22/08/2024 - 4ª - Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Boa tarde a todas e a todos.
Reiniciamos os nossos trabalhos um pouquinho mais cedo em função dos compromissos da agenda oficial de todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão de Juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil, criada pelo Ato do Presidente do Senado nº 3, de 2024, destinada a apresentar, no prazo de 180 dias, anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil.
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A presente reunião destina-se à realização da segunda audiência pública do Colegiado.
Antes de iniciarmos, gostaria de renovar o pedido para que todas as manifestações sejam feitas no microfone, para o bom registro dos nossos trabalhos, sabendo que tudo que for aqui debatido integrará os Anais desta Comissão e do Senado Federal.
Informo também que adotaremos o mesmo procedimento da nossa reunião da manhã quanto à organização dos convidados, em blocos e com os tempos de fala que serão atribuídos.
Finalmente, reafirmo que pretendemos cumprir a nossa pauta até às 16h30. Alguns dos nossos membros terão que sair um pouco antes, mas não temos um caráter decisório hoje. Isso não prejudicará em nada, pois certamente nós já temos uma perspectiva de satisfação por tudo que foi apresentado na parte da manhã.
Então, passemos agora a ouvir a Dra. Mônica Silveira Vieira, Juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a fazer uma exposição em até dez minutos.
S. Exa. participará também de forma remota.
Com a palavra, Dra. Mônica, a quem logo agradeço a participação.
A SRA. MÔNICA SILVEIRA VIEIRA (Por videoconferência.) - Boa tarde a todos.
Eu agradeço muito esta oportunidade de participação.
Exmo. Procurador da República Augusto Aras, Exmo. Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Exmo. Desembargador Federal Edilson Vitorelli, por meio dos quais eu cumprimento todos os membros da Comissão, todos os presentes, todos os que nos acompanham.
E eu agradeço esta oportunidade de participação, não apenas em meu nome, mas no de toda a magistratura estadual.
Por vezes, nós pensamos que apenas o mais relevante é a participação da magistratura federal na condução dos processos estruturais, mas nós temos, cada vez mais, e crescentemente, a condução desses processos pela magistratura estadual. E eu trago aqui uma breve exposição, em que eu foquei não apenas em um assunto, mas em dificuldades que eu tenho colhido na minha experiência como magistrada estadual desde 2007, antes disso, como servidora do TJMG, mas também como formadora e tutora de cursos, e de um curso recente que foi muito rico, porque ele envolveu a interação de membros do Ministério Público, magistrados e membros da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais.
Então, sem mais delongas, eu gostaria de pontuar que creio que o anteprojeto, como já pontuado por vários daqueles que fizeram exposições hoje, deveria realmente delinear o que se considera conflito e, portanto, litígio estrutural para fim de sua aplicação, para que não se esvazie o objeto do processo coletivo. Essa é uma preocupação que já foi exposta aqui por diversas vezes e me parece muito lúcida, muito legítima. As peculiaridades do processo estrutural, me parece, realmente, que devam ali constar, assim como os princípios aplicáveis ao processo estrutural.
Esta é uma dificuldade que nós temos enfrentado, a da criação de uma nova cultura jurídica que faça com que o Poder Judiciário atue de uma forma nova, à frente do processo estrutural, e também que se traga para dentro do anteprojeto aquela previsão que ficou muito clara no Tema 698 do STF, de que aqui nós temos uma intervenção do Poder Judiciário de modelo fraco, para uma condução muito mais otimizadora de fiscalização, de impulsionamento dos agentes que, realmente, construirão planos de enfrentamento.
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Além disso, acho importante que o projeto traga normas que viabilizem que a distribuição de competência judiciária ou as normas de distribuição de competência não constituam um óbice à flexibilidade própria do processo estrutural e à prevalência do postulado da competência adequada, e que os instrumentos de cooperação judiciária sejam, de fato, empregados para evitar a suscitação de conflitos e para permitir a prática de todos os atos necessários pelos diversos ramos da Justiça que devam praticar atos processuais em um dado processo estrutural.
Nós sabemos que conflitos diversos em processos complexos, inclusive nos macrolitígios de ocorrência súbita, têm impedido que se preste a justiça com a celeridade necessária e que, inclusive, se alcancem os objetivos relacionados à composição ou ao atendimento das vítimas, o que a Dra. Helena Refosco lembrou de manhã. O que aconteceu, por exemplo, no desastre da Samarco, nos litígios relacionados ao desastre da Samarco, em que conflitos atrasavam, por demais, os processos, deve ser evitado.
Acho também que é muito importante que conste do anteprojeto uma previsão que delineie em que casos e com observância de que requisitos é admissível que o magistrado determine a transformação de um processo comum, notadamente de uma ação individual, em um processo estrutural. Isso tem acontecido com cada vez mais frequência em casos concretos, e a determinação desses casos e requisitos me parece necessária, até para evitar um esvaziamento de casos, uma proliferação de processos estruturais em casos em que, muitas vezes, isso, de fato, nem deveria acontecer; e, por outro lado, para que isso aconteça nos casos em que é necessário que ocorra, para que não aconteça aquilo que foi claramente identificado no Tema 698, do STF, como uma inviabilização de políticas públicas por meio de determinações em casos individuais.
É muito importante, como já se discorreu aqui, por diversas vezes, a determinação das duas fases em que se desenvolve o processo estrutural, e que fique claro que, na primeira fase, não cabe ao magistrado determinar de que maneira o plano de reestruturação se realiza, mas apenas fixar metas, delineamentos, contornos, porque a construção do plano se fará com a observância do princípio da consensualidade.
Acredito ser muito importante, também, que se reúnam, dentro do projeto, determinações em relação às diversas ações individuais. Nós temos no Brasil, não apenas em relação ao processo estrutural, mas também em relação ao processo coletivo em geral, o problema da convivência das diversas ações individuais com as ações coletivas. O STJ muito bem equacionou essa questão por meio dos Temas 60, 589 e 923. Os dois últimos não são uma mera reafirmação, mas uma densificação desse precedente.
E, conquanto o Dr. Vittorelli tenha dito de manhã que não pretende, com o anteprojeto, esvaziar o processo coletivo ou trazer, dentro do anteprojeto, questões que não tenham sido trabalhadas em relação ao processo coletivo, não creio que seja isso que se faria se se trabalhasse, aqui no anteprojeto do processo estrutural, a questão da suspensão das ações individuais - a necessária suspensão -, para evitar exatamente essa inviabilização das políticas públicas, em razão do seu tratamento disperso nas ações individuais, porque a norma já existe no processo coletivo.
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A questão é que ela não está tratada de forma legislada, mas por meio desses três precedentes firmados pelo STJ. Porém, em virtude das dificuldades que ainda a gente tem em relação à operacionalização do sistema brasileiro de precedentes qualificados - que a gente sabe que são várias e por diversas razões -, eu acho que trazer essa questão para dentro do anteprojeto seria muito relevante.
Creio que seja muito importante também uma previsão normativa de que, com a colaboração dos demais sujeitos e interferentes processuais, o magistrado deve empreender os esforços necessários para identificar todos os interesses relevantes envolvidos - envolvidos em rede, no conflito, litígio estrutural - e deve haver previsões para garantir a representatividade adequada desses interesses.
Acredito ser muito importante prever as peculiaridades da segunda fase, inclusive em relação à possibilidade de alterações até do que foi decidido na sentença da primeira fase, na fase de cumprimento.
Acredito ser fundamental também prever claramente as responsabilidades pela implementação do plano de reestruturação, especialmente pela fiscalização dessa implementação, para que a gente não tenha um problema de efetividade. Embora saibamos que às vezes existe uma virtude pela própria criação de uma cultura nova em razão do processo estrutural, pode parecer não efetivo em razão de não implementação do plano, mas o próprio reconhecimento da situação de desconformidade pode levar, no futuro, à sua superação.
Acho que é importante que o projeto de lei traga previsões relevantes no sentido dessas responsabilidades, principalmente, por meio de sua atribuição, o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Acho que é preciso prever no anteprojeto o papel dos centros de inteligência em relação ao processo estrutural. Essa relevância da atuação dos centros é prevista, é indicada na obra do Prof. Vitorelli, mas acredito que se deva prever aqui não apenas o papel institucional dos centros na gestão da litigiosidade, notadamente da litigiosidade estrutural, que já decorre da Resolução 349, do STJ, mas a possibilidade de que o juiz - muitas vezes os juízes, no seu solipsismo, no seu isolamento, na falta de recursos para lidar com problemas tão complexos, se veem isolados na dificuldade da gestão do caso, de que se falou tanto de manhã - possa recorrer aos centros de inteligência como uma forma de colaboração do juízo para finalidades como identificação...
(Soa a campainha.)
A SRA. MÔNICA SILVEIRA VIEIRA (Por videoconferência.) - ... de melhores estratégias de gestão de conflitos e litigiosidade e até da identificação dos interesses relevantes e de quem possa representá-los.
Também há a necessidade de que o Conselho Nacional de Justiça, em relação aos processos estruturais, desenvolva políticas diferenciadas de metas - de metas a serem cumpridas e de medição das metas -, porque, embora tenha-se dito muito de manhã que a fase de cumprimento do processo estrutural não poderia levar a uma fluidez absurda de modo que o processo não termine nunca e se leve a uma situação de inefetividade, também não se pode olhar para esses processos em relação ao cumprimento de meta 1 como um processo tradicional comum, porque, se esse processo tiver que terminar de uma forma rápida, ágil, como um processo comum, não se alcançará a superação da situação de desconformidade como desejado.
Eu agradeço e me coloco à disposição da Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Dra. Mônica, pela contribuição relevante e pela satisfação de saber que V. Exa. acompanhou todo o trabalho da manhã, porque certamente V. Exa. poderá voltar a participar das discussões e trazer novas contribuições, com outras falas que ocorrerão nesta tarde e até dezembro, quando concluiremos os trabalhos, com fé em Deus.
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Então, convido o Procurador do Trabalho Afonso de Paula Pinheiro Rocha a tomar assento à mesa e fazer sua exposição por até dez minutos.
Seja bem-vindo!
O SR. AFONSO DE PAULA PINHEIRO ROCHA - Bom dia a todos e a todas.
É uma satisfação e uma grande honra estar aqui.
Vou começar a quebra de liturgia com uma brincadeira: estar numa banca com doutrina viva é difícil. Então a gente... (Risos.)
Dr. Marcelo, Dr. Vitorelli, Dr. Aras, nosso Presidente, cumprimento todos.
Gostaria de agradecer a indicação do Ministro Alberto. Tive a satisfação de trabalhar com o Ministro Alberto e discutir esses temas.
Acredito que a razão da minha presença é a experiência concreta na implementação e para fazer um lembrete. O lembrete aqui é: o que nós pudemos aprender com o processo do trabalho.
As reformas do processo civil. Inegavelmente, o nosso Código de Processo Civil, de certo modo, refletiu algumas práticas trabalhistas que são muito úteis e têm muito a ver com o processo estrutural, ou seja, falou-se muito hoje sobre oralidade do princípio do trabalho, centralização de decisões, mensagens que o processo do trabalho tem, o histórico das execuções centralizadas no processo do trabalho, os núcleos de execução centralizada para a efetividade do processo de litígio de massa.
E aí eu trago essa reflexão como bom bairrista e trabalhista, processualista trabalhista, de que, vejam, as relações de trabalho contêm em si, cada uma delas, um germe específico de potencial estruturalidade, porque, quando você tem um litígio difuso trabalhista, um ilícito trabalhista, ele é atomizado. Não é à toa que o Supremo Tribunal Federal está discutindo a litigiosidade trabalhista hoje em dia. Mas, vejam, às vezes, é o benchmarking - para usar palavrinha bonita - do setor. Às vezes, é um estado de coisas, de incentivos estruturais, econômicos, regulatórios, até de uma própria cultura judicial que leva à litigiosidade de massa, difusa.
E o processo do trabalho, historicamente, tem elementos de conexão. A própria tutela coletiva, os dissídios coletivos são exemplos tradicionais de resolutividade agregada, através de entidades que têm uma legitimidade expressa prévia, ou seja, os próprios sindicatos.
E eu chamo essas decisões para quê? Porque, na prática, nós precisamos de elementos de viabilidade do processo estrutural.
Num nível bem visceral, o que é um processo estrutural? É um reconhecimento de um estado de coisas irregular que gera demandas e gera violações sistêmicas. Não é à toa que nós temos os maiores precedentes no próprio Supremo Tribunal Federal. Não é à toa que nós precisamos de mecanismos indutivos de alteração dos comportamentos dos atores relevantes que geram esse estado.
Na área trabalhista, a gente se depara muito com isso. Por quê? Porque nós temos os efeitos em cadeia econômica. Muitas vezes, ao longo do tempo, nós tivemos casos em que nós necessitamos de práticas estruturais para alterar dinâmicas de cadeias produtivas. E as intervenções são feitas, vejam, em uma esfera privada, mas em atores relevantes que fazem a mudança do comportamento - para usar a linguagem bonita, no player relevante da cadeia que influenciou o comportamento.
Nisso a gente cai em um ponto sobre o qual eu gostaria de fazer uma reflexão aqui com a Comissão. É o seguinte: nós precisamos entender quais instrumentos o magistrado ou grupo de magistrados... Por quê? Porque nós falamos o tempo inteiro de magistrado, porém foi ressaltado o princípio da colegialidade.
E os atos de cooperação judiciária? Não temos previsão hoje de mecanismos de decisão colegiada intraesferas. Isto é algo que pode ser pensado pela Comissão: a legitimidade.
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Acredito que um exemplo que, talvez, o Ministro Alberto tenha lembrado foi a condução de uma intervenção em maternidade no Estado do Rio Grande do Norte, onde atuamos - Justiça do Trabalho, Justiça Federal e Justiça Estadual -, decisões e manifestações assinadas sempre a termos três, com base, ainda, em 2016, o código, a ideia de cooperação judiciária direta.
Mas, será que nós, hoje - e aí eu trago para provocar mesmo a Comissão -, não podemos olhar o que temos de incidentes e adaptá-los? Por exemplo, incidente de assunção de competência, um mecanismo processualmente reconhecido para causas que tenham relevância e expressividade e possam ser deslocadas para uma decisão colegiada. Será que não cabe pensar um incidente eventual de deslocamento de algumas ações estruturais, para que, em uma estrutura talvez de um órgão colegiado, não tenha, assim, o trabalho hercúleo de um magistrado para fazer a condução individual?
Há incidentes de demandas repetitivas em que existe um processo de qualificação prévia. Nós precisamos definir realmente o que é um processo estrutural, para trazer essa explicitação do que é possível.
Quanto a outras figuras processuais interessantes que nós temos, falamos muito do tema 498, recente, de indução de políticas públicas. Vejam, os entes públicos têm uma figura bem peculiar que é a intervenção anômala dos entes públicos em demandas relevantes. Por que não prever intervenções anômalas de agentes relevantes para a resolução de um caso estrutural? Hoje, nós temos a figura da intervenção de terceiros. Está certo que isso pode ser resolvido tão somente com uma flexibilização da ideia de pertinência, amicus curiae e audiências públicas, mas por que não dar uma ferramenta ao magistrado para trazer efetivamente aqueles em que o comportamento pode ser induzido por uma decisão judicial a resolver o estado de coisas?
Aí nós entramos em algo... Eu tenho visto muito e acompanhado as belíssimas, brilhantes apresentações, mas eu acho que a Comissão deve se ater também e pensar: de que ferramentas - agora, eu vou para execução - indutivas de comportamento nós podemos dotar um processo realmente estrutural para que nós possamos fazer adequações de comportamento. E aqui eu chamo a atenção. Hoje, as tutelas executórias atípicas já estão se tornando algo extremamente relevante, têm o seu papel reconhecido, mas o que seriam tutelas executórias atípicas em litígios e processos estruturais? Que ferramental nós teríamos? Foi falado da flexibilização entre objeto e pedido, mas e a tutela efetiva executória, para você induzir o comportamento de regularização de uma conduta estrutural?
Nesse ponto, eu exorto a Comissão a considerar os trabalhos que estão sendo feitos até no novo direito civil. Na proposta de alteração do Código Civil, existe um fator que eu acredito que é relevante ser discutido aqui, que é a multifuncionalidade da responsabilidade civil. Pela nossa experiência, os magistrados precisam de comandos. E o comando financeiro, ou seja, a imposição de multas, a imposição de tutelas específicas atreladas a um astreinte, atreladas a uma tutela atípica, isso é ferramental de indução. Se eu estou lidando com litígios complexos em que eu preciso induzir comportamentos e posturas positivas à resolução, ao plano do litígio, nós precisamos desse ferramental executório.
Então, previsão de tutelas atípicas, mecanismos desse reconhecimento da responsabilidade civil ou mesmo a possibilidade de atribuição de ônus de responsabilidade civil para indução de comportamento resolutivo estrutural é algo que eu exorto a Comissão a considerar.
Então, vejamos, temos os mecanismos da possibilidade de integração. E aí eu exorto que haja previsão - e confesso que não sei como ainda -, mas é inegável que, hoje, o papel do soft law, desempenhado pelas resoluções dos conselhos, é essencial. Vejam o exemplo da ADPF 347. Quem é que está fazendo o Plano Pena Justa, que vai ser a metodologia de implementação? Ou seja, mecanismos dentro de um projeto de lei com atribuição de órgãos de cooperação judiciária, por exemplo, um comitê intersetorial de justiças que seja específico à execução de projetos.
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Se você está fazendo gerenciamento de pauta, você está fazendo project management, inegavelmente nós precisamos ter uma habilitação, e aí entra numa política de estruturação judiciária. Você terá que ter estruturas habilitadas para fazer aquele gerenciamento.
Seriam os núcleos de inteligência? Talvez, não sei. Estruturas como o Nusol, o núcleo de litigios estruturais do STF? Talvez, mas órgãos para o planejamento, e aí entra no monitoramento. Qualquer estrutura relativa nós precisamos ter uma previsão de etapas de monitoramento e de reajustamento do processo.
Então, ferramental específico para talvez até acender um litígio através de um incidente, por exemplo, incidente de resolução de litígios estruturais significativo, que pudesse transcender para uma atuação colegiada, até no intuito de evitar, por exemplo, múltiplos recursos em primeira instância que pudessem atrapalhar a resolutividade desse processo.
(Soa a campainha.)
O SR. AFONSO DE PAULA PINHEIRO ROCHA - É algo que eu exorto. A possibilidade de tutela extra petita vinculada e ferramental específico de indução de comportamento é outro que eu exorto. E da experiência trabalhista, o reconhecimento das redes contratuais? Talvez seja preciso fazer um diálogo de fontes, tanto com responsabilidade civil como atribuições da rede de obrigações, porque um litígio estrutural reconhece que há uma convergência de obrigações, e aí você entra na principiologia que foi falada: boa-fé, compromisso com direitos fundamentais, efetividade horizontal dos direitos fundamentais como uma base para impor tutelas obrigacionais e responsabilidade a entes privados.
E essa multifuncionalidade e essa ligação entre as diversas instâncias, eu deixo uma última mensagem: peço que seja prevista a expressa aplicabilidade ao processo do trabalho e, diante de uma Justiça do Trabalho que vê litigância de massa, uma litigiosidade difusa que, por sua natureza, se projeta para litígios múltiplos, a previsão da aplicabilidade também ao processo do trabalho, um diálogo de fontes com a simplicidade e instrumentalidade do processo do trabalho, acredito que concorre aos objetivos.
E fico a parabenizar. Acredito que o Senado Federal não poderia ter escolhido uma Comissão mais adequada para tornar e deixar que seja isso efetivamente um legado na efetiva concreção da entrega da prestação jurisdicional focada em resolutividade e efetividade, que essas práticas transcendam.
E, por último, ainda tinha a sua menção, não é só o processo judicial. Hoje nós vemos TST, STJ, medidas de mediação pré-processual. Não tenho dúvidas de que o trabalho desta Comissão será um farol que irá orientar práticas, inclusive de mediações pré-processuais que irão incorporar práticas de processo estrutural.
Fica a parabenização, espero ter contribuído e fico à disposição de todas e todos para qualquer questionamento.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Dr. Afonso de Paula Pinheiro Rocha. Certamente contribuiu muito, fala significativa de uma especialidade que é o direito de trabalho e que tem grande relevo para todos nós.
Agradeço a participação de V. Exa. e convido a Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Maria Carolina Silveira Beraldo, a fazer sua exposição, de forma remota, em até dez minutos.
Doutora, a palavra está com V. Exa.
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A SRA. MARIA CAROLINA SILVEIRA BERALDO (Por videoconferência.) - Boa tarde a todos que participam desta audiência pública, presencial e remotamente.
É com muita honra que me incluo entre os participantes e aproveito esta oportunidade inicial para agradecer o convite que me foi formulado e, mais do que tudo, a possibilidade de trazer posicionamento a partir da perspectiva do Ministério Público mineiro, que tem tido relevante atuação por seus promotores, promotoras, procuradores e procuradoras de Justiça, em múltiplos problemas estruturais, judicial e extrajudicialmente, relembrando que, infelizmente, o Estado de Minas Gerais foi palco de dois grandes desastres ambientais, o que tem propiciado amplas discussões do tema.
Então, nesta oportunidade, cumprimento toda a Comissão, nas pessoas do Sr. Presidente, Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, do Sr. Relator, querido e sempre colega, Dr. Edilson Vitorelli, e da amiga e membra, Dr. Susana Henriques Costa, Promotora de Justiça no Estado de São Paulo, Professora da Universidade de São Paulo, que é exemplo de profissional com intensa atuação acadêmica e prática no tema.
Preliminarmente, eu conversava há pouco com a Profa. Susana, acho que os pontos principais têm que ser mesmo a flexibilização objetiva e subjetiva, o aprimoramento da participação e a regulação da articulação judicial na execução, mas, de forma breve, respondendo à pergunta em relação a quais aspectos da perspectiva do Ministério Público mineiro entendemos que mereça o processo estrutural regulamentação específica, eu vou tentar passar a expor aqui objetivamente, então, quatro deles.
Em primeiro lugar, aderindo à ideia de um projeto mínimo, que foi exposta por todos os colegas que antecederam, penso que o principal objetivo da Comissão deva ser buscar trazer ao sistema processual civil, especificamente na vertente estrutural, segurança a partir de uma diretriz procedimental uniforme, não obstante, claro, a flexibilização das soluções e institutos. Essa segurança em relação a um procedimento mais uniforme possível é importantíssima.
Em segundo lugar, tendo em vista que a lei tem o objetivo de regular o processo estrutural, são muito caras ao Ministério Público mineiro as disposições propostas no já citado também PL 8.058, que propõe a instituição de um processo especial para controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário, as quais, então, nós reforçamos desde já. Embora eu comungue do entendimento de que menos é mais, que já foi trazido por diversas vezes de que deve ser um projeto enxuto e minimamente procedimentalista, a gente está falando de um processo estrutural, o processo como método de atuação estatal, o método pelo qual o Estado de juízo brasileiro atua.
O Ministério Público trabalha essas questões estruturais diuturnamente de forma extrajudicial. O Ministério Público mineiro conta, inclusive, com um centro de autocomposição e segurança jurídica, o Compor, que trabalha extrajudicialmente os processos estruturais sob a perspectiva extrajudicial.
Se o problema chega ao Judiciário, é porque efetivamente foram encontrados graves entraves a essa resolução. Por isso, é importante a previsão - aqui eu ressalto - de um conteúdo mínimo de dever de informação que deve ser cometido ao réu na resposta, que tem que incluir dados específicos da política pública, objeto do pedido. Isso é muito importante da perspectiva do Ministério Público, que trabalha nessa implementação de políticas públicas. Então, trago aqui os exemplos do art. 6º do Projeto de Lei 8.058, do planejamento e execução existentes, recursos financeiros eventualmente previstos no orçamento, possibilidade de transposição de verbas, enfim.
Eu lembro que a gente está falando em 2024, ainda, da implementação de políticas públicas garantidoras de direitos sociais mínimos previstos constitucionalmente.
A gente está falando de um país que ainda tem 47,6% da população sem coleta de esgoto, mais de 40% da população com esgoto não tratado.
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Então, a gente tem graves problemas estruturais ocorrendo nos municípios brasileiros e que demandam essa atuação extrajudicial e judicial diuturna, e os agentes de sistema vêm trabalhando sem essa regulamentação processual e procedimental mínima, adequada e uniforme. Então, por mais que a gente tenha um dos processos coletivos mais avançados do mundo, a gente precisa reconhecer que temos juízes e agentes ainda não familiarizados com esse experimentalismo empírico das práticas estruturais. Então, essa regulamentação própria e adequada é necessária e vai auxiliar muito.
Em terceiro lugar, e aqui eu gostaria de considerar que a gente tem um precedente normativo importantíssimo, que é o Tema 698 do Supremo Tribunal Federal, e ele já vem sendo aplicado, estamos constatando - pelo menos aqui no Ministério Público mineiro -, por vezes de forma equivocada.
E aqui eu chamo a atenção da Comissão para a importância de que se reconheça formalmente a ideia do procedimento bifásico, doutrinariamente defendida pelo Prof. Didier, que antecedeu, pelo Prof. Zaneti, pelo Alexandria, e que nos leva tecnicamente à existência, no processo, de uma decisão que reconhece e declara o problema estrutural. E é preciso que isto fique muito marcado: existe uma declaração do problema estrutural e uma posterior fase de endereçamento das medidas estruturais.
Essa marcação - e aqui eu ressalto - deve vir clara e estabilizada, porque não é o que tem ocorrido, sobretudo após o Tema 698 do Supremo. Tem havido uma aplicação, talvez equivocada, do Tema 698, e, a pretexto de se determinar o retorno dos autos para essa segunda fase de aplicação das medidas, sobretudo das questões decididas preliminarmente, previamente ao Tema 698, o tribunal tem cassado a sentença, tem anulado a sentença, justamente por não haver essa marcação clara daquele capítulo de conteúdo declaratório do estado de desconformidade, e isso pode trazer obstáculos e demora processual indesejados.
Esse tema cabe, inclusive, numa discussão sobre o direito intertemporal, já que a gente vai ter um novo procedimento, e é justamente o que vem acontecendo a partir das novas diretrizes do Tema 698.
Então, eu sugiro aqui, a gente sugere aqui a expressa adoção da aplicação das técnicas das decisões abertas, exortativas, para que se declare, eventualmente, a desconformidade, mas sem reforma da decisão, e que se propicie, então, a integração dessa decisão impugnada, mas já com aquele capítulo da declaração previamente sedimentado.
E, por fim, mas não menos importante, até talvez contrariando um pouquinho aqui a minha antecessora, a Dra. Mônica, eu queria relembrar que, embora o Tema 698 tenha trazido, como regra, aquele modelo fraco de intervenção, a gente também tem visto, na prática, a importância das medidas estruturais mais impositivas e pontuais, sobretudo quando essas medidas a serem implementadas decorrem, efetivamente, de comandos legais. Então, é aquela velha discussão na academia em relação aos modelos fracos ou fortes sobre a qual a gente precisa chegar a uma composição e entender que ambos são importantes, sobretudo, nessas questões legais.
Então, eram essas as observações que a gente tinha por aqui, a partir da atuação prática, também chão de fábrica, em relação à implementação de políticas públicas por meio de procedimentos estruturais ainda feitos à mão e com as ferramentas que a gente tem.
Eu agradeço pela atenção e também me coloco à disposição da Comissão para, enfim, tudo que se fizer necessário.
Muito obrigada pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Dra. Maria Carolina Silveira Beraldo, Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.
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Convido agora a eminente Juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Dra. Marcelle Ragazoni Carvalho Ferreira, representando o Presidente da Ajufe, Dr. Caio Marinho, a tomar assento à mesa e a fazer a sua exposição, por até dez minutos.
A SRA. MARCELLE RAGAZONI - Boa tarde a todas e todos aqui presentes. Gostaria de saudar os membros desta Comissão, na pessoa do seu Presidente, Antônio Augusto Brandão de Aras, na pessoa de quem cumprimento a todos os membros da Comissão e também os aqui presentes.
Em nome da Associação dos Juízes Federais do Brasil, agradecemos o convite para tentar colaborar e trazer algumas contribuições para este debate, que é de extrema importância para o aprimoramento da Justiça no nosso país.
Respondendo então à questão que hoje nos é posta, dentro do campo da nossa atuação. e aqui falando especificamente da Justiça Federal, em qual aspecto o processo estrutural mereceria regulamentação, o que a gente tem a perceber é que a demora na solução de uma demanda é um dos fatores mais prejudiciais à imagem do Judiciário. É uma sensação de que as coisas não funcionam, de que a justiça não é feita. Então tentar conseguir uma solução num tempo razoável é imprescindível para um processo de tamanha complexidade como esse, como os processos estruturais, e processos que envolvem interesses tão relevantes.
E o que nós temos é que, pela própria complexidade desses processos, muitas vezes, a própria parte não consegue formular adequadamente o pedido, ou o pedido feito não é sequer suficiente para atender o que se pretende. E às vezes nós temos até dificuldade de estabelecer, desde o início, o que seria necessário para acessar a violação do direito que se pretende e qual seria a tutela adequada.
Então a própria existência também desta Comissão, trabalhando nesse projeto, indica que o arcabouço legislativo que nós temos hoje, embora tenhamos o Código de Processo Civil com algumas medidas alternativas de solução do conflito e uma atribuição de um poder, de uma liberdade maior ao juiz, ainda assim, não é suficiente para atender as necessidades dessa natureza de demanda.
Então nós temos aqui hoje a proposta da Ajufe, que a Ajufe está trazendo. É também no sentido da necessidade de flexibilização do procedimento, de que o juiz tenha alguma liberdade para determinar medidas e até mesmo a desvinculação estrita da congruência ao pedido, para que no curso do procedimento, conforme as necessidades forem surgindo, esse procedimento seja adaptado e o juiz possa eventualmente tomar medidas, não necessariamente todas previstas em lei, mas que haja essa liberdade para que ele possa efetivamente solucionar a demanda e de forma célere.
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Nós temos hoje, no CPC, algumas medidas que conferem alguma liberdade ao juiz, tanto na produção da prova, na execução, enfim, das suas decisões, quanto em imposição de multa, busca e apreensão, remoção, mas tudo isso, de forma impositiva só, talvez não resolva o problema. E é muito importante, por isso, o consenso. O consenso - também a participação de todos os envolvidos - é muito importante, porque, só pela natureza do conflito, nós temos direitos individuais, garantias, que não estão sendo atendidos. E não é por falta de imposição; imposição já existe - está na Constituição, está na lei - e não se conseguiu resolver.
Então, nós temos que simplesmente uma decisão judicial tradicional, impositiva, também não vai resolver o problema. E principalmente quando chega a fase... O juiz, então, tem que ter esses instrumentos, para que se defina o objeto a ser tutelado, como aquilo vai ser feito e qual o estado de coisas novo a que nós temos que chegar.
Mas, no momento de dar a sua decisão e de executar a sua decisão, esse momento tem que ter um compartilhamento de interesses, todos têm que ser chamados: é ter realização de audiências públicas, chamar os interessados, ouvir especialistas.
E aí nós temos também os centros de inteligência da Justiça Federal. Todos os tribunais regionais federais têm um centro de inteligência. E, ali, um grupo de juízes, um grupo de pessoas e também os envolvidos podem participar e chegar a uma solução que seja a mais adequada àquele caso concreto. Então, demanda-se aí também uma liberdade ao julgador e a flexibilização das medidas.
O que a gente gostaria também de dizer é que hoje nós temos ações de natureza estrutural, e essas ações estão tramitando. Então, a legislação fornece alguns meios para que essas ações tenham andamento, mas uma regulamentação específica e voltada a uma atenção para as necessidades de solução desses processos permitirá uma melhor condução do processo estrutural, vai dar ao juiz as ferramentas necessárias para atingir, enfim, o objetivo pretendido e, além disso, traz luz ao assunto, traz notoriedade.
Como a minha antecessora disse, ainda falta um pouco de conhecimento de muitas pessoas sobre como funciona e como o processo pode ser solucionado, inclusive para as partes assimilarem a possibilidade de recurso a esse instrumento. É claro que o seu sucesso vai depender também muito da disposição do órgão julgador e das partes em assimilar essa complexidade e inovar na aplicação do direito.
Essas, então, são as nossas contribuições, da Ajufe.
Desejamos bom trabalho para a Comissão e muito sucesso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito agradecido, Profa. Marcelle.
Aproveito agora para chamar o Desembargador e Professor Humberto Dalla a fazer sua exposição, por até dez minutos, na forma remota.
Com a palavra S. Exa. o Prof. Humberto Dalla.
O SR. HUMBERTO DALLA (Por videoconferência.) - Muitíssimo obrigado, Sr. Presidente.
Eu agradeço muito o convite e a oportunidade de fala.
Queria cumprimentar o Ministro Ribeiro Dantas, cumprimentar o Desembargador Aluisio Mendes, cumprimentar o Desembargador Edilson Vitorelli, enfim, todos os muitos colegas aqui presentes e amigos da vida acadêmica - pelo menos os que estão aparecendo aqui para mim, na tela: o Arenhart, o Osna, o Roque, Profa. Maciel, Prof. Saltz.
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Presidente, a minha fala vai ser muito restrita a um ponto, que é a questão - desde já peço vênia se essa questão já foi abordada anteriormente, mas é que é meu objeto de pesquisa há muitos anos - da utilização das ferramentas de solução adequadas de conflitos.
A gente tem vivido, no Brasil, nos últimos anos, um aumento, uma expansão dos espaços de consenso, nas várias áreas do direito brasileiro: no direito sancionatório, no direito administrativo, no processo penal, no civil individual, no civil coletivo. Temos aqui tantos especialistas, tantos queridos colegas, amigos especialistas nessa área.
Eu acho que, dentro da temática do processo estrutural, a gente vai precisar de uma ferramenta, talvez, dotada de mais especificidade, dotada de mais eficiência, porque não só a costura da solução consensuada, em sede de processo estrutural, é mais delicada, mas sobretudo na fase de execução.
A gente tem hoje muitas e boas ferramentas. Nós temos o termo de ajustamento de conduta, nós temos a solução dos dispute boards, dos comitês de resolução de disputa, dos comitês com um espectro mais de tentativa de acordo. Temos experiências, nos Estados Unidos, dos comitês adjudicatórios, algo que vai se aproximar mais de uma arbitragem, de uma decisão adjudicada. E a gente teria aí uma interseção. Inclusive foi tema, foi objeto da tese de doutorado aqui do querido colega André Roque - a Profa. Ana Nery, salvo falha de memória, também escreve sobre o tema - a possibilidade do uso de soluções adjudicadas não judiciais em processos coletivos.
Mas acho que a questão é ainda mais delicada. Imagino que os colegas que nos antecederam, ontem e hoje, talvez tenham abordado o tema que é a própria delimitação objetiva do cabimento dos processos estruturais. Há colegas que pretendem aproximar os processos estruturais das ações coletivas, há colegas que entendem que são ações dotadas de um hibridismo, de uma peculiaridade própria.
Hoje nós temos, por decisões até no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a questão da remoção, a questão da acomodação da população de rua, a questão envolvendo a intervenção num hospital público nosso, aqui do Rio de Janeiro, que aconteceu recentemente, a construção de soluções.
Então, eu queria ponderar à Comissão e trazer essa sugestão no sentido de que, talvez, a gente precise criar um instrumento mais específico, um instrumento que não só viabilize a participação democrática, que viabilize a participação do Ministério Público - instituição que eu, com muita honra, integrei por mais de 25 anos -, que é hoje, talvez, o grande protagonista da tutela coletiva, mas também que isso se passe num ambiente de supervisão judicial.
A gente sabe que essa é uma questão tormentosa na doutrina brasileira. Há, inclusive, posições apaixonadas de um lado e do outro, mas quer me parecer que, no âmbito do processo estrutural, esses acordos sempre devam acontecer, a exemplo do que nós temos lá na Regra 23 dos Estados Unidos - na Regra 23, letra "e" -, salvo equívoco de memória, que são audiências designadas pelo juiz, audiências públicas, com a participação de todos os interessados, sob a supervisão judicial. Depois, é necessária a homologação. Eu confesso que tenho um pouco de receio de acordos extrajudiciais em matéria de tutela coletiva sem que eles passem por uma homologação judicial.
De novo, sei que a questão é tormentosa, mas é algo que já sustento há alguns anos. Acho que, quando chegamos no âmbito do processo estrutural, essa questão se torna ainda mais sensível.
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De novo, não acho que devamos utilizar ferramentas já prontas e pré-moldadas, se me permitem chamar assim.
Então, não acho que é o caso de a gente usar a audiência de conciliação do 334, muito menos uma sessão de mediação. Acho que a mediação não é o instrumento mais adequado aqui. Eu acho que é, de fato, pensar numa nova ferramenta que tenha mais capilaridade, que permita uma maior participação democrática, utilizando os meios judiciais, utilizando os meios de audiência remota, utilizando plataformas de cadastro das pessoas interessadas. A gente tem hoje aí, já em fase bastante adiantada, o sistema do Domicílio Judicial Eletrônico, talvez uma solução, via Gov.br, via plataforma do domicílio, para que a gente possa cadastrar. E aí temos que ouvir o pessoal de TI.
Mas seria essa a minha modesta contribuição, Sr. Presidente.
Eu agradeço novamente o convite, a oportunidade de estar aqui, de contribuir, de estar ouvindo colegas trazendo uma temática tão importante. A chance que nós temos agora de resgatar discussões que já travamos no final da década de 90, na época do PL 5.139, na época do anteprojeto do Código de Processos Coletivos. O Prof. Aluísio é a nossa referência, estava presente em todas essas oportunidades. A saudosa Profa. Ada Pellegrini Grinover tanto contribuiu para o tema.
Era isso, Sr. Presidente.
Muitíssimo obrigado e fico aqui à disposição da Presidência e da Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Agradeço a V. Exa., Desembargador Prof. Humberto Dalla, pela importante participação nesta audiência pública.
Certamente, nós estamos aqui anotando cada participação. Haveremos de discutir cada uma delas, com as suas sugestões e quiçá obteremos o consenso final acerca do texto a ser apresentado.
Convido agora o Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, o Dr. Alexandre Sikinowski, para fazer a sua exposição em dez minutos.
O convidado participará de forma remota.
Com a palavra, S. Exa. o Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul.
O SR. ALEXANDRE SIKINOWSKI (Por videoconferência.) - Quero saudar todos aqui presentes virtual ou presencialmente, na figura do Dr. Augusto Aras.
Quero dizer da minha alegria e da minha satisfação por integrar este seleto grupo de juristas que discutem essa questão que é tão importante para o direito brasileiro.
Quero tentar trazer, Dr. Augusto e demais colegas, um pouco da realidade que os desastres climáticos do Rio Grande do Sul nos mostraram em relação à aproximação do processo estrutural como um instrumento jurídico normativo e importante para o enfrentamento dessas questões que não são questões jurídicas.
Nós sabemos todos que o sistema jurídico brasileiro, que é baseado muito na Constituição e um tanto na lei, não é capaz de dar conta de todas as necessidades que se apresentam. Nós sabemos que isso gera disfunções políticas. Nós sabemos que a legislação e os instrumentos hoje conhecidos não garantem o reconhecimento e a efetivação dos direitos a todos reconhecidos. Nós sabemos que o direito tem limites, especialmente no controle das políticas públicas, e nós sabemos da necessidade de se superar esse modelo. E não sabemos como fazer isso. E a realidade muitas vezes nos confronta com situações em que essa constatação se torna um tanto mais evidente.
Nós vivemos isso agora, recentemente, aqui no nosso estado, no mês de maio, e eu trago isso porque eu também tenho conversado um pouco com o Prof. Zaneti sobre isso e sei que uma das questões que ele trouxe pela manhã e vai apresentar formalmente a esta Comissão é justamente como enfrentar grandes desastres, em que nós temos falhas no sistema de proteção, em que nós temos preocupação com as vítimas especialmente, em que é difícil apontar um responsável, mas é necessário apontar prioridades.
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Então, eu vou trazer algumas situações, alguns números aqui, para depois chegar às conclusões que eu quero trazer respeitosamente a esta Comissão, como um encaminhamento baseado na dor que nós vivemos nesse período aqui.
O Rio Grande do Sul viveu o maior desastre climático do Brasil, se não um dos maiores do mundo. Nós tivemos, dos 497 municípios do nosso estado, 471 que foram atingidos. Foram 388 mil gaúchos que ficaram desalojados; desses, 80 mil pessoas tiveram que ser abrigadas no mesmo dia. Isso fez com que houvesse uma necessidade nunca testada de criação de espaços para receber essas pessoas.
Além disso, nós tivemos - esse é um número significativo - 15 mil animais que também restaram abandonados; alguns que já eram de rua e outros que ficaram também vítimas da enchente, o que também nos desafiou. Então, eu vou trazer aqui um pouco, compartilhar um pouco do que nós fizemos nesse enfrentamento da questão dos abrigos, dos animais, na questão do tratamento dos resíduos e no acolhimento das vítimas para mostrar que, se nós não tivéssemos adotado medidas de cunho estrutural, nós não teríamos como enfrentar isso.
Em relação aos abrigos, nós montamos uma grande força-tarefa, composta por mais de 110 membros do Ministério Público, que visitaram 1.675 abrigos que foram criados no estado. Fizemos 1.110 visitas. Atendemos todo tipo de necessidade. Para atender essa necessidade, o próprio Ministério Público passou a funcionar, em paralelo aos outros órgãos do estado, como uma central de recebimento de doações. Nós visitávamos os locais, identificávamos a necessidade e atendíamos pronta e imediatamente aquelas pessoas.
Na questão dos animais - falei o número, foram 15 mil -, 390 abrigos foram criados. Nós tivemos que, imediatamente, pensar na formulação de políticas públicas que, ao mesmo tempo que enfrentassem a possibilidade de crescimento dessa população animal, começassem um ciclo de reversão dessa situação de abrigamento desses animais. Através de recursos do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados, que é mantido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, nós custeamos 2 mil castrações. Nós demos início a um projeto de doação de animais com feiras, inclusive o prédio do Ministério Público, agora, aqui durante a Semana Farroupilha, vai ser um desses locais para a destinação desses animais.
Nós enfrentamos um outro problema seríssimo, que é o que fazer com 80 mil toneladas de resíduos, que é o que até agora foi retirado das casas que ficaram inundadas. O paradoxo dessa situação é que, ao mesmo tempo que as pessoas queriam colocar esse resíduo na frente da sua casa, elas não queriam que esse resíduo fosse retirado imediatamente da frente das suas casas, porque ali estavam as suas vidas, retalhos das suas vidas, fotografias, documentos, móveis, enfim, objetos que têm um valor histórico e sentimental. O fato é que isso teve que ser enfrentado de alguma maneira. Isso fez com que o Ministério Público se reunisse com os órgãos ambientais e buscasse, com os municípios mais fortemente atingidos, o desenvolvimento de formas de encaminhar esse problema.
Porque todas essas três situações que eu trouxe - e aí eu faço o gancho com o processo estrutural - não se resolveriam com uma decisão judicial que diga: o município deverá criar abrigo; o estado deverá criar abrigo; ou o estado deverá criar uma política para o encaminhamento dos animais; ou o município e o estado têm que dar destino para os resíduos que foram recolhidos.
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Da mesma forma, as vítimas, não é? Nós criamos um grande projeto de atendimento às vítimas, porque temos 388 mil pessoas que foram vitimadas pelos impactos desse evento climático, cada uma com uma necessidade diferente, cada uma com uma demanda diferente. Então, isso reforça essa necessidade de que o Ministério Público esteja - e estivesse - junto com a sociedade.
A partir daqui, eu quero trazer algumas sugestões, baseadas no nosso aprendizado aqui.
Algo que não funcionou bem nessa situação toda foi a relação federativa, o pacto federativo. Nós enfrentamos uma grande repartição de competências, de vaidades e de outros adjetivos em relação a órgãos federais, estaduais e municipais. Quando a vítima é uma só, a vítima não quer saber se o problema é estadual, federal ou municipal, a vítima quer ser atendida. Então, eu acho que, de alguma forma, o projeto que vai tratar do processo estrutural tem que pensar também na forma como esse enfrentamento se dará, porque ficou muito claro para nós aqui que grandes desastres não têm como ser enfrentados por uma esfera só de Governo, e isso já demanda uma necessidade prévia de uma repartição das competências ou de que fique dito que a atuação tem que ser de todos, que tem que ser uma atuação integrada, interinstitucional e transdisciplinar.
Em relação a isso, também acho importante - nós avançamos muito nisso, aqui, durante essa tragédia - uma atuação coordenada entre os Ministérios Públicos. Não tenham dúvida de que o grande protagonista do enfrentamento desse desastre climático no Rio Grande do Sul foi o Ministério Público, tanto o Ministério Público do Estado, quanto o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho. Trabalhamos juntos, todos, cada um na sua esfera de atribuição, mas sempre pensando em entregar para a sociedade gaúcha algo que fosse justamente aquilo que era necessário.
Parece-me que isso foi debatido aqui, ainda que perfunctoriamente, por alguns colegas que me antecederam, e trago esse relato justamente para isto: para mostrar a necessidade de que nós tenhamos... Eu sei que o CNMP avança nisso de discutir termos de cooperações interministeriais, em que as atribuições e as responsabilidades de cada um fiquem previamente definidas, sem que isso impeça que aquele órgão que originalmente não tem atribuição para agir possa agir, até porque nós sabemos que a grande porta de entrada acaba sendo sempre o Ministério Público do Estado.
E sobre a necessidade de uma atuação cooperativa, nós temos que trazer todos os órgãos da administração, de uma maneira geral, para a necessidade. O processo estrutural não pode ser um processo só do Judiciário; o processo estrutural tem que ser um processo da sociedade, tem que ser um processo em que todos se sintam integrantes, em que todos se sintam participantes, para que a partir daí se possa, de alguma forma, alcançar aqueles resultados.
Fugi um pouco do lugar comum, talvez. Não trouxe teorização, porque para isso temos vários professores aqui, que ilustram todos nós com as suas obras de doutrina em relação ao tema, quis trazer um pouco da realidade, quis trazer um pouco daqueles problemas estruturais relacionados aos grandes desastres e repito: nenhum desastre acontecido no Brasil teve a dimensão do que houve no Rio Grande do Sul. Minas Gerais experimentou algumas situações, com Mariana, com Brumadinho, mas foram localizadas em uma cidade, em dois municípios. Aqui, não: foram 471 dos municípios do nosso estado que sofreram os impactos diretos e continuam sofrendo os impactos diretos desse evento que nos atingiu. Temos que nos preocupar com isso, especialmente, até porque, no nosso caso aqui, a previsão otimista é que levará, no mínimo, dez anos para que o estado se reconstrua, ou seja, no mínimo, por dez anos, nós teremos medidas estruturais para enfrentar problemas estruturais que se instalaram em decorrência desses desastres que chegaram e, infelizmente, parece que chegaram para ficar.
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Agradeço, Sr. Presidente, e fico à disposição para continuar colaborando com esta Comissão naquilo que for entendido como necessário.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Agradeço ao Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Alexandre Sikinowski, a participação importante de S. Exa. neste evento, especialmente por conta do Rio Grande do Sul.
O Presidente Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal, ao instalar esta Comissão, levou em conta muitas situações que afligem brasileiros de diversas regiões do país. Desde o início da decisão do Ministro Gilmar, do Supremo, quando foi a Pedrinhas, tratando da questão penitenciária, desde que o Ministro Fachin cuidou também da questão das favelas, passando por Brumadinho, agora Mariana, Rio Grande do Sul, e tantas outras que eu poderia alinhar, eu poderia dizer até que tivemos uma questão que não foi levada muito para a imprensa na nossa gestão na PGR: o grande acordo do INSS com a PGR, para atender em tempo hábil os segurados que ficavam anos a fio esperando um exame médico para poder gozar dos benefícios, deu um excelente resultado. Lamentavelmente, não mereceu certa atenção, certa divulgação, mas o nosso trabalho na Comissão tem essa importância. Ele é multidisciplinar, ele é interdisciplinar, ele envolve a sociedade civil.
Eu anotei aqui uma frase do colega Alexandre, do Prof. Alexandre, do Rio Grande do Sul, algo que me parece significativo, entre tantas outras frases que eu ouvi aqui hoje: "O processo estrutural é da sociedade, não é de nenhum Poder". E isso é muito importante, porque, na democracia participativa, da qual esta Casa é símbolo da maior parte da representação política, nós não podemos abrir mão da sociedade em todos os seus segmentos.
Então, eu me permito, com a vênia dos colegas, fazer essa breve alusão, porque acabamos de encerrar, entre os inscritos, entre a participação remota, aqueles que figuravam na lista.
Agora passamos, primeiro, para ouvir o eminente Relator, depois o eminente Vice-Presidente, depois os inscritos, a Profa. Juliana Faria, o Ministro Alberto Balazeiro e a Promotora Susana Costa.
Então, primeiro o eminente Relator.
O SR. EDILSON VITORELLI - Muito obrigado, Sr. Presidente. Boa tarde a todas e todos, de volta.
Dois temas, Sr. Presidente, me chamaram a atenção aqui nessas intervenções da tarde.
O primeiro é a questão do gerenciamento das ações individuais, que a Dra. Cíntia também já tinha mencionado na parte da manhã. Nós temos muitas ações individuais que acabam tendo interface com o conflito estrutural, então acho que é um assunto que deve permanecer na nossa mente para o desenvolvimento dos nossos trabalhos posteriormente.
E, em segundo lugar, a questão da cooperação. Eu acho que essa questão da cooperação, que tem a ver com competência, com essa preocupação de quem é que vai efetivamente conduzir esse processo, precisa ser desenvolvida e acho que precisa ser endereçada.
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À parte disso, acho que temos também um aporte muito importante da questão do trabalho. Acho que a intervenção do nosso colega do MPT - e o Ministro Balazeiro está aí também na nossa Comissão - é muito importante. Acho que o processo de trabalho, de fato, vem inspirando muitas reformas interessantes e pode nos trazer alguns inputs acho que proveitosos aqui no nosso pensamento e mostra muito que nós não estamos aqui a falar de intervenção em políticas públicas. Estamos falando de situações de amplo alcance social, não estamos aqui tentando ressuscitar um projeto de intervenção em políticas públicas, não é esse o caso. Nós temos aí a questão trabalhista para nos ilustrar isso muito bem.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Desembargador Edilson Vitorelli.
Ministro Ribeiro Dantas.
O SR. MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS - De passagem, só para fazer um pequeno paralelo. Os trabalhos mais novos na área de processo penal têm procurado incluir a vítima no processo penal. De certa maneira, o processo estrutural inclui vítimas no processo civil, porque no processo estrutural você tem uma situação de descompensação ou desconformidade e que normalmente é detrimentosa para grupos ou para a sociedade inteira, mas em que alguns grupos são mais atingidos. Então, essas são as vítimas, e nós não podemos deixar de olhar para elas quando fizermos a estruturação do nosso projeto. Esse foi um tema também que apareceu agora à tarde com bastante destaque.
Basicamente era isso. O mais o nosso ilustre Relator já destacou.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Ministro Marcelo, é interessante que ontem esteve na minha mão exatamente um processo - talvez o primeiro a ter chegado ao meu gabinete -, versando a questão da vítima num plano não necessariamente penal, mas com reflexos profundos. E me reuni com minha assessoria para discutir exatamente esse, que foi o primeiro processo que chegou com essa, digamos, nova perspectiva.
E só para lembrar a todos e a todas que na Presidência do Conselho Nacional do Ministério Público nós criamos o Comitê Ministerial de Defesa dos Direitos das Vítimas, à compreensão de que a Constituição de 1988, de alguma forma, deu a ênfase necessária à liberdade, mas esqueceu que a vítima também tem um devido processo legal a seu favor.
Eu peço vênia por essas pequenas lembranças e passo a palavra para o membro Ministro Alberto Balazeiro.
O SR. ALBERTO BASTOS BALAZEIRO - Pois não, Presidente.
Cumprimento V. Exa., Presidente, estimado, amigo e sempre Procurador-Geral Dr. Aras, é uma alegria sempre estar aqui sob a sua Presidência; quero cumprimentar o nosso Vice-Presidente, Ministro Navarro, querido e estimado amigo; quero cumprimentar o Desembargador Vitorelli, nosso Relator aqui, queridíssimo amigo.
Dr. Aras, a minha fala inicialmente era só...
(Soa a campainha.)
O SR. ALBERTO BASTOS BALAZEIRO - ... para situar um pouco do que foi falado aqui e recordar exatamente a nossa área trabalhista. Fiquei muito feliz com a sua digressão, amigo Vitorelli.
Inicialmente, todas as pessoas que eu assisti pela manhã, todos os colegas que assisti pela manhã - e agora à tarde também - têm uma preocupação que é a questão do conceito do que é processo estrutural, do litígio estrutural. Então, ter um marco claro do que é o litígio estrutural na lei me parece algo importante para que a gente não tenha aquilo que o senhor falou lá no início, Prof. Ademar, que seria a vulgarização do processo estrutural, tudo ser processo estrutural, e a gente não conseguir ter uma clareza do que é processo estrutural, e aí isso impedir o avanço.
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A partir desse conceito, se teria também a divisão de fase: a fase que é o processo estrutural da fase que seria uma execução propriamente dita, nem sempre até estrutural, mas que seria uma execução da medida.
Eu também destacaria rapidamente, Dr. Aras, a questão das relações privadas, de que até o senhor falou lá atrás, no início. Numa das primeiras reuniões aqui, o senhor falou que a repercussão das ações privadas é interessante. Então, o litígio estrutural teria o aspecto de envolver políticas públicas, envolver políticas públicas com privados e um terceiro que são só privados. As relações concorrenciais e trabalhistas demonstram isto: as relações são privadas, não têm necessariamente a repercussão pública.
Uma outra fala aqui, Dr. Aras, que eu acho importante - alguns colegas falaram aqui, processualistas -, são os elementos de identificação do litígio estrutural e de concentração, principalmente. Porque, se você tem um litígio estrutural sendo decidido de forma diferente em diferentes lugares, inclusive, tem o aspecto da assimetria concorrencial. Então, é muito comum. A gente vê isso nos litígios coletivos. A força do Estado incide contra o pequeno; num litígio, por exemplo, estrutural você percebe que todo um segmento tem a mesma atuação, principalmente na área econômica.
(Soa a campainha.)
O SR. ALBERTO BASTOS BALAZEIRO - O balanço do litígio estrutural é importantíssimo.
E, nesse sentido, foi falado dos incidentes aqui, Dr. Aras, e a ideia talvez de um incidente de litígios estruturais seria uma coisa interessante também se pensar. Ainda que não fosse similar, Prof. Vitorelli, igual àquele que foi vetado pelo código, mais próprio para ações coletivas, mas algum tipo de incidente que permita a concentração... porque se diversos magistrados estiverem julgando litígios que eles imaginam serem estruturais, o caráter estrutural vai embora, não é? Por essa razão que até nós sempre referenciamos as ações do Supremo porque elas têm o poder de concentração, de uma decisão única.
E a última pontuação que eu faria seria a pontuação de que tem muita imbricação. Uma, é o litígio estrutural para prevenir a litigância predatória, porque é muito comum a litigância predatória - o litígio estrutural pode ser um elemento de prevenção -, e a outra é uma definição clara do papel do litígio estrutural em relação às indenizações, porque o caso brasileiro é aquele caso que mistura indenização com tutela - que é totalmente diferente do caso americano -, e nessa imbricação a gente tem um enfraquecimento da tutela.
E o senhor trouxe esse caso do INSS, que é muito interessante, da gestão da PGR, que é um caso em que essencialmente só houve reparação de tutela. Concentraram-se todas as ações do INSS e se resolveu um problema de caracterização de benefício a partir de uma atuação só.
São essas as pontuações e agradeço pela oportunidade, Dr. Aras.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Ministro Balazeiro.
Eu diria, com um certo grau de satisfação pessoal, que começo a ficar feliz com a nossa Comissão, porque cada contribuição ganha uma importância para o resultado final a que nós nos propomos.
Com a palavra a Promotora Suzana Costa.
O SR. SUZANA HENRIQUES DA COSTA - Boa tarde a todas e a todos.
Cumprimento a todos aqui na pessoa do Sr. Presidente Augusto Aras, do meu amigo Edilson Vitorelli, e aproveito aqui para agradecer a menção carinhosa da querida amiga Carolina Beraldo.
Queria expressar minha satisfação de participar desse grupo, de presenciar debates tão ricos.
A minha manifestação aqui é bastante pontual. Eu, acompanhando, estava conversando com o Relator Vitorelli na hora do almoço, mas também acompanhando aqui a fala do Dr. Afonso sobre a questão dos casos repetitivos...
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A gente sabe que doutrinariamente tem uma discussão sobre se os casos repetitivos são um processo coletivo, fazem parte desse microssistema, mas independente da posição que se adote, a gente tem que reconhecer que, às vezes, nos casos repetitivos, os sentidos estruturantes podem entrar no Judiciário de forma repetitiva e serem encaminhados, dentro do Judiciário, pela técnica dos casos repetitivos e não do processo coletivo.
Já que a gente está nesta ideia de um PL minimalista, que traga, na verdade, mais princípios e diretrizes gerais, eu sugiro que a gente possa fazer uma norma de, talvez, encerramento ou alguma coisa no sentido de que seja cabível a aplicação das normas que estão sendo previstas principiologicamente dentro da lógica do processo estrutural também aos casos repetitivos, ou, eventualmente, ao IAC, quando aplicáveis.
A gente pode, daí, de alguma forma, homogeneizar essa lógica de tratamento do processo do litígio estrutural, mas também no que for cabível e para outras técnicas que não só o processo coletivo.
Era isso.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Dra. Suzana Costa.
Eu convido o Prof. Antônio Nabor Bulhões para se manifestar agora, neste bloco.
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - Eminente Presidente Augusto Aras, eminente Vice-Presidente, Ministro Ribeiro Dantas, eminente Relator, eminentes colegas integrantes da Comissão, ilustres expositores que nos honraram com grandes e enormes contribuições sobre o tema desta relevância, o Relator, eminente Desembargador Federal Vitorelli, fez considerações sobre as limitações a partir das propostas apresentadas, com as quais eu estou de absoluto acordo.
Eu acho que já há um consenso com relação ao caráter minimalista que o anteprojeto haverá de ter no trato de um tema desta relevância, até porque isso já foi muito bem destacado pelo eminente Presidente Aras e, depois, pelo Vice-Presidente Ribeiro Dantas.
Nós temos um microssistema de demandas coletivas. Ele tem sido utilizado até pelo Supremo Tribunal Federal nos seus processos estruturais.
O Supremo Tribunal tem um arsenal notável, como nenhum outro tribunal do mundo tem, para garantir a efetividade da Constituição, já que o nosso sistema de constitucionalidade é, induvidosamente, o mais completo do mundo.
Os americanos têm o difuso, os europeus têm o concentrado, e nós temos todos: difusos, concentrados e modalidades as mais diversas: ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ADPF, mandado de injunção no plano subjetivo. Não há um sistema mais completo de controle de constitucionalidade no mundo do que o brasileiro.
Na verdade, isso ocorreu, todos nós sabemos, pela constatação de que havia um quadro de ineficácia normativa dominante no Brasil, desde sempre.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - Então, a ideia era "eficacizar" a Constituição.
E o Supremo, trabalhando com esse notável sistema, que os juízes das instâncias ordinárias não têm, tem construído seus processos estruturais de forma notável.
Por exemplo, o Supremo identifica, como seu primeiro grande processo estrutural, a ADPF 347, versando sobre o estado de inconstitucionalidade do sistema penitenciário brasileiro, no que diz respeito à observância dos direitos fundamentais da população carcerária, mas não só.
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Há algo muito notável nessa dimensão estruturante. O Supremo chegou a construir, a partir do sistema, sem autorização legislativa, um habeas corpus coletivo, de natureza estrutural e estruturante, um habeas corpus verdadeiramente notável, em que o Supremo parece ter traduzido muitas das proposições que aqui foram apresentadas, ao longo desta sessão, que se iniciou pela manhã, por eminentes juristas que por aqui passaram.
O Supremo Tribunal Federal constituiu algo verdadeiramente notável, que bem traduz, por exemplo, tanto na ADPF 347, quanto no habeas corpus coletivo, já agora reconhecido legislativamente, por uma lei que, ao cuidar mais especificamente a estender a concessão de habeas corpus, de ofício, a hipóteses, até agora, não previstas, fala já em habeas corpus individual ou coletivo.
Foi a primeira vez que...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - ... no plano normativo, eminente Presidente, se cuidou desse habeas corpus coletivo.
Só para...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Perdoe-me, mas não existe... Esse sinal é de praxe.
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - Pois não.
O SR. AUGUSTO ARAS - V. Exa. e os membros têm ampla liberdade de fala.
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - Muito obrigado. Muito obrigado, Presidente.
O SR. AUGUSTO ARAS - Vamos manter um limite de tempo, mas não é aplicável, nesse rigor, para os nossos membros da Comissão.
O SR. ANTÔNIO NABOR AREIAS BULHÕES - Em atenção aos sinais, eu serei breve. (Risos.)
Vejam bem: o que é muito interessante observar é que muitas das proposições estão expressas na concepção que o próprio Supremo Tribunal tem do processo estrutural, expresso nos seus processos estruturais. Por exemplo: tanto na ADPF 347, quanto no habeas corpus coletivo, o Supremo adotou o critério bifásico. Ele procurou identificar, em primeiro lugar, as situações de desconformidade constitucional - ou, para utilizar já a célebre expressão do Direito Constitucional colombiano, o estado de coisas inconstitucional - e só depois é que buscou estabelecer soluções.
O Ministro Barroso, inclusive, em artigo escrito em livro, coordenado pelo eminente Ministro Balazeiro, defende também, juntamente com a sua assessora, que é subscritora do artigo, o sistema bifásico de processo estrutural. E há propostas, nesse sentido, aqui apresentadas por eminentes juristas, que nos brindaram com suas contribuições.
Então, vejam, a despeito de não haver uma lei definidora do processo estrutural, o Supremo buscou, justamente no microssistema de demandas coletivas, elementos indispensáveis à construção desse processo estrutural. Eu dou um exemplo: o Supremo foi buscar, para estabelecer a legitimidade para a propositura ou desencadeamento do processo estrutural, a lei que definiu o processo coletivo, mais especificamente, eu diria, o mandado de injunção coletivo. O Supremo Tribunal Federal foi buscar, fez por analogia, construiu os legitimados para a propositura, invocando norma da lei do mandado de injunção coletivo. Coisa interessante! Foi buscar, e assim o fez em várias etapas do julgamento, buscando no sistema, por analogia, soluções para construir uma decisão, como veio a construir, para tentar superar o estado de coisas inconstitucional.
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Todavia, nós sabemos, e aí vem uma outra questão que tem dominado os debates e as preocupações, que, para atingir esse conceito efetivo de processo estrutural como um processo da sociedade, nós precisamos avançar não apenas no plano normativo, como estamos a fazer, mas dependemos muito do aperfeiçoamento institucional ou do atingimento de um maior estágio civilizatório, porque essa questão de Poderes, de observância estrita, de divisão, etc., é um problema muito sério, afinal de contas. Porque é nessa dimensão, eminente Relator, que nós podemos traduzir a coisa mais ou menos assim: ou o diálogo interinstitucional ou interpoderes se transforma em algo verdadeiramente útil, ou nós nunca teremos verdadeiramente um comprometimento interinstitucional ou interpoderes; ou há sensibilidade, ou não haverá norma que consiga resolver isso. Então, é preciso o espírito de solidariedade.
E, por isso, vem - permita-me; eu estou me estendendo demais - um achado também no exame que eu fiz dos processos estruturais no Supremo Tribunal Federal. O que o Supremo fez, sem norma específica, para tentar superar essa questão delicadíssima da separação de Poderes, essa questão delicadíssima da falta de solidariedade ou de existência apenas da exigência de um diálogo e não de uma cooperação ou compromisso institucional?
Meu caro Ministro Ribeiro Dantas, na linha da sua reflexão, o Supremo procurou envolver todos os que pudessem ser atingidos, do ponto de vista da efetividade da decisão que devesse ser cumprida, e reuniu ao máximo, no plano ativo, todos aqueles que, com representatividade, pudessem traduzir o sentido do direito estrutural, estruturante, perseguido no âmbito da ação dessa dimensão complexíssima, que é o processo estrutural na tentativa de solução de lide complexa e multipolarizada.
Então, o Supremo o que fez? Basta verificar. O Supremo chamou, por exemplo, na identificação do plano ativo, invocou a lei que define o processo coletivo de mandado de injunção, para dizer que a Procuradoria-Geral da União estaria legitimada a propor, por exemplo, o mandado de segurança e identificou todos os entes e órgãos públicos federais e estaduais que pudessem estar envolvidos no cumprimento da decisão e colocou-os no polo passivo da impetração. Por exemplo, juízes estaduais.
Nesse caso específico do mandado de segurança coletiva, nós já estamos falando da desconformidade constitucional, Presidente, do regime prisional de mulheres com filhos até 12 anos e de gestantes, presas massivamente pelo Brasil afora, no âmbito estadual, no âmbito federal, sem que se cumprisse a lei que garantiria a elas, em princípio, a prisão domiciliar ou outros direitos, outras medidas cautelares diversas da prisão. Então, o Supremo Tribunal Federal reuniu, no polo passivo, todos os entes e órgãos que pudessem eventualmente estar envolvidos no cumprimento da decisão que veio a proferir - isso é claro, a gente observa isso claramente.
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Então, autoridades coautoras, por exemplo - isso é muito relevante -, juízes e juízas das varas criminais estaduais, tribunais dos estados e do Distrito Federal e território, juízes e juízas federais com competência criminal, tribunais regionais federais, Superior Tribunal de Justiça, houve o envolvimento de todos os entes de órgãos judiciários estaduais e federais que pudessem estar envolvidos com a efetiva aplicação dos direitos e garantias no que diz respeito aos beneficiários da ação de natureza estrutural que o Supremo estava a julgar.
Então, na realidade, eu acho que as decisões proferidas pelo Supremo e os critérios que ele adotou também nos inspiram a buscar no plano legislativo, já agora, para as instâncias inferiores, que não têm esse notável arsenal que o Supremo tem... Claro, o Supremo Tribunal Federal, numa ADPF, produz uma decisão de caráter vinculante, não é verdade? Quer dizer, com a abrangência que essa decisão tem, o Supremo Tribunal Federal tem a autorização constitucional para, excepcionalmente, editar normas, súmula vinculante. Nenhum outro tribunal do país tem. Então, as instâncias ordinárias precisam muito dessa lei, que pode também ter como inspiração a própria notável construção do Supremo Tribunal Federal, expressa nos seus processos estruturais.
Muito obrigado.
Desculpem o abuso no uso do tempo.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Nabor Bulhões.
Agora, nesta fase, encerramos o primeiro bloco da tarde e passamos ao segundo bloco.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Pois não. À vontade, Ministro. Obrigado.
Feitos os esclarecimentos, convido a eminente Juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Dra. Luciana Losada, a tomar assento à mesa e fazer a sua exposição em até dez minutos.
A SRA. LUCIANA LOSADA - Boa tarde a todos.
Presidente, Dr. Augusto Aras, demais membros da Comissão, senhoras e senhores, eu estou muito feliz de poder compartilhar um pouco as minhas ideias e a minha vivência perante a 13ª Vara de Fazenda Pública, da qual sou titular já há 14 anos. Vários processos estruturais foram levados à apreciação judicial durante esse tempo.
É claro que a minha perspectiva aqui... Vou me concentrar mais nas causas judiciais que envolvem um juízo crítico sobre a execução de uma determinada política pública. Então, eu vou só trazer alguns exemplos práticos para demonstrar a importância do estabelecimento de diálogo desde o início da demanda.
Salvo engano, até o Desembargador Edilson Vitorelli faz uma menção no seu livro, que, por sua vez, faz uma referência a um autor americano, William Fletcher, que diz que é uma verdadeira teia de aranha a administração pública. Na hora em que a gente mexe num fio de tensão, nós geramos consequências: outros fios de tensão da administração acabam sendo atingidos.
Então, vou trazer um exemplo para os senhores que eu vivi na Vara de Fazenda. O estado tinha obrigação de fazer o repasse de um percentual de 12% para a secretaria de saúde, e não vinha fazendo. O Estado do Rio de Janeiro entrou quase em estado falimentar.
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Enfim, fiz uma grande audiência de que o Governador participou, o secretário de fazenda, enfim, todos os secretários que, de alguma forma, respondiam pela pasta. E o que aconteceu naquele momento? A gente ouve... Isto eu achei muito interessante: a gente discutiu objetivamente a reserva do possível, porque é uma alegação que normalmente surge como defesa pelo estado. Então, naquela ocasião, o secretário de fazenda participou e disse: "Olha, houve queda de ICMS, queda de royalties, nós tivemos que aportar recurso do Tesouro para pagar o funcionalismo público". Então, ele tinha uma justificativa concreta para o não cumprimento daquele percentual.
Vamos imaginar que, na ocasião, ele teria que repassar 400 milhões. Nós chegamos a um acordo inicial de 200 milhões. Mas, aí, os senhores poderiam perguntar: "Poxa, Luciana, mas a lei, a Constituição determina que seja 12%". Então, vamos imaginar que o juiz diga: "Ah, não; então, vou promover um arresto de 400 milhões". Quantas atividades talvez pudesse estar comprometendo? Será que o funcionalismo público iria receber? Por isso, os fios de tensão. A gente sabe que os hospitais públicos não conseguem nem dar conta das situações ordinárias, imagine se ainda, diante de uma situação extraordinária de não pagamento do funcionalismo público, você aumenta a demanda de saúde e não consegue corresponder. Então, você atinge a capacidade orçamentária do ente público.
E aí vem uma crítica muito séria que é a ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Posso dizer, como juíza de primeira instância, que não raro ouvimos: "Poxa, então, agora, o juiz pode interferir em tudo? O Poder Judiciário pode decidir tudo?". Mas como o Judiciário pode agir como um agente colaborador, respeitar a separação dos Poderes e, ao mesmo tempo, romper com uma inércia administrativa? Como se faz esse equilíbrio? Eu não tenho dúvida de que é através do diálogo.
Eu fiz uma audiência, em uma ocasião, com o Governador Pezão e o secretário de fazenda, como eu expliquei aqui agora, então, eu consegui entender quais eram as dificuldades orçamentárias, por que não se cumpriam aqueles 12%. E fomos estabelecendo acordos ao longo da demanda, como até o Prof. Sérgio Cruz Arenhart faz. Ele faz um comentário em seu livro dizendo que é uma implementação escalonada.
Com isso, eu acho também relevante levantar uma questão que é o Judiciário não trazer para si uma responsabilidade que é primária do Poder Executivo. O Poder Executivo tem a competência para a execução das políticas públicas. Porque, vamos imaginar, se cada juiz decidir sem este diálogo prévio com a administração pública: "Olha, então você vai fazer uma obra no hospital B, outra obra no hospital C, numa escola, não sei onde", a gente invade a esfera de atuação de outro Poder. O administrador vai dar concretude à gestão administrativa dele ou ele vai dar concretude às nossas decisões judiciais? Cada juiz, no seu espaço. Então, engraçado, intuitivamente, mesmo antes de se falar em processo estrutural, eu sempre marquei audiências públicas com o envolvimento das partes interessadas.
Outro exemplo que eu acho interessante: não havia, nas unidades prisionais, abastecimento de medicamentos. Bom, a Defensoria propôs ação: "Então, Doutora, o senhor arresta esse valor, tal, tal". Eu disse: "Não, espere aí; deixe-me ver o que está acontecendo". Chamei a Seap, chamei o secretário de saúde e eles disseram: "Doutora, nós fazemos licitação, e as licitações são desertas". Porque, como as indústrias farmacêuticas não tinham recebido os valores referentes aos contratos antigos da administração por aquele estado de falência em que o estado vivia, as indústrias não participavam, as empresas não participavam. Então, havia uma verba específica, mas que não era utilizada por conta disso. O que eu fiz? Eu chamei as grandes indústrias farmacêuticas e disse: "Olha, há uma rubrica específica para pagamento para os senhores e tal, destinada ao abastecimento das unidades prisionais", e, aí sim, eles começaram a participar das licitações, porque eles tiveram a segurança do pagamento.
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Então, eu acho que o Poder Judiciário entraria como um agente colaborador. Em duas ou três audiências, se resolveu uma questão que é séria, porque, afinal de contas, os presos estão lá sem recebimento dos medicamentos, tem uma disseminação das doenças mais rápida.
Então, assim, a ideia que eu gostaria de registrar aqui é que o processo estrutural, salvo melhor juízo, deve ser pautado no diálogo. Eu acho que esse diálogo tem que se tornar uma norma processual, vamos dizer assim, de cunho obrigatório, um modelo processual procedimental adequado às controvérsias que envolvem, principalmente - é a minha experiência -, a execução de políticas públicas.
O juiz não pode proferir, salvo melhor juízo, uma tutela de urgência sem ouvir o ente público para ele poder dimensionar as consequências da sua decisão. E se for, na verdade, uma decisão, porque é uma coisa interessante que, normalmente, os entes públicos não resistem à pretensão material. A questão se senta no cumprimento e na falta de orçamento. Então, à medida que se estabelecem metas em conjunto com a administração, você tem um verdadeiro processo sincrético, porque o conhecimento e a execução já se fundem naquele momento. Você não precisa nem de uma sentença de mérito, porque há um reconhecimento do pedido. Então, na verdade, você já está tratando das causas ensejadoras da lesão de direito fundamental. À medida que progressivamente os obstáculos vão sendo superados, os acordos vão sendo estabelecidos, então, são acordos que são homologados pelo juiz, e já se forma ali um título executivo-judicial.
Então, a gente trata de um processo muito diferenciado. Acho que o Desembargador Edilson Vitorelli também assinala para a necessidade de quebra da restabilização da demanda. Por quê? Porque a causa de pedir nos processos estruturais é mutável, é dinâmica; os fatos administrativos estão em movimento. Então, a gente não deve engessar o cumprimento do ônus de afirmar à inicial e à contestação. É uma flexibilização do ônus de afirmar ao longo do processo.
Então, eu também quero compartilhar com os senhores, porque é interessante que essas audiências que envolvem secretários, às vezes até a Presidência, o Governador, otimizam os atos processuais, porque é um contraditório genuíno. Então, há um debate, o juiz consegue tirar a sua dúvida, tudo isso é reduzido, é até como se você estivesse abreviando o processo em seis meses, mas são decisões em conjunto com a administração. É uma decisão que vem de um diálogo. Eu gosto de usar um pouco essa expressão, é uma construção dialógica da causa de pedir, porque, quanto àqueles fatos narrados no inicial, muitas vezes, o Ministério de Público não tem condições de detalhar minuciosamente as causas de uma lesão de direito fundamental no inicial, porque se originam de atos complexos, administrativos, que envolvem, às vezes, várias pastas.
Enfim, eu apendi muito com a administração, fazendo essas audiências e podendo dimensionar as consequências das minhas decisões, que, na verdade, são decisões homologatórias, que, à medida que se estabelece acordo, por exemplo, a gente pode, então, fazer essa obra no hospital, mas eu só posso iniciar, sei lá, no final do ano, porque agora, neste momento, tem um hospital muito mais urgente, nós não teríamos verba disponível para isso.
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Então você vai construindo e respeitando a competência e a capacidade orçamentária do Estado. E isso, realmente, de alguma forma, é antigo, até inibe qualquer crítica de ofensa ao princípio da separação dos Poderes.
Eu acho que a importância dessa lei, a meu juízo, é mostrar que o Poder Judiciário - porque a gente está tratando de processo judicial - pode trazer a sua contribuição, mas em conjunto com o poder público, que tem a responsabilidade primária de conduzir esses assuntos.
E mais um exemplo que eu também acho interessante: o Ministério Público moveu uma ação para reassentar famílias em um determinado lugar. Eram famílias que lá já estavam há muitos anos, mas ele dizia que era área de risco, tal e tal. Nós fomos, então, com expert na área, fizemos uma inspeção judicial da Fundação Geo-Rio, e ele comentou assim: "Se colocar uma barreira dinâmica, a gente consegue mitigar o risco, as famílias podem permanecer aqui". O Ministério Público modificou o seu pedido, ele pediu um reassentamento, e modificou para que fossem, então, adotadas essas medidas mitigadoras do risco. A ação era intentada contra o Estado, contra o município; o Estado desistiu de recorrer, fizeram a obra. Então, já havia um processo de conhecimento em andamento, mas ali se estabeleceu uma relação dialógica que já trouxe...
(Soa a campainha.)
A SRA. LUCIANA LOSADA - ... por sua vez, a execução do serviço almejado.
Mas eu não quero me alongar. Eu quis dividir essas experiências práticas para demonstrar como é possível esse novo processo, essa dialética que o processo estrutural inaugura e a que a gente tem que dar valor, muito valor a esse diálogo.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito agradecido, Dra. Luciana Losada, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Convido agora o advogado e professor da Uerj, Andre Roque, para fazer a sua exposição em até dez minutos, na forma remota. Com a palavra, V. Sa., Dr. Andre Roque.
O SR. ANDRE ROQUE (Por videoconferência.) - Eminentes membros da Comissão de Juristas, caros colegas, boa tarde a todos.
Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer pela oportunidade de apresentar algumas preocupações, algumas sugestões, dentro desse tema tão relevante, que é o processo estrutural no Brasil. A essa altura, eu não preciso demonstrar a relevância do tema, que é evidenciada não apenas pela instalação dessa Comissão de Juristas, mas pela significativa produção doutrinária a respeito do assunto, sendo muitas obras inclusive de autoria desses colegas que me assistem.
Serei objetivo e passarei a responder à pergunta lançada aos convidados desta audiência pública: que aspectos deveriam ser abordados por uma lei de processo estrutural? Evidentemente, haveria inúmeros de aspectos a serem abordados, mas, em prol da objetividade, destacarei dois aspectos que me parecem relevantes.
O primeiro deles diz respeito à possibilidade de modificação da demanda. Não pretendo aqui advogar a favor de um sistema rígido de estabilização da demanda, até porque já tive a oportunidade de criticar o sistema do atual CPC que, a meu ver, com todas as vênias, não evoluiu o tanto quanto seria possível nesse aspecto. Até comentei, em sede doutrinária, que o CPC de 2015 fez um giro de 360 graus: ele rodou, rodou, rodou, e praticamente voltou ao sistema do código anterior.
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Eu não tenho dúvidas de que a possibilidade de modificação da demanda deve ser assegurada no processo estrutural e por mais fortes razões, inclusive, do que no processo individual. Contudo, nós não podemos descuidar das garantias fundamentais do processo, ou seja, de maneira que essa modificação da demanda deve guardar determinados limites, e o primeiro deles é o contraditório.
Havendo modificação da demanda, deve ser assegurado ao demandado o direito não apenas de se manifestar sobre os novos contornos da demanda, mas também de produzir as provas necessárias à demonstração de suas alegações.
Um segundo limite é o próprio princípio da demanda. A modificação da demanda deve se dar sim, mas a partir de pedido fundamentado da parte. O juiz não pode ampliar os elementos da demanda de ofício, porque, aí, ele coloca em risco a sua própria imparcialidade.
Mesmo em inúmeros outros casos de elevado interesse público, o legislador não abre mão do princípio da demanda. Ele, em vez disso, confia a legitimidade a determinados entes, como, no caso, o Ministério Público, em vez de permitir aquilo que seria a tutela jurisdicional de ofício.
Por fim, o terceiro limite é a boa-fé.
Por mais que o processo estrutural demande soluções flexíveis e até as chamadas "decisões em cascata", como se afirma na doutrina, não pode o autor promover a modificação da demanda para tentar surpreender o demandado. Note-se: o respeito ao contraditório não é suficiente, por si só, para resguardar as garantias fundamentais do processo nesse caso, porque o demandado pode ser colocado em uma situação difícil se a modificação da demanda vier a ocorrer em estágios processuais avançados.
A nova estratégia defensiva a ser praticada, por conta da alteração da demanda, pode ser incompatível com a instrução processual já realizada. Se o réu imaginasse que isso ocorreria, ele poderia ter adotado outra estratégia desde o princípio.
Admito que adotar a boa-fé como critério traz consigo um inconveniente. Trata-se de um critério aberto, que pode conduzir a soluções divergentes. Aumentaríamos o grau de insegurança jurídica e insegurança para as partes, que ficariam sujeitas ao modo como cada juiz pode pensar ser o processo ideal para o direito em discussão.
Dessa forma, embora reconhecendo que não é possível estabelecer limites taxativos para a modificação da demanda, penso que deveríamos ir além do critério da boa-fé, que deve sim ser adotado como critério, mas não como único critério. Outros critérios devem ser previstos no anteprojeto, inclusive com inspiração na experiência acumulada em outros ordenamentos jurídicos, a fim de conferir maior objetividade, sem prejudicar a necessária abertura e flexibilidade na matéria.
Elenco quatro possíveis critérios para a reflexão e debate por esta Comissão.
1) Possibilidade, com a modificação da demanda, de evitar o ajuizamento de novas demandas;
2) Busca da verdade material que possa conduzir à melhor solução da demanda;
3) Inexistência de grave risco de prolongamento excessivo do processo; e
4) Necessidade ou não de se reabrir a fase instrutória com essa modificação da demanda.
Além da modificação da demanda, outro tema sobre o qual não poderia deixar de falar diz respeito à prova estatística. Trata-se da prova estatística em princípio admissível, até porque são permitidas provas atípicas no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, não poderia deixar de citar aqui uma frase até conhecida, uma frase atribuída ao ex-Primeiro-Ministro do Reino Unido Benjamin Disraeli, para quem existem três tipos de mentiras: as mentiras normais, as mentiras deslavadas e as estatísticas. Dizia ele, com isso, que a maneira mais segura de mentir, sem que o outro perceba, é lançar mão de estatísticas de forma enviesada. Para que a prova estatística, portanto, seja minimamente confiável, não deve o juiz aceitar de forma acrítica suas conclusões. É indispensável que o magistrado pondere deficiências na metodologia aplicada, no universo recortado ou nos dados obtidos, assim como apurar eventual margem de erro, para então avaliar o valor que pode ser dado àquela prova estatística.
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É preciso lembrar ainda que análises estatísticas não têm por foco o indivíduo ou a situação individual. Ao contrário: destinam-se a tratar com universos, buscando padrões e uniformidades de casos ou situações.
Quando aplicadas a situações específicas, as provas estatísticas podem conduzir a resultados erráticos, como estabelecer indenizações por danos hipotéticos ou como espécie de nexo causal presumido, critérios que passam ao largo do sistema de responsabilidade civil brasileiro.
Em outras palavras, embora a prova estatística seja, sem dúvida, útil para a determinação da probabilidade de que um evento venha a ocorrer no futuro, em razão da frequência com que ele ocorre em determinada população ou conjunto de casos, dificilmente é tão óbvia sua finalidade em descrever fatos pretéritos. Nem sempre existe grande ligação entre a frequência com que certo fato ocorreu no passado e a específica ocorrência daquele mesmo fato em uma determinada situação.
Apenas para dar um exemplo concreto do que estou falando, imaginem que uma determinada moeda seja lançada ao alto por dez vezes; então, eu obtenho sete vezes cara e três vezes coroa. Isso quer dizer que, na próxima vez que eu lançar a moeda, eu teria 70% de probabilidade de que dê cara novamente? Porque, afinal, deu sete vezes em dez naquela amostra passada. Parece-me evidente que não.
Nesse exemplo, que é até um exemplo ingênuo, bobo, o vício está na amostra. Jogar a moeda para o alto por apenas dez vezes é uma amostra muito pequena, mas haverá - e aí é o ponto a que quero chegar - situações muito menos óbvias para o juiz, que não tem conhecimento, não tem formação em estatística, e poderá ser induzido a conclusões erradas, em razão de uma prova estatística inconsistente. E o anteprojeto, parece-me, terá uma função pedagógica muito importante para que a prova estatística possa receber o valor que ela merece - nem mais, nem menos.
Agradeço, uma vez mais, pela oportunidade de apresentar minhas preocupações e fico à disposição desta Comissão para futuras oportunidades.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, colega, Prof. Andre Roque.
Convido o Juiz Federal e Professor da Universidade Federal de Minas Gerais Gláucio Ferreira Gonçalves a fazer a sua exposição em até dez minutos, de forma remota.
Com a palavra S. Exa.
O SR. GLÁUCIO FERREIRA GONÇALVES (Por videoconferência.) - Boa tarde, Sr. Presidente, boa tarde, Sr. Relator, eminente colega da UFMG, Desembargador Federal Edilson Vitorelli, boa tarde a todos.
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Eu venho expor algumas preocupações, de forma bem objetiva, em razão dos 25 anos, quase 26 de magistratura e mais 20 anos de magistério. Então, as minhas preocupações se dão em quatro tópicos.
O primeiro deles é que acredito ser necessário, porque é um grande desafio de se conceber um processo estrutural sem uma delimitação clara e precisa do que é litígio ou problema estrutural, fazer essa delimitação, inclusive para não avançar sobre o objeto do processo coletivo, que não se confunde com o processo estrutural.
O segundo ponto seria uma necessidade de limitação dos poderes de imposição monocrática de medidas estruturais positivas, sobretudo, por razão de restrições orçamentárias de quem for atingido pela decisão.
O terceiro ponto, também acredito ser imprescindível considerar o desenho e as desigualdades regionais e locais, neste país imenso que é o nosso.
Quarto e último, tenho uma preocupação muito grande com o término dos processos judiciais. Então, o procedimento é marcado por um início e por um final. E é importante que o processo chegue ao seu final, porque senão o juiz passa a ser o senhor das políticas públicas. Então, acredito que o anteprojeto de lei deveria considerar uma forma de se pensar num termo final desse processo estrutural.
Como Juiz da 1ª Região, eu tenho exemplos, e todos os colegas têm exemplos de processos coletivos, que não terminam, porque o juiz resolveu ser um fixador de políticas públicas. E isso é um problema enorme que deve ser eliminado.
Então, Sr. Presidente, agradeço imensamente a possibilidade de me manifestar para esta ilustre Comissão e agradeço também a atenção dispensada.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Gláucio Ferreira Gonçalves.
Chamamos agora a Defensora Pública do Estado do Pará, a Dra. Anelyse Santos de Freitas a tomar assento na mesa, para fazer sua exposição, por dez minutos. (Pausa.)
A SRA. ANELYSE SANTOS DE FREITAS - Boa tarde a todos e a todas. Quero agradecer a oportunidade e saudar primeiramente o Presidente desta Comissão, o Dr. Aras; o Vice-Presidente, que já nos deixou em função da agenda de hoje, Ministro Dantas; mas, principalmente, o Relator, meu Professor e grande Jurista, Prof. Vitorelli, a quem quero agradecer esta oportunidade de ter a Defensoria Pública falando, podendo trazer a sua fala e a sua visão para tão importante processo e projeto legislativo.
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Eu sou Defensora Pública no Pará e trago aqui um exemplo prático de processo estrutural. Em 2012, apesar de nós já termos um decreto que regulamentava, que implementava, definia as regras de implementação da política de atendimento a pessoas em situação de rua, Belém não tinha sequer um aparelho social ou de saúde para garantir o atendimento e assistência dessas pessoas. E pudemos então, em seis meses, num processo interdisciplinar, interinstitucional, multidisciplinar, implementar o aparato mínimo, com Centros POPs, com atendimento aos Caps AD, enfim, o mínimo atendimento, acolhimento, consultório na rua, os aparelhos, que é o próprio decreto, que hoje nós temos a lei, mas naquele momento tínhamos apenas um decreto.
E essa experiência nos traz aqui uma via, porque esse processo todo se deu via extrajudicial. E é esse recado, que a Defensoria Pública, através deste momento, quer trazer aqui para esse projeto, Sr. Relator, que essa via extrajudicial pode ser efetiva. E falo nesse exemplo, que é um exemplo de atendimento, de assistência da Defensoria, que acontece diariamente por todas as Defensorias Públicas nos estados do Brasil e no Distrito Federal. Nós fazemos o atendimento e buscamos essa via extrajudicial. E, muitas das vezes, conseguimos estruturar uma política através dessa via.
E isso nos é dado através de prerrogativas que a lei, que institucionalizou o acesso à Justiça no Brasil, através do preceito constitucional que deu origem à instituição, já que o Brasil é um país que decidiu institucionalizar o acesso à Justiça, temos as prerrogativas e dentre elas o princípio da requisição, um acordo firmado perante um defensor ou uma defensora pública, já é considerado um título executivo. Então essa via nos é muito cara.
A própria lei diz que o acesso à Justiça é amplo, irrestrito e pode ser judicial e extrajudicial, para que nós possamos priorizar a garantia e a promoção dos direitos humanos e a via extrajudicial.
Então, esse é o recado que nós buscamos trazer aqui, agradecendo, mais uma vez, esta oportunidade, porque, inclusive, a Defensoria foi muito citada por várias instituições aqui. Ela é uma porta, é uma instituição, e isso eu escutei de uma pessoa em situação de rua que dizia assim: "A gente não tem coragem de entrar em vários lugares, em várias casas, mas, na Defensoria, a gente tem". E essa é a realidade, gente.
Então eu quero muito agradecer a oportunidade de fala, quero saudar também o colega da Defensoria da União que faz parte da Comissão e quero dizer que estamos à disposição.
Muito obrigada e uma boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Agradeço também à ilustre Defensora Pública do Estado do Paraná, Dra. Anelyse Santos de Freitas, que acaba de se manifestar.
Agora, encerrado o segundo bloco de convidados, passo a palavra ao eminente Relator, para que apresente suas considerações, caso assim deseje.
O SR. EDILSON VITORELLI - Obrigado, Sr. Presidente.
Acho que seguimos na mesma linha. Acho que tivemos intervenções muito interessantes, muito práticas, acima de tudo, nesse nosso bloco. Acho que o objeto da demanda surge com uma preocupação, Dr. Andre, Dr. Gláucio. Tivemos aqui a Dra. Luciana e a Dra. Anelyse tratando de aplicação empírica do processo estrutural.
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Ressalto mais uma vez que precisamos de uma lei que, primeiro, não atrapalhe, porque as coisas estão acontecendo, e depois melhore aquilo que está sendo feito.
Muito bom.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Desembargador Vitorelli, eminente Relator.
Bem, agora eu passo a palavra ao Prof. Ademar Borges de Sousa para se manifestar.
Em seguida, está inscrito o Prof. Roberto Campos Gouveia.
Prof. Ademar Borges...
O SR. ADEMAR BORGES DE SOUSA FILHO - Muitíssimo obrigado, meu Professor.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - ... que alegria encontrá-lo tão jovem na Faculdade de Direito da UnB e agora tão jovem ainda aqui conosco, dando a sua contribuição a esta Comissão!
O SR. ADEMAR BORGES DE SOUSA FILHO - Nem tão jovem, Professor. Nem tão jovem mais, infelizmente. De 2003 para cá, eu envelheci um pouco. (Risos.)
Vamos lá.
Em primeiro lugar, eu agradeço muito a oportunidade de integrar esta Comissão com juristas tão importantes e relevantes e agradeço a confiança do Prof. Augusto Aras também.
Eu vou aqui fazer algumas pouquíssimas considerações, ouvindo o que os colegas já disseram e até buscando já identificar possíveis consensos.
Eu vi que, Desembargador Edilson, há uma preocupação que parece ser ampla aqui entre nós sobre a conversão da ação individual em estrutural. E aí eu pensaria que seria importante, de fato, a gente olhar para o que não ocorreu lá no CPC, as razões do veto do art. 333, que aludiam a uma falta de critérios materiais para conversão lá da ação individual em coletiva. O veto ali, àquela altura, manifestou uma certa preocupação com uma banalização nas conversões. Aqui eu acho que a gente deve se atentar para isso, aprender com essa experiência e com aquele veto para não incidir em um eventual problema dessa natureza. E aqui eu acho importante que essa eventual conversão faça referência à definição de processo estrutural. A definição de processo estrutural é o critério material base para que se imponha esse ônus de conversão.
O conceito de processo estrutural é algo que eu tenho absoluta certeza de que o Relator já deve ter, digamos, uma base do conceito que pretende apresentar, mas eu imagino que haja, pelo menos, três aspectos que podem ser levados em consideração na conceituação. O primeiro é o objetivo do processo estrutural, que é o de reestruturação de um estado de coisas. O segundo é o de que essa reestruturação tem que estar ligada - e eu acho que essa é uma preocupação importante para evitar a banalização - à exigência de demonstração de uma violação grave e sistemática de direitos fundamentais. Eu acho que não é a violação de qualquer direito que dá ensejo à instauração de processo estrutural, mas acho que deve ser a violação de direitos fundamentais e essa violação deve ser também sistemática. E, por fim, eu acho aqui importante também lembrar, ainda nesse tema da conversão, que é possível talvez não só associar ao conceito de ação estrutural, mas exigir, para obrigar o juiz a considerar a possibilidade de conversão, alguns critérios que possam, digamos assim, adicionalmente criar barreiras de contenção que podem estar ligadas à avaliação sobre a necessidade de universalização da providência judicial, que é um critério material que auxilia na observância do dever de conversão e até no potencial risco de violação à isonomia. Se a ação for tratada individualmente, ela pode gerar um risco de quebra da isonomia, o que pode ser também um critério para auxiliar na conversão.
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Além disso, há o dever de intimação das entidades com legitimação ativa para essa conversão. E eu acho que tem uma exigência que estava contida lá no art. 333 e que foi vetada que era o tratamento do autor individual que teve a ação convertida. Ele era tratado lá como um litisconsorte ativo, unitário e ficava na ação numa condição privilegiada. Eu acho que aqui a gente não precisa disso. Eu acho que o autor individual será de alguma forma excluído da demanda, porque, claro, para atuar na demanda, vai ter que ter uma legitimidade adequada.
Num segundo ponto, além da conversão, eu acho que talvez a gente devesse pensar - inspirado aqui em um tema que o Desembargador Aluísio sabe, conhece e de que já tratou - no tema do cadastro único das ações coletivas. Eu acho que aqui a gente poderia pensar em uma ideia de cadastro das ações estruturais, que tem uma importância prática muito destacada.
Em primeiro lugar, um cadastro como esse permite que se operacionalizem os critérios de conexão e continência. O Ministro Balazeiro fazia referência mais cedo à multiplicidade de ações estruturais sobre o mesmo tema, o que é algo inconcebível. Quer dizer, a ação estrutural é, por definição, incompatível com a multiplicidade de ações estruturais sobre o mesmo tema. Agora, para que essa multiplicidade não aconteça - e ela é prejudicial à efetividade da jurisdição -, é preciso que haja um lugar, um cadastro que pode ser operacionalizado pelo CNJ. Eles estão unificando os sistemas, e a gente pode fazer - acho que há condição de se fazer isso - um cadastro que permita que um juiz que recebe uma ação individual e que poderá convertê-la em estruturante ou que já recebe uma ação estrutural possa ir lá consultar para saber se já existe uma outra com o mesmo tema. Eventualmente, com um juiz competente, aí ele já encaminharia esse material ao juiz competente, porque, do contrário, a gente vai ter muita dificuldade em operacionalizar esses critérios de reunião de processos.
Em segundo lugar, esse cadastro permite uma participação adequada, porque as entidades da sociedade civil também podem ir a um lugar que é o mesmo repositório de informação para saber o que está se discutindo sobre esse tema. A entidade da sociedade civil que quer contribuir, a universidade, a entidade técnica, a entidade empresarial que quer contribuir têm que ter um lugar seguro onde possa consultar essas ações.
E, por fim, eu acho que esse cadastro pode impor um ônus argumentativo adicional para os juízes que cuidam de ações individuais com o mesmo objeto, porque o juiz que trata a ação individual com o mesmo objeto vai ter que verificar se o tratamento que ele dá a uma ação individual, se uma liminar que ele dá eventualmente a uma ação individual é compatível com o que se está produzindo lá na ação estruturante. E, eventualmente, é possível até pensar em resolvermos o tema da interação entre ações individuais e ação estruturante. Esse é um tema talvez mais complexo, mas, no mínimo, o cadastro imporia um ônus adicional ao juiz. Porque, se ele olha para o processo estruturante e vê que estão sendo adotadas medidas de forma isonômica, universalizando uma determinada forma de resposta ao problema, o juiz que julga ação individual não pode atuar na contramão do que se está fazendo, pelo menos em princípio. Ao menos se espera que o ônus argumentativo dele, para fazer diferente do que está sendo feito na ação estruturante, seja muito mais elevado.
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Em terceiro lugar, além da conversão da ação individual em estrutural e do cadastro, que pode ser tratado tanto de maneira única quanto... quer dizer, cadastros por tribunais... Eu acho que é importante observar o que o Casimiro alertou há pouco sobre o rol exemplificativo de mecanismos de monitoramento. Isso porque - quer dizer, o Prof. Aras e o Desembargador Edilson -, de fato, a gente percebe que há uma certa falta de segurança por parte de juízes pelo Brasil afora em saber quem ele pode acionar para auxiliá-lo no monitoramento. Então esse rol exemplificativo é uma medida muito leve, porque não é impositiva. Portanto, é uma medida que constaria na lei quase como um caráter pedagógico, auxiliando mesmo o juiz a pensar quais entidades podem auxiliá-lo. Acho que é muito importante essa medida.
E por fim, sobre a decisão certificadora. Eu também ouvi diversas vezes na reunião de hoje - parece que há um certo consenso - sobre a importância da decisão certificadora. Em relação a ela, algumas questões que podem ser objeto aqui da nossa reflexão.
Em primeiro lugar, eu acho que um dispositivo legal que trate da decisão certificadora pode sugerir ao juiz que adote preferencialmente uma audiência prévia à decisão certificadora. Como a gente tem ouvido das colegas magistradas, dos colegas magistrados, mas também dos professores, a gente percebe que a audiência é um momento qualificado para entender quais são os pontos que demandam a intervenção e podem auxiliar numa delimitação mais precisa de qual é o objeto do processo estruturante.
Acho também que seria importante tratar de maneira específica sobre o cabimento de recurso. Eu acho que aqui o ideal é que, contra essa decisão certificadora, esse seja o momento crucial do processo estruturante. Talvez a gente devesse mesmo avançar para afirmar que cabe agravo na forma de instrumento mesmo para facilitar um exame rápido e célere por parte do tribunal e, eventualmente, até - também como esse é um momento decisivo - assinalar que cabe a sustentação - também nesse momento -, porque o tribunal uma vez que fixar o objeto, esse objeto vai perdurar durante bastante tempo e é em torno dele que os esforços de entidades, ente público e tudo mais vão orbitar.
Então essas eram as minhas poucas considerações para hoje, esses quatro pontos. Espero que a gente possa contribuir mais à frente.
Muito obrigado, Professor, pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, colega Ademar Borges. Eu o ouvi com muita atenção, até porque o tempo me favorece. Conhecer tanta gente importante aqui, desde jovem, eu diria que é um prêmio para mim também.
Com a palavra o colega, o membro da Comissão, Prof. Roberto Campos Gouveia.
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O SR. ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO - Muito boa tarde, Sr. Presidente, Sr. Relator, demais aqui presentes.
Eu volto a falar e volto a falar do tema de que tratei mais cedo. Faço isso não só por conta das intervenções agora à tarde, especialmente da Dra. Maria Carolina Beraldo, do Ministro Balazeiro, do Dr. Nabor Bulhões, do colega aqui que me antecedeu.
Essa questão me parece o seguinte: dentro da ideia minimalista existem pontos, porém, que precisam ser tratados e me parece que o primeiro deles é uma estrutura procedimental mínima; mínima no sentido de que, com a abertura, há uma maior flexibilidade. Mas nessa estrutura procedimental mínima - e aí também vem uma conversa, agora no almoço, com o Dr. Rodrigo Nery, que aqui está presente - poderia haver uma espécie de juízo de admissibilidade profundo, tal como existe na ação penal e na ação de improbidade, mas, diferentemente dessas ações, sem a recorribilidade.
Esse juízo de admissibilidade profundo seria muito mais no sentido de uma motivação mais aprofundada para além do que aquilo que se vê em geral com a admissibilidade das ações, sem uma recorribilidade ou, no máximo, com a recorribilidade muito reduzida, salvo na hipótese de conversão de um caso simples para um caso estrutural, levando-se em conta os interesses do autor da estação que foi transformada.
E aí iniciaria essa fase para certificar - claro que com a possibilidade, em se tratando principalmente de hipótese de urgência, casos de urgência, de antecipar eventuais implementações -, essa fase para certificação. E aí na certificação - e obviamente essa organização do processo se faz muito importante, a figura da audiência - viria a decisão certificatória e essa decisão plenamente recorrível. E quando eu falo plenamente recorrível, é, inclusive, algo que o próprio Código de Processo Civil de 2015 e a doutrina, principalmente, fazem referência a uma superação do próprio efeito evolutivo. Quer dizer, o recurso aí com uma ampla possibilidade cognitiva e, obviamente, com uma ampla possibilidade participativa. Pode ser o agravo de instrumento, não tem problema. A espécie recursal é o que menos importa, o que importa é isto: ampla cognição e ampla participação.
E tem mais: essa decisão, para que essa decisão se torne realmente a decisão definitiva e que não se venha depois tentar rever coisas do tipo, até mesmo pensar, obviamente - e temos aqui Ministros do STJ -, um recurso especial imediato - e não ficar o recurso especial meramente pendente, porque se traria uma decisão no curso do processo, e não decisão final, tal como é o recurso especial em relação às decisões parciais -, essa decisão de certificação seria, efetivamente, uma decisão parcial de mérito aí, na forma do art. 356 do Código de Processo Civil.
Mas, enfim, nós estamos aqui discutindo e eu mesmo estou refletindo sobre isso, tanto que de minha fala pela manhã para minha fala agora à tarde já há uma certa mudança, uma certa evolução.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, Professor.
Eu creio que encerramos o bloco de hoje, com as manifestações relevantes também dos membros.
Antes de encerrar, eu queria apenas fazer uma breve abordagem sobre a última parte do que nós ouvimos aqui.
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Em primeiro lugar, quero dizer que, em setembro de 2019, quando assumi a PGR, encontrei algo em torno de 101 ou 102 milhões de processos em curso no Brasil, o que equivaleria praticamente a um processo para cada dois brasileiros. Naquela primeira fase, desenvolvemos um amplo trabalho de convidar as instituições, todas elas do sistema de Justiça, para a busca de instrumentos de conciliação e concluímos, no ano passado, com 80 milhões de processos. Não me perguntem como foi a mágica desta conciliação de 20%, mas são os dados que nós dispomos publicamente, inclusive no Conjur, no seu anuário; ou seja, em quatro anos, nós reduzimos 101 milhões e alguns números para 80 milhões, o que reflete que a conciliação tem um relevo muito importante.
Em segundo lugar, quero dizer que aqui, durante este dia, eu e o Prof. Vitorelli - nosso querido Vice-Presidente estava aqui ao lado da nossa eficiente Secretária de trabalho; eu não pude falar muito com ele, mas falei com o Vitorelli - viemos trocando ideias, entre elas a de não ter natureza subsidiária de regra, creio eu - não vou decidir nada aqui, em absoluto; quem vai decidir é o Colegiado, por maioria -, não ter natureza, penso eu, subsidiária no processo estrutural.
Nesse contexto, vem também uma lembrança que reputo histórica, porque, quando Procurador-Geral da República, eu inaugurei o primeiro incidente de assunção de competência no Supremo Tribunal Federal. É também um instrumento processual relevante, que, creio, não sofrerá nenhuma redução da sua importância com a adoção de um processo estrutural já posto em prática pelo próprio Supremo - não vejo nenhuma dificuldade nisso.
De outra parte, vejo com muito entusiasmo a ampliação do diálogo interinstitucional dos órgãos do sistema de Justiça com a sociedade civil, até porque, em quatro anos, nós diminuirmos 20 milhões de processos é algo inusitado, e isso se deve aos distintos órgãos: à Defensoria Pública, com seu poder requisitório e também de conciliação; ao Ministério Público brasileiro como um todo, que apoiou a nossa iniciativa de buscar conciliar antes de provocar o litígio; ao próprio Poder Judiciário, com seus órgãos de composição; ao Observatório do CNMP e do Conselho Nacional de Justiça; ao Supremo Tribunal Federal, em que, se não fosse a covid - tenho que fazer justiça -, nós teríamos concluído todos os conflitos indígenas do Brasil. Antes da covid, nós conseguimos acabar todos os conflitos do Acre, do grupo étnico ashaninka, e já festejávamos a capacidade de acabar com os conflitos indígenas no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul; lamentavelmente tivemos que enfrentar a pandemia.
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E quero dizer também, aqui, neste momento, no término dos trabalhos de hoje, da importância do cadastro que não é só penal, não só dos inquéritos, não só das medidas de quebra de sigilo, não só de interceptação telefônica, mas especialmente das ações coletivas e quiçá das ações estruturais; e também da questão da conversão, que é uma questão tormentosa e que eu não me aventuro sequer a adiantar, aqui, agora, neste instante. E nós vamos ter que enfrentar isso nos trabalhos ordinários da Comissão.
Eu quero fazer um agradecimento à Profa. Daniela Marques, Diretora que recém concluiu seu biênio, o seu período na Diretoria da Faculdade de Direito da UnB. A Profa. Daniela Marques não somente foi Diretora, mas ela é Professora de Processo Civil, faz parte do grupo de trabalho lá do processo estrutural do Conselho Nacional de Justiça, tem um trabalho profundo no tema. Então, é mais um valor, uma acadêmica que vem abrilhantar os trabalhos da nossa Comissão.
Então, com as vênias dessa minha fala, eu ainda indago ao eminente Relator se há alguma manifestação.
O SR. EDILSON VITORELLI - Nada mais, Sr. Presidente. Apenas quero agradecer a V. Exa., a todos os nossos amigos aqui da organização, Dr. Henrique e Dra. Renata, que nos ajudaram tanto aqui, neste dia.
Muito obrigado, amanhã seguimos. Então, por hoje, foi muito bom.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todas e todos, ao tempo que informo que está convocada a 5ª Reunião da Comissão para amanhã, 23 de agosto, às 10h, neste mesmo Plenário nº 3.
Declaro encerrada a presente reunião.
Até mais.
(Iniciada às 13 horas e 41 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 55 minutos.)