21/05/2024 - 2ª - Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Nelsinho Trad. Bloco/PSD - MS. Fala da Presidência.) - Muito bom dia a todos.
Invocando a proteção de Deus, damos início aos trabalhos do Parlamento do Mercosul, representação brasileira.
Declaro abertos os trabalhos do presente seminário destinado a aprofundar o debate sobre o tema "Dados Pessoais e Inteligência Artificial no Mercosul", solicitado pelos Srs. Coordenadores, Senador Carlos Viana, Presidente da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial, e Deputado Arlindo Chinaglia, Vice-Presidente do Parlamento do Mercosul, aqui presentes.
Participam desta reunião o Secretário Marcelo Martinez, Chefe da Divisão de Temas Digitais do Itamaraty; Dr. Waldemar Gonçalves Ortunho Junior; Senador Sérgio Petecão; Deputado Heitor Schuch; Deputado Adilson Barroso e, como já dito anteriormente, com as presenças do Senador Carlos Viana e do Deputado Arlindo Chinaglia.
Temos aqui também, a caminho, a Dra. Estela Aranha, Membro do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para a Inteligência Artificial.
Comunico que o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, que faria parte da mesa, não pôde comparecer a este seminário devido a compromissos profissionais previamente agendados e encaminhou justificativa à Secretaria da Representação. (Pausa.)
Acabou de chegar, então, a Sra. Estela Aranha.
Vamos formar a Mesa Diretiva.
Convido o Deputado Arlindo Chinaglia, Vice-Presidente do Parlamento do Mercosul, e o Senador Carlos Viana. O Arlindo senta à minha esquerda, porque combina mais com ele, e o Viana, à minha direita. (Pausa.)
R
Vamos passar a palavra ao Senador Carlos Viana, Presidente da Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial, para breves considerações sobre o evento de hoje.
Posteriormente, o Deputado Arlindo Chinaglia também vai fazer o uso da palavra, e encerro esta primeira fase com a minha fala.
Primeiro, Senador Carlos Viana.
O SR. CARLOS VIANA (PODEMOS - MG. Para discursar.) - Muito obrigado, Presidente Nelsinho Trad.
Meu bom dia a todos os senhores presentes, especialmente ao Deputado Arlindo Chinaglia, ao Senador Petecão, ao Schuch, a todos os que nos acompanham, ao nosso capelão da frente parlamentar evangélica do Congresso. Muito bem-vindos, senhoras e senhores.
Eu fiz aqui um breve resumo do nosso trabalho junto à Comissão Temporária do Senado Federal sobre Inteligência Artificial, que agora, no mês de junho - ou, no mais tardar, julho -, deverá entregar o relatório final com todas as contribuições que estão sendo amealhadas desde o ano passado.
Nós tivemos, primeiramente, a contribuição de juristas, coordenados pelo STJ. Eles nos entregaram um calhamaço de informações pertinentes à questão, à preocupação jurídica, e, se nós colocássemos em prática, a inteligência artificial no Brasil voltaria ao tempo dos neandertais, porque não permitiria o desenvolvimento, muito menos a aplicação em boa parte dos sistemas brasileiros.
Ciente desta... É claro que, por se tratar de um primeiro passo, nós fizemos também uma série de seminários, que colocarei aqui, e agora abrimos para a contribuição de todos os gestores, criadores e aqueles que vão utilizar.
Também recebemos um número muito grande de contribuições que estão sendo analisadas, especialmente sobre a questão de remuneração, sobre o uso criativo, que foi uma parte muito interessante que surgiu dentro das propostas, e, em breve, nós esperamos entregar. Ainda teremos uma sessão especial, que presidirei já nessa semana, e em breve entregaremos.
O mais interessante, Chinaglia e Nelsinho, é que a inteligência artificial, hoje, iguala os países, independentemente do território, da população ou de uma história econômica. Trata-se de um serviço que vai gerar uma economia, naturalmente de terceiro milênio, no qual os países competem praticamente à igualdade.
Nós já temos um exemplo semelhante. Vou citar aqui, por exemplo, a Suíça. A Suíça é um país pequeno na Europa, mas um país muito rico pela prestação de serviços bancários que ela teve durante décadas e por conseguir ser o ponto de união e de trânsito de todas essas informações relativas ao sistema econômico de vários países e à questão monetária. Hoje, a inteligência artificial está em um determinado patamar em que, independentemente da expansão do território, o país que conseguir ser o maior incentivador, gerador de novas ideias será o detentor dessa nova riqueza.
O surgimento dos apps, dos aplicativos, é um primeiro passo, é apenas o início de um futuro que nós não temos como prever aonde vai chegar; porque, à medida que nós vamos desenvolvendo novos sistemas e vão aparecendo novas utilizações, é que a gente percebe a imensidão do que nós teremos pela frente para as futuras gerações dentro da inteligência artificial.
R
Portanto, essa é, vamos dizer assim, a premência de que países como o Brasil sejam os primeiros, dentro de toda a América, a desenvolver uma legislação própria sobre esse assunto, e nós levarmos aos nossos parceiros do Mercosul a nossa experiência e trabalharmos conjuntamente na defesa do bloco nessa questão, com o risco de, se não fizermos essa política conjunta - ou a mais breve possível - de incentivo, ficarmos mais uma vez a reboque, como ficamos na economia tradicional em vários setores, dos países.
Venho aqui na condição de Presidente da Comissão Temporária do Senado Federal sobre Inteligência Artificial no Brasil.
A Comissão, criada em agosto de 2023, encerra nesta semana os trabalhos. Ela foi instituída para analisar, avaliar, na medida do possível, e integrar as várias propostas de regulação de inteligência artificial então em tramitação no Congresso Nacional.
Havia, à época, pelo menos sete projetos de lei que tratavam de IA. Os projetos não compartilhavam os mesmos parâmetros e apontavam em direções diferentes. Havia divergências, inclusive, sobre o próprio conceito do que seria inteligência artificial.
Nosso principal ponto de partida foi no Projeto de Lei nº 2.338, de 2023. A proposta, apresentada ao Senado, foi elaborada por um grupo de 18 juristas, que trabalhou, durante todo o ano de 2022, na análise dos modelos de regulação disponíveis para a área. Nosso relatório final também incorpora inúmeros pontos do Projeto de Lei nº 21, de 2020, já aprovado na Câmara dos Deputados, e que trata da mesma matéria.
Segundo o rito ordinário, as várias propostas seriam distribuídas para várias Comissões do Senado e seriam avaliadas em cada uma delas, separadamente. Dada a complexidade do tema, a tramitação muito provavelmente se arrastaria por anos, tempo que nós não tínhamos disponível por se tratar de um assunto que se desenvolve também numa rapidez muito grande. E havia o risco de que, ao fim, aprovássemos projetos colidentes.
Para agilizar, o Senado constituiu a CTIA, a Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial no Brasil, composta por 26 Senadores, 13 titulares e 13 suplentes. Comissões temáticas temporárias são estratégias legislativas para concentrar a discussão e acelerar a tramitação de matérias.
A Comissão trabalhou durante dez meses. Ouvimos 69 especialistas em dez audiências públicas. Conversamos não apenas com os profissionais do direito, mas com os desenvolvedores, com os representantes das empresas de software, com os setores organizados da sociedade civil. Recebemos, por meio do canal próprio, mais de cem sugestões legislativas. Discutimos os vários modelos regulatórios. Analisamos as propostas que vêm sendo aprovadas em todo o mundo: na União Europeia, na China, nos Estados Unidos.
Acompanhamos de perto as transformações e velocidade acelerada por que passa o campo da inteligência artificial. Muitos tinham receio de uma sobrerregulação, de uma regulamentação que pudesse representar um obstáculo ao desenvolvimento e à inovação.
O Brasil não está hoje na vanguarda de inteligência artificial. Ocupávamos, em 2023, ano passado, a 35ª posição no ranking global de desenvolvimento do setor, segundo o índice global de inteligência artificial da Tortoise Media. Uma regulamentação muito restritiva poderia nos condenar à dependência tecnológica em uma área que já é estratégica em termos de competitividade global.
Outros temiam uma regulação ineficaz, que tornasse a sociedade prisioneira das big techs, que confirmasse um arranjo de poder que hoje, em absoluto, não nos favorece.
Todas as alternativas e riscos foram avaliados em profundidade.
R
O relatório final, elaborado pelo Senador Eduardo Gomes, em conjunto com toda a equipe e o nosso trabalho, traz uma proposta de regulamentação que combina responsabilidade e liberdade, que assegura a proteção aos direitos fundamentais e fomenta a inovação, que promove segurança jurídica e incentiva o desenvolvimento. A proposta tomou por base a ideia da centralidade da pessoa humana e regulamenta uso ético e responsável da inteligência artificial; protege os direitos autorais, os direitos de personalidade e os valores democráticos; prioriza o desenvolvimento econômico inclusivo, e traz diretrizes para o investimento público em pesquisas e educação sustentáveis.
O modelo de regulação é baseado em riscos. Os níveis de controle são proporcionais à gravidade dos impactos causados pelas aplicações. É a solução que vem sendo adotada, por exemplo, pela União Europeia, no recentemente aprovado AI Act.
O substitutivo também propõe um Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), coordenado por autoridade a ser designada pelo Executivo. A sugestão é a de que esta autoridade seja a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que seria aperfeiçoada e ampliada, e operaria em sintonia com outras agências reguladoras, como o Cade, a Anatel, a Anvisa, a ANS, o Banco Central e outras.
A perspectiva é de que essa autoridade fortaleça nossa estrutura de governança. Segundo a Agile Index, índice internacional de avaliação de governança de IA, o Brasil está mais do que atrasado no desenvolvimento de instrumentos de regulação. Em uma comparação com os membros do G7 - os Brics -, ficamos em penúltimo lugar, à frente apenas da África do Sul.
Tão logo seja aprovada pela Comissão, a proposta de regulamentação da IA será encaminhada ao Plenário do Senado, para que possa ser discutida e votada. Nossa perspectiva é de que o projeto seja aprovado ainda durante este semestre, para que possa ser apreciado pela Câmara dos Deputados.
Temos pressa. A ausência de uma regulação de IA nos submete ao pior dos mundos. De um lado, não nos protege das ameaças aos direitos e garantias fundamentais. A inteligência artificial envolve riscos reais à segurança, aos direitos autorais e à privacidade; envolve riscos relativos à simetria de informações e à concentração de mercado; envolve riscos relativos a decisões enviesadas e discriminatórias. De outro, a falta de regulação dá margem a ativismos judiciais e promove insegurança jurídica, insegurança jurídica que afeta, evidentemente, nosso potencial de desenvolvimento.
Entendemos que a solução proposta supera os dois extremos: garante direitos, combate preconceitos, dá liberdade aos desenvolvedores para pesquisarem e inovarem na área em prol do desenvolvimento científico e econômico do Brasil.
Que seja aprovado em breve e que inauguremos o ciclo de um desenvolvimento ético e responsável por que todos ansiamos.
Meu muito obrigado, Presidente.
Obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Nelsinho Trad. PSD - MS) - Agradeço as considerações do Senador Carlos Viana.
De pronto, à minha esquerda, passo a palavra ao Deputado Arlindo Chinaglia, nosso Vice-Presidente no Mercosul, sem antes deixar de registrar a presença do Deputado Pastor Eurico e do Senador Astronauta Marcos Pontes. O Deputado Heitor já falei, o Senador Petecão também.
Com a palavra, nosso Deputado Vice-Presidente do Parlamento do Mercosul, Arlindo Chinaglia.
O SR. ARLINDO CHINAGLIA (PT - SP. Para discursar.) - Pois não, Senador Nelsinho, que coordena os nossos trabalhos.
Ao cumprimentá-lo, também cumprimento o Senador Carlos Viana, a quem, eu diria, acentuo o papel, como ele acabou de demonstrar aqui, de um trabalho que o Senado tem feito, inclusive utilizando parcialmente aquilo que a Câmara também fez em passado recente.
Quero cumprimentar aqui todos os Deputados, todos os Senadores e os nossos convidados, que, felizmente, com a qualidade que têm, creio que vão também provocar um nível de reflexão, não somente hoje, mas na continuidade.
R
Nós nos demos, quando tivemos a ideia, a tarefa de fazermos em torno de nove a dez seminários, de assuntos que ora nós podemos analisar da ótica mundial, mas também nós precisamos, dado que compomos hoje um bloco, que é o do Mercosul, trazer as experiências exitosas no plano mundial para que, através... Esse é apenas o início de um debate da Comissão do Parlasul. Portanto, nós teremos que dar continuidade. Como será? Vamos avaliar coletivamente.
Existem referências importantes neste debate. Da União Europeia, tem o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e a Diretiva sobre a Proteção de Dados na Aplicação da Lei, ambos de 2016, e a lei sobre inteligência artificial, de 2024. Agora, o Mercosul não tem nenhum tratado regulamentando esses assuntos, e nós precisamos, o Senador Carlos Vieira já observou rapidamente. Se nós deixarmos para que cada país faça o seu trabalho, é um avanço importante, e avalio que assim será, mas caberá a nós do Parlasul fazer um trabalho que vai ser exaustivo, que eu vou apelidar aqui de harmonização das leis. Porque eles podem ter leis mais antigas, como é o caso, por exemplo, da Argentina, que foi aquela que, ainda no ano de 2000, foi a pioneira numa lei a fazer a proteção dos dados pessoais. Depois, o Uruguai fez a lei em 2008; Paraguai, em 2023. No caso do Uruguai, além da Lei 18.331, foi complementada por um decreto, o Decreto nº 54, de 2020. Portanto, o que se percebe é que existe uma efervescência, felizmente, pela mais absoluta necessidade neste mundo atual.
Além de a gente fazer a revisão das leis, a necessária harmonização, nós também temos que criar regras sistêmicas sobre o fluxo transfronteiriço de dados no bloco, de interação regional e cooperação interagências.
Além da proteção de dados pessoais, está também o tema da inteligência artificial, porque são assuntos conexos. Isso também depende de regulamentação satisfatória, tanto no bloco regional como nos próprios países do bloco.
R
Anima-nos a observação do Senador Carlos Viana de que é um mundo novo, e, portanto, nós temos condições de aproveitar a inteligência que é acumulada no país, também no Mercosul, também em âmbito mundial, para a gente entrar naquilo que hoje é absolutamente inevitável para preservar a privacidade dos cidadãos - entre outras questões, a proteção dos dados pessoais - e para regulamentar a inteligência artificial, que é capaz de fazer tantas coisas boas, mas também muitas coisas ruins.
O projeto de lei que está sendo debatido, que foi também já explicado, foi capitaneado por juristas, coordenado, enfim, a partir da iniciativa do Senado Federal. O que isso implica é que uma das funções de autoridade do Poder Executivo para zelar pela implementação da futura lei é a de "promover ações de cooperação com autoridades de proteção e de fomento ao desenvolvimento e à utilização dos sistemas de inteligência artificial de outros países, de natureza internacional ou transnacional". Aqui, de novo, como comentei no início, isso tem uma dimensão mundial óbvia, e o nosso esforço - desta Comissão e, portanto, do próprio Parlamento do Mercosul - é fazer aquilo que couber para contribuir com esse nosso bloco.
Os assuntos, como já disse, estão conectados, seja para harmonizar a ação legislativa e da cooperação internacional, seja no assunto de objeto de regulação, pois um dos fundamentos do desenvolvimento, implementação e uso de sistemas de inteligência artificial é a privacidade, a proteção de dados e a autodeterminação.
Este seminário é apenas um passo inicial, mas, de qualquer maneira, creio que isso nos anima. E aí há o esforço individual, a capacidade e a identidade com o tema. Então, cada um dos Srs. Deputados e Senadores que militam no Parlasul... Penso que vamos apreciando no andar da carruagem e também vamos tocar outros assuntos que já têm, eu diria, um aval genérico por parte dos Srs. Senadores e Deputados. Então, nesse sentido, nós informamos que o próximo seminário, possivelmente, vamos fazer com caráter regional, em que o Senador Francisco Rodrigues... Já estamos em contato com a assessoria, a quem agradecemos também, para que, imediatamente, a gente vá pautando todos os seminários.
É isso, então.
Finalmente, agradeço a presença não só dos convidados como dos próprios Parlamentares.
O SR. PRESIDENTE (Nelsinho Trad. PSD - MS) - Agradeço ao Deputado Arlindo Chinaglia.
Tem alguns colegas que têm um nome mais abreviado que, quando você fala o nome deles certo... Eu penso que o Deputado Arlindo assim o fez por já ter sido colega, na Câmara dos Deputados, do Senador Chico Rodrigues. Se falar Francisco aqui, ninguém sabe quem é (Risos.); ... mas está certo, é a mesma pessoa.
Com muito prazer, eu gostaria de registrar a presença do Embaixador Bruno, que sempre está aqui defendendo as pautas do Ministério das Relações Exteriores; ressaltar que o Senador Astronauta Marcos Pontes é o Vice-Presidente da Comissão de Inteligência Artificial, da qual o Relator é o Senador Eduardo Gomes.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Nelsinho Trad. PSD - MS) - Isso.
R
Senhoras e senhores, é com grande satisfação que estamos realizando neste instante um importante seminário sobre dados pessoais e inteligência artificial no Mercosul. Como chefe da Representação Brasileira no Parlasul e anfitrião deste evento, gostaria de mais uma vez agradecer a presença de todos.
A inteligência artificial tem avançado muito nos últimos anos e, gradualmente, está sendo incorporada ao nosso cotidiano. Com o uso de smartphones e computadores, é comum o acesso a mecanismos que usam essa tecnologia, como o Google Assistant, da Google, e a Alexa, da Amazon, citados como exemplo.
Não obstante as inúmeras facilidades propiciadas por essa nova ferramenta, deparamo-nos com um grande dilema: como preservar a privacidade dos usuários e seus dados pessoais? Essa preocupação surge quando percebemos que a inteligência artificial necessita de um grande volume de informações para sua otimização, ou seja, quanto maior a quantidade de dados à disposição dos algoritmos, melhor será o seu desempenho.
Por esse motivo, existe um crescente interesse dos Estados nacionais em normatizar não apenas a proteção de dados, mas também o uso da inteligência artificial, de modo a garantir que não haja incompatibilidade entre o uso dessa tecnologia e o respeito à privacidade individual.
No caso específico do Mercosul, o desafio é ainda maior. Além de garantir essa compatibilização, precisamos harmonizar as legislações nacionais em cumprimento ao disposto no Tratado de Assunção. Acredito que este seminário será de grande valia nesse sentido.
É importante notar que já existe o compromisso firmado entre os Presidentes dos países-membros do Mercosul a fim de promover a integração digital, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento econômico e melhorar a produtividade e a competitividade empresarial. Do mesmo modo, também há o entendimento, no âmbito do bloco, de que a privacidade e a proteção de dados pessoais online são direitos fundamentais na era digital que devem ser respeitados no desenvolvimento e no uso da inteligência artificial. Além disso, existe o consenso de que os sistemas de inteligência artificial devem garantir o uso adequado e seguro de dados pessoais, proporcionando o controle e a transparência sobre o seu desenvolvimento e utilização, de acordo com a normativa vigente em cada país.
Sendo assim, acreditamos que as premissas para harmonizar a legislação sobre dados pessoais e inteligência artificial no âmbito do Mercosul já estão no caminho de serem estabelecidas. Cabe a nós legisladores encontrarmos a melhor maneira para que isso ocorra, tendo sempre em vista o progresso, o desenvolvimento e a democracia em cada um dos países-membros.
Sem dúvida, nosso mundo passa por rápidas e profundas transformações. Muito do que discutiremos neste seminário seria considerado mera ficção científica até pouco tempo atrás. Urge, portanto, que tomemos a dianteira desse processo, prevendo na legislação mecanismos que garantam a efetiva proteção de dados individuais e o pleno desenvolvimento das nossas tecnologias de informação.
R
Gostaria de informá-los de que já tive a oportunidade de ter participado do Simpósio Altiero Spinelli, em setembro de 2023, em Buenos Aires, onde lá - você estava, Andreatta? - a gente pôde testemunhar - eu fui como representante do Parlasul - as maiores autoridades da América do Sul e alguns europeus tratando desse tema. Qual foi o nosso impacto, a nossa surpresa, Deputado Arlindo? Ver o quanto nós ainda temos que avançar no sentido de regulamentar, organizar essa ferramenta para o bem da sociedade, porque isso não tem mais volta, isso já foi por um caminho pelo qual, dificilmente, se volta, e, daqui a pouco, se a gente não tomar os cuidados necessários para fazer, de forma racional, democrática e civilizada, essa organização, a gente pode perder o bonde da história, diante do que a gente presenciou lá.
Gostaria de ressaltar que, em Mato Grosso do Sul, mais precisamente, no denominado Aquário do Pantanal, que é o Bioparque do Pantanal, o maior aquário de água doce do mundo - está aqui uma propaganda que me permitam fazer, para quem não conhece, que deve ir até Campo Grande conhecer o maior aquário de água doce do mundo, do planeta -, lá tem um auditório onde foi feita uma discussão das vastas possibilidades que a inteligência artificial abre, para conectar os alunos ao cenário global, superando as desigualdades educacionais e proporcionando um ensino mais personalizado e inclusivo. Foi um tema extremamente intenso, debatido durante o dia todo, com a participação das autoridades da educação do estado, das autoridades relativas à informatização, a esse avanço e a essa inclusão da rede pública estadual nessa questão.
Ao encerrar esta breve fala, queria registrar a importância dos trabalhos realizados pela Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial, presidida pelo Senador Carlos Viana, cujos resultados, com certeza, serão de grande valia para a atividade legislativa.
Ademais, gostaria de solicitar a todos um bom desempenho e que se sintam à vontade para expor os seus raciocínios.
Muito obrigado. (Pausa.)
Neste instante, ao meu lado, está o Vice-Presidente da Comissão sobre Inteligência Artificial, o Senador Astronauta Marcos Pontes, de São Paulo, ao qual faculto a palavra para as suas considerações.
O SR. ASTRONAUTA MARCOS PONTES (PL - SP. Para discursar.) - Obrigado, Presidente.
Bom dia a todos já nominados.
Eu vou ser breve aqui, mas este é um tema de extrema importância, por várias perspectivas.
R
Primeiro, é importante citar que se trata de uma tecnologia disruptiva e que traz enormes benefícios para a sociedade e para cada um de nós na qualidade de vida, mas também, como toda tecnologia disruptiva, é preciso ter os cuidados necessários na sua aplicação. Isso já foi falado aqui, sem dúvida nenhuma.
Eu gostaria de ressaltar que o trabalho de se criar uma legislação a respeito de inteligência artificial tem um risco, no caso, de a legislação se tornar obsoleta muito rapidamente. Então, um cuidado que tem que se ter, e nós temos prestado atenção nisto na Comissão, é o de que a legislação trate do tema de forma mais principiológica, mas que tenha a sua implicação focada nos riscos. Esse é um ponto positivo dessa legislação, mas ela tem que ter alguns pontos claros.
Primeiro, a legislação tem que tratar de colocar o ser humano no centro e o desenvolvimento econômico e social no centro. Afinal de contas, a inteligência artificial tem que ser para o bem das pessoas, senão, não faz sentido a existência de alguma coisa como essa. Esse é o primeiro ponto. Para isso, a legislação precisa colocar elementos que facilitem o fomento do desenvolvimento dessa tecnologia no país, assim como precisa facilitar a utilização da tecnologia pelo setor privado e pelo setor público, de forma que melhore a qualidade de vida das pessoas, melhore a eficiência dos processos, a competitividade do país e tudo mais que pode ser tido como bom a respeito da inteligência artificial.
Os riscos, aí, sim, vão ser variáveis. Eu digo que são variáveis no tempo, porque o que hoje a gente pode considerar como baixo risco de inteligência artificial, daqui a pouco, vai ser alto risco, ou o contrário, alguma coisa que a gente vê como alto risco, depois, vai ser baixo risco. Portanto, essa parte da legislação precisa ser constantemente avaliada, reavaliada e modificada. Nós temos que ter uma estrutura, no país, que permita que isso aconteça, porque, infelizmente, a nossa estrutura, em termos de legislação, não permite que a gente fique fazendo a revisão da legislação a cada ano, aqui, por exemplo, mas a participação dos diversos setores - eu estou olhando o Waldemar aqui, da agência de proteção de dados - é muito importante, da mesma forma que na proteção de dados de pessoas, lembrando que a inteligência artificial não usa só dados de pessoas, usa dados de todas as espécies, para que ela aprenda e utilize isso durante o seu funcionamento normal.
Dentro desse contexto, há outro ponto importante. Eu falei, como primeiro ponto, da legislação para ajudar no fomento, no desenvolvimento e na utilização da inteligência artificial. O segundo ponto é baseado em riscos que vão ter que ser reestudados com frequência. O terceiro ponto é a estrutura que a gente tem que ter para evitar interferência entre agências. Por exemplo, a gente descartou, logo de cara, a possibilidade de criar uma agência específica para a inteligência artificial, porque, criando uma agência para uma tecnologia, daqui a pouco, a gente vai ter uma agência para televisão 4K, 8K e outros Ks, o que não faz sentido. É importante que se tenha uma coordenação, e, do meu ponto de vista, a agência de proteção de dados tem as ferramentas para isso, desde que melhorada em termos de orçamento e pessoal, para fazer a coordenação, junto com os diversos setores, as agências reguladoras, além da sociedade civil - importante a participação -, a academia, com as universidades, a comunidade científica, etc. Esses setores têm que se coordenar para que os riscos sejam avaliados da forma correta, para que o desenvolvimento no país não seja travado e para que não haja interferência entre as diversas agências. Isso é importante que se ressalte aqui.
R
Eu vou colocar outro elemento dentro dessa equação: a segurança cibernética. A segurança cibernética também tem uma importância gigantesca. Assim como dados são essenciais para a inteligência artificial, a segurança cibernética também é. Esse trio precisa ser discutido em conjunto, e a utilização deles, naturalmente, acontece em conjunto. Portanto, eu vejo como uma possibilidade muito boa também - da mesma forma que um conselho de proteção de dados humanos e um conselho para a inteligência artificial - um conselho de segurança cibernética, para se pensar, aqui no país, na utilização conjunta de tudo isso.
Aí vem o tema que nos traz aqui da conexão com outros países. Por natureza, a transformação digital, mais especificamente a inteligência artificial, cria uma conexão direta entre os países, ela não enxerga as fronteiras dos países. Portanto, esse trabalho junto com o Mercosul é muito importante, para que nós tenhamos um alinhamento entre os países, para que todos os países do nosso bloco tenham as vantagens da inteligência artificial e protejam a população dos riscos da inteligência artificial de forma coordenada, todos eles juntos. Isso vai nos trazer mais capacidade de entrar nos mercados internacionais, de forma conjunta, nisso aí. Se a gente ficar para trás em inteligência artificial, eu garanto que o nosso bloco vai perder competitividade, porque ela não vai parar, vai ser desenvolvida em outros países, e a gente vai ter que comprar o serviço lá, colocar os dados lá, e isso é muito mais arriscado.
Aliás, só para terminar, com relação à utilização e aos riscos da inteligência artificial, é muito mais arriscado não usar a inteligência artificial do que usar. Isso eu digo por razão muito simples e lógica: quando você não utiliza inteligência artificial ou não desenvolve inteligência artificial dentro de todas as suas capacidades dentro do país, isso vai acontecer em outros países, e a gente vai usar os sistemas de fora. Nós vamos conhecer menos a ferramenta e utilizar sistemas de fora, com os nossos dados lá fora também. Assim, é arriscado não usar a inteligência artificial ou tolher o desenvolvimento da inteligência. Por outro lado, na proteção das pessoas, isso também é mais arriscado, porque você só consegue mitigar os riscos de alguma coisa que você conhece bem. A gente precisa conhecer muito bem a inteligência artificial para poder mitigar os riscos com relação à ética da sua utilização, com relação à questão da proteção da privacidade dos dados.
E também, quando a gente fala de discriminação, quero lembrar que inteligência artificial trabalha com dados, bancos de dados, que, se forem, de alguma forma, parciais, nos dois sentidos da palavra, tanto incompletos quanto tendenciosos, a gente vai ter problemas com discriminação e outras coisas que a gente não quer que tenha. Então, é muito importante prestar atenção demais na qualidade do banco de dados que a gente utiliza ou que vai utilizar.
Eu vou dar só um exemplo, aqui, com relação a reconhecimento facial. O reconhecimento facial é uma tecnologia muito empregada, a gente usa isso, no nosso celular, o tempo todo. O reconhecimento facial funciona bem para esses casos, embora todo mundo já deva ter sentido algumas falhas. Se estiver de noite, por exemplo, ou se estiver meio escuro, você não consegue que funcione o sistema.
R
Agora, coloquem a seguinte situação para pessoas negras, por exemplo. Quando você vai fazer o reconhecimento facial com pessoas negras, naturalmente - a gente nota isso quando tira fotos -, fica mais difícil para reconhecer. É uma característica normal, existe isso. Se você colocar um sistema de reconhecimento facial para acusar alguém, por exemplo, ou procurar pessoas que estão no banco de fugitivos ou pessoas que a Justiça procura, e usar só o reconhecimento facial, você corre o risco de colocar um sentido discriminatório. Certamente, vai buscar mais pessoas negras do que pessoas brancas, porque é mais fácil você ter o reconhecimento funcionando com pessoas brancas do que com pessoas negras. Além disso, se for olhar o banco de dados, infelizmente, grande parte da nossa população carcerária é negra. Então, é só fazer os cálculos: estatisticamente, o sistema vai estar procurando mais pessoas negras do que pessoas brancas.
Só dei esse exemplo para ver como a gente tem que raciocinar a respeito da utilização da ferramenta como auxílio em muitas áreas. Então, é para a gente pensar e colocar tudo isso na balança.
Sem dúvida nenhuma, isso vai ser necessário na regulação, mas eu digo dos riscos da regulação. A parte principiológica não pode mudar: o ser humano tem que estar no centro, a sociedade, o desenvolvimento econômico e social do país tem que estar no centro.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Obrigado, Senador Marcos Pontes.
Eu vou convidar, agora, os presentes, os nossos convidados, e aí vamos ver qual seria o tempo necessário para cada um dos senhores e senhora para que vocês possam, de fato, dar a contribuição que querem e que nós precisamos.
Eu convido o Sr. Marcelo Martinez, que é Chefe da Divisão de Temas Digitais do Itamaraty.
Eu estou pensando em convidá-los para a mesa. Eu não sei se vamos caber todos aqui, mas, se não coubermos, a gente arruma mais uma cadeira, pode ser?
Eu convido também o Dr. Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior, Diretor-Presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, bem como a Dra. Estela Aranha, membro do Conselho Consultivo de Alto Nível da ONU para a Inteligência Artificial. (Pausa.)
Vamos começar com o Embaixador Marcelo Martinez.
Por gentileza.
O SR. MARCELO SALOMÃO MARTINEZ - Obrigado pela promoção, eu sou apenas um Secretário... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Não, mas você está a caminho!
O SR. MARCELO SALOMÃO MARTINEZ (Para expor.) - Estou representando, hoje, aqui, o Embaixador Laudemar Aguiar, que, infelizmente, não pôde estar presente.
Repetindo, eu sou Chefe da Divisão de Temas Digitais do Itamaraty, e, como chefe dessa divisão, dessa unidade, nós acompanhamos os trabalhos no marco do Grupo Agenda Digital do Mercosul, GAD, como ele é conhecido. Eu acho que eu tenho algumas atualizações bem interessantes para apresentar aqui para vocês hoje.
R
Nós encerramos a Presidência pro tempore do Mercosul do Brasil, em dezembro passado. Apesar de ser um período muito curto - as Presidências pro tempore do Mercosul duram apenas seis meses -, nós conseguimos avançar bastante coisa em diversas vertentes.
Algo que se conseguiu, que já vinha se arrastando no grupo há algum tempo, foi aprovar um plano de trabalho para o próprio grupo. O plano aprovado se aplica ao biênio 2024-2025, e, em seu capítulo 8, esse plano prevê, justamente, que os temas tanto de proteção de dados pessoais quanto de inteligência artificial sejam contemplados na pauta do GAD. Acho que, até refletindo também o grau de maturidade que esses dois assuntos já têm nos países do bloco, o tema de proteção de dados já tem um avanço a se registrar, o que, logo em seguida eu atualizo, e a questão de inteligência artificial foi pautada muito mais com o objetivo de que os países, em suas reuniões regulares, pudessem trocar, compartilhar, justamente, suas visões sobre o assunto e seus avanços regulatórios na matéria.
Do ponto de vista da proteção de dados, eu tenho a satisfação de dizer que avançamos muito na Presidência brasileira, por iniciativa da própria ANPD. O Itamaraty, naturalmente, não é especialista nem em proteção de dados nem em inteligência artificial, então, o que nós fazemos, basicamente, é servir os interesses das instituições nacionais que têm competência nessas matérias. Na Presidência brasileira, a ANPD propôs que a gente levasse à pauta, ao bloco a criação de um mecanismo de cooperação interagências no Mercosul, autoridades que, justamente, tratam desse tema da proteção de dados pessoais. Isso se fez, uma minuta foi pautada nesse grupo e foi negociada durante um período de três meses. Fechou-se, inclusive, um texto, ou seja, já existe um texto acordado para a criação desse mecanismo no bloco. O que falta? Bom, já estávamos nos finalmentes e entraram os advogados. Naturalmente, nesse momento, a coisa sempre se complica um pouco. Então, os pareceres dos juristas indicavam alternativas jurídicas diferentes, para saídas jurídicas, no Mercosul, para que se estabelecesse esse mecanismo. E, naquele momento, então, não foi possível finalizar essa negociação e já criar esse mecanismo.
Encerrada a Presidência brasileira, o tema foi retomado, agora, neste semestre, na Presidência pro tempore do Paraguai, em que há um interesse renovado do próprio Paraguai. Apesar de ele mesmo não contar, até o momento, com uma autoridade específica no assunto, ele, reconhecendo a importância do tema, pautou novamente o assunto, querendo avançar, querendo concretizar a criação desse mecanismo de cooperação. A Argentina e o Uruguai também estão muito entusiasmados com o tema. Busca-se uma saída jurídica, justamente, para que esse assunto avance, basicamente, com certeza jurídica, que é o que se quer, porque, entre outras coisas, esse mecanismo prevê a colaboração entre agências para casos, por exemplo, de descumprimento da lei ou para casos em que a proteção de dados pessoais se veja ameaçada, em vários países, simultaneamente.
R
O principal parecer jurídico do Itamaraty chamou a atenção de que é necessário você estabelecer esses mecanismos de cooperação jurídica de uma forma muito sólida para que, no futuro, uma investigação conjunta, uma colaboração entre agências não possa ser, eventualmente, questionada, inclusive do ponto de vista legal, ou seja, gere incerteza jurídica em determinada situação que se apresente, em um caso concreto em que se vejam violados esses direitos, seja no Brasil, seja em outros países do bloco, simultaneamente.
Eu posso dizer que o assunto tem um avanço, um avanço bastante concreto, no Grupo Agenda Digital do Mercosul, e, uma vez que se chegue... Eu conversava, agora, na entrada, com o Presidente Waldemar, da ANPD, justamente, com o objetivo de que a gente possa avançar nessa questão jurídica e chegar a bom termo, quem sabe, até o final da Presidência paraguaia, mas eu acho que, em um curto prazo de alguns meses, isso seria possível lograr.
Do ponto de vista da inteligência artificial, como eu disse, não há avanços muito grandes no bloco, e isso, mais uma vez, reflete o grau de maturidade da discussão dentro dos países do bloco.
Traçando um paralelo muito rápido - com isso, eu encerro a minha intervenção - com o processo que, hoje, se encontra em negociação nas Nações Unidas de um pacto digital global, os dois assuntos também estão em pauta. O capítulo 4 do pacto que está sendo negociado, neste momento, trata da governança global de dados, e o capítulo 5 trata da governança global de tecnologias emergentes, incluindo a inteligência artificial. Nos dois casos, nos dois capítulos, o nível de comprometimento, de compromisso que se ambiciona, no pacto, é muito abaixo do que a gente já conseguiu, em termos nacionais, eu entendo. Ali, por exemplo, em termos de governança de dados, há um chamado para o desenvolvimento de capacidades nacionais e regionais, e a gente, claramente, já avançou nas duas vertentes. Há uma iniciativa para se criar uma governança global, mas seria um processo que seria lançado a partir do pacto e não instalado pelo pacto. Então, realmente, é uma conversa entre os cerca de 200 países que estão, em Nova Iorque, negociando, é um processo que se inicia ali. Do ponto de vista da inteligência artificial, aí, sim, a gente vê um debate ainda mais caloroso, com várias das preocupações que já foram externadas, aqui na mesa, pelos oradores anteriores. Aqui, a Dra. Estela vai poder falar com muito mais autoridade sobre o assunto, mas o que se propõe, na verdade - não há nenhum indicativo de que isso será, de fato, acordado -, é a criação de um painel científico que possa, pelo menos, harmonizar a conversa entre todos os países, que todos tenham a mesma base de informação e possam, a partir dali, concordar em como proceder a uma ação coletiva e, de fato, estabelecer uma governança global. Para isso, o pacto, no momento, propõe um grupo de contato, como se chama na nossa linguagem diplomática, que, basicamente, é uma aproximação entre os países para continuar essa conversa em direção a algo mais concreto. Nessa conversa, vai incidir o grupo de alto nível do Secretário-Geral da ONU, do qual participa a Dra. Estela, que vai fazer, justamente, recomendações nesse sentido muito em breve. Então, eu imagino que ela possa também nos atualizar sobre o assunto.
R
Então, enfim, eu acho que - só para concluir - as nossas conversas, nosso marco nacional, claramente, de um lado, já é concreto, e, do outro lado, avança nesta Casa, e no bloco acho que a gente já tem avanços bastante concretos. A nossa região acho que pode ter orgulho de se posicionar no mundo hoje em dia.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Muito obrigado. Eu o chamei de embaixador, mas fui corrigido. Então, vou rebaixá-lo agora: Diplomata Marcelo Martinez.
Eu vou passar a palavra agora para o Dr. Waldemar Gonçalves Ortunho, que é Diretor-Presidente da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
O SR. WALDEMAR GONÇALVES ORTUNHO JUNIOR (Para expor.) - Bom dia!
Inicialmente, eu queria cumprimentar o Deputado Arlindo Chinaglia, o amigo e Senador Astronauta Marcos Pontes e, nas pessoas dos senhores, cumprimentar todos os Parlamentares, todos que nos assistem, esta mesa, a Dra. Estela Aranha, o Marcelo.
Agradeço por esse convite. É importante o tema, é importante nós discutirmos e, cada vez mais, trocarmos ideias, trocarmos experiências nessas áreas de proteção de dados, na área de inteligência artificial.
A atuação da ANPD, desde sua criação, em novembro de 2020, vem crescendo em função do aumento da nossa mão de obra, servidores que trabalham. Tivemos diversas entregas. Então, na área de proteção de dados, onde nós temos a incumbência de interpretar a lei, fiscalizar e sancionar, estamos atuando de uma forma a chamar a atenção até mesmo do cenário internacional. O Uruguai e a Argentina, com leis mais antigas, vieram nos procurar em busca da modernidade da lei brasileira. Então, a Lei Geral de Proteção de Dados é bem inspirada na lei europeia; então, é uma lei moderna, é uma lei que traz uma proteção muito grande ao nosso titular de dados.
Em função disso, as autoridades que estão há mais tempo, já com leis mais antigas, têm nos procurado em busca dessa modernidade. Só para se ter ideia, em uma normatização, uma norma qualquer que nós lançamos, nós fazemos sempre questão de uma tomada de subsídio, nós fazemos uma consulta pública, audiência pública, passa para o nosso jurídico, é feita a aprovação dessa norma ou de um guia, e, após um determinado tempo desse guia, nós temos a preocupação de fazer análise de avaliação regulatória. Ou seja, lançamos uma norma, queremos saber se ela atingiu realmente o objetivo, e, caso isso não seja cumprido, nós trazemos novamente para a bancada e alteramos, no que for necessário, essa norma.
Então, há a preocupação de lançar uma normatização e ela ficar obsolescente com o passar do tempo. Nós temos esta preocupação sempre de observar. E eu acho que são leis, são normas vivas que merecem ser adequadas para as novas tecnologias, novos modelos de negócio, e isso eu acho que é importante para a autoridade.
R
Quando surgiu o estudo de IA, de que nós participamos até mesmo daquele estudo do Senado, através da nossa Diretora Miriam Wimmer, depois do lançamento do PL, nós tivemos a preocupação de montar um estudo preliminar e apresentar este tema à Comissão. Fizemos diversos webinários, convidamos Parlamentares para participarem juntamente com a ANPD e discutir com diversos setores o tema da inteligência artificial - não tem como barrar, não tem como ficar fora. Muitos dos senhores nem sabem, mas estão usando aplicativos que, em sua estrutura, utilizam a tecnologia de inteligência artificial. É algo impensável recuar neste tema. Temos que avançar, temos que enfrentar e usar as vantagens que a inteligência artificial, como tecnologia, traz para todos.
Na nossa LGPD, no art. 20, nós já temos previsto um direito de transparência ao nosso titular quando nós temos decisões automatizadas, que são aquelas decisões que utilizam a inteligência artificial, e o titular merece e tem o direito de saber por que ele foi beneficiado ou barrado em alguma transação, por exemplo, financeira em função dessa análise em massa, onde nós temos uma decisão automatizada.
No nosso relatório final do PL, a ANPD foi indicada como o centralizador, mas não a única agência que trataria do tema. Então, eu acho importante ter um órgão central que vai, vamos dizer, juntamente com todas as agências setoriais, atuar com um fórum considerando a expertise de cada agência.
A ANPD atua de forma transversal. Não há órgão público, não há empresa privada que não tenha um banco de dados, uns menores, outros maiores como as big techs, mas todos têm bancos de dados. Então, já estamos, há três anos, trabalhando dessa forma. Incluir a inteligência artificial é algo natural para a ANPD. É claro que teremos que ter um fortalecimento em pessoal, fortalecimento em orçamento, na nossa própria estrutura. Isto é importante, mas isso aconteceria em qualquer outra decisão de uma outra agência, e não justifica, a cada nova tecnologia, uma nova autoridade ser criada.
Vemos que o tema tem sido discutido, a ANPD tem se envolvido no tema da inteligência artificial. Então, por exemplo, já participamos num grupo de trabalho da RIPD, que é a Rede Ibero-Americana de Proteção de Dados, realizada no Peru, com quatro eixos principais, um deles a inteligência artificial. Neurodados, eram os demais eixos ali, mas da inteligência artificial tem-se tratado. Nessa reunião, tivemos as diversas autoridades da América do Sul, tivemos as autoridades do México e todo o Caribe, juntamente com as de Portugal e Espanha, que são as europeias.
R
Então, esse tema é prioritário, ele tem sido tratado. No Brasil mesmo, nessa área de inteligência artificial, nós temos um sandbox regulatório de IA sendo citado em diversos eventos internacionais. Alemanha e México já nos chamaram para compartilhar experiências nesta área de sandbox regulatório, em que eles também estão atuando.
Um ponto importante ao Brasil: o sandbox regulatório é algo em que a gente monta um ambiente controlado e pode fazer testes com controle total. E a emissão de um relatório, ao final desses testes, pode ser utilizada pelas diversas autoridades, diversas empresas, setores do Governo.
Então, é uma experiência nova, em que nós estamos à frente de diversas autoridades mundiais. Então, o Brasil não está parado no tema da inteligência artificial. Estamos, sim, participando de vários, diversos eventos. Na próxima semana, nós teremos uma reunião do RIPD, em Cartagena, onde um dos temas a serem discutidos vai ser a inteligência artificial, e nós fomos convidados pela Comunidade Europeia, e o México, através da sua autoridade mexicana, nos incentivou a montar, no próximo ano, um grupo de trabalho realizado aqui, no Brasil, envolvendo a RIPD, em que o nosso tema principal seria esse processo regulatório de inteligência artificial.
Então, a ANPD não está parada; ela está com um dos temas prioritários a inteligência artificial, assim como crianças e adolescentes, em função da nossa pequena estrutura, a gente define temas prioritários. Então, inteligência artificial faz parte dessas definições.
Nessa área internacional, no mês de agosto, nós deveremos lançar a nossa norma de transferência internacional de dados pessoais, prevendo cláusulas, padrões em contratos, com que, vamos dizer, diversos órgãos e empresas estabelecem um contrato para fazer essa transferência internacional de dados pessoais. Juntamente com a Comunidade Europeia, nós estamos com um estudo bem avançado de adequação de decisão. Ou seja, não se vai precisar desse contrato padronizado entre Brasil e Europa. Uma vez firmada essa decisão de adequação, a transferência internacional de dados pessoais tem essa facilidade. É algo que vai trazer um ganho muito grande principalmente na área comercial, em que você quer fazer transferências internacionais. Um exemplo bem corriqueiro: quando um avião do Brasil pousa em determinado país, têm que ser fornecido os dados. Alguns órgãos penalizam por fornecer, e outros penalizam se não fornecer. Então, vamos dizer, a operadora da aviação fica numa situação bem embaraçosa, e, com essa aprovação, isso será definido.
R
No âmbito nacional, também nós temos atuado de uma forma bem marcante em temas de inteligência artificial. Temos montado webinários. Eu acho que não podemos deixar passar. Nós temos que assumir essa liderança, nós temos que tomar esse conhecimento e evitar riscos, algo discriminatório, e, para isso, nós temos que conhecer bem o assunto.
Então, a autoridade está preparada, inclusive nessa área de cibersegurança. Eu acho que as leis são importantes, mas a proteção, em termos de tecnologia, é importante para quem tem dados pessoais, para quem, dentro desses dados pessoais, utiliza essas decisões automatizadas, essas tecnologias de inteligência artificial.
Então, Deputado, era isso que eu queria apresentar, é o trabalho que a ANPD vem executando. Ela vem se preparando, com uma forma bem efetiva, para assumir esse encargo de centralidade de inteligência artificial na ANPD.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Obrigado, Dr. Waldemar.
Passo a palavra (Fora do microfone.)
... para a Dra. Estela Aranha, que é membro do Conselho Consultivo de Alto Nível para a Inteligência Artificial da ONU.
A SRA. ESTELA ARANHA (Para expor.) - Olá! Boa tarde a todos!
Eu queria, enfim, cumprimentar toda a nossa mesa, o Presidente da mesa, Deputado Arlindo Chinaglia, quem sempre é um prazer rever; o Senador Astronauta Pontes também, que faz parte da Comissão que está discutindo inteligência artificial, o PL de Inteligência Artificial, aqui, no Senado; o meu colega Waldemar, Presidente da ANPD; o meu colega Marcelo e todos os Senadores e Deputados aqui presentes.
Como eu fiz parte também da Comissão de Juristas para a regulação de inteligência artificial e, enfim, estou participando deste debate desde 2020, na verdade, depois participei das discussões do novo substitutivo à época, enquanto participava como membro do Governo, depois segui trabalhando com o Senador Eduardo Gomes lá no relatório, eu queria falar primeiro só alguns comentários sobre esse PL e, como foi a pauta do início desta reunião, depois entrar nas questões internacionais. Mas eu acho que o caminho, realmente, da regulação é esse PL. Acho que temos muitos consensos lá, o relatório do Senador Eduardo Gomes, de modo geral, contentou muitos setores com a necessidade de pequenos ajustes, e eu queria falar um pouquinho deles.
Como o próprio Senador Carlos Viana falou sobre os direitos autorais, eu acho que é necessário algum reforço à proteção da indústria criativa. Com a inteligência artificial generativa, a gente está colocando toda uma indústria em risco, e não só a indústria do audiovisual, mas também a indústria do jornalismo, os escritores, toda a indústria que vive da literatura, da música, de modo geral. Então, a gente não pode deixar um setor econômico que não é só importante como setor econômico, mas como é a alma nossa, pelo qual a cultura nossa é transmitida, nossos costumes, nossos valores. Então, por isso, a importância dos direitos autorais, e reforçar, em especial, no caso de treinamento de inteligência artificial.
Ontem, teve um fato que foi bastante debatido na internet. Aquela, atriz Scarlett Johansson, soube, percebeu que a voz dela estava sendo usada sem autorização para ser a voz da inteligência artificial da OpenAI. Quando ela se manifestou a respeito, eles trocaram, e todos que a conheciam se sentiam absolutamente incomodados porque realmente era a reprodução da voz dela, apesar de ela ter sido consultada anteriormente e não ter dado autorização.
R
Então, essa questão dos direitos autorais eu acho que é muito importante a gente fortalecer num projeto de lei, que foi um excelente trabalho do Senador Eduardo Gomes. Ele ouviu toda a sociedade, trabalhou junto com o Governo, foi, realmente, um trabalho a muitas mãos, mas sempre tem a possibilidade de alguns ajustes. Isso é superimportante.
E outra questão que eu queria destacar é que a gente não teve muito... Até fizemos algumas sugestões sobre a questão de IA generativa, mas, como a gente teve muito pouco tempo de debate, elas não foram incorporadas. Eu acho que é muito importante a gente acrescentar alguma coisa nesse sentido de garantir a autenticidade da informação e a integridade da informação. Nas últimas eleições, por exemplo, da Índia, a gente viu esse uso massivo de IA, manipulando um pouco a realidade, o debate público, o debate eleitoral, e isso é muito importante.
E, como está aqui presente o Presidente Waldemar, a importância de - obviamente, não a ANPD atual, que não teria condições, porque já não dá conta - a ANPD transformada ser um órgão central, uma autoridade de regulação para coordenar os outros setores. Isto é muito importante. Senão, você não tem nem... Imagina se cada agência existente, por exemplo, fizer sua norma completamente diferente, sem coordenação. Você acaba não tendo operabilidade entre as normas e requisitos absolutamente diferentes. Em direitos, por exemplo, iguais, você respeita de uma forma na saúde e na educação, de outro jeito. Não faz muito sentido. Então, isso é muito importante.
No ponto de vista internacional, eu vou falar um pouco dos processos da ONU, do Pacto Digital Global, e, como o Deputado falou, em relação ao processo de a gente seguir com tarefas concretas, eu vou colocar o que eu tenho. Se não...
Tarefas concretas. Eu tinha uma tarefa concreta para solicitar, inclusive, para os Deputados e Senadores que são membros do Parlasul que é levar este debate para o Parlamento, para o âmbito do Parlamento do Mercosul e, eventualmente, conseguir um tipo de apoio a esse processo que nós estamos fazendo do Pacto Digital Global. É um processo que a gente tem no âmbito da ONU e, por solicitação da Secretaria-Geral, foi dividido em vários temas, entre eles o da inteligência artificial, apoio à infraestrutura pública de comunicação digital, as questões, também, em relação a dados estão presentes, a questão da integridade de informação. Então, é um processo que vai ser apresentado aos Estados-membros agora, provavelmente em agosto, para discussão, para ser votado em setembro, à época da Assembleia-Geral da ONU.
Junto à Assembleia-Geral da ONU, tem um encontro, que é o Summit of the Future, a Cúpula do Futuro, em que cada ano se debate um respectivo tema, e este ano vai ser uma governança global no âmbito digital dessas questões que estão prementes, entre elas a inteligência artificial. E aqui eu vou trazer o nosso trabalho.
Para essa proposta de inteligência artificial, a ONU criou um órgão consultivo de alto nível, vinculado à Secretaria-Geral, da qual eu faço parte. Somos 33 membros, indivíduos de várias áreas geográficas de gênero, conhecimentos especializados, tem governo, sociedade civil, setor privado, meio acadêmico. E, a partir dessa comissão, nós fizemos intensas discussões, estamos fazendo muitas reuniões, ouvimos, estamos ouvindo, num processo de ouvir a sociedade no mundo inteiro, reuniões específicas, que a gente chama de dives, de assuntos específicos, e aí, enfim, cada tema envolvendo inteligência artificial.
R
Um deles, por exemplo, para o Deputado... a gente está falando sobre o mundo do trabalho, do impacto, por exemplo, no próprio sistema social das previdências. O mundo do trabalho hoje, quando tem a inteligência artificial, muda. As pessoas que trabalham, por exemplo, nos labels, nos rótulos da IA, ou em qualquer trabalho digital hoje no mundo em que se fala inglês, hoje o Sul Global faz, os países em desenvolvimento, a África, a Índia estão prestando esses serviços, que são pagos somente pela hora trabalhada e você acaba esgarçando todo esse sistema de proteção social que nos países mais pobres geralmente são bancados pelo sistema previdenciário. Isso não há cálculo atuarial que vá resolver depois, no futuro, sendo que todo mundo está fora, por exemplo, desses sistemas de previdência. Então, por isso que esse debate sobre novo trabalho, enfim, é um debate muito importante.
No âmbito do Pacto Digital Global, dentre as propostas que a gente gostaria - eventualmente, se a gente conseguisse esse encaminhamento - de apoiar, as propostas que o AI Advisory Body... a gente não tem ainda o relatório final; a gente tem as propostas iniciais. Nós vamos, na próxima semana, para a Singapura fazer as reuniões finais e entregar uma proposta final. Ela estava até um pouco mais tímida, mas eu acho que, a partir das negociações com os Estados, a gente vai conseguir avançar. Na verdade, o Comitê Consultivo fez uma proposta mais ambiciosa, mas, a partir da discussão com os Estados, a gente, enfim, fez uma proposta mais tímida para o Pacto Digital Global, mas eu acho que agora estão avançando as discussões.
Eu queria destacar a participação do Brasil em relação às discussões, em especial trazendo ao centro do G20. Nós apresentamos nosso relatório na discussão do G20, e a Presidência brasileira do G20 tem colaborado muito com essas discussões.
E dentre as propostas que nós gostaríamos de que o Parlamento Sul-Americano apoiasse, em especial, é a necessidade, primeiro, do reconhecimento dos gaps de governança global. Nós temos hoje um monte de fóruns globais discutindo sobre isso. Nesta semana mesmo tem o Summit, na Coreia, que é de segurança, que iniciou... depois, nós temos - é hoje que acontece - o AI for Good, que é a inteligência artificial para atingir as metas do milênio, entre outras coisas, lá no ITU; a gente tem, enfim, OCDE, discussões do G7, do G20, e tudo isso precisa, de alguma forma, ser coordenado, mas mesmo assim, com tantos âmbitos de discussão, nós temos gaps importantes de governança.
Um é a própria discussão que nós estamos tendo hoje na Coreia, que é o IA de fronteira, que são os riscos, os que trazem riscos para a segurança. Na verdade, a gente precisa estabelecer normas e ter alguma autoridade supervisora. Não basta... hoje a gente trabalha muito com a self-commitment, a autorregulação. As empresas assinam acordos e tratados entre... por exemplo, no G7, assinaram em relação à IA generativa, ou mesmo nos Estados Unidos - o Senador Pontes recentemente esteve lá, conversando com o Governo americano. É interessante que lá, na legislação americana, eles têm a executive order, que é o equivalente ao decreto, e eles são muito restritos em relação a toda a regulação de IA, em relação aos bias, aos vieses, à questão da discriminação, por exemplo. São instrumentos de soft law, mas são muito fortes e impositivos porque é o Governo americano que está impondo para as empresas, em relação à segurança, em relação a controles. Por exemplo, ao treinamento de IA, o uso de nuvens, que você tem que avisar, aquelas questões geopolíticas.
Mas os Estados Unidos, ao mesmo tempo que internamente cuidam de todos os controles de segurança, dentro dos espaços de debate internacional, eles não querem; só querem princípios. Então, a gente tem que fazer esse trabalho para a gente ter o mesmo nível equivalente que o debate americano tem em território nacional para todo mundo, justamente para que a segurança seja para todos.
R
Outra questão superimportante: o Senador, quando abriu, falou que todos os países estavam em nível competitivo de igualdade na inteligência artificial, e, na verdade, é o contrário. Hoje, a gente tem a concentração somente em dois países, principalmente. Alguns países estão tentando chegar, mas a IA, tanto a IA generativa quanto a IA fundacional, hoje, realmente são só desenvolvidas nos Estados Unidos e na China, e hoje alguns países estão investindo muito para tentar alcançá-los.
O Sul Global está absolutamente atrás e precisa de condições melhores para ter alguma assimetria, porque se a gente não consegue alcançar e somente usar os modelos deles, nós vamos usar softwares, vamos contratar serviços de software. A gente pode até eventualmente ter um serviço nosso mais eficiente, mas a gente vai ficar absolutamente dependente técnica, científica e economicamente dessas empresas, a gente não pode mudar.
Vou dar um exemplo do uso de IA que é muito importante, que é na agricultura, para prever clima, para prever safra. Um exemplo, até relacionado ao uso de dados - não pessoais, mas ao uso de dados - é que têm grandes ações de fazendeiros, de produtores americanos, contra... A Monsanto é a principal fabricante de inteligência artificial para a agricultura. Eles usavam esse software e todos os dados, obviamente, ficavam lá com a empresa. Quando eles quiseram trocar de fornecedor de software, não tiveram os dados da sua própria produção, da sua própria fazenda, tudo que foi gerado por eles. Então, eles ficaram dependentes dessa empresa e não podiam usar um outro sistema de IA, porque depende de dados do passado para você fazer o prognóstico do futuro. Seria inútil eles mudarem de software. Então, é esse tipo de coisa que a gente precisa evitar, e também evitar a dependência do Brasil de empresas internacionais.
Então, esse esforço distributivo para construir capacidades, incluindo o desenvolvimento colaborativo e acesso a dados... Hoje, os dados para o treinamento de inteligência artificial são os dados gerados em especial por mecanismos de IOT, que é a internet das coisas. E elas estão em silos privados dessas grandes empresas. A gente não tem acesso a esses dados para sequer treinar IA. Então, esse debate sobre esse acesso a dados de modo geral, licenciamentos de dados, uso de dados, hoje nenhuma pequena ou média empresa consegue treinar IA porque não tem sequer acesso aos dados que são necessários para ter essa capacidade. Nós não temos capacidade computacional nem para fiscalizar, porque capacidade para fiscalizar a gente não tem hoje, e muito menos para produzir IA, e falta isso.
Então, a ideia nossa é também a proposta de um fundo no âmbito das Nações Unidas - ele não é obrigatório -, também contando com recursos privados para trabalhar um projeto de esforço distributivo, de construir capacidades, de ter acesso a esse tipo de dados, diminuir essa dependência.
A outra questão que é muito importante nesses fundos regionais é, em especial, a Colaboração Sul-Sul nesses fundos, trazer para esse diálogo essa colaboração e formar fundos regionais. Hoje, toda IA é treinada em inglês e, mesmo quando você traduz, você traduz uma estrutura linguística, obviamente, em inglês. Então, você não tem reflexo da cultura, dos humores. Enfim, você simplesmente pega uma língua e traduz da forma que você fala, da forma com que você expressa.
R
Então, isso prejudica muito, por exemplo, no uso da IA generativa, em que você precisa desses insumos, e a gente precisa, na verdade, também ter esse tipo de... E quando a gente fala de audiovisual, por exemplo, eu sempre brinco, quando a gente pede uma imagem: "Gere uma imagem de pessoas tomando café da manhã", ela geralmente vai gerar uma imagem da pessoa comendo bacon com ovos no café da manhã, e não um cuscuz nordestino, não é?
Então, se a gente começa, se realmente a gente for usar a inteligência artificial como uma infraestrutura, a gente vai perder tudo: essa questão de identidade nacional, essas questões linguísticas, essas questões necessárias aqui, regionais. Então, também neste fundo a ideia é fazer esse debate de fundos regionais ou, por exemplo, na linguagem hispânica, na língua portuguesa e fazer treinamento e realmente ter bases de dados que a gente possa desenvolver, entre outras coisas.
Finalizando a proposta, o Diplomata Marcelo já se referiu a um painel científico internacional para a gente avaliar cientificamente os riscos também, porque o principal ponto é este: saber exatamente se aquela IA está em risco. Não pode cada país dizer "ah, eu estou pondo em risco" ou "não estou pondo em risco". Tem que ter um padrão internacional, porque um país não pode pôr o outro em risco. E os riscos são altos, tem riscos de ameaças biológicas, de cibersegurança, como foi colocado aqui, enfim, armas autônomas, entre outras coisas.
Alguma forma de governança, de diálogo, pelo menos, para ter a interoperabilidade dentre as normativas de IA, dentre os standards de IA, isso também é bom, inclusive, é uma demanda do próprio mercado. Se eu produzo IA e cada país regula de uma maneira, coloca um standard, um requisito necessário diferente, eu não vou poder vender para os outros países, não vai poder ter fluxo de dados, enfim, vai ter uma dificuldade toda de usufruir isso.
Então, a necessidade de você ter, pelo menos, os standards básicos de respeito aos direitos humanos internacionais, à legislação internacional já posta, e que a gente tenha, sim, um órgão central, eventualmente, não é um órgão central sem que... é uma coisa mais soft power, de estandardização de parâmetros, normatização e coordenação para que nós tenhamos padrões globais comuns, enfim, com respeito a esses direitos.
Enfim, a proposta ainda tem mais algumas outras coisas, mas eu acho que a questão do desenvolvimento, de não deixar ninguém para trás, do desenvolvimento do Sul Global em relação a isso, de não ter essa concentração excessiva, de ter uma distribuição mais equitativa das questões científicas, ter consenso científico, em especial, sobre risco e ter uma governança de risco são as nossas propostas básicas, e eu gostaria muito que os Deputados e Senadores que estão no Parlasul pudessem encaminhar, eventualmente, para se apresentar para o Parlamento Sul-Americano e eventualmente aprovar algum documento, alguma coisa de apoio a essa proposta, a esse conteúdo mínimo para as discussões, para os países membros discutirem na Assembleia Geral.
É isso.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Obrigado, Dra. Estela.
Eu, de pronto, quero passar a palavra para o Deputado Pastor Eurico.
O SR. PASTOR EURICO (PL - PE. Para discursar.) - Nobre Presidente, cumprimento V. Exa. e os demais participantes da mesa, honrosamente o nosso astronauta, um orgulho para o nosso Brasil e para a história da astronomia do mundo.
O tema é muito complexo, porque a coisa está em andamento, e é muito difícil entrarmos em detalhe.
R
Eu fiquei muito atento a tudo que aqui foi falado, até porque acredito que os maiores experts estão trabalhando - dentre eles são os senhores e a senhora que aqui está - e fiquei atento a todos os detalhes, apesar, Presidente, de que - eu acho que não posso cobrar muito, até porque é a primeira - eu ouvi pouco se falar em educação e fico com uma interrogação - eu não sei se alguém poderia até informar como está vendo isso: a questão da educação, dentro desse tema do uso da inteligência artificial, já nos preocupa como será esse amanhã, porque tudo indica que hoje, num clique, o aluno desses cursos - desses tantos cursos aí pela internet - pode usar inteligência artificial até para fazer o curso por ele. E amanhã? Como será esse profissional? Na área da educação, eu acredito, tem muita preocupação.
E depois vem a questão da formação de alguns profissionais, até porque, com esse avanço, teremos também um prejuízo muito grande na área profissional. Poderemos ter também muito desemprego, essa é a verdade, mas evolução é evolução, tudo vai se adequando.
Mas me preocupou muito essa questão da educação. É um tema que não foi tratado aqui, mas eu queria, se já se pode adiantar alguma coisa, saber como os que aqui vieram palestrar estão vendo esse tema, o tema da educação na inteligência artificial. E, quando falo educação, é a questão do aluno, não é? Os diversos cursos que tem hoje na área digital.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Deputado Motta.
O SR. AFONSO MOTTA (PDT - RS. Para discursar.) - Queria cumprimentar V. Exa., que tem esse papel importante de, na qualidade de nosso líder da representação brasileira no Parlasul, promover iniciativas tão importantes como esta. Quero cumprimentar também o Senador Marcos Pontes e o conjunto dos palestrantes.
Quero aproveitar a oportunidade para cumprimentar a nossa equipe, nossa laboriosa equipe, o Antônio, a Bete e todos que a integram, que sempre nos proporcionam muito.
Quero cumprimentar a representação diplomática aqui, os nossos parceiros, companheiros de sempre, de todas as horas.
Quero cumprimentar os Parlamentares, em especial o Pastor Eurico, sempre presente, sempre muito participante.
Eu, de muito, Presidente, tenho uma visão crítica, mas sempre contributiva, sobre o funcionamento do Parlasul, e a minha crítica tem duas vertentes.
Uma primeira vertente é de caráter institucional. Acho que a forma como funcionamos, regimentalmente, no Parlamento tem dificultado o debate.
Ainda há pouco, eu fui entrevistado - uma entrevista de algumas horas - sobre que tipo de contribuição nós poderíamos dar para que esse funcionamento regimental fosse qualificado.
E o segundo é temático. Eu acho que o nosso debate... Como, Pastor Eurico, o nosso espaço lá é pouco regulatório, é muito mais propositivo, acho que nós acabamos ali colocando na pauta aquele conjunto que vem das Comissões, e ele acaba se traduzindo em pouca substância.
R
E eu até tinha preparado, na última sessão em que não tivemos oportunidade de debate - foi uma sessão importante, na qual nós definimos a Presidência e superamos aquele debate que fazíamos com a bancada e a representação argentina -, exatamente um conjunto de temas que eu julgo muito importantes, entre os quais eu tinha elencado a questão das fake news e a questão da inteligência artificial. Então, eu realmente quero valorizar muito esta iniciativa.
Acho que esse é um tema da ordem do dia, é um tema de dimensão global, um tema em que a gente tem visto um debate muito limitado, com conteúdo limitado, sem que isso represente nenhuma pretensão, mas dentro da simplicidade, e que, como o Pastor Eurico colocou, vem já acontecendo nas nossas vidas, vem tendo um conjunto de determinações que marcam esse momento da humanidade, no qual há muita perplexidade, questões de grande dimensão, como agora mesmo... Eu, que sou Parlamentar do Rio Grande do Sul, trago também a perplexidade da necessidade urgente de um debate sobre as questões climáticas, sobre as questões preventivas... Como é que a gente reordena um país continental com um processo federativo como o Brasil? Como é que a gente reorganiza tudo isso, inclusive numa dimensão dos recursos que nós expomos na questão orçamentária?
Claro, quando acontece uma catástrofe, é muito mais fácil a gente tratar as questões de forma emergencial, na questão da reconstrução, mas o grande desafio é como nós vamos começar a prevenir, a trabalhar, tudo isso dentro de referências que sejam referências que contribuam para o bom debate.
E eu acho que a inteligência artificial, por tudo... E eu tive a oportunidade de prestar bastante atenção na apresentação, no comentário feito pela Dra. Aranha - e pergunto até de onde vem esse Aranha, porque eu sou da terra do Oswaldo Aranha, lá na fronteira oeste do Rio Grande do Sul -, tem muito significado, e eu acho que isso representa para nós, Parlamentares do Rio Grande do Sul, não só atendendo à possibilidade da nossa participação, para não falar do nosso apoio, nosso reconhecimento, vamos dizer assim, desse conjunto de iniciativas que foram relacionadas aqui, mas também esse tema... Nós conseguirmos colocar esse tema como um dos grandes debates que se fazem necessários no contexto do nosso Parlamento e no contexto deste momento global, e o papel estratégico que o Brasil pode desempenhar nesse debate.
Então, Presidente, muito obrigado. Contem com a nossa participação e parabéns pela iniciativa.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Obrigado.
Eu vou passar a palavra aqui para os palestrantes, a partir das considerações dos dois Parlamentares que acabaram de falar, Deputado Eurico, Deputado Afonso Motta, e, depois, dependendo das circunstâncias, a gente encaminha para o encerramento ou não. (Pausa.)
R
Quem se sentir motivado ou motivada pode começar.
A SRA. ESTELA ARANHA (Para expor.) - Comentando realmente a questão da educação, não só o treinamento dos trabalhadores, mas a educação para essa nova realidade, que é a inteligência artificial e a inteligência artificial generativa.
Deputado Motta, inclusive minha solidariedade por tudo que se passa no seu estado. Nesses dias, nós tivemos muito trabalho nessa questão, em relação a que as vítimas - por tudo que está acontecendo - recebessem informações confiáveis daquilo que acontece. Isso é central, obviamente, no atendimento de uma catástrofe, de uma tragédia, você ter informações confiáveis para as pessoas saberem como fazer, como agir, entre outras coisas.
Nesses cenários, ficamos muito preocupados no futuro, sem o que chamamos de integridade da informação e, às vezes, até a autenticidade da informação. No futuro, uma das discussões que tivemos dentro do projeto de lei era justamente que o poder público, quando usasse alguma forma de, com a IA generativa, tivesse algum tipo de marca d'água que confirmasse a autenticidade, porque, senão, daqui a pouco, ninguém vai saber o que realmente o governo falou, tanto em termos de você imitar o próprio governante, um Presidente, um Governador, um Prefeito, como de você ter, enfim...
A gente teve circulando falsas leis, projetos de lei, enfim, e, aí, como você vai saber no futuro, com tanta IA generativa, o que realmente é autêntico e o que não é? Como você vai saber... Daqui a pouco, a gente vai ter que ter autenticidade de tudo que sai do poder público oficial, porque tudo pode ser modificado facilmente. É muito barato, fácil e com dois cliques.
Claro que hoje tudo pode ser forjado, mas é que vai ser em grandes escalas, em escala de distribuição, muito rápido, com autenticidade, inclusive, às vezes audiovisual muito grande.
Então, esse tema da integridade da informação é central nessa discussão do Pacto Global Digital. A gente fala um pouco no nosso relatório, mas não concentra nisso, porque temos, lá no âmbito da ONU, coordenado pela Melissa Fleming, um outro ponto que vai tratar disso. Então, apoio também a este ponto.
E, sobre a educação, é muito central, para além do treinamento, essa educação, vamos dizer assim, midiática, para entender o que é inteligência artificial, entre outras coisas, a distinção daquilo que a gente chama de conteúdo sintético, derivado, ou o que é conteúdo fático, autêntico, da vida real, mas também entender, enfim... A inteligência artificial não é uma inteligência; ela é um sistema preditivo, por meio de cálculos de proporcionalidade, estatísticos. Então, ela também não pode resolver todos os nossos problemas. Ela tem suas limitações. A gente entender, conhecer essas limitações também é muito importante e saber como a gente vai ter nosso desenvolvimento nesse cenário.
Na nossa proposta da ONU, a parte de educação, tanto de treinamento de capacidades, para desenvolvimento de IA, como de educação, de modo geral, é bem forte, em especial nos recursos, na destinação dos fundos que nós queremos destinar. Ela está contemplada. Eu acabei não conseguindo passar todo o nosso programa, mas é uma questão central mesmo.
Enfim, eu só queria deixar combinado, se os Parlamentares puderem, depois, se tiver a possibilidade de a gente encaminhar alguma coisa nesse sentido, junto ao Parlamento Sul-Americano.
Nosso Governo, o Governo brasileiro, apoia esse processo de um modo geral, mas tem outros países sul-americanos que precisam de pressão para que os outros governos também apoiem, e essa pressão do Parlamento seria muito importante.
R
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. Bloco/PT - SP) - Eu estou invertendo agora a ordem. O Dr. Waldemar coincide em ser o segundo, porque quem vai ser o último vai ser o Diplomata Marcelo. Se fosse embaixador, falaria de novo em primeiro.
O SR. WALDEMAR GONÇALVES ORTUNHO JUNIOR (Para expor.) - A inteligência artificial é algo que, vamos dizer, chegou de forma avassaladora, com o ChatGPT. Então, ela é muito boa para o bem, mas é muito ruim para o mal, e você pode usar das duas formas. É uma dinâmica muito forte. Então, esse resultado chamou a atenção.
Vamos dizer, eu acho que não tem como ficar fora, nós temos que nos capacitar. Então, é importante buscar essa capacitação no âmbito nacional, no âmbito internacional, na ANPD...
Nós temos feito isso. Nós temos... Às sextas-feiras, de 15 em 15 dias, nós fazemos uma conversa interna, em que alguém que tenha essa capacitação divulga essas informações internamente, não só na área de inteligência artificial, mas principalmente na área de proteção de dados.
É verdade que, vamos dizer, você pode tirar um curso sem assistir absolutamente a nenhuma aula, usando um aplicativo deste. Eu fiquei à frente de salas de aula, como professor, durante mais de 20 anos, e a dificuldade que nós tínhamos era descobrir plágios, trabalhos, vamos dizer, que não eram do próprio aluno. Hoje isso é mais difícil. Hoje, a gente, eu tenho conversado com uns amigos, voltou aquela folha de papel almaço, desligam todos os celulares, e vamos fazer um trabalho, vamos fazer uma apresentação desta forma.
Ou de outra forma também. Eu achei fantástica a ideia de um professor: ele dá um tema, manda que o aluno apresente uma solução de IA, e aí sim, depois, faça uma crítica nessa solução.
IA é muito bom, mas nem tudo é verdadeiro. A gente tem que fazer uma crítica em tudo aquilo que nos é apresentado, porque tem muitas verdades, mas tem muitas inverdades. Então, para o aluno também isso é importante. Acho que ele tem que usar, não tem como fugir disso.
Nós temos, hoje, no próprio órgão público, diversas tarefas que são executadas utilizando ferramentas de inteligência artificial, mas têm que passar no crivo da parte humana, vendo o que é aproveitável ali, o que é descartável.
Então, inteligência artificial é assim que se está nos apresentando, e a gente tem que acompanhar a evolução dessa tecnologia.
Não tem como fugir, mas uma forma de enfrentar e evitar esses pequenos problemas é conhecer bem o tema, conhecer o assunto. Nós temos que capacitar, capacitar o máximo de pessoas da equipe para enfrentar essa tecnologia.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Obrigado, Doutor.
Com a palavra o Diplomata Marcelo Martinez.
O SR. MARCELO SALOMÃO MARTINEZ (Para expor.) - Obrigado, Deputado.
Em primeiro lugar, toda promoção é sempre bem-vinda, ainda mais no nosso cenário, em que é super difícil alcançar qualquer coisa, enfim, elevação profissional... A gente fica naturalmente feliz.
Mas, tentando aterrissar os comentários com o próprio tema que a gente debateu, no Mercosul, a questão da educação, por exemplo, também é parte do nosso plano anual do grupo Agenda Digital do Mercosul.
R
Foi demanda do nosso Ministério da Educação pautar o tema do desenvolvimento de habilidades digitais, e também o assunto entra do ponto de vista do letramento midiático, inclusive quando a gente trata do tema de integridade da informação em ambientes digitais, ou seja, combate à desinformação e a discurso de ódio. Então, isso já é também pauta do nosso grupo no bloco, e é claro que cada presidência, em seu dado momento, tem ênfase em um assunto ou não. A Presidência paraguaia, por exemplo, não tem ênfase nesses temas no momento, mas enfim, isso já é parte da pauta e nos permite, inclusive na nossa próxima presidência, aprofundar esse debate.
Foi citada também a questão da desinformação, das fake news.
Deputado, eu só queria recordar que o próprio Mercosul, também na nossa presidência, aprovou a declaração, em nível de líderes, presidentes, justamente em defesa da integridade da informação e da democracia. Foi um marco, um marco não só regional, mas um marco global. É o primeiro bloco do planeta a aprovar um documento dessa natureza, o que foi, inclusive, objeto de elogio das Nações Unidas. A Melissa Fleming, citada pela Dra. Estela Aranha, redigiu uma carta, parabenizando o Mercosul por ter aprovado essa declaração em combate à desinformação e discurso de ódio. Então, o bloco realmente está muito atento a essas pautas digitais em todos os seus aspectos.
Era isso. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Obrigado, em nome do conjunto.
Olha, como ficou, eu diria, bastante demonstrado, o óbvio é que é um tema que cada vez mais vai exigir um esforço, eu diria, tanto intelectual, no sentido do conhecimento, como também um esforço político, porque é, obviamente, de dimensão global. E, no início, a gente comentava do nosso desafio de, no âmbito do Mercosul, buscar avançar.
Então, além de agradecer aos palestrantes, eu queria sugerir, pedir, que isso que vocês comentaram, a seus critérios, que vocês nos enviassem, porque é impossível, para quem não está no dia a dia nesse tema, apreender tudo aquilo que está sendo feito. Por quê? O que deu para a gente perceber é que, por desinformação, muita coisa está acontecendo, inclusive da maneira otimista como vocês relataram. Não é otimista em abstrato, não, em cima do trabalho e das conquistas em andamento.
Com tantas iniciativas de ministérios distintos, de órgãos distintos, da ONU, enfim, aqui também da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, às vezes fica difícil a gente inclusive entender qual é o fluxo, quem é que está organizando isso no limite? Nós podemos dizer "é o Governo", mas quem, no Governo? Acho que isso facilitaria essa relação, que não anula o papel de cada órgão, especialmente aqueles que os senhores aqui e a senhora representam.
Mas eu creio que, para facilitar nossa intervenção, inclusive no Parlamento do Mercosul, nós precisamos ter mais domínio de como é que as coisas estão caminhando a partir do Brasil, pelo menos, mas não só.
R
Então, eu diria... Estou tentando aqui a gente dar algum encaminhamento como consequência deste seminário, porque acho que nós temos que valorizar o esforço que cada Parlamentar, seja Deputado, seja Senador, fez.
Antes de fazer a proposta, eu quero agradecer aqui especialmente aos Consultores do Senado Tarcisio e Joanisval; agradecer ao Rafael Reis, que é Diretor de Comunicação do Parlasul e se dispôs a vir aqui, por duas semanas, a trabalho. Cumprimento também aqui a representação brasileira, que é o Antonio, a Elisabete, o Fernando Leão e o Luiz Cláudio - agradeço a todos. Agradeço também àqueles Senadores, como os Senadores Nelsinho e Marcos Pontes, que estiveram, mas, por compromisso, tiveram que se ausentar, da mesma maneira os Parlamentares e Deputados...
O SR. PASTOR EURICO (PL - PE) - Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Pois não.
O SR. PASTOR EURICO (PL - PE. Pela ordem.) - Se V. Exa. permite, quero parabenizar V. Exa., toda a equipe, principalmente o pessoal que nos assessora a todos nós no Parlasul.
É só uma interrogação, porque já me fizeram a pergunta, e eu realmente não sei responder - por enquanto, não sei. Não sei se eu poderia ver pelo menos uma luz aqui.
Estados Unidos, China, bom, esses países que estão mais à frente aí: se nós pensarmos numa escala de participação nessa construção - não vem aqui questão partidária, por favor, nada a ver uma coisa com a outra. Vou falar do meu país, Brasil -, então, onde está o Brasil aí? Em que percentual, mais ou menos, nós estamos, como Brasil, nessa preocupação da construção?
A SRA. ESTELA ARANHA (Para expor.) - Então, na verdade, o país Brasil está apoiando justamente esse processo da ONU, porque esses outros processos... Ou assim: das normas econômicas de circulação, livre circulação de mercadorias, OCDE, o Brasil não é parte. Quanto às normas mais restritivas sobre IA generativa, o maior documento é o G7, de que o Brasil também não é parte e em que as empresas realmente tiveram um comprometimento; ou os acordos bilaterais entre Estados Unidos e União Europeia - recentemente teve um acordo, inclusive, entre Estados Unidos e China.
Esses pactos, essas discussões, por exemplo, globais que estão tendo, que é a coisa da segurança, da IA, que a gente chama de fronteira, está o Reino Unido, a Coreia entrou, tem os Estados Unidos, entre outros, mas também o Brasil não está liderando.
Então, na verdade, quando o Brasil aposta no processo da ONU, é porque a ONU é o único espaço mais democrático em que os países do Sul Global têm voz. E, nesse processo de IA, a gente realmente tem uma participação, é muito ouvido. Inclusive, o Presidente Lula tem reuniões com o próprio Secretário-Geral da ONU sobre esse tema, eu estou no conselho, estou no comitê executivo desse conselho, porque, além do conselho de trinta e tantas pessoas, a gente tem um comitê executivo de oito pessoas. Eu estou viajando muito, acompanhando muito de perto, e a gente está participando.
Então, este é o único processo em que o Brasil está tendo voz, está participando e quer construir, inclusive, apoiar, mas, assim.... A gente, obviamente, está muito atento às questões do que vai sair desse processo, mas é o único processo em que tem algum acesso democrático os países do que a gente chama Sul Global ou Maioria Global, senão estão sempre concentrados onde está o poder econômico. Então, por isso que é muito importante.
Se não é um processo da ONU, em que todos os países têm peso igual, o Brasil, na verdade, não tem lugar na mesa para discutir, não tem voz, não é?
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Pois não.
R
O SR. MARCELO SALOMÃO MARTINEZ (Para expor.) - Só a título de complemento, é um processo muito fragmentado na discussão.
Eu acho que a pergunta do Deputado pode ser dividida em dois capítulos: onde nós estamos? Qual é a posição do Brasil nessa discussão?
Primeiro, essa pergunta poderia se aplicar às capacidades nacionais, digamos assim, dessa indústria. Isso foge à minha competência, digamos assim.
Sobre o engajamento nas discussões em fóruns internacionais, é uma discussão muito fragmentada. A inteligência artificial é uma tecnologia de aplicação horizontal a todos os campos da sociedade, da economia. Então, é uma discussão hoje, por exemplo, em que toda a organização do sistema das Nações Unidas tem um papel a desempenhar, e cada uma delas pauta esse assunto da sua própria perspectiva.
E não só nas Nações Unidas, mas a Dra. Estela mencionou a OCDE e outras organizações internacionais, plurilaterais, digamos assim, em outras instâncias, e o Brasil participa basicamente de todas essas discussões. Inclusive na OCDE, onde tem o Grupo de Economia Digital, de políticas digitais, o Brasil participa de todas as reuniões e de todos os grupos de trabalho.
No G7, recentemente, fomos convidados a ser parte do grupo de amigos justamente do Processo de Hiroshima, que discute os riscos da inteligência artificial. E este ano, em particular, a gente tem uma importância diferente, porque somos a Presidência do G20.
O Brasil pautou a inteligência artificial no Grupo de Economia Digital do G20, sob a perspectiva do desenvolvimento, da simetria de capacidades entre os países, e tem sido chamado, na qualidade de Presidente do G20, justamente a ter maior protagonismo em todas essas discussões em todos os fóruns.
Então, eu diria que o Brasil, sim, tem voz e este ano, particularmente, está sendo ouvido.
A SRA. ESTELA ARANHA (Para expor.) - Isso, tem voz e é importante, porque a gente está em todos os processos, mas não tem decisão - não é? - em todos. Não é um país-membro da OCDE. No G7, nós somos amigos, nós participamos da discussão, mas o final quem decide são os países-membros, essas discussões... Mas, obviamente, o Brasil, até na sua posição geopolítica, pelo seu engajamento no debate, a gente está participando, como país, de todas essas discussões. Agora, a decisão, ter participação na decisão, ter esse voto nós não temos, nesses âmbitos onde está sendo discutido isso.
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Dr. Waldemar.
O SR. WALDEMAR GONÇALVES ORTUNHO JUNIOR (Para expor.) - Neste tema, a ANPD tem buscado todos os eventos em que é possível nós participarmos, não só em capacitação, mas também em participação, e uma participação efetiva. Por exemplo, esse projeto sandbox regulatório que nós estamos desenvolvendo, nós temos contratado assessoria para esse projeto de vários consultores e temos sido convidados para apresentar o nosso projeto.
Além disso, acordos de cooperação técnica, memorandos de intenção têm sido firmados com diversas agências, com diversas autoridades internacionais, justamente para nós nos aproximarmos de quem está mais avançado nesse tema. Então, essa busca é necessária.
Redes, como a Rede Ibero-americana, procuram dar esse nivelamento aos participantes dessa rede. Nós fizemos parte, por exemplo, dessa rede, como membro com direito à fala, com direito a voto. Então, essa participação nós temos feito, com o objetivo sempre de encurtar essa distância do Brasil de quem está mais à frente, como China, como Estados Unidos, Alemanha, por exemplo - que está bem avançada também -, França... Então, esta busca de conhecimentos é importante, é algo que nós temos feito ao máximo em nossa participação.
R
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Eu quero anunciar também a presença do Deputado Roberto Monteiro, que já tinha avisado antes de um compromisso, mas agradeço-lhe pelo esforço.
Nós aqui estamos...
O SR. ROBERTO MONTEIRO PAI (PL - RJ. Fora do microfone.) - Eu sou soldado do senhor. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Arlindo Chinaglia. PT - SP) - Ele é um brincalhão, um amigo.
Mas eu queria, até aproveitando esses últimos comentários a partir da pergunta formulada pelo Deputado Pastor Eurico, dizer, em seguida, a proposta que eu estou imaginando, mas creio que o Brasil tem um... Não um atalho; ele tem um outro caminho - que também não será paralelo, mas às vezes parece -, que é a composição dos próprios Brics, porque nós temos a China, nós temos a Rússia, nós temos a Índia, a África do Sul, nós, e estão chegando mais cinco países, quer dizer... E isso, evidentemente - e aí não é comemoração, é a constatação -, como existe uma disputa tecnológica, eu diria, muito grande, quem sabe o Brasil possa trabalhar com os dois, vamos chamar polos tecnológicos, e, a partir daí, a gente possa avançar e, sem nenhuma presunção, digamos, fazer com que quem sabe até o Mercosul se anime mais ainda no avanço que os senhores e a senhora relataram.
O que eu estou pensando é o seguinte: a partir do seminário, eu faria uma proposta de recomendação ao Conselho do Mercado Comum - que é o máximo que a gente pode fazer - para que exista uma posição única do bloco. A gente vai instar o Conselho do Mercado Comum a uma posição única sobre a proposta, a ser encaminhada para votação, em setembro, na Assembleia Geral da ONU, porque creio que, se houver, daqui até lá um esforço... O que já está havendo, mas, se o Conselho Comum abraçar, digamos, com esta decisão pode-se trabalhar. Pode dar certo ou não, mas, se o Conselho Comum abraçar, eu creio que isso vai significar um avanço importante para o trabalho que os senhores, a senhora e outros já executam.
Então, ao sair daqui, nós vamos falar aqui com a assessoria, para elaborar, e penso que os próximos seminários, no momento oportuno, a gente vá anunciar.
Eu só quero pedir para não desligar o painel, porque eu não marquei presença, mas declaro, então, encerrada esta reunião - este seminário, melhor dizendo.
(Iniciada às 10 horas e 21 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 15 minutos.)