13/06/2024 - 19ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 19ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição e Justiça da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei 226, de 2024, que altera o Decreto-Lei nº 3.689 (Código de Processo Penal), para dispor sobre os critérios para aferição da periculosidade do agente, geradora de riscos à ordem pública, para concessão de prisão preventiva, inclusive quando da audiência de custódia, conforme Requerimento nº 10, de 2024, da CCJ, de minha iniciativa.
A reunião vai ser presencial, sendo permitida a participação remota das Sras. e Srs. Senadores e dos convidados, por sistema de videoconferência, para exposições e debates, e será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, eu oriento aqui os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas: podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 061 2211.
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Esse projeto de lei vem responder a anseios da população, que tem se preocupado com os critérios de definição de decretação da prisão ou de soltura de pessoas presas em flagrante em audiências de custódia.
Muito embora a audiência de custódia seja pertinente por permitir uma presença do preso junto ao juiz diretamente para que o juiz possa proferir uma decisão, o fato é que, em alguns casos, há solturas que têm gerado perplexidade.
O Projeto de Lei 226 é de autoria do agora Ministro Flávio Dino, que o apresentou quando era Senador, preocupado com essa questão da segurança pública, e vem também na linha de projetos que já tramitavam nesta Casa, como o Projeto de Lei 10, de 2024.
Eu tenho aqui, antes de passar a palavra aos nossos convidados, uns dados interessantes, dados do próprio CNJ.
De 2015 a 2023, foram realizadas, segundo estatísticas oficiais, 1.155.125 audiências de custódia. Em 519.911 delas, ou seja, basicamente, 45%, foram concedidos o benefício da liberdade provisória aos presos. Eu tenho certeza de que os juízes, seja nas capitais, seja no interior do Brasil, fazem ali, buscam fazer o seu melhor trabalho e, em muitos casos, têm proferido as decisões corretas tanto de concessão da liberdade como, também, de decretação de eventual prisão preventiva. Mas, infelizmente, há casos que, muitas vezes, chamam a atenção, de solturas que geram perplexidade na sociedade, e a ideia do projeto é exatamente que nós possamos definir esses melhores critérios para orientar as decisões dos juízes.
Convidamos o Ministro Flávio Dino, que é autor do projeto, pessoalmente, ou pedimos que enviasse um representante. Convidamos, também, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, ou pedimos que enviasse um representante. Agimos dessa forma, Dr. Anderson, para que o Judiciário e o Ministério Público, que são os maiores envolvidos nesse tipo de ato, possam fazer as suas colocações. O Congresso tem que se aproximar dos agentes do sistema de justiça criminal para que nós possamos ouvi-los na elaboração dessas leis e, no caso do Ministro Flávio Dino, em particular, porque ele é o autor do projeto.
Eu vou esclarecer aqui como vai ser o procedimento.
Seguindo o Regimento, art. 94, §§2º e 3º, o Regimento Interno da Casa, os convidados vão fazer as suas exposições, e, em seguida, será aberta a fase de interpelação pelas Senadores e Senadores inscritos. A palavra será concedida na ordem de inscrição. Vou conceder o prazo de 15 minutos para cada um dos expositores; são três expositores, então a gente tem um pouco mais de liberdade de tempo. E depois concederemos o tempo de três minutos para as indagações dos Senadores - se for o caso, ampliaremos -, e prazo para resposta para os Senadores. Temos aqui presente para esta audiência o Juiz de Direito Dr. Anderson Sobral de Azevedo, que também hoje é Juiz Auxiliar no gabinete do Ministro Flávio Dino no STF. Eu até conversava antes com o Dr. Anderson, e seria interessante, doutor, antes de dar a sua exposição, o senhor expor as suas circunstâncias profissionais, muito ricas, a demonstrar a sua experiência para essa matéria.
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Temos também o Dr. Douglas Fischer, Procurador Regional da República, representando o Procurador-Geral Paulo Gonet; e o Procurador Regional da República Vladimir Aras, que vão fazer a exposição por meio virtual.
Então, nada mais havendo desses esclarecimentos, vou lhe conceder 15 minutos para a sua exposição, Dr. Anderson Sobral.
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO (Para expor.) - Bom dia a todos. Saúdo a todos os presentes na pessoa de V. Exa., Senador Sergio Moro. É uma honra estar aqui nesta Casa, que tanto já entregou à sociedade brasileira, representando o Ministro Flávio Dino; representando também uma parcela da magistratura, que é a parcela que exerce a judicatura em comarcas em cidades pequenas. Como V. Exa. permitiu, vou fazer uma pequena digressão da minha experiência profissional e depois entrar propriamente no tema.
Exerço a judicatura no Estado do Maranhão, já há 21 anos, e, como Juiz estadual, comecei e tive praticamente quase toda a minha carreira em cidades pequenas, comarcas de 20 mil, 30 mil, 50 mil, no máximo 100 mil habitantes. Recentemente fui promovido para a entrância final, que é São Luís. Então, essa possibilidade que o senhor permite - e por meio do Ministro Flávio Dino -, em um tema de extrema importância para a sociedade brasileira no tocante à segurança pública, tema premente na sociedade atualmente, dessa percepção de um juiz de comarcas pequenas tenho certeza de que ajudará e muito esta Casa a conduzir os trabalhos desses projetos de lei.
Trago também a mensagem do Ministro Flávio Dino, que, como V. Exa. falou, foi, enquanto Senador, o autor de um dos projetos de lei, que é o Projeto 226, de 2024, o qual caminha junto com o projeto de lei proposto por V. Exa., que é o de nº 10, também de 2024.
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Então, desde o início da minha carreira, eu consigo perceber, eu e os colegas da magistratura estadual, na verdade, os colegas da magistratura nacional, conseguimos perceber a contribuição que esta Casa e o Congresso Nacional como um todo vêm dando à sociedade brasileira no desenvolvimento de um processo penal mais eficaz e, ao mesmo tempo, mais respeitoso dos direitos humanos. Então, quando eu fui aprovado no concurso e comecei a exercer a judicatura numa comarca muito pequena - mas que, apesar de pequena, traz as complexidades de qualquer outra comarca ao redor do Brasil -, logo após a comunicação de uma prisão em flagrante, eu simplesmente, num despacho muito simples, de poucas linhas, homologava a prisão em flagrante e o preso permanecia preso, permanecia naquela condição de custodiado até o fim do processo; salvo se, por meio de um advogado ou, nas comarcas que dispunham, de um defensor público, houvesse um pedido de liberdade provisória.
Com o passar do tempo, a sensibilidade do Congresso Nacional, recebendo influxos da ciência jurídica, fez avançar o processo penal, no sentido de que a prisão em flagrante fosse pré-cautelar, ou seja, ela serviria apenas para impedir a continuidade daquela ação criminosa e para angariar meios de provas existentes lá no local do fato, no local do crime. Passado algum tempo, houve outros avanços, como a alteração de 2011 do Código de Processo Penal. Já àquela altura, a prisão em flagrante não podia mais continuar. Como eu disse, ela passou a ser tida não só pela doutrina, mas pela legislação nacional como uma medida pré-cautelar, e, efetivamente, o juiz deveria avaliar se relaxava a prisão em flagrante, no caso de ela ser ilegal; se concedia liberdade provisória naquele momento, caso não houvesse os requisitos da preventiva; ou se convertia a prisão em flagrante em prisão preventiva, caso presentes os requisitos. Até esse momento, era possível a decretação da prisão preventiva de ofício, mas houve a obrigatoriedade de o juiz verificar elementos concretos de cautelaridade, ou seja, elementos concretos que indicassem algum tipo de periculosidade em relação à liberdade do imputado, daquela pessoa que foi flagrada cometendo um crime.
Logo em seguida, alguns anos após, na reforma de 2019, já recebendo influxos de decisões do próprio Supremo Tribunal Federal, mas também de elementos doutrinários da ciência jurídica, este Congresso Nacional, mais uma vez, fez evoluir o nosso sistema de Justiça criminal, no sentido de tornar obrigatória a realização de uma audiência de apresentação da pessoa presa ao juiz da causa; como todos sabemos, é chamada de audiência de custódia. Passou, então, a ser direito de toda pessoa presa a apresentação, logo após sua prisão em flagrante, à autoridade judiciária para, presencialmente, verificar aquelas circunstâncias que antes o juiz verificava sem ter contato direto com a pessoa presa, com o custodiado. Nessa audiência de custódia, o juiz passou a verificar todas aquelas circunstâncias, mas também a ouvir a pessoa custodiada. Não é possível, nessa audiência, produção de prova. É direito do preso dar a sua versão ou falar aquilo que ele e a sua defesa entendam necessários para avaliação do magistrado. E é nessa audiência que o órgão do Ministério Público faz o requerimento, se achar necessário, de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
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Então, Senador e presentes, podemos perceber que, em poucos anos, saímos de um modelo em que prisão de quem responde a um processo era automática para um modelo em que há necessidade de verificação de elementos de periculosidade. Isso se deu em pouco tempo, mas não foram desenvolvidos elementos de concretização de um conceito muito importante para essa medida que é o de garantia da ordem pública.
Eu não tenho dados científicos, estatísticos, mas eu tenho certeza de que eu não erro em dizer que quase a completude das prisões preventivas é dada com base na garantia da ordem pública.
Penso que, ao longo desses meus 20 anos de carreira, em pouquíssimas ocasiões, eu decretei prisão preventiva para garantia da aplicação da lei penal, até porque a questão da periculosidade em relação à fuga é muito peculiar e, em pouquíssimas situações, também para conveniência da instrução criminal, porque também é muito peculiar a produção probatória de elementos indiciários de que o imputado vai prejudicar o processo. Quase na totalidade das vezes é prisão preventiva para garantia da ordem pública. Entretanto, esses, que são o que a gente chama de conceitos jurídicos indeterminados, são muito, mas muito abstratos.
Ao longo desse pouco tempo em que saiu a prisão em flagrante automática para a cautelaridade das medidas de restrição da liberdade durante o processo, na magistratura - e eu digo por experiência própria -, fomos construindo, aos poucos, elementos de concretização desse conceito jurídico indeterminado, e isso num debate jurisprudencial. O juiz de primeiro grau decreta com base em um elemento, porque ele acredita que esse elemento é o que concretiza a ordem pública, mas há todo um debate jurisprudencial até chegar, às vezes, aos tribunais superiores - STF e STJ -, e isso causa um certo tipo de insegurança jurídica.
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Então, utilizando as próprias palavras do Ministro Flávio Dino, a ideia do projeto de lei proposto por ele é no sentido de criar um roteiro, um roteiro de concretização dos elementos que podem vir a ser considerados pela magistratura, pelos juízes, no sentido de encontrar elementos num roteiro melhor delineado. Isso diminui a insegurança jurídica, em sentido de decisões díspares, como V. Exa. acabou de dizer, e também no sentido de que melhora a avaliação dos juízes, porque os juízes, numa audiência de custódia, ou melhor, nós juízes, em uma audiência de custódia, temos que extrair elementos concretos de periculosidade para dar completude a esse conceito jurídico determinado chamado ordem pública apenas com elementos colhidos daquele momento do crime, porque, na audiência de custódia, são elementos levados apenas em relação à prisão em flagrante, e elementos colhidos em, no máximo, 24 horas.
V. Exa. foi juiz e sabe bem disso, mas é para que o nosso público presente e os que nos assistem tenham a percepção da dificuldade da magistratura ao realizar um juízo de probabilidade da periculosidade do agente, para dar completude a um conceito chamado ordem pública, com elementos de prova colhidos em 24 horas.
Na audiência de custódia, é muito difícil o juiz fazer esse tipo de juízo de valoração; já em pedidos de decretação de prisão preventiva, no curso do inquérito policial ou no curso do processo, não, pois há muito mais elementos para os juízes trabalharem, já que tanto a autoridade policial, quanto o Ministério Público vêm angariando, com mais tempo, elementos indiciários de prova. Na audiência de custódia, a única coisa que está diante, os únicos elementos probatórios que estão diante do magistrado, para decidir em relação à liberdade ou à constrição da liberdade do imputado, são elementos de provas colhidos na realização da prisão em flagrante, em até 24 horas. Então, são elementos muito... Às vezes, são poucos elementos para que o magistrado consiga valorar aquela situação de periculosidade.
É exatamente sob esse ângulo que o projeto de lei do Ministro Flávio Dino vem trabalhar e propor a esta Casa e ao Congresso Nacional como um todo uma evolução do nosso sistema de justiça criminal, no sentido de dar um roteiro mais concreto para que os juízes e todos os operadores do sistema de Justiça possam trabalhar e trazer não só mais segurança jurídica, como também mais segurança pública.
Agradeço a oportunidade e me coloco à disposição de V. Exa. e dos presentes.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Agradeço a exposição do Dr. Anderson. Foi cartesiano no tempo, Dr. Anderson. Muito obrigado.
Eu falava aqui, agora há pouco, dos dados estatísticos. Tem dados na página do CNJ, e esses dados nós pegamos no link, que tem uma transparência ativa.
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Do início de 2015, quando foram criadas as audiências de custódia, inicialmente por resolução do CNJ, até 19/01/2023, que foi quando nós coletamos esse dado - hoje os dados são mais amplos -, foram 1.155.125 audiências de custódia, e, em 45% dos casos, 519.911, foi concedida liberdade provisória; houve 2.659 prisões domiciliares e 632.480 prisões em flagrante convertidas em preventiva. Em princípio, vê-se um certo equilíbrio. O problema é que, como eu disse, a gente tem casos que são talvez excepcionais nessas solturas, mas que têm gerado uma certa percepção negativa em relação às audiências de custódia, ao ponto de existirem propostas para acabar com elas. Esse projeto me parece interessante porque não acaba com a audiência de custódia, até porque é um instrumento importante para a formação da convicção do juiz, mas, pelo menos, define critérios.
Eu vou colocar alguns exemplos aqui que nós pegamos da imprensa:
- Preso em flagrante por estupro de criança de 11 anos é solto em audiência de custódia. Isso motivou uma matéria jornalística da Band. É aquela velha história: a polícia prende, mas a audiência de custódia solta;
- Preso em flagrante portando fuzil AR-15, em circunstâncias que indicam integrar organização criminosa, é solto em audiência de custódia;
- Preso em flagrante por tráfico de drogas e que causou grave acidente após fugir com seu veículo da polícia é solto em audiência de custódia;
- Preso em flagrante, líder de facção criminosa é solto em audiência de custódia.
Embora sejam exemplos pontuais - e, como disse, eu tenho convicção da seriedade dos juízes em fazerem essa apreciação -, a falta de critérios e a falta de obrigatoriedade de verificação desses critérios podem estar gerando essas consequências e acabam, no fundo, fazendo com que o instituto seja visto como a porta giratória de criminosos para a sociedade.
Vamos passar a palavra, então, ao nosso próximo expositor e ouvir agora o Dr. Vladimir Aras, que é Procurador Regional da República. Ou o Douglas Fischer? (Pausa.)
Vamos ouvir, então, o Dr. Douglas Fischer, que está representando o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet. Ele é Procurador Regional da República e tem vários livros publicados em matéria penal e processual penal.
Vou passar a palavra, então, doutor, agradecendo a sua disponibilidade, pelo prazo de 15 minutos. (Pausa.)
Há um problema técnico aqui. Está certo? (Pausa.)
Acho que está liberado o microfone, doutor. Quer testar?
Ele me ouve lá? (Pausa.)
Caiu? Querem tentar com o Aras? Não? (Pausa.)
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Então, vamos colocar o Dr. Aras enquanto resolvem o problema do... (Pausa.)
Tudo certo? Está aberto lá? (Pausa.)
Então, peço para entrar o Dr. Aras no link.
Admitiram o Dr. Fischer? Está pedindo a admissão ali. (Pausa.)
Entrou?
O SR. DOUGLAS FISCHER (Por videoconferência.) - Alô, vocês me escutam?
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Agora escutamos.
Então, retomando, Dr. Douglas Fischer, Procurador Regional da República, representando, no ato... (Pausa.)
É a conexão aqui ou a conexão lá?
O SR. DOUGLAS FISCHER (Por videoconferência.) - Não, eu estou ouvindo agora.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Está ouvindo?
O SR. DOUGLAS FISCHER (Por videoconferência.) - Estou ouvindo agora. Tive um problema provisório. Eu peço desculpas, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Perfeito.
Então, ao Procurador Regional da República Douglas Fischer, eu passo a palavra por 15 minutos.
Está conectado ou não? (Pausa.)
Pode falar, então, doutor, porque daí aparece. Perfeito. A palavra é sua, e agradeço mais uma vez sua presença.
O SR. DOUGLAS FISCHER (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia a todos. Faço minha saudação e agradecimento ao Senador Sergio Moro, minha saudação ao Dr. Anderson, ao Dr. Vladimir, colega do Ministério Público, e a todos os presentes neste evento.
Peço desculpas por não estar pessoalmente aí nessa Casa legislativa, mas, infelizmente, as situações pelas quais passam o nosso Estado do Rio Grande do Sul agora, sem aeroporto, inviabilizaram completamente eu estar presente aí para apresentar essa fundamentação.
É um momento muito importante para podermos falar sobre esse tema. Eu gostaria de explicitar que estou no Ministério Público Federal há pouco mais de 28 anos, atuando sempre na área criminal. Atualmente, eu atuo perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região em competência penal originária em grau recursal de toda a região sul do Rio Grande do Sul, em matéria penal. A partir dessas experiências dentro do trabalho do Ministério Público, talvez eu possa trazer algumas ideias a essa Casa de justiça.
Como dito pelo Dr. Anderson aqui, todos nós buscamos um aperfeiçoamento da legislação e creio que nós andamos muito bem nos últimos anos, com a audiência de custódia. Sim, ela é muito importante. Também partimos para uma situação legislativa em que nós temos agora o que nós chamamos, no "juridiquês", medidas cautelares diversas da prisão. Nós tínhamos uma opção apenas: liberdade ou prisão. Hoje em dia, nós temos as medidas cautelares que propiciam ao juiz a aplicação de outras restrições que não necessariamente a prisão preventiva, sendo a prisão preventiva, digamos assim, a última das hipóteses, desde que não sejam recomendáveis essas medidas substitutivas de uma prisão cautelar.
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Mas me parece que é preciso deixar mais explícito na legislação brasileira algumas necessidades, até para evitar interpretações que, às vezes, permitem essas conclusões ditas pelo Senador Sergio Moro quanto a uma incompreensão de que determinadas pessoas são presas e depois soltas em audiências de custódia ou até em momentos posteriores.
Nós temos uma especificação muito importante na nossa legislação. Eu creio que a nova redação do art. 312 do Código de Processo Penal já melhorou muito. Este projeto de lei que está em andamento é muito detalhista, e creio que é importante a aprovação deste projeto, mas, se me permitirem todos, eu gostaria de trazer algumas pequenas sugestões, porque eu tenho acompanhado diuturnamente a jurisprudência dos tribunais, especialmente a do Supremo Tribunal Federal. E que ótimo que o então Senador Flávio Dino, hoje integrante do Supremo Tribunal Federal, lá está, exatamente para dar uma aplicabilidade a este projeto de lei - que oxalá se transforme em lei! -, para uma melhor concretização dos princípios que nós temos quanto a uma questão de justiça.
É importante destacar, Senador, antes de eu fazer essas pequenas anotações pontuais, se me permitirem, referir que, ao contrário do que se diz reiteradamente, o Brasil, é claro, em alguns casos, prende mal, mas o Brasil solta muito. Em muitas situações, solta mal aquelas pessoas que deveriam estar presas, e talvez em outros casos nós deveríamos ter liberdades condicionadas, sim, e não prisões cautelares. Mas em crimes graves nós vemos muitas circunstâncias que acabam permitindo interpretações alargando a possibilidade de prisões, quando nós temos a necessidade da prisão cautelar.
E, dentro dessa ótica que muitos dizem de que o Brasil é punitivista, nós precisamos recordar aqui que o Brasil foi condenado 13 vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, e, nas 13 vezes em que o Brasil foi condenado, todas elas foram por uma deficiência na aplicação da lei para responsabilizar aquelas pessoas que cometeram os fatos criminosos. Em nenhuma das vezes, em nenhuma, o Brasil foi condenado por desrespeitar direitos dos investigados ou processados. Isso é um dado muito importante. Nós tivemos mais duas condenações neste ano de 2024 e, infelizmente, nós temos procedimentos em andamento naquela corte de direitos humanos que ensejarão, provavelmente, outras condenações do Brasil.
Então, nós temos que atentar para isso e temos, como um norte, como uma obrigação brasileira, adequar a nossa legislação também no que diz respeito às prisões cautelares.
Dentro dessa ótica, eu analisei o projeto. Ele é, repito, muito bom, mas talvez a explicitação de algumas questões... Primeiro, no §4º, na proposta da redação do §4º, se diz que não se pode decretar uma prisão cautelar com base na gravidade abstrata do crime; e isso é verdade. Entretanto, talvez fosse importante deixar mais expresso ainda o que a jurisprudência do Supremo vem dizendo, que a gravidade concreta do crime... Nós podemos fazer essa interpretação a contrario sensu, sem dúvida nenhuma, mas devemos deixar expressa a possibilidade de uma decretação de uma prisão preventiva considerando a gravidade concreta do crime praticado. Pois veja, dois casos relatados há pouco em notícias de jornal: alguém que esteja fazendo importações de fuzis AR-15 certamente não irá utilizar esse tipo de armamento para uma defesa pessoal. Certamente - e isso não é uma presunção, isso é um fato da vida -, essas pessoas estão utilizando para a prática de crimes graves, e isso já revela, por si, uma gravidade concreta. Eu atuo em processos de tráfico internacional de drogas - e o Senador Sergio Moro, durante o período em que foi juiz federal, visualizava isto muito na sua competência penal -, e o tráfico internacional de drogas traz ao Brasil absurdas quantidades de drogas que, muitas vezes, ficam aqui e outras são repassadas para a Europa. E eu pego seguidamente procedimentos de tráfico de uma tonelada, uma tonelada e pouca, de cocaína. Isso, se nós formos ver o valor dessa mercadoria, é absurdo, e a quantidade dessa droga revela o quê? Revela uma concretude, uma gravidade concreta. E, algumas vezes, a tese trazida para o Judiciário é que essas condutas, na verdade, não são graves. No nosso entendimento, elas são muito graves.
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Por essas circunstâncias, talvez constar na lei, neste projeto, que é possível a decretação, e de uma forma expressa, com base na gravidade concreta, seja algo importante a reafirmar. Por quê? Porque a jurisprudência, especialmente do Supremo Tribunal Federal, já vem reconhecendo isso. O STJ também, mas o Supremo tem reiteradamente dito isso.
E, se me permitem todos, agora no dia 11 de junho - hoje é dia 13 -, foi publicado um Acórdão, que eu cito o número aqui, 239.217. É um habeas corpus de n° 239.217, da relatoria do Ministro Edson Fachin, onde ali o Supremo explicitamente - e era um caso envolvendo lavagem de dinheiro e organização criminosa - reconheceu com todas as letras a necessidade da prisão preventiva, por conta da gravidade concreta da conduta praticada por aqueles envolvidos que queriam uma liberdade no processo. Então, essa é uma primeira sugestão, se me permitem, humildemente, para que seja considerada.
Nós temos no projeto também, no §3°, o que o juiz deve considerar na aferição da periculosidade do agente que possa gerar riscos à ordem pública. E o Dr. Anderson foi também aqui muito feliz nas suas considerações: a expressão "ordem pública" - e quem trabalha com o processo penal sabe disto - é muito fluida, é muito aberta. Quanto mais nós pudermos concretizar as situações que caracterizam o risco à ordem pública, melhor. E o meu receio é que se faça uma interpretação de que os incisos do §3º, que são quatro hipóteses ali destacadas, sejam cumulativos e não alternativos. Talvez pudesse constar que não é necessária a presença de todos os requisitos de forma cumulativa, porque eu posso ter, por exemplo, uma grande quantidade de drogas - que é um exemplo de tráfico - ou de armamentos, que se insira no inciso III, que revele uma gravidade concreta, que demande a aplicabilidade da prisão cautelar, e eu não tenha, eventualmente, naquele caso, elementos maiores sobre uma eventual recalcitrância criminosa, que seria do inciso IV. Nesse ponto, inclusive, faço uma pequena sugestão ainda, porque o inciso IV fala do "fundado receio de reiteração delitiva, inclusive à vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso". Talvez fosse importante não restringir apenas a inquéritos, que são procedimentos titularizados - e muito bem - pelas polícias, mas também a procedimentos de investigação. Nós temos hoje, na linha do que reconhece o Supremo Tribunal Federal, a possibilidade da realização dos chamados procedimentos de investigação criminal, PICs, que são titularizados pelo próprio Ministério Público, e me parece que talvez constar explicitamente nesse inciso essa possibilidade, e não apenas a de inquérito, seja relevante, não permitindo depois uma interpretação restritiva de que apenas inquéritos seriam fundamentos para a decretação de uma prisão cautelar.
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Mais um detalhe que eu acho importante, uma explicitação - e eu a faço também com base na jurisprudência -: parece-me correta a alteração legislativa que exigiu e exige, hoje, o reconhecimento da contemporaneidade para fins de necessidade de prisão cautelar, só que há muitas interpretações dizendo que essa contemporaneidade deveria ser em relação à data dos fatos praticados. A jurisprudência do Supremo - corretamente, na minha ótica; e esse é o posicionamento majoritário também - vem dizendo que a contemporaneidade não diz só com a data do fato, mas com quando surgiram os fundamentos para a prisão cautelar.
Apenas exemplificando um pouco: eu posso estar diante de um fato criminoso muito grave, que aconteceu há dois ou três anos, mas eu descubro a autoria dos fatos apenas hoje. Alguns posicionamentos dizem: como se passaram três anos e eu só descobri hoje, eu não teria uma contemporaneidade, de modo que não seria cabível a prisão preventiva. O Supremo diz: não, nós descobrimos hoje um fato grave que aconteceu há três anos, mas os fundamentos da cautelaridade, da necessidade da prisão se fizeram presentes agora, porque foi agora que nós descobrimos esse fato investigado, de que antes não se sabia.
Então, talvez pudesse constar na legislação de forma expressa que a contemporaneidade, na linha da jurisprudência, não diz apenas com a data dos fatos praticados, mas quanto ao surgimento - ou seja, alternativamente - dos fundamentos da prisão cautelar.
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Seriam essas, digamos assim, algumas sugestões, se me permite este Parlamento, para deixar muito claro que não se quer com isso, em hipótese alguma, uma situação que vá gerar um encarceramento maior. Não. É para reforçar que aqueles casos realmente graves...
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS FISCHER (Por videoconferência.) - ... devam ser submetidos a um regime de prisão cautelar. E, em razão disso, nós vamos ter a necessidade também de os processos serem mais ágeis, porque, quando nós temos uma prisão cautelar, o processo tem que andar mais rápido.
E isso vai atender o quê? Vai atender exatamente o que é determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e o colega Vladimir Aras, com todos os seus méritos, tem - e está agora à distância, porque tem representado muito bem a nossa instituição e o Brasil, que é o mais importante, perante a Corte IDH... E a corte tem dito que nós temos que atuar com muita eficiência e celeridade na resolução dos problemas dos crimes graves.
Então, essas sugestões, eu quero deixar muito claro aqui, não têm um viés de que nós vamos acarretar...
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS FISCHER (Por videoconferência.) - ... um encarceramento maior. Não! O que nós temos que ver é que nós precisamos ter explicitamente a possibilidade dessa previsão e, naqueles casos menos graves, o juiz hoje já pode resolver os problemas com a aplicabilidade do que eu disse bem no início, as chamadas medidas cautelares diversas da prisão, previstas lá no art. 319 do Código de Processo Penal, o que, repito, é muito importante porque, como falei, antes disso nós tínhamos ou liberdade ou prisão, e isso dava uma margem de situações que talvez devessem ter uma medida cautelar menos gravosa, mas era concedida a liberdade diretamente porque não estava tão explícita a situação para uma prisão preventiva.
Então, eminentes Senador, Senadores e todos presentes, são pequenas sugestões, com toda a humildade, com a finalidade exclusivamente de que esta Casa Legislativa permita ao Poder Judiciário - e ao Ministério Público também - ter um instrumento de eficácia mais firme para esses crimes mais graves, ou seja, a necessidade que nós temos, sim, de reconhecer que uma gravidade concreta enseja uma prisão cautelar.
Então, modestamente, humildemente, eu apresento essas pequenas considerações, agradecendo muito esta oportunidade para tecer pequenas e rápidas sugestões a esta Casa Legislativa.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Agradeço ao Procurador Douglas Fischer.
Aproveitando a presença na participação virtual, e já diante dessa sugestão que foi feita, parece-me, lendo aqui o projeto, claro que os incisos do §3º, para a redação proposta, são alternativos, não são cumulativos - não sei se essa também é a opinião do Dr. Anderson.
Mas, para fazer claro isso, e aí indago não só ao Dr. Fischer, mas também ao Dr. Anderson, se se colocar a partícula "ou" no último inciso não resolveria essa questão interpretativa, ou se seria necessário algo adicional.
Dr. Fischer.
O SR. DOUGLAS FISCHER (Por videoconferência.) - Perfeitamente, Senador.
Eu acho que só colocando a alternatividade já resolveria e evitaria interpretações no sentido de que seriam cumulativas.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Também é a sua opinião, Dr. Anderson? (Pausa.)
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Não estamos contrariando aqui a mens legis do Senador Flávio Dino? Então, está bom.
Eu vou passar a palavra, então, ao Dr. Vladimir Aras. Vamos ouvir o Dr. Vladimir Aras. Depois, nós abrimos para as perguntas.
Nessa linha da perplexidade, talvez o Dr. Aras possa também abordar este tema, algo que tem gerado também indignação na população são casos de pessoas que foram presas em flagrante, soltas em audiência de custódia e, logo em seguida, são novamente presas em flagrante, ou seja, gerando aquele sentimento de, realmente, ser uma porta giratória, de o sistema não estar conseguindo segurar.
Eu tenho aqui alguns exemplos: "Preso em flagrante por tráfico de drogas é liberado em audiência de custódia e preso novamente em flagrante, alguns dias depois, por novo crime de tráfico. Preso em flagrante por furto é liberado em audiência de custódia e preso novamente em flagrante, no mesmo dia [este foi um tema que correu], em nova tentativa de furto. Preso em flagrante por furto é liberado em audiência de custódia e, no trajeto para casa, é preso novamente, após furtar uma motocicleta".
É claro que o juiz não tem uma bola de cristal para saber a previsão do futuro, mas essas solturas têm sido também um problema para a própria legitimidade do instituto.
Vou passar a palavra ao Dr. Vladimir Aras, que também é Procurador Regional da República, autor de vários livros e estudos sobre o tema.
Temos ele?
Dr. Aras, tem a palavra.
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Para expor. Por videoconferência.) - Escutam-me? O.k.
Muito bom dia a todos e a todas. Cumprimento os Senadores na pessoa do Senador Sergio Moro. Cumprimento também os companheiros de painel, o Dr. Anderson e o colega Douglas e quem mais esteja aí, os demais Senadores e Senadoras, os servidores do Senado.
Eu peço, primeiro, desculpas por não poder estar presente aí, porque, infelizmente, eu perdi minha conexão para Brasília. Neste momento, estou no aeroporto de Atlanta, nos Estados Unidos. Mas eu quis contribuir, atender ao chamado do Senado para contribuir para esta discussão tão importante sobre este Projeto de Lei nº 226, de 2024, que aborda um tema deveras preocupante para a sociedade brasileira.
Nós estamos diante de um incremento cada vez maior da criminalidade. Nós estamos diante de uma expansão significativa do crime organizado. Nós estamos presenciando o surgimento de uma empresa gigantesca no Brasil, que tem diversificado a sua atividade econômica em vários segmentos do mercado, que é aquela facção cujo nome vou me dispensar em dizer. Isso exige, evidentemente, do Senado, da Câmara dos Deputados, do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia, de todos nós, um esforço para que nós aperfeiçoemos a investigação criminal, nós aperfeiçoemos o julgamento, com critérios epistêmicos, epistemológicos adequados, para que não haja condenações equivocadas. Evidentemente também, isso passa por uma construção de um marco normativo consistente, que corresponda a essa necessidade, sem que nós pensemos numa inflação legislativa, sem que nós pensemos em um recrudescimento do sistema penal sem amarra, sem nenhum critério. E é por isso que me agrada muito, tal como eu vi na exposição do meu colega Douglas Fischer.
Com isso, eu me apresento também: eu sou membro do Ministério Público Federal há 20 anos, fui Promotor de Justiça na Bahia por 10 anos e sou professor de processo penal desde 1999. Nessas três atividades, eu tenho visto que, efetivamente, nós precisamos aperfeiçoar, tornar mais claro o regulamento da prisão preventiva e das medidas cautelares, em geral, no Brasil, inclusive as cautelares patrimoniais.
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Esse projeto parece-me que atende a esse pressuposto, a essa perspectiva de aperfeiçoamento. Parece-me, também, que, além de ser constitucional, é um projeto que atende plenamente a parâmetros de constitucionalidade e àquele outro parâmetro importante, o parâmetro interamericano de convencionalidade, de compatibilidade com o regime convencional, não só de proteção dos direitos humanos, como de outros tratados internacionais que cuidam do tema da criminalidade, sobretudo da criminalidade violenta e profissional.
Com isso, imagino que a ideia do então Senador Flávio Dino, quando propôs esse texto, foi de assegurar um equilíbrio entre garantias e eficácia do sistema penal. Acho que isso foi bem visto aqui, olhando para o §4º, por exemplo, quando se vedam alegações abstratas de gravidade do delito. Isso é positivo e está concertando com as posições dos tribunais superiores.
Vejo, também, que há uma grande resistência a avanços, do ponto de vista das garantias de liberdade, do direito de liberdade, no sistema criminal brasileiro, especialmente de alguns setores da sociedade, quando veem isso que o Senador Moro acabou de dizer, essa porta giratória em relação a criminosos repetitivos, digamos profissionais habituais, que, embora presos em flagrante, acabam sendo logo liberados, mesmo quando há situações que poderiam resultar em prisões cautelares.
Isso me parece algo que o projeto procura também resolver, então, nessas duas dimensões de garantia e eficiência, e nas outras duas dimensões de constitucionalidade e convencionalidade, concordando aqui com o que disse o meu colega Douglas Fischer, quando mencionou a jurisprudência interamericana e trouxe o dado de que, nas condenações que o Brasil sofreu, normalmente o que acontece, o que nós vemos, é uma reprimenda ao Brasil por falta de reconhecimento, por falta de efetividade na percepção criminal, ou seja, a falta de efetividade na percepção criminal, com o não cumprimento do dever de devida diligência, levou várias vezes o Estado brasileiro a ser responsabilizado internacionalmente por falhas da Polícia Civil, da Polícia Federal, da Polícia Militar, do Ministério Público Estadual, do Ministério Público Federal, ou seja, do sistema de justiça e também do Poder Judiciário.
Isso não pode continuar, na medida em que a desproteção a esses bens jurídicos também é significativa. Se nós precisamos pender muitas vezes para o lado das pessoas acusadas de crimes, para que não haja abusos, para que não haja violações de seus direitos, por outro lado, nós não podemos nos esquecer da vítima, da vítima criminal, e da quantidade de vítimas em potencial que um país violento como o Brasil tem.
Na linha do que os meus antecessores comentaram, quero, portanto, concordar com a sugestão também de que é preciso que o projeto seja aperfeiçoado apenas nesse tópico. Talvez as soluções simples sejam as mais precisas. No caso, não é uma vírgula, mas apenas uma partícula de duas letrinhas, ou que resolverá, parece-me, a principal questão que está aí nesse §3º, que é garantir a alternatividade da redação, para que nós possamos ver os juízes, obrigatoriamente - e é o que se quer -, sempre por ocasião das audiências de custódia, considerando a existência ou não desses requisitos. Se não estiverem presentes, não é caso de prisão preventiva; se estiverem presentes, aí se pode decretar a prisão preventiva a pedido do Ministério Público ou com a representação da polícia. Então, esse é realmente o ponto nodal da questão.
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Na verdade, quando nós examinamos esse tema, tentando conciliá-lo com o direito comparado, com o direito internacional, vemos claramente que o texto também atende a uma regra, que, muitas vezes, é esquecida e está lá no artigo 11, §4º, da Convenção de Palermo.
A Convenção de Palermo é a convenção das Nações Unidas sobre crime organizado transnacional e trata obviamente de criminalidade, muitas vezes, violenta e de criminalidade vinculada também a organizações terroristas, porque pode se aplicar nesse mesmo contexto.
Então, se nós olhamos o artigo 11, §4º, ali está dito: "Cada Estado Parte providenciará para que os seus tribunais ou outras autoridades competentes tenham presente a gravidade das infrações previstas na presente Convenção quando considerarem a possibilidade de uma libertação antecipada ou condicional [...]". É exatamente o que o projeto pretende fazer.
Então, nessa perspectiva, além de ter uma índole claramente constitucional por proteger a segurança pública, proteger o direito à integridade física e pessoal de pessoas que não serão vitimizadas por assassinos, homicidas, estupradores, criminosos violentos, também corresponde a uma perspectiva de um compromisso internacional do Brasil, que está num documento aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados e que está em vigor no Brasil desde 2004.
E, já para me encaminhar para o final, eu gostaria também de dizer que o tema do modus operandi talvez mereça um aclaramento nessa mesma linha. Claro que a partícula "inclusive" como está - "o modus operandi, inclusive quanto ao uso reiterado de violência ou grave ameaça à pessoa" -, já deixa isso claro, mas talvez uma redação mais precisa pudesse ser alcançada, para que não houvesse dúvida quanto à natureza também exemplificativa desses termos depois da expressão "inclusive".
Por fim, eu gostaria de aproveitar a oportunidade, se o Senador Moro me permitir, para que nós pensemos aqui e reflitamos um pouco sobre a possibilidade de o Senado aprovar alguma legislação que trate também mais precisamente do tema de coleta de dados genéticos. Acho que nós podemos avançar nesse campo.
Vimos recentemente como é importante a utilização de perícias com material genético recolhido de criminosos, especialmente violentos, e, nesse contexto aqui, acho que caberiam talvez muito bem, na medida em que esse tipo de providência pode resultar na liberação de pessoas condenadas injustamente, como vimos recentemente, no caso de estupros em série, uma pessoa ser exonerada e inocentada, graças à existência desse material biológico.
Infelizmente, a nossa base de perfis genéticos é muito pequena ainda.
O Senador eu sei que acompanha isso desde a época em que estava no Ministério da Justiça, talvez antes disso também, mas, somando as duas coisas - esse texto e o que pode vir também nesse campo de perfis genéticos - nós poderíamos contribuir para que o Ministério Público, as polícias, em geral, e o Judiciário tenham melhores condições de prover justiça, sem excessos, sem que haja uma tentativa de incrementar o número de prisões, mas, sim, de prender, exatamente, aqueles que devem ser presos, os criminosos violentos, e aqueles que não devem sejam beneficiados com medidas alternativas, que já estão previstas no art. 309, do CPP.
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Então, o aclaramento do texto do §3º, na minha compreensão, permite que os juízes tenham melhores condições de decidir, com precisão, com parâmetros que, muitas vezes, já são adotados pelos tribunais, aqui e ali, e já são empregados, também, pelo Ministério Público, para pedir prisões preventivas, de modo que, epistemicamente também, o projeto me parece bastante importante, para essa evolução sistêmica do processo penal brasileiro.
Com isso, agradeço a atenção e, de novo, renovo meus agradecimentos, também, ao Senado, pelo convite.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Obrigado, Dr. Aras, pela exposição.
Eu passaria, agora, à fase de indagações, tomando a liberdade de fazer até uma provocação aos três convidados sobre esse tema que foi destacado pelo Dr. Vladimir, se, nesse momento da prisão em flagrante, da audiência de custódia, seria possível, conveniente, pensar nesse momento também, como um momento para que houvesse uma deliberação do judicial, mediante provocação ou algo previsto automaticamente pela lei, para a coleta do perfil genético do preso.
Para nossa audiência, que nos acompanha pela TV Senado, entender, nós temos, desde 2012, a criação do Banco Nacional de Perfis Genéticos, no Brasil, que é, como se fosse, uma moderna impressão digital, que é a coleta do DNA do preso.
Eu sempre falo, brincando, Senador Girão, que coletar o DNA do preso não é igual a uma peça de Shakespeare, em que tem que se tirar uma libra de carne do coração do alvo, mas é, simplesmente, passar um cotonete na boca, tirar as células da mucosa e colocar nesse banco.
Isso é importante, porque possibilita solucionar vários crimes, possibilita também exonerar inocentes, e o interessante é que existem estudos que apontam que tem uma afetação do índice de reincidência.
Em países que têm bancos de dados de DNA mais amplos, como Reino Unido, Estados Unidos, que tem mais de 21 milhões, por exemplo, há estudos que apontam que coletar o DNA de um criminoso violento gera uma perspectiva de redução de até um quinto da reincidência, após a soltura daquele indivíduo. Por quê? Porque o indivíduo sabe que está registrado seu DNA num banco de dados. Então, se ele cometer qualquer novo crime e deixar algum resíduo biológico, que, hoje, pode ser um fio de cabelo, ele tem chance de ser apanhado.
Então, eu tomaria a liberdade de fazer essa primeira pergunta, tanto aqui ao Dr. Anderson, como, também, ao Dr. Douglas e ao Dr. Aras, se ainda conseguirem nos acompanhar, sobre a opinião dessa possibilidade, se seria pertinente inserir, nesse projeto, uma previsão dessa espécie.
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO (Para expor.) - Inicialmente, eu gostaria de saudar o Senador Girão, aqui presente.
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Senador Sergio Moro, eu acho de extrema importância e muito pertinente, porque, quando tratamos de projetos de lei...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO - ... sobre essa temática de criação de bancos de perfis genéticos, acaba se criando um debate muito grande, principalmente no meio jurídico, também, refletido na imprensa. Mas, como o Sr. Vladimir Aras bem citou, o perfil genético, bancos de dados desse tipo não servem só com viés acusatório; muito pelo contrário, todos nós já tivemos ciência de situações em que inocentes, após muito tempo de prisão, tiveram suas situações prisionais revertidas em função do desenvolvimento de bancos de dados de perfis genéticos.
Então, observando essa perspectiva, eu a acho por demais pertinente, e o momento mais adequado, certamente, seria o momento da audiência de custódia.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Nos acompanha? Teria uma opinião a esse respeito?
O SR. DOUGLAS FISCHER (Para expor. Por videoconferência.) - Perfeito, Senador.
Faço minha saudação...
(Soa a campainha.)
O SR. DOUGLAS FISCHER - ... também ao Senador Girão e faço um acréscimo aqui, para dizer o seguinte: não vejo nenhuma inconstitucionalidade ou quebra de convencionalidade em adotarmos uma regra dessa natureza.
É importante dizer que esse tema de discussões sobre perfis genéticos está em pauta no Supremo Tribunal Federal para ser julgado, está em repercussão geral. Mas eu gostaria também de destacar aqui, como reforço argumentativo, Senador Moro, que o Supremo Tribunal Federal tem um acórdão paradigmático muito importante, mas muito importante mesmo, sobre o tema de direitos fundamentais, que está... Eu vou anotar aqui, fui buscar o dado agora, é o Recurso Extraordinário nº 971.959. Essa decisão é de 2020, do Plenário do Supremo.
O que se discutia ali? Um tema relacionado à não autoincriminação, a garantia constitucional e uma garantia convencional de não se produzir prova contra si mesmo. E o Supremo deu uma interpretação relevantíssima, dizendo que, dentro dessa ótica, essa garantia não é absoluta, que o direito a não se produzir prova pode ser restringido em determinadas situações, se não for atingido o que se chama de âmago da garantia constitucional e convencional daquele que está sendo investigado.
E, dentro dessa ótica, parece-me que a extração dessa informação genética não macula nem a integridade física, nem a garantia constitucional de não se produzir prova contra si mesmo. Ela precisa ser considerada assim - e me parece que essa é a compreensão dos ordenamentos que nós encontramos fora do Brasil, no sentido de admitir como válida essa produção probatória nesse momento - exatamente para ter uma dualidade: garantir uma eficiência na persecução; e, de outro lado, sim, ter uma segurança maior, inclusive para absolver naqueles casos em que não houver essa prova, que é muito importante em determinados crimes - crimes sexuais, inclusive -, para embasar absolvições quando for necessário serem feitas absolvições. Nós sabemos que, em alguns casos, acontecem, sim, condenações que depois vêm a ser revertidas, porque não se tem uma prova segura dessa autoria. Então, parece-me extremamente pertinente haver essa possibilidade, esperando que o Supremo Tribunal Federal reafirme essa viabilidade, como já fez nesse julgado a que eu me referi, 971.959, esse recurso extraordinário da decisão plenária de 2020.
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Agradeço esta oportunidade novamente.
São as considerações que tenho.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Perfeito. Agradeço.
Pergunto ao Dr. Aras: tem uma consideração adicional sobre esse tema?
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Por videoconferência.) - Tenho, Excelência, se me permite?
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Claro.
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Para expor. Por videoconferência.) - Então, eu agradeço, mais uma vez, ao Senador Moro e cumprimento o Senador Girão.
Para lembrar aqui, na linha do que foi comentado pelos dois expositores anteriores, nós teríamos uma ótima ocasião de fazer isso nesse projeto. Acho que não teríamos como superar a constatação muito clara de que esse tema já foi vencido por democracias, por estados liberais, por democracias sólidas, como nos Estados Unidos - onde estou - quando, em 1966, foi julgado um caso paradigmático, que é o caso Schmerber versus Califórnia. Foi decidido que a coleta de material genético é compatível com a Constituição dos Estados Unidos e seria compatível com a Constituição brasileira, sim, porque nesse aspecto as garantias são as mesmas, embora as garantias sejam descritas de forma diferente em momentos distintos da história de cada uma das duas nações, Brasil e Estados Unidos. Nesses aspectos, as garantias são as mesmas: dizem respeito à privacidade, dizem respeito à garantia de não autoincriminação, que estão reconhecidas nos dois sistemas constitucionais. Aqui a solução foi exatamente esta: acolher a possibilidade de coleta de material genético - lá é material biológico, no caso, em 1966, num contexto de uma criminalidade que sequer era muito significativa, é muito mais agora, depois de mais de 50 anos de evolução da criminalidade violenta. Em uma realidade como a nossa, brasileira, isso se mostra muito necessário com as cautelas devidas.
Um outro julgado que deveria ser mencionado, também aqui dos Estados Unidos, em 2003, o caso King. Mas eu queria ressaltar a importância de uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos, de que a gente falou...
(Soa a campainha.)
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS - ...em algum momento, do sistema interamericano, e quero falar também do que a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu sobre esse aspecto de coleta de material biológico para fins de exames genéticos. Inclusive, em um caso chamado Saunders versus Reino Unido, de 1996, se estabeleceu a mesma concepção da possibilidade de se realizar essa coleta.
O Prof. Antonio Henrique Graciano Suxberger e o Prof. Valtan Furtado têm um texto muito bom sobre isso, mostrando essas linhas de julgados internacionais, ou do direito comparado, que permitem esse tipo de coleta.
Eu também escrevi um texto sobre isso, sobre essa possibilidade de diferenciar, na linguagem da Convenção da Corte Europeia e também na linguagem da Corte Americana, o que é bodily evidence do que é testimonial evidence, ou seja, da prova que é oral, daquela que é extraída, que seria extraída do investigado, do acusado ou réu, que não pode ser extraída de modo algum, porque ele tem direito ao silêncio.
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Forçosamente, forçadamente ou mediante tortura, isso está vedado internacionalmente, há uma vedação absoluta da tortura, para esse fim, inclusive. Por outro lado, há a diferença do que se chama de bodily evidence, ou seja, evidência corporal, aquela que, como bem explicou o Senador Moro no começo, não gera nenhum tipo de lesão no indivíduo, que é apenas uma raspagem da bochecha, uma coleta de saliva ou de sêmen, que pode, como também lembrou o Dr. Anderson, há pouco, servir muito bem para inocentar pessoas, como, aliás, nós vimos acontecer recentemente no Brasil, e não é a única vez. Nos Estados Unidos, esse projeto Inocência...
(Soa a campainha.)
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Por videoconferência.) - ... que inspirou o projeto brasileiro, utiliza exatamente material biológico, felizmente recolhido e mantido - a importância da cadeia de custódia aqui - durante longos anos, armazenado nos depósitos das polícias americanas, que tem permitido inocentar pessoas acusadas de homicídio, condenadas, às vezes, à morte ou condenadas à prisão perpétua. Nós não temos essas penas, mas nós temos prisões que são terríveis, que são masmorras e não devem ser ocupadas por pessoas inocentes.
Então, nesse aspecto também, é importante introduzir, Senador Moro e Senador Girão, uma regra nesse dispositivo que permita, nos crimes violentos, determinar se a coleta de material genético, com todas as cautelas necessárias para a proteção de dados pessoais, para que não haja utilização desse material biológico para outras finalidades. Então, a gente tem que conectar esse texto. Deve ter, talvez, a ideia de se colocar um parágrafo que amarre a utilização desse material biológico apenas para os fins criminais, aliás, como acontece com interceptações telefônicas, à luz do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, que determina o uso exclusivamente para fins penais.
Era isso.
Muito obrigado, mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço.
Até para o nosso telespectador entender essa questão, esse caso, Dr. Anderson, é o Maryland versus King, de 2013, lá nos Estados Unidos. A história é, mais ou menos, assim: um indivíduo chamado Jay King é preso por assalto à mão armada, provavelmente em flagrante. Coleta-se, pela lei de Maryland, o perfil genético de alguém que foi preso em flagrante por um crime violento; se insere no banco de dados dos Estados Unidos, com 21 milhões de perfis genéticos; e se descobre que o King também era responsável por um estupro, como eles chamam lá, de um cold case, que não tinha sido resolvido, mas dá-se a correspondência com o material biológico que tinha sido encontrado no corpo da vítima de um caso antigo de estupro. Aí ele é condenado pelo estupro, além de, depois, pelo assalto, e vai até a Suprema Corte norte-americana, dizendo que, para coletar, precisava de um mandado, e não tinha mandado judicial. A lei não exigia um mandado judicial. A Suprema Corte diz que coletar o perfil genético, que é, simplesmente, hoje, passar um swab, que é como eles chamam cotonete, na boca e aí tirar o perfil genético, é o equivalente a colher impressão digital, então, não fere o direito à não autoincriminação, porque ele não é obrigado a confessar, não é obrigado a revelar o que ele sabe, a não ser que a gente vá entender, agora, que nem impressão digital pode tirar mais de alguém que é investigado por um crime... Então, vamos transformar todo mundo em V. Exa... Temos que respeitar os direitos fundamentais, evidentemente, mas também não podemos gerar uma blindagem em torno de alguém que é investigado por um crime e que não pode também fazer nada em relação a ele.
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Eu vou conceder a palavra aqui ao Senador Girão.
Senador Girão, para além dessa questão da coleta do perfil genético, da discussão sobre os critérios para a decretação de prisão ou colocar em liberdade na audiência de custódia após uma prisão em flagrante, é um tema em que eu vinha dizendo, inclusive, que existem propostas mais duras que querem simplesmente acabar com a audiência de custódia, porque as pessoas se revoltam, muitas vezes, com essa percepção de que gente perigosa é solta nessas audiências. Se nós não definirmos critérios e deixarmos essa porta de saída mais estreita, é o que vai acabar acontecendo, a aprovação de uma medida mais radical.
Concedo, então, a palavra a V. Exa., com o tempo de cinco minutos.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - Muito obrigado, Senador Sergio Moro.
Quero, primeiramente, cumprimentar o Dr. Anderson Sobral de Azevedo, que é Juiz Auxiliar do Supremo Tribunal Federal, do gabinete do Ministro Flávio Dino; quero também cumprimentar o Sr. Procurador Vladimir Aras, Procurador Regional da República e Professor da Universidade Federal da Bahia; assim como o Sr. Dr. Douglas Fischer, Procurador Regional da República, representante do Dr. Paulo Gonet, Procurador-Geral da República; pedindo desculpa aos senhores pela demora, pelo atraso, porque eu estava na reunião de Líderes até pouco tempo atrás e não deu para conciliar, mas estou aqui, a nossa equipe está desde o começo, o Roberto, o nosso assessor jurídico.
Mas, Senador Moro, antes de fazer as perguntas, eu queria cumprimentá-lo pela iniciativa desta audiência. O senhor tem feito um trabalho reconhecido por todos os colegas nessa questão da segurança pública, com muita responsabilidade, com muito equilíbrio, isso é muito importante. E o que o senhor acabou de falar, o senhor está aqui antecipando algo para evitar que algo mais drástico possa acontecer. Sabe por quê, Dr. Anderson? O sentimento crescente da população é um sentimento de que ela está percebendo a impunidade, ela vê isso. E essa audiência de custódia é algo em que é recorrente a reclamação da população. A gente percebe isso como quase um libera geral que está acontecendo, e é um problema grave do Brasil, a questão da violência. Nós estamos com índices de países em guerra há muito tempo, e são vidas, são mães chorando, são filhos e nós precisamos encontrar uma solução para isso.
Então, Senador Sergio Moro, assim como ele tem feito no enfrentamento à corrupção, que é uma... Eu estou na política por causa dele, é uma inspiração para mim a Operação Lava Jato. Ontem - parabéns pelo seu discurso -, não deu tempo para fazer um aparte sobre a questão da colaboração premiada, a importância dela, o senhor foi muito feliz e conte comigo, mas eu queria aproveitar aqui agora e fazer algumas perguntas sobre...
Primeiro, ao Dr. Anderson: em que medida a implementação de critérios mais objetivos para a prisão preventiva, como proposto, poderia realmente contribuir para a redução da criminalidade ou o aumento da segurança pública, da percepção da segurança pública no Brasil? Essa eu já deixo para o senhor.
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Também para o senhor, uma que eu queria fazer aqui. É óbvio que os direitos de todo cidadão brasileiro têm que ser respeitados, claro. Porém, não é o que nós estamos vendo, principalmente em processos que hoje estão tramitando na nossa Corte Suprema. Eu falo dos processos referentes a 8 de janeiro, por exemplo - lá, violações de direitos constitucionais básicos, além do devido processo legal e do princípio da ampla defesa e do contraditório. Hoje se liberam muitos criminosos graves, inclusive do colarinho branco, corruptos que saquearam os cofres públicos. O desmonte da Operação Lava Jato é um exemplo disso. Como o senhor, Dr. Anderson, vê essa situação, fazendo um paralelo com a importância de o respeito aos direitos humanos ser reconhecido na audiência de custódia? Então, faça um paralelo.
No meu modo de entender, está muito claro que nós temos presos políticos hoje no Brasil, não está ali na esfera do Supremo estar julgando isso, e a gente tem visto pessoas que sequer quebraram vidraça...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... absolutamente nada, sendo condenadas a 17 anos de prisão, quando estavam a 4km da Praça dos Três Poderes. Então tem alguma coisa muito grave acontecendo e eu queria lhe pedir a opinião sobre isso.
Para o Dr. Douglas Fischer - se o senhor me der essa tolerância, estou cumprindo aqui, acabo já -, Procurador Regional da República, eu pergunto aqui: em sua experiência, quais são os principais desafios enfrentados pelo Ministério Público ao argumentar sobre a periculosidade do agente para fins de decretação da prisão preventiva, em especial, por ocasião das audiências de custódia? E como o Ministério Público avalia os critérios propostos no projeto de lei: modus operandi, participação em organização criminosa, natureza de apreensões, receio de reiteração delitiva? Esses critérios são suficientes e adequados para a avaliação da periculosidade e da necessidade da prisão preventiva? Essa é a pergunta que eu faço.
E para o Dr. Vladimir Aras: qual impacto o senhor prevê que as alterações propostas terão na prática jurídica cotidiana, especialmente no trabalho dos procuradores e promotores de justiça, em casos de crimes graves? Com base em sua experiência, Dr. Vladimir, o senhor tem alguma sugestão adicional que poderia melhorar a eficácia e a justiça das medidas propostas no projeto de lei para aferição da necessidade da prisão preventiva?
E, por último, nós estamos convivendo com uma população amedrontada.
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - A segurança pública no país inteiro é falha. O meu Estado do Ceará, por exemplo, Dr. Vladimir, é um exemplo claro das facções criminosas que estão dominando completamente a sociedade. Você tem que pedir autorização para entrar, à luz do dia, em certos bairros lá e famílias estão sendo expulsas pelo crime organizado. Eu lhe pergunto... Nós vemos que juízes, inclusive o STJ, têm colocado em liberdade criminosos de alta periculosidade, seja na audiência de custódia, seja na tramitação do processo. Eu pergunto: qual a sua visão sobre essa questão, que traz uma imensa sensação de impunidade na nossa população?
Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.
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O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Obrigado.
Só antes de passar às respostas, nós recebemos algumas perguntas aqui pelo e-Cidadania, e algumas delas, Senador Girão, convergem com as indagações feitas por V. Exa. Então, eu tomo só a liberdade também de colocá-las aqui rapidamente. São duas:
André, do Rio de Janeiro: "Como o [...] [projeto define] os critérios para a prisão preventiva e a sua relação com a ordem pública e segurança?".
E Cristiany do Acre: "De que forma o projeto [...] busca equilibrar a preservação da ordem pública com a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos?".
Tem outras aqui, mas aproveito para formular essas duas dos nossos telespectadores, já que convergem com indagações feitas por V. Exa.
Eu vou passar, então, por três minutos, à resposta para cada um dos expositores, não necessariamente precisam utilizar todo o tempo.
Sobre eventuais indagações sobre casos concretos, tendo em vista as questões de limitações da magistratura, eu deixo à vontade o Dr. Anderson para responder ou não.
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO (Para expor.) - Inicialmente, agradeço os questionamentos do Senador Girão. Gostaria de saudar a presença do Senador Mourão.
Os questionamentos de V. Exa. são extremamente importantes. Em relação ao que os projetos de lei, os dois projetos, tanto o do Ministro Flávio Dino, então Senador Flávio Dino, como o projeto de lei proposto pelo Senador Sergio Moro, podem contribuir para a percepção da sociedade, para a segurança pública e, efetivamente, como esses projetos podem reduzir, melhorar e trazer mais eficiência à segurança pública em concreto...
Em relação à percepção da sociedade, no projeto de lei proposto pelo Senador Moro, na exposição de motivos - inclusive, o Senador citou isso hoje aqui nesta audiência pública -, segundo dados do CNJ, foram realizadas, desde o início de 2015, quando foi implantada a audiência de custódia, 1.155.125 audiências de custódia. Ao longo desses anos, na média, foram concedidas liberdades provisórias em 45% das situações das audiências de custódia, ou seja, o que isso quer dizer? Que mais da metade daqueles levados à audiência de custódia permaneceram presos - 55% permaneceram presos. Então, a despeito da percepção da sociedade em relação à audiência de custódia, na média, a audiência de custódia contribui para a prevenção - e aí entrando na segunda parte do questionamento - do cometimento de novos crimes, os dois projetos de lei preveem, como concretização do sentido de ordem pública, a probabilidade...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO - ... de reiteração delitiva. Isso fará com que aqueles que permanecerem presos, efetivamente, não possam voltar a delinquir. O que talvez venha gerando uma percepção não tão positiva das audiências de custódia, perante a sociedade, são esses casos citados pelo Senador Moro, que foram trazidos de notícias veiculadas pela imprensa.
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E, mais uma vez, os dois projetos de lei contribuem nesse sentido, porque, hoje, Senador, o que temos no Código de Processo Penal é o conceito de ordem pública e os dois projetos de lei convergem no sentido de trazer mais concretude ao que é esse conceito. Então, no sentido de dizer que é a reiteração delitiva, no sentido de dizer que é o modo de execução do crime, no sentido de dizer que aqueles que participam de organização...
(Soa a campainha.)
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO - ... criminosa, isso facilitará para que os juízes tenham uma melhor percepção daquilo que eles têm que avaliar e valorar no momento da audiência de custódia.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Quero registrar presença aqui também do Senador Hamilton Mourão, que, inclusive, relatou um projeto similar - que é esse Projeto 10 -, de forma brilhante, que também foi aprovado por unanimidade na CSP e está aqui na CCJ, e é um projeto que converge com aquela área.
E quero lembrar que nós temos ouvido - não é, Senador Mourão? Talvez V. Exa. possa falar um pouquinho sobre isso - que, nessa tragédia que há lá no Rio Grande do Sul, está havendo também um surto de... Apesar de toda a solidariedade humana do resto do país, e mesmo entre os gaúchos, infelizmente tem aqueles que se aproveitam dessa situação de fragilidade da segurança pública para cometer novos crimes e, especialmente, realizar saques. Talvez esse projeto seja também uma oportunidade para colocar um freio, um maior rigor, em relação a esse tipo de criminalidade.
Eu vou lhe conceder a palavra em breve, mas antes vou passar aqui, então, para o tempo de resposta, por três minutos.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Presidente, pela ordem, rapidamente. Eu vou ter que ir ao Plenário agora...
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Tá.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... mas eu volto daqui a pouco, eu não sei se a sessão vai ter terminado, mas, sobre as respostas, a nossa equipe está aqui e vai me passar.
Eu lhe agradeço, parabenizo-o e cumprimento aqui o nosso querido Senador Hamilton Mourão.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço também, Senador Girão, a V. Exa., que tem se destacado por uma preocupação com a pauta de segurança pública, inclusive para a sua cidade lá, Fortaleza, é uma pauta que a gente sabe que é fundamental no Ceará. O Ceará é um estado em que, infelizmente, há uma crescente criminalidade organizada e, às vezes, sobre esses pequenos furtos, nós temos uma ilusão de que estão vinculados a infratores atuando sozinhos, mas no fundo vários deles fazem parte de uma cadeia maior de criminalidade.
Então, esse rigor na segurança, essa preocupação que V. Exa. tem de endurecer a legislação penal, é relevante para todo o Brasil, mas especialmente relevante para o Ceará, onde há esse, infelizmente, certo descontrole.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Quero cumprimentar o Dr. Anderson - muito obrigado pela presença -, também o Dr. Vladimir Aras e o Dr. Douglas Fischer.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Passo a palavra para o Dr. Douglas Fischer por três minutos.
O SR. DOUGLAS FISCHER (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado novamente. Obrigado pelas perguntas do Senador Girão.
Minha saudação ao Senador Hamilton Mourão, representante do nosso Estado do Rio Grande do Sul.
Eu gostaria de dizer o seguinte: na linha do que destaquei no início, prever aquela alternatividade das possibilidades da prisão cautelar vai auxiliar muito, mas muito mesmo, e vou dar um pequeno exemplo a respeito do que eu destaquei, que a periculosidade concreta ou a gravidade concreta podem justificar uma prisão cautelar.
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Como eu referi, eu atuo perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e agora, no dia 6 de junho, semana passada, eu peguei um caso concreto que veio do Paraná - que infelizmente é um local de grande entrada de drogas via Paraguai -, um caso concreto do tráfico de 1 tonelada, de 1.507kg, para ser mais exato, de maconha, uma carga absolutamente enorme, e a tese defensiva é que as pessoas que foram flagradas transportando essa droga eram apenas condutores daquele caminhão onde estava a droga acondicionada e que sequer sabiam que estavam transportando 1,5 tonelada de maconha. Vejam, ninguém confia 1,5 tonelada de uma carga valiosíssima de maconha a quem não seja de um esquema criminoso. Ao menos, a pessoa pode não saber quem são aqueles que estão no patamar acima da organização, mas certamente são pessoas que são de confiança para realizar essa conduta criminosa.
E eu digo, com absoluta tranquilidade, que nós temos que responsabilizar os principais, mas não podemos afastar a responsabilidade dessas pessoas que praticam esses crimes, que viabilizam o transporte e revelam o quê? Uma periculosidade concreta da prática criminosa. E esse projeto vai nos propiciar um reforço argumentativo de que essa situação demanda uma prisão cautelar, pela gravidade concreta. Isso é apenas um exemplo de uma situação em que esse detalhamento vai auxiliar muito na aplicação da lei.
Claro que o juiz sempre vai ter que analisar o caso concreto, não se está engessando o juiz. Mas me parece que, na medida em que o Parlamento, seguindo a própria jurisprudência da Corte Suprema, der essa linha possível dentro da lei, nós teremos uma segurança maior, exatamente propiciando... E, quanto à primeira pergunta - eu inverti a ordem das respostas - do Senador Girão, pela experiência que nós temos, esse detalhamento nos permitirá ter uma dificuldade menor de justificar a necessidade de uma prisão cautelar, afastando-se aí, ou melhor, permitindo-se não conceder a liberdade nesse tipo de ação, que é extremamente grave. Então, tendo essas novas disposições, será uma ferramenta muito importante para esse momento da audiência de custódia.
E, vejam, os dados revelam que - vamos lá, vamos arredondar - metade dos casos das audiências de custódia ensejam a manutenção da prisão, e as outras situações ensejam a concessão de liberdade, condicionada ou não a medidas cautelares. Não haverá um recrudescimento - porque este normalmente é o argumento que mais se vê: recrudescimento -, que isso vai aumentar sobremaneira, vai para 70% das situações de prisões cautelares. Isso não tem como acontecer. Mas vai reforçar a possibilidade, naqueles casos realmente graves, de que nós possamos ter uma imposição mais segura de uma medida cautelar, de uma prisão preventiva.
Então me parece que é extremamente importante a aprovação, com aquelas considerações que eu, modestamente também, trouxe aqui para a consideração do Parlamento.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Passo, por três minutos, a palavra ao Dr. Vladimir Aras.
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Sr. Presidente, Sr. Senador Moro. Cumprimento também o Senador Mourão.
E, quanto à pergunta feita pelo Senador Girão, eu queria dizer que o impacto dessa lei será, sem dúvida alguma, positivo, não só em relação ao trabalho do Ministério Público, mas também ao trabalho da polícia. A sensação que os policiais têm de que as coisas não funcionam, às vezes, é uma sensação equivocada e, outras vezes, não.
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E, com a precisão maior do texto do CPP nesse aspecto, eu creio que haverá um avanço, não só concreto, da solução de casos penais e da proteção de interesses relevantes mediante medidas cautelares, interesses relevantes para o processo, mas também interesses relevantes para evitar outros processos, porque, quando nós aumentamos o número de processos penais, o que nós, na verdade, estamos vendo é um aumento do número de vítimas nos últimos anos.
Esses números no Brasil, embora os números de homicídio tenham caído seguidamente durante alguns anos, o fato é que esses números ainda são gigantescos comparativamente com países que têm uma população muito maior do que a nossa. Então, a minha preocupação maior - e acho que do Senado e da Câmara também, e de toda a sociedade brasileira - é que esse tipo de criminalidade violenta não continue progredindo, e que criminosos violentos, ainda que ainda não condenados, não possam, repetidamente, cometer esses delitos nessa medida.
Então, eu creio que o texto é positivo por vários desses aspectos e, repetindo o que eu disse antes, com a conciliação de interesses constitucionais, convencionais, tanto de proteção dos acusados investigados, pessoas presas em flagrante, quanto de vítimas e potenciais vítimas.
É preciso que nós façamos sempre esse balanço...
(Soa a campainha.)
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Por videoconferência.) - ... sob os dois pilares, porque, já que a audiência de custódia foi uma inovação introduzida na prática forense brasileira a partir de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça e, só depois, pela lei, é importante que nós lembremos que essa inovação tem base convencional, ela tem base nos tratados internacionais de direitos humanos, os mesmos tratados internacionais de direitos humanos que, quando interpretados em relação ao Brasil, especialmente a Convenção Americana de 1969, têm sido, repetidamente, apontados como violados pela Justiça brasileira, pela Justiça criminal brasileira, por falta de efetividade, por falta de proteção efetiva, por falta de devida salvaguarda dos interesses das vítimas de casos violentos, quem quer que seja a vítima; qualquer que seja a vítima
A expectativa é de que haja uma resposta estatal, de que haja um remédio efetivo e, muitas vezes, um remédio efetivo...
(Soa a campainha.)
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Por videoconferência.) - ... para a violência é a ação penal, é a condenação criminal e, no caminho para ela, a prisão preventiva pode ser necessária. O texto traz essa maior segurança para os juízes, aumentando a necessidade de reconhecer ou não os pressupostos. Esse reconhecimento já deveria ser feito, mas a lei deixa isso mais claro.
Para garantir - atendendo a pergunta que foi feita pela cidadã -, atendendo a essa perspectiva também de proteção de direitos, o texto exige que essas decisões sejam fundamentadas. Não é qualquer decisão: mando prender porque mando; é mando prender, por isso, por isso e por isso. E essas decisões devem ser públicas, sempre que possível, para que haja o escrutínio da sociedade, o escrutínio da opinião pública, a crítica da imprensa, se for o caso, e obviamente os recursos cabíveis, sempre cabíveis, da pessoa prejudicada.
(Soa a campainha.)
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Por videoconferência.) - Um outro aspecto de integração dessa ideia com a proteção dos direitos fundamentais está, como eu comentei na minha primeira manifestação, exatamente no §4º, quando se proíbe que a gravidade abstrata do delito seja alegada e isso sirva como um motivo para prender alguém. Não é esse, creio, o objetivo do projeto do Senador Flávio Dino e nem deve ser esse o resultado do texto aprovado pelo Congresso Nacional.
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Agradeço mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Obrigado, Dr. Aras.
Registro aqui também a presença do Senador Jorge Seif. O Senador Jorge Seif, também, dá para dizer que é da bancada da segurança pública. Eu não gosto da história da bancada da bala, porque é um pouco mais complexa, mas tanto ele quanto o Senador Hamilton Mourão têm sido defensores não de um endurecimento sem causa da legislação penal... O Direito Penal tem que ser sério.
Eu vejo essas estatísticas de 45% de liberdade e eu acho que elas são um pouco altas, embora seja difícil avaliar. Mas, quando a gente vê esses casos escabrosos de crimes violentos e as pessoas sendo colocadas em liberdade, não é uma questão... O juiz aí não pode ser generoso, porque há um risco para a vítima, um risco de reiteração delitiva, um risco para a sociedade. Então, ele tem que ponderar muito para proferir uma melhor decisão. Então, no fundo, o que a gente defende é um Direito Penal sério.
Todos aqui, Senador Mourão, até para situar melhor, defendem que haja critérios, como foi estabelecido naquele projeto, para que o juiz possa decidir sobre a prisão ou a liberdade, na audiência de custódia. Todos defendem que há uma necessidade de o juiz percorrer todos aqueles critérios para que a decisão fique fundamentada tanto para a proteção do cidadão quanto, também, para a proteção da sociedade.
Eu vou passar a V. Exa. a palavra pelo prazo de até cinco minutos. Vou tomar a liberdade, também, de passar, em seguida, para o Senador Seif e aí passo para a finalização das respostas dos expositores.
Então, Senador.
O SR. HAMILTON MOURÃO (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - RS. Para interpelar.) - Bom dia Presidente, Senador Sergio Moro, a quem eu cumprimento pela iniciativa desta audiência pública, uma vez que nós já tínhamos aprovado na Comissão de Segurança Pública o projeto da autoria de V. Exa. e que balizava alguns aspectos para, vamos dizer assim, orientar a decisão do magistrado por ocasião da audiência de custódia. E aí temos também esse projeto do nosso então colega Senador Flávio Dino, atual Ministro da Suprema Corte, que também se orienta por aspectos objetivos que muitas vezes fazem falta na hora de se tomar uma decisão.
Eu cumprimento o Dr. Anderson Sobral de Azevedo, o Dr. Douglas Fischer, meu conterrâneo, e o Dr. Vladimir Aras pelas exposições que fizeram, pelas respostas que eu acompanho agora aos questionamentos do nosso colega o Senador Girão.
Eu, na realidade, não tenho questionamentos específicos a respeito do assunto, mas eu quero aqui fazer algumas considerações, Senador Sergio Moro.
O Brasil é um país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes e, consequentemente... E aí entra a questão da natureza humana. A natureza humana, lamentavelmente, está dividida entre aqueles que procuram fazer o bem e outros que procuram fazer o mal. E compete à sociedade organizada conter as pessoas que se dedicam ao crime, a fazer o mal. Não é uma questão de encarcerar ou não encarcerar, é uma questão pura e simples de deixar afastadas do convívio aquelas pessoas que se dedicam única e exclusivamente à atividade criminosa. E hoje essa atividade atingiu dimensões que afetam o Estado brasileiro.
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O Estado brasileiro vive uma situação de guerra interna. Essa é a realidade da qual nós não podemos fugir. Essas narcoquadrilhas eu considero uma narcoguerrilha. Quem, como nós, viveu a vida inteira na profissão militar, entende que uma força de guerrilha se estrutura entre a força de combate propriamente dita, uma força de sustentação e uma força de apoio, e, quando a gente vai analisar a estrutura dessas quadrilhas, elas estão estruturadas dessa forma.
Então, o Estado brasileiro tem que se preparar, efetivamente, para travar esse combate de forma a proteger a população que trabalha e produz no nosso país. E nós vemos, muitas vezes, criminosos de alta periculosidade sendo liberados nessas audiências de custódia. O Senador Sergio Moro, no seu requerimento, citou exemplos que são compulsados nas notícias que colhemos nos jornais quase que diariamente.
Então, eu acho que esse projeto é fundamental. Que a gente o faça avançar! Eu vi agora no meu Estado, no Rio Grande do Sul, durante essa situação de calamidade, a narcoquadrilha agindo, agindo no desvio das doações, agindo em saques e roubos às casas que ficaram abandonadas, mesmo estando submersas. Houve tentativa de ataque no próprio aeroporto de Porto Alegre, que tinha armamento guardado lá dentro.
Isso mostra que nós não estamos lidando com um problema de menor proporção. É um problema de grande proporção e que realmente necessita da união de todos os setores, tanto do setor que se engajar diretamente no combate ao crime, como dos setores que são responsáveis pelo julgamento dessas pessoas, e chegando na execução penal. E isso aí é um dos calcanhares de Aquiles que nós temos. O nosso sistema penal tem que ser melhorado. Nós não podemos continuar misturando nos nossos presídios aqueles bandidos que são líderes de facções com bandidos, ou malfeitores, ou meliantes de menor periculosidade, que têm uma pequena pena a cumprir e, no entanto, chegam no presídio e são arrastados para o furacão que é a maneira como se vive lá dentro. Se nós não conseguirmos consertar isso, nós vamos continuar fornecendo, vamos dizer assim, tropa para o crime organizado.
Então, são três setores em que nós temos que trabalhar, e trabalhar bastante.
Eram essas as considerações, Senador Sergio Moro.
Mais uma vez, cumprimento V. Exa., que tem sido um batalhador incansável...
(Soa a campainha.)
O SR. HAMILTON MOURÃO (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - RS) - ... na causa da segurança pública. A nossa Comissão de Segurança Pública é a Comissão que não falha em uma reunião e não temos ali debatido temas que não sejam do precípuo interesse da sociedade brasileira, buscando sempre o quê? Proteger a nossa sociedade daquelas pessoas que não têm outra determinação que não seja causar o mal.
Parabéns, Senador Sergio Moro!
E, mais uma vez, cumprimento os três debatedores que aqui compareceram, expondo com muita tranquilidade a sua visão sobre essa questão.
E peço desculpa, Senador Sergio Moro, mas tive que participar da reunião de Líderes e da Comissão Temporária Externa do Rio Grande do Sul, mas ainda cheguei a tempo de poder participar desta nossa reunião.
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O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Obrigado, Senador Mourão. Nós sabemos aí da sua proatividade nesses temas do Rio Grande do Sul e da segurança pública. Infelizmente, essas atividades concomitantes no Senado são, infelizmente, normais, então não tem problema nenhum, evidentemente.
Passo a palavra, então, ao ilustre Senador Jorge Seif, pelo prazo de até cinco minutos, para suas indagações ou colocações.
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Para interpelar.) - Sr. Presidente, Senador Sergio Moro, primeiramente, quero parabenizar o senhor pelo PL 226 e quero agradecer ao Dr. Anderson, que é juiz auxiliar do Supremo, pela participação e também àqueles que já passaram por aqui. E também peço vênia, Sr. Presidente, porque estávamos participando de outras reuniões, inclusive lá na CSP, na reunião de Líderes, etc. Mas eu tenho algumas questões que, talvez pelo tema já estar exaurido, por eu não ter participado anteriormente, a gente possa utilizar partes disso para um futuro questionamento ou respostas.
Então, eu tenho uma série de críticas à audiência de custódia, porque, na minha cabeça, hoje, pelos casos que muitas vezes são publicizados, é um habeas corpus automático para malfeitores. Nós tivemos, General Mourão, em Santa Catarina - em Santa Catarina, que é exemplo de segurança pública em todo o Brasil -, bandidos com fuzis, com quilos de cocaína, sendo liberados na audiência de custódia. Isso é um deboche! Isso não pode ser sério! O cara com fuzil, equipamento inclusive automático, que é proibido no Brasil, não tem porte de arma, não comprou arma no Brasil - é arma fria -, com drogas e foi solto numa audiência de custódia.
E eu lhes pergunto: nós não estamos invertendo, subvertendo a realidade e desvalorizando o policial, o homem público, em detrimento de malfeitores, com essa humanização de "ah, pequenos furtos", com essa política de desencarceramento, com o voto do atual Presidente, inclusive, contra o que nós votamos aqui, das saidinhas, que era outro deboche?
Então, eu tenho algumas outras colocações, Senador Moro e Dr. Anderson. Vamos lá.
Essa questão da audiência de custódia não foi criada por lei, e sim por uma resolução do CNJ, que é, na minha opinião, um movimento político do Judiciário que não deveria existir; isso é uma atribuição nossa, do Congresso Nacional. Outra coisa, e é nisso aqui que realmente nós vemos como as coisas estão subvertidas: alto número de liberações de presos, 39%, segundo o CNJ; 39% de todas as audiências de custódia resultam em concessão de liberdade. Dr. Anderson, o senhor com certeza soube daquele caso em Blumenau, em que um covarde entrou com uma machadinha numa creche e matou crianças. Com certeza o senhor soube, foi o último caso de grande repercussão. Adivinha? Já tinha passado por três audiências de custódia recentemente, foi liberado nas três, e o seu quarto ato foi então matar crianças.
Outra coisa: preconceito contra o policial, Senador Sergio Moro. Por quê? Como nós aqui não temos o crime de perjúrio - para quem está nos assistindo, agradeço inclusive a audiência, o perjúrio é fazer um falso juramento -, o que o vagabundo faz, Dr. Anderson? Chega lá e diz: "Fui maltratado pelo policial, fui torturado". E aí, basicamente, esse é o green card para ele já sair. E pior: o policial, que arriscou sua vida, saiu de manhã de casa, mas não sabe se vai voltar, e que combate fuzil muitas vezes com um 38 ou com uma 9 milímetros - que, perto de fuzil, o senhor sabe que não são nada, especialmente de fuzis automáticos -, ele vai, prende, coloca a vida em risco - vimos recentemente, lá em Minas Gerais, inclusive a questão da saidinha, um bandido que saiu na saidinha e matou um policial que tinha um filho de meses -, e aí o policial sofre PAD - o senhor sabe o que é, é um processo administrativo - e joga na lama a fama e o trabalho dele, Senador Mourão. Então, olha como nós estamos invertendo as prioridades; quem realmente é herói, quem realmente é mocinho; quem realmente está trabalhando pela sociedade e quem não está.
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Continuo. Ainda tenho um minuto e trinta e quatro.
Nesse ponto, as estatísticas do CNJ registram que em 125 mil audiências houve denúncias de maus-tratos e tortura, por parte dos presos, contra os policiais. Em 8% das prisões, falam que foram torturados, e muitas vezes vão para o IML, fazem corpo de delito e nada é encontrado - e o cara mentir ou não mentir tanto faz, porque não existe tipificação para perjúrio na nossa legislação.
(Soa a campainha.) (Pausa.)
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC) - Eu vejo, Dr. Anderson e Senador Moro, a desnecessidade da audiência de custódia, uma vez que os mecanismos constitucionais já funcionavam: faziam um depoimento, ali, para o policial; o policial mandava para um juiz; o juiz já analisava a soltura ou a prisão. Foi um instituto criado que burocratiza mais, e infelizmente tem esses péssimos números de agressões contra o policial e índices elevadíssimos de liberação de pessoas, por exemplo, que bateram na mulher, ameaçaram a mulher, traficaram drogas, estão com porte ilegal de arma, etc., etc.
Então, eu quero agradecer ao senhor e parabenizá-lo, Presidente, pela proposição.
(Soa a campainha.)
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC) - Eu acho que vem em bom tempo, uma vez que hoje o tema da segurança pública está na boca de todos os brasileiros, Dr. Anderson. Não sei se o senhor acompanhou uma pesquisa ampla que teve no Brasil: antigamente o brasileiro estava preocupado com a sua velhice, com o emprego, com a sua saúde e até com a educação; um dos índices mais abordados, hoje, pelos brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, é segurança pública.
Então, quero parabenizá-lo, Senador Moro, pela proposição. Conte conosco.
Obrigado, Dr. Anderson e todos os demais expositores que participaram desta audiência.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço ao Senador Seif, muito eloquente e que reflete exatamente aquilo que eu falei antes: existe essa percepção de porta giratória, muitas vezes ilustrada por esses casos recorrentes, que não são o padrão, mas são casos que chamam atenção e acabam gerando essa postulação, até da população, de que vão acabar com a audiência de custódia. Para não acabar com a audiência de custódia é que se precisa definir critérios, para que ela não sirva como uma porta de liberação de criminosos.
Um dos critérios que nós vamos colocar, Senador Seif, expressamente na lei - e que já foi aprovado naquele projeto relatado pelo Senador Mourão - é que, se foi liberado numa audiência de custódia, não pode ser liberado de novo em outra audiência de custódia, a não ser que tenha sido absolvido pelo crime anterior, mas não tem como... Tem casos, que a gente leu aqui, em que - e, às vezes, até crimes menores do que aquele trágico - furtou num dia e no outro dia está furtando de novo. Espere aí! Tudo bem, o furto pode até ser de pequeno potencial, mas tem-se que dizer que a lei é séria, que o direito penal é sério.
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Mas eu vou passar, então, a palavra aos expositores, para as respostas e considerações finais, dado o adiantado da hora, apenas destacando aqui também outras indagações dos nossos telespectadores, que, de certa maneira, estão dentro das proposições.
Andressa, do Paraná: "Quais medidas garantem a aplicação justa e imparcial da prisão preventiva?".
Vitória, de Rondônia: "Como [...] [essa proposta] pretende agilizar decisões [...] [relacionadas à] prisão preventiva [...]?".
E um comentário geral aqui do Carlos, do Espírito Santo, entre vários outros que nós recebemos, elogiando a discussão sobre a audiência de custódia, para que se possa otimizar o serviço policial no combate ao crime.
Então, passo aqui, por três minutos, a palavra a cada um dos expositores, para suas considerações finais e respostas.
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO (Para expor.) - Primeiro, eu gostaria de saudar o Senador Seif. Os questionamentos, tanto de V. Exa. quanto do Senador Mourão, foram extremamente pertinentes e convergem para os dois projetos de lei.
Hoje, o que temos no Código de Processo Penal é o conceito de ordem pública, prisão preventiva para garantia da ordem pública, e, na maior parte das vezes, essa avaliação é feita na audiência de custódia. Talvez essa seja a razão pela qual se chama tanto atenção em relação a esse instituto da audiência de custódia.
E o projeto de lei converge no sentido de especificar melhor, não só para os juízes, mas também e principalmente para a sociedade, quais são os casos de ordem pública. Tenho certeza de que esses projetos de lei, se aprovados por esta Casa e pelo Congresso Nacional como um todo, vão fazer com que diminua a percepção da sociedade em relação à positividade ou não das audiências de custódia, tendo em vista que vai dar um roteiro para os juízes, para o promotor de justiça, para o procurador da República, para o defensor público, para os advogados, ou seja, para todos os operadores do sistema de Justiça, a respeito do que vai precisar ser avaliado no momento da audiência de custódia para a concessão de liberdade provisória ou conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
Então, como acabou de dizer o Senador Moro, há especificidades, como gravidade, periculosidade do agente, pela forma como o crime foi cometido - como naquela fatídica situação de Santa Catarina, citada por V. Exa. -, em relação à periculosidade advinda de participação em organização criminosa, entre outras situações.
(Soa a campainha.)
O SR. ANDERSON SOBRAL DE AZEVEDO - Então, eu tenho certeza absoluta de que, mais uma vez, o Congresso Nacional, o Senado, vão dar uma resposta à sociedade ao aprovar estas duas propostas de lei.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Passo, então, a palavra ao Dr. Douglas Fischer para suas considerações por até três minutos.
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O SR. DOUGLAS FISCHER (Para expor. Por videoconferência.) - Senador Sergio Moro, mais uma vez eu agradeço a oportunidade de estar aqui, pelas perguntas e considerações, que foram feitas também pelo Senador Jorge Seif.
Eu preciso destacar apenas o seguinte: entendo a preocupação do Senador e as ponderações do Senador Jorge, mas me parece que a audiência de custódia é um importante instrumento inserido na legislação brasileira. Aliás, sim, ela foi criada a partir de uma resolução, mas nós temos agora isso tudo codificado: está dentro do Código de Processo Penal o procedimento a ser adotado. E me parece que a audiência de custódia decorre de imposição de convenções internacionais, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Então, nós tínhamos que adotar esse procedimento.
Ela é importante, mas, sim, em alguns casos, talvez até pela vagueza da legislação... E me parece que agora essa alteração vai conferir uma rigidez, uma segurança maior para aqueles crimes graves, para aquelas situações graves, em que o juiz poderá ali ter um parâmetro mais claro para a decretação de uma prisão preventiva e não concessão de uma liberdade ou então de uma medida cautelar menos gravosa para aquelas situações que efetivamente sejam graves. Então me parece que a proposta deste projeto de lei virá ao encontro de nós termos uma efetividade maior, como eu já disse antes, e evitarmos situações em que não se conceda a liberdade para aquelas situações, para aqueles fatos que sejam considerados mais graves, uma gravidade concreta dos crimes, e aqueles todos outros requisitos de que nós já falamos aqui.
Então, eu agradeço muito a oportunidade de estar aqui tecendo algumas considerações. Eu me coloco à disposição dessa Casa Legislativa, se necessário, para inclusive fazer fundamentações escritas ou outros debates, porque é muito importante que nós tenhamos uma efetiva participação e ponderação, para que nós tenhamos uma legislação um pouco mais adequada para esse tipo de criminalidade.
Muito obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço ao Dr. Douglas Fischer.
E passo, por três minutos, para as considerações finais do Dr. Vladimir Aras.
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS (Para expor. Por videoconferência.) - Agradeço mais uma vez, Senador Moro, pela oportunidade de participar deste debate tão relevante para o aperfeiçoamento do sistema processual brasileiro, sobretudo nessa linha que surgiu aí dos comentários dos Srs. Senadores.
Eu gostaria de acompanhar o que disse meu colega Douglas agora sobre a importância da audiência de custódia, porque, além de ela ter essa base convencional na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ela também tem base convencional no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966. São dois tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional; e, portanto, pelo menos teriam força de lei. O Supremo Tribunal Federal, em algum momento, determinou que esses tratados internacionais têm força supralegal - em alguns países, tratados de direitos humanos têm eficácia mesmo constitucional, status constitucional. Então, é importante que nós percebamos isso. Não se trata de um procedimento judicial criado por resolução. A resolução especificou o procedimento, mas a sua gênese está realmente nos tratados internacionais que foram aprovados pelo Congresso Nacional.
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E é importante que nós identifiquemos, na audiência de custódia, um símile com o habeas corpus. Não um símile no sentido negativo, porque, na origem, a palavra habeas corpus, o procedimento, inclusive, do habeas corpus exigia a apresentação física da pessoa aos juízes. Isso deixou de existir ao longo dos anos, os juízes passaram a decidir no papel. Mas, com o incremento da atividade processual penal dos Estados, inclusive do nosso, do Estado brasileiro, passou a ser necessário que houvesse a apresentação física dessas pessoas para checagem não de acusações propriamente contra policiais, mas de eventuais vícios...
(Soa a campainha.)
O SR. VLADIMIR BARROS ARAS - ... que podem ser corrigidos pelo controle externo da atividade policial, da atividade que o Congresso atribui ao Ministério Público, para que haja ocasião para que os bons policiais sejam separados dos maus policiais. Os bons policiais seguirão fazendo o seu trabalho, conseguindo realizar prisões que passarão por todo esse crivo, e não se sujeitarão a nenhuma reprimenda.
Agora, o Senador Seif tocou num ponto importante, que é o ponto das acusações falsas. Pode haver e, de fato, há acusações falsas. E o que nós podemos fazer em relação a isso? Nós podemos pensar nas câmeras corporais, nas câmeras corporais utilizadas pelos policiais, que servirão de prova da isenção do trabalho policial. Então, não é apenas útil para obter elementos probatórios a respeito do que o indivíduo fez, o preso fez, mas também elementos que isentem, que deixem o policial em boas condições quando houver uma audiência como essa. E aí uma acusação falsa poderá fazer com que esse indivíduo incorra em outro crime, que seria o de denunciação caluniosa, o que é possível se o policial passar a ser alvo de uma investigação criminal por conta de uma informação falsa passada por ele.
Então, eu acho que a gente poderia vincular essa ideia da custódia com um aprofundamento do aperfeiçoamento da atividade investigativa e da atividade repressiva e policial do Estado, trazendo ao debate também a questão das câmeras corporais.
Com isso eu, de novo, agradeço o convite do Senado, cumprimento o Senador Sergio Moro pela audiência pública e parabenizo o ex-Senador, agora Ministro do Supremo... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Cortou lá. Parece que não foi aqui, não é? Perdão.
Bem, eu quero aqui agradecer - caminhando para o final -, mais uma vez, a presença ao Dr. Anderson Sobral, que veio representando aqui, vou deixar claro, o Ministro Flávio Dino, que foi convidado pessoalmente. E a gente entende os afazeres, ele enviou um representante de extrema qualificação. Agradeço ao Dr. Douglas Fischer, que representa, neste ato também, o Dr. Paulo Gonet, que também foi convidado para esta audiência; e ao Dr. Vladimir Aras, por todas as suas colaborações. Foram anotadas aqui as sugestões, vamos examinar o texto.
Como eu disse, nós precisamos melhorar a segurança pública no nosso país. Existe esse sentimento, essa percepção negativa da população sobre a audiência de custódia. E acaba-se, muitas vezes, gerando um risco de que o instituto... de que haja um movimento do Congresso, eventualmente, até para eliminá-lo, quando o melhor, na verdade, é nós definirmos os critérios para evitar a soltura de quem não deve ser solto nessas audiências.
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Sabemos aí que os juízes fazem bem o seu trabalho, e, na maioria dos casos, essas situações são decididas com bastante serenidade e ponderação sobre as circunstâncias dos casos concretos, mas, infelizmente, existem maus exemplos de casos mal decididos e criminosos perigosos sendo colocados em liberdade. Então, vamos definir esses critérios na lei. Quem sabe, utilizar essa audiência para também aproveitar para fazer o perfilamento genético, já que tem o potencial investigatório e também o potencial de diminuição de reincidência; vamos avaliar e colocar isso dentro do projeto, sem embargo de reconhecer que a audiência de custódia, que é o contato direto do juiz com o preso, por si só, não é negativa; o grande problema e a grande reclamação das pessoas é quando vem o instituto como um elemento de porta giratória.
Só destaco, por último, aqui que é um projeto do Senador Flávio Dino, hoje Ministro do Supremo. Lá atrás, éramos adversários políticos, adversários no sentido clássico da política, não no sentido de inimizade ou de adversidade dessa espécie, mas ele representava um campo político - hoje não o representa mais, é Ministro do Supremo -, e eu represento um outro campo político, mas é importante ver a possibilidade de termos convergências em temas que transcendem essas polarizações que, muitas vezes, impedem que nós encontremos soluções importantes para a sociedade. O que importa não é quem fez o projeto, não é quem relata o projeto, não importa quem vai votar no projeto assim ou assado, o que importa é nós aprovarmos uma medida que atenda o cidadão brasileiro e que reforce a segurança pública, protegendo, assim, a vítima e a sociedade da criminalidade.
Com isso, eu declaro encerrada a reunião, agradecendo, mais uma vez, aos presentes e aos convidados para esta audiência pública.
Muito obrigado.
(Iniciada às 10 horas e 12 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 18 minutos.)