da forma, do como, das modalidades a que essa pessoa vai se submeter. O que nós temos hoje? Hoje nós temos apenas uma solução, uma entrada, uma forma de encaminhar esse assunto: joga lá no hospital de custódia e de tratamento psiquiátrico e deixa acontecer. Hoje nós temos - e creio que pela apresentação do nosso representante do Ministério da Saúde -, nós estamos construindo, na verdade, a partir dos parâmetros legais, portanto, desses novos paradigmas, um portfólio de considerações que vão nos permitir justamente atingir essas pessoas nas suas necessidades. Em nenhum momento, para essas que precisam, evidentemente, e que ainda demonstram a necessidade de alguma contenção, essa contenção simplesmente não vai mais existir, ou essas pessoas serão colocadas na rua em detrimento delas mesmas, porque, antes de elas poderem atingir outras pessoas, elas podem se autoatingir pessoalmente.
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Então veja, aqui, na verdade, é apostarmos nos modelos que nós temos, em que, até então, muitas vezes, alguns podem até se sentir talvez ainda incipientes, mas para que esta política possa ser pensada com base e na referência desses novos paradigmas. O que nós não podemos talvez - e aqui esse é o motivo que nos leva a algum tipo de beco sem saída - é pensar na referência dos novos paradigmas com a cabeça antiga, com a cabeça do modelo que deve ser justamente o superado.
E é a partir daqui, portanto, que há a necessidade desse debate, sobretudo internamente, mas para que essas estruturas ganhem a especificidade, para que casos como esse, que apenas confirma a regra - se é a exceção, para confirmar a regra -, tenha efetivamente o adequado endereçamento para que essas situações também deixem a salvo não só essas pessoas como a própria sociedade.
Então veja, aqui eu creio que existe, sobretudo com a possibilidade desse debate, a necessidade de que nós repensemos esse endereçamento por esse lado de que esse novo paradigma cria exatamente as formas como nós vamos agora, de uma forma, de uma maneira até muito mais qualificada, poder proporcionar a essas pessoas, num grau de intensidade que elas mereçam, a partir de um projeto terapêutico singular, mas de uma forma adequada ao tratamento que essas pessoas merecem.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - A dúvida é porque a resolução utiliza termos como "fechamento dos hospitais psiquiátricos" e dá o prazo. Um indivíduo como esse, que tem sinais de periculosidade inimputável, precisa do tratamento, permanece custodiado, ou não? E, se permanece custodiado, permaneceria onde a partir do fechamento dos hospitais de custódia e de tratamento psiquiátrico?
Acho que não é uma questão aqui de atacar, evidentemente, a resolução, mas é um esclarecimento que é necessário até para a questão da tranquilização das pessoas em relação à política, que é louvável. Eu concordo com a política de evitar ao máximo a internação de pessoas submetidas a medidas de segurança, mas, talvez, nesses casos limítrofes, a grande indagação seja esta: essas pessoas permanecerão custodiadas onde?
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Alguém gostaria de...
Por favor.
O SR. MARCELLO STREIFINGER (Para expor.) - Em São Paulo nós não temos essa resposta ainda, e é óbvio que existe o medo. Das 937 pessoas que eu tenho recolhidas hoje, mais de 300 são por homicídio e cerca de 150 por crimes sexuais. Os 937 pacientes que estão lá não estão internados porque não têm outra opção. Eles estão, sim, sendo tratados e, quando progridem, eles são liberados. Tanto que hoje eu tenho já, na data de hoje, 36 pessoas esperando residências terapêuticas, porque não tem vaga. Eu tenho gente esperando residência terapêutica desde 2022. A questão é: a partir do momento em que houver o fechamento, já que existe uma data... Quando eu falei, naquela hora, de entregar a chave, não é figura de linguagem, não, Dr. João; é uma mudança de competência de trabalho da administração penitenciária para a saúde.
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E, quando existe uma data para esse fechamento - e a palavra usada pelo CNJ é "fechamento" -, qual é a nova opção dada pela saúde para essas pessoas que não estão ainda em fase de desinternação? Essa é a questão.
Não respondo à pergunta do senhor porque não tenho essa resposta ainda.
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR (Para expor.) - Posso complementar a resposta de forma muito rápida?
Senador Sergio Moro, esse caso que o senhor traz é um caso significativo. O Ministério da Saúde tem acompanhado, e eu diria que o alcance do Ministério da Saúde, a um caso específico, se deu exatamente por conta da resolução, que nos fez olhar com uma lupa, com um grau de alcance cada vez menor, para pessoas que estavam esquecidas.
Nós estamos falando de uma pessoa que está, há 32 anos, numa instituição total. Daí, já de cara, permita-me, Dr. Lanfredi, entrar numa questão, que é uma violação gravíssima, de uma imposição de uma medida que tende a ser uma prisão perpétua num Estado que não é compatível com prisões perpétuas. Então, tem uma questão para o sistema de justiça resolver que precisa ser trazida para o debate.
De todo modo, reitero aqui as palavras do Dr. Lanfredi: nessas situações, a gente entende que o projeto terapêutico deve orientar, nesse exato momento... Já tive oportunidade de acompanhar, de conversar, inclusive, com a juíza do caso, com toda a equipe que está acompanhando isso. Quero dizer que, diante do volume de atendimentos que o Ministério da Saúde realiza, isso não é comum, mas a gente tem dado prioridade às situações que, de fato, demandam uma intensificação de cuidados, na perspectiva de construir um projeto terapêutico.
No projeto terapêutico, nós temos agora, no Rio de Janeiro, uma equipe EAP que vem acompanhando essa situação. Cabe dizer também que, ao longo desses mais de 32 anos, a oferta de cuidados em saúde propriamente dita foi quase inexistente nessa situação, não só para essa pessoa, mas para outras pessoas que também ocupavam, que ainda estão nesse espaço. A nossa ideia é que o projeto terapêutico vai guiando o passo a passo.
De todo modo, nós estamos com uma situação limítrofe, não só do ponto de vista da conduta da pessoa, mas do ponto de vista de uma medida penal que já ultrapassou muito aquilo que deveria ser o razoável em situações desse tipo.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - O Senador Petecão teria alguma questão? Não.
Passarei aqui à Senadora Margareth, então, para indagação.
A SRA. MARGARETH BUZETTI (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MT. Para interpelar.) - Obrigada, Presidente.
Quero dar as boas-vindas a todos que vieram aqui nos esclarecer e quero dizer que eu sou a autora de uma lei que fala do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais.
Por que fiz essa lei? Um senhor, em Sorriso, se colocou como servente de pedreiro numa casa, ficou espionando por um mês e meio a outra casa, onde tinha quatro mulheres - mãe e três filhas. Ele as matou, estrangulou e estuprou enquanto elas agonizavam.
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Tem vários casos de pedofilia, e a minha pergunta é: pedofilia é doença? Estupro, um estuprador em série... É doença? O que fazer? Pôr esse homem na rua? Porque ele já... O advogado dele já entrou com a questão de que ele é inimputável, de que ele não é uma pessoa normal. E aí, faz o quê? Faz o quê com essa pessoa? Deixa ela na rua? O que o CNJ prevê para esses casos?
Porque, se a minha lei passar na Câmara - passou no Senado por unanimidade -, pelo menos quando condenado em primeira instância, nós vamos poder acessar os processos dele e ver que ele é um pedófilo ou é um estuprador, porque até hoje correu sempre em segredo de justiça. E onde o pedófilo vai procurar emprego? Em uma creche, em um colégio, em um condomínio; onde tem crianças.
Então, são respostas que eu gostaria de ouvir de vocês, porque eu, sinceramente, não as tenho - e não acho que seja doença; pedofilia não é doença, é um desvio de conduta, de caráter, no meu modo de pensar.
Quem pode me responder?
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k.
Como nós temos aqui inscrito o nosso colega Jorge Seif, se ele tiver alguma pergunta, vocês já respondem aos dois Parlamentares. Pode ser assim? Para a gente dar uma avançada, porque senão... Lá no Acre ainda são 11h, eu aguento; o problema é que aqui já é 1h da tarde. (Risos.)
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Para interpelar.) - Senador Petecão, Senador Sergio Moro, bom dia aos senhores convidados.
Eu costumo dizer que nós precisamos governar pelo exemplo, Senador Petecão, e não existe no mundo - segundo o estudo que foi trazido por outro Parlamentar - nenhum país que tenha finalizado seus institutos manicomiais de prisioneiros. Não tem! Não tem exemplo no mundo.
Então, infelizmente... Eu acho que é uma crítica construtiva: eu quero que me mostrem um modelo de país no mundo que finalizou seus institutos psiquiátricos para infratores e que tenha dado certo. Não funciona! Nós estamos colocando a sociedade em risco. Não quero atacar o CNJ, nenhum de seus membros, nenhum dos convidados; mas eu quero o seguinte: deem-me, por exemplo, um país do mundo que tenha finalizado seus institutos manicomiais e que tenha dado certo.
Vamos fazer o seguinte: como meu celular cai muito no chão, vamos fazer um decreto para que acabe a lei da gravidade, para que o celular não caia mais. Nós estamos falando o seguinte: vamos acabar com o instituto manicomial para que não haja mais prisioneiros loucos, desvairados, problemáticos. É isso que o CNJ está fazendo.
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Se os manicômios não são a melhor solução, vamos melhorar os manicômios, vamos melhorar a equipe, os profissionais; e não finalizar, não fechar, como aqui o Sr. Sergio Moro já deu exemplo e a Senadora Margareth já deu exemplo, colocando a sociedade em risco.
Quando fecharem esses institutos, essas pessoas, que já são diagnosticadas com problemas psicológicos, não vão ser curadas. Jabuticaba brasileira, e, infelizmente, o CNJ está proporcionando mais um problema de segurança pública ao nosso país.
Senador Petecão, um exemplo, eu só quero um, no mundo, que tenha dado certo. Num país onde nós já temos problemas nos presídios, temos problemas nos hospitais, temos problemas na saúde, nós agora estamos colocando a sociedade em risco com uma medida... Eu, mais uma vez, lhes pergunto, com todo respeito: deem-me um exemplo de um país - um, só um! - que tenha fechado os seus manicômios presidiários, os institutos, essa política manicomial e que tenha dado certo. Eu acho que o Brasil precisa governar com exemplos de países onde essa medida tenha dado certo e eu estou absolutamente certo de que nós estamos colocando a sociedade e esses pacientes também em risco quando esses institutos forem fechados.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k.
Temos aqui inscrita a Senadora Damares, e aí já passo a palavra para que os nossos convidados possam se manifestar.
Damares.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Para interpelar.) - Eu vou deixar a minha indagação para a segunda mesa, mas eu quero saber se todos os senhores vão ficar para assistir à segunda mesa, porque eu acho que, agora, com os médicos sentando aí muitas dúvidas vão surgir também, especialmente quem é esse quadro técnico que vai dar os pareceres e os diagnósticos. Eu estou preocupada com isso e eu lamento...
O Ministério da Saúde - não é isso? - falou que foi por causa de uma resolução, que encontraram uma pessoa lá abandonada. Lamento que por erro de nós, gestores públicos - e eu me coloco aí, eu estive na gestão pública -, a gente tenha que esperar uma resolução para encontrar essas pessoas.
O senhor falou que eles não podem ter prisão perpétua, mas eu estou em prisão perpétua, eu fui barbaramente estuprada e vou ter que conviver com isso a vida inteira. Então, quem vai estar em prisão perpétua? Ele ou as vítimas? Então, vamos conversar com calma, e eu acho que os senhores já perceberam que a reação do Senado vai ser uma reação dura. A gente vai falar muito sobre isso, mas eu quero esperar, Senador, a segunda mesa, com os convidados que estão aí sentados aqui, para ouvir a segunda mesa.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k.
Então, nós temos aqui um questionamento feito pela Senadora e pelo Senador.
Alguns dos senhores... Vocês escolheriam alguém? Algum dos senhores que queira se manifestar pode ficar à vontade.
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Para expor.) - Agradecendo aos Senadores que se manifestaram, eu recebo nesse tom realmente muito construtivo todas as colocações.
O que nós estamos tentando aqui é justamente desafiar uma situação que não se resolve, não se resolveu e não vai se resolver no nosso país, a manter esse nível de encaminhamento, como nós estamos apostando em algo que não dá certo.
E eu vejo muito mérito em todo esse esforço, que não é um esforço do CNJ. O CNJ não tem nenhum protagonismo nessa discussão, senão trazer à mesa todos aqueles que já deveriam, há muito tempo, estar discutindo esse problema e ainda não o fizeram.
Nós estamos aqui com uma referência de paradigma legislativo de pelo menos 23 anos que estacionou no nosso país, e isso não foi discutido, não foi colocado para frente, e os modelos não foram aqui talvez trazidos à exaustão ou com o esgarçamento necessário.
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Esse esforço agora de último tempo, de último momento, não foi uma construção que foi feita do dia para a noite, Senadores presentes que nos acompanham, foram mais de dois anos ao longo das reuniões, inúmeras reuniões que se realizaram na sede do Conselho Nacional de Justiça e com todos do sistema de justiça. Não foram excluídos médicos, não foi excluído Ministério Público. Pelo contrário, participaram, sim, atores do sistema de justiça, do ramo da ciência, daqueles que efetivamente estavam diante desse contexto e todos unânimes em reconhecer que algo deveria ser feito em relação a isso.
Tanto prova de que esse esforço pela rediscussão, pelo aprimoramento e em nenhum momento para colocar em risco a sociedade ou em risco a vida e individualidade de ninguém, é que agora recentemente, questão de 20 dias atrás, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos louva a iniciativa do Estado brasileiro em colocar esse tema de pé, na mesa para todos nós discutirmos. Esse é o primeiro ponto.
Em relação aos modelos que nós temos, todos sempre muito críticos e muito polêmicos, Senador Seif, nós temos um exemplo aqui da Itália. A Itália passou por um processo mais ou menos parecido pelo que nós passamos. E ali toda essa discussão e, se nós formos ali revisitar o que aconteceu na Itália, toda essa rediscussão que aconteceu lá está acontecendo aqui agora. E eles encontraram sim um modelo, um modelo ideal, que foi um modelo também construído à base da realidade local.
Eu não sou favorável e nem acredito em fórmulas fáceis, sobretudo em receitas prontas para esse estado de coisas e para essa situação. Eu acredito, sim, que esta discussão, sobretudo feita nesta Casa, neste momento, com a riqueza desse conteúdo, vai nos permitir chegar a um modelo que nós queremos, que é um modelo que não atente contra essas pessoas em suas dignidades, mas não atente sobretudo contra a sociedade, que tem o legítimo interesse de estar segura onde esteja.
Sobre os locais onde essas pessoas devam ficar, Senador Moro, evidentemente que aqui os locais são os lugares para aquela situação de crise, a situação que demanda contenção indicada pelo profissional médico, e é o profissional que o Estado vai ter que achar. Nós temos na rede pública de saúde os Caps III com esse perfil de serem os equipamentos adequados para isso.
E ali evidentemente que nós vamos ter que ter o lugar adequado para que essas pessoas possam ali ficar com um profissional especializado, inclusive do ponto de vista de segurança para que elas possam ser resguardadas enquanto tal. Mas evidentemente que a gente não está falando em hospitais tais como esses modelos que hoje são praticados no nosso país e que eu creio que - acho que é aspiração de todos - superemos.
Ninguém está dizendo: "Feche para colocar todo mundo na rua". E ninguém em nenhum momento pensou nesse sentido. Essas situações crônicas são situações que estão sendo monitoradas pelo Conselho Nacional de Justiça, inclusive eu tomando conta dessas situações diante dos próprios juízes, porque, como falam com a Saúde, falam também com o próprio conselho.
Essas situações não têm nenhuma recomendação à rua, "façam o que tiver que acontecer". Muito pelo contrário. A situação é preocupante, uma situação grave. Eu creio que há uma situação aqui de saúde, sobretudo de senso comum, em que o Estado brasileiro tem que se colocar adequadamente sobre essa questão.
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Eu creio que o mérito de todo esse debate é trazermos o sentido dessa discussão para a atualidade e podermos, a partir do conhecimento, da ciência, das evidências e daquilo que é o melhor recomendável, chegar a um lugar comum ideal para que essas soluções não sejam soluções tratadas como estão, mas que representem a superação de modelos ultrapassados de atendimento.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Você me permite uma reflexão rápida aqui?
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Não, é que... Senador, é sobre o tema? Em seguida, o Senador Moro gostaria de fazer uma reflexão.
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Para interpelar.) - Dr. Luís, a solução italiana não foi o fechamento dos manicômios.
Não estamos aqui discutindo a necessidade de se debater o tratamento dessas pessoas que são internadas: tratamento humanitário, tratamento digno, tratamento como seres humanos. Não estamos discutindo isso, mas o fechamento dos manicômios vai colocar a sociedade em risco. A solução italiana não foi o fechamento dos manicômios: equipes multidisciplinares, mudança nos protocolos... O.k., e o senhor tem toda a razão, é um problema crônico. Mas, num estado que tem a segurança pública como a maior preocupação dos cidadãos brasileiros... Pesquisa recente da Quaest mostra que o brasileiro não está preocupado com saúde, com educação nem com emprego, está preocupado com segurança pública. E nós aqui estamos tratando disso.
E, por último, uma reflexão. Em tempos em que nós falamos tanto de ciência, qual é a opinião do Conselho Federal de Medicina? Eu sou administrador de empresa, eu não sei qual é a formação do senhor. Eu preciso respeitar o Conselho Federal de Medicina, porque é o conselho que reúne todos os médicos do meu país que estudaram por dez, por quinze anos. Sabe qual é a opinião deles? Que é uma medida equivocada, que é uma medida que não tem eficácia e que coloca, sim, os brasileiros, todos nós, em risco. Porque o Estado brasileiro já não tem nem policiais para cuidar de roubo de celular, de carro e de segurança pública, quanto mais para monitorar pessoas que têm distúrbios psiquiátricos de volta às ruas, com tantos... O Dr. Marcello deu ali números alarmantes: tem 900 presos, 300 por estupro, 300 por homicídio e não se sabe o que fazer com essas pessoas. Imagina que nós vamos colocar um policial para cada um desses caras, para guardar a vida desses caras!
E, mais uma vez, precisamos respeitar a ciência, precisamos respeitar o Conselho Federal de Medicina e precisamos governar por exemplo. O exemplo italiano não foi fechamento dos manicômios.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k. O Senador Moro gostaria de fazer uma consideração. Em seguida, vamos ouvir o Dr. João.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Só uma reflexão aqui muito rápida.
Este debate, esta audiência pública nós fizemos para debater esse assunto. Eu quero agradecer a todos os presentes, em especial ao CNJ. Nós temos várias dúvidas e questões, mas a ideia na verdade, sim, até, Senadora Damares, não é sermos duros, não, nós podemos estabelecer um diálogo com o CNJ, para nós buscarmos, se houver essa possibilidade, até eventualmente um aprimoramento de alguns pontos da resolução ou esclarecimento, pois há alguns pontos que realmente nos têm trazido uma certa inquietação.
Mas eu quero, acima de tudo, aqui agradecer a presença de todos, em especial do Dr. Lanfredi.
Como ele falou no início - e a meu ver é muito correto isso, Dr. Lanfredi -, todos nós aqui estamos imbuídos das melhores intenções para encontrar uma solução para um problema que é grave. Eu já estive também em hospitais de custódia psiquiátricos, já vi alguns bons e já vi coisas tenebrosas também. Então, nós compreendemos também esse sentimento humanitário.
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Agora, nossa principal intenção aqui, até seria minha sugestão, Senador Petecão, a partir dos nossos debates aqui, é que nós pudéssemos encaminhar sugestões ao CNJ, para discussão e para aprimoramento da própria resolução, antes de, como sugeriu a Senadora, nós sermos muito duros, mas primeiro nós tentarmos ali sermos suaves, para buscar a melhoria da resolução.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Algum dos senhores gostaria de se manifestar sobre... Ah, vamos ouvir aqui o João. Desculpe, João.
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR (Para expor.) - Eu, se possível, Senador, gostaria de responder exatamente ao Senador Jorge. Tudo bem.
A Lei 180, da Itália, aprovada em 13 de maio de 1978, ano em que nasci, fala exatamente sobre a desinstitucionalização e a superação do modelo antimanicomial. Aliás, tudo que passa, tudo que surge a partir de 1978, no mundo, tem na lei italiana sua inspiração. É uma reorientação do modelo.
Sobre o cenário internacional, é óbvio que a nossa questão hoje era discutir o contexto brasileiro, mas fico também com o compromisso de poder voltar em outro momento, para mostrar como tem acontecido isso no mundo inteiro.
A ONU, a OMS, a Organização Pan-Americana da Saúde, aliás, a própria OCDE vêm fazendo reiteradamente encaminhamentos na perspectiva de superação do modelo, da construção de uma nova lógica de cuidar de pessoas que têm sofrimento mental, qualquer que seja o âmbito. A própria OMS tem recomendações explícitas na perspectiva de fechamento das instituições de longa permanência, que são essas com que a gente está lidando aqui.
Então, só para dizer que sim, a legislação italiana orienta o fechamento dos manicômios, incluindo, sobretudo agora a partir de 2014, também os manicômios judiciários. Em momento oportuno, eu posso compartilhar essa legislação que orienta isso.
Agora, o Estado do Goiás - vou citar -, aqui do nosso lado, que tem uma população superior à população da Bélgica, já fechou o manicômio judiciário faz quase 20 anos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR - Faz 18 anos. Então, nós temos experiências das mais diferentes possíveis, em diferentes lugares do mundo, mostrando a possibilidade e a probabilidade de sucesso dessa política. Óbvio que o debate não se esgota agora, mas há experiências de muito sucesso em relação a isso.
Duas últimas questões que eu queria dizer. Essa semana, nós estivemos, a minha equipe esteve numa cidade do interior de São Paulo, e, na interlocução com a representação do Ministério Público, o Promotor nos trouxe a seguinte questão: o que nós vamos fazer agora com os adolescentes que são o aviãozinho do tráfico e que antes iam para hospitais de custódia? Eu vi de cara vários problemas aí. Primeiro, que adolescentes não deveriam ser encaminhados para essas instituições. Segundo, que em sendo adolescentes, a OIT tem uma recomendação muito clara em relação a isso, uma resolução, aliás, que associa o trabalho de crianças e adolescentes às piores formas, às formas mais degradadas de trabalho, semelhantes ao trabalho escravo. Então, a lógica seria outra: não deveriam estar indo para esses lugares.
Para finalizar isso, digo que o público que hoje, em sua grande maioria, ocupa os hospitais de custódia e tratamento vem de segmentos que já vêm sofrendo processos de exclusão e processos de opressão pelas mais diferentes formas. Pessoas que usam substâncias psicoativas hoje... O perfil das pessoas que estão nos hospitais de custódia hoje vem exatamente desse segmento. Não há motivo nenhum para encaminhar para lá.
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Para finalizar, a Senadora Margareth havia falado sobre a questão da pedofilia. Queria dizer que, do ponto de vista do catálogo da classificação internacional de doenças, é preciso considerar que nem todas as condições que estão ali postas, enfim, vão ser consideradas quadros de transtornos mentais propriamente ditos - ruptura com a realidade, cisão da consciência com o princípio de realidade. Para algumas pessoas que, de repente, cometeram um delito, um crime, há um tratamento penal para isso; ou seja, eu estou dizendo que não é o caso de enquadrar, na medida de segurança, todas as condições que aparecem nos catálogos, sejam eles da psicopatologia, sejam eles de outros códigos aí.
Então, só para também, de certo modo, Senador Sergio Moro, tranquilizar a população, de uma forma geral, para o fato de que uma política pública pensada para alcançar um conjunto maior de pessoas, óbvio, precisa ser sensível às situações específicas. Nós estamos falando de 2,5 mil pessoas, e é lógico que nós não temos 2,5 mil pedófilos no cumprimento de medida de segurança. É lógico que não dá para generalizar como se todas as pessoas tivessem a mesma condição de entrada e a mesma condição clínica. É nessa perspectiva que o projeto terapêutico singular orienta o fluxo do cuidado e dos encaminhamentos subsequentes.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Alguém gostaria de fazer acrescentar algo? O senhor?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Por favor, porque aí eu vou chamar a outra mesa depois que o senhor se manifestar.
O SR. MARCELLO STREIFINGER (Para expor.) - Só confirmando o que o Dr. João falou, nos nossos hospitais que têm essa progressão no tratamento, que têm esse tratamento individualizado, a média de permanência nos alojamentos é de quatro anos e a de desinternação é de um ano, ou seja, a média é de cinco anos, só que tem gente que não consegue progressão pela sua condição própria. E nós estamos falando desse hiato, porque, com o termo final dos hospitais e com a ausência ainda de um instrumento para receber essas pessoas que são o desvio-padrão da grande massa de pessoas que têm problemas psiquiátricos - essas pessoas que precisam da internação -, onde eles vão ser colocados? Essa é a questão que nós estamos discutindo aqui. Então, é o hiato entre fechar um lugar e colocar as pessoas que precisam estar internadas no outro, porque o senhor saiba que os meus 937 estão lá porque precisam estar, porque estão nesse tratamento, nessa evolução, e quase todos sairão - alguns não, mas quase todos sairão -, eles estão em meio ao processo. Então, de repente, fechar a porta e falar "a partir de agora, não!", essa é a questão que está em aberto. Por isso que a dilação desse prazo a ponto de a saúde poder se estruturar e fazer essa transição tranquila seria o caminho ideal.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Amigos, mais uma vez quero agradecer aos nossos convidados.
Nós vamos pedir licença aos senhores para que nós possamos convidar agora:
Sr. Haroldo Caetano - por favor -, que é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás. (Pausa.)
Sra. Maria Dilma Alves Teodoro, Associada Titular da Associação Brasileira de Psiquiatria, representando a Associação Brasileira de Psiquiatria. (Pausa.)
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Sra. Alessandra Santos de Almeida, Conselheira e Vice-Presidente do Conselho Federal de Psicologia, representando o Conselho Federal de Psicologia. Por favor. (Pausa.)
Sr. Salomão Rodrigues, que vai participar por videoconferência e é Conselheiro Federal do Estado de Goiás, representando o Conselho Federal de Medicina.
Agora são por videoconferência.
Sr. Bruno Shimizu, Defensor Público do Estado de São Paulo, representando o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e o Departamento de Política Legislativa Penal.
E Sr. Roberto Barbosa de Moura, membro Consultor do Conselho Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
Então, nós temos aqui o prazer de trazer mais três convidados e temos mais três que irão participar por videoconferência.
Nós vamos facultar a palavra agora ao Sr. Haroldo Caetano, para que ele possa fazer suas considerações e, em seguida, faremos os questionamentos.
O SR. HAROLDO CAETANO (Para expor.) - Boa tarde já a todas e todos.
Obrigado, Senador Sérgio Petecão, obrigado, Senador Sergio Moro, pelo convite e pela oportunidade de estarmos aqui tratando desse assunto.
Meus cumprimentos aos componentes da mesa e às senhoras e senhores do auditório.
É uma satisfação muito grande estar aqui novamente no Senado para tratar, mais uma vez, da repercussão da Resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça.
Eu sou Promotor de Justiça, já foi falado, do Ministério Público de Goiás, colega da Dra. Fernanda, mas estou aqui por indicação do Conselho Nacional de Justiça, e é bom que isso seja dito, porque integrei o grupo de trabalho que cuidou da elaboração da Resolução 487 e é, nessa condição, que venho falar.
Também por conta da nossa experiência no Estado de Goiás, de 18 anos já - e aqui o Senador Jorge Seif poderia ter uma experiência de poder visitar o nosso estado e conhecer presencialmente um estado que é maior do que muitos países da Europa, em população pelo menos, e que já há 18 anos erradicou o manicômio judiciário -, nós temos uma experiência brasileira, genuinamente brasileira, genuinamente antimanicomial, em pleno funcionamento aqui.
Mas eu quero pedir licença para fazer algumas considerações, dentro do meu tempo, que é exíguo, eu sei, primeiro, para dizer que, como já foi falado, o Congresso Nacional já deliberou sobre esse assunto em 2001, em definitivo, pelo menos ali de forma completa, quando traz a Lei 10.216 - e é bom que se diga que não foi por falta de debates -, cujo projeto de lei é de 1989. Então, houve uma tramitação que durou 12 anos até que veio a sua edição e aprovação, lá em 6 de abril de 2001. E, lá no §3º do art. 4º, que eu faço questão de mostrar na tela para as senhoras e para os senhores, está disposto na lei: "É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares". Ponto. Vou parar ali no dispositivo.
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Não há dúvida de que a Lei 10.216 proibiu o funcionamento de manicômios de qualquer natureza já em 2001. O que acontece é que a deliberação do Poder Legislativo demorou 22 anos para se fazer valer no âmbito do Poder Judiciário, o que só aconteceu agora em 2023.
O que são esses manicômios judiciários? Eu vou passar muito rapidamente por algumas imagens para mostrar os manicômios que visitei pelo Brasil neste trabalho de discussão desse tema já há bastante tempo.
Aí temos algumas imagens do manicômio judiciário do Maranhão.
Eu vou ter que ser breve, eu não sei se eu estou apontando para o lugar certo isso aqui.
Mais do Maranhão... Vocês vão observar que de hospital isso aí não tem nada.
Agora estamos em Pernambuco. À esquerda da imagem, vocês estão vendo uma privada de um manicômio em funcionamento em Pernambuco na ocasião em 2019. Aqui também é em Pernambuco.
E eu convido as pessoas, mulheres e homens, aprisionadas nos manicômios judiciários - e faço questão de não fazer uso do eufemismo "internação" -, que, pelas imagens, podem estar neste momento, nesta audiência pública aqui no Senado, para denunciarem por si próprias a sua condição atual. São mais ou menos 2,5 mil pessoas nessa condição pelo Brasil, guardadas algumas diferenças regionais.
Eu não estou conseguindo passar aqui as imagens.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC. Fora do microfone.) - Ajudem-no aqui.
O SR. HAROLDO CAETANO - Eu queria que fosse mais rápido, porque eu acho que não está funcionando este dispositivo.
Aqui é mais de Pernambuco.
Vão passando. Volte uma imagem. Pode voltar mais um pouquinho. Mais uma aí.
Luciano é este rapaz, de quem nós vamos falar um pouquinho. Vou tirar um minutinho para falar dele daqui a pouco. Ele representa aquilo que normalmente a sociedade tem como a pessoa que oferece riscos, a pessoa que oferece perigo. Quando eu o encontrei em Pernambuco, no manicômio judiciário, ele estava nessa condição. E vocês podem imaginar que ele estava ali por um crime grave, mas não. Ele estava já há vários anos aprisionado, porque incomodava pessoas na Praia de Boa Viagem em Recife.
Vamos passar para frente mais rapidamente? Você vai ter que me ajudar.
No Paraná, estive também, conheci o manicômio judiciário do Paraná. As condições da instituição não são muito diferentes, porque vocês observam a forma de aprisionamento das pessoas em medida de segurança naquela localidade.
Vamos passar mais rápido, por favor? É porque o meu tempo já está pela metade.
Mais Paraná...
Podemos passar, vamos adiantando as imagens.
Aqui chegamos ao Pará, uma situação absurda que pudemos observar lá também. É claro que muito já tem sido feito desde então para mudar essa realidade, mas com que me deparei na ocasião é esse quadro aí.
Vamos adiantando mais um quadro para que... Pare nessa imagem! Volte uma imagem, por favor.
Do lado direito da tela, os senhores estão vendo uma parede com manchas, e essas manchas são fezes, são excrementos humanos. As pessoas que estão aprisionadas nos manicômios, normalmente, encontram nos seus excrementos, nos seus corpos, nos seus gritos que ninguém ouve o pedido de socorro que jamais chega.
Mais adiante, as senhoras e os senhores vão ver homens e mulheres nus, pessoas que estão absolutamente em condições degradantes, quando, se, porventura, tivessem tido a sorte de terem sido encontradas nessas condições e submetidas a um processo penal no Estado de Goiás, estariam todas em liberdade, porque em Goiás nós temos um programa que atende a essas pessoas, todas elas, em liberdade. Cada uma dessas pessoas tem uma história. Infelizmente, não vou ter tempo para contar essas histórias aqui, mas mereceriam ser conhecidas todas elas.
Mais adiante, por favor.
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Para nessa imagem! Eu faço questão de fazer esse registro aqui, de 1979 versus 2019, porque 40 anos separam essas imagens. Do lado esquerdo estão imagens do documentário Em nome da razão, do Helvécio Ratton, e, do lado direito, estão imagens que eu mesmo fiz nas visitas que fiz em manicômios pelo Brasil para dizer que 40 anos separam essas histórias, que continuam exatamente iguais.
Para frente.
Na Bahia já foi um momento um pouco mais festivo. Eu estive lá agora, em 2023, já depois da resolução editada, em vigência. Levamos, na ocasião, para um evento que aconteceu dentro do manicômio judiciário, com a participação das mulheres aprisionadas no manicômio, e vocês vão observar o semblante festivo e alegre dessas pessoas, porque já havia ali um respirar da liberdade que estava prestes, e está prestes a acontecer com a implementação da resolução. Na ocasião também pudemos encontrar... Mas vamos parar aqui no Luciano, porque eu falei dele, prometi falar um minutinho sobre ele aqui.
O Luciano eu encontrei aprisionado no manicômio, e, por conta das discussões que fizemos, das denúncias que levamos para as discussões que foram promovidas em torno da realidade manicomial de Pernambuco, houve uma resposta, e a resposta está do lado direito, em parte, é claro, é apenas uma imagem.
Volta uma tela, por favor.
Do lado direito é o mesmo Luciano, embora não pareça. O Luciano de um lado está aprisionado no manicômio, do outro lado está acolhido numa residência terapêutica, na rede de atenção psicossocial de Pernambuco, o que mostra que o problema estava naquela situação de grades. Retiraram-se as grades, temos então condições para resgatar o humano que estava abandonado naquelas condições.
Mais um, por favor.
Agora, claro, veio a deliberação tardia do Poder Judiciário. É bom que se diga que veio tardia, porque, por 22 anos, o Poder Judiciário brasileiro compactuou com a violação sistemática da Lei 10.216; compactuou mantendo em funcionamento o manicômio judiciário em praticamente todo o país.
Pode avançar um pouquinho, vamos chegar um pouquinho aqui no Paili.
Goiás, em 2006, então, digamos assim, logo depois - mas é um logo depois de cinco anos -, logo depois da chegada da Lei 10.216, Goiás tem essa matéria, essa notícia. Esse jornal é do dia de anúncio do Paili, dizendo que "o louco infrator terá atendimento pelo SUS", lá em 2006, há 18 anos. Essa deliberação vale agora para todo o Brasil a partir da Resolução 487.
E o que é o Paili? Eu vi aqui o Secretário Marcelo falando de São Paulo, que vai gastar muito dinheiro e muita gente para cuidar dos 937 que estão hoje aprisionados nos manicômios. Pois então, o Paili é esse dispositivo que interliga saúde, Justiça e as pessoas em medidas de segurança, fazendo hoje o uso dos serviços de não mais do que 15 profissionais...
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - ... que são potencializados por toda a Rede de Atenção Psicossocial que está estabelecida em todos os municípios do Estado de Goiás. Então, aquele universo de pessoas que, porventura, vieram a ser chamadas a atuar nesses casos, já estão aí, já estão trabalhando, já estão aptas a lidar, inclusive e principalmente, com os casos mais complexos. É para isso que existe a Rede de Atenção Psicossocial e é assim que tem funcionado no Estado de Goiás, para todos os casos, indistintamente, desde que o indivíduo receba a medida de segurança como resposta pelo juiz criminal.
Mais um, por favor.
Então, essa política pública que é instituída no âmbito da Secretaria de Estado da Saúde funciona exatamente sob as premissas da Lei 10.216, e eu convido as Sras. e os Srs. Senadores e todas as pessoas que queiram conhecer uma política antimanicomial instituída já há bastante tempo a irem a Goiás e conhecerem a realidade goiana.
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Nós temos problemas? Sim, evidentemente. A Rede de Atenção Psicossocial precisa e carece de permanente aperfeiçoamento, estruturação e financiamento principalmente. Porém, é lá - aqui do lado, vizinho a Brasília - que nós temos uma experiência, uma política antimanicomial estabelecida e que tem funcionado a contento, com índices de reincidência abaixo de 5%. É bom que se diga isso, porque esse número, às vezes, incomoda.
Em 18 anos de funcionamento, houve três casos apenas de situações graves, mas que muito mais indicavam a falta de cuidado com os indivíduos que estavam sob acompanhamento, mas, para uma política pública, quando você observa que, de mais de mil pessoas acompanhadas, três casos, digamos assim, de situações um pouco mais graves, evidentemente que isso, do ponto de vista estatístico, não chega a ser tão relevante - quando se pensa numa política pública.
O próximo, por favor. É apenas para encerrar.
O que é o Paili? O Paili é um dispositivo, então, que integra toda a Rede de Atenção Psicossocial com o sistema de justiça criminal. E é esse, basicamente, o dispositivo conector que se prevê na Resolução 487, que deve ser instituído em todos os estados brasileiros.
Felizmente, já 18 estados brasileiros interditaram a porta de entrada dos manicômios, o que mostra que, pelo menos em 18 estados brasileiros, nós já temos muito bem encaminhada a implementação da resolução. Quero crer que, não vai demorar tanto, esse número vai alcançar todos os estados brasileiros.
Para fechar, por favor, como isso é possível? Com o uso dessa Rede de Atenção Psicossocial, sim, que já foi tão comentada aqui. O João Mendes falou sobre ela, a partir dos investimentos que vão ser feitos, estão sendo feitos, já com muita força, pelo Ministério da Saúde também.
E é isso. Nós temos então que, fazendo cumprir a Resolução 487, instituir programas e políticas específicas para esse público nos estados brasileiros. Existe um passo a passo definido pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, não apenas na resolução, mas também no manual que foi construído logo em seguida e que vem sendo objeto de discussões em cada um dos estados brasileiros.
Ali, apenas a título de curiosidade, é para mostrar os dados de Goiás, com mais de mil pessoas que já passaram pelo programa. Hoje são cerca de 392 em acompanhamento, todas elas em liberdade. Quando há necessidade clínica de internação, Senador Sergio Moro, naqueles casos em que houver uma situação de crise, essas pessoas são acolhidas pela própria rede e são, digamos, internadas em dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial. Poderiam ser em leitos de saúde mental do próprio Sistema Único de Saúde, como também, eventualmente...
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - ... em leitos particulares, para tanto, chamados a serem utilizados.
Bem, enfim, o tempo está muito curto, já extrapolei o tempo previsto, mas fica aí a cartilha do programa, que está disponível na internet, e um pouco do nosso trabalho também, que trata desse assunto no campo acadêmico e que também está disponível para quem tiver interesse.
Muito obrigado a todas e todos.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Agradecemos a participação do Sr. Haroldo e já passamos a palavra à Sra. Dilma Alves Teodoro, Associada Titular da Associação Brasileira de Psiquiatria, representando a Associação Brasileira de Psiquiatria.
Por favor.
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A SRA. MARIA DILMA ALVES TEODORO (Para expor.) - Bom dia a todos.
Eu gostaria de inicialmente cumprimentar o Senador Sérgio Petecão e, na sua pessoa, todos os Senadores aqui presentes e todas as autoridades.
Inicialmente, em nome da Associação Brasileira de Psiquiatria, eu gostaria de agradecer a oportunidade de estarmos aqui hoje numa discussão que nós entendemos de grande importância e dizer que em nenhum momento participamos anteriormente da discussão, inclusive, da própria discussão para a confecção da resolução. Mas temos trabalhado e discutido isso diuturnamente dentro dos nossos trabalhos.
Eu gostaria de, antes, me apresentar para vocês, curtamente, dizendo o seguinte: eu sou médica psiquiatra, fui formada numa instituição pública - estudei em uma instituição pública a vida inteira, no meu ensino fundamental, no ensino médio e no meu ensino superior - e até 2019 eu trabalhei em hospital. Então, eu sempre trabalhei no serviço público, eu sempre fui do SUS e trabalhei intensamente em emergências psiquiátricas, enfermaria e ambulatório.
Dizendo isso, eu quero colocar que eu não tenho nenhuma vinculação com nenhuma instituição privada, com nenhuma instituição de internação. Na verdade, a minha vida pública sempre foi em atendimento aos pacientes do SUS. Inclusive, hoje, já aposentada, eu continuo fazendo isso como Professora voluntária na UnB, em um ambulatório onde a gente atende a população idosa.
Então, começando, o que a gente teria para falar a respeito disso? O que traz a resolução? Primeiro, eu gostaria de dizer assim, vamos falar um pouquinho o que nós psiquiatras pensamos e o que nos preocupa. Inicialmente, já foi falado aqui que, no momento em que se transfere o tratamento de um portador de transtorno mental do sistema judicial para o SUS, se fala: "Como é que está a rede?". Aqui já foi falado que a rede está melhorando, que a rede está ruim. E aí qual é a realidade para nós, que estamos na ponta atendendo?
O nosso país tem 5.570 municípios. E nesses municípios o que nós temos? Nós temos vários brasis, gente, porque nós temos diferenças culturais, diferenças econômicas, diferenças sociais. E aí, com relação ao cuidado à saúde, não é diferente. Tanto na saúde, como um todo, nós temos dificuldades, como no Brasil inteiro, e nessas diferenças, como na saúde mental. Então, hoje a gente tem e foi colocado aqui: "Ampliamos a rede". Mas nós sabemos, aqueles que trabalham na ponta, que essa rede é insuficiente, e eu não estou falando em rede que vai receber 2 mil pessoas ou 2 mil pacientes que estão vindo do Judiciário. Eu estou falando de uma rede que atende toda a população brasileira e que hoje, basicamente, embora a gente tenha vários equipamentos, é basicamente feita no Caps. Essa é a realidade.
Ela é feita no Caps por quê? Porque a gente tem assim: se houver a necessidade de um atendimento emergencial, o paciente vai para uma UPA, porque nós não temos mais emergências psiquiátricas no Brasil. As poucas que existem estão associadas aos hospitais universitários.
Então, aonde ele vai? Ele vai para a UPA, e aí ele chega a uma UPA e não tem uma equipe com expertise para atender um portador de transtorno mental. Então, o que acaba acontecendo? Ele ali fica - e, muitas vezes, "foge", entre aspas, porque é colocado como evasão, aqui no DF já aconteceu isso - guardando as vagas na regulação para ir para um outro serviço. Eu estou falando de paciente em crise aguda, porque os pacientes que vão para o ambulatório regular não passam diretamente na UPA. De um modo geral, eles acabam procurando o Caps.
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E aí, o que a gente tem na nossa realidade do Caps? Realmente ele é porta aberta. O paciente chega, é atendido, é acolhido e começa o tratamento. A nossa realidade na grande maioria dos Caps do Brasil é que é feito esse acolhimento, mas ele não passa por uma avaliação de um psiquiatra porque muitas vezes nós não temos psiquiatra no Caps ou tem um psiquiatra com uma agenda que está apertada. Então, o que acontece? Esse paciente espera dois meses. Eu estou falando isso por experiência própria, porque eu trabalho na rede, já encaminhei pacientes e aí eles esperam dois meses. E não é só pelo atendimento médico, é também pelo atendimento muitas vezes psicológico.
E aí, eu pergunto: como é que nós vamos fazer um projeto terapêutico individual se a gente não tem a equipe completa para fazer essa avaliação? Essa é a nossa realidade.
Então, trazendo isso para a resolução, eu começo a me perguntar como é que vai ficar a assistência a essa população e a toda a população, que já está com dificuldades.
O que nós temos, por exemplo, quando a gente fala do atendimento de uma necessidade de uma internação? O Senador colocou aqui como é que seria uma internação, por exemplo, de uma pessoa que tem um comprometimento com a Justiça. Hoje as internações dos portadores de transtorno mental que não têm nenhuma implicação com a Justiça já estão difíceis. Por quê? Porque nós temos leitos em hospitais gerais.
Vamos lá. Como é que funciona? Eu sempre digo e me perdoe a colocação, mas eu vejo que a questão da internação em hospital geral ainda é um grande sonho. Eu estou falando isso porque eu sou médica de hospital geral. Eu trabalhei 30 anos no Hospital de Base, que é um hospital referência daqui de Brasília e que tem uma unidade de psiquiatria, onde a gente atendia emergência, ambulatório, pareceres de interconsultas e tudo mais.
Então, o que a gente tem? Quando eu digo que é um sonho, por quê? Porque, na verdade, aqui no DF, existem 45 leitos financiados pelo Ministério da Saúde. E se hoje eu precisar internar um paciente em qualquer desses hospitais que têm leitos, a resposta que eu escuto dos colegas é que nós não temos condições de receber. Nós temos o leito, mas nós não temos condições de receber. Nós não temos estrutura, nós não temos médico suficiente. E aí, como é que vamos internar no hospital geral? Quem vai cuidar?
Recentemente, o Ministério da Saúde revogou uma portaria e colocou o seguinte: os hospitais gerais têm os atendimentos para a internação e que eles devem ser internados nas enfermarias de clínica médica e cuidados por um clínico. Se aquele serviço tiver acima de 11 leitos, preferencialmente deverá ter um psiquiatra. E aí eu vou ser bem honesta. Se um dia eu infartar na vida, eu quero ser tratada por um cardiologista. Se um dia eu psicotizar, eu quero que um psiquiatra me atenda. Com todo o respeito aos meus colegas clínicos, porque os meus colegas clínicos, quando estão diante de um paciente psicótico, pedem ajuda para a gente. Eu estou falando isso porque eu sempre trabalhei no hospital geral e foi assim os 30 anos em que eu trabalhei no Hospital de Base.
Então, me preocupa se hoje, para o portador de transtorno mental que não tem nenhuma implicação com a lei, é essa a realidade num hospital geral, como eles vão fazer com o paciente que precisa internar e que esteja com as questões da Justiça?
Aquele paciente que, sendo portador de um transtorno mental, comete um assassinato. Nós reconhecemos que ele não tem capacidade para avaliar a gravidade do fato e naquele momento ele está psicótico. Ele não tem também a capacidade para decidir se ele vai tratar ou não, penso eu, na minha experiência prática. Sabe por quê? Porque eu vi isso o tempo inteiro no pronto-socorro. O paciente psicótico, agressivo, aí ele chegava e dizia: "Não vou ficar internado porque eu não tenho nada, isso é coisa da minha família, isso não é doença". Aí a gente precisava fazer todo um trabalho para fazer essa internação. Aí, quando a gente estiver diante desse paciente, como a gente vai trabalhar isso? Ele vai ficar desassistido? Então, isso é uma preocupação que nós estamos tendo com esses pacientes que também são muito graves. E se a gente considerar que a doença grave, do ponto de vista da doença mental, são doenças crônicas? Doenças crônicas implicam que são tratáveis, não curáveis, e eles precisam manter o tratamento. Aquele que está compensado, que está lá no hospital de custódia e que tenha condições de ir para o ambulatório, que ele venha para o ambulatório, mas ele precisa ter a garantia desse atendimento.
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(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA DILMA ALVES TEODORO - Ele precisa, de fato, ser cuidado, porque senão nós vamos aumentar a desassistência e aí entramos no vício do seguinte: se o indivíduo não trata... Nós sabemos, e a prática psiquiátrica - nós temos publicações enormes sobre isso -, que o paciente portador de doença mental não é um paciente violento, agressivo e que todos eles têm riscos, o que nós sabemos é que se o paciente é portador de transtorno mental e não se trata adequadamente, há o aumento do risco de ele cometer um ato ilícito. Mas se ele é cuidado...
Então, a gente precisa clarear o que é este cuidado. A nossa grande preocupação é esta, é que inclusive a própria Lei 10.216, no art. 6º, diz o seguinte: "A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos".
Aí nós temos o quê? Está muito claro que a lei diz isso. Na própria resolução diz que quem vai orientar a Justiça é a equipe multiprofissional. Aí, quem compõe a equipe multiprofissional? Em alguns serviços, nós não temos um médico.
Aqui em Brasília, duas semanas atrás, nós fizemos uma discussão sobre assistência psiquiátrica aqui no DF, e a colega que atende num Caps disse: "Lá no Caps em que eu atendo, a equipe é formada por "eu" - "por eu", ela usou assim -, está formada por mim, não é?". Aí ela disse assim, brincando: "Eu, eu, a enfermeira e o técnico de enfermagem". Tá? O Caps está funcionando dessa forma. Ela me disse: "Eu atendo lá 20 horas; eu, a enfermeira e o técnico de enfermagem". Nós tínhamos psicólogo, que não temos mais, nós tínhamos assistente social e não temos mais.
Então, nós não podemos dizer que isso é equipe de Caps. Nós não podemos dizer que isso vai garantir a assistência dos nossos pacientes. Aí nós ficamos de novo com a questão de que nós temos 12 meses para que o serviço feche a sua porta e não interne mais ninguém. O.k.
Eu gostaria de entender o seguinte, nós estamos trabalhando com a perspectiva de que nós nunca mais vamos ter pacientes para internar e que nós nunca mais vamos ter pacientes não tratados que possam cometer ilícitos. Nós estamos só trabalhando com 2 mil pessoas. Se eu tenho uma realidade de um país em que a gente tem uma rede deficitária em termos de quantidade e de qualidade, porque tem quantidade insuficiente de profissionais na rede, então, se o paciente não é bem cuidado, ele vai reagudizar; se ele reagudiza, aumenta-se o risco de ele cometer algum ato ilícito. E quem vai se responsabilizar por isso? E ele vai ficar sem tratamento o tempo inteiro. Então, nós temos uma bola de neve, porque essa rede vai se ampliar.
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De novo, eu trago um exemplo do DF, porque é aqui que eu moro: recentemente um portador de transtorno mental, que, segundo a família, era psicótico, com diagnóstico prévio de esquizofrenia, que é uma doença grave e que, se não for tratada, tem sérias consequências, reagudizou e não queria ir para o tratamento. Ela usou todas as formas que ela podia, e ela não conseguiu. Ela pediu ajuda ao corpo de bombeiro e à polícia, e esse paciente se armou de uma faca, e aí ela tinha que pedir ajuda. E o que aconteceu? Esse paciente foi morto diante da mãe. Ele estava reagudizado e estava fora de tratamento. Vamos penalizar esta mãe que não o levou para o tratamento? Nós estamos falando de doença grave, e não consciência de doença. Essa é a nossa realidade, é o nosso dia a dia.
Então, assim, eu não sei o que vamos ter pela frente.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA DILMA ALVES TEODORO - Claro que eu não estou aqui para defender, em nenhum momento, serviços como o que foi mostrado aqui - em nenhum momento -, nem eu e tenho certeza de que os meus colegas psiquiatras também não, porque nós entendemos que precisamos, sim, ter tratamento digno para todos. Isso não é o que está na resolução; isso é o que está na nossa Constituição. Todos nós temos direito de ser tratados decentemente. Então, eu trago aqui, para fechar o meu tempo, que a Associação Brasileira, inclusive considerando todos esses fatores, considerando as questões de segurança e até as questões não só de medidas de segurança, mas dos princípios constitucionais, entrou também com uma ADI. E a gente tem isso já em andamento.
E, para fechar, eu gostaria de dizer o seguinte: entendemos que caminhamos cada vez mais para riscos de desassistência maior - porque desassistência nós já temos - aos portadores de transtorno mental. E, com isso, a gente não vai cumprir a Lei 10.216, que garante a ele o tratamento - e não só a lei, como a nossa Constituição, repito.
Então, eu tenho muito receio de que, por trás da nossa fala e do nosso discurso de que precisamos cuidar, existe, na verdade, um grande preconceito contra a doença mental e existe um grande preconceito também àqueles que cuidam, como eu, que sou psiquiatra, como psicólogos e outros profissionais de área de saúde que cuidam. Eu acho que o preconceito é que está fazendo com que não se enxergue que doença é doença. E doença precisa ser tratada. Nós não podemos tratar um portador de doença mental - inclusive, não só aquele que comete ilícito, mas qualquer portador de doença mental -, como se tudo fosse simples, como se ele só tivesse um nervoso, uma tristeza, um pouco de ansiedade. Tudo isso é possível - ter tristeza, ter ansiedade, ter quadro depressivo -, mas existe a doença. E doença tem que ser tratada. E a gente tem que ter responsabilidade, porque corremos o risco de os nossos portadores de transtorno mental não tratados piorarem e cometerem ilícitos. Voltam, acabam sendo mortos ou matando mais. Isso eu não estou nem falando de quem já cometeu ilícito, mas do próprio portador.
Eu sei que meu tempo se esgotou. Eu agradeço a atenção e me coloco à disposição para todo e qualquer esclarecimento que julguem necessário.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k. Nós agradecemos a participação da Sra. Maria Dilma.
E, agora, passamos a palavra à Sra. Alessandra Santos, por favor.
A SRA. ALESSANDRA SANTOS DE ALMEIDA (Para expor.) - Quero cumprimentar, inicialmente, todas as pessoas que estão presentes, bem como as que nos acompanham na transmissão ao vivo, neste debate fundamentalmente importante para nós.
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Quero iniciar também a minha fala já agradecendo aos Senadores Sérgio Petecão e Sergio Moro pelo convite para representar o meu conselho aqui e também quero agradecer e parabenizar pela oportunidade de estarmos debatendo isso aqui. Acho fundamentalmente importante inclusive para que nós possamos desvelar as fantasias que possam existir acerca do que nós estamos fazendo aqui, do que vem acontecendo e de experiências bastante significativas que, há muito tempo, nós já temos neste país.
Eu quero, portanto, fazer a minha audiodescrição: eu sou uma mulher negra, tenho meus cabelos curtos, crespos, aloirados, estou com um vestido colorido e um blazer vermelho.
Além de Conselheira Vice-Presidente do 19º Plenário do CFP, eu sou também a Conselheira referência da nossa Comissão Nacional de Direitos Humanos dentro do CFP e represento essa instituição, entre outros espaços, nas comissões permanentes de direito das pessoas em privação de liberdade e de monitoramento das ações de implementação das obrigações internacionais em matérias de direitos humanos do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Assim é, a partir dessas vinculações, que penso ser possível contribuir para a questão aqui colocada, com a intenção de ampliar o que já foi trazido pelas exposições anteriores acerca dos efeitos e desdobramentos da política antimanicomial do Poder Judiciário, organizada pela Resolução 487, de 2023, do CNJ, propondo duas dimensões a serem desenvolvidas e, nessa direção, uma questão bem objetiva deve ser colocada desde o princípio, que é a quem interessa a manutenção do sistema atual?
A primeira delas diz respeito à garantia de direitos e aos entendimentos acerca de como eles se relacionam com as políticas públicas. Nessa tarefa nos auxiliam dados produzidos no âmbito de uma inspeção, realizada em dezembro de 2018, organizada conjuntamente pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Conselho Nacional do Ministério Público, Ministério Público do Trabalho e o Conselho Federal de Psicologia em 40 hospitais psiquiátricos localizados em 17 estados das cinco regiões do país.
A metodologia e outras informações detalhadas podem ser consultadas na publicação, que está disponível online com a segunda edição divulgada em 2020, mas destaco aqui os resultados transversais.
a) métodos de tratamentos pautados na força, na compulsoriedade e na violência como linhas condutoras;
b) situações de funcionamento irregular com indicações múltiplas de descredenciamento em relação ao SUS; e
c) violações de uma ampla gama de direitos fundamentais, como a devida elaboração dos projetos terapêuticos singulares e sua respectiva execução, como vimos nas fotos apresentadas aqui pelo Dr. Haroldo.
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Retorno a esse quadro relativo às instituições que funcionam como hospitais psiquiátricos para evidenciar, por certo ponto de partida já destinado, a manutenção sistêmica de violações de direitos, já que, quando nos voltamos aos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, o fator periculosidade parece justificar um acirramento de tais práticas em nome de uma certa ideia de segurança pública, aliada a uma certa perspectiva de saúde que resulta na impossibilidade de qualquer política verdadeiramente constitucional. Afinal, não falamos hoje do sistema prisional em termos de um Estado inconstitucional sem fundamentação empírica significativa. O julgamento na Suprema Corte é o ápice de uma realidade experimentada cotidianamente por uma população majoritariamente negra, jovem e pobre, cuja infração penal é tomada como uma espécie de fator confirmatório dos processos de criminalização dos quais são alvos mesmo fora do confinamento. No tocante ao perfil das pessoas em cumprimento de medidas de segurança no regime de internação, a situação não é diferente.
Desse modo, tratar da política antimanicomial no âmbito da Comissão de Segurança Pública já é, por si só, um importante analisador, principalmente quando falamos dos direitos humanos e a sua intrínseca relação com a formulação das políticas públicas e seus princípios de universalidade e equidade. Nesse debate, não podemos dispensar o direito à saúde de uns em detrimento da suposta segurança de outros, principalmente porque a perpetuação dessa lógica de inimigo interno de nós versus eles não tem gerado um avanço sequer no nosso país ao longo do tempo.
Aqui, trabalhar de modo intersetorial é a alternativa mais promissora que nós temos de reduzir os danos aos quais todos os cidadãos e cidadãs brasileiras estão expostos, resguardando as devidas diferenças do modo assertivo e proporcional. É a partir desse entendimento que concebemos a política antimanicomial como alternativa capaz de conectar ações, projetos e programas de políticas públicas conectadas e articuladas entre si, capazes de promover cuidado não somente para as pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei, mas de todas as comunidades que delas participam.
Estruturar fluxos e alinhar possibilidades de trabalho contínuas entre a saúde, a justiça, a assistência social e demais áreas têm nos apresentado promissores resultados, considerando que:
I - segundo dados do Poder Executivo, o número de medidas de segurança em unidades prisionais apresenta uma tendência regressiva nos últimos oito anos;
II - estados como Rio de Janeiro, que é o terceiro maior sistema de execução penal em termos de população privada de liberdade, e Piauí, fecharam hospitais de custódia, enquanto que em Goiás nós vimos muito bem aqui a história, a belíssima história do Paili;
III - diversos tribunais desenvolveram, em grande medida, através de grupos de monitoramento e fiscalização do sistema carcerário e socioeducativo ou por meio de projetos anteriores à sua estruturação, fluxos próprios para encaminhamento dessas pessoas, e já constatamos a multiplicação de grupos de trabalho e ações interinstitucionais para a discussão do tema em pelo menos 11 estados. E, por fim:
IV - o aumento de um número de unidades federativas que fecharam a porta de entrada dessas instituições e têm desenvolvido outras alternativas ao longo do cumprimento das medidas de segurança em regime de internação.
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Temos evidências de que o tratamento territorial vinculado à garantia de direitos não significa necessariamente a prática delitiva reincidente.
A experiência de Minas Gerais, por exemplo, nos situa que, em março de 2022, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário, estruturado em um núcleo supervisor e oito núcleos regionais, acompanhava 1.191 pacientes, configurando-se como o maior programa de atenção integral dedicado a essa população no contexto, segundo maior sistema prisional do Brasil, sem perder sua principal característica de abordagem singular e individualizada de cada indivíduo abarcado pela iniciativa.
Desde a sua implementação, ainda na passagem da década de 90 aos anos 2000, já passaram pelo programa 4.327 pacientes ao todo, resultando em mais de 3,4 mil...
(Soa a campainha.)
A SRA. ALESSANDRA SANTOS DE ALMEIDA - ... processos arquivados, um índice de reincidência de 2%, registrado somente em casos de crimes de menor potencial lesivo, e 79% cumprindo medida de segurança em casa, junto com seus familiares, trabalhando ou estudando.
O programa já foi reconhecido internacionalmente, em diversas oportunidades, e teve papel precursor em diversos movimentos posteriores, em outros estados brasileiros.
Estamos falando, assim, de um conjunto de medidas que não é contemporâneo a essa resolução, mas que ganha corpo, estrutura e capilarização com a sua publicação, o que me leva à segunda dimensão do que gostaria de destacar: o potencial de transformação institucional dos entendimentos acerca do fazer profissional nesse campo.
Em se tratando de profissionais de psicologia e sua participação em equipes multiprofissionais, na política de saúde mental, em interface com o sistema de Justiça, as equipes de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas aplicadas à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, as EAPs, vêm, desde 2014, construindo articulações importantíssimas, desde a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Privada de Liberdade (Pnaisp). Essas equipes, que foram atacadas em 2020, sob os argumentos de não deter financiamento próprio e impossibilitar a aceleração do processo de habilitação das Equipes de Atenção Primária Prisional concretizam outra concepção de saúde em seu fazer, aliando a atividade de perícia e avaliação a um conjunto de encaminhamentos que não se reduz à provisão de respostas às autoridades judiciais acerca da cessação de periculosidade ou ideias semelhantes.
Trata-se da concretização de um cuidado biopsicossocial que reconhece particularidades caso a caso, sem retirar do horizonte a eliminação de qualquer prática que violente, desumanize e, consequentemente, que retire da figura do manicômio e de seus protótipos a internação perpétua, a centralidade que essa figura insiste em assumir.
Através do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas do CFP, o nosso Crepop, estão sendo produzidas, este ano, as referências técnicas para a atuação de profissionais de psicologia nas EAPs. Nesse sentido, acreditamos que o processo de orientação à categoria, que nos cabe, compõe um conjunto de esforços em prol da ampliação de outras possibilidades do fazer psicológico. E, aliás, estratégias de enfrentamento no cenário de violações de direitos estão em curso em diversas instâncias, tanto no que diz respeito exclusivamente ao processo de desinstitucionalização dessa população, como também à execução penal como um todo.
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Na sequência da execução de ações que incidem sobre a porta de entrada, como o instituto das audiências de custódia e dos seus respectivos serviços de atendimento de pré e pós-audiência, acompanhamos atualmente a construção do plano Pena Justa, o plano nacional para o enfrentamento do estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras, por parte de diversos atores dos Poderes Executivo, Judiciário e também Legislativo, na medida em que, inclusive, este será pauta de uma audiência pública aqui neste Plenário.
Outra experiência que tem apresentado, há tempo significativo, o potencial real de práticas intersetoriais articuladas na rede, no acompanhamento de pessoas em vulnerabilidade, em conflito com a lei, inclusive em decorrência de transtornos mentais...
(Soa a campainha.)
A SRA. ALESSANDRA SANTOS DE ALMEIDA - ... encontramos o programa Corra pro Abraço, realizado pelo Governo do Estado da Bahia, com dez anos de atuação em Salvador através de ações da Superintendência de Políticas sobre Drogas e Acolhimento a Grupos Vulneráveis, vinculada à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. O programa contempla ter, entre as suas frentes de atuação, uma parceria com a Vara de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado. Os custodiados liberados após audiência são acolhidos pela equipe técnica do Corra pro Abraço, com entrevistas, acompanhamentos e etc.
Acreditamos restar nítido, portanto, que, ao discutirmos os efeitos da política antimanicomial no Poder Judiciário, aliada à política nacional de saúde mental brasileira, não podemos falar em tatear no desconhecido ou em inconsequência, tanto com os pacientes dos HTCPs, quanto em relação aos demais cidadãos brasileiros, porque nós temos história.
As experiências relatadas nesta audiência, colocadas aqui, portanto, demonstram que partimos de fatos de longa data para que chegássemos ao momento atual. Em todas as ações que desenvolveu acerca dessas instituições ao longo dos últimos 20 anos, o Conselho Federal de Psicologia sempre indicou com nitidez que os modos e danos nelas produzidos são elevados a potências altíssimas.
Destaco, inclusive, que os esforços seguem acontecendo no presente. Está em curso a construção de um novo processo de fiscalização da Comissão Nacional de Direitos Humanos, em conjunto com os nossos parceiros tradicionais, o CNJ, o Mecanismo, etc., que nos dará também um panorama sobre isso que nós estamos falando agora - fazendo agora -, que é essa movimentação, acho que de cultura.
Então, somente para finalizar, precisamos, portanto, reconhecer o imperativo de uma atuação intersetorial que não sacrifique direitos de uma parcela da população sob o mote da garantia dos demais. Precisamos reconhecer, certamente, a ausência de investimentos substanciais nas redes de atenção psicossocial, nas Raps, e no Sistema Único de Saúde, sem perder do radar que a medida, a garantia dos direitos da saúde, moradia, convivência, educação e trabalho, pode ser promotora de uma segurança que seja comum a todas as pessoas - e que seja pública, portanto.
Desculpe-me por ter me alongado.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k. Nós agradecemos a participação da Sra. Alessandra.
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Agora, nós temos aqui mais três convidados, um deles o Sr. Salomão Rodrigues, que é Conselheiro Federal pelo Estado de Goiás, representando o Conselho Federal de Medicina.
Por favor.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos!
Minha saudação ao Senador Petecão, pela condução desta sessão e pela coragem de enfrentar um problema tão crítico, e ao Senador Moro, pela sua atuação e pelas posições já assumidas.
Eu gostaria de começar com uma frase do Rosenberg: "As questões éticas em saúde mental vêm se ampliando continuamente tanto em razão dos avanços do conhecimento científico e tecnológico como da ação exercida por outras profissões sobre a prática médica e sobre a política institucional. A psiquiatria é única dentro da medicina com relação à abrangência das questões éticas e veemência com a qual são discutidas. Em nenhum outro campo da medicina, as correntes de pensamento político, religioso e legal mesclam-se tão poderosamente quanto no estudo e tratamento da doença mental".
Eu vou falar um pouquinho sobre o norte dado pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Ele baseia todas as suas propostas, a sua organização, e nós ouvimos isto aqui hoje de pessoas que me antecederam, em itens que eu vou elencar.
"A loucura não é uma doença, mas, muitas vezes, uma forma de se libertar da opressão da sociedade."
"A loucura é criativa, e o louco, um artista em potencial."
"A loucura nada mais é do que uma forma diversa de sentir a realidade."
"A loucura não existe, é uma criação dos psiquiatras."
Continuando as premissas utilizadas pelo pessoal que combate a psiquiatria, o hospital psiquiátrico.
"A loucura é produzida pela família para se livrar de seus membros inconvenientes e indesejados."
"Por não ser doença, apenas uma forma diferente de entender o real, a loucura não deve se enquadrar no modelo médico de diagnóstico, prognóstico e tratamento."
"O louco não precisa de hospital para se tratar, não deve ser internado em nenhuma hipótese."
"Doença mental não existe, existe sofrimento psíquico."
"Os pacientes psiquiátricos não são doentes, e sim, diferentes. Portanto, não precisam ser tratados, e sim, cuidados."
"Internar num hospital psiquiátrico é encarcerar e o médico é sequestrador e carcereiro."
"Atestar incapacidade é violação dos direitos humanos. Medicar é dopar. Eletroconvulsoterapia é tortura. O hospital psiquiátrico é manicômio."
Eu já começaria por esse último pressuposto que nós vimos aqui, e hoje nós vimos muito. O próprio nome do Paili fala em louco infrator. Em Paili, uma sigla, o "li" final quer dizer "louco infrator", o que é um preconceito. E isso tem um caráter pejorativo e agressivo.
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Essa figura mostra bem as condições e as características da organização e do sistema de saúde mental que nós temos no Brasil.
As ações que são praticadas nesse movimento antimanicomial - e o termo manicômio é um termo pejorativo mesmo:
- Exclusão progressiva do médico da assistência do SUS. Hoje nós não temos médicos na maioria dos serviços públicos e na maioria dos Caps. Nos Caps mais simples não tem e, nos Caps mais complexos, não tem médico o dia todo.
- Indução do médico a infrações do Código de Ética Médica.
- Fechamento dos hospitais psiquiátricos por asfixia financeira e por agressões que desmoralizam.
- Indução de outros profissionais ao exercício ilegal da medicina.
- Criação de novas instituições.
Consequências.
O não tratamento farmacológico, o que possibilita o curso natural das psicoses e, consequentemente, maior sofrimento e maior incapacitação. O paciente que não é tratado precocemente, adequadamente, com os maravilhosos fármacos de que dispomos hoje, tem um destino, tem um prognóstico muito pior do que os pacientes que são tratados no início do seu adoecer.
O retorno à era da abordagem religiosa e policial do doente mental está acontecendo em nosso país. O ressurgimento das clausuras domésticas existe, e abundantemente. Em Goiânia, eu tenho uma lista de inúmeras clausuras domésticas em que vivem os pacientes ali, e a desassistência é o que predomina.
São caracterizadas longas filas para consultas psiquiátricas na rede básica. Em Goiânia, uma consulta hoje é marcada com oito a dez meses de antecedência.
Superlotação das emergências psiquiátricas com longas esperas de vagas em hospitais, mais de 100% de ocupação dos leitos.
Os doentes mentais enchendo as ruas e os doentes mentais nas prisões.
Os recortes de jornais para demonstrar o que a gente está falando. O jornal O Popular, o principal jornal de Goiânia: "Na capital, 400 pacientes esperam na fila por consulta em pronto-socorro"; "Doente mental continua sem assistência"; "Doente mental vira preso comum"; "Detentos com depressão, esquizofrenia e outras psicoses não são beneficiados com tratamento especial"; "Lei garante conversão de pena"; "Programa encaminha pacientes a tratamento"; "Reforma que não se faz por decreto"; "Leitos do Hospital Geral de Goiânia foram fechados".
Nós sabemos que isso aconteceu no mundo inteiro. Tentou-se colocar enfermarias nos hospitais gerais e em nenhum lugar do mundo isso deu certo, tudo foi desfeito. Também fizeram no Hospital Geral de Goiânia, um hospital do SUS, uma enfermaria grande, uma ala para pacientes psiquiátricos e, periodicamente, estava um paciente entrando no centro cirúrgico ou outras coisas acontecendo, a rejeição ao paciente por profissionais que não sabem lidar é muito grande e isso foi fechado.
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Ferreira Gullar fez uma campanha contra a internação de doentes mentais. É uma forma de demagogia, na afirmação dele.
A campanha contra a internação de doentes mentais foi inspirada por um médico italiano [...]. Lá resultou num desastre e, mesmo assim, insistiu-se em repeti-la aqui e o resultado foi exatamente o mesmo.
[...]
A classe média, em geral, sempre aberta a ideias "avançadas" ou "libertárias", quase nunca se detém para examinar as questões [...].
Havia, naquela época, um deputado petista que aderiu à proposta, passou a defendê-la e apresentou um projeto de lei no Congresso [Isso é uma fala do Ferreira Gullar, que faleceu. Felizmente, os seus dois filhos esquizofrênicos faleceram antes dele]. [Esse deputado] Certa vez, declarou a um jornal que "as famílias dos doentes mentais os internavam para se livrarem deles". E eu, que lidava com o problema de dois filhos nesse estado, disse a mim mesmo: "Esse sujeito é um cretino. Não sabe o que é conviver com pessoas esquizofrênicas [...]. Não imagina o quanto dói a um pai ter que internar um filho, para salvá-lo e salvar a família. Esse idiota tem a audácia de fingir que ama mais a meus filhos do que eu".
[...]
As famílias de posses continuam a por seus doentes em clínicas particulares, enquanto as pobres não têm onde interná-los. Os doentes terminam nas ruas como mendigos, dormindo sob viadutos.
Mais um eslaide da fala do Ferreira Gullar.
A nova psiquiatria é democrática. Alguém já ouviu falar em urologia democrática?
[...]
Quem leu essas cartas percebeu certamente que a maioria dos que comigo concordam são pessoas que têm experimentado na carne as consequências de uma lei que, embora bem intencionada, em vez de ajudá-las, agrava-lhes o sofrimento.
[...] a nova política psiquiátrica, limitou-se a seu objetivo fundamental, que resulta em condenar e inviabilizar a internação dos pacientes.
A desmedicalização, exclusão do médico, vem sendo feita progressivamente. O movimento feito no Brasil, chamado luta antimanicomial, é um movimento político e ideológico, não é um movimento médico.
A maioria dos Caps, centro do modelo atual, responsáveis pela regulação do sistema, não tem médico ou tem médico em tempo parcial, geralmente esse médico não é psiquiatra. Os diretores técnicos dos Caps não são médicos. O médico é subordinado a decisões de toda a equipe interprofissional em seus atos privativos. Exemplo: prescrição de medicamentos.
Fechamento de hospitais especializados, não criação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, não criação de ambulatórios e de serviços de emergência.
Criação de Caps III, com internação 24 horas, com plantão médico noturno à distância.
Os coordenadores de saúde mental, nos encontros de saúde mental, têm afirmado frequentemente que o médico não é necessário na assistência em saúde mental.
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Esse eslaide mostra bem a desconstrução da assistência psiquiátrica com viés ideológico. Nós ouvimos nessa minha fala até agora a negação da doença mental, o preconceito antipsiquiátrico, a reforma como luta política e a desassistência dos doentes.
Para se promover a necessária reorientação da assistência psiquiátrica no Brasil, é necessário abandonar preconceitos, abrir mão de objetivos políticos e ideológicos, superar questões econômico-financeiras e voltar toda a nossa atenção para o paciente e seus familiares, dentro de princípios científicos, éticos e legais.
Isso é um eslaide para dizer o que está acontecendo desde o começo dos anos 90 no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Dr. Salomão, por favor, conclua aí, por conta do tempo.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES (Por videoconferência.) - Estou concluindo.
Nós todos, principalmente os psiquiatras e os outros profissionais da saúde que trabalham com psiquiatria, engolimos muito sapo nessa história toda. Estamos pagando o pato.
Dois artigos do Ferreira Gullar, que é um escritor de prestígio, mostraram realmente como foi a saga dele cuidando dos seus filhos.
Muito obrigado.
Espero que o texto dessa resolução seja revogado e seja discutido, porque o Conselho Nacional colocou-o em discussão para não médicos, nenhum médico participou da discussão dessa resolução do Conselho Nacional.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k.
Nós agradecemos ao Dr. Salomão Rodrigues e já vamos ouvir agora o Sr. Bruno, que é Defensor Público do Estado de São Paulo, representando o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e o Departamento de Política Penal.
O SR. BRUNO SHIMIZU (Para expor. Por videoconferência.) - Olá! Tudo bem?
Muito obrigado.
Eu queria agradecer imensamente, em nome do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCcrim) e do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, nas pessoas do Exmo. Senador da República Presidente dos trabalhos, Senador Sérgio Petecão, e do Senador Sergio Moro, pela oportunidade de participação nesse ambiente democrático para a discussão desse tema tão relevante.
Bom, vou me apresentar brevemente. Meu nome é Bruno Shimizu, eu sou Diretor do IBCcrim, membro do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, mestre e doutor em Criminologia Clínica pela USP, em estágio pós-doutoral, também em Criminologia, pela USP.
A partir das falas que já foram ditas e também para não me alongar, eu queria centrar esta minha fala em quatro pontos, que talvez estejam sendo um pouco mal compreendidos em relação à resolução, para que a gente possa ter esse debate da maneira mais serena e mais científica possível.
O primeiro desses pontos é que a Resolução 487 não é uma resolução antipsiquiátrica, ela é uma resolução antimanicomial, estabelece uma política antimanicomial. Isso não significa que ela de nenhuma forma erradique a internação. A Resolução 487 não abole a internação; aliás, pelo contrário, ela aumenta a participação dos próprios psiquiatras, na medida em que, na sistemática do Código Penal de 1984, da Parte Geral, quem escolhe a forma de tratamento é o juiz, e não o psiquiatra. O psiquiatra tem um parecer meramente opinativo em relação à forma de tratamento que vai ser dispensada pelo juiz. E é isso que a Lei 10.216, já, há mais de 20 anos, alterou, dizendo que efetivamente alguém só pode ser internado com base em um relatório, em um laudo médico circunstanciado.
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Aqui há pessoas que não são da área jurídica, mas, só dando um exemplo bastante singelo, o art. 97 do Código Penal vai dizer que a internação é obrigatória em casos de crime apenados com reclusão e é facultativa no caso de crimes apenados com detenção. O que isso significa? Em um caso de furto, a internação seria obrigatória; em um caso de infanticídio, não. Quem vai escolher isso? É o juiz.
Então, quando a Resolução 487 entra em vigor, ela estabelece uma nova sistemática, justamente para adequar a forma procedimental ao que já existe desde 2001. A pessoa deve ser internada com base em um parecer médico, com base em um laudo médico, e não com base em uma sentença judicial. O juiz determina a imposição de medida de segurança. A forma de tratamento dessa pessoa submetida à medida de segurança fica a cargo da equipe multiprofissional, sendo que, em relação à internação e medicalização, isso é prerrogativa exclusiva do psiquiatra. Portanto, o psiquiatra, no caso da Resolução 487, é valorizado, ele não é alijado.
Agora, de toda forma, a Resolução 487 vincula o Poder Judiciário. Ela não traz hipóteses diagnósticas, critérios diagnósticos, ela não orienta o trabalho do psiquiatra. O psiquiatra continua tendo toda a sua independência dentro do seu saber. O que o juiz deve fazer, apenas, é encaminhar essa pessoa, redirecionar aos serviços de saúde.
Quais são esses serviços de saúde? Bom, se a gente pensar na maioria dos casos de pessoas que estão internadas em manicômios judiciários, efetivamente, a maioria desses casos não teria uma indicação para a internação, sobretudo internações de longa permanência, mas há, evidentemente, casos-limite que demandarão essa internação. Onde seria feita essa internação? Foi uma pergunta que foi feita.
Bom, a própria Raps tem diversos serviços nesse sentido, desde um Caps III; hospital geral, como já foi dito, leito psiquiátrico em hospital comum, a internação por pronto-socorro; nos casos de uso problemático de drogas, há possibilidade de internação em Caps AD...
No Estado de São Paulo, onde eu atuo, nos casos em que, mesmo antes da resolução, a gente conseguiu o redirecionamento do paciente para a Raps, houve, inclusive, internação em Centros de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISMs), que são, inclusive, especializados nesse tipo de demanda. Portanto, não estou aqui dizendo que não haja uma precariedade nos serviços de saúde - é óbvio que há -, mas essa precariedade na Raps é muito menor do que nos HCTPs.
A Folha de S.Paulo, na semana passada, trouxe aqui a apuração de que, no Estado de São Paulo, o estado mais rico da Federação, no maior manicômio judiciário, o HCTP do estado, que é Franco da Rocha, por conta da ausência de profissionais, os pacientes estão sendo avaliados em Taubaté. Ou seja, eles vão em grupos de dez, uma vez por semana, viajam 300km, para passarem por uma avaliação, dez pacientes, durante o período de uma manhã, por um psiquiatra que não acompanha o caso daquele paciente. Isso é o que a resolução tenta acabar, algo que, na verdade, já deveria ter acabado desde 2001. Basicamente, acho que isso deve ficar bastante claro.
Então, dizer que os psiquiatras foram alijados da Resolução 487, que é uma resolução do CNJ, seria o mesmo que dizer que os juízes teriam sido alijados da elaboração do Manual Diagnóstico e Estatístico ou da Classificação Internacional de Doenças. A resolução do CNJ não influi no trabalho clínico do psiquiatra, nem na opinião médica do psiquiatra, pelo contrário, se respeita essa opinião. Quem vai dar alta ao paciente é o psiquiatra.
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Hoje, nos estados que ainda não aplicam a política antimanicomial, o psiquiatra não pode dar alta ao paciente. Se ele entende, no prazo mínimo de três anos que foi fixado na sentença, que aquele paciente teria uma evolução clínica melhor a partir da inserção em tratamento comunitário, ele não pode fazer isso. Ele é obrigado a prestar àquele paciente um tratamento contrário à sua própria opinião médica. E, o que é mais grave, os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em São Paulo não são sequer dirigidos por médicos psiquiatras. São dirigidos por agentes de segurança de carreira, portanto, os psiquiatras que atuam na SAP são hierarquicamente subordinados a agentes de segurança, a policiais penais, o que me parece que é um desprestígio à própria categoria dos psiquiatras.
Então, isso eu acho que deve ficar bastante claro. Quem vai decidir sobre a internação ou não e sobre o prazo da internação é o psiquiatra que acompanha o paciente. É isso que a resolução fala. Não é uma resolução que de nenhuma forma acaba com a internação psiquiátrica.
Portanto, no caso de desorganização, de surtos, se o psiquiatra que acompanha, secundado pela equipe multiprofissional, entender que é o caso de internação, esse paciente deve ser internado de forma involuntária, inclusive com a possibilidade de busca ativa. Inclusive, em casos limítrofes também, nada exclui a possibilidade de concurso policial, caso haja algum problema em segurança pública.
Mas, entrando mais na questão da segurança pública também, e correndo bastante aqui por conta do meu tempo, a gente teria que também pontuar algumas questões. Dizem que psicopatas serão colocados na rua. A primeira coisa a que a gente tem que se atentar aqui é que psicopatia, transtorno de personalidade antissocial não induz à inimputabilidade. Puxem pela memória os casos de pessoas que foram diagnosticadas como psicopatas: essas pessoas cumprem pena. Elas cumpriram pena. É claro que a gente pode achar um caso ou outro, alguma coisa que saia dessa regra geral, mas a psicopatia não significa que a pessoa vá a um manicômio judiciário ou a um HCTP. Ela vai para a prisão. Assim como no transtorno pedofílico.
Quando a gente está falando de pessoas internadas em manicômios judiciários, a gente está falando de pessoas com deficiência cognitiva, a gente está falando desde pessoas com síndrome de Down, pessoas com esquizofrenia, pessoas com transtornos psicóticos ou com deficiências intelectuais.
Então, essa questão tem que ficar bastante clara. São pessoas que eventualmente cometeram um delito num momento de surto. E esse surto pode - nem sempre, mas normalmente - ser evitado a partir de um acompanhamento próximo dessa pessoa por essa equipe multiprofissional.
Mas, ainda dentro dessa questão dos dados de reincidência, a gente precisa também trazer alguns dados para subsidiar esse debate. O último dado que a gente tem geral de reincidência em relação a todo o sistema penitenciário são os dados do Ipea de 2020, que disse que 24,4% das pessoas que saem do sistema penitenciário em geral reincidiriam.
Na pesquisa da Dra. Patricia Magno, que foi feita no Rio de Janeiro, o doutorado dela, ela acompanhou os pacientes em medida de segurança no Rio de Janeiro e tirou o dado de que haveria um índice de reincidência dos pacientes que saem dos manicômios - numa hora eles saem dos manicômios - de 10%, ou seja, metade da reincidência dos pacientes imputados.
O que eu quero dizer com isso? No geral, os pacientes com transtorno mental reincidem menos do que os pacientes sem transtorno mental. Mas aqui tem um dado importante. O observatório crítico de medidas de segurança do Rio de Janeiro, e aí a Dra. Patricia Magno também acompanha isso, traz aqui...
(Soa a campainha.)
O SR. BRUNO SHIMIZU (Por videoconferência.) - ... os dados relativos à desinternação no Hospital Heitor Carrilho, com encaminhamento à Raps, ou seja, quando houve fechamento do Hospital Heitor Carrilho e esses pacientes judiciários foram encaminhados para acompanhamento para a Raps, num processo de desinternação com redirecionamento para o SUS, para a Raps, esse índice de reincidência caiu para 2,41%. São 14 pacientes entre 580.
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Portanto, atenção à saúde mental e segurança pública andam de mãos dadas. A partir do momento em que esse paciente desinternado tem uma equipe que o acompanha, uma equipe multiprofissional, um psiquiatra de referência, mais dificilmente ele vai entrar em surto. Se houver algum abandono do tratamento, ele pode solicitar o concurso do juiz para que esse paciente retorne a esse tratamento, mas a internação em si é prerrogativa exclusiva do médico, secundado pela equipe multiprofissional.
Na sistemática que hoje ainda é aplicada em São Paulo, o que a gente verifica é que, se um paciente necessita de internação no curso do tratamento ambulatorial, o serviço de saúde pede ao Ministério Público, o Ministério Público pede ao juiz, o juiz ouve a defesa, a defesa volta para o juiz e o juiz determina que se elabore um laudo para que então essa eventual internação saia depois de muito tempo.
Nos termos da Lei 10.216, essa internação involuntária pode ser feita no momento do surto. Então, isso garante segurança pública, e não é por acaso que esse índice de reincidência cai para 2,41% quando há um acompanhamento da Raps em relação a esses pacientes. E também, a gente traz aqui, o Dr. Haroldo Caetano trouxe os dados de Goiás, enfim, uma experiência de sucesso, também com índices muito pequenos, de incidência muito menores do que os índices gerais.
Bom, aqui já terminou o meu tempo. São basicamente essas as questões que eu queria dizer. E um último dado: fala-se que, em São Paulo, talvez seja o último bastião, temos aqui 900 pacientes internados em manicômios judiciários ou HCTPs e que isso levaria a uma pressão à Raps. Com certeza, temos que fortalecer a Raps, mas isso tem que ser colocado em perspectiva. A Raps, entre 2019 e 2021, no Brasil, fez 60 milhões de atendimentos. Então, a gente está falando de 900 pacientes, em um quadro em que só em São Paulo a gente tem mais de 20 milhões de atendimentos. É um aumento de demanda? De certa forma, sim, ainda que esses profissionais que hoje atuam em HCTPs, que são poucos, infelizmente, quer dizer, são muito mais deficitários do que a própria Raps, possam ser reintegrados nesses serviços. Então, essa pressão que vai se fazer sobre a Raps tem que ser colocada em perspectiva. Ela não é uma pressão tão grande assim, na verdade, é bem diminuta quando a gente tem todo o quadro diante de nós.
Terminando, eu só queria dizer que acho que realmente esta Casa... Eu queria parabenizar pela iniciativa do Senado de discutir, em termos racionais, essa deliberação, saudar a deliberação e dizer que também cabe ao Senado, e aí faço até este apelo, acerca do fortalecimento da própria Raps por via de destinação orçamentária. E, nisso, me parece que esta Casa, o Poder Legislativo, como um todo, tem uma função principal, tem uma função essencial.
Agradeço novamente. Muito obrigado, já estourei meu tempo, e fico à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - O.k. Agradecemos ao Dr. Bruno e, em seguida, já vamos ao Sr. Roberto Barbosa de Moura, que é Membro Consultor da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
Por favor.
Com ele, nós encerramos a participação de nossos convidados.
O SR. ROBERTO BARBOSA DE MOURA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito boa tarde, Exmo. Senador Sérgio Petecão, Presidente dessa Comissão de Segurança Pública. Queria, com isso, saudar todos os presentes, considerando o tempo exíguo que possuo.
A Ordem dos Advogados do Brasil agradece muitíssimo o convite e, através da sua Comissão de Direitos Humanos, percebe com extrema preocupação o debate posto nessa Comissão, através de um questionamento que vos faço, Excelências: seria a Resolução 487 do CNJ, ela, que garante a eficácia da Lei 10.216, ilegal, ou seja, estamos falando que uma resolução que garante a eficácia de uma lei posta há mais de duas décadas, dando plena eficácia à mesma, é ilegal?
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Com esse questionamento eu me dirijo a V. Exas. todos aqui presentes neste debate, pois, aqui em Alagoas, cidade de onde falo, terra de Nise da Silveira, uma psiquiatra, Dr. Salomão, que iniciou a política antimanicomial, uma grande referência, podemos falar assim, médica formada na Universidade Federal da Bahia, nascida aqui em Maceió, nós precisamos rever alguns pontos fundamentais em que nosso estado se encontra.
Em Maceió, recentemente, o Sr. Cledson Ney da Conceição Lima, de 21 anos, acompanhado pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-Alagoas, na qual eu estou na qualidade de Presidente, foi morto por traumatismo craniano numa clínica terapêutica; o Sr. Davidson Gerônimo da Silva foi morto, no dia 27 de novembro de 2022, no Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy, aqui, na cidade de Maceió, Alagoas, em um quarto isolado, cumprindo castigo; e aqui, em Maceió, também temos a experiência da Sra. Josefa, que está lá em muitas pesquisas, que passou mais de 38 anos institucionalizada no CPJ.
Então, iniciar a minha fala é também pensarmos em como a Resolução 487 vem de maneira muito acertada e muito tarde, pois já devíamos tê-la feito muito tempo atrás, e como está tendo um processo ao mesmo tempo de contrafluxo a essa resolução, não só por algo que já vinha sendo posto, como processos de remanicomialização, haja vista o crescimento absurdo das comunidades terapêuticas e clínicas de internação, haja vista também o baixo standard, as baixas condições que o art. 6º da Lei 10.216 impõe para internações involuntárias, basta apenas que um familiar responsável solicite essa internação e seja comunicado ao Ministério Público que podemos internar uma pessoa sem ela poder expressar sua vontade e sem ela ser considerada incapaz na sua vida civil.
Então, diante de tudo que estou colocando e diante também dos debates postos pelos meus colegas, nós precisamos, de fato, pensar em como fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
A Raps, sim, é um caminho necessário e urgente para que possamos tanto sair de um paradigma imunitário, segregador, que pouco traz como construção para uma segurança pública, haja vista os números apresentados seja pelo Dr. Haroldo, seja pelo Dr. Bruno, que demonstram a clara baixa reincidência, senhores, como pautar a nossa política enquanto uma política de saúde e não enquanto uma política penal, institucionalizadora, segregadora e manicomial, haja vista que, senhores, se estivéssemos dando certo, nós não estaríamos aqui debatendo. O Brasil, reconhecidamente, é o terceiro país com a maior população carcerária do mundo. E segundo ponto: nós ainda temos um processo de institucionalização muito grande.
Então, vamos permanecer nesse paradigma que, historicamente, se demonstra equivocado? E muito me preocupa ainda a gente debater a desestruturação da Raps dessa forma como vem sendo, enquanto o Governo Federal saiu de R$39 milhões de investimentos para comunidades terapêuticas, em 2018, para R$105 milhões, em 2020, conforme apontam estudos da Conectas Direitos Humanos com a Cebrap, ou seja, estamos investindo em comunidades terapêuticas, em hospitais de internação fora da rede da Raps, em clínicas de internação que digo, e estamos desestruturando em muitos estados a Raps, que deveria ser o nosso primeiro caminho.
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Aqui em Alagoas, por exemplo, estamos tendo muita dificuldade com um grupo de desinstitucionalização, haja vista que a nossa rede, a nossa Raps, ela é completamente... está em frangalhos, a gente só tem apenas um Caps, um Caps i, um Caps AD, então, isso dificulta bastante, quando aqui era para termos, no mínimo, 13. Então, isso nos coloca que estamos de fato, senhores, em um problema complexo, e problemas complexos exigem soluções complexas.
O Brasil já aponta uma possível solução complexa através de uma Rede de Atenção Psicossocial, e nós não estamos fomentando essa rede, mas sim, estruturando novas políticas, como a Sra. Laura Fernandes nos aponta em sua dissertação "Paradoxo do cuidado", em políticas de transencarceramento e que, muitas vezes, ferem uma laicidade do Estado com financiamentos que trazem políticas neoliberais dentro de uma lógica institucionalizadora, segregadora e de grande internação.
Então, diante de todos esses pontos e também para não tomar o precioso tempo de V. Exas., muitos, também, nos chamam a atenção: nós ainda não temos, como já apontaram alguns colegas, leitos em hospitais para controle de surtos. Isso é algo que nós precisamos retomar.
Outro ponto que me parece, Excelências, que precisamos enfrentar de maneira muito clara é que uma política de segurança pública não se faz somente com política penal, e é isso que me parece que muitas vezes essa audiência pública nos coloca. Políticas de institucionalização, internação e prisão não dão certo, não vêm dando certo e não darão certo, pois isso demonstra modelos falidos.
Nós precisamos fortalecer políticas públicas, em específico num debate aqui posto sobre a Resolução 487, em políticas de saúde. Fomentar isso é trazer exatamente a boa experiência que Goiás nos traz, e o Senador aqui apontou que isso seria mais uma jabuticaba. Bom, jabuticabas, como já apontou o ex-Diretor nosso do IBCcrim, são coisas extremamente positivas, nos trazem a nossa experiência e a nossa realidade, ou seja, estamos querendo trazer aquilo que é próprio do Brasil, temos experiências muito boas, Goiás é uma experiência boa.
Nós não podemos ter síndrome de cachorro vira-lata e colocarmos e rifarmos a nossa experiência positiva, como Goiás nos apresenta. Precisamos, sim, enaltecer e demonstrar que esse é um caminho viável e, sim, combater formas e políticas de tolerância zero, mídia de massa, lei e ordem, e formas que tratam seres humanos como dejetos e como depósitos, como já apresentou o Dr. Haroldo, como já apresentam diversos relatórios, e formas que precisamos, sim, trazer para dar dignidade à pessoa humana e dar ampla efetividade e eficácia à Resolução 487, que, sim, garante que a Lei 10.216, de 2001, seja cumprida e que não tenhamos mais nenhum hospital psiquiátrico e nenhum manicômio judiciário de forma ilegal em nosso país.
Muito obrigado, Senador Sérgio Petecão.
É com essas palavras que o Conselho Federal da OAB, através da Comissão de Direitos Humanos, encerra a sua fala.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Dr. Roberto, agradecemos a sua participação.
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Eu peço desculpas pelo adiantado da hora.
Senadora Damares, a senhora gostaria de fazer alguma consideração?
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Para discursar.) - Claro, Senador, claro que sim.
Eu quero, antes, agradecer a presença de todos os debatedores. Acreditem, eu acho que é a audiência mais importante dos últimos meses desta Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Também acho.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - É o assunto que eu considero o mais urgente da Comissão.
Eu queria dizer ao CNJ que aqui vocês estão vendo três Senadores. Um, eu poderia dizer que está com a preocupação, que é o Senador Sérgio Petecão, que vem de um estado lá do Norte. Ele tem motivos suficientes para estar preocupado com a resolução. Aí a gente tem um aqui que é da moderação, que é o Senador Moro. Ele é da moderação. E vocês podem contar muito com esse Senador moderado, sensato. Mas, sentada aqui, tem uma que está com a indignação.
Sabe por que, CNJ? Eu vou usar os termos que o nosso representante da OAB falou. O assunto é por demais complexo. Nós estamos diante de um tema demais complexo. O CNJ está do outro lado da rua; nós somos Senadores e falamos pelos estados. Eu acho que daria para ter feito o movimento de vir de lá para cá, conversar com a gente, antes da resolução. O Senado não foi ouvido. O Senado não foi ouvido, e nós representamos os estados. Claro, nós temos uma Raps, que está enfraquecida. O que eu estou vendo aqui é um descompasso entre Poder Judiciário e Poder Executivo. O Ministério da Saúde não está pronto.
E aí, Dr. Haroldo, o senhor traz um lindo exemplo do Goiás. Amapá não é Goiás, Dr. Haroldo. Nós temos uma nação com especificidades. Amapá não é Goiás, Acre não é Goiás. Parabéns para Goiás, um estado rico, pujante, que tem um Governador incrível - sou apaixonada pelo seu Governador -, mas o seu modelo não pode ser usado para o Brasil, não nesta nação com 16 mil quilômetros de fronteiras terrestres, 7 mil quilômetros de fronteiras marítimas, áreas indígenas, fronteiras descobertas, estados falidos. Goiás não pode ser o nosso modelo. Seria o ideal, Doutor, seria o ideal, mas a gente não pode sustentar uma resolução usando Goiás como... E aliás, Doutor, eu acho que em Goiás não... Estava sendo construído o hospital de custódia. Não é que vocês fecharam, vocês não construíram, não entregaram o hospital de custódia. Pelo menos é o que eu sei, sou vizinha aqui.
Gente, eu vou falar do DF, sou Senadora do DF. Eu estou com 10 mil crianças na fila esperando um neuropediatra, aqui no Distrito Federal, que é considerada uma região rica, 10 mil crianças aguardando um laudo para poder ingressar nas escolas especiais, para poder ir para o ensino inclusivo - aqui no DF. Eu pergunto: onde estão as outras crianças? Eu vou dar um exemplo, todo mundo sabe da minha paixão pelo Marajó. Onde estão as crianças do Marajó? Eu estive lá, gente, eu perguntei. E eu ouvi coisas que eu não vou repetir aqui, porque vão dizer que eu estou mentindo de novo. Onde estão as crianças com transtornos, com problemas de saúde mental lá na Região Norte?
O Ministério da Saúde não está pronto, o nosso SUS não está pronto. Aí é onde eu vejo um descompasso: o CNJ querendo cumprir lei, trazendo uma resolução, num momento em que nós não estamos prontos para essa resolução. Daria para o CNJ ter vindo conversar com esta Comissão de Segurança, ter vindo conversar com a Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Cadê os Governadores? Cadê a manifestação dos Governadores?
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E vou dizer mais, Senador Petecão: cadê as famílias neste debate aqui? Eu não quero nem trazer a família das vítimas, não; para não dizerem que aqui a gente está trazendo a vingança, a raiva - não, não, não! Cadê as famílias dos que estão em custódia? Cadê eles? Cadê essas famílias? Elas tinham que estar sentadas aqui. É isso que elas querem? Então, gente, cuidado na hora de tomar uma decisão tão séria.
Deixe-me dizer-lhe uma coisa, CNJ: nós estamos aqui para ajudá-los a, talvez, encontrar um equilíbrio. Foi o que o Moro falou, vamos nos sentar e ver o que a gente pode fazer. A pergunta é: a resolução é legal? Legal! Mas ela é oportuna? Nós estamos no momento certo para essa resolução? CNJ, dá para a gente se sentar, conversar e quem sabe encontrar um meio-termo? Quantos são? Uns 2,5 mil? Uma nação que tem dinheiro para construir estádios de futebol para sediar uma Copa do Mundo não teria uma iniciativa feita aqui com o CNJ e o Congresso Nacional para a gente encontrar a solução para este problema que não seja a resolução agora? Será que não está na hora de o CNJ atravessar a rua e vir aqui: "Olha, vamos rever esse Orçamento da União agora, vamos rever, vamos parar tudo e vamos rever juntos o Orçamento da União."?
Sabe por quê? Porque, Dr. Haroldo, o senhor mostrou aquelas fotos daqueles homens enclausurados - terrível! - e vou lhe dizer: aquilo desperta na gente muita tristeza. Nós somos muito sensíveis. Mas eles estão trancados numa instituição do Estado e, com a resolução em prática, eles ficarão trancados em suas casas. Eu vou trazer, daqui a alguns meses, as fotos deles, não mais numa instituição do Estado, mas nas suas casas, porque é o que está acontecendo hoje. Ou o senhor acha que está todo mundo com acesso a um psiquiatra no Brasil? E aqui eu me assustei em saber que o Conselho Federal de Medicina não foi ouvido para a resolução, nem a Associação Brasileira de Psiquiatria.
CNJ, é possível essa resolução num país desenvolvido? É. Em um país em que a Raps esteja fortalecida? É. Mas eu acho que ela não é oportuna. E dá tempo, CNJ, de a gente sentar. Eu tenho o privilégio - e desculpem a falta de modéstia - de estar compondo esta Comissão, esta Comissão tem grandes pensadores. Vamos nos sentar e conversar, CNJ. Nós temos no Senado, hoje, Senadores que foram Governadores, que entendem de execução de política pública. Eu acho que dá, sim, para a gente se sentar - o Senado, o CNJ, o Conselho de Psicologia, que está muito bem-intencionado. Eu sei que o senhor está muito bem-intencionado, Dr. Haroldo. Eu o conheço, eu sei as suas intenções, mas será que não é a hora de a gente parar e perguntar: "É oportuno? Vamos fazer isso juntos?". Os nossos Governadores não estão preparados, as nossas secretarias de segurança não estão preparadas, senhores, as secretarias de saúde não estão preparadas.
Erramos? Erramos. Vamos reconhecer, vamos cortar aqui na carne, porque todos nós erramos. A saúde mental está abandonada no Brasil? Está. E vou dizer uma coisa: entra Governo, sai Governo... Eu conheci a Dra. Dilma como Coordenadora Nacional de Saúde Mental querendo fazer a diferença, mas ela não conseguia furar uma bolha, ela não conseguia avançar. Nós vamos ter que rever a saúde mental como um todo nesta nação.
CNJ, eu vou continuar aqui gritando, mas eu não vou gritar contra a resolução, eu vou gritar sobre a oportunidade dela neste exato momento. E precisamos trazer para esta discussão outros agentes, outros atores, entre eles: as famílias dos presos. Elas precisam estar aqui. É isso que as famílias realmente querem e é disso que elas precisam agora.
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Essa é a minha colaboração.
Entendam que, quando eu falei que a gente vai reagir, é que eu vou fazer o papel da indignação o tempo todo. Mas, acreditem, assim como eu, os demais Senadores que estão aqui querem colaborar. Nós queremos o melhor para esta nação. Aqui não é uma guerra de força entre esta Comissão, o Senado e o CNJ. Esta é uma oportunidade para a gente se reencontrar, especialmente com relação a esse tema.
Muito obrigada, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Nós é que agradecemos, Senadora Damares, pela sua participação.
Senador Moro gostaria de fazer uma consideração.
Esse debate é tão complexo que nós levaríamos dias e, com certeza, não iríamos sair daqui com uma solução, mas vamos ouvir o Moro.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Já que eu fui chamado até de moderado... Eu agradeço.
Da nossa moderação, o que nós poderíamos pedir, Senador Petecão e Senadora Damares... Algumas dúvidas traz a resolução, porque a gente não tem questionamentos quanto às boas intenções, mas há questões que, de certa maneira, permanecem sem respostas. Há casos limítrofes? Pelo jeito, há. E, quando forem fechados os hospitais psiquiátricos, o que será feito com essas pessoas? Permanecerão em tratamento? Certamente. Permanecerão custodiadas? Não sei, não tive essa resposta. E, se permanecerão custodiadas, permanecerão onde custodiadas?
Nós vimos aqui os questionamentos sobre a qualidade da rede de saúde. A gente sabe que a rede de saúde, infelizmente, embora os avanços existam, muitas vezes não consegue nem receber, de maneira apropriada, pessoas com transtornos mentais sem qualquer envolvimento com conduta criminal - todo mundo conhece uma história aqui, eu poderia até contar -, quanto mais pessoas que praticaram condutas equivalentes a crimes, muitas vezes, violentos.
Então, talvez o que nós poderíamos, Senador - e podemos conversar aqui entre os Senadores -, é pedir formalmente ao CNJ esses esclarecimentos, de qual é a ideia em relação a esses custodiados com histórico de violência que vão ter que ser colocados em algum lugar.
O próprio Secretário de Administração Penitenciária de São Paulo aqui, a quem eu agradeço muito, fiz o convite pessoalmente, não sabe o que vai fazer em agosto com os novecentos e tantos presos lá que estão em hospitais psiquiátricos de São Paulo, de variadas condições, com históricos diferentes, mas também ali alguns com histórico de violência grave. E aí as pessoas da sociedade ficam, muitas vezes, perplexas em saber qual é o plano para essas pessoas.
Se a resolução do CNJ visa a um norte, a gente concorda com o norte, dar um tratamento humanitário, mas a gente precisa também ter uma resposta em relação ao que se fazer com os custodiados com essa violência.
Nós tínhamos a informação, doutor - parabéns pelo seu trabalho - de que, no passado, em Goiás, por não ter hospital psiquiátrico, havia até pessoas inimputáveis mantidas em prisões, presídios comuns. Eu não sei se isso também foi superado, ou não foi superado, mas a gente pode ver isso em algum outro momento. Mas é essa a preocupação que nós temos: o que fazer com aqueles casos limítrofes, que podem ser poucos, mas existem. E a sociedade precisa de uma resposta.
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O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Senador Moro, eu sei que o Dr. Marcelo está doido para responder ao Senador Moro, mas o Dr. Haroldo pediu que ele respondesse.
Eu acho que contempla todos nós, vamos ouvir o Haroldo, aí eu finalizo.
O SR. HAROLDO CAETANO (Para expor.) - Rapidamente aqui, Senador Moro, para tentar responder, que, de fato, eu não estou aqui para... Enfim, a gente não é oráculo, que sabe, que tem resposta pronta para tudo. Mas Goiás tem 18 anos de funcionamento de uma política instituída que atende a todos os casos, inclusive casos graves.
Eu posso lembrar aqui, de memória, de um homem que matou três homens, ou seja, um triplo homicídio. Eu conheço um caso de um rapaz que aos 21 anos de idade matou a própria mãe. Eu estou me lembrando aqui de dois casos que estão muito vivos na minha memória, de pessoas que praticaram crimes muito graves, que foram acolhidas nessa política pública e que não usam o manicômio judiciário. E essas pessoas estão hoje acolhidas, inseridas. Quem tem autonomia, quem está de alguma forma... Quem tem condição de estar só, vai morar só, não é problema, com o suporte dos serviços da rede, principalmente dos Caps. E quando não tem... Quando tem possibilidade de acolhimento na família, tanto melhor, evidentemente. Mas só estou me lembrando aqui de dois casos graves, de dois casos de muita repercussão, inclusive, em Goiás, foram acolhidos no Paili e estão até hoje sendo acompanhados. Normalmente, esse acompanhamento na rede, por mais que a medida seja extinta, na rede de saúde mental, esse atendimento nunca cessa.
Então, o acompanhamento de quem tem transtorno mental é um acompanhamento contínuo e vai acontecer sempre, inclusive... Principalmente, eu faço questão de destacar a rede de atenção psicossocial, os profissionais da rede, os médicos, os psicólogos, todos os servidores que atuam na Raps estão aptos a lidar principalmente com os casos mais graves. Porque casos muito leves, no campo da saúde mental, nem sempre vão parar na Raps. A grande maioria se resolve, às vezes, até fora disso.
Agora, os casos mais sérios, sim, são acolhidos e resolvidos e acompanhados pela rede de atenção psicossocial. Inclusive, Senador, esses casos mais graves realmente que geram a maior comoção social.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fora do microfone.) - Não tem custodiado em medida de segurança?
O SR. HAROLDO CAETANO - Não há ninguém custodiado em medida de segurança em presídio comum no Estado de Goiás.
O SR. PRESIDENTE (Sérgio Petecão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AC) - Amigos, como disse, o tema é complexo, mas eu penso que hoje nós demos aqui uma grande demonstração em um grupo de Senadores, Senadoras e os senhores, nossos convidados, de que podemos fazer um enfrentamento, sim!
Eu quando vi o colega ali, o Seif, dizer que em nenhum lugar do mundo... Ele queria um exemplo em um lugar do mundo, qualquer lugar do mundo. E, aí, aqui do meu lado, Goiás dá um exemplo de Goiás. Por que não fazermos uma visita? O país é continental, Damares. Você tem toda razão, mas a gente tem que acreditar que é possível fazer, sim.
Então, eu quero agradecer a todos os senhores.
O Senador Moro, inclusive, Dr. Marcelo, fazia uma proposta de nós fazermos uma visita ao CNJ, para que a gente possa discutir em um debate aberto, franco, e convido aqui alguns Parlamentares que têm interesse em acompanhar uma Comissão nossa aqui.
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O importante é que hoje nós tratamos de um tema que merece toda a atenção, e eu acho que esta Comissão deu essa pequena contribuição, mas que, com certeza, vai ajudar, e ajudar muito, nesse trabalho.
Então, quero agradecer a participação de todos os Senadores, aos que estão aqui presentes, como a Senadora Damares e o Senador Moro, e aos que estão nos acompanhando através da TV Senado; aos senhores, mais uma vez, os nossos agradecimentos; e aos nossos convidados também muito obrigado pela presença.
São exatamente 3h da tarde, mas valeu a pena.
Valeu, gente!
Muito obrigado.
(Iniciada às 11 horas e 14 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas e 49 minutos.)