14/08/2024 - 4ª - Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Augusta Brito. Bloco/PT - CE. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todos, especialmente a todas e todos que aqui estão.
Havendo número regimental, eu declaro aberta a nossa 4ª Reunião da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra nós Mulheres da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, dia 14 de agosto de 2024.
Nesta presente reunião, eu quero aqui dizer que ela tem uma importância muito grande para nós da Comissão, onde nós estamos e vamos registrar já a presença da nossa Senadora Zenaide, que aqui está e que foi a Presidente desta Comissão na vez passada, de 2019 a 2020, e que está aqui totalmente disposta a entregar o relatório.
Antes disso, queria chamar a Senadora Jussara para compor a mesa, porque depois a gente vai ter a audiência pública, e, na audiência pública, a mesa vai ser composta pelas nossas convidadas, porque a gente vai ter o prazer de ouvi-las aqui e fazer a discussão. Então, queria chamar a Senadora Jussara: venha para cá!
E já, aqui, no nosso primeiro momento, quero dizer da felicidade e da nossa responsabilidade, minha querida Senadora Zenaide, de estar dando andamento ao que já foi construído por você - vou falar "você", porque eu lhe acho muito jovem - e por tudo que foi construído através desta Comissão também, e vai ser entregue agora, de forma oficial, o relatório de conclusão dos trabalhos que já foram feitos.
Então, eu passo aqui a palavra para a nossa Senadora Zenaide.
A SRA. ZENAIDE MAIA (PSD - RN. Para discursar.) - Boa tarde a todas e a todos aqui presentes.
Quero cumprimentar a minha colega aqui, Jussara, muito ativa nesta defesa: contra a violência contra a mulher; e também a nossa Presidente.
Gente, esta Comissão é uma Comissão Mista em que há alternância: num ano, a Presidente é do Senado, e a Relatora é da Câmara; no ano seguinte, a Câmara é que preside, e o Senado fica com a relatoria. Eu fui Presidente neste biênio 2019-2020, e a gente fez... A gente tem sempre uma prestação de conta que tem que ser feita, mas nós tivemos um lapso por causa da pandemia. Em 2021 e 2022, praticamente não nos reunimos.
Então, quando Augusta assumiu, foi para a Câmara nesse período 2021-2022, mas praticamente não teve reuniões por causa da pandemia; aí Jussara assumiu no ano passado, e aí passou a ser, porque a Presidência já era do Senado. E, normalmente, a gente faz essa prestação de conta, cuja responsabilidade é da Relatora, não é da Presidência.
Aí eu disse: "Jussara, não dá, porque os livros...". Aliás, Augusta...
Jussara, quem me viu jamais esquece essa cor linda, não é? (Risos.)
Então, o que acontece? Eu disse: "Augusta, a gente tem que fazer oficialmente, porque a prestação de conta está feita, e eu já estou há quantos anos? Já teve uma segunda, já está numa terceira". Então, vamos fazer oficialmente, até porque aproveita... Aqui está esse biênio. É interessante, porque vocês todas vão ter o direito de pegar cada uma, e já que a gente quer...
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(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco/PSD - RN) - É, está disponível nas bancadas. E a gente vai oficializar essa passagem, com a prestação de conta, que, eu digo, Augusta, é essencial, porque é algo que faz parte do métier desta Comissão, e nós não vamos acabar com isso.
Mas eu queria também aqui parabenizar já a Augusta por essas audiências públicas. Gente, informação é poder. Se a gente não der visibilidade... Você veja que muitas mulheres, depois de uma propaganda contínua na televisão - mulheres que são vítimas de violências psicológicas, econômicas -, com aquela propaganda, me dizem: "Ai, Dra. Zenaide, eu acordei. Eu já sofri isso muitas vezes". E a gente se preocupou, porque, no próprio Ceará, a Lei Maria da Penha não era tão conhecida.
É claro que é uma lei importantíssima e que a gente vem aperfeiçoando, porque vai tendo essas alternativas, ouvindo as pessoas, mas a gente já sabe que, apesar da rigorosidade dessa lei, continuam matando mulheres, agredindo, estuprando. Isso faz a gente repensar e mostrar para a sociedade que a gente pode aprovar a melhor lei do mundo, mas esse programa dessa lei só vai ser efetivado se estiver no orçamento, gente. E algo que eu digo para as mulheres... Sempre dizem assim: "Senadora, quais são as suas bandeiras?". Eu digo: todas - orçamento, tributação, educação, saúde, segurança pública, porque, se eu só estivesse defendendo mulheres, eu já estaria defendendo mais de 50% da população.
E eu vou mais longe: o orçamento, mulheres! Nós precisamos quebrar essa caixa-preta. O orçamento é como se fosse uma coisa a que ninguém tem acesso. Aí eu queria lhe dizer como é o orçamento deste país: está previsto R$5,3 trilhões, mas 50% já fica para serviços e juros de uma dívida que, apesar de estar na Constituição, nunca foi auditada. Aí o que acontece? Esse povo não se senta nem no banco, com a gente, no ano todo, na Comissão de Orçamento, e, no fim, a gente consegue 4% para saúde, 4% para educação e - pasmem, gente - menos de 0,5% para segurança pública. E a gente sabe que sem orçamento não se faz nada.
Então, qual é a nossa luta? Além de convencer que nada substitui o empoderamento da gente... E esse empoderamento vem pela educação, pela saúde, por tudo isso que a gente tem. Então é aquela história: qual é o grande desafio de todas nós? Lutar contra violência, mas também cobrar recursos. E por que não tentar incluir a Lei Maria da Penha no currículo, pelo menos a partir do ensino fundamental II? Conhecimento é poder. Ninguém empodera ninguém sem informação correta.
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Então, peço aqui às meninas do Poder Judiciário, às juízas, que convençam com esse poder de convencimento! Nós não podemos deixar que as mulheres achem que não têm nada a ver com política. Como não temos nada a ver? - se é uma decisão política que diz o nosso salário, quantas horas vamos trabalhar, com que idade vamos nos aposentar. E, se isso ainda não convencer as magistradas e todo mundo, quem é que define o orçamento para a saúde pública, para a educação pública, para a segurança pública e para a assistência social?
Estou desejando aqui a vocês um grande debate. Eu disse que a lei poderia contrariar, mas eu não li. Eu fui médica de pronto-socorro por muitos anos, e a gente tentou, com muita luta - eu acho que eu ainda era Deputada -, convencer que as medidas protetivas poderiam ser feitas pelo agente policial, porque nem todas as comarcas têm acesso a juízes e tudo. Mas isso é um debate, aqui é um Parlamento. É importante que se ouçam os lados. De repente, a Senadora Zenaide olhou assim por cima e viu só isso aí, como médica que trabalhou em pronto-socorro.
Mas queria dizer o seguinte: temos que empoderar as mulheres, porque, apesar de a violência estar em todas as classes sociais, a gente sabe que a maioria são mulheres de periferia, negras e pobres. O que me chama a atenção é que o Estado brasileiro - como com adolescentes também, que a gente lida, porque a gente lida muito... Jussara, as mães daquele pessoal do Rio de Janeiro, quando aparece a redução da maioridade penal, o que é que elas me dizem: "Senadora, nenhum filho nosso dura mais do que 24 anos", ou seja, eles são os joguetes. Como o magistrado está aqui - você, juíza -, é de uma crueldade esse Estado brasileiro, em nenhum nível, oferecer uma educação pública de qualidade, em tempo integral para todos, não oferece saúde... E esse próprio Estado é quem joga à deriva essas crianças e adolescentes, como se fossem meros criminosos. E a gente sabe que se fosse para julgar mesmo: "Ele chegou a isso por quê? Porque não teve uma escola de tempo integral". Porque a gente sabe que se botar criança e o adolescente numa escola de tempo integral, o crime não vai cooptar facilmente - é claro que vai ter uma percentagem, não é?
Um bom evento para vocês e tudo de bom!
Parabéns, minha amiga Augusta! Prestação de conta pública. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Augusta Brito. PT - CE. Fora do microfone.) - Parabéns, viu?
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco/PSD - RN. Fora do microfone.) - Vamos lá, mulheres, para a política!
A SRA. PRESIDENTE (Augusta Brito. PT - CE) - Obrigada, eu quero parabenizar mais uma vez a Senadora Zenaide e, ao mesmo tempo, também parabenizar a Relatora, a Deputada Federal Luizianne Lins, por esse período em que fez o trabalho de relatoria. Então, esta Comissão, que é mista entre Câmara Federal e Senado Federal, realmente funciona, está a prova aí no relatório. E a gente aqui com essa missão, tanto eu como a nossa querida Deputada Rosangela, que acabou de chegar, autora da audiência pública que a gente vai já iniciar - só vou pedir a ela para a gente fazer duas deliberações, que a gente tem que fazer aqui antes de convocar a nossa audiência pública.
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Como nossa Comissão ficou por um certo tempo parada, porque eu estava de licença, eu queria aqui hoje - antes de deliberar sobre a aceitação ou não dos requerimentos de audiência pública, protocolados - fazer um registro muito especial, porque nós estamos no mês de agosto, o mês que comemora os 18 anos da nossa querida Lei Maria da Penha. Eu, como uma boa cearense, tenho o prazer de conviver, em muitos momentos, com a própria Maria da Penha e de escutar da própria Maria da Penha todo o sofrimento e a dor que ela teve, mas, sobretudo, a lição que ela dá para cada uma de nós, de que foi com muita luta, com muito sofrimento. E ela nunca está ali falando, se queixando do que ela passou e se fazendo de vítima sobre isso. Muito pelo contrário, ela criou uma força, que ela mesma diz, para que outras mulheres também não passem pelo que ela passou.
Então a gente tem muito orgulho da nossa Maria da Penha, a gente tem muito orgulho do nosso país por ter, eu vou dizer assim, aceitado a provocação - não vou nem dizer que foi iniciativa - de ter, realmente, essa lei hoje, independentemente de como ela tenha sido imposta e em que circunstâncias ela foi construída. Para acontecer, infelizmente uma mulher teve que sofrer tanto. Isso é só o exemplo de tantas outras marias da penha que não tiveram a mesma oportunidade que ela teve, de buscar ajuda fora, para que a gente pudesse aprovar uma lei tão importante para o nosso país hoje.
E, falando assim, eu queria aqui pedir permissão... São cinco minutos de um vídeo que o próprio Senado aqui produziu, com a nossa Maria da Penha, para que a gente possa fazer também... Eu digo que é uma homenagem, mas é muito mais: para a gente chamar atenção de que a gente ainda precisa não só da lei ter sido aprovada, estar em execução, mas como a própria Maria da Penha sempre diz, a gente precisa botar, efetivar todos os artigos de que trata a lei, desde o primeiro capítulo, que fala da prevenção, que eu acho que é o que a gente precisa ainda intensificar mais, para que realmente ela aconteça. Na lei não existe só a punição do agressor, a gente tem que pegar a parte do primeiro capítulo que trata especialmente também da prevenção, que é o que nos interessa mais ainda do que só punir, mas prevenir para que as violências não continuem acontecendo.
Então queria pedir aqui permissão a vocês, à nossa Deputada autora da audiência, para a gente passar esse vídeo e aprovar os requerimentos. Logo mais, a gente começa a audiência para ter o prazer de ouvir aqui as nossas convidadas, está bom?
Vamos aqui... Pode passar o vídeo.
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(Procede-se à exibição de vídeo.)
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A SRA. PRESIDENTE (Augusta Brito. PT - CE) - É mais para a gente sempre relembrar a importância desta lei, a Lei Maria da Penha, tantas marias já se utilizaram dela e, com certeza, já conseguiram também prevenir o feminicídio. Nós estamos na grande luta do feminicídio zero, que é realmente o que seria justo, obviamente, se a gente tivesse uma sociedade justa, se tivesse uma sociedade sem machismo, em que a gente respeitasse uns aos outros. É fácil quando se fala e difícil quando a gente vem de uma construção machista.
Vendo esse vídeo, a gente vê que sempre botaram a mulher - e eu vejo aqui juízas, promotoras, profissionais, assessoras parlamentares, enfim -, sempre a mulher foi botada para estar na vida privada. E, quando a mulher vai e decide participar da vida pública, é muito pesado, é pesado para todas. A violência política acontece, a gente vive todo dia, toda hora aqui presencialmente. A violência acontece em todos os espaços que a mulher queira realmente ocupar sendo a protagonista daquele espaço, seja como juíza, seja como Deputada, Senadora, enfim, como secretária.
Estamos com a Secretária Executiva de Mulheres do Estado do Ceará; nossa juíza também do Ceará, que nos dá a honra de estar aqui presente.
Eu quero dizer que não é fácil para nenhuma, mas é prazeroso quando a gente consegue ocupar esses espaços de destaque, de decisão, de poder, e fazer com que outras percebam que podem ocupar esse espaço também. Então, não é uma luta individual, nunca foi e nunca será; a nossa luta de mulheres por direitos, por viver sem violência, por viver de forma livre, sempre foi e será coletiva. A gente sente a dor da outra, verdadeiramente, porque a gente passa e sabe quem está passando aquilo e sabe como a outra também pode sofrer e sofre com qualquer tipo de violência.
Eu digo muito que, infelizmente, todos os tipos de violência que estão citados dentro da Lei Maria da Penha... Eu, infelizmente, não conheço uma mulher na minha convivência, no meu ciclo de convivência - para não ser bem ampla, queria dizer, no mundo, no Brasil, não sei -, que não tenha sofrido na sua história de vida algum tipo daquelas violências, que seja patrimonial, moral, sexual, violência física, psicológica. Então, eu não sei se em algum momento da sua vida você já não passou... Eu fico pensando, acho que todas as mulheres, infelizmente, já passaram por algum tipo dessas violências.
É triste falar isso, mas ao mesmo tempo é bom poder falar disso, porque antes a gente nem podia. Então, quando a gente não se percebia e não sabia o que era violência, a gente naturalizava e passava como se fosse despercebido. A gente não pode mais conhecer o que é violência e, a partir desse conhecimento que a gente tem, permitir ficar dentro dela, porque é muito mais doloroso. A gente não pode se permitir e nem permitir que outras também conheçam, saibam o que é a violência e achem que mereçam, ou que realmente tem que ser daquela forma, ou que elas têm culpa de ocupar um espaço público. Muitas mulheres relatam que têm culpa de estarem se destacando, porque, às vezes, o seu companheiro não consegue o mesmo destaque que ela. Então, a gente tem que parar de se culpar pela nossa capacidade e verdadeiramente se sentir pertencente a esse espaço que pode ser ocupado, sim, por todas nós mulheres. Esse espaço não é de A ou B, homem ou mulher, esse espaço é nosso, e a gente tem direito de ocupá-lo.
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Eu disse que não ia falar tanto, que eu quero muito ouvir aqui as convidadas, mas só rapidamente dois requerimentos para a gente aprovar aqui... (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Augusta Brito. PT - CE. Para encaminhar.) - Três, é verdade.
O primeiro requerimento.
2ª PARTE
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 10, DE 2024
- Não terminativo -
Requerimento de audiência pública com o objetivo de debater sobre ferramentas de combate à violência política de gênero considerando o papel de diferentes órgãos em um diálogo interinstitucional.
Autoria: Senadora Augusta Brito (PT/CE)
É uma ideia para que a gente possa fazer...
Vou até aproveitar aqui porque estou vendo a nossa Deputada - e há juízas também, como ela -, para falar de uma sugestão, talvez um requerimento que possa surgir desse debate, de uma Comissão que a gente possa ter para falar sobre ações para o combate à violência política de gênero, especialmente nesse período eleitoral.
A gente sabe que está todo mundo muito atarefado pela questão eleitoral, mas é fundamental que a gente possa ter essa Comissão e dessa Comissão, se possível, como a gente fez no Estado do Ceará, um pacto nacional do combate à violência política de gênero.
A nossa ideia e sugestão - tudo está sendo construído, e é por isso que tem que ter uma audiência pública para a gente ouvir... Aí a gente quer botar o TSE junto do pacto, obviamente, o Ministério Público, a OAB, os partidos políticos, e várias instituições para que a gente possa fortalecer o pacto e que esse pacto, transformando-se em nacional, vá para os estados, através do TRE, através dos Ministérios Públicos estaduais... Enfim, é uma sugestão que a gente vai debater e discutir nessa audiência pública para realmente tentar viabilizar o mais rápido possível.
O outro requerimento...
Eu vou ler todos os requerimentos, e depois a gente os aprova de forma conjunta, tá?
2ª PARTE
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 11, DE 2024
- Não terminativo -
Requerimento de audiência pública para tratar dos 18 anos de vigência da Lei Maria da Penha e promover um amplo debate sobre a efetividade da lei, identificar os avanços alcançados, as dificuldades enfrentadas e as melhores estratégias para sua implementação e interiorização em todo o país.
Autoria: Senadora Augusta Brito (PT/CE)
Requerimento de audiência pública para tratar também os 18 anos de vigência da Lei Maria da Penha e promover um amplo debate sobre a efetividade da lei, identificar quais são os avanços que foram alcançados e as dificuldades, para que a gente possa, através também desse debate, ver como o Senado Federal pode, junto com a Câmara de Deputados e Deputadas, fortalecer para que a gente corrija algumas diferenças e erros.
2ª PARTE
ITEM 3
REQUERIMENTO DA COMISSÃO PERMANENTE MISTA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER N° 12, DE 2024
- Não terminativo -
Requerimento de Audiência Pública com o objetivo de debater o Projeto de Lei nº 4842/2023, que altera a Lei nº 14.448, de 9 de setembro de 2022, para “instituir campanha permanente de conscientização em arenas esportivas e respectivas transmissões dos eventos para a prevenção e o enfrentamento da violência contra a mulher”.
Autoria: Senadora Augusta Brito (PT/CE)
Todos de minha autoria.
Quero botar agora todos em votação simbólica, de forma global.
Em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, em votação. (Pausa.)
Todos os três requerimentos de audiência pública foram aprovados.
Agradeço a todas as Deputadas e Senadoras que os aprovaram.
E, agora, dando continuidade, vamos...
Com muito prazer, eu quero, antes de já passar aqui a Presidência para a nossa autora do requerimento da audiência pública... E eu quero já deixá-la responsável até para montar a mesa. Eu e a Senadora Jussara vamos ficar ali assistindo e ouvindo com o maior prazer, para ver se a gente pode contribuir também com esse debate que nós achamos fundamental, essencial, para que a gente possa também fortalecer essas ações, através desta audiência pública, para que saiam daqui encaminhamentos, diante do que for discutido e decidido aqui com o coletivo, para que a gente possa dar encaminhamento, seja apresentando projeto de lei, seja realmente reivindicando, de alguma outra forma, a melhor maneira de garantir realmente a segurança de todas nós mulheres.
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A gente não pode fazer de conta que não existe violência, a gente não pode fazer de conta que está tudo bem se a gente realmente não está segura. Infelizmente eu digo que o nosso sonho e a nossa luta vai ser sempre ver um dia todas as mulheres serem livres: livres no sentido de não ter medo de andar na rua escura e ser estuprada; livre para poder realmente decidir escolher o espaço em que ela queira estar, independentemente de como ela queira se vestir ou como ela queira falar - se é alto ou baixo -, se comportar, enfim, sem nenhum tipo de julgamento.
Eu sei que demora ainda um pouco, mas felizmente também temos tantas mulheres que nos antecederam que estão nos dando a oportunidade de estar hoje aqui para poder falar sobre esse assunto, para poder falar de tantos outros preconceitos, enfim, de tantos outros tipos de machismo que foram criados e repetidos, muitas vezes até por nós. Porque eu digo muito que, esse machismo estrutural, a gente tem que primeiro se reconhecer dentro dele, e aí, no momento em que a gente se reconhece, talvez repetindo ações que eram para nós naturais e normais, a gente vai começar a desconstruir verdadeiramente.
Então é isso que eu procuro fazer todo dia, me reconhecer dentro do que eu fui criada dentro realmente do machismo, para, então, desconstruir. Então primeiro, quando eu sei que tem, eu desconstruo, eu acredito que a gente consegue assim.
Então que seja uma ótima audiência pública. Vou ficar aqui ouvindo, quero aqui com muito prazer, na nossa Comissão aqui mista, mista porque tem Deputadas e Senadoras, isso aproxima também o Congresso Nacional, as nossas decisões. Já tive o prazer de ser Relatora de um projeto de lei da Deputada, no qual eu tive o prazer de poder compartilhar e decidir, discutir sobre o projeto e aperfeiçoar com toda a nossa - eu diria assim - articulação política, mas com a nossa sensibilidade também. Enfim, conseguir fazer aprovar um projeto que fosse bom para todas, especialmente para todas e todos.
Então eu quero aqui passar agora e dizer que eu e Jussara vamos para lá, não é, Jussara? Ou você... Eu vou deixá-la conduzir, aí você pede a sua fala?
A SRA. ROSANGELA MORO (UNIÃO - SP) - Você pode ficar muito à vontade aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Augusta Brito. PT - CE) - Não, mas nós estamos, é porque eu quero botar aqui as convidadas, não é, que você vai chamar; então, eu vou passar aqui a Presidência agora para a autora do requerimento da audiência pública, nossa Deputada Federal Rosangela, que poderá fazer aqui uma ótima audiência.
A SRA. ROSANGELA MORO (UNIÃO - SP) - Obrigada, Senadora. (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Então, boa tarde a todos, todas. É um prazer muito grande estar aqui no Senado, nesta Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher.
Eu quero deixar os meus agradecimentos pela acolhida nesta Comissão, ao mesmo tempo em que eu cumprimento a Senadora Augusta Brito, Presidente da Comissão; a Senadora Jussara; a Senadora Zenaide; e as parabenizo pelo brilhante trabalho de estar conduzindo aqui a Comissão com esse tema, que é tão importante para todos nós, não todas nós mulheres, mas todas nós mães, irmãs, filhas e toda a sociedade.
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E, cada vez que eu vou falar da violência contra a mulher... E, neste ambiente aqui, hoje, talvez majoritariamente feminino... Já somos majoritariamente um país feminino, de acordo com os dados. Nós, como mulheres, acima de tudo, vivenciando esses números que muito nos assustam, vivenciando essas violências a cada dia, seja física, seja emocional, seja psicológica... Sobretudo a psicológica, que não nos deixa um roxo no rosto, mas que nos deixa um roxo na alma, que às vezes dificulta um olhar do lado que possa estender a mão, não porque não queira, mas porque não está vendo, porque não é perceptível. Acho que cada uma de nós que sofre violência sofre, cada uma a sua maneira. Como mães, como filhas, nós temos a obrigação de criar homens melhores. Se nós somos mãe de meninos, nós temos uma excelente oportunidade de mostrar que eles não precisam fazer parte desse número que hoje tanto nos assusta.
De novo, agradeço a acolhida.
Quero dizer que vi a Maria da Penha... Eu não pude conhecê-la pessoalmente, mas eu li o livro dela - não sei quem aqui teve a oportunidade de ler a obra dela -, e uma das partes que mais me tocou foi que, mesmo ela estando quase perdendo seus sentidos, hospitalizada, a grande preocupação dela era como estariam os filhos, aquele sentimento de mãe que ninguém nos tira. Então, quem não teve a oportunidade de ler... É uma obra triste, podemos dizer, temos que reconhecer que sim, mas é uma obra que nos mostra quão lutadora ela foi em cada um dos momentos em que ela foi espancada pelo seu companheiro.
Dentre as pessoas que nós vamos convidar, uma, infelizmente, não pôde estar presente, até porque ela está se submetendo a novos procedimentos, pois ela é uma pessoa que sofreu violência doméstica do seu companheiro e passou por mais de 200 cirurgias. Ela é um caso que eu sempre gosto de trazer: ela é a nossa querida Barbara Penna. Foi um caso que comoveu o Brasil e que os jornais reportaram, e a sociedade ficou em choque. Para quem não conhece, é sempre bom lembrar que a Barbara tinha um relacionamento com um rapaz, ela tinha dois filhos pequenos, morava em Porto Alegre; um dia, ele chegou alterado, ela estava dormindo, ele a espancou e, não satisfeito, pôs fogo no apartamento; o vizinho de 70 anos foi tentar socorrer, mas os filhos morreram queimados no incêndio, e o vizinho de 70 anos morreu queimado no incêndio; e, não satisfeito com toda essa brutalidade, ele a joga da janela do terceiro andar. A Barbara - até emociona, vocês vão vê-la - superou muita dificuldade, é uma menina linda que está refazendo sua vida depois de ter perdido tudo, mas ela não perdeu a fé e não perdeu a vontade de lutar. Então são histórias assim inspiradoras. E ela, com toda essa experiência dela e com esse sofrimento dela, tenta nos mostrar quão difícil é e o que pode ser feito.
E, tendo conhecido a história da Barbara, eu ainda nem era Deputada, eu me solidarizei muito. Eu já conhecia de televisão, mas eu a conheci pessoalmente e me solidarizei muito com a história dela. O agressor, então, foi preso, mas, com o agressor preso, ela ainda se sentia ameaçada pelo agressor, porque ora a família do agressor, ora o advogado do agressor fazia um trabalho de leva e traz, intimidando-a ainda, mesmo ele estando preso. E aqui, entre aspas, esse advogado do agressor é tão criminoso quanto; não é um advogado, ele é uma pessoa que se presta a esse papel. E, estando com toda aquela fragilidade, passando por todas essas cirurgias ainda, depois de anos se recompondo fisicamente e emocionalmente - não sei quando a ferida emocional vai estar 100% curada, porque o laudo médico da imagem não vai mostrar isso para ninguém em nenhum momento -, ela se sentia muito amedrontada.
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Eu ainda não era Deputada, e o Sergio Moro, hoje Senador, também não era Senador, e a gente minutou um projeto de lei. Conversamos com a Senadora Soraya Thronicke, que era Senadora e continua no Senado, que, de pronto, encampou o projeto, para que a gente possibilitasse que o agressor cumprindo pena, se a vítima ainda se sentisse ameaçada, pudesse ser transferido para outra jurisdição. Eu acho que isso agrega bastante.
Essa questão da violência doméstica - nós vamos ter a oportunidade de conhecer a Barbara - é difícil de reconhecer, mas é uma coisa assim... O mundo majoritariamente é masculino. Até o Código Civil... Eu sou formada em Direito em 1996, eu estudei pelo Código Civil de 1916, porque só foi alterado em 2002, e, até lá, a mulher saía do colo do marido e ia para o colo do pai; ela era tratada como um dote, era tratada como propriedade. Você não podia se casar sem autorização de um pai, você não podia votar, você não podia ser empreendedora, ter seu próprio negócio, assumir seu emprego se você não tivesse autorização. E 2002 foi ontem, gente. Então, olhando retrospectivamente, a gente avançou em muita coisa, mas a gente tem que muito avançar. E tudo isso para dizer que este modelo antigo, essa visão, essa cultura do patriarcalismo, que nos submete assim como coisa, ora de pai, ora de marido, ainda tem resquícios. Eu não posso dizer e nem seria leviana de dizer que a violência que a gente sofre é resquício disso.
Vamos ouvir as partes que tem expertise técnica para falar disso, mas eu posso dizer que, como consequência, a gente sofre, sim, de violência de gênero, seja na política, seja fora da política, seja na escola ou no ambiente de trabalho, e ela se repercute e se reflete nos mais diferenciados momentos. Isso é uma coisa que a gente tem que corrigir.
Eu também costumo dizer que, pelo que eu pude estudar, pelo que eu conheço, pelos contatos que eu tive com o tema, na violência contra a mulher a pessoa, o agressor, não chega em casa de um dia para o outro e resolve que vai espancar a mulher. Há um caminho, há sinais que ele vai demonstrando. Então, quando a gente... Claro, a gente respeita a intimidade de todas as pessoas, mas a gente, como mulher, tem que estar atenta. Por exemplo, se tem uma colega de trabalho que está faltando muito no trabalho, será que não pode ser um caso de agressão? A gente tem que ficar atenta. Eu quero dizer que a gente tem que sempre, com esse nosso cuidado feminino, olhar mais para o lado e ver as pessoas como elas realmente são e, claro, sempre tentar estender a mão por um caminho jurídico, por um caminho profissional, para que a pessoa saia o quanto antes desse círculo vicioso de violência, porque, quanto mais tempo ela fica, mais difícil é sair. E um dos caminhos, claro, a gente tem que sempre tratar isso, é - eu não gosto de usar o termo "empoderar" - dar condições e valorizar o trabalho das mulheres. Então, sempre tentar se cercar... E tem muita mulher capacitada aqui, nem sou eu que preciso dizer.
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Bom, feita essa introdução, eu quero dizer que esta parte da audiência pública é para debater um projeto de lei que eu apresentei.
Eu acredito - na verdade eu só acredito - em política baseada em evidência. Acho que quando a gente se propõe a resolver um problema, a gente tem que ouvir aquelas pessoas que têm uma atuação naquele determinado tema. E, quando eu propus este projeto, eu, de plano, consultei a Associação dos Magistrados, e a nota técnica veio totalmente favorável, sensível a essa demanda, o que me deixou muito feliz, mas não impede de a gente ampliar o debate.
É um tema em que, tendo aqui a Comissão de Combate à Violência Contra a Mulher, representada pelas nossas queridas Senadoras, é um ambiente bem propício. Acho que quanto mais a gente aprofunda o debate, quanto mais a gente discute os diferentes pontos de vista, melhor a gente vai exercer a nossa função aqui dentro do Parlamento.
Este projeto de lei visa a alterar o Código de Processo Penal, para condicionar a uma decisão judicial o arbitramento da fiança naqueles crimes de aplicação da 11.340, que é a Lei Maria da Penha. Por quê? Porque a gente entendeu que seria mais uma camada de proteção para deixar o agressor ainda mais afastado da vítima.
Então, o objetivo da audiência é esse. E, repito, por acreditar em política baseada em evidência, no Estado democrático e no debate, acho que é uma excelente oportunidade para diferentes pontos de vista. Quem não é convidado como expositor, se a gente puder, no protocolo, ouvir as contribuições, há um canal aqui... (Pausa.)
Ah, sim. Vamos seguir o protocolo.
Eu já vou passar o canal, mas vou chamar aqui os convidados para compor a nossa mesa.
Vamos começar então.
Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, Coordenadora-Geral de Garantia de Direitos e Acesso à Justiça, do Ministério das Mulheres; (Palmas.) Vanessa Ribeiro Mateus, Coordenadora da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros; (Palmas.) Symara Motter, membro do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público; (Palmas.) Nataly Rodrigues Marcolino, Coordenadora-Geral dos Direitos de Grupos Vulnerabilizados da Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública. (Palmas.)
Antes de passar a palavra às nossas convidadas, eu comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211.
O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer o uso da palavra por até 15 minutos. Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos para fazerem as suas perguntas ou comentários.
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Exposições iniciais.
Como havia dito, a Sra. Barbara Penna de Moraes Souza, sobrevivente de feminicídio e ativista pelo fim da violência doméstica contra a mulher, não pôde, infelizmente, comparecer à esta audiência por motivo de saúde, mas ela nos enviou um vídeo que será exibido a seguir.
A SRA. BARBARA PENNA DE MORAES SOUZA (Por vídeo.) - Olá a todos.
Meu nome é Barbara Penna, moro em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Devido a uma cirurgia iminente e a sequelas persistentes da violência que sofri, não poderei comparecer pessoalmente. No entanto, envio este vídeo como uma contribuição significativa.
Agradeço imensamente o convite e aproveito para saudar a Presidência da Comissão Mista do Senado e da Câmara Federal no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Saúdo também a Deputada Federal Rosangela Moro, cuja atuação incansável em defesa dos direitos humanos é amplamente reconhecida. Na pessoa dela, estendo meu cumprimento a todos os Parlamentares, representantes de órgãos públicos e entidades presentes.
Para aqueles que ainda não conhecem a minha história, apresento um vídeo que resume minha trágica vivência. Peço que assistam com atenção.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A Sra. Barbara Penna de Moraes Souza: "Eu sou Bárbara Pena, vítima de violência doméstica em 2013. Hoje, sobrevivente e ativista contra violência doméstica. Depois de uma discussão por não querer continuar o relacionamento, eu optei por dormir. Fui acordada sendo espancada. Meu ex-namorado me arrancou do sofá-cama da sala, me puxando pelos cabelos. Nesse momento, eu acabei desmaiando. Acordei com o cheiro do álcool e logo em seguida percebi que o meu corpo estava sendo queimado, eu já estava em chamas. E fui para a área de serviços gritar por socorro. Nesse momento, ele veio atrás de mim e me jogou do terceiro andar. Um idoso, Sr. Ênio, morador do prédio, escutou meu desespero e chamou pelos meus filhos e tentou salvá-los. Ele acabou não resistindo por inalação da fumaça e morreu ainda no corredor. Quebrei os pés, calcanhares e tornozelos, aprofundei o fêmur na bacia, esmaguei três vértebras, aprofundei o crânio. A ambulância chegou, colocaram eu e ele juntos. Ele a todo momento debochava de mim. O delegado colheu o depoimento do João, e ali ele confessou a autoria dos crimes. Fui levada para a UTI, onde eu fiquei em coma, por quase dois meses. Após quatro meses internada, quando eu estava quase ganhando alta, eu recebi a pior das notícias: meus filhos, meus anjinhos, Isadora de dois anos e sete meses, e Henrique, de apenas três meses, faleceram pela inalação de fumaça que o próprio pai provocou. Como resultado da tentativa de homicídio, eu tive 40% do corpo queimado, corpo desfigurado, diversas fraturas. Já realizei mais de 200 cirurgias e ainda faltam algumas nos seios. Depois de três anos da tragédia, eu ainda caminho com dificuldade, faço fisioterapias e tratamento psicológico. Minha vida foi destruída. Dói muito olhar na frente do espelho e ver que ainda existem marcas. Mas o que mais me dói é saber que, por mais que eu faça algum procedimento, eu nunca vou conseguir ver meus filhos de novo. Apesar de toda essa tragédia, eu luto por justiça. Não só por mim, mas pelos meus filhos, pelo Sr. Ênio, por todas as mulheres que já sofreram algum tipo de violência e por todas que infelizmente não estão mais aqui para contar suas histórias. Violência contra a mulher, não disfarce: denuncie! Sua história pode ter um desfecho diferente da minha".
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A SRA. BARBARA PENNA DE MORAES SOUZA (Por vídeo.) - O vídeo retrata brevemente o sofrimento que eu enfrento como vítima e ativista. Em meu caso, já realizei 253 procedimentos cirúrgicos pelo SUS e ainda necessito de vários outros. Infelizmente, frequentemente, o SUS enfrenta falta de materiais e a assistência à mulher vítima de violência doméstica muitas vezes é negada, apesar de a lei garantir prioridade a essas mulheres.
Estou sob medida protetiva de urgência devido às ameaças recebidas do meu algoz, que ainda se encontra preso, responsável pela morte dos meus filhos. Minha luta não é apenas contra a dor pessoal, mas também contra o sistema, que ainda falha em proteger as vítimas adequadamente. Apesar de um reconhecimento internacional do meu ativismo, enfrento constantes bloqueios resultantes do machismo estrutural nos órgãos públicos. Muitas mulheres que tentam fazer a diferença são silenciadas e marginalizadas.
Atualmente, estou promovendo um abaixo-assinado para a alteração da Lei Maria da Penha, com o objetivo de tornar a lei mais punitiva para o agressor e mais protetora para as vítimas. Reunimos quase 970 mil assinaturas e estamos próximos de alcançar nosso objetivo.
O tema dessa audiência pública é de extrema importância. Cumprimento novamente a Deputada Rosangela Moro pela escolha do tema, pois em um país marcado por desigualdades, não podemos permitir interpretações subjetivas por parte dos agentes de segurança em relação às garantias dos agressores. É inadmissível estipular o pagamento de fiança para crimes contra as mulheres, mesmo que não ultrapassem quatro anos de pena. A violência contra a mulher frequentemente se inicia com agressões menores, como ofensas e violência psicológica, e pode evoluir para o feminicídio. Se incentivamos as denúncias desde o início das agressões, como podemos afirmar que protegemos a vítima se o agressor pode pagar uma fiança e continuar a ameaçar a mulher, forçando-a a se esconder?
Os magistrados da vara de violência doméstica, responsáveis por expedir as medidas protetivas, possuem a expertise necessária para entender os riscos enfrentados pelas vítimas e devem estabelecer diretrizes de proteção adequadas. No entanto, para que isso aconteça, o Legislativo deve garantir a adequação jurídica através de leis apropriadas.
Como vítima que continua a sofrer ameaças quase 11 anos após a tragédia, mesmo com o agressor preso, estou convencida de que a legislação que permite a fiança em casos de violência contra as mulheres deve ser revogada. Essa lei, que remonta a 1941, precede a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, e a nossa Lei Maria da Penha, de 2006, está desatualizada em relação às necessidades atuais de proteção das vítimas. O Projeto de Lei 2.253, de 2023, representa um avanço crucial na proteção das mulheres. Precisamos olhar não apenas para as vozes das vítimas que foram silenciadas pela violência, mas também para as sobreviventes que enfrentam desafios psicológicos e físicos.
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Acredito firmemente que projetos de lei como este e muitos outros necessitam de mais vozes para amplificar o clamor das vítimas em nosso país.
Agradeço profundamente a oportunidade de compartilhar minha experiência e luta pelos direitos humanos das mulheres e suas famílias. Encerro minha participação reiterando minha disposição para colaborar e continuar atuando na linha de frente pela igualdade, segurança, pelo fim dos feminicídios e suas tentativas. Por fim, cito uma frase que criei e sempre repito: "entre um homem e uma mulher, só o coração pode bater".
Um grande abraço a todos, sigamos juntos na luta até que não haja mais mulheres vítimas dessas barbaridades. Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - É emocionante, não é?
Bom, sem mais delongas, vamos ouvir as nossas convidadas.
Com a palavra, Dra. Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, Coordenadora Geral de Garantia de Direitos e Acesso à Justiça do Ministério das Mulheres.
A SRA. SANDRA LIA LEDA BAZZO BARWINSKI (Para expor.) - Boa tarde.
Eu cumprimento... vou começar pela Senadora Augusta. É uma honra estar aqui, Senadora. Estivemos recentemente lá em Fortaleza, acompanhei a Ministra numa visita ao Governador Elmano justamente para tratar do caso Maria da Penha.
Senadora Zenaide acho que já foi.
Senadora Jussara, Deputada Rosangela, colegas de mesa, tem mais mulheres aqui presentes, alguns homens também, boa tarde.
Primeiro, quero dizer que eu trago um abraço da nossa querida Ministra Cida Gonçalves, que está aí nas atividades do Agosto Lilás, pelo movimento Feminicídio Zero, uma intensa atividade, e a agenda dela está bastante complicada. Então, trago aqui o abraço e o respeito dessa nossa querida Ministra Cida Gonçalves.
Eu vou falar como Coordenadora Geral de Acesso à Justiça da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, mas eu não posso tirar de mim a trajetória, a minha bagagem, que inclui a OAB Paraná. Sou advogada e também fui Coordenadora Nacional do Cladem Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres), que foi a organização que levou o caso Maria da Penha para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e também integra o Consórcio Lei Maria da Penha. E, aí, me solidarizo com o sofrimento de Barbara e de tantas outras mulheres.
E até essa visita ao Ceará deveu-se justamente aos ataques que Maria da Penha, mesmo depois de tudo, depois de transitar em julgado um processo criminal, mesmo depois de ter sido apreciado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ainda hoje - ainda hoje - sofre uma campanha de desinformação e de todo tipo de ataque misógino. A gente vê aí, nas redes sociais, dizendo desde que ela não sofreu a violência até que o processo foi um erro, enfim, uma série de absurdos. Então, isso tem acontecido, tem acontecido muito gravemente. E isso é reflexo da nossa violência machista, misógina.
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Vou também iniciar registrando que farei apenas reflexões preliminares de quem estuda violência de gênero e não efetivamente com posicionamento do Ministério das Mulheres, porque esse projeto de lei ainda não chegou para análise formal do Ministério das Mulheres. Então, são reflexões e eu pretendo efetivamente não concluir, mas deixar alguns pontos para a análise.
A Lei Maria da Penha, em seu art. 6º - e eu acho que esse é um artigo que tem sido esquecido pela atores do sistema de justiça, enfim, de forma geral -, traz, em meu entender, talvez a disposição mais relevante de todas: "A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos". Parece algo básico, mas a gente precisa repetir: a violência contra a mulher, violência doméstica e familiar contra a mulher é violação de direitos humanos. E não é à toa que a Lei Maria da Penha é toda fundamentada não só nos direitos fundamentais constitucionais, §8º do art. 226 da Constituição Federal, como na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. O primeiro artigo da Lei Maria da Penha já faz referência a essas disposições, a essas normativas. Então é, a partir daí, que nós precisamos ler, interpretar e aplicar toda a normativa nacional que diz respeito à violência contra as mulheres, violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Observando, e aí vem um pouquinho já de uma pré-análise do projeto de lei, Deputada, observando a tramitação, eu vejo que o PL 2.253, de 2023, tem apensados outros dois projetos de lei: o Projeto de Lei 912, de 2023, que é do Deputado Rubens Pereira Júnior, o Projeto de Lei 6.916, de 2016, da Deputada Érika Kokay, e ainda tem como referência, tem apensado o próprio projeto de lei do novo - que já está quase velho - CPP (Código de Processo Penal), que é lá de 2010. Esses três PLs têm, e aí vou me referir só aos três, algumas diferenças.
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O Projeto de Lei 6.916, de 2016, veda a concessão de fiança nos casos dos crimes cometidos contra a mulher. E, no seu art. 1º, veda a possibilidade... Desculpe, no art. 2º, vai dizer que... Ele altera o 323 do Código Penal, incluindo, então, um inciso IV, para envolver todos os crimes, todos os crimes envolvendo violência contra a mulher, sejam eles praticados no âmbito doméstico ou não.
Devo dizer que eu tenho uma certa... Aqui, uma reflexão prévia, esse "ou não", pode sugerir uma inconstitucionalidade. No momento em que eu coloco todos os crimes de violência contra a mulher, independentemente a quais eu estou me referindo, eu posso estar violando o princípio da isonomia. E aí, volto a dizer, reflexão prévia.
O Projeto de Lei 912 vai restringir, então... Ele altera também o art. 322, mas ele o restringe ao art. 129, lesão corporal, certo? E aí, também, quando se tratar de lesão corporal, na hipótese de prisão em flagrante, no crime previsto no 129, XIII, ele vai dizer que a fiança apenas será arbitrada pela autoridade judicial, que poderá ou não conceder.
E aí, o projeto de lei da nossa Deputada aqui, Dra. Rosangela, já altera o 322 do CPP, para inserir os crimes de violência doméstica e familiar, 11.340, e demais casos. Eu acho que esse "e demais casos" talvez fique perdido aqui, doutora. Vou fazer alguns comentários prévios, como eu lhe disse.
Muito bem. Quando eu falo, então, e voltando aqui um pouquinho ao que eu iniciei, para trazer à reflexão e talvez para... Porque me preocupa muito, e não só a mim, mas consórcio Lei Maria da Penha, que é de onde surgiu a redação da Lei Maria da Penha, a redação inicial à proposta da lei, que veio a se tornar Lei Maria da Penha, é justamente com o excessivo rigor ou com um punitivismo talvez não justificado. E aí, vou explicar por quê.
Primeiro, porque a recomendação 35, eu estava falando lá, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que é a Convenção Cedaw, lá, em 1994, acho que agora já esqueci até a adoção, foi em 1994, isso cadê? Alguém me socorre aqui que fugiu. Mas enfim, nós não falávamos em violência... Não, foi 1980, eu estou confundindo aqui. Foi 1980. Lá, à época, a gente não falava em violência contra a mulher, por isso que ela só fala de discriminação.
Aí nós tivemos a interpretação, que foi a revisão dada pelo Comitê Cedaw, a recomendação geral 19, que foi atualizada agora, recentemente, pela Recomendação 35. E ela traz no §31 a recomendação de que os Estados implementem medidas protetivas para abordar os fatores que aumentam o risco das mulheres a formas mais graves de violência de gênero.
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E aí a recomendação coloca: a disponibilidade de armas de fogo. E aqui a gente tem visto, em toda a região, em toda a América, um aumento das mortes por arma de fogo, o que não era o comum; antes, nós tínhamos arma branca, esganadura, formas que exigiam contato físico. Agora, aumentou por arma de fogo... Enfim, é só para fazer esse comentário.
A gente teria outras formas também de evitar a violência - é só para falar isso. Ela também traz a necessidade de a gente trazer esforços para controlar esses ataques.
Assim, é necessário - e aí é outra disposição - intervir adequadamente. E aí o que é o "adequadamente"? Talvez essa fiança na delegacia ou arbitrada pelo juízo ou o que seria o mais adequado nos casos de violência de gênero para garantir a proteção adequada... Não se trata tanto da punição, mas da proteção adequada e suficiente. Aí vem o princípio da suficiência, Doutora, na proteção de seus direitos e na prevenção da violência. E compreender intervir adequadamente em casos de violência contra mulher com base no gênero, garantindo uma proteção... Aqui eu já falei da proteção adequada.
E essa proteção, esses meios, esses recursos do sistema de Justiça não podem ser obstáculos ao acesso da mulher à Justiça. E aí vou falar também, bem rapidamente, da Recomendação 33, que é a recomendação sobre o acesso à Justiça. É só para dizer que ela também trata... Eu não vou me ater, porque eu estou preocupada com o meu tempo aqui. (Pausa.)
Aí uma questão que a gente coloca é a interpretação do art. 326 também do Código Penal. A violência doméstica contra a mulher como forma de violação dos direitos humanos precisa ser considerada na aplicação do art. 326. O art. 326 expressa que para determinar o valor da fiança a autoridade judicial... E isso é interessante, porque, quando o art. 326 fala da natureza da infração, é disto que nós estamos falando: a natureza da infração, essa infração é uma violação de direitos humanos.
Era isso que eu queria colocar.
E ainda lembro, por fim, terminando mesmo, que, nas recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no Caso 54, de 2001, que é o caso Maria da Penha Fernandes versus Brasil, a Recomendação 4 é prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica e familiar contra a mulher. Dessa recomendação, o caput já se entende como cumprido, mas o 4B, o 4C, 4D e o 4E, não.
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O 4B vai falar sobre a simplificação dos procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual. E aí nós precisamos pensar: essa fiança, com autoridade policial ou com autoridade judicial, onde ela vai abreviar? Ela vai abreviar?
O estabelecimento de formas alternativas, a 4C...
(Soa a campainha.)
A SRA. SANDRA LIA LEDA BAZZO BARWINSKI - ... seriam as formas alternativas rápidas e efetivas para solução de conflitos intrafamiliares.
Multiplicar o número de delegacias, acredito que a gente já esteja em vias de, e aí a questão da educação, o 4E, como última recomendação, ainda pendente.
Era isso. Essas reflexões que eu queria trazer, como eu disse, não são conclusivas, mas são reflexões para que a gente possa pensar no aprimoramento da legislação, porque, quanto melhor, melhor para as mulheres.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Isso mesmo.
Obrigada, doutora, pela sua colaboração.
Eu quero passar a palavra para a Senadora Jussara, que, diante de uma agenda, vai se ausentar. Antes, quero também registrar a presença da Delegada Katarina, colega da Câmara dos Deputados - obrigada pela presença -; registrar a presença da Delegada Ione, que também precisou se ausentar, espero que logo ela volte.
Senadora, por favor.
A SRA. JUSSARA LIMA (PSD - PI. Para discursar.) - Boa tarde.
Gostaria de cumprimentar a Presidente desta audiência pública, a Deputada Rosangela Moro, cumprimentar a Delegada Katarina, Deputada; cumprimentar todas as mulheres que estão aqui para discutir essa causa, que é tão urgente e necessária; cumprimentar a Dra. Maria Teresa, que aqui se encontra... cadê a Dra. Maria Teresa? Ela já saiu? (Pausa.)
Ela é do Observatório da Mulher aqui do Senado, que tem um trabalho, assim, fantástico, a Dra. Maria Teresa, que muito nos ajuda aqui com relação ao combate à violência contra a mulher.
Quero cumprimentar todas as mulheres que aqui se encontram - os homens também - e dizer que, eu confesso, sinto falta de homens aqui para discutir, de trazer os homens para o debate, porque eu entendo que nós precisamos nos unir cada vez mais com relação a essa pauta tão importante, que diz respeito a nós mulheres, mas os homens deveriam estar aqui conosco para debater conosco essa questão tão urgente e que parte deles. Claro que não são todos, mas a violência contra nós mulheres vem dos nossos companheiros, dos maridos, como falou a Deputada Rosangela, vem dos pais, irmãos. Enfim, seria trazer o homem aqui para junto da gente para debater essa causa, porque eu acredito que ela só será realmente eu não diria resolvida - mas é o que nós pretendemos - quando todos nós, juntos, debatermos esse tema.
E quero falar da importância da Lei Maria da Penha, que está fazendo 18 anos. Ela foi premiada na ONU, é um orgulho nacional para nós brasileiras e brasileiros, como uma das melhores legislações, uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra nós mulheres.
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Eu também, às vezes - como eu sou do interior, sou sertaneja, lá do Piauí -, sinto que muitas mulheres não sabem nem o que é feminicídio. Eu estava até discutindo com a Dra. Carla, porque Dra. Carla é do Rio de Janeiro e é Procuradora de Justiça e Coordenadora do Copevid. E ela tem uma grande experiência sobre isso. A gente estava discutindo, porque muitas vezes elas nem sabem o que é isso, sobre colocar programas até na televisão. "Olha, o que é feminicídio? Feminicídio é isso, isso e isso". Porque muitas vezes não chega lá na ponta. Muitas mulheres do interior agora que estão procurando entender. Não sabem, muitas vezes, o que é sororidade, verticalidade, tantas coisas que, às vezes, elas precisam compreender, coisas bem mais simples, até para que elas tomem coragem e vão lá denunciar seus agressores.
E também eu estava conversando com a Dra. Carla e eu fiquei também encantada com a Casa da Mulher Brasileira. Ela foi inaugurada agora, lá em Teresina, na nossa capital, e eu fiquei, assim, encantada. Como ela é importante para o enfrentamento da violência contra as mulheres. É necessário que as mulheres tomem conhecimento de que existe um lugar, um local que está ali para nos acolher, para nos defender, que é a Casa da Mulher Brasileira. Lá nós temos a delegada, temos a policial, temos dois cartórios dentro da Casa da Mulher Brasileira. Nós temos a defensora pública, a juíza ou o juiz, e são pessoas que têm assim um enorme preparo para o enfrentamento, para cuidar dessas mulheres que chegam tão sofridas com a violência doméstica.
Eu confesso que eu fiquei encantada. Quero parabenizar o nosso Presidente Lula por tudo isso, cumprimentar a nossa querida Ministra Cida, porque ela realmente é uma mulher que tem um trabalho voltado para a violência contra nós mulheres, assim, de uma grandiosidade e uma empatia com relação a esse problema. Ela segura na nossa mão.
Eu também quero dizer algo para vocês: a Primeira-Dama do Brasil, a Janja, é uma mulher que nos defende e muito. Ela é uma mulher que está juntinha de nós, segurando a nossa mão. Para muitos que não sabem, fiquem sabendo que a Janja é uma mulher que nos defende muito.
E aí eu queria agradecer a todas vocês que aqui se encontram. É isso aí, é sororidade, é um dar as mãos - não é? -, nos juntarmos, porque não deixa de ser uma guerra contra a gente. E é um país tão machista - me desculpe usar essa palavra -, que chega a ser um país de cuecas, onde só os homens que decidem as coisas para a gente, não é? E nós é que sabemos, nós é que sentimos, e nós é que temos que estar preparadas para esse enfrentamento. E é isto que eu falo: as mulheres precisam participar mais da política, porque aqui as decisões são tomadas, e geralmente são tomadas por homens. Nós precisamos estar atentas. É isto que eu venho pedindo às mulheres brasileiras: vamos participar da política partidária. Vamos estar aqui no Senado, vamos estar na Câmara Federal, nas assembleias legislativas, nas câmaras de Vereadores, nas prefeituras, porque só assim, juntas e unidas, a gente vai transformar tudo isso.
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Aqui o meu abraço a todas vocês. Eu vou precisar me ausentar - porque vão iniciar agora pautas no Plenário bem importantes para o nosso país -, tanto eu como a Senadora Augusta. Fica aqui o meu abraço e contem comigo, contem com o meu apoio.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Obrigada, Senadora.
Dando sequência, eu vou passar a palavra para a Dra. Vanessa Ribeiro Mateus, Coordenadora da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros.
Dra. Vanessa.
A SRA. VANESSA RIBEIRO MATEUS (Para expor.) - Muito obrigada.
Muito obrigada, Deputada Rosangela Moro, a quem cumprimento. A Deputada Rosangela Moro e a Senadora Augusta Brito, que é a Presidente desta Comissão, cumprimento pela iniciativa na realização deste evento, e a senhora especialmente, pela proposição, pelo projeto que foi apresentado. Para nós, é uma alegria poder vir aqui e participar de um debate como este.
Gostaria de cumprimentar também a Senadora Jussara, que acabou de falar, uma fala muito emocionante. Obrigada, Senadora. Obrigada pelas palavras.
À Deputada Delegada Katarina, que também está aqui presente, muito obrigada. Parabéns pelas suas palavras. As minhas colegas de mesa: a Dra. Sandra Barwinski, representando o Ministério das Mulheres, a Dra. Symara Motter, representando a Conamp, Presidente da Associação dos Promotores de Justiça lá do Paraná; a Dra. Nataly Marcolino, representante do Ministério da Justiça, é uma honra dividir esta mesa.
E eu queria fazer um outro cumprimento, Deputada, muito especial. E vou contar no meu tempo, porque a gente gostaria de fazer um projeto para que os cumprimentos não contassem no nosso tempo, mas eu vou contar no tempo para não tomar o tempo dos colegas.
A senhora falou no começo que, quando a senhora foi apresentar um projeto, a senhora pediu uma nota técnica para a Associação dos Magistrados Brasileiros. Eu queria que a senhora soubesse a importância que a Associação dos Magistrados Brasileiros dá a esse tema e não só a esse tema, a esse relacionamento com o Congresso, porque a gente acredita que as instituições, quando elas andam com bons propósitos e andam unidas, têm a possibilidade, a capacidade e a potência para mudar este país e mudar este país para melhor, e é isso que a associação se propõe a fazer. É lógico que a associação se propõe ao fortalecimento do Poder Judiciário, porque esse é o nosso papel, mas a associação se propõe a colaborar com todas as pautas que dizem respeito à aplicação do direito.
E, para a senhora ter uma ideia do tamanho da importância que a Associação dos Magistrados Brasileiros dá para esse projeto, a gente tem aqui, acompanhando os trabalhos da Comissão, o Dr. Frederico Mendes Júnior, que é o Presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). A gente tem três Vice-Presidentes da associação: a Desembargadora Joriza, do Tribunal do Paraná, que é a nossa Vice-Presidente de Direitos Humanos; a Dra. Julianne Marques, que, além de ser a Vice-Presidente da associação, é a Secretária das Mulheres da AMB; a Dra. Patrícia Carrijo, que é Vice-Presidente da Associação e Presidente da Associação dos Magistrados de Goiás. Temos aqui a Presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo, a Dra. Glícia; o Presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal, o Dr. Carlos Martins - eu já ia falar do Dr. Carlinhos, eu anotei aqui Dr. Carlinhos, mas é o Dr. Carlos Martins -; o assessor da Presidência, Desembargador Luciano Carrasco, que veio do Paraná, acompanhou aqui os trabalhos hoje também do Paraná; e uma participação muito especial. Dr. Fernando Pereira é Promotor de Justiça e ele está aqui representando não só a Associação Paulista do Ministério Público como a nossa própria casa, porque, além disso, ele é meu marido, então ele vem representar também a família. E, para mim, é uma alegria, porque a gente nunca se encontra trabalhando e hoje, coincidentemente, a gente tem a pauta aqui. Então, esse é o tamanho da importância que o Judiciário dá para esta matéria, Deputada. Esse é o tamanho da importância que a gente tem num assunto como este.
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E aí, para iniciar, eu gostaria só de me apresentar. O meu nome é Vanessa Mateus, eu sou Juíza de Direito no Estado de São Paulo. Fui, durante quatro anos, Presidente da Associação dos Magistrados lá de São Paulo - primeira mulher a presidir a associação - e hoje estou na Coordenadoria da Justiça Federal aqui da Associação dos Magistrados Brasileiros, mas eu venho para cá, porque, entre os passos que eu trilhei na minha carreira, eu fui a primeira juíza a instalar o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no Estado de São Paulo, lá nos idos de 2008. Então, foi o primeiro juizado que a gente instalou.
Para a senhora ter uma ideia de como esse número - a Senadora Augusta Brito falou da importância de a gente falar, de a gente trazer números -, quando a gente foi instalar o Juizado de Violência Doméstica, quem me convidou foi o Presidente da então Sessão de Direito Criminal do Tribunal de Justiça, ele propôs transformar uma vara criminal - eram 29 em São Paulo, eram 32 - em Juizado de Violência Doméstica. Os juízes, então, se reuniram e disseram: "não tem a menor necessidade, porque nós não temos casos suficientes de violência doméstica para justificar a criação de uma vara; a gente prefere ter mais uma vara, a gente prefere dividir em 33 do que ter uma Vara de Violência Doméstica". Como não tem casos suficientes? "Não, nós fizemos um levantamento aqui estatístico de todos os processos que tramitam e nós temos 29 processos de violência doméstica em todas as varas".
Falei: "Desembargador Eduardo, eu gostaria que o senhor insistisse, porque do que a gente não tem visibilidade, a gente não tem estatística". No final de um ano, a gente tinha 6 mil processos tramitando na Vara de Violência Doméstica, o que demonstrava que o que a gente não tinha era estatística, o que a gente não tinha era informação.
Então, este debate é importantíssimo, e a gente vem tratar deste assunto depois de sair uma pesquisa do DataSenado que demonstra que 74% da população feminina brasileira tem a percepção de que a violência doméstica aumentou nos últimos anos, 30% das mulheres entrevistadas relatam ter sofrido violência doméstica, ao passo que 68% das mulheres entrevistadas conhecem alguém que já sofreu violência doméstica.
Os dados do CNJ são igualmente preocupantes. A gente tem um aumento de casos novos, um salto de 40% em três anos de casos novos e, no caso do feminicídio, 100% em apenas três anos, de 2020 para 2023. É óbvio que a gente questiona se esses números se referem a um aumento efetivo do número de casos ou ao aumento da notificação. E a gente espera, sinceramente, que a gente tenha um aumento de notificação, decorrente de todas as políticas que são desenvolvidas pela sociedade civil e pelas instituições, mas esse número é muito preocupante, principalmente o feminicídio, porque o corpo a gente não esconde, a gente não tem como esconder um corpo. Quando as estatísticas de feminicídio aumentam, elas são muito preocupantes...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. VANESSA RIBEIRO MATEUS - Nem sempre, não é? Elas são muito preocupantes.
O Poder Judiciário tem agido para tentar reverter esse quadro. O Poder Judiciário tem atuado de forma muito intensa. Desde 2007, um ano após a criação da Lei da Maria da Penha, o CNJ já criou as jornadas da lei Maria da Penha, em que todos os anos são discutidas a lei, as inovações, a forma de aplicação, as estatísticas e como isso vem sendo aplicado nos estados. Três anos depois foi instituído o Fonavid, que é o fórum de discussão da violência doméstica, em que a gente discute as políticas que são aplicadas à interpretação da lei, os juizados, as estatísticas dentro dos tribunais, a estrutura, como isso vem sendo feito.
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Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, que foi um ato muito importante e que envolve todos os tribunais de justiça de todos os estados.
O Poder Judiciário tem se estruturado, tem aumentado ano a ano as varas de violência doméstica, o número de juízes dedicados ao assunto, o número de servidores dedicados ao assunto.
O Protocolo de Julgamento de Gênero, que é absolutamente mal compreendido de uma forma geral, mas tem sido discutido com muita ênfase pelo CNJ e pelo Poder Judiciário, mas essa atuação não pode ser só do Poder Judiciário, tem que ser uma atuação conjunta, tem que ser uma atuação em que a gente chama para nós a sociedade civil e, mais uma vez, eu trago a AMB, com todas as políticas que a AMB tem feito para despertar a sociedade civil a participar das denúncias para que a gente não ache que é uma questão privada, porque não é uma questão privada, é uma questão pública, de política pública.
E, aí, a atuação do Poder Legislativo, Deputada Rosangela, que para a gente é imprescindível para que a gente possa fazer a aplicação de todas essas políticas e aprimorar o enfrentamento a esse problema que é tão sério. O Poder Legislativo não tem se furtado a esse papel, a gente fez uma pesquisa de quantas proposições a gente tinha aqui, e são 417 proposições na Câmara dos Deputados e 39 no Senado Federal, só discutindo questões ao enfrentamento da violência doméstica.
São várias as proposições, a Senadora Augusta Brito falou de uma delas aqui, mas o projeto que a gente discute hoje aqui, especificamente, é o Projeto 2.253/2023, que está apensado ao CPP que tem sido discutido nos últimos anos também, de autoria da Deputada Rosangela Moro.
A gente fez uma pesquisa também, lá em nossa associação, na Apamagis, na associação de São Paulo, e 29% das mulheres que sofreram violência doméstica procuraram órgãos oficiais. E quando a gente fala órgãos oficiais, a gente fala de delegados, a gente fala de Ministério Público, a gente fala de Defensoria Pública ou de OAB, só 29%, o que demonstra subnotificação; 24% relataram só a pessoas próximas, a uma amiga, a um vizinho, a um parente; e 42% não procuraram ajuda de ninguém. E, entre essas pessoas que não procuraram a ajuda de ninguém, 73% disseram que não procuraram ajuda porque eles têm medo do agressor. Então, eles têm medo de que façam a denúncia, o agressor seja procurado e volte para casa.
E aí, Deputada, eu gostaria até de fazer um comentário em relação ao debate promovido pela Dra. Sandra, que foi um debate muito técnico e trouxe muita luz, à luz dos instrumentos internacionais que a gente tem para a discussão do assunto, mas a Dra. Sandra fez uma reflexão se nós estaríamos tratando de rigor excessivo e se seria a proteção adequada e suficiente.
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O que acontece hoje? A legislação só admite a prisão preventiva nos crimes com pena máxima superior a quatro anos, salvo alguns outros casos expressos em lei. Então, quando o agressor preso em flagrante chega ao juiz numa audiência de custódia, o juiz vai analisar se naquele crime cabe prisão preventiva ou não. Se não couber a prisão preventiva, o juiz vai dar a liberdade provisória. Só que, para dar a liberdade provisória, o juiz vai analisar se não estão presentes outros requisitos que preencham ou que permitam o decreto de prisão preventiva, entre eles o risco à segurança da vítima. Então, o juiz precisa analisar se, naquele caso, é possível a concessão de liberdade provisória para garantir se isso não vai colocar em risco a segurança da vítima. Pode ser que não, pode ser que uma medida protetiva seja suficiente, e aí o juiz tem a possibilidade de aplicar uma medida protetiva: de determinar o afastamento do lar comum, de determinar a proibição de contato com a mulher, de determinar a proibição de contato com os filhos. Hoje isso pode não acontecer, porque o delegado pode dar a fiança na delegacia, e esse preso sequer chegará a essa análise do cabimento da preventiva e da liberdade provisória.
Então, Deputada Rosangela, quando a senhora propõe que a fiança seja arbitrada pelo juiz, na verdade, em outras palavras, o que a gente está dizendo é o seguinte: tragam o agressor para a audiência para que o juiz possa avaliar se estão presentes ou não os requisitos da preventiva e se cabe liberdade provisória. Senão, até mesmo antes da liberdade provisória, a fiança pode ser arbitrada numa delegacia de polícia pela autoridade policial, que pode, nos crimes com pena máxima até quatro anos, arbitrar a fiança para que o réu saia solto e volte para casa.
E a Deputada Rosangela falou assim: "a violência nunca acontece de uma vez só, ela acontece ao longo do tempo". A gente fala que são ciclos de violência. A gente tem o ciclo do namoro, o ciclo das flores, o ciclo das agressões verbais, o ciclo da violência psicológica, o ciclo da violência física - aí ele volta para um pedido de desculpas - e um ciclo de lua de mel, que a gente chama, e depois a violência psicológica. Enfim, a violência é feita em ciclos. Quando você devolve o agressor imediatamente para casa com fiança, você está devolvendo no momento da explosão do ciclo da violência e você está contribuindo para a manutenção desse ciclo da violência.
Então, Deputada Rosangela, eu sei que a gente foi chamada aqui para conversar sobre o projeto, que propõe que a fiança seja arbitrada pelo juiz, e eu vou um pouco além. Eu acho até que a gente deveria discutir se cabe fiança, porque nosso objetivo não é deixar todo mundo preso, a gente pode conceder a liberdade provisória independentemente de fiança. A gente não precisa exatamente da fiança para conceder a liberdade provisória, mas só o fato de que a fiança não seja concedida sem que se passe...
(Soa a campainha.)
A SRA. VANESSA RIBEIRO MATEUS - ... pela autoridade judicial já é um avanço imenso no sistema de proteção integral à vítima de violência, que é o nosso objetivo aqui.
Agradeço a atenção, agradeço o convite, agradeço a proposição, agradeço a disposição em discutir o tema. Agradeço o tempo dos colegas que estiveram aqui para acompanhar esse debate, que hoje não está sendo feito só por mulheres, felizmente a gente tem vários homens aqui na nossa plateia.
Muito obrigada e boa tarde a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Obrigada, Dra. Vanessa, pela sua contribuição, por ser pioneira da vara de proteção à violência, por toda essa experiência prática. Eu acho que quem vive na prática, decide na prática e lida na prática tem muito a contribuir. É um objetivo.
Que bom que todos estão aqui.
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Quero saudar todos os membros do Poder Judiciário, Ministério Público, magistrados e magistradas, e eu o farei na pessoa do Dr. Frederico, que está ali escondidinho. Seja muito bem-vindo, Doutor.
Vamos dar sequência, então. Vou passar a palavra para a Dra. Symara Motter, que é membro do Conselho Deliberativo da Associação Nacional do Ministério Público.
A SRA. SYMARA MOTTER (Para expor.) - Boa tarde a todas, boa tarde a todos.
Eu cumprimento a nossa Presidente de mesa, a Deputada Rosangela Moro. É uma alegria muito grande participar deste debate, um privilégio.
Gostaria de cumprimentar também as minhas colegas de mesa, a Dra. Sandra Lia, que eu já conheço, lá do Paraná, porque nós já tratamos de alguns casos juntas.
Também gostaria de cumprimentar a Dra. Vanessa Ribeiro Mateus, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros e, também, a Dra. Nataly Marcolino, representante do Ministério da Justiça aqui nesta mesa.
Para mim é uma alegria muito grande tratar desse tema justamente neste mês, este mês do Agosto Lilás - mês de combate à violência contra a mulher -, no mês em que a Lei Maria da Penha completa a maioridade - vamos assim dizer -,18 anos, no dia 7 de agosto.
Ela é considerada, como a Senadora disse, uma das três melhores legislações de combate à violência contra a mulher do mundo. Entre as 90 legislações que nós temos, no mundo, que tratam sobre o tema, a nossa legislação é considerada o terceiro melhor diploma legal, mas isso não significa dizer que esse diploma não precisa ser aperfeiçoado. Então, este debate hoje é no sentido do aperfeiçoamento do sistema protetivo para as mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica.
Essa proposta do Projeto de Lei 2.253, de 2023, de autoria da Deputada Rosangela Moro, vem ao encontro de uma recomendação - também cumprimento a Dra. Carla, aqui presente, Coordenadora da Copevid, do Conselho Nacional de Procuradoras Gerais; é um prazer tê-la aqui, Doutora - inspirada numa recomendação, inclusive, da Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid) do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Procuradores Gerais - o GNDH do CNPG -, que foi aprovada em 2012. É o Enunciado nº 6, que fala o seguinte:
Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idosa, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada a concessão de fiança pela Autoridade Policial, considerando tratar-se de situação que autoriza a decretação da prisão preventiva nos termos do artigo 313, III, [...] [do Código de Processo Penal].
Então, até este momento que nós estamos vivendo, o ordenamento jurídico brasileiro não tem claramente estabelecido o cabimento ou não de fiança nas infrações penais que envolvam violência doméstica contra a mulher. Existem dois posicionamentos: um de que cabe a fiança diretamente pela autoridade policial, de acordo com o estabelecido no Código de Processo Penal, porque, em sua maioria, as infrações penais praticadas contra a mulher, em contexto de violência doméstica, têm a pena máxima de até quatro anos; e o outro entendimento - que é esse do enunciado - é de que não caberia, porque teria que ter uma análise do cabimento ou não de prisão preventiva, que teria que passar pela autoridade judicial.
Isso não está claro ainda no ordenamento jurídico brasileiro. E, nesse sentido, o seu projeto deixa essa posição muito clara, vedando a concessão de fiança pela autoridade policial.
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Qual é a justificativa disso? Sem nenhum demérito com relação às autoridades policiais, mas nós temos que considerar que os crimes praticados em contexto de violência doméstica precisam de uma análise muito especializada e, via de regra, na maioria das cidades brasileiras, nós não temos ainda delegacias especializadas, com delegados especializados na matéria.
Então, o que acontece? Quando acontece um crime praticado em contexto de violência doméstica contra a mulher, a autoridade policial é a primeira a tomar contato com a situação de flagrante. Então, ela ouve as testemunhas, ouve a vítima, ouve os condutores, ouve o infrator e vai ver a capitulação jurídica desse crime e, quando vê, ele comporta fiança. Via de regra, o que acontece? A autoridade policial sente-se no dever de arbitrar essa fiança, até porque, em caso de indevida recusa, haverá uma coação ilegal da liberdade de locomoção do infrator, autorizando inclusive o manejo de habeas corpus.
Então, via de regra, o que acontece? É concedida a fiança. E o que acontece? O infrator volta para casa ou volta para ter contato com a vítima. Os casos de violência doméstica têm uma dinâmica muito própria, como a Dra. Vanessa falou. Existe o ciclo, o ciclo de violência, que é o ciclo da tensão, a prática da infração e a reconciliação. E, quando acontece a prática da infração, nós estamos no ápice da tensão ali e, nesse contexto, o infrator voltando para casa, possivelmente haverá uma situação de colocação em risco a integridade física ou psicológica da vítima.
Então, esse projeto vem para estancar pelo menos essa parte do ciclo da violência, deixando um pouco mais a critério da autoridade judicial a possibilidade, como disse a Dra. Vanessa, de conduzi-lo para uma audiência de análise de uma liberdade provisória, uma concessão de fiança ou uma medida protetiva.
Nós temos que considerar que os juízes estão obrigados a observar o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, que é um protocolo que prepara os juízes para essas peculiaridades e essas questões específicas relativas a crimes praticados contra mulheres, a crimes praticados em contexto de violência doméstica e familiar e que vai trazer todo esse embasamento teórico e técnico na análise do cabimento ou não de uma medida protetiva ou de uma medida cautelar diversa da prisão para esse infrator, que o delegado ainda não tem observância, não pode propor essas medidas diretamente. Então, o contexto é esse.
Nós temos essa questão das delegacias que não são, em sua maioria, especializadas, e isso é uma questão estrutural. Nós temos que considerar que a Lei Maria da Penha determina a criação de juizados, de delegacias especializadas, promoção de políticas públicas, mas ainda estamos implementando isso. E, até a implementação, essa camada a mais de proteção à mulher se faz necessária, para que esse ciclo seja, no mínimo, adiado ou estancado.
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Nós temos que considerar também que essa concessão... não existe uma resposta simples para perguntas complexas. Como disse a Dra. Sandra Lia aqui, nós estamos tentando tratar uma fatia do problema, mas não significa que as outras particularidades desse problema não devam ser abordadas.
A Dra. Sandra Lia trouxe aqui a questão da análise da convencionalidade da matéria, mas eu falei para ela: "Olha, isso não significa que a gente não tenha que trabalhar as outras vertentes das políticas públicas, da conscientização, da necessidade até de criação de mais delegacias especializadas nessa matéria e de juizados especializados, da distribuição desses juizados especializados de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher".
Então, nesse sentido, a Conamp e o Ministério Público brasileiro vão ao encontro do Enunciado nº 6, da Copevid, que já tinha se posicionado contra o arbitramento de fiança pela autoridade policial e entende que esse seu projeto representa um avanço no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. Bloco/UNIÃO - SP) - Obrigada, Doutora.
Eu quero passar a palavra para a Deputada Katarina, mas, antes, eu queria fazer um comentário. A lei fala muito dessas medidas de proteção, de repressão, mas há também um dispositivo na legislação que talvez também possa ser melhor explorado, que são aqueles grupos de apoio que precisam fazer com que a mulher se sinta confortável para iniciar esse procedimento antes. Mas aqueles grupos de apoio educativos... É esse? Não sei se é esse...?
A SRA. SYMARA MOTTER (Fora do microfone.) - Reflexivos.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - ... grupos reflexivos, para que possam participar dessas atividades como uma atividade multidisciplinar, que, em alguns casos, eu não sei... Eu queria ouvir a experiência das doutoras e saber se, na prática, isso repercute num benefício ou não.
Parece-me que a Dra. Mariana - esqueci o sobrenome dela -, uma promotora também do...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - ... Bazzo. Ela teve uma experiência parecida, sim, em Almirante Tamandaré, em que tinha índices altos, e me parece que, com a implementação desses grupos reflexivos, também houve ali... Em São Paulo, no Município de São Paulo, também tem alguns números que parecem exitosos.
A SRA. SYMARA MOTTER (Fora do microfone.) - Posso?
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Por favor.
A SRA. SYMARA MOTTER - Então, os grupos reflexivos são grupos dos quais os infratores participam. Os infratores têm um trabalho de conscientização acerca de questões de gênero, como: em que sistema nós estamos inseridos? Como se desenvolve a violência doméstica? Porque, muitas vezes, esses infratores não têm conhecimento dessas questões. Eles estão dentro de uma estrutura familiar, uma estrutura social, em que viram, quem sabe, a mãe apanhar, a avó apanhar em casa, e replicam essa atitude em relação à sua esposa, às suas filhas, às suas vizinhas, às suas parentes próximas, e não têm o conhecimento de que mulher não é propriedade, de que isso não é possível, não é admissível dentro do nosso ordenamento jurídico.
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E a experiência que nós temos no Paraná é uma experiência muito exitosa, em que esses infratores que frequentam os grupos reflexivos não reincidem na prática. É um costume. Até a mulher conseguir romper o ciclo de violência doméstica, ela já passou por muitas e muitas agressões, que começam desde a agressão moral, depois vem a agressão física e, às vezes, culmina até com uma tentativa de feminicídio.
Esses grupos reflexivos têm surtido um efeito muito grande também na interrupção desse ciclo de violência e na conscientização desses infratores acerca da impossibilidade ou acerca da intolerância que nós temos que ter com relação a esse tipo de delito de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Então, a Dra. Mariana Bazzo tem uma experiência muito feliz em relação a isso. Destaco também o Dr. Thimotie, que é um entusiasta desses grupos, tem um material vasto - quem precisar, pode me procurar, eu passo o contato dele -, tem um material já preparado, para que a gente não também trabalhe só no viés repressivo, mas também no viés preventivo ao combate à violência contra a mulher.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Deputada Delegada Katarina, por favor.
A SRA. DELEGADA KATARINA (Para expor.) - Boa tarde a todas.
Eu queria aqui cumprimentar toda a mesa, na pessoa da minha amiga, a Deputada Rosangela Moro, e parabenizá-la pela iniciativa desta audiência pública em um mês tão importante para todas nós, para que a gente possa debater um tema que faz parte da minha vida também, já que eu sou Delegada de polícia, Dra. Vanessa.
Quando eu comecei na Polícia Civil do Estado de Sergipe, não existia a Lei Maria da Penha, ela veio a existir dois anos após. Então, eu sei bem o que era ser delegada de polícia sem a Lei Maria da Penha e com a Lei Maria da Penha. Você receber uma mulher vítima de violência, com os filhos agarrados na saia dela, e não saber o que fazer com aquela mulher; registrava o boletim de ocorrência, fazia o procedimento, mas essa mulher vai para onde, você vai fazer o quê, o que acontece com esse homem contra quem, naquela época, não se fazia praticamente nada, era uma cesta básica, um termo de ocorrência circunstanciado e nada mais.
Então, parabenizo a Deputada Rosangela pela iniciativa do projeto de lei, mas Deputada, uma coisa que a Dra. Vanessa falou e me chamou a atenção, independentemente de quem vai arbitrar fiança - o delegado de polícia vai fazer uma avaliação, logicamente vai estar no calor da emoção ali, no calor do momento -, tem também a questão de que ninguém quer responder por abuso de autoridade, ninguém quer responder por abuso de autoridade. A sociedade é muito cruel quando cobra das autoridades, da autoridade policial, enfim, é muito cruel, mas ninguém quer responder por abuso: o juiz não quer, o promotor não quer, o delegado não quer, mas ali existe uma vida, existe uma mulher que pode ser uma vítima de feminicídio naquele momento. Então, são decisões muito difíceis de serem tomadas. É por isso que o operador do direito precisa de uma legislação que lhe dê segurança também. Então, assim, muitas vezes, o juiz ou a juíza vai decidir pela fiança num momento também em que não era para arbitrar aquela fiança, em muitos momentos, mas ele vai ter que decidir pela fiança. E aí?
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Eu acredito que, como outros crimes também são inafiançáveis, esse deveria ser inafiançável quando se tratasse de mulher. Isto sim daria segurança a essa mulher, daria segurança ao operador do direito: o crime inafiançável. Outros crimes já são inafiançáveis. E a Dra. Vanessa foi muito clara ao dizer que a liberdade provisória desse infrator não vai depender da fiança ou não - é outra situação. Aí sim o juiz vai poder analisar com calma, vai poder entender se é o caso ou não; ele não vai ficar pressionado de arbitrar aquela fiança.
E queria dizer também - foge um pouquinho do tema, mas está dentro da questão da violência doméstica, Deputada - sobre uma questão que, já que nós temos aqui representantes do Judiciário... Uma coisa pela qual a gente vem batalhando muito lá no Estado de Sergipe é pelas varas híbridas. Porque essa mulher, quando ela é vítima de violência, ela chega na delegacia... Ela é vítima em casa. Ao chegar à delegacia, muitas vezes ela é revitimizada, porque não encontra um atendimento especializado, não encontra um ambiente preparado para recebê-la; está ali com os filhos, não sabe para onde ir, aí é revitimizada ali na delegacia. Mas, mesmo assim, ela resiste e faz o boletim de ocorrência dela. Aí ela vai para onde? Para o IML. Chega ao IML para fazer exame de corpo de delito: revitimizada novamente. Aí ela resiste e continua, e o processo vai para a via do Judiciário. Chega na hora do processo, ela vai para uma vara especializada em violência doméstica. Aí ela resiste. Quando ela pensa que terminou, minha cara Doutora, o que acontece? Agora os alimentos, a separação... "Não, não é aqui, agora você tem que ir para a vara de família." Aí vai essa mulher para a vara de família. No meio do caminho, muitas delas desistem; são poucas as que continuam.
Então, não existe justificativa, até porque a Lei Maria da Penha prevê isso de nós não termos varas híbridas, mas que a vara de família ou a vara de violência doméstica possa tratar... A do crime trata do crime; se for a da família, vai tratar também... e vice-versa, vocês entenderam. Para poder tratar sobre os alimentos, tratar sobre aquela separação, para essa mulher não ter esse calvário. Porque é um calvário; é um calvário. Então eu acho que nós temos também que pensar nisso e entender que nós temos que minimizar a dor dessa mulher, porque já é grande. Nós temos que minimizá-la.
Na questão dos grupos reflexivos, Dra. Symara, nós temos um estudo de caso lá em Sergipe também. Eu fui Delegada-Geral lá por oito anos, e a gente conseguiu implementar, em um município chamado Lagarto, através de uma delegada que é muito estudiosa nesse tema, Dra. Ana Carolina, juntamente com a Universidade Federal de Sergipe, os grupos reflexivos - isso quase dez anos atrás. E deu muito certo, muito certo. Hoje o Tribunal de Justiça de lá também abraçou essa questão dos grupos reflexivos e vem dando muito certo. E eu acho que é o caminho.
A repressão tem que existir, logicamente. Errou, tem que pagar. Nós temos que fazer essa repressão de maneira muito forte. Mas esse homem infrator não vai morrer, não existe pena de morte. Ele vai voltar; e, quando ele voltar, ele vai fazer outras vítimas. Então ele precisa realmente de tratamento, e a Lei Maria da Penha também prevê isso.
Muito obrigada.
Parabéns, minha amiga, pela iniciativa, e muito obrigada a todas vocês que estão aqui hoje, abrilhantando e trazendo tantos conhecimentos para todas nós. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Nós que agradecemos, Deputada.
A Deputada é sempre muito atuante, uma das pérolas da Casa também, tenho certeza. O gabinete dela é um dos que está sempre de portas abertas para ouvir sugestão, e ela também traz toda essa experiência de autoridade policial - não é, Doutora? - que é sempre bom compartilhar.
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A última - a última não... A nossa convidada que falará por último, antes das perguntas... As colegas podem permanecer mais um pouquinho? Porque chegaram algumas perguntas. É possível?
A SRA. VANESSA RIBEIRO MATEUS (Fora do microfone.) - Claro!
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Então vamos lá.
Dra. Nataly Rodrigues Marcolino é Coordenadora-Geral de Direitos de Grupos Vulnerabilizados da Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Com a palavra, Nataly.
A SRA. NATALY RODRIGUES MARCOLINO (Para expor.) - Boa tarde!
Eu sou a Nataly e estou aqui representando a Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério de Justiça e Segurança Pública. Cumprimento todas da mesa e todos e todas presentes.
O MJ apoia o debate à construção de políticas públicas, como a que está sendo debatida aqui, que visa proteger a vida e a integridade da mulher.
Acho muito importante trazer que, na justificativa, foi pontuada a questão de que a maioria dos crimes são considerados crimes de menor potencial ofensivo, apesar de o art. 41 da Lei Maria da Penha considerar que, independentemente do tipo de pena prevista, eles não devem ser considerados crimes de menor potencial ofensivo.
E me sinto contemplada pela fala da Sandra, que trouxe a questão de preocupação com o punitivismo e também com o princípio de proteção eficiente. Então, acredito que ela já abordou esse ponto e não tenha necessidade de ser trazido novamente.
Eu acho que a Lei Maria da Penha é um microssistema jurídico, que possui uma rede integrada de enfrentamento à violência. E o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Acesso à Justiça, tem promovido diversos projetos para facilitar o acesso à Justiça para essas mulheres em situação de violência, não só de violência doméstica e familiar, mas também em situação de violência de gênero.
E, alinhando-se à previsão do ordenamento jurídico e também aos parâmetros internacionais citados, eu gostaria de citar alguns deles, que são o Plano Nacional Defensoria em Todos os Cantos, que é uma estratégia para ampliar o acesso à Justiça no Brasil, com uma previsão de investimento inicial de R$75 milhões para o ano de 2024. O plano abrange a ampliação da rede de atendimento da Defensoria Pública, serviços de acesso à Justiça itinerantes e projetos direcionados a grupos em maiores situações de risco e vulnerabilidade. Entre eles tem a Carreta Elas Acessam, um projeto de centro itinerante de cidadania e acesso à justiça para a mulher, inclusive com destinação de emendas de Parlamentares desta Casa.
E gostaria de falar também sobre o projeto de formação de Defensoras Populares, que formam mulheres líderes comunitárias, como multiplicadoras do acesso à Justiça, incluindo parcerias com universidades e instituições para capacitação e desenvolvimento de projetos voltados à defesa dos direitos das mulheres e resolução de conflitos também dos territórios.
Além disso, também tem, pensando na criança e no adolescente, a retomada do Pacto Nacional pela Escuta Protegida e a atualização do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes, buscando uma ação em colaboração com entidades governamentais e com a sociedade civil.
O ministério se coloca presente para ouvir ativamente todas as entidades presentes e se coloca à disposição. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Muito obrigada, Nataly, pela sua valorosa colaboração.
Nós temos aqui alguns minutos ainda, antes do encerramento.
Quero passar a palavra para a Dra. Carla Rodrigues Araújo de Castro, para fazer o seu pronunciamento. Ela é Procuradora do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Pode fazer as suas considerações, Doutora.
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A SRA. CARLA RODRIGUES ARAÚJO DE CASTRO (Para expor.) - Boa tarde a todas as pessoas presentes.
Deixo aqui meus cumprimentos à Senadora Augusta, à Senadora Jussara, à Senadora Zenaide. Quero cumprimentar a Deputada Katarina, a Deputada Ione, que já esteve aqui - deixo meus cumprimentos -, e, em especial, a Deputada Rosangela, agradecendo a oportunidade desta fala.
Do que nós estamos falando aqui? Daquela mulher que sofre uma violência doméstica, uma violência psicológica, uma perseguição, uma lesão corporal, que está com seu nariz quebrado, com o braço quebrado, e o agressor é preso em flagrante. Ela liga para o 190, vai chegar a viatura da Polícia Militar, que vai conduzir ambos para a delegacia de polícia. Essa mulher, na delegacia de polícia - às vezes, vai ao sistema de saúde antes, ou não -, quando ela estiver depondo, logo depois o agressor vai ser solto. E aí nós pensamos aqui: todas nós queremos o feminicídio zero, é uma campanha, e isso é indiscutível, só que, para chegar ao feminicídio, existe uma escalada da violência.
Eu vou trazer aqui alguns números, não da violência, mas do Código Penal: art. 129, lesão corporal, se for cometida na situação de violência doméstica, a pena, que é de três meses a um ano, aumenta de metade, cabível fiança; art.147, ameaça, pena de detenção de um a seis meses, cabível, em tese, a fiança; art. 147-A, crime de perseguição - aquela mulher que vai atravessar uma rua, que está no seu trabalho, que está levando a criança para a escola, que está em um bar, em um restaurante com as amigas, e está o agressor do outro lado da rua. Ela fica constrangida, ela fica com medo -, crime de stalking, pena de seis meses a dois anos, cabível, em tese, fiança. A posição da Copevid é no sentido de o crime ser inafiançável, mas, como bem disse a Dra. Symara, isso é controvertido.
E aí, mais uma vez, parabenizo a Deputada Rosangela por trazer isso para o papel, trazer para a lei. E por que eu falo sobre a importância desse projeto de lei? Para que sejam esses casos submetidos ao Judiciário, às audiências de custódia. Como bem disse a Dra. Vanessa, o Judiciário está presente em todos os locais. As audiências de custódia, algumas pessoas não sabem, funcionam todos os dias, os plantões judiciários são 7 por 24. Outro dia eu ouvi essa expressão 7 por 24 - 7 dias por semana, 24 horas por dia, com plantão noturno, plantão de fim de semana, audiências de custódia todos os dias. Por que não levar isso ao Judiciário, onde vai estar presente o Ministério Público, a defesa pela Defensoria Pública, pelo advogado? Por que permitir que a mulher, depois que ela ultrapassa o medo, a vergonha, uma série de obstáculos, e finalmente tem coragem... na delegacia de polícia, na hora da prisão em flagrante, ela sai por uma porta, ele sai por outra.
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E como foi muito bem lembrado, ele sai no auge da inconformidade, da indignação, da raiva, afinal de contas ele foi preso e ele quer dar o troco, ele quer se vingar dessa mulher. Então a minha fala é menos jurídica e mais reflexiva da importância...
(Soa a campainha.)
A SRA. CARLA RODRIGUES ARAÚJO DE CASTRO - Eu estava com medo de levar um susto com essa campainha, porque eu já levei uns três sustos.
... da importância de a fiança só ser analisada perante a Justiça.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Bom, antes do encerramento, a gente recebeu muitas perguntas aqui, pelo canal que a gente informou. Muitas já foram respondidas - eu as li aqui - no curso das explanações. Então eu selecionei três, de meninos, de homens. Queremos a participação deles, tem homens perguntando. Eu vou fazer as três e quem se sentir à vontade pode usar a palavra para responder, tudo bem?
Então, o Raphael, do Distrito Federal, pergunta assim: "Quais são as possíveis consequências para o agressor caso a concessão de fiança seja centralizada no poder judiciário?".
A segunda pergunta é da Carolline, de São Paulo: "Essa mudança poderá gerar algum tipo de demora no andamento dos processos?".
E uma terceira pergunta é: "Como evitar que a exclusividade judicial da fiança em crimes [...] [da] Lei Maria da Penha aumente a morosidade e prejudique as vítimas?".
A SRA. VANESSA RIBEIRO MATEUS (Fora do microfone.) - Prejudique as vítimas?
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Eu acho que ele quis dizer prejudique...
A SRA. SANDRA LIA LEDA BAZZO BARWINSKI (Fora do microfone.) - Pela celeridade.
A SRA. VANESSA RIBEIRO MATEUS (Para expor.) - Ah, por conta da celeridade.
Eu gostaria de falar da que fala do Poder Judiciário. (Fora do microfone.) Tem uma pergunta que fala da demora do Poder Judiciário, de quais são as possíveis consequências, caso seja centralizada. Na verdade, eu acho que todas elas giram em torno da sobrecarga do Poder Judiciário, não é? Se isso poderia gerar algum tipo de demora no andamento, as consequências para o agressor, e se poderia prejudicar a vítima. A Dra. Sandra compreendeu até melhor do que eu: poderia prejudicar a vítima, aumentando a morosidade.
Nenhum risco. É porque a gente faz audiências de custódia todos os dias. A audiência de custódia tem que ser feita, hoje, em 24 horas depois da prisão. Isso é uma determinação, que começou desde o Ministro Lewandowski, inclusive quando era Presidente do STF, com a implantação dos tratados internacionais. E hoje a gente tem que fazer audiências de custódia todos os dias, de domingo a domingo. O preso tem que ser apresentado para o juiz em 24 horas; sendo possível, presencialmente; não sendo possível, apresenta online. Mas ele tem que ser apresentado em 24 horas.
E essa fiança, se for o caso de ser arbitrada, vai ser arbitrada na audiência de custódia. Então, ela nem aumentaria a morosidade nos juizados, nas varas de violência doméstica, porque não seria nem lá que ela seria aplicada; seria pelo juiz responsável pela audiência de custódia, e também não haveria risco de uma demora na apreciação dessa medida, porque ela seria apreciada em 24 horas, e não imediatamente, como seria na delegacia de polícia, mas num prazo máximo de 24 horas, ao ser apresentado ao Poder Judiciário.
Então, me parece que isso era até um ponto... Eu até pedi para responder, porque era um ponto que estava na minha fala, e eu não quis me alongar, que era a ausência de risco na demora para a apreciação dessa fiança, por conta do sistema de audiência de custódia, que a gente tem hoje.
A SRA. SYMARA MOTTER (Para expor.) - Achei perfeita a resposta da Dra. Vanessa. (Fora do microfone.) Eu vejo até um benefício de ser submetida à autoridade policial, como disse a Dra. Carla, porque nós temos juízes de plantão, inclusive à noite, de plantão nos finais de semana, feriados, em todo momento. Então, é assim que acontece: em 24 horas, a pessoa vai ter que ser submetida a uma audiência de custódia e vai ser avaliado ali o cabimento de fiança ou outra medida cautelar diversa da prisão. Não, necessariamente, fiança, pode ser alguma outra medida, uma medida protetiva.
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Então, as consequências para o infrator não vão ser diferentes das de outros infratores, de outros tipos de infrações penais. Ele vai poder receber uma medida protetiva de afastamento do lar, ele pode receber uma medida protetiva de não aproximação da ofendida, independentemente de fiança. Às vezes, para ele, é até mais benéfico ficar com outras medidas que são mais efetivas para a vítima e também para ele ficar com esse outro tipo de medida protetiva que o juiz pode arbitrar diretamente na audiência.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Todas as perguntas, na verdade, sim, se referiam à celeridade, à morosidade. Acho que foram todas devidamente contempladas.
Finalizando, temos aqui também a Secretária Municipal de Políticas Públicas para Mulheres, de Jaú, São Paulo.
Secretária, quer fazer uso da palavra?
A SRA. CÂNDIDA CRISTINA COELHO FERREIRA MAGALHÃES (Para expor.) - Boa tarde!
Quero cumprimentá-las, cumprimentar essa mesa maravilhosa e a propositura dessa demanda, porque, nas palavras da promotora - também não vou fazer nenhuma reflexão jurídica, mas uma reflexão da ponta -, nós estamos na ponta do atendimento dessa mulher. É com ela que falamos e são elas que olham nos nossos olhos, buscando essa proteção, essa justiça.
Ontem, eu fiz uma palestra na PGR no sentido da efetividade da Lei Maria da Penha, e o Município de Jaú celebrou três anos sem feminicídio, mas com muitas políticas públicas implantadas, inclusive em parceria com o Ministério Público Federal, que fez uma doação e encampou o projeto Lei Maria da Penha Itinerante.
Então, com esse equipamento móvel, também, além dos outros equipamentos, nós estamos próximos das mulheres, e utilizamos o formulário de risco desde 2021, em parceria com a delegacia da mulher. Então, são os técnicos que preenchem, junto com essa mulher, fazendo uma reflexão da violência dela.
Eu vejo que a propositura da Deputada é superprudente, protetiva também. Fico pensando no pavor dessa mulher junto com o agressor, no âmbito da delegacia, sendo liberada com ele. E o Judiciário traz essa proteção numa especialidade muito grande, muito sensível, e o formulário de risco precisaria estar sempre presente, inclusive nas audiências de custódia, porque ele tem um valor muito forte. Ele é o retrato da violência, ele é a fala da violência, e, muitas vezes, a própria mulher se assusta com a intensidade da violência que ela está vivendo. E ele é uma fotografia para todos dessa rede.
Essa escuta eu agradeço, inclusive, nesta oportunidade, porque celebramos até o art. 8º...
(Soa a campainha.)
A SRA. CÂNDIDA CRISTINA COELHO FERREIRA MAGALHÃES - ... ao ouvirmos todos aqui, em todos os âmbitos. E aí fica o meu pedido para o formulário de risco estar presente também nessa análise.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Obrigada, Secretária.
Dra. Sandra.
A SRA. SANDRA LIA LEDA BAZZO BARWINSKI (Para expor.) - Eu pedi a palavra só para fazer um fecho aqui, para dizer que a Lei Maria da Penha traz um conjunto articulado de ações.
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Então, não é só... Não que a gente não tenha falado, mas para não deixar para quem nos ouve a sensação de que se não tiver a fiança, a mulher vai estar desamparada... Não é isto! Pelo contrário. Nós temos as medidas protetivas de urgência, e aqui vou fazer referência à Carla, porque nós estamos, no âmbito do Ministério das Mulheres, criando o Fórum Nacional Permanente de Diálogos com o Sistema de Justiça sobre a Lei Maria da Penha, o Ministério da Justiça está conosco também, com o Condege, com o Cocevid, com o Fonavid, com o CNJ, com o CNMP, com a academia, com o Consórcio Lei Maria da Penha também e com a ONU Mulheres. Isto só no lançamento, que deve acontecer ainda neste mês.
E o objetivo principal dele, ou o primeiro - não o principal - é justamente a análise das medidas protetivas para a gente abreviar todos os procedimentos, tentar abreviar e chegar muito próximo àquilo desejável no sistema de justiça, mas também estamos falando das Casas das Mulheres Brasileiras, estamos falando do direito à reparação e à memória. Isto só para começar. Eu quero lembrar que nós temos também as medidas protetivas de urgência. E dentro das medidas protetivas de urgência, a partir da análise do Formulário Nacional de Avaliação de Risco... Ontem foi assinado o novo ACT, trazendo novamente o Fonar, como a gente o chama, e já vai estar no Ligue 180 para avaliação de risco, para análise de risco.
Nós temos também a possibilidade de tornozeleiras eletrônicas e das unidades portáteis de monitoramento, de rastreamento. Então, é uma maneira também de evitar, porque a gente sabe também que, quando a gente fala em fiança, a gente também tem uma questão da hipossuficiência.
Então, só para fazer esse fecho, a gente tem as Casas da Mulher Brasileira, como a Senadora falou, para além das Casas da Mulher Brasileira, a gente também tem os Centros de Referência da Mulher Brasileira, o CRMBs. Enfim, tem uma série de outras ações que podem acontecer ao mesmo tempo, e as medidas protetivas de urgência estão aí, as Patrulhas Maria da Penha... Enfim, nós temos outras medidas para evitar.
Entendo que a fiança é mais uma, ou seja, pode ser mais uma. Eu não vou falar que é mais uma, porque eu não tenho essa análise, eu não posso fazer essa análise ainda. Está certo?
Então, muito obrigada, Deputada.
Era isso, só para fazer esse encerramento, para dizer que nós temos outros recursos, outras ferramentas para além... E que a gente tem que pensar nesse conjunto articulado de ações que incluem, inclusive, os juizados híbridos.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Excelente.
A SRA. SYMARA MOTTER (Para expor.) - Eu gostaria de agradecer mais uma vez a oportunidade da discussão desse tema, que, como disse a Dra. Carla, havia e há ainda uma divergência com relação a esse tema, e essa legislação viria realmente para a gente poder assentar normativamente esse entendimento, de forma muito clara, dando segurança para o operador jurídico também trabalhar nessa temática, dando segurança também para os delegados nessa temática.
Então, é sempre bom discutir, lembrando que a Lei Maria da Penha não é uma lei criminal; é uma lei de um acolhimento integral, de tratamento da matéria de forma integral. Ela não é uma lei repressiva, ela só tem um crime previsto no seu corpo, como um todo, um crime de violação às medidas protetivas de urgência, posteriormente à concessão.
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Então, nós tratamos aqui de um sistema de proteção, como disse a Nataly aqui, de um subsistema, um sistema que está sempre sendo aperfeiçoado, um sistema vivo, de que a gente vai tratando e que a gente vai aperfeiçoando à medida que as situações vão ocorrendo, a partir do que a gente vai vivenciando na prática. Eu falo nesse sentido também, porque sou Promotora de Justiça da área criminal e atuei muitos anos no combate à violência doméstica.
Eu parabenizo, mais uma vez, a todas as colegas de mesa, que trouxeram uma contribuição muito importante para este debate a partir de diversas perspectivas, a partir da perspectiva do Ministério Público, da perspectiva do Judiciário, da perspectiva do Poder Executivo, do Ministério das Mulheres, do Ministério da Justiça. E que todas nós aqui trabalhemos integradas, em unidade, para que realmente nossas mulheres fiquem protegidas.
Muito obrigada, Deputada. Foi uma satisfação estar aqui com vocês nesta tarde.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Rosangela Moro. UNIÃO - SP) - Antes dos encerramentos, seguindo o protocolo, eu preciso aprovar... Antes do encerramento dos trabalhos, eu submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da ata desta reunião.
As Sras. e os Srs. Parlamentares presentes que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Congresso Nacional.
Já no encerramento, eu quero registrar, mais uma vez, o meu agradecimento pela presença de todos. Aos servidores da Casa, também, obrigada pelo apoio. A todos os presentes, ao Executivo, ao Ministério Público, ao Judiciário, à Secretaria dos Direitos de Acesso à Justiça do Ministério das Mulheres - transmita as nossas cordiais saudações à Ministra -, à Associação de Magistrados - Nataly, transmita, também, ao Ministro Lewandowski, a nossa saudação - quero dizer que o gabinete está de portas abertas. Eu acredito muito em projetos baseados, feitos e elaborados nessa construção, ouvindo essas diferentes perspectivas.
Muito obrigada a todos.
(Iniciada às 14 horas e 38 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 53 minutos.)