23/08/2024 - 5ª - Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Bom dia a todos e a todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 5ª Reunião da Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de lei do processo estrutural no Brasil, criada pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 3, de 2024, destinada a apresentar, no prazo de 180 dias, anteprojeto de lei do processo estrutural no Brasil.
A presente reunião destina-se à realização da terceira audiência pública do Colegiado.
Ao reiniciar os nossos trabalhos, agradeço a presença de todos os membros que prestigiam as nossas reuniões. Também quero registrar que no dia de ontem, para gáudio, eu diria, do Senado e, também, desta Comissão, houve um grande número de acessos, milhares de acessos, certamente em sua maioria da comunidade jurídica brasileira, estudantes, magistrados, membros do Ministério Público e advogados que acompanharam todo o dia de debates, o que revela o grande interesse manifestado pela sociedade na audiência pública, pelo acompanhamento dos debates. Isso nos reforça e, também, acresce a nossa grande responsabilidade para com os resultados advindos desta Comissão.
Gostaria de reiterar alguns dos pedidos que fiz nas reuniões de ontem.
Solicito às senhoras e aos senhores presentes no plenário, pois alguns dos nossos membros estarão acompanhando pela internet, remotamente, pelo sistema do próprio Senado, que façam o favor de, um por vez, ao pedir a palavra, para não perdermos tempo, esperar essa passagem da palavra para não termos dificuldades, especialmente na transmissão remota, e que o pronunciamento seja feito pelo microfone para registro da transmissão da TV Senado e da taquigrafia. Isso é importante para que os debates sejam fielmente registrados.
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Aos membros que nos acompanham remotamente e desejem se manifestar, peço que usem o mecanismo do pedido de fala do próprio aplicativo, aquela mãozinha, o recurso de levantar a mão, a fim de que a Secretaria da Comissão faça o acompanhamento dos interessados.
Para melhor organizar os trabalhos, dividiremos os convidados em dois blocos. Cada convidado terá dez minutos para fazer a respectiva explanação. Ao final de cada bloco, o Relator e os demais membros poderão fazer considerações ou questionamentos aos convidados que usarão da palavra. Cada membro terá até três minutos para isso, limitado a três membros por bloco.
Em seguida, chamaremos o segundo bloco de convidados e a mesma dinâmica se repetirá.
Devido ao espaço limitado que temos na mesa, informo que, no momento da fala, o especialista será convidado a tomar assento na mesa, para fazer a exposição - claro, estando presente aqui na sala. Após isso, pediria a gentileza de deixar o assento para que outro convidado possa fazer a exposição seguinte.
Feitos os esclarecimentos, indago ao eminente Relator, aos eminentes Conselheiros e ao Vice-Presidente, que nos acompanha remotamente, se há alguma manifestação.
O SR. EDILSON VITORELLI - Posso fazer um registro inicial, Sr. Presidente?
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Claro.
O SR. EDILSON VITORELLI - Muito bom dia a todas e todos.
Quero apenas registrar, Sr. Presidente, duas questões.
A primeira. Como foram bons os trabalhos ontem, muito obrigado a todas e todos que nos acompanharam aqui, online e presencialmente. Nós tivemos, não sei se vocês têm essa dimensão, 22 manifestações ontem, nove das quais de juristas mulheres, mostrando aqui o apreço da Comissão, também, pela equidade das manifestações. E muitas contribuições interessantes.
Eu passei boa parte da noite processando aquilo que ouvimos ontem e tenho certeza de que teremos um dia muito proveitoso hoje. Também queria registrar, Sr. Presidente, que hoje nós temos...
Esta semana, faz dois anos que eu deixei, com o apoio de V. Exa., então Procurador-Geral da República, a carreira que me acolheu, o Ministério Público Federal, e que estou no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. E a nossa Constituição teve a sabedoria de fazer os cargos de Presidente de Tribunal rotativos no Brasil, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos e na Austrália, em que o cargo de Chief Justice é vitalício, o que é um grande ônus para quem é bom e um grande peso para quem não é. E aqui nós temos essa rotatividade.
Hoje temos, lá em Minas Gerais, então, a posse do nosso novo Presidente, Desembargador Federal Vallisney Oliveira e do nosso novo Vice-Presidente, Desembargador Federal Ricardo Machado Rabelo, que vão iniciar esse seu período de dois anos. Não estarei lá, porque estamos aqui, mas quero deixar registrados os meus cumprimentos e os meus votos de boa sorte a eles. Que façam um mandato tão bom quanto foi o da nossa Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, que hoje encerra a sua trajetória como Presidente de Tribunal, essa mulher que inaugurou um Tribunal Regional Federal depois de 1989.
Então, é um marco muito importante para nós, mineiros, e aqui, na Casa que é presidida hoje por um mineiro, não podia deixar de fazer esse registro.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, eminente Desembargador Edilson Vitorelli, Relator dos trabalhos da Comissão, eu também quero me associar a V. Exa. apenas acrescentando que a Desembargadora Presidente, Mônica Sifuentes, é uma jurista dedicada, uma pessoa de competência e seriedade que nos causa uma admiração pelo seu histórico na magistratura, tendo, salvo engano, começado as suas atividades na Vara Única de Ilhéus. Ali eu pude, inclusive... Eu instalei a primeira Procuradoria da República de município, no Brasil, ali, em 1987. Ela começou a carreira da magistratura por lá. A Presidente Mônica Sifuentes também é uma grande literata, autora de obras romanciadas num contexto histórico. É digna dos nossos parabéns também por essa qualidade.
O Desembargador Ricardo Rabelo também é um Desembargador operante, trabalhador, que fez um grande trabalho, um grande esforço para pôr termo, definitivamente, à questão de Mariana, encaminhada com apoio de V. Ex., ainda no Ministério Público.
Também o colega Vallisney, assim como o Prof. Cerezzo, a Profa. Daniela Marques. Não sei se me lembro, tem mais algum professor? A Profa. Paula. Enfim, somos todos colegas da UnB, então é motivo de júbilo, também, essa posse de hoje. Então, eu me associo a V. Exa.
Mais alguma manifestação? (Pausa.)
Bom, então, feitos os esclarecimentos, convido o Sr. Luiz Dellore, representante do Centro de Estudos Avançados de Processo, a tomar assento na mesa e a fazer a sua exposição, em dez minutos.
Com a palavra o Prof. Luiz Dellore.
O SR. LUIZ DELLORE - Sr. Presidente, obrigado pela abertura, obrigado pelo convite, é um prazer grande estar aqui. Cumprimento todos os presentes na pessoa do Sr. Presidente, cumprimento também aqui o meu colega, meu amigo, Prof. Vitorelli.
Falei, inicialmente, contigo que esta semana estive na formatura do Mackenzie, em Campinas, e o seu nome foi inúmeras vezes mencionado. Então, trago aqui o abraço dessa turma.
Agradeço aqui também ao consultor, Sr. Henrique Cândido, que tão gentilmente tem feito esse trabalho hercúleo para organizar tudo. Então, agradeço na sua pessoa a todo o corpo técnico que nos auxilia.
Meus colegas, eu venho aqui representando o Ceapro (Centro de Estudos Avançados de Processo). É um grupo de processualistas relativamente novo, estamos com dez anos, onze anos de vida e, dentro do grupo, a gente sempre debate, quando for uma atuação com amicus curiae, uma atuação como essa. Esse é um assunto que, dentro do debate do grupo, não teve consenso. Então, isso mostra como dentro da doutrina brasileira, de uma maneira geral, existem divergências quanto ao tema.
E aí eu começo com essa breve reflexão, esse breve comentário no que se refere a, por exemplo, o que várias vezes foi dito ontem - eu acompanhei online, infelizmente não pude estar presencialmente. Foi muitas vezes mencionado o processo estrutural como sendo já algo consolidado. A primeira reflexão, Sr. Presidente, Sr. Relator, que eu trago aqui é: será que é isso mesmo? Considerando o tamanho do Brasil, considerando a quantidade de processos que nós temos - basta ver o CNJ em números -, será que o processo estrutural já é uma realidade? Ou será que é uma situação em que a gente tem alguns nichos, alguns pontos, alguns momentos?
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Se a gente for analisar as decisões, de fato, há decisões que reconhecem a existência do processo estrutural, mas inúmeras decisões entendem ou pela extinção do processo sem resolução de mérito ou pela improcedência do pedido.
Permitam-me, aqui, brevemente, mencionar, talvez, um dos mais importantes casos do STJ, envolvendo um hospital, na cidade de São Paulo, em que o pedido do Ministério Público foi uma intervenção do poder público municipal nesse hospital, e o pedido foi julgado improcedente em primeiro grau. Foi mantida a decisão de improcedência, no mérito, no Tribunal de Justiça de São Paulo, e, quando veio aqui ao STJ, houve uma decisão no Recurso Especial 1.733.412, um dos principais, talvez, um dos leading cases do STJ, dizendo que, sim, nós estávamos diante de um processo estrutural. Então, essa primeira reflexão é: será que a gente, realmente, está diante de uma situação consolidada? Parece que não.
Aí avançando nessa perspectiva, temos aqui vários dos colegas que, claro, se dedicam muito ao processo estrutural, conversando com esses colegas que debatem e estudam o assunto, eu falei: "Eu vou começar a fazer um exercício, quase um laboratório". Em uma das turmas de pós-graduação que eu leciono, com regularidade, pós-graduação lato sensu, em São Paulo, capital, começamos a lecionar uma aula específica de processo estrutural. Estou falando em advogados militantes, experientes, não estou falando apenas em acadêmicos. Tenho, há três semestres, essa disciplina e abro a aula perguntando: "Quem sabe o que é processo estrutural? Quantos aqui já atuaram em processo estrutural?". A grande maioria da advocacia militante não sabe o que é processo estrutural! Nós estamos a falar, estamos a tratar de uma situação em que nós temos um grupo - não tenho dúvida - altamente qualificado, mas um nicho que entende, defende e atua, e, quando estamos diante de um magistrado que tem essa posição, para o qual a causa é distribuída, o processo avança. Caso isso não aconteça - aqui, obviamente, não tenho nenhuma pesquisa, nenhuma estatística, apenas uma análise de percepção -, várias vezes, simplesmente, não existe o processamento dessa demanda. Não acontece só com isso, claro, também com outros novos institutos.
Então, a primeira reflexão é: com o Brasil tão heterogêneo - e temos aqui um exemplo, um belíssimo exemplo, aqui, nesta Comissão, nesta manhã, gente de todos os cantos do Brasil -, com o Brasil tão heterogêneo, será que, em todo o Brasil, o processo estrutural é compreendido, como, dentro da academia, é compreendido?
Permitam-me aqui um comentário, um comparativo. Se a gente for pensar em ações do controle concentrado de constitucionalidade, da mesma forma, é um nicho pequeno. Se a gente for pensar em recuperação judicial, é um nicho pequeno. Só que, claro, quando eu falo em procedimento especial da jurisdição constitucional perante o Supremo, é só aqui do lado. Quando nós falamos em recuperação judicial, estamos a debater a criação de varas especializadas regionais a respeito disso. Há alguns estados e alguns tribunais que têm varas especializadas em recuperação judicial, e, para aqueles que atuam nas varas especializadas e, depois, não atuam em varas especializadas, ainda que seja a mesma legislação, a forma da tramitação - e não estou falando em mérito aqui, estou falando em procedimento - é absolutamente distinta.
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Então, eu trago essa reflexão em relação ao próprio processo estrutural em si, considerando essa visão - digamos - de viés, não no sentido pejorativo, mas na visão que se tem em relação ao processo estrutural.
Eu me lembro de uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro, por exemplo, em relação a IRDR. O IRDR proposto no Rio de Janeiro para o qual é sorteado, como relator, o Prof. Freitas Câmara tramita. Quando é distribuído para outros relatores, é extinto sem mérito. Então, será que, quando a gente pensa, aqui nesta Comissão, em se elaborar um processo estrutural, a gente não tem que levar isso em consideração? Parece-me que sim.
Ontem, foi mencionado por diversos dos expositores, no que se refere ao procedimento do processo estrutural, ele ser o mais sucinto possível. Com a devida vênia, o mérito é para ser deixado de lado. Agora, em questões procedimentais, considerando esse cenário exposto, é fundamental que a lei seja absolutamente clara para traçar os limites, para traçar os poderes, para traçar o procedimento.
Ora, o devido processo legal estrutural não deve ser distinto do devido processo legal. Estamos a falar em processo, estamos a falar em um procedimento dentro do sistema. Vamos ter um procedimento especial? Sim, mas não teremos uma distinção relacionada ao processo em si. Então, por exemplo, quando se fala "vamos flexibilizar causa de pedir e pedido" - que é um dos temas várias vezes mencionado -, será mesmo? "Ah, isso é a forma pela qual o processo estrutural tramita, por exemplo, no modelo norte-americano". Não, todo o processo norte-americano tem flexibilidade de causa de pedir e pedido. Não é só o processo estrutural.
Então, nessa perspectiva, parece-me que o devido processo legal estrutural não é distinto do devido processo legal - aspas - "usual". Nessa perspectiva, se nós vamos ter flexibilização procedimental nos moldes, nos termos do Código de Processo Civil, conforme o negócio jurídico processual, ou previsão específica da lei que vier a ser criada, mas deixando claramente as suas balizas... E não que isso seja algo de maneira unilateralmente fixada pelo magistrado, porque aí eu volto ao ponto inicial. Se o processo for sorteado para um magistrado que entende que é adequada essa atuação, pode entender, inclusive, que a flexibilização vai ser ampla, se não houver nenhuma baliza legislativa. E aí nós podemos ter, somado a isso, o outro debate relativo ao ativismo judicial - e aqui eu, de novo, estou tratando do aspecto procedimental, e não do aspecto de mérito. Então, nesse sentido, causa de pedir aberta, vamos delimitá-la; flexibilização procedimental, vamos delimitá-la.
Muito mencionado ontem, também, que é uma preocupação: concomitância entre vários processos estruturais e demandas individuais. A questão não está bem posta - quem atua no âmbito do processo coletivo sabe disso -, no que se refere ao coletivo. A previsão do CDC é da não suspensão das ações individuais quando há uma coletiva. Na prática, temos precedentes em repetitivo do STJ, Primeira Seção, Segunda Seção, dizendo que suspende. Em vários foros, não há a suspensão do processo individual quando há o processo coletivo. E, muitas vezes, nós temos a questão de decisões proferidas em processos coletivos que são opostas, em que ou se cumpre uma, ou se cumpre a outra, ou se descumprem as duas ao mesmo tempo.
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Então, o que trago à reflexão, com todo o respeito, por óbvio, aos ilustres membros desta Comissão é: a regulamentação procedimental, para evitarmos problemas no cotidiano forense, deve ser o máximo possível clara, com um procedimento que traga o devido processo legal naquilo que forem as suas alterações.
O aspecto de processos concomitantes talvez seja um dos mais importantes. E, ora, se nós tivermos uma regulamentação que não seja clara a respeito disso, nós teremos problemas.
Mais uma vez, fazendo um paralelo com o processo coletivo porque, creio, podemos trabalhar, claro, o processo estrutural - o procedimento do processo estrutural como uma espécie do gênero do processo coletivo -, nós tivemos recentemente a posição do STF definindo, a respeito da coisa julgada, poder-dever ser nacional, dando a interpretação da inconstitucionalidade do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública.
No cotidiano forense, mesmo após essa decisão, continuam existindo diversas ações civis públicas concomitantes, discutindo o mesmo objeto e, às vezes, com dificuldades no que se refere à própria questão relativa a...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ DELLORE - ... onde estamos diante de qual seria o caso de prevenção ou não.
E, indo para a conclusão, o último tópico que trago - já tem aqui a indicação do tempo - se refere a essa questão de buscar a experiência no direito estrangeiro.
É óbvio que não há problema algum de nos inspirarmos nos modelos estrangeiros, mas nós temos que nos atentar para a realidade brasileira. E, da mesma forma que eu mencionei a questão do direito norte-americano no que se refere à experiência de causa de pedir aberta, nós temos o exemplo do art. 503 do Código de Processo Civil no que se refere à coisa julgada, em que a inspiração dita foi do modelo norte-americano - e aqui, Presidente Aras, tive o prazer de estar junto com um amigo nosso em comum, Prof. Gidi, seis meses com ele, fazendo um pós-doutorado por lá.
Nesse sentido, o modelo norte-americano pode ser uma inspiração, mas, nesse transplante para o modelo brasileiro, ele não pode ser considerado exclusivamente com o que tem lá, considerando todo o nosso sistema, o nosso cabedal.
Com isso, Sr. Presidente e Sr. Relator, espero que tenham sido algumas reflexões úteis a respeito desse tema.
Mais uma vez, agradeço o convite que foi feito ao Ceapro, desejando a todos um excedente manhã e tarde de trabalhos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Luiz Dellore.
Nós não só anotamos as sugestões de V. Exa., mas, certamente, estas serão objeto de debates aqui ao longo da Comissão.
Agradeço, mais uma vez, a todos aqueles que já passaram aqui e trouxeram suas contribuições, a todos os que estão presentes e nos acompanham, também, pela rede mundial de computadores.
Antes de chamar o próximo convidado, eu quero registrar que o Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Vice-Presidente desta Comissão, cumprimenta a todos e se associa aos votos de parabéns pela gestão da Desembargadora Mônica Sifuentes, que hoje se encerra, e pela nova administração com Vallisney Oliveira, que agora começa no Tribunal Regional Federal da 6ª Região.
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Até quero dizer que eu, pela ausência física, me esqueci de que o Marcelo, nosso Ministro, e o Gurgel são nossos colegas da UnB também.
Então, eu fico feliz por registrar o fato.
Convido agora o eminente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Augusto César Leite de Carvalho a fazer a sua exposição em até dez minutos.
S. Exa., por favor, tem assento na bancada. (Pausa.)
O SR. AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO - Inicialmente, eu quero cumprimentar o Dr. Augusto Aras, o Professor Edilson Vitorelli, todo o pessoal de apoio e todos os que integram aqui este excelentíssimo auditório.
Quero dizer que o convite me chegou por intermédio do Ministro Alberto Balazeiro e me senti ao mesmo tempo honrado e comprometido, porque tenho tratado desse tema, o processo estrutural, tentando desvendar e evidenciar a importância que o processo estrutural, essa nova concepção de processo pode ter na seara do mundo do trabalho.
A minha exposição aqui, se me permitem, vai ter um certo pragmatismo, porque tenho acompanhado as apresentações até agora e tenho percebido que toda essa parte conceitual, de algum modo, já está sendo exposta - e está sendo exposta por processualistas, por professores, por estudiosos de mais alta envergadura intelectual que a minha. Portanto, já estaria o auditório certamente bem atendido, mas quero dizer que compreendo o processo estrutural, evidentemente, a partir daquilo que a corte colombiana, sempre referida, menciona como estado de coisas inconstitucional e que nós todos temos visto na doutrina como, basicamente, algo que signifique um conflito estrutural, litígio estrutural, um problema estrutural, algo que implique a necessidade de uma mudança em uma certa organização, uma certa estrutura, seja na administração pública, seja nas empresas privadas. Parece-me que o Professor Edilson Vitorelli tem um trabalho, alguns textos bem interessantes nessa direção, e é por aí que eu pretendo caminhar.
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Tenho como pré-compreensão que esse conflito estrutural implica multipolaridade, no sentido de que há uma organização, na verdade, de vários interesses, interesses que não necessariamente seriam convergentes. Há uma expressão, a energia lateral, ou seja, a lateralidade me traz uma energia positiva. Então, há uma expressão que me agrada muito, que é esse policentrismo legal. Todos esses focos de interesse podem estar absolutamente legitimados, mas é preciso que se façam escolhas, é preciso que se decida a respeito de qual delas seria a solução ideal para que aquele estado de desconformidade, de alguma forma, se resolva, e se resolva bem.
Quando a gente fala de conflitos no mundo do trabalho, não obstante a Justiça do Trabalho esteja habituada a processos individuais - na sua quase totalidade, nós temos muitas ações coletivas, muitas ações civis públicas, mas é muito significativo, muito expressivo o número de processos individuais -, nós sabemos que não raro esses processos individuais se apresentam como irradiação daquilo que é um distúrbio, uma perturbação no meio ambiente, no ambiente laboral, que é, por essência, um ambiente coletivo.
Então, resolver o problema coletivo, para nós, se apresenta como um horizonte muito mais interessante do que aquilo que nos é mais peculiar, que é a monetização, que é a conversão em perdas e danos, em prestações pecuniárias, como é habitual em um processo do trabalho. Então, isso nos anima.
E, ao mesmo tempo, nós percebemos que existem alguns desafios que são desafios muito expressivos e que não são de fácil superação. Nós precisamos respeitar a autonomia da gestão empresarial, pois, evidentemente, um processo estrutural não pode se imiscuir naquilo que é a autonomia da vontade do titular da empresa, mas, ao mesmo tempo, nós precisamos ser desprendidos para percebermos quais as soluções possíveis que poderiam permitir a reestruturação daquela organização que, de alguma forma, está propiciando violações ou não de direitos individuais, de direitos humanos, de direitos fundamentais, enfim, gerando algo que, necessariamente, precisaria de uma intervenção judicial, mas uma intervenção judicial que fosse disruptiva, que não significasse simplesmente a atribuição de direitos e, como eu disse há pouco, a fixação de reparações, de reparações pecuniárias.
Agrada-me muito a expressão "estado de desconformidade", até porque é mais abrangente do que o estado de coisas inconstitucional. Faz uma remissão, me parece, muito significativa também aos tratados internacionais de direitos humanos, deixa claro que nós não estamos tratando, necessariamente, de casos de ilicitude, e isso faz com que o processo judicial permita uma solução harmoniosa, uma solução que crie harmonização social, mas não, necessariamente, a partir do pressuposto de que há um ato ilícito na sua origem, um ato ilícito que estaria a demandar restruturação.
Temos várias situações, mas eu anotei aqui algumas que me parecem emblemáticas do que seria a importância de um processo estrutural no mundo do trabalho. Eu me refiro, por exemplo, aos casos de dispensas massivas, não daquela dispensa coletiva, daquela despedida coletiva que implique a eliminação da unidade produtiva. Nós tivemos, recentemente, a situação da Ford, quando eliminou algumas unidades de produção no Brasil, mas nós podemos lembrar, remotamente, aquilo que aconteceu com o caso Embraer, em que milhares de trabalhadores ali estavam sendo sacrificados em função de uma reestruturação da empresa, e aquilo gerou judicialização, apenas para que nós, na Justiça do Trabalho, pudéssemos atribuir direitos, atribuir obrigações, mas nós não participamos da solução do problema. Parece-me que, numa situação como aquela, seria muito interessante que essa estrutura administrativa, que de alguma forma estava adoecida, mas adoecida não porque estava cometendo ilicitude, mas porque estava gerando traumas, traumas para aqueles trabalhadores e para aqueles milhares de outras pessoas que de alguma forma estavam sendo atingidas por aquele modelo de organização produtiva, que essas pessoas pudessem participar da solução do problema.
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Os casos de proteção, prevenção, em face da automação. O nosso texto constitucional tem como garantia fundamental a proteção contra os efeitos da automação. A automação é bem-vinda, nós todos sabemos, todos nós nos beneficiamos do processo de automação em todas as áreas da economia, mas é importante perceber que a automação se cinge a efeitos muitas vezes traumáticos na vida daqueles trabalhadores que precisam ter os seus postos de trabalho sacrificados. Então há a possibilidade de nós termos a falta inclusive de uma solução legal, de uma solução normativa, pronta, preestabelecida, de um direito posto, nós termos em cada situação concreta pontualmente um processo estrutural que possa resolver esse trauma que está sendo gerado pelos efeitos da automação.
O problema da empresa no ambiente social. Nós tivemos aqui, muito próximo de nós, a questão do amianto, tivemos há alguns anos o problema da maior acordo do mundo, R$200 milhões foram pagos pelo complexo Shell-Basf, no interior do Estado de São Paulo, em Campinas. Esse acordo não significou a reestruturação propriamente daquela empresa, foi apenas atribuição de direitos de obrigação. É certo que, a partir dali, a empresa se obrigou a assegurar assistência médica para que todas aquelas pessoas que estavam vitimadas por aquele processo produtivo tivessem, pelo restante de suas vidas, algum acompanhamento médico, mas isso não significa reestruturar uma unidade produtiva, o que poderia ser propiciado por um processo estrutural.
Distúrbios psicossociais na empresa. Muitas vezes o próprio empregador não percebe, aquele caso da Renault-Nissan - permita-me dizer nomes, porque ilustrando assim fica mais simples para a gente compreender a dimensão do problema e falar em dez minutos, meu querido Dr. Augusto Aras -, mas a Renault-Nissan, não especificamente na Ásia, em relação à empresa Nissan, mas em relação à própria empresa Renault, a quantidade de suicídios que estavam sendo cometidos naquele ambiente empresarial. Evidentemente, havia ali um distúrbio de ordem psicológica, psicossocial, que precisava ser resolvido. Será que o Poder Judiciário não pode contribuir, não pode chamar os atores sociais, para que eles se transformem em atores processuais e tragam uma solução, eventualmente, de consenso, mas que tenha a imperatividade de uma decisão judicial flexível, como todos nós sabemos, como é própria a um processo estrutural?
O problema do desenho universal para pessoas com deficiência. Não é simples, muitas vezes, para o empresário, para o empregador, cumprir as cotas, sejam as cotas das pessoas com deficiência, sejam as cotas de aprendizes. Então, conseguir desenvolver esse desenho universal que implique a adoção de tecnologias assistivas para promoção da adaptação razoável naquele estabelecimento, de modo a que essas empresas que se dizem inaptas a realizar essa adaptação do ambiente, para que o ambiente se adapte à pessoa com deficiência, essas pessoas, essas empresas, muitas vezes pequenas empresas, essas empresas tenham a assistência devida, e o processo judicial, o processo estrutural, portanto, poderia trazer essa contribuição.
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Não quero dizer aqui, não quero mencionar essa disputa muito saudável, me parece, entre aqueles que entendem que há um caráter bifásico no processo estrutural e os que defendem que, na verdade, nós teríamos uma sucessão de decisões e, portanto, decisões em cascata.
(Soa a campainha.)
O SR. AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO - De todo modo - me parece que tem um minuto ainda, não é? -, nós teríamos...
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras. Fora do microfone.) - Fique tranquilo.
O SR. AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO - Obrigada, Dr. Aras. Já estou concluindo.
Nós teríamos esse processo judicial em que haveria aquilo que... Inclusive, parece-me que está entre as painelistas aqui e os painelistas a Juíza Patrícia Perrone, e há um artigo que foi escrito por S. Exa. e pelo Ministro Luís Roberto Barroso em que os articulistas dizem da importância de esse processo estrutural estar caracterizado e que é preciso que um processo que intervenha no mundo do trabalho também tenha essa característica da flexibilidade.
Eu aqui leio quatro linhas que eu extraio desse texto: "Os processos estruturais tramitam com a mitigação do rigor de algumas normas (como a aderência estrita ao pedido e a imutabilidade da decisão de mérito)". Se nós nos prendermos àquela solução que está sendo preconizada na petição inicial, talvez nós não tenhamos a solução ideal. É preciso que haja, sim, um desprendimento, inclusive da autoridade judicial, mas também de todos os fatores processuais, porque a solução ideal precisa ser encontrada, e não necessariamente será aquela que está sendo sugerida. E, ainda que seja a solução que foi determinada em sentença, a partir desse reconhecimento de um estado de desconformidade, isso precisa ser adaptado a novas realidades e, portanto, o compromisso do juiz, durante um processo estrutural, evidentemente, não cessa. Não há uma decisão de efeito instantâneo, ele precisa acompanhar para que aquela estrutura, de fato, seja revista e nós tenhamos, sim, uma solução que, repito, não implique simplesmente a atribuição de direitos e de obrigações pecuniárias, mas a reestruturação de um processo produtivo, de modo que todos esses distúrbios, inclusive distúrbios psicossociais e ambientais, possam se resolver adequadamente.
E também uma característica que me parece muito significativa é a dialogicidade. Os mesmos autores, Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone, dizem que: "como regra, as decisões estruturais mais eficazes são aquelas construídas por meio da interação entre as diversas autoridades e instituições [...], as pessoas afetadas e a sociedade civil". Perfeito! Nós precisamos expandir esse contraditório. Se nós queremos encontrar a solução mais adequada, é preciso que nós tenhamos, sim, audiências públicas, é preciso que nós tenhamos esse desprendimento de aceitar, de acolher os amicus curiae, de modo que essa solução seja uma solução perceptível em meio a esse processo estrutural.
Eu não queria estar com a incumbência, Dr. Aras, de tentar elaborar essa fonte normativa, porque eu penso que ela precisa mesmo de muito tempo, muito cuidado, muita cautela, para que todas essas características sejam, de alguma forma, atendidas.
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Trouxe aqui algumas soluções estruturantes que são recomendadas ou ordenadas nessas decisões, mas não vou falar, em respeito ao tempo.
Mas menciono o caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde versus Brasil, em que o Brasil foi condenado, em 2016, em razão da prática de trabalho, de submissão de pessoas escravizadas, de trabalho para pessoas em condição análoga à de escravos. Também os empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus versus Brasil, uma condenação agora mais recente, em 2016.
Há duas semanas, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a competência, a sua competência, a competência da Justiça do Trabalho para a execução de um termo de ajustamento de conduta muito significativo, em que o Município de Magalhães de Almeida, município do Maranhão, se obriga à inserção em escola, em jornada prolongada, de crianças que foram encontradas em situação de trabalho, nas piores formas de trabalho.
Então a reestruturação, e aí nós temos política pública mesmo, na raiz, para que essas crianças possam ser, sim, devolvidas ao meio social saudável.
Quero dizer que essa dialogicidade pode implicar inclusive soluções consensuais que se antecipam à solução judicial. E aí, menciono também rapidamente, para encerrar, o caso Zara. Nós tivemos um TAC, um termo de ajustamento de conduta, em 2011, com uma revalidação em 2017, em que a empresa, para além dos investimentos, investimentos pecuniários, se comprometeu a um programa de promoção de direitos humanos, auxílio à regularização migratória, porque muitos daqueles trabalhadores escravizados imaginavam que, sendo migrantes, seriam flagrados nessa condição e seriam repatriados. A própria empresa se compromete a humanizar toda a sua cadeia produtiva.
A mesma coisa aconteceu em 2023, quando as vinícolas, para nós tão saudáveis, queremos saudáveis, da Serra Gaúcha também tiveram contra si esse flagrante e, quase que de pronto, assumiram a responsabilidade que as empresas terceirizadas não quiseram assumir, mas assumiram a responsabilidade de não apenas pagar R$7 milhões de indenização por dano moral coletivo, mas o mais importante para mim, de fiscalizarem e monitorarem toda a cadeia produtiva, alojamentos, áreas de vivência, alimentação. Essa é uma solução estruturante que resolve o problema, de modo a que a terceirização não signifique necessariamente a precarização do trabalho humano. Há outras possibilidades de terceirizar.
E aqui curiosamente, um ano depois, nós fomos a Bento Gonçalves e lá encontramos a Auditoria Fiscal do Trabalho. E a Auditoria Fiscal do Trabalho nos deu a boa notícia de que essas soluções estruturantes estavam, sim, se realizando e de que esse meio ambiente de trabalho que servia a essas vinícolas estava finalmente um ambiente harmonioso. E, portanto, a solução que eles encontraram foi reduzir drasticamente a terceirização, enquanto não saneavam por completo toda a sua cadeia de valor. E evidentemente isso é bom, é positivo, é aquilo que nós queremos que aconteça.
E para onde foram esses R$7 milhões de dano moral coletivo? Nós temos um projeto, no interior do Estado da Bahia, entre outros projetos de igual finalidade, mas eu me refiro aqui ao Projeto Vida Pós Resgate, que é resultado de um convênio da Fundacentro com a Universidade Federal da Bahia, pela sua fundação de apoio, e o Ministério Público do Trabalho, com apoio do Sebrae, com apoio da Embrapa, com apoio de municípios locais, Prefeituras locais. Esses recursos estão viabilizando que se formem associações com essas pessoas vitimadas pelo trabalho escravo, pelo tráfico de pessoas. Essas pessoas retornam à sua cidade de origem e não são revitimizadas.
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Eu estou à frente de um programa de enfrentamento do trabalho escravo, do tráfico de pessoas e de proteção ao migrante, e é angustiante nós percebermos como há uma recidiva, como essas pessoas, à falta de alternativa, voltam à condição de escravização.
Esse projeto busca fazer com que essas pessoas permaneçam em seus locais de origem. Elas recebem recursos suficientes. Aquela terrinha delas, que não servia para nada, porque ali não podia haver investimento... Aquilo ali vai servir para ser cedido em comodato - essa terra é cedida em comodato para essas associações.
Estão sendo construídos apriscos para ovinos, para caprinos. Existe plantação em curso de feijão. Aquela plantação, aquela cultura que é mais resistente à seca já se realiza lá: a palma, o capim de corte, por exemplo. As prefeituras têm cedido tratores para que essas culturas possam se desenvolver. Tudo isso é solução estruturante muito mais saudável do que eu, como juiz, condenar uma empresa porque ela está desenvolvendo trabalho análogo ao de escravo.
Então, parece-me que se o Senado Federal, se a Comissão de Juristas, tão bem formada, tão bem constituída, puder contribuir para que nós possamos ter, no mundo do trabalho, soluções estruturantes que escapem, que fujam, que se descolem dessa nossa realidade de processos trabalhistas - de processos judiciais, enfim, que servem apenas à monetização no conflito -, nós daremos um passo extraordinário.
Então, agradeço muito, ao Dr. Aras, ao Prof. Edilson Vitorelli.
Agradeço a todos pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, Ministro Augusto César.
A Comissão se sente honrada com a presença de V. Exa., que tem desenvolvido, historicamente, no Tribunal Superior do Trabalho - tem dado - os passos necessários para, no âmbito específico, demonstrar que o processo estrutural não tem um certo limite nos seus próprios limites processuais, substanciais, que lhe são impostos pelas necessidades sociais.
Muito obrigado a V. Exa., e fica o agradecimento da Comissão.
Muito obrigado.
O SR. AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO (Fora do microfone.) - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Convido o Prof. Rodrigo da Cunha Lima Freire, representante do Grupo de Pesquisa Fundamentos do Processo Civil Contemporâneo a tomar assento à mesa e fazer a sua exposição, por até dez minutos.
O SR. RODRIGO DA CUNHA LIMA - Quero aqui saudar o Presidente Augusto Aras, na pessoa de quem saúdo a todos os presentes, mas queria fazer uma saudação especial também a duas outras pessoas: ao meu querido amigo Edilson Vitorelli, que foi meu colega de Mackenzie e hoje é Relator desta Comissão, e ao Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que hoje não pôde estar presente, mas que honra o meu estado, o Estado do Rio Grande do Norte.
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Bem, eu venho aqui como representante da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É uma honra para a universidade o convite. Agradeço, em nome da universidade, este convite ao Presidente Augusto Aras. Inclusive porque este debate tem sido marcado aqui por um pluralismo de ideias e tem sido extremamente democrático. Então, eu me sinto bastante à vontade aqui para falar, eventualmente fazer algumas críticas, mas que certamente serão compreendidas.
Eu aqui no ano passado, aqui mesmo em Brasília, na Jornada de Direito Processual Civil do CJF, tive a oportunidade de tecer algumas críticas naquela ocasião a algumas propostas que foram feitas, e inclusive cheguei a dizer que processo estrutural não é nem processo, nem estrutural. Porque, da maneira como hoje ele existe, sem regras, sem balizas, não me parece que se trate propriamente de um processo. E eu acho que a lei deve contemplar uma série de balizas e uma série de regras para que ele realmente se torne processo e possa ser considerado, assim, como um processo.
Um aspecto que me parece muito importante diz respeito aos poderes do juiz. Quais são os poderes do juiz dentro de um processo estrutural? Porque um diálogo institucional é absolutamente saudável, mas o que faz o juiz dentro desse diálogo? Qual é o papel dele? O juiz deve ser uma espécie de conciliador? O juiz deve ser aquele que aplica medidas impositivas a um outro poder? E ele pode fazer isso? A gente precisa ter cuidado com isso, porque a gente está, muitas vezes, aqui no afã de resolver problemas estruturais... O meu conterrâneo Câmara Cascudo dizia o seguinte: "O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas". Muitas vezes, no afã de encontrar as soluções adiadas, nós estamos subvertendo o processo democrático, o processo político democrático. E nós não podemos permitir isso; não é essa a ideia.
Então, preocupa-me, muitas vezes, quando o Supremo Tribunal Federal profere uma decisão e essa decisão substitui a Presidência da República, e me preocupa muito mais quando o juiz de Passa e Fica, no interior do Rio Grande do Norte, profere uma decisão substituindo o Prefeito, porque acredita que ele não é a pessoa adequada para exercer o cargo, mas ele foi eleito pelo voto popular. Então, a gente precisa ter em mente quais são os poderes do juiz. Quais são os limites? "Ah, o Tema 698, do Supremo Tribunal Federal..." Não me diz nada. O Tema 698, do Supremo Tribunal Federal, não é lei, não é Constituição. "Ah, mas é extremamente aberto." É altamente aberto.
Outra coisa que me parece importante aqui dizer, e, portanto, só para fechar, é que não se pode fazer um bypass no sistema do processo político majoritário. No processo estrutural, não pode ser essa a via. Alguém pode dizer: "Mas essa é a crítica a todo o controle de políticas públicas feitas pelo Judiciário". Sim. É a crítica. Só que, no processo estrutural, o potencial disso é infinitamente maior. Então, quanto aos poderes do juiz, parece-me que é importante a gente ter uma fixação.
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Além disso, para além dos poderes do juiz, penso que é preciso realmente definir o que é um problema estrutural. E eu, ao contrário do Ministro, entendo que não dá para falar estado de desconformidade, estado inconstitucional de coisas. O que é isto: estado de desconformidade, estado inconstitucional de coisas? Nada. É o que eu disser que é.
Eu não posso ter um processo que é baseado no que eu disser que é. É preciso que se tenha uma clareza quanto a isso, porque, da mesma maneira que nós vamos ter um juiz como Fernando Gajardoni, aplicando esse processo, nós vamos ter também aquele juiz que é um sujeito que é apenas um prático do Direito, não é alguém com doutorado em Direito Processual Civil. Então, isso precisa ser fixado, e fixado com clareza.
Também me preocupa essa ideia de flexibilização de regras processuais relativas à congruência, relativas à estabilização da demanda, me preocupa. Aquilo que alguns chamam de amarras, eu chamo de garantias. Processo é sobretudo garantia contra abusos. A gente não pode transformar o processo estrutural num processo abusivo, apenas porque queremos resolver grandes problemas estruturais, ou encontrar as soluções adiadas, como diria Câmara Cascudo.
E há que se fazer uma diferenciação: uma coisa é a atipicidade de medidas executivas, aí, sim, você precisa ter uma flexibilidade; outra coisa é, na fase certificadora, você ter flexibilidade. Inclusive, quanto à elaboração do plano, é preciso também definir os poderes do juiz, porque hoje o que acontece muitas vezes é o juiz fazendo o plano e, quando não é o juiz fazendo o plano, o plano é devolvido ao administrador, porque ele não concordou com o plano. Então, ele virou o gestor, ele virou o administrador.
Eu também quero pontuar mais duas inquietações, são poucas inquietações.
Uma diz respeito aos honorários advocatícios. Como ficarão os honorários advocatícios no processo estrutural? Teremos alguma disciplina? Deixaremos ao deus-dará? Vamos colocar que os honorários serão em valores insignificantes porque estamos tratando de direitos fundamentais? Processo estrutural, que eu saiba, deve ter condenação em honorários, mas qual a regra a ser aplicada?
Outra inquietação diz respeito aos recursos. É preciso que se tenha uma recorribilidade ampla, sim, porque não é razoável que o juiz dê uma decisão certificadora e que não haja recorribilidade ampla dessa decisão.
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Para finalizar, só mais dois pontos, e esses pontos até são uma sugestão do querido amigo Henrique Mouta, Procurador do Estado do Pará. Em relação à tutela provisória, não é razoável que se tenha tutela provisória impositiva em processo estrutural a um outro Poder. Mais ainda: é preciso definir quando o colegiado é quem tem que se manifestar, porque em várias situações não será razoável...
(Soa a campainha.)
O SR. RODRIGO DA CUNHA LIMA - ... que o juiz, individualmente, profira aquela decisão; ao colegiado, sim. E, senão, o acesso tem que ser imediato ao colegiado.
Com essas considerações, eu queria agradecer e dizer que existem grandes juristas que estudam o processo estrutural, queridíssimos amigos - um deles aqui presente, o Prof. Edilson Vitorelli - e que, na verdade, assim, que tenhamos regras claras, absolutamente claras, para que realmente ele seja processo e estrutural.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Rodrigo da Cunha Lima Freire, pela importante contribuição de V. Exa.
Eu queria apenas registrar que nós estamos nessas audiências públicas, nos trabalhos que vão ocorrer até dezembro, exatamente porque nós sabemos que o tema é complexo, e daí a grande honra que nos foi atribuída pela Presidência do Senado ao nos confiar tamanho trabalho diante de um quadro absolutamente necessário ante os desastres naturais e, eu diria até, ante as vicissitudes sociais.
Então, essa não será a primeira vez que o Parlamento brasileiro ou o Parlamento em Estados democráticos senta-se com pessoas, com técnicos, com acadêmicos, com magistrados, enfim, com pessoas de profissões distintas para discutir grandes casos. Então, por isso nos honra muito a presença de todos que venham contribuir para que, ao final, tenhamos uma síntese, ao menos plausível, para encaminhar ao Senado Federal.
Apenas uma lembrança aqui a todos: não são alheios ao conhecimento dos processualistas, especialmente, a existência da técnica, dos procedimentos de jurisdição voluntária, graciosa ou administrativa, em que não há lide, não há parte, não há contraditório, mas há ampla defesa, enfim, a conversão em tese, até mesmo para alguns, daquele feito de jurisdição voluntária e contenciosa. Ou seja, nós temos um arsenal histórico processual posto pelo direito brasileiro ao longo da sua existência, e também alhures, em que contribuirão essas informações para que nós construamos o nosso modelo necessário às coisas do Brasil.
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Então, fica aqui a minha esperança e a lembrança de que em tudo que nós temos aqui há novidades, sim, mas também há um museu de velhas novidades, e nós podemos construir soluções adequadas para atender às grandes demandas que vivemos em distintas fases, sejam aquelas das tragédias naturais, sejam aquelas das tragédias sociais, inclusive aquelas que nós conseguimos evitar que acontecessem. Então, fica só essa breve frase aqui para a reflexão dos colegas todos que estão aqui conosco.
Muito obrigado.
Vamos passar agora a chamar a Profa. Patrícia Perrone, representando a Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do Supremo Tribunal Federal, a tomar assento à mesa e a fazer a sua exposição, por até dez minutos.
A SRA. PATRÍCIA PERRONE - Bom dia a todos. Começo dizendo que é uma honra poder participar desse debate aqui no Senado, diante desta Comissão. Cumprimento o nosso Presidente, o nosso Relator e todos os demais presentes.
Vou diretamente ao nosso assunto, porque o tempo é muito curto. Eu queria falar de três temas: eu quero falar sobre separação de Poderes, que acho que foi, inclusive, objeto da última exposição; sobre conceito de processos estruturais; e sobre o alcance da regulação dos processos estruturais. Esses vão ser os meus três objetos de manifestação.
Primeiro, sobre separação de Poderes, eu queria tentar falar de um lugar intermediário entre Poder Executivo e Poder Legislativo de um lado, e Poder Judiciário do outro. Eu estou há dez anos no Supremo Tribunal Federal. Sou assessora do Ministro Barroso, e estou Secretária de Altos Estudos do Supremo, que é a secretaria que cuida da interface entre o Supremo e a academia, das pesquisas do Supremo, etc. E os meus dez anos anteriores no Supremo foram passados trabalhando no controle concentrado e, dentro do controle concentrado, particularmente, com processos estruturais. E eu venho da advocacia pública. Sou Procuradora do Estado do Rio de Janeiro, de carreira, tenho 24 anos de procuradoria; e, portanto, embora hoje esteja dentro do Supremo, dentro do Judiciário, olhando os processos estruturais serem desenvolvidos, já estive no Executivo com incômodo sobre a intervenção judicial sobre as políticas públicas. Então, eu queria tentar conciliar essas duas visões.
Então, em primeiro lugar, é evidente que o Judiciário não é o locus, por excelência, para a formulação de políticas públicas. Formular políticas públicas significa alocar recursos que são escassos. Toda decisão de alocação de recursos implica desalocação do recurso de outro lugar. Toda decisão que diz "você vai fornecer esse remédio" significa tirar o dinheiro de alguma outra demanda de política pública, que às vezes pode ser mais essencial, preventiva do que aquela. Então, a intervenção do Judiciário tem problemas de legitimidade democrática, pois não são os juízes que foram eleitos para fazer a escolha dentro da impossibilidade de atender a todo mundo; tem problema de capacidade institucional, porque o Poder Judiciário não é dotado de técnicos em economia, de técnicos de saúde, de técnicos em violência em segurança pública.
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Então, ele não tem uma série de expertises das quais o Poder Legislativo e o Poder Executivo são dotados, que favorecem um diagnóstico mais preciso do problema de política pública, que favorecem um monitoramento da eficiência ou não daquela política, que permitem o reajuste daquela política etc. Estamos todos de acordo que o Poder Judiciário não é o locus por excelência.
A despeito disso, o Poder Judiciário vem sendo chamado a interferir sobre vários temas. E não dá para a gente negar que a interferência, eventualmente, faz também essas agendas andarem.
Eu queria chamar atenção para uma percepção que é que esta discussão sobre implementação de direitos por deficiência de políticas públicas por parte do Judiciário. Talvez a gente possa olhar para ela como dividida em três etapas.
Numa primeira etapa, era um mar de ações individuais. Tudo começou com as demandas de saúde, talvez, pedindo fornecimento de remédios para tratamento de portadores do vírus HIV. Depois, essas demandas foram se expandindo para outras áreas.
Ações individuais. O que a gente identificou nas ações individuais? Elas foram importantes, elas salvaram a vida das pessoas, mas elas são profundamente desorganizadoras das políticas públicas, porque elas desalocam o dinheiro de um lugar e realocam no outro lugar.
Um segundo momento dessa discussão foi patrocinado pela doutrina, dizendo "olha, talvez a solução estivesse em, não sendo emergencial a postulação, a demanda, isso ser tratado por meio de ação coletiva", porque, na ação coletiva, pelo menos o juiz consegue ter uma compreensão mais macro de quais são as consequências sistêmicas de fornecer esse medicamento não só para o João, mas para todos os demais que se encontram na mesma situação do João e qual é a consequência em termos de desalocação desse mesmo recurso.
Mas, nas ações coletivas, o Judiciário ainda está decidindo qual é a providência da vida que vai ser fornecida, na ação coletiva tradicional.
Qual é a diferença da ação coletiva tradicional para o processo estrutural?
É que a visão do processo estrutural é outra. A visão do processo estrutural é: temos aqui um problema altamente complexo, de violação massiva de direitos fundamentais, que é produto de alguma deficiência em uma política pública, e essa deficiência, normalmente, está ligada a uma desarticulação, a uma dificuldade de coordenação entre as autoridades que têm que cuidar desse assunto.
Eu, Judiciário, entendo que, em lugar de dizer como é que essa política pública tem que ser consertada, eu vou chamar todo mundo aqui que está envolvido nesse problema para conversar.
Então, vamos lá. A sociedade civil vem, as vítimas, as pessoas que estão sofrendo com o problema vêm, todas as autoridades que precisavam estar engajadas nessa solução vêm aqui para conversar.
Levantamos a carga informacional do processo, estamos colhendo todas as perspectivas a respeito de um mesmo problema. Agora, é com vocês. Vocês formulam o plano para a solução desse problema.
Isso supera o problema de legitimidade democrática, porque eu trouxe os próprios alcançados pelo problema para falar, eu trouxe as próprias autoridades que têm dificuldade de conduzir o problema para se manifestar. São elas, com base na assessoria técnica delas, com base na expertise técnica delas, que vão dizer para o Judiciário qual é a melhor solução.
Elas vão apresentar um plano, e o plano é homologado.
Aí, talvez, o Judiciário tenha um segundo papel importante que é acompanhar a execução desse plano, porque a experiência já mostrou que, se o plano não tiver a sua execução monitorada, às vezes, as mesmas dificuldades de coordenação se reproduzem na hora da execução, e aí o Judiciário vai ajudar a empurrar essa agenda. Então, quer dizer, a dinâmica dos processos estruturais - embora sejam processos mega, que queiram tratar da saúde indígena e da preservação do território indígena em todo o Brasil, que queiram tratar de todo o sistema carcerário brasileiro - é menos interventiva do que uma ação coletiva convencional, porque o Judiciário não está substituindo a política pública por aquilo que ele entende que é o mais adequado, ele está pedindo aos representantes eleitos que reformulem a política pública.
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Segundo ponto, relação entre conceito de processos estruturais e direitos fundamentais. O que, no final, legitima a intervenção do Poder Judiciário? A violação massiva de direitos fundamentais. Ainda que eu precise interferir em política pública, que não é da essência da atuação do Judiciário, o que provoca a interferência é que um direito fundamental está sendo frustrado, e ele não pode ficar alheio a isso. Ele não pode ficar alheio a isso porque a cidadania não compreenderia, o jurisdicionado não compreenderia por que, diante de uma violação massiva, o Judiciário se recusa a intervir. Ele não pode ficar alheio a isso porque é questão constitucional, é normatividade da Constituição. Então, de alguma maneira, o problema de violação a direitos fundamentais precisa ser endereçado.
Então, assim, eu acho que seria prudente e interessante, até para evitar a banalização dos processos estruturais, que a gente conseguisse fazer uma vinculação entre o conceito de direitos de processos estruturais e a violação a direitos fundamentais, violação massiva a direitos fundamentais.
E o terceiro ponto que eu queria abordar é fazer uma analogia aqui entre essa nova tecnologia, que são os processos estruturais - eu concordo com o nosso primeiro expositor no sentido de que eles não estão consolidados; ao contrário, a gente está nos primeiros momentos da vida dessa nova criança -, e a inteligência artificial. Toda nova tecnologia tem efeitos disruptivos, traz benefícios e tem problemas.
(Soa a campainha.)
A SRA. PATRÍCIA PERRONE - Então, quer dizer, toda nova tecnologia precisa de regulação, mas a regulação, quando a tecnologia está começando a existir, tem que ser cuidadosa para não matar a capacidade de criação e de experimentação. Então, se eu pudesse fazer uma sugestão, eu sugeriria que essa regulação cuidasse dos mínimos e que deixasse ainda algum espaço para a experimentação, porque a experimentação é da natureza dos processos estruturais.
Portanto, em síntese, processos estruturais são menos interventivos do que outros processos, do que outras decisões de ações coletivas em que o Judiciário substitui a vontade das partes; direitos fundamentais deveriam integrar o núcleo de definição do conceito de processos estruturais; e, se for possível, uma regulação que ainda permita algum espaço de flexibilidade e experimentação.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Profa. Patrícia Perrone, pela sua relevante contribuição para os trabalhos da nossa Comissão.
A SRA. PATRÍCIA PERRONE (Fora do microfone.) - Foi um prazer.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Convido a Profa. Daniela Moraes, representante do Grupo de Estudos em Processo Civil e Acesso à Justiça da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, a tomar assento à mesa e fazer a sua exposição, por até dez minutos.
Com a palavra, S. Exa. Dra. Daniela Moraes.
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A SRA. DANIELA MORAES - Bom dia a todas e a todos.
É uma grande satisfação estar aqui nesta manhã. Inicio a minha participação cumprimentando os eminentes: Presidente da Comissão de Juristas, o Subprocurador-Geral da República e Professor, Dr. Augusto Aras, colega de Universidade de Brasília; o Vice-Presidente, Ministro do STJ e Professor, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, também colega de Universidade de Brasília, o eminente Relator, Desembargador Federal e Professor, Dr. Edilson Vitorelli. É um prazer estar aqui ao seu lado.
Eu também cumprimento o jurista e integrante da Comissão, Advogado e Professor, Dr. Benedito Cerezzo Pereira Filho, a quem agradeço a indicação da participação do grupo de estudos em processo civil e acesso à Justiça, nesta manhã. É muito honroso para a academia e para a Universidade de Brasília estar aqui. Em sua pessoa, cumprimento também todos os demais integrantes da Comissão de Juristas. Agradeço à mesa de Secretaria da Comissão e a cumprimento.
Bom, como disse, é uma honra para a academia que a gente esteja aqui neste momento, nesta oportunidade, e que possa expressar toda a construção teórica e acadêmica que se desenvolve na nossa rotina e no nosso dia a dia. O grupo de estudos em processo civil e acesso à Justiça é um grupo bastante plural, composto por professores, professoras, estudantes de doutorado, de mestrado e também de graduação. Faço referência hoje aqui à Profa. Paula Pessoa, ao doutorando Rodrigo Nery, à mestranda Rayane Ayres Lima e à graduanda Rafaella Bacellar que se dedicam ao estudo do processo estrutural. Nas suas pessoas, integrantes do grupo, eu cumprimento todas as demais pessoas que se dedicaram e se comprometeram, nos últimos tempos, com a nossa contribuição que tentaremos oferecer aqui neste momento.
Bom, foram muitas reuniões, foram muitas discussões, são muitos pontos comuns com o que já foi dito aqui, e procuramos elencar quatro temas que acreditamos que sejam relevantes para fins de propositura e de reflexão da Comissão de Juristas.
Inevitavelmente, já repetidamente também, o grupo se preocupa com a conceituação do litígio estrutural, não necessariamente do processo estrutural, que é uma consequência, mas com a conceituação do litígio estrutural.
A proposta do grupo é a de que haja uma reflexão sobre a delimitação do conceito para os casos que tratam de reestruturação de instituições públicas e privadas, e que também recaiam sobre a delimitação de reestruturações de políticas públicas, também de políticas internas/privadas. Claramente, muitos argumentos já foram trazidos aqui relacionados a políticas públicas - sabemos da complexidade da abordagem -, mas a conceituação que possa tangenciar esses elementos, acreditamos nós que seria riquíssimo para que ficasse claro o procedimento a ser aplicado para situações identificadas como litígios estruturais.
O segundo ponto está relacionado à preocupação quanto ao pedido. Entendemos que o pedido, desde a propositura da ação, precisa ser certo e determinado; genericamente, em casos excepcionais, conforme o sistema processual civil já prevê. No entanto, em razão da diversidade dos litígios estruturais, da concepção de um litígio em curso, seria interessante que houvesse um momento de revisão, a possibilidade de revisão do pedido, obviamente, respeitando-se o contraditório.
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Então, a nossa proposta quanto à possibilidade de revisão do pedido seria que, em momento oportuno, a ser identificado, procedimentalmente pela Comissão, que o pedido pudesse ser revisto e que pudesse, obviamente, submetido ao contraditório, ser adaptado.
Há um terceiro ponto, que também entendemos relevante. Nós nos ativemos a tratar de questões iniciais, introdutórias, que pudessem contemplar a participação, justamente, porque o grupo tem a preocupação de lidar com o tema acesso à Justiça, pela perspectiva da participação social. Nós refletimos a respeito da representação adequada. Nos litígios estruturais e nas ações estruturais, portanto, é importante que se garanta a representatividade e a participação de todas as pessoas envolvidas, dos grupos atingidos, diretamente ou indiretamente, e, portanto, a proposta que idealizamos é que, para além dos grupos legitimados, a representação direta dos grupos atingidos seja observada, mas não só observada e aplicada a representatividade adequada, mas que ela também possa ser revista, em momentos oportunos, para, logicamente, entender e perceber se há necessidade de manutenção ou não daqueles representantes.
Por fim, em último ponto, também refletindo sobre a questão da participação, trazemos, aqui, à Comissão a reflexão a respeito das audiências públicas. A perspectiva dialógica dos processos estruturais, claramente, traz à tona a possibilidade e a necessidade de realização de audiências públicas. Pensamos, em vários momentos de discussão, que seria importante que houvesse uma obrigatoriedade de realização de audiência pública, ao término da fase postulatória ou de uma fase equivalente no procedimento estrutural à fase postulatória. A fase postulatória seria concluída e, ao concluir a fase postulatória, no momento de saneamento e organização do processo, que fosse realizada uma audiência pública.
Parametrizando, nós teríamos, como uma referência, o §3º do art. 357. Tomo a liberdade de fazer a leitura:
Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer as alegações.
Essa seria uma proposta de trazer os parâmetros do §3º do art. 357 para esse momento de encerramento da fase postulatória, para que se pudesse reconhecer o litígio como estrutural, categorizá-lo como litígio estrutural e, aí, então, a tomada de técnicas e medidas estruturais seriam observadas, dali em diante, delimitando-se fatos, direitos, observando-se a necessidade de flexibilização procedimental ou não, observando-se também a necessidade de aplicação do ônus dinâmico da prova ou de convencionar aquilo que fosse importante e necessário pela perspectiva do Poder Judiciário, mas com a colaboração, cooperação e participação de todos os interessados, de todos os legitimados e representantes dos legitimados.
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Preparei a fala para que ela fosse curta, para que ela não fosse tão repetitiva. Esperamos, enquanto grupo de pesquisa, de fato, contribuir com as propostas realizadas e, oportunamente, se pudermos, encaminharemos outras tantas propostas relacionadas a outros tantos pontos não eleitos para este momento, mas tão importantes quanto.
Muito obrigada. Agradecemos.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito agradecido, Profa. Daniela de Moraes, mais uma importante participação. Estão anotadas todas as sugestões de V. Exa. e de todos que têm participado dos debates. Então, além das contribuições já registradas em audiências pela via do sistema da rede mundial de computadores, todas as sugestões estão sendo anotadas pela organização e creio que por mim, na Presidência, e também pelo eminente Relator. Então, isso tudo fará com que nós, num momento seguinte dos nossos trabalhos, discutamos amplamente todas essas questões, que são relevantes. Eu quis, na fala anterior, exatamente dizer que nós temos uma experiência, um histórico do processo civil brasileiro e de alhures, e aqui nós estamos buscando a construção de um novo momento legislativo capaz de pôr em prática soluções negociadas para grandes questões não só naturais, mas também sociais.
Aproveito a oportunidade para chamar agora o Professor Flávio José Roman, Advogado-Geral da União Adjunto, a tomar assento à mesa e fazer sua exposição por até dez minutos.
O SR. FLAVIO JOSÉ ROMAN - Bom dia a todos e todas presentes, àqueles que nos acompanham pela internet, àqueles que estão aqui presentes.
Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Juristas, Dr. Augusto Aras, ilustre Relator Edilson Vitorelli, demais membros desta respeitável Comissão, é com profunda deferência que eu compareço a esta Comissão de Juristas a que foi confiada a nobre missão de elaborar o anteprojeto sobre lei estrutural do Brasil. Agradeço a honra de contribuir em nome da Advocacia-Geral da União, e, com base nessa experiência institucional, então, a minha fala não é uma fala apenas da minha experiência profissional, mas contou com a contribuição de inúmeros colegas, principalmente da Secretaria-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a quem eu agradeço pelos informes que me fizeram para esse importante e capital aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico.
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O debate, então, é concernente ao processo estrutural e tem suscitado consideráveis preocupações, como todos vimos ao longo das exposições que aqui houve. Um eventual ativismo a partir desse processo judicial estrutural, dessa intervenção no Judiciário em matérias que, tradicional e constitucionalmente, são da competência a priori e exclusiva do Legislativo e do Executivo pode transformar o processo estrutural num palco de disputa indesejável entre os Poderes. Conquanto se apresente como uma inovação apta a solucionar litígios de elevada complexidade, como a gente tem visto ao longo do dia de hoje, ela não está imune a críticas ante os prejuízos que pode causar eventualmente à ampla defesa das partes, além de uma sobrecarga do Judiciário. Talvez uma questão que possamos nos formular é se estamos exigindo do Judiciário mais do que o próprio Judiciário é capaz de nos fornecer. E isso pode gerar incertezas jurídicas. Ademais, uma excessiva flexibilização e fluidez procedimental podem acarretar outros problemas, como questões orçamentárias ou ainda discussão sobre a tripartição de Poderes, como foi apontada, há pouco, pela Dra. Patrícia Perrone.
A crescente judicialização de políticas públicas sem um marco normativo claro, então, em faltando esse tratamento adequado que assegure segurança jurídica, que respeite as competências constitucionais dos Poderes e que, ao mesmo tempo, promova direitos fundamentais, é o desafio maior desta Comissão de Juristas.
Com a finalidade de organizar os debates, de forma muito acertada, o Relator da Comissão nos propôs uma pergunta: qual aspecto do processo estrutural você entende que depende de uma regulamentação específica? Essa pergunta, todavia, pressupõe outra pergunta antecedente, que é a seguinte: nós precisamos de uma legislação formal para o processo estrutural? E a essa pergunta eu responderia indubitavelmente: sim, precisamos de um processo estrutural.
Embora o Dr. Rodrigo da Cunha Lima Freire tenha apontado aqui a possibilidade de dizer se existe ou se ele está consolidado, talvez a falta dessa consolidação seja um dos aspectos que mais justifique a necessidade de um processo legislativo que determine os contornos desse processo estrutural, porque é justamente essa fluidez e essa flexibilidade que são os objetos maiores das preocupações da Advocacia-Geral da União.
Então, as ações estruturais, diante dessa excessiva plasticidade que a falta de um contorno legislativo traz - aliás, a própria falta disso, desse contorno legislativo claro, já tisna de insegurança jurídica os processos institucionais -, já nos levam a perguntar sobre o que estamos falando quando tratamos desses processos estruturais. E, para me preparar aqui para a fala, eu me vali de um precedente do Supremo Tribunal Federal que foi proferido no bojo da ADPF 347, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, em que ele diz o seguinte: "Os processos estruturais têm por objeto uma falha crônica no funcionamento das instituições estatais, que causa ou perpetua a violação a direitos fundamentais. A sua solução geralmente envolve a necessidade de reformulação de políticas públicas". Ora, não há como negar que a formulação e a reformulação de políticas públicas cabem prioritariamente ao Legislativo e ao Executivo, sem prejuízo, certamente, de um controle jurisdicional. No entanto, sem delimitações claras, sem uma legislação precisa, esse controle se transforma - ele mesmo - num fator de insegurança, numa perpetuação das demandas ou numa solução em cadeia, como foi apontado por um dos palestrantes.
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Então, nesse campo, o processo estrutural pode se tornar uma arena para desnecessários embates entre os Poderes da República e ainda se mostrar incapaz de resolver o problema estrutural. Além disso, a perpetuação da fase de cumprimento das ações estruturais acaba se tornando um fator de insegurança jurídica para o próprio gestor, que sempre vê uma camada adicional ser acrescida aos seus deveres.
Foi com essa perspectiva de formular propostas que confiram maior segurança jurídica e que prestigiem a harmonia entre os Poderes que me preparei para falar para V. Exas. E, de partida, eu tomo uma ousadia, uma ousadia de se contrapor àquilo que foi dito pelo Prof. Fredie Didier na tarde de ontem. Ele disse e defendeu, como muitos autores aqui, um processo minimalista, um processo que permitisse a plasticidade em função disso, e que não deveríamos correr o risco de pretender um projeto de lei em que tentássemos resolver todos os problemas estruturais relativos a essas questões de políticas públicas.
Pois bem, eu diria que um processo minimalista não seria capaz de oferecer a segurança jurídica necessária para essas decisões e teria potencial para aumentar o conflito entre Poderes. E, em contraposição, eu diria que, assim como não podemos ter um projeto de lei que tenha a pretensão de resolver todos os problemas, a gente não pode esquecer que também temos juízes e procuradores que se imaginam capazes de, mediante um único processo, resolver todos os problemas relativos a uma determinada política pública. E, em função disso, precisamos dar contornos seguros.
Veja que isso não é uma crítica ao Judiciário. Eu não tenho dúvida alguma de que esses magistrados e esses procuradores estão com a sua maior boa vontade para resolver, estão totalmente bem-intencionados, mas muitas vezes essa boa intenção vem acompanhada de uma convicção e de uma certeza que é própria e exclusiva das pessoas que não conhecem mesmo a política pública para a qual estão empregando ou não têm conhecimento dos efeitos reflexos que essas tomadas de decisão podem causar em outras políticas públicas, notadamente na alocação orçamentária, da qual o meu amigo Fabrício Da Soller deve tratar em breve.
Então, eu fiz algumas sugestões pautadas por essas ideias de transferir ou de conferir uma maior segurança jurídica e separei-as em duas partes: uma de direito mais material e outra de aspectos mais processuais. Espero que dê tempo de falar tudo nesses dez minutos.
O ponto inicial seria uma regulamentação que delimitasse o objeto e que assegurasse as prerrogativas da administração pública, notadamente naquilo que se convencionou chamar de discricionariedade, de análise de conveniência e oportunidade, que apenas um gestor público pode fazer diante de circunstâncias e até de escolhas trágicas, como a gente pode ver no fornecimento de medicamentos de alto custo, por exemplo.
É preciso definir onde serão colocados e alocados os recursos escassos e, muitas vezes, o deferimento de uma decisão judicial que aloca recursos para uma determinada situação retira-os de uma outra política pública. Os desejos, os anseios e, muitas vezes, até as promessas constitucionais são infinitas, mas os recursos orçamentários, como nos lembra sempre a SOF, são finitos.
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Então, em vez de desprezar as capacidades institucionais, é preciso que o magistrado, na condução desse processo, efetivamente prestigie as capacidades institucionais e tenha uma postura um tanto quanto mais reativa. Então, um dos aspectos que a gente apontaria, mais à frente, seria que, na segunda fase, notadamente na de cumprimento, ou seja, depois de já caracterizada a situação de flagrante inconstitucionalidade ou inconformidade por conta da não atuação, o plano fosse apenas homologado pelo magistrado, que ele tivesse uma postura que se resumisse a homologar, uma vez que fosse apresentado o plano pela autoridade e que não fosse apontado nenhum descumprimento da decisão proferida na primeira fase. Isso seria capaz, inclusive, de dar termo à situação, inclusive com a possibilidade de que órgãos externos ao próprio Judiciário, evitando uma sobrecarga, fossem afastados dessa fase de acompanhamento. Se necessário, novas ações estruturais poderiam ser ajuizadas em função disso.
Além disso, a gente teria que ter o cuidado com medidas cautelares proferidas em processos estruturais, porque essas medidas podem obstar outras políticas públicas, e a impossibilidade também de utilizar as ações estruturais como sucedâneos, notadamente em primeiro grau de jurisdição, de ações diretas...
(Soa a campainha.)
O SR. FLÁVIO JOSÉ ROMAN - ... de inconstitucionalidade. Esse seria um dos aspectos a serem abordados.
Outro aspecto que a gente considera relevante seria a criação de uma primeira fase, e aqui eu já adentro nos aspectos processuais, seria efetivamente ter uma fase de admissibilidade das ações estruturais. Efetivamente, aquela proposta que foi formulada é uma ação estrutural? Ela não é um sucedâneo de uma ação direta de inconstitucionalidade? Mais do que isso, existe uma pretensão resistida com relação ao poder público? Muitas vezes se imagina, quando se propõem essas ações estruturais, um gestor mal-intencionado, um gestor que não quer promover, de fato, a política pública e que não quer colocar em curso os direitos fundamentais. Isso não é, nem de longe, a realidade dos gestores públicos...
(Soa a campainha.)
O SR. FLAVIO JOSÉ ROMAN - ... e falo dos meus 25 anos em que presto assessoria jurídica a diversos gestores públicos: todos eles querem realizar esses preceitos fundamentais na sua maior medida, como preconiza a boa doutrina, mas há dificuldades reais dos gestores, há dificuldades orçamentárias condizentes, há outras políticas públicas que denotam prioridade e que justificam que, naquele momento, não seja possível a implementação tal como desejada pelo Poder Judiciário, e essas dificuldades têm que ser enfrentadas.
Para não ocupar mais o tempo, Excelência, considerando, inclusive, que a gente tem a Dra. Andrea Dantas, que está nos acompanhando pela TV Senado dentro da Comissão, outras propostas serão formuladas.
Agradeço muito a oportunidade de ter a possibilidade de debater esses temas, que são fundamentais e estruturais para toda a advocacia pública federal. Deixo à disposição todos os órgãos. E agradeço ainda a possibilidade de questões orçamentárias serem tratadas por quem mais entende do riscado, que é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no âmbito da Advocacia-Geral da União.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Flavio Roman. A contribuição de V. Exa. aqui está registrada. Muito obrigado pela sua participação.
E certamente esses assuntos virão à baila, com ampla discussão, especialmente agora, pelo Prof. Fabrício Da Soller, Subprocurador-Geral da Fazenda Nacional, que convido para tomar assento à mesa e fazer sua exposição, em até dez minutos. E certamente S. Exa. vai abordar, já adiantado aqui pelo Dr. Roman, a questão do orçamento, que, para nós, é um dos pontos, eu diria, substanciais, não só processuais, mas substanciais e dos mais controvertidos em todo o nosso processo estrutural.
Com a palavra, V. Exa.
O SR. FABRÍCIO DA SOLLER - Muito obrigado. Bom dia a todos e todas. Cumprimento a todos os membros da Comissão e a quem nos assiste, na pessoa do nosso Presidente, o Subprocurador-Geral Augusto Aras. Cumprimento também o nosso Relator, Desembargador Edilson Vitorelli.
E procurarei aqui fazer uma exposição em nome da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em nome da nossa Procuradora-Geral, Dra. Anelize, que me incumbiu com essa tarefa, e do nosso Vice-Ministro da Advocacia-Geral da União, Dr. Flavio, para tratar de alguns aspectos que eu delimitaria como sendo o problema da alocação e da aplicação dos recursos públicos para a superação daquilo que se convencionou chamar de estado de coisas inconstitucional.
E aí, eu já vou me valer principalmente da nossa experiência do Supremo Tribunal Federal. O Dr. Nabor Bulhões ontem comentava, na sua fala, da importância de termos a atuação do Supremo, os instrumentos do Supremo como um dos nossos nortes. Então eu, ao longo da minha fala, também me aterei mais à experiência que nós temos tido na nossa Suprema Corte.
E ao nosso ver, tentando também contribuir com objetividade, como pediu ontem o Dr. Edilson, problemas há muitos, mas estamos aqui para trazer soluções. Então, ao nosso ver, um dos aspectos que seria importante o direito positivo trazer nessa matéria seriam os limites à atuação judicial, a fim de se evitar esse conflito institucional entre Poderes da República, especialmente no que tange às escolhas públicas, que já foi mencionado em mais de uma apresentação nesta manhã.
E a ideia que está por trás disso é uma ideia que obviamente não está ligada apenas ao direito, aparece em outros campos do conhecimento, mas no direito, nós até admitimos, com muita tranquilidade, que os direitos são limitados por outros direitos, mas nós não admitimos com a mesma tranquilidade que os direitos também são limitados por considerações de ordem política e financeira. É natural que seja assim, que os direitos sejam limitados por essas considerações, porque eles só são promovidos ou protegidos por políticas públicas, não há outro meio de fazê-lo. E políticas públicas dependem necessariamente de recursos públicos. Como sabemos, são escassos. Ao fim do dia, direitos são limitados, sim, pela escassez de recursos públicos, aquilo que se convencionou também chamar de reserva do possível. Mas qual é a instância a que a Constituição da República atribuiu a tarefa de definir quais direitos serão mais protegidos e quais serão menos protegidos? À política.
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Estamos aqui no Congresso Nacional, e é no Congresso Nacional - no âmbito federal, obviamente -, é na Câmara, é no Senado, é no Poder Executivo; ou seja, é o Parlamento, é o Poder Executivo, que são os Poderes constituídos pela própria Constituição para fazer essas escolhas públicas, para fazer as escolhas alocativas, o que nem sempre é fácil. Aliás, sempre é muito difícil e, em algumas vezes, como escreveram Calabresi e Bobbitt, são trágicas essas escolhas. Sempre haverá direitos desguarnecidos. Nenhuma política pública, nenhum direito possui a sua máxima efetivação - isso não existe. Às vezes a gente ouve isto em julgamentos: que a vocação do Poder Judiciário é para conferir a máxima efetividade aos direitos fundamentais, sendo que isso, absolutamente, não existe.
Essa materialização das escolhas públicas vai se dar num documento que não é apenas jurídico - apesar de, obviamente, ser um documento jurídico -, é um documento administrativo, é um documento de gestão pública, mas também e, principalmente, é um instrumento político, que é toda a nossa legislação orçamentária, que vai desde a Constituição da República, passando por Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária e atos infralegais. São esses documentos - insisto: jurídicos sim; administrativos, sim; mas essencialmente políticos -, são esses instrumentos que veiculam essas escolhas públicas.
E por que essas escolhas públicas devem ser feitas por essas duas instâncias, Legislativo e Executivo? Em decorrência, como diz o Ministro Barroso, do princípio democrático, da soberania popular que está inserida no princípio democrático. E vejam, senhores e senhoras: o Poder Executivo e o Poder Legislativo, quando fazem essas escolhas públicas, não singularizam uma política pública, eles levam todas as políticas públicas em consideração. No mecanismo de decisão de qual direito receberá mais ou menos, eles levam em conta todas elas.
Já o Poder Judiciário, quando é chamado para definir uma determinada violação a uma política pública, analisa de forma singular; ele não tem mecanismos para considerar as consequências distributivas da sua decisão, que recairão, ainda assim - porque elas existem - no Executivo e no Legislativo.
Mas o que se propõe?
Já vou encaminhando aqui o final da minha fala.
Propõe-se uma deferência do Poder Judiciário às escolhas públicas. Em alguma medida, aquele tema que já foi mencionado nesta manhã, o Tema 698 do Supremo Tribunal Federal, aponta para isso - em alguma medida, ele aponta para isso. O Supremo se recusa a se substituir ao administrador, ao gestor, às escolhas públicas naquele caso concreto, ainda que a formulação da tese tenha ficado, obviamente, como às vezes ocorre, um tanto quanto abstrata. Mas o caso concreto demonstra que o Supremo teve uma compreensão de deferência com relação às escolhas públicas. A ideia, insisto, que está por trás disso é a de que a Constituição é implementada, primordialmente, pela política. Só o campo da política é que consegue lidar com essas consequências distributivas das decisões alocativas. Como eu disse, o Judiciário está até impedido de fazê-lo. Nas vezes em que, porventura, a gente encontra uma decisão que tenta solucionar isso... Eu tive uma experiência nesse sentido na época em que fui assessor-chefe da assessoria consultiva do TSE. Um juiz determinava ao TSE que pagasse o tratamento de saúde de um determinado jurisdicionado com recursos do Fundo Partidário, que é distribuído pelo TSE mensalmente aos partidos políticos, ou seja, aquele magistrado decidiu que, para fortalecer o direito à saúde de uma determinada pessoa, no fundo, a democracia, que é veiculada pelos partidos políticos no nosso sistema, deveria ser enfraquecida. Ele se substitui à decisão alocativa dada no orçamento - quando o Congresso Nacional aprova um orçamento para o Fundo Partidário - e entendeu que aquele recurso seria mais bem aplicado para um determinado tratamento de saúde.
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Então, resumindo a minha fala dando alguma proposta para esses problemas que foram expostos: a prestação jurisdicional não pode avançar no campo das escolhas públicas para condicionar as decisões orçamentárias. Por vezes, nós temos visto...
(Soa a campainha.)
O SR. FABRÍCIO DA SOLLER - ... que isso tem ocorrido.
Numa das sessões do Supremo em que se discutiu um processo estrutural, chegou-se a cogitar, por exemplo, a imposição de que o Poder Executivo editasse uma medida provisória para a abertura de crédito extraordinário para que determinada política pública fosse implementada no ano em curso, e que, para os anos subsequentes, aquilo deveria ser considerado. Então, vejam que nós temos, sim, a necessidade de trazer para o direito positivo essas limitações, que devem ser postas ao Poder Judiciário nessa matéria.
Muito obrigado pela deferência da oportunidade. Eu agradeço, em nome da advocacia pública, da PGFN, poder contribuir de alguma forma para esse importante debate.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, Dr. Fabrício Da Soller.
Contribuições anotadas. Vamos debatê-las amplamente.
Muito obrigado.
Encerrado o primeiro bloco de convidados, passo a palavra ao Relator para que faça suas considerações, caso assim o deseje.
O SR. EDILSON VITORELLI - Muito obrigado, Sr. Presidente. Foi uma manhã bem densa aqui de debates.
Deixe-me só pautar algumas questões aqui. Eu, primeiro, quero reiterar minha lembrança de ontem. A função que o Senado muito honrosamente me atribuiu é de Relator, não é de redator. Então, a quem quer ver redigidas suas sugestões eu recordo que deve redigi-las e enviá-las a nós, da Comissão, para que a gente possa considerá-las. São todas considerações muito pertinentes. Eu sei que os problemas são muitos e a gente precisa desse auxílio. Temos pouco tempo para que essa redação possa ser amadurecida por todos nós.
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Eu vou aqui, Dr. Aras, fazer uma consideração baseada na sua feliz expressão, do museu de velhas novidades.
Aqui, há alguns anos, a Igreja Católica disse que, se existir vida extraterrestre, ela tem alma e deve ser respeitada. Isso é bem diferente do que nós estamos fazendo aqui. O processo estrutural existe; ele está aí. Então, há muitos casos, todos conhecem os casos; os casos estão sendo feitos. A escolha que nós temos a fazer aqui não é se ele existe ou não existe. A escolha que temos a fazer é se ele vai continuar existindo como existe, sem regras específicas, ou se ele vai existir com regras especificamente pensadas para ele.
O Senado Federal - não fui eu, não foi o Dr. Aras - escolheu debater isso, e veja que aqui nós não estamos discutindo no Supremo, nem lá no meu tribunal. Não foi uma escolha do Judiciário debater regras para o processo estrutural; foi uma escolha do Senado Federal. O Senado Federal achou melhor, o Presidente do Senado Federal achou melhor que se debata uma lei para regular processos que tenham esse objeto específico.
Outro ponto: esses processos já existem e já têm rito. Quando estão no Supremo, eles seguem o rito da ADPF, da ADI, da ADO. Quando estão em primeiro grau, eles seguem o rito da ação civil pública. Então, nós também não vamos inventar um rito, porque o rito já existe. O que nós estamos aqui é pensando em ajustes procedimentais que sejam necessários para os ritos que já existem. Os ritos estão aí; não é um processo completamente anômico que tramita sem regra alguma, que tramita do jeito que alguém quer que seja.
Terceiro ponto, eu tenho muito receio, e isso acontece muito no Brasil hoje com essas questões de notícias jurídicas, a gente tem muitos portais de notícias jurídicas, e é claro que, como se costuma dizer na sabedoria popular: quando o cachorro morde um homem não é notícia; quando o homem morde o cachorro, é notícia. Claro que os portais sempre se focam nas decisões absurdas, aleatórias, ridículas, não no grosso, não nos 99,9%, que são decisões comuns, usuais, de juízes de bom senso, bem temperados, e que ponderam as suas decisões como deveriam fazer.
Então, eu acho que a gente deve sempre pensar na regra e não na exceção, e deixar que a exceção seja resolvida pelos mecanismos de solução, que é o sistema recursal. O sistema recursal está aí para isso. Então, se o juiz de primeiro grau toma uma decisão absurda, como essas que foram relatadas aqui, de mandar transferir recursos, para isso tem recurso. E o que a gente percebe no nosso sistema recursal, que é generosíssimo - talvez seja o sistema recursal mais amplo do mundo, você pode recorrer de tudo -, é que os recursos, usualmente, vão encontrar outros juízes para confirmar ou revogar essas decisões, e que, usualmente, se as decisões são tão ruins assim, elas vão acabar sendo reformadas em algum momento e provavelmente não serão cumpridas.
A questão não é se a decisão foi tomada, é se ela foi tomada em termos finais, depois de passar por todo o crivo do sistema recursal, essa decisão prevaleceu ou não prevaleceu.
E aí, eu pego o felicíssimo exemplo do Tema 698. Na minha época, quando eu era aluno, os professores reclamavam que a gente só lia as ementas dos julgados. Hoje ficou pior, os alunos só leem o tema, não leem nem a ementa mais. Então, o caso do Tema 698 é, de fato, um caso riquíssimo, porque o que se pedia ali? Mandar o poder público fazer concurso público, e se dizia, inclusive, exatamente quantos cargos, quais especialidades deviam constar do edital. Então, era uma intervenção muito profunda na política pública o pedido inicial. O que fez o Supremo Tribunal Federal no Tema 698? Disse: "Não, eu não vou pegar e mandar fazer concurso para x médicos ortopedistas, y técnicos de enfermagem. O que eu digo é o seguinte: Olha, você precisa resolver isso aí. Tem uma deficiência de pessoal. O serviço não está sendo prestado. Resolva isso aí". Então, acho que isso é muito importante, a gente vive num mundo de alternativas. O que eu venho dizendo, e venho escrevendo isso há muitos anos, a Dra. Patrícia disse isso muito bem, o que eu venho dizendo há muito tempo é, nós até podemos não gostar do processo estrutural, a gente pode não gostar de qualquer coisa, a questão é: qual é a alternativa a ele?
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E eu estou muito seguro de que a alternativa é pior, porque a alternativa ou é a litigância individual absolutamente descontrolada, ou é um processo coletivo como esse do Tema 698, que manda fazer concurso para esse cargo, esse cargo, esse cargo, aquele cargo. E isso tudo é muito pior.
Não existe essa alternativa zero, não existe alternativa zero. Ninguém fará nada, vamos todos lavar as mãos e deixar que a vida siga, essa alternativa não existe, essa alternativa não existe. Tanto não existe, meus caros e minhas caras, que eu quero contar a vocês um caso que não é do Brasil, é de Portugal.
Em Portugal, os juristas portugueses estão, nos últimos tempos, importando não só a ideia de processo estrutural, como estão literalmente importando livros de processo estrutural brasileiros, porque eles estão muitíssimo preocupados, porque, em Portugal, alguns casos vêm se mostrando tão problemáticos quanto no Brasil, em situações como essa.
Um deles foi divulgado recentemente na imprensa brasileira, que é o caso dos migrantes portugueses, pessoas que migram para Portugal, migram em situação regular, porém o Estado português, em razão do grande número de migrantes nos últimos tempos, não está tendo condições de processar os requerimentos de visto temporário, residência, etc., etc. Isso faz com que essas pessoas, conquanto tenham o direito de permanecer em Portugal, acabem ficando em situação irregular. E aí não conseguem abrir conta em banco, não conseguem viver suas vidas. Isso foi divulgado na imprensa brasileira, porque isso está acontecendo com os brasileiros, claro, com muitos migrando para Portugal - semana passada.
E aí, o que começou a acontecer em Portugal? As pessoas, parte desse grupo de migrantes, começaram a ajuizar ações individuais para obrigar o Estado português a analisar os seus requerimentos de permanência, de regularização. E o que o Judiciário português, e aí, de novo, não estamos falando do Brasil, estamos falando de Portugal, o que o Judiciário português começou a fazer? Conceder as ordens, e a dizer: "Sim, analise, analise, analise, analise". Isso está gerando uma preocupação dos juristas portugueses pelos mesmos motivos que geram em nós. Quem são as pessoas que têm acesso à Justiça num contexto de migração? São as mais pobres, são as mais vulneráveis? Claro que não. É o estrato mais qualificado, rico, bem informado dessa população que está sendo beneficiado por essas ordens judiciais individuais.
Então, eu entendo as resistências de alguns, entendo, sobretudo as resistências de quem é réu dessas ações, porque a gente não quer ser réu em nada, não é? Mas essa é a alternativa que não existe. As pessoas vão ser rés dessas ações, públicas ou privadas.
E aí, de novo, processo estrutural não é intervenção em política pública. Tanto que a intervenção em política pública ocorre há muitos anos. Antes de qualquer pessoa usar a expressão processo estrutural no Brasil, já havia intervenção em políticas públicas.
Processo estrutural não é um processo de intervenção em políticas públicas. Processo estrutural é um processo de intervenção em uma situação de ilegalidade, disseminada, etc., etc., que também se aplica às políticas públicas, mas se aplica, como o Ministro colocou muito bem, a atividades privadas, atividades trabalhistas, atividades variadas.
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Então, no universo finito de alternativas que nós temos, o processo estrutural me parece uma alternativa muito melhor, muito menos iníqua, muito menos desorganizadora do que as outras que estão disponíveis. E até mesmo Portugal se interessa por esse assunto hoje, dado o fato de que as ações individuais estão sendo ajuizadas lá e estão gerando exatamente o mesmo efeito que geram aqui: o efeito de desorganização da política estatal, o efeito de desorganização da política orçamentária, o efeito de beneficiar aquelas pessoas que têm mais acesso à Justiça em detrimento das pessoas que têm menos acesso à Justiça, ainda que estas últimas possam estar até em situação pior do que a situação das primeiras.
Então, eu acho que a escolha do Senado Federal nesse aspecto é muito feliz, e eu sigo esperando de todos aqui que a gente possa receber muitas contribuições dos dispositivos para endereçar todas essas preocupações e deixar muito claro, muito claro mesmo, que quem diz que o processo estrutural pretende reforçar a intervenção judicial em políticas públicas é ignorante, é uma pessoa que ignora o que está sendo escrito sobre o processo estrutural, porque não é isso. O processo estrutural não pretende reforçar. O que o processo estrutural pretende fazer, pelo contrário, é diminuir, é organizar, é moderar, é dizer: "olha, estamos aqui, temos um problema, vamos chamar todo mundo, vamos conversar, vamos ver o que a gente pode fazer".
Se não quiserem isso, vamos dar ordem, porque o Judiciário tem a caneta. Então, se não quiserem isso, tudo bem, vamos dar ordem, vamos mandar fazer concurso, vamos mandar comprar, vamos mandar fazer, exercendo a autoridade da Constituição. Mas me parece - pareceu ao Senado Federal - que isso é pior, e tem parecido a muitos juízes. Tem parecido ao Supremo Tribunal Federal, tem parecido a muitos juízes.
Então, acho que a gente consegue caminhar bem nessa parte dessas premissas comuns. A premissa comum é: "não queremos intervir em políticas públicas, não queremos reforçar a intervenção de políticas públicas". Ninguém quer isso, ninguém que escreve sobre processo estrutural nunca disse isso. O que se quer é melhorar o modo como essas situações são endereçadas pelo Judiciário, apenas isso.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, conselheiro... Perdão! Desembargador Edilson, Relator - que é nosso conselheiro também.
A síntese que V. Exa. apresentou é magnífica, porque em meio aos trabalhos da Comissão, criada pelo Senador Presidente em maio deste ano, desde então eu venho sendo instado, muito mais pela confiança das pessoas que estão envolvidas na busca de soluções para grandes conflitos e tragédias naturais no Brasil, a buscar soluções que já adotávamos em outros casos, especialmente lá em Minas Gerais e, agora, no Rio Grande do Sul também.
E eu digo, obviamente, que não ocupo mais o cargo de Procurador-Geral da República - oportunidade em que pude contribuir para mediar, sem o nome de mediação, mas com o bom senso, com princípios gerais, com a experiência das máximas recomendáveis para a busca do senso do justo -, que eu não poderia interferir para contribuir, mas que faria na Comissão, evidentemente, que levaria essas dificuldades.
Então, só contribuindo para a fala de V. Exa., quero dizer que temos problemas acontecendo em alguns dos grandes casos estruturais do Brasil hoje, exatamente pelo desencontro - eu poderia usar uma palavra mais popular -, pelo bater de cabeças de representantes do próprio Poder Executivo, em distintas áreas, do Poder Executivo federal, estadual e municipal, e do Poder Legislativo. E não há, em razão da sua natural verticalização, no Judiciário, um conflito, mas está havendo conflitos entre segmentos do Executivo, do Legislativo e da iniciativa privada em grandes cases estruturais, e não apenas em um ambiente, mas em outros tantos.
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Então, faço essa abordagem apenas para dizer que pessoas me procuram para saber no que o processo estrutural pode ajudar, para compor aqueles quadros. Eu, eventualmente, falo com um ou outro que encontro casualmente, a que tenho acesso ou que me procuram. Mas a dura realidade é que o processo estrutural, que aqui nós estamos buscando alcançar, tem essa utilidade e necessidade que é compor esses conflitos estruturantes ou estruturais; e eu diria conflitos até com alguma cautela, porque nós sabemos que tudo que se quer, numa tragédia de qualquer natureza, é a redução dos maiores prejuízos, porque os prejuízos são inevitáveis.
Então, eu passo agora a palavra aos membros inscritos, e o primeiro deles é o Prof. Matheus Casimiro.
O SR. MATHEUS CASIMIRO GOMES SERAFIM - Primeiramente, bom dia. Obrigado pela palavra, Presidente. Cumprimento o senhor, cumprimento o amigo Edilson, pela brilhante fala, que eu subscrevo integralmente. É muito boa a sua posição, Edilson. E cumprimento todos os colegas aqui nesta manhã.
Assim, de fato, o processo estrutural não está em pleno desenvolvimento ou plenamente desenvolvido no nosso país, porque, se estivesse, a gente nem precisaria estar aqui nessa manhã. A gente não precisaria de um projeto de lei, se ele já estivesse plenamente desenvolvido. Mas afirmar que ele não existe é não só ignorar o que acontece no Supremo Tribunal Federal, mas ignorar, por exemplo, o que a Cíntia Brunetta falou ontem. A juíza Cíntia Brunetta atuou em um processo estrutural dez anos antes do primeiro livro de processo estrutural ser lançado no nosso país, que foi o livro do Prof. Marco; depois o grande artigo do Prof. Sérgio Arenhart, e o trabalho do Prof. Jordão Violin, que esteve aqui ontem. Mas dez anos antes, ela já estava atuando em um processo estrutural. E dez anos antes dela já tinha a ACP do Carvão, que hoje é utilizada como parâmetro de referência de processo estrutural. Ainda que ninguém usasse o nome de processo estrutural, a realidade já estava lá. E essa realidade, que sempre se impõe ao direito, a gente não pode negar. Não faz sentido fazer isso. O que faz sentido é reconhecer essa realidade e, a partir disso, pensar como esse instrumento pode, em primeiro lugar, aqui na nossa legislação, no nosso projeto, ser um instrumento efetivo para tutelar direitos; e, em segundo lugar, bem delimitado.
E aí, se essa é a nossa preocupação, e se a nossa preocupação também é evitar a banalização e um excesso de processo estrutural, a nossa maior preocupação não deve ser criar, do nada, um novo procedimento para o processo estrutural, mas atentar ao que a Profa. Patrícia Perrone falou e a Profa. Daniela também: para um adequado conceito de processo estrutural, que vai ser adotado nessa legislação.
E aqui eu sugiro que a gente amplie o nosso olhar para além dos Estados Unidos e olhe para outros países que têm uma realidade social, econômica e uma Constituição parecida com a nossa, como a Índia, a África do Sul, a Colômbia. Nesses países, quatro critérios têm sido utilizados em uma definição de processo estrutural.
(Soa a campainha.)
O SR. MATHEUS CASIMIRO GOMES SERAFIM - Em primeiro lugar, ele sempre tem como objeto direitos fundamentais, o que foi muito bem tratado pela Patrícia. A gente tem que fazer uma vinculação, no meu entendimento, do processo estrutural, tendo como objeto os direitos fundamentais. Em segundo lugar, a violação não é uma violação banal, é uma violação realmente muito grave. Em terceiro lugar, é uma violação sistemática. O que isso significa? Não é uma falha pontual, não é uma ação pontual, não é uma omissão pontual, não é um ato normativo regulamentador faltando o pontual. É um conjunto de ações e omissões que, em conjunto, gera essa violação grave e sistemática de direitos fundamentais.
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Em último lugar, alguém mencionou esta palavra aqui, é uma violação crônica. O que isso significa? Para se tornar uma violação sistemática, que envolve vários órgãos ao mesmo tempo, geralmente, não é uma violação que começou ontem, semana passada, no ano anterior.
É um problema muito antigo, que não foi endereçado pelo Executivo, pelo Legislativo, porque, se tivesse sido endereçado, não teria chegado até o Judiciário
Eu chamo a atenção para esses quatro pontos aqui, porque, se nós estamos preocupados com banalização e com controle da atuação judicial, em primeiro lugar, a gente precisa botar a cabeça para pensar aqui num conceito muito adequado...
(Soa a campainha.)
O SR. MATHEUS CASIMIRO GOMES SERAFIM - ... porque eu acho que já há um consenso de que vai ter um conceito colocado nessa legislação.
Mas, se a gente conseguir um conceito pautado nessas quatro ideias, eu acho que vai ser um avanço já muito significativo para o processo estrutural no nosso país.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Matheus Casimiro.
Passo a palavra para o Prof. Benedito Cerezzo, para sua manifestação, neste primeiro bloco.
O SR. BENEDITO CEREZZO PEREIRA FILHO - Boa tarde já, Sr. Presidente. Na pessoa de V. Exa., eu cumprimento a todas e a todos.
Sr. Presidente, a fala que eu iria trazer foi amplamente contemplada pelas posições tanto de V. Exa. como do Desembargador Edilson, de modo que eu só gostaria de fazer um registro.
A visão da academia tem algo de diferente, que me move na vida. E eu não poderia deixar de fazer esse registro. Eu não estou dizendo que ela é melhor ou que ela é pior, mas ela é diferente da visão dos profissionais da advocacia, de que eu honro ser membro, do Judiciário, do Ministério Público. A academia tem uma visão diferente, e a pesquisa da academia é algo importante.
O que me deixa extremamente feliz, além de ter aqui essa provocação que foi feita hoje - eu acho isso importante -, é a crítica, que é muito importante, porque concordar conosco pode nos levar a todos a um lugar não mais feliz, vamos dizer assim. Então, a crítica é muito importante, mas o que me deixa tranquilo não é só a palavra de V. Exa., do Prof. Edilson e dos demais colegas, dando conta do desafio que nós temos, é saber que a lei é mais um detalhe da questão. A lei não vai resolver todos os problemas, e a academia vai continuar sendo importante, inclusive, para frutificar o direito que vai surgir a partir dessa lei.
Era só isso, Presidente.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, colega Benedito Cerezzo.
Eu passo a palavra, agora, ao Prof. Márcio Carvalho.
O SR. MÁRCIO CARVALHO FARIA - Boa tarde, Presidente. Boa tarde, caríssimo Relator.
Bom, vou tentar ser bastante breve até por conta do nosso horário.
Queria retomar a palavra do nosso Relator sobre os aspectos pontuais dos procedimentos que já existem. Então, queria levantar duas questões, duas sugestões para que nós possamos debater posteriormente.
A primeira delas fala sobre a questão dos honorários advocatícios, que alguns colegas já trouxeram. Aí a discussão foi, a meu ver, sobre a definição de como se dão esses honorários advocatícios, se eles seriam tratados de forma equânime ou não, a discussão que já existe hoje, tanto no STJ, no âmbito do Tema 1.076, como no Supremo, no âmbito do Tema 1.255.
Mas eu queria retomar um pouco mais. Eu queria discutir antes até, a respeito do seu cabimento.
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Hoje, há o Tema 1.177, no STJ, acabei, inclusive, de conferir aqui o andamento e ainda não foi decidido, a respeito da definição, ou não, da possibilidade de fixação de honorários advocatícios comerciais em ações civis públicas contra a União.
Então, parece-me que é exatamente o nosso procedimento base aqui, em primeira instância, salvo as outras hipóteses, por óbvio. E acho que seria interessante, porque esse é um aspecto crucial para o andamento dos processos, sobretudo no que se refere à advocacia, seja pública, seja privada.
Outra questão se refere ao efeito suspensivo recursal. Ontem tivemos aqui algumas exposições a respeito da necessidade de se repensar a recorribilidade no processo estrutural, mas não me pareceu que foi feita a abordagem a respeito do efeito suspensivo; a respeito, com o perdão da redundância, dos recursos, notadamente os recursos ordinários.
Sabemos que, embora o art. 1.012 do Código de Processo Civil traga uma regra geral sobre apelação, a lei coletiva é um pouco diversa.
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO CARVALHO FARIA - O art. 14 da Lei da Ação Civil Pública e o art. 12 da Lei da Ação Popular trazem um sistema diferente e há uma divergência, tanto doutrinária quanto substancial importante, sobretudo depois das reformas recentes à Lei de Improbidade.
Parece-me, talvez, interessante que também pontuássemos qual será a adoção: o processo estrutural vai ter um efeito suspensivo automático, como cabe ao CPC, ou não, seria um efeito suspensivo judicial em cada um dos casos?
Também, aproveitando o meu tempo, que já está se esgotando, a respeito da recorribilidade e do efeito suspensivo em regime de recurso especial. Como sabemos, o art. 995 diz que, via de regra, o recurso extraordinário especial não tem efeito suspensivo, mas o art. 987, §1º, diz que o efeito suspensivo é automático nas hipóteses de IRDR que, em certa medida, são casos de processos repetitivos.
(Soa a campainha.)
O SR. MÁRCIO CARVALHO FARIA - Então, também é uma questão aqui: remos adotar a regra geral do CPC ou iremos adotar a regra geral, podemos assim dizer, do art. 987, §1º?
São essas duas contribuições.
Agradeço, mais uma vez, a oportunidade e queria saudar os trabalhos brilhantes, tanto de ontem quanto de hoje, Presidente e caríssimo Relator.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, colega Márcio Carvalho Faria.
Todas as ponderações foram anotadas e agora dou por encerrado o primeiro bloco e passo ao segundo bloco.
Convido o colega Luiz Augusto Santos Lima, Subprocurador-Geral da República e Coordenador da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que cuida da ordem econômica e do consumidor.
Com a palavra, V. Exa.
O SR. LUIZ AUGUSTO SANTOS LIMA - Sr. Presidente da Mesa, meu colega e meu Líder, Subprocurador-Geral da República, Dr. Aras, a quem tive a honra de substituir na Coordenação da Câmara da Ordem Econômica.
Muito do que vou dizer aqui, e vai ser brevíssimo, é fruto da experiência dessa coordenação. A partir de algumas medidas tomadas pelo Dr. Aras, quando lá estava, por exemplo, uma ação coordenada, que apelidamos de ação coordenada de ferrovias, nós sentimos, pela experiência, a necessidade de um processo como esse, estruturante.
Por curiosidade, em um determinado momento, eu fiz um levantamento, Aras, de quantos expedientes nós tínhamos a respeito de ferrovias na Procuradoria-Geral da República, no Ministério Público Federal, tínhamos quase 600, mais de 600. Então, todos os matizes num problema dessa envergadura estão ali. Não dá para tratar com as n ações civis públicas que estão lá. Neste exato momento, nós estamos a tratar opinando na política pública, encaminhando ofícios em função de cada ação civil pública. Tem hora que eu fico até... Meu Deus do céu, vou mandar um ofício para o ministro para falar a mesma coisa! Mas eu sou obrigado a isso, porque o nosso sistema de controle me impõe, em função da ação civil pública, a dizer a ele: "Nós estamos preocupados com os recursos oriundos desta renovação antecipada, para que eles sejam colocados na própria atividade do sistema ferroviário e não contingenciados e desviados para outras finalidades, porque a lei assim o exige". E talvez um processo dessa magnitude pudesse solucionar esse problema.
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Com efeito, conforme muito do que disse aqui o Desembargador Edilson Vitorelli, nós estamos tratando, em algumas ações civis públicas, de problemas já estruturantes e para isso temos que dar respostas. Eu tenho acompanhado no Supremo, nas n conciliações postas lá no Supremo... Outro dia até falei, conversando com o Ministro Fux, eu disse: "Aqui não tem mais jeito, não é? Vai ser para tudo". Ele: "Vai ser para tudo".
Então, tem soluções lá, questões postas lá, como foi dito aqui, que são absolutamente pela ausência ou pela falta de comunicação entre os diversos agentes políticos. E aí nós estamos também, por uma iniciativa do Aras, quando estava na Coordenação da Câmara, chamando os diversos agentes políticos a uma mesa de conciliação para que dali saia uma solução estruturante nacional.
Uma outra preocupação que eu queria colocar, não sei como a Comissão, num projeto de lei, pode resolver isso, é sobre essa atomização do Ministério Público. Nós temos um Ministério Público, por exemplo, ao qual pertenço e há 33 anos estou lá, um Ministério Público para cada procurador. A partir da sua idiossincrasia, da sua fundamentação jurídica, ele posta no processo o que acha, fundamentado dentro de sua independência funcional e autonomia. Só que isso gera um problema para a unidade do Ministério Público Federal. Um processo como esse... Dr. Edilson Vitorelli, que lá esteve, e aqui o meu querido amigo Dr. Aras, pensem na solução para isso, porque vocês sofreram os efeitos desse problema. (Risos.)
Eu não quero me estender mais, mas, há poucos dias, conversando com diversas pessoas em diferentes lugares do Brasil, comecei a ter uma visão de um problema que eu jamais pensei que iria ter: a questão dos velhos, os velhos do Brasil. Até comentei agora há pouco com o Vitorelli, nós temos um sistema de assistência social com tudo bonitinho no papel: para crianças, creches etc.; para os velhinhos, nós vamos ter lá as famílias com o Bolsa Família, Loas etc. Mas sabem o que está acontecendo? As famílias não estão conseguindo os recursos para tomar conta deles em termos operacionais ali: o assistente, a assistência e tal. Uma verdadeira epidemia de ausência desse equipamento público para recepcionar os velhos.
Há poucos dias, nós tivemos uma catástrofe - eu fiquei horrorizado - de um médico que tinha uma mãe e vocês viram o feminicídio lá - foi classificado como feminicídio a ausência de equipamento público para acolher esse velho. Isso no Brasil inteiro. Isso não seria um objeto a ser tratado numa ação estruturante como essa?
Apenas coloco isso como observação. Não sou especialista nos temas, mas sou um operário do Direito. Essa frase um dia eu disse que iria repeti-la. Um professor português, ainda nos anos 80, quando eu estava na UnB, um dia disse: "Eu sou apenas um operário do Direito". Eu aqui estou como operário do Direito a colocar problemas para que vocês solucionem.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito agradecido, colega Luiz Augusto.
Eu diria que nós fizemos, há muitos anos, um processo estruturante muito amplo na 3ª Câmara, mas só com a boa vontade de todos os agentes públicos, políticos, ministérios, enfim, técnicos, que tiveram a boa vontade e o bom senso de perceber que nós só avançaríamos nas soluções se discutíssemos essas soluções na mesa de conversa, na conversa. Então, o resto o colega Casimiro já disse claramente, e você já trouxe a prova material. Já existe um processo estruturante; nós estamos buscando aqui o regramento devido para os fatos já reconhecidos.
Muito obrigado, amigo e colega.
Agora, no segundo bloco, chamo a Sra. Procuradora-Geral do Estado de São Paulo e Presidente do Conpeg, Profa. Inês Maria dos Santos, para fazer a sua exposição em até dez minutos.
A SRA. INÊS MARIA DOS SANTOS - Olá! Tudo bom?
Bom, muito obrigada.
Bom dia a todos e a todas que nos acompanham aqui, presencialmente, e também online.
É uma honra estar aqui hoje, representando os estados e o Colégio Nacional de Procuradores-Gerais (Conpeg), que atualmente eu presido, nesta importante audiência pública, presidida pelo Dr. Augusto Aras - a quem cumprimento e, na sua pessoa, cumprimento todos os juristas - e com a relatoria do Desembargador Edilson Vitorelli, que tem sido uma referência nesse tema.
Agradeço, em nome da Advocacia Pública Estadual, a oportunidade de discutir a elaboração de um projeto de lei sobre o processo estrutural, porque esse é um tema vital para a efetividade da Justiça e para a administração pública e é um tema do nosso dia a dia.
Então, quando eu ouço aqui dizer: "Mas vamos criar um processo", não, isso já é uma realidade, enfim, do nosso dia a dia, há muito tempo, e os pontos que eu trago aqui hoje são frutos da meditação de todas as procuradorias de estado do país, a quem agradeço pelas contribuições. Então, eu sou uma porta-voz de todos esses operários do Direito.
O processo estrutural, como sabemos, se apresenta como uma ferramenta para enfrentar e solucionar problemas sistêmicos, complexos e plurifatoriais que afetam entidades públicas e privadas. Como já dito, essa dinâmica, embora não esteja legalmente regulamentada, já é uma realidade para os estados e municípios que são instados, geralmente por meio de ações coletivas - por vezes, muitas ações individuais, mas, mais frequentemente, ações coletivas -, a modificar ou a implementar políticas públicas em diversas áreas. Por isso, senhores, para nós, a consolidação disso é tão importante, porque talvez organize um pouco, mas nos preocupa a calibragem entre, como dito aqui pela Dra. Patrícia, o espaço de experimentação de um novo instituto e o alcance e a heterogeneidade dos aplicadores da nova legislação em um Brasil tão grande e tão diverso, e que não está na mesma frequência da de todos aqui nesta sala.
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Pois bem, a ideia aqui não é tratar de sugestões do ponto de vista acadêmico, que já são muito bem encaminhadas por todos os juristas que expuseram ontem e hoje. O nosso objetivo hoje é, para não repetir o que já foi, há muito, discutido, apontar algumas questões que são essenciais, que nos pareceram essenciais.
Então, as nossas contribuições são bastante pontuais. A primeira é a importância da bifasicidade do processo estrutural. Propomos, como já foi amplamente sugerido aqui, até com um certo consenso ontem, que o processo estrutural seja claramente bifásico e dividido, portanto, nas fases de reconhecimento, porque é muito importante que o texto normativo traga os requisitos para essa delimitação.
Então, é muito importante que haja a correta delimitação da responsabilidade do réu e o caráter estrutural da demanda, a partir de requisitos objetivos que definam quais as características e os requisitos, porque isso evita a ampliação indevida de demandas que são simplesmente coletivas, ou seja, para as quais já há aplicação do microssistema do processo coletivo. E, nesse aspecto, é inafastável citar aqui o voto do Ministro Barroso, no Tema 698, como um bom parâmetro para esse reconhecimento. A intervenção do Judiciário, portanto, só seria legítima, dentre outros fatores, se for possível a universalização da medida. Se não for, até por razões mesmo orçamentárias, afasta-se a possibilidade de intervenção.
Também é importante a previsão da fase de reestruturação, que é dedicada à apresentação, à discussão, ao detalhamento suficiente e à homologação do plano de reestruturação. Essa abordagem bifásica, senhores, assegura uma estrutura clara e eficiente, permitindo uma resposta judicial adequada e detalhada aos problemas estruturais enfrentados.
É muito comum, no âmbito de ações coletivas que enfrentamos diariamente, que essa falta de delimitação acabe levando aquela ação a uma posição de uma demanda interminável, porque, a cada ciclo de discussão, coloca-se mais um ponto, e mais um ponto, e mais um ponto, e, como nós estamos falando de políticas públicas complexas, é muito possível que isso seja estendido a um nível que, muitas vezes, ultrapassa muito aquele que foi o início do processo.
O segundo ponto é a necessidade de arquitetura do plano de reestruturação. É crucial que esse plano de reestruturação seja submetido ao contraditório substancial. Esse plano deve detalhar a problemática estrutural, os objetivos, a metodologia, o cronograma de execução, os agentes envolvidos, garantindo transparência e eficácia na sua implementação.
E, aqui, o cronograma de execução - e esse é um ponto muito importante, que foi inclusive trazido ontem pela Dra. Mariana - deve levar em conta os princípios e os prazos constitucionais do orçamento público, como foi aqui detalhadamente explicado. Esse é um ponto crucial para a administração pública, entender e respeitar o processo de elaboração de orçamento é fundamental. A esse respeito, inclusive, de novo, o Tema 698 faz referência.
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Então, um plano de reestruturação que não leve em conta os princípios do orçamento público e a programação desse orçamento será de difícil implementação pelo Poder Executivo.
O terceiro ponto diz respeito ao regime jurídico da coisa julgada.
Dada a natureza dinâmica e adaptativa dos processos estruturais, nós propomos a possibilidade de revisão da coisa julgada em caso de mudanças significativas nas circunstâncias fáticas ou jurídicas, garantindo a flexibilidade necessária para responder a evoluções ou novas necessidades, assim como ontem foi sugerido, inclusive, pelo Prof. Antonio do Passo.
Eu cito aqui... Eu poderia citar diversos exemplos de impactos significativos que, por exemplo, a pandemia trouxe em diversas políticas públicas que estavam sendo estruturadas e a necessidade de adaptá-las.
O quarto ponto diz respeito ao cumprimento da sentença.
O cumprimento de sentença em processos estruturais deve, claro, considerar as peculiaridades do caso, enfim, sendo realizado de forma gradual e supervisionada. Além disso, como foi reforçado pela AGU ontem e hoje, é muito importante a previsibilidade de término e a unicidade do monitoramento das medidas estruturais definidas, porque a experiência que a gente tem hoje é de demandas que não terminam nunca, às vezes em sede judicial e às vezes no âmbito administrativo. Então, muitas vezes a gente também se depara, por exemplo, com inquéritos civis que ficam abertos por anos, anos e anos, como uma permanente espada sobre a cabeça do gestor, e ações civis públicas que ficam também se perpetuando no tempo. E há a necessidade de pensarmos seriamente nessa unicidade do monitoramento das medidas para que a gente tenha clareza de quem é que vai atestar o cumprimento daquilo que foi combinado.
Processos administrativos e estruturais.
Reconhecemos, como dito ontem pelo Prof. Didier, a importância de estender o conceito de processos estruturais para o âmbito administrativo, permitindo que a administração adote medidas de reestruturação eficazes para resolver estados de desconformidade com o ordenamento jurídico e, talvez, fazer um paralelismo importante entre aquilo que acontece no Judiciário e aquilo que poderia eventualmente acontecer em sede administrativa.
Faço uma menção importante aqui à adoção de princípios tais como propósitos, transparência, ampla participação, flexibilidade e chamo especial atenção para o princípio do consequencialismo, para os princípios orçamentários, para os princípios...
(Soa a campainha.)
A SRA. INÊS MARIA DOS SANTOS - ... de unidade, anualidade, programação, entre outros, e para a observância do processo legislativo orçamentário, como foi aqui dito.
Portanto, senhores, e já encaminhando para o final, a adoção de um marco legal claro e eficiente para os processos estruturais é essencial para permitir que os estados enfrentem e resolvam problemas complexos, mas as propostas apresentadas, que pretendem, portanto, garantir que esses processos sejam conduzidos de maneira transparente, participativa e flexível, precisam considerar dois pontos muito importantes para os quais eu gostaria de chamar a atenção.
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No primeiro é preciso considerar as deficiências estruturais que as várias administrações públicas do país enfrentam. Então, quando a gente está falando em estruturação de política pública, nós estamos falando de processos estruturais que se aplicam à União, que têm uma realidade na sua administração pública de técnicos, de pessoas...
(Soa a campainha.)
A SRA. INÊS MARIA DOS SANTOS - E nós estamos falando de um município pequeno ou de municípios com realidades muito diferentes, que, muitas vezes, têm dificuldade de implementar políticas públicas muitas vezes simples. Então, isso precisa ser considerado. É preciso considerar a realidade do ente que está sendo chamado.
O segundo, e muito mais importante, que já foi dito aqui, é o respeito à legitimidade das escolhas do gestor democraticamente eleito. Nesse ponto, a fala da Dra. Patrícia Perrone é muito importante, dando ao processo estrutural um locus para uma construção coletiva, mas, para que isso seja devidamente assimilado por todos os operadores do direito, a regulamentação é muito importante. Isso é reforçado pela fala do eminente Desembargador Edilson Vitorelli, porque, como o processo estrutural não se presta a reforçar a intervenção do Judiciário em outros Poderes, um regramento claro é fundamental.
Agradeço, em nome do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais e de todas as Procuradorias, a atenção e a participação, a oportunidade de contribuir para esse processo e nos colocamos à disposição.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, Dra. Inês Maria dos Santos, por sua importante contribuição.
Convido agora o Professor Paulo Mendes, representante da Associação Brasiliense de Processo Civil, a fazer sua exposição em até dez minutos.
O SR. PAULO MENDES - Bom dia a todas, bom dia a todos.
Quero, inicialmente, cumprimentar a mesa na pessoa do Presidente, Dr. José Augusto Brandão de Aras, dizer que é uma honra estar aqui, auxiliando o meu país na regulamentação de um projeto que é tão importante.
Cumprimento o Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que está nos acompanhando online, Vice-Presidente. Cumprimento o Prof. Desembargador Edilson Vitorelli, um querido amigo estudioso do tema. Queria lhe dizer, Vitorelli, que é uma tranquilidade para a academia e para os operadores de direito, de uma forma geral, ter-lhe nessa posição. Cumprimento muitíssimo o membro da Comissão Benedito Cerezzo Pereira Filho, grande jurista, Professor da UnB, na pessoa de quem eu cumprimento todos os demais integrantes da Comissão e os presentes.
Eu falo em nome da Associação Brasiliense de Processo Civil, que é um coletivo de Brasília, que tem por finalidade reunir professores de processo civil para tentar aprimorar o nosso sistema jurídico.
Eu ocupo atualmente a posição de Presidente e nós fizemos uma Comissão para discutir profundamente essa proposta de regulamentação do processo estrutural. Eu quero render os agradecimentos especialmente a algumas pessoas que se envolveram diretamente nesse processo. Agradeço, portanto, à Ana Carolina Caputo Bastos, ao Rodrigo Becker, ao Guilherme Pupe, à Ana Karenina, ao Fábio Quintas, ao Paulo Victor de Carvalho, ao Éder Leite, ao Roberto Firme, à Damares Medina e ao Gustavo Turbay.
Eu já ouvi falar que, quando você caminha sozinho, você pode até chegar mais rápido, mas, caminhando acompanhados, com certeza, nós vamos mais longe. Eu agradeço muitíssimo aos amigos pelas propostas.
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Senhores, eu queria inicialmente fazer uma breve reflexão sobre o que a gente está fazendo aqui, neste momento.
Nós estamos tentando regulamentar um processo que já existe, que é bastante virtuoso para o Estado brasileiro, mas que apresenta algumas dificuldades. Eu acho muito importante, neste momento, a gente tentar evitar polarizações na discussão desse tema. Eu sei que é um tema que desperta muitas paixões, é algo, por um lado, extremamente importante para a administração da Justiça do Brasil, mas, por outro lado, existem problemas. E esta é uma grande oportunidade para nós termos uma legislação que trate do assunto, que evite esses problemas. Acho que é para isso que a gente está aqui. A fala do Prof. Vitorelli foi muito importante nesse particular, e quero enfatizar que não se está pensando em um processo estrutural para possibilitar ativismo judicial. Ao contrário, nós não podemos confundir processo estrutural com intervenção em política pública e com ativismo judicial.
Agora, da mesma forma, nós precisamos ter presente que muitas vezes ele acaba sendo palco para isso. E esta oportunidade é uma oportunidade muito valiosa para a gente tentar limitar essas possibilidades, estabelecer parâmetros, porque o que a maioria dos operadores do direito e dos pensadores desse tema querem é segurança, segurança jurídica. Eu ouvi várias falas críticas ao processo estrutural, mas muitas dessas falas, meu caro Vitorelli, às vezes, refletem alguns traumas decorrentes de abusos que foram cometidos. E essas falas, parece-me, são extremamente importantes para o Senado Federal justamente para que a gente tenha presente o que está acontecendo, ainda que seja excepcional - tenha presente isso -, e possa pensar em regras para evitar esses problemas.
Então, não me parece que seja o caso de ignorância daqueles que vêm aqui criticar, eventualmente, o que vem acontecendo. O que me parece é que são pessoas que estão com preocupações concretas e que devem ser levadas em consideração pela Comissão. E, volto a dizer, foi muito importante, Vitorelli, a sua intervenção, no sentido de que nós precisamos regulamentar esse processo justamente para evitar que esses problemas que acontecem voltem a acontecer.
Diante de tudo isso, eu colhi cinco propostas dos integrantes da ABPC que eu queria apresentar de maneira muito pontual.
A primeira delas - e aqui é algo que já foi bastante trabalhado -: nós precisamos de um conceito de processo estrutural - a maioria das pessoas não sabe o que é processo estrutural, a maioria dos juízes não sabe o que é processo estrutural -, para identificar que nós estamos diante de um processo estrutural, e a definição do momento da demanda em que ocorre um processo estrutural, porque a gente sabe que não necessariamente o conflito estrutural se apresenta no início da demanda. É possível que nós tenhamos a manifestação de um problema estrutural no curso do processo ou mesmo na fase de execução desse processo. E aqui há a necessidade de parar, eventualmente, se nós estamos na fase de execução, abrir um incidente cognitivo, ampliar o debate, chamar os interessados e prestigiar essa ampla participação e contraditório, que são tão importantes nesse tipo de procedimento. Por fim, há que se delimitar os contornos do problema estrutural, definir, exatamente, o problema que se quer enfrentar, objeto, alcance, responsáveis, algo muito parecido com o que nós temos, hoje, em um saneamento compartilhado, para que nós tenhamos segurança do que será enfrentado e quais são as medidas que serão adotadas para esse enfrentamento.
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Como segunda proposta, eu ouvi falar muito pouco, aqui, sobre tutelas provisórias. Eu ouvi até uma fala no sentido de que não deveria haver tutela provisória nos processos estruturais. Isso para mim é um equívoco. A ideia de tutela provisória como um importante instrumento de efetividade do processo de acesso à Justiça é algo que é muito trabalhado pela doutrina brasileira. A nossa preocupação, a meu ver, deve estar, principalmente, em provimentos liminares.
Então, qual é a mensagem que eu queria trazer, aqui, para o Senado? É que não podemos nos afastar das garantias que estão sendo tão bem trabalhadas, aqui, nesses provimentos liminares. Isso é fundamental, e eventualmente, até termos uma regra específica, estabelecendo um provimento liminar como exceção, porque a regra deve ser uma ordem do Poder Judiciário, depois do amadurecimento do tema, depois da ampla oitiva da sociedade, depois da garantia de todos esses direitos fundamentais processuais que são tão importantes no nosso processo.
A terceira sugestão está relacionada à flexibilização processual. A flexibilização não pode ser vista como antagonista da segurança jurídica. Já evoluímos o suficiente para entender que, em muitas situações, o processo flexível é que densifica a segurança jurídica, é que garante a segurança jurídica, tanto a segurança no processo quanto a segurança pelo processo. Então, isso já é uma fase ultrapassada. O que nós precisamos, isso, sim, é de segurança jurídica na flexibilização, e, talvez, o projeto possa cumprir um importante papel em delimitar estes parâmetros - como flexibilizar, em que medida flexibilizar, exigência de fundamentação, de não surpresa e de contraditório prévio -, de maneira que a gente tenha uma possibilidade de flexibilização com segurança.
A gente pode até pensar em uma ideia de que a flexibilização processual é algo inerente ao processo estrutural, mas que a gente pode chamar de flexibilização virtuosa. O que nós precisamos evitar é a flexibilização perniciosa.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO MENDES - A flexibilização perniciosa é aquela que pega as partes de surpresa, é aquela que não é fundamentada, é aquela que não está aderente aos propósitos que foram delimitados anteriormente.
No particular, a Dra. Inês falou sobre algo muito interessante, que é a necessidade de haver uma revisão de coisa julgada se houver alteração nas circunstâncias fáticas ou jurídicas. Parece-me muito importante que esse projeto aproveite a oportunidade para disciplinar, adequadamente, a coisa julgada nas relações jurídicas de trato continuado. Esse é o ponto, porque nós vamos ter uma coisa julgada que vai delimitar o que vai ser feito a partir das circunstâncias de fato e de direito ali presentes. Isso não significa que haverá um engessamento do direito; ou seja, diante de alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas, nós temos, tranquilamente, a possibilidade de...
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(Soa a campainha.)
O SR. PAULO MENDES - ... adaptar e, eventualmente, Vitorelli, ter uma previsão de não retrocesso em relação ao que foi, ao que se avançou no processo.
Então, hoje nós temos o art. 505 do CPC, que é muito tímido na regulamentação disso, e talvez este seja o momento adequado para fazer isso.
Duas frases e as últimas duas sugestões: tratar o problema de dispersão de processos, o que é algo muito sério... Acho que a gente tem que avançar na eficácia da decisão coletiva às ações individuais, que é algo muito tímido ainda no Brasil, e talvez este seja o momento, um problema que você conhece bem, e ampliar a participação, não é? Como o Prof. Cabral muito bem colocou, nós precisamos, de fato, ter um processo muito mais aberto à sociedade.
Mais uma vez, eu queria agradecer muitíssimo a oportunidade - para mim é uma grande honra estar contribuindo para o meu país - e parabenizar pela condução dos trabalhos.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Paulo Mendes. Estão anotadas suas contribuições.
Convido agora a juíza e representante do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos do STF, Dra. Trícia Navarro, para fazer a sua exposição em até dez minutos.
A SRA. TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL - Muito obrigada.
Muito boa tarde a todas e a todos!
Quero cumprimentar aqui a Comissão na pessoa do Dr. Augusto Aras, cumprimentar também o meu amigo Desembargador Edilson Vitorelli. É uma grande honra estar participando dessas discussões sobre o processo estrutural, e eu venho aqui falar um pouco do Núcleo de Solução Consensual de Conflitos, um pouco do trabalho que o STF tem feito, diversas vezes mencionado aqui na Comissão, para a gente ter uma ideia do que, exatamente, compõe a estrutura dos processos estruturais no Supremo.
Bem, o Supremo Tribunal Federal tem aprimorado bastante o exercício da sua jurisdição constitucional, abrindo espaço para inovações e também para diálogos processuais e interinstitucionais, e o Ministro Barroso, ao assumir a Presidência, criou uma nova estrutura, chamada de Assessoria de Apoio à Jurisdição, que tem por objetivo assessorar não só a Presidência, mas todos os gabinetes, todos os ministros. Essa assessoria é ligada à Secretaria-Geral, à Dra. Aline Osorio, e é composta por três órgãos. O primeiro é o Núcleo de Processos Estruturais e Complexos, que tem três especialistas: um em processo estrutural, que aqui está presente, o Dr. Matheus Casimiro, um especialista em políticas públicas, que é o Dr. Marcelo Varella, e também um economista, que é o Dr. Guilherme Resende. O segundo núcleo é o meu, que é o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos, o Nusol, que tem um especialista em mediação e que trata das formas consensuais de resolução de conflitos. O terceiro núcleo é o Núcleo de Análise de Dados e Estatística, Nuade, com especialistas em estatística e análise de dados, e esse núcleo é coordenado pela Dra. Pamella Edokawa.
Então, o que a gente tem percebido na prática é que essa interdisciplinariedade, essa comunhão de expertise tem sido fundamental e tem apresentado resultados bastante expressivos no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
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Especificamente em relação ao Nusol, que é o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos, ele atua em três frentes. Primeiro, realizar a triagem de conflitos que são sujeitos à autocomposição. Isso eu posso fazer não só no âmbito dos processos da Presidência, como auxiliar os gabinetes a fazer essa triagem. Segundo, realização efetiva de audiências de conciliação e mediação ou então apoio aos gabinetes que querem fazer essas mediações ou conciliações. Nós temos no Supremo alguns gabinetes que têm juízes auxiliares que fazem essas conciliações, e aí eu dou apoio; nós temos algumas audiências em que os próprios ministros fazem, conduzem essas audiências, e aí também o núcleo dá apoio; ou eu posso fazer sozinha algumas audiências de conciliação e mediação. A terceira atuação do núcleo é na promoção da cooperação judiciária entre o STF e outros órgãos do Poder Judiciário ou então da sociedade civil organizada.
Bem, dito isso da estrutura, não sei se todos aqui tinham conhecimento dessa estrutura bem detalhada que o Ministro Roberto Barroso fez na gestão dele, a gente tem tido algumas experiências práticas e a gente tem observado alguns formatos de diálogos no processo estrutural, no âmbito do Supremo Tribunal Federal. E nós identificamos o seguinte: diversas formas de participação, diversas formas de diálogo e técnicas autocompositivas que são utilizadas de acordo com as especificidades da causa, das particularidades do caso concreto. Então eu dividi em três formas de participação. Nós temos uma participação mais direta, por meio de audiências públicas, amicus curiae, e o amicus curiae, nesse caso, é o mais utilizado, praticamente em todos os processos a gente tem pedidos de intervenção de amicus curiae. Nós temos técnicas autocompositivas, que são essas de que eu falei, negociação, conciliação, mediação, cooperação judiciária, e ainda no Supremo nós temos agora uma novidade, que são os votos conjuntos dos Ministros, então isso tem sido uma novidade bem interessante também. E nós temos uma terceira forma de diálogo, que são os diálogos processuais ou interinstitucionais. E aqui eu coloquei dois formatos: as reuniões técnicas que têm acontecido, acho que os senhores acompanharam esta semana as reuniões técnicas no âmbito do orçamento secreto; e outro formato de audiência que eu denominei, academicamente, obviamente, de audiência de contextualização.
O que seria essa audiência de contextualização? Seria um formato novo de audiência, que não se identifica com as outras formas de audiência que a gente tem no Código de Processo Civil ou em outras legislações. Ela se diferencia da audiência pública, que visa, a audiência pública objetiva ouvir o depoimento das pessoas com experiência e autoridades em determinada matéria; ela se diferencia da audiência de instrução, que a gente tem no CPC, que é para coleta de provas; ela se diferencia da audiência propriamente de conciliação e mediação, que visa basicamente buscar consenso; ela se diferencia das reuniões técnicas, que buscam informação e buscam o aprofundamento de discussões. Então, qual seria a natureza jurídica dessa audiência de contextualização? Eu entendo que essa seria uma audiência de natureza multifuncional, porque ela não se presta a um objetivo específico, mas pode ser composta por inúmeras formas, não só de diálogo, mas de resultados, de produtos dessa audiência.
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Então, por exemplo, ela objetiva colher informações para subsidiar a tomada de decisão do relator, alinhar as expectativas dos envolvidos, que muitas vezes vão para a audiência sem entender exatamente qual o contexto no qual eles estão inseridos; elucidar dúvidas e possibilitar esclarecimentos de todos; identificar formas mais precisas e o alcance das determinações impostas nas decisões estruturais: muitas vezes o Relator dá uma decisão e as partes que devem cumprir essa decisão, às vezes, não compreendem ao certo o alcance, então, isso é importante; ela auxilia no monitoramento do cumprimento da decisão estrutural; propicia o cumprimento da decisão para que ela seja o mais compatível possível com a realidade fática e concreta e com as reais possibilidades de cumprimento, porque muitas vezes o Relator pode dar alguma determinação que muitas vezes na prática ou já foi cumprida ou teria muita dificuldade de cumprimento, pelo menos na extensão da decisão; e ela permite, ainda, consensos acerca de pontos específicos, sem prejuízo de promover uma maior coordenação - aqui também foi falado - entre os atores que estão envolvidos na execução daquela decisão.
Então, todos esses objetivos, todos esses benefícios, podem ser alcançados por meio dessa audiência que, como eu disse, não se identifica muito ao certo com as audiências que a gente tradicionalmente conhece no Código de Processo Civil ou em outros institutos processuais.
Tivemos uma experiência muito exitosa no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que foi na ADPF 635, de relatoria do Ministro Edson Fachin, que trata da letalidade policial no Rio de Janeiro. E, quando o Ministro Fachin enviou esse processo para o Nupec, que é o Núcleo de Processos Estruturais, e para o Nusol, o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos, a ideia do Ministro foi realmente ouvir o Estado do Rio de Janeiro, ouvir os órgãos, como a Secretaria de Segurança Pública, para entender como cumprir aquela decisão para ter informações. O Ministro falou em audiência de conciliação, mas eu imediatamente identifiquei que aquilo não seria propriamente uma audiência de conciliação, aquilo era muito mais amplo do que uma conciliação.
O que a gente queria era ouvir, era alinhar expectativas, era coordenar a execução... fazer o monitoramento da decisão estrutural. E esse foi um case que eu acho que foi muito importante, que identificou de forma muito clara a importância dessa abertura para o diálogo e dessa forma de audiência que traz outros benefícios para além de pontos de consenso, de acordos parciais ou totais.
Então, essa audiência da 635 - é a primeira vez que eu estou falando isso, tem algumas pessoas que participaram aqui da audiência - possibilitou diversos benefícios. Primeiro: o auxílio do monitoramento do cumprimento da decisão estrutural; o alinhamento de expectativas...
(Soa a campainha.)
A SRA. TRÍCIA NAVARRO - ... dos envolvidos; o consenso sobre a calendarização de apresentação de novos documentos nos autos: muitas vezes as partes precisavam um pouco mais de tempo e isso era feito; ajustes temáticos que contribuíram para o avanço do diálogos: nas primeiras audiências nós tínhamos nove pontos, depois foram diminuindo para cinco, quatro; e, muito importante, a obtenção de informações mais precisas para a tomada de decisão do Relator: para isso o Nupec fez uma nota técnica que foi submetida ao Relator, e ele agora vai julgar com base nessa nota técnica, mas eu acho que, nesse caso, teve uma contribuição muito importante, que foi a coordenação das ações entre os atores envolvidos no cumprimento dessa decisão.
Então, a gente percebeu que a Defensoria ou a Secretaria de Segurança, muitas vezes, precisavam ali de uma abertura para o diálogo para que pudessem cumprir a decisão de forma mais coordenada e mais segura. A gente tem visto agora as manifestações das partes nos autos e todas acho que...
(Soa a campainha.)
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A SRA. TRÍCIA NAVARRO - ... foram beneficiadas com esta audiência de contextualização - que eu chamo de contextualização.
Então, Presidente, eu tenho duas contribuições para o Senado: a primeira, óbvio, é a ampliação e a consagração do princípio da consensualidade no tratamento adequado de processos estruturais, inclusive, se possível, em um capítulo próprio, em suas diferentes formas e vertentes; e a segunda é pensar numa audiência - que eu chamei de contextualização, mas poderia ter outro nome - que pudesse ser um pouco mais ampla, de um alcance um pouco maior do que as audiências tradicionalmente conhecidas hoje no Código de Processo Civil.
Então, com isso, eu encerro a minha participação.
Agradeço imensamente o convite.
Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras. Fora do microfone.) - Obrigado. (Pausa.)
Convido agora a Dra. Cecília Asperti, representante do Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça, Desastres e Mudanças Climáticas da Fundação Getulio Vargas Direito São Paulo, a fazer a sua exposição em até dez minutos.
A eminente professora convidada participará de forma remota.
Com a palavra, S. Exa.
A SRA. CECÍLIA ASPERTI (Por videoconferência.) - Olá, boa tarde. Vocês me escutam?
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Sim.
A SRA. CECÍLIA ASPERTI (Por videoconferência.) - Boa tarde a todos e a todas.
Saúdo a Presidência desta Comissão, na pessoa do Dr. Augusto Aras; a relatoria, na pessoa do querido colega Edilson Vitorelli; todos os membros e membras da Comissão; e todos que nos acompanham aqui presencialmente e remotamente.
Eu sou professora aqui da escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e represento o nosso grupo de pesquisa sobre desastres e mudanças climáticas - um tema que já foi citado aqui também nas outras falas e que traz muitas questões relevantes para os processos estruturais. Mas, já para ser bem objetiva e direta, a nossa contribuição hoje traz o tema da participação direta, ou seja, da participação das pessoas interessadas, das comunidades afetadas. Esse é um ponto que já foi trazido em falas anteriores, mas eu gostaria de me deter um pouco em contribuições específicas sobre a viabilização da participação direta no processo estrutural.
Primeiro, acho importante a gente assentar a premissa da importância da participação direta no processo estrutural. A Dra. Daniela, a Profa. Daniela trouxe aqui as preocupações com a representatividade adequada, outras falas também trouxeram aspectos necessários, mas nos parece que o processo estrutural, ainda que haja uma boa atuação de legitimados extraordinários ou um controle adequado de representatividade, não prescinde, não pode dispensar a participação direta de vítimas, de interessados, daqueles que são os sujeitos do problema estrutural, isso tanto para que haja um diagnóstico adequado desse problema estrutural, mas também para que haja legitimidade das decisões e acordos firmados.
Senhores, senhoras, a gente tem visto notícias frequentes de acordos firmados, em casos complexos, que não são reconhecidos pelas comunidades de vítimas, porque elas não se sentiram representadas, não se sentem reconhecidas naquelas deliberações. Então, a necessidade de participação direta nesses processos já foi enfatizada diversas vezes. Ela não substitui, obviamente, a participação democrática nos demais espaços deliberativos, mas ela é crucial para assegurar decisões e acordos que contemplem o verdadeiro problema estrutural e que contemplem também os interesses das comunidades atingidas.
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Queria centrar aqui a nossa contribuição em três vertentes sobre participação direta. A primeira delas, sobre a figura da assessoria técnica, que, se não me engano, já foi mencionada também na manhã de hoje.
Os senhores que acompanham os casos envolvendo os desastres recentes de barragem de Mariana e Brumadinho talvez já tenham ouvido falar dessa figura da assessoria técnica, que é prevista na política de barragens, na Política Nacional de Barragens, e que também já tem um histórico importante na área de moradia, com as Athis (Assessorias Técnicas de Habitação de Interesse Social). São organizações independentes, que atuam de forma interdisciplinar, para viabilizar a participação direta. Como? Mediante a mobilização de grupos de pessoas atingidas, mediante a tradução de informações técnicas, de informações jurídicas. Elas permitem que haja uma articulação dos diferentes grupos, porque a gente sabe que os interessados, aqueles que são os maiores afetados em problemas estruturais, não são um bloco monolítico de interesses uníssonos ou de características uniformes. Então as assessorias técnicas permitem essa mobilização, permitem essa escuta adequada desses grupos e fazem com que os espaços de participação, que já foram muito mencionados - audiências públicas, reuniões, grupos de trabalho -, sejam eficientes e efetivos.
Então nossa primeira sugestão é que seja levada, que haja uma previsão específica, pontual, que pode inclusive fazer referência à Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, que traz uma definição bastante clara das assessorias técnicas, para que, principalmente em casos de maior complexidade de processos estruturais, haja a possibilidade de contratação de assessorias técnicas. Lembro que elas são custeadas pelos empreendedores, pelos poluidores, em casos outros de atuação de assessoria técnica, e que aqui seriam custeadas pelos responsáveis, pelo polo passivo do processo estrutural.
Então acho que é uma contribuição que já veio, de forma tangencial, em outras falas, mas que a gente consigna aqui como uma proposta efetiva de inserção na lei.
A segunda é para discutirmos procedimentos diferenciados de participação direta. Já foi mencionado, a gente trabalha e tem bastante consciência das audiências públicas, mas na prática as audiências públicas, muitas vezes, se tornam espaços esvaziados, de uma participação pró-forma, que não tem o intuito de efetivamente consultar a população interessada e, muito menos, de proporcionar espaços deliberativos, ou seja, em que haja tomada de decisão antes, por exemplo, da estruturação de um plano de restruturação, ou de um acordo, ou mesmo de uma decisão judicial.
Já vieram algumas sugestões nesse sentido, e a gente gostaria de enfatizá-las, mas também colocar a importância de duas coisas. Primeiro, que sejam obrigatórios os espaços de participação direta - isso já foi sugerido por outros participantes aqui da nossa audiência -, mas que também seja inserida uma disposição que contemple as variadas possibilidades e os variados objetivos desses procedimentos. Então a gente tem que contemplar audiências públicas, reuniões setoriais, consulta à população, oficinas, votações, pesquisas de percepção junto à população. Todas essas possibilidades podem ser contempladas no texto legal, de forma sucinta, colocando ainda os variados objetivos que esses procedimentos de participação direta podem contemplar, como a consulta, o acesso à informação, a possibilidade de coleta de informação por parte da população e a prestação de contas à população, principalmente na fase de implementação do plano.
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E por fim, também que esses espaços possam ser deliberativos. Precisamos complexificar os procedimentos de participação direta, para que eles não sejam espaços meramente formais, porque isso é pior do que a inexistência. Se a gente tem uma audiência pública em que não há uma participação efetiva, ela legitima a tomada de decisão, ela legitima a celebração de um acordo, mas, na verdade, essa participação foi ficta, não foi uma participação substancial.
E, por fim, na terceira proposta de contribuição - junto com as assessorias técnicas -, que tem muito a ver com acesso à informação e com a necessidade de procedimentos de participação direta diferenciados, a gente traz aqui a questão da governança.
Já vimos alguns acordos. Acho que o exemplo mais conhecido é o acordo que foi feito no caso da Samarco, que estipulava estruturas de governança que foram até mesmo criticadas, pela sua excessiva complexidade, mas que nos trazem um certo aprendizado institucional sobre o fato de que planos de reestruturação - tanto decisões estruturantes quanto os planos, na sua sequência - podem e devem prever, sempre que cabível, estruturas de governança: comissões, comitês, fóruns. E que essas estruturas, obviamente, incluam as pessoas atingidas e a sociedade civil.
É preciso pensar que muito foi dito sobre participação, ao longo das falas anteriores, mas a gente não pode compreender a participação no processo estrutural como pontual. Eu discordo do entendimento de que uma audiência pública, ao longo do processo como um todo, seja suficiente. Parece-me que a gente precisaria, idealmente, pensar em espaços de participação até anteriores à formulação da demanda, preferencialmente, durante essa fase que precede a decisão estruturante e, com certeza, durante a fase de implementação.
E, durante a fase de implementação do plano, é uma participação que tem que ser contínua. E, para isso, é importante que se pense, então, em quais seriam esses órgãos, nessa estrutura que poderia ser concebida - em casos mais complexos, é claro - e que viabilize a participação continuada. Então: comissões de atingidos e de vítimas; comissões que vão acompanhar...
A gente, por exemplo, tem acompanhado o caso da Lagoa da Conceição, em Santa Catarina, em que foi formado um comitê contínuo para acompanhar o plano de reestruturação que envolve a despoluição da lagoa. Então, a gente tem algumas experiências interessantes de serem pensadas, e seria muito produtivo que o PL trouxesse essa possibilidade, ou seja, a possibilidade de que tanto as decisões judiciais quanto os planos previssem estruturas de governança.
É claro que o PL não vai esgotar o conteúdo dessas estruturas ou desses desenhos de governança...
(Soa a campainha.)
A SRA. CECÍLIA ASPERTI (Por videoconferência.) - ... mas algumas balizas podem ser colocadas: transparência, publicidade e o fato de que a composição de órgãos de governança para participação direta permita a formação de maioria por parte da sociedade civil e dos interessados, das vítimas que estão ali representadas. Senão, novamente, a gente tem uma governança que é puramente pró-forma - tem um participante da comunidade ou dois, mas que jamais formariam uma maioria. Isso não é uma governança verdadeira.
Então, são essas as três contribuições.
Eu termino só falando da importância de atentarmos para as vulnerabilidades nesses casos. Reitero a importância de considerar a participação direta como premissa e a compreensão de que os grupos, comunidades e populações afetadas por programas estruturais não são grupos monolíticos. Então, a gente precisa pensar na sua participação, contemplando as suas diferenças, as suas características e as suas realidades.
É isso.
Muito obrigada.
Agradeço essa oportunidade novamente.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Dra. Cecília Asperti, representante do Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça, Desastres e Mudanças Climáticas da FGV, São Paulo.
Convido agora a Doutora Rita Andréa Guimarães, representante de Instituto e Câmara de Mediação Aplicada, a fazer a sua exposição em até dez minutos. (Pausa.)
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Com a palavra S. Exa.
A SRA. RITA ANDRÉA GUIMARÃES CARVALHO PEREIRA - Boa tarde a todos.
Em primeiro lugar, gostaria de cumprimentar o Presidente Augusto Aras, na pessoa de quem cumprimento todos os presentes. Primeiro, eu queria agradecer muito a oportunidade de estar aqui, de participar da magnitude deste projeto, porque eu acho que ele, acima de tudo, fala do aperfeiçoamento da democracia no país.
A nossa intenção aqui é falar um pouquinho sobre mudanças sistêmicas que vão além da implementação de procedimentos e medidas paliativas. Pensamos em garantir o acesso efetivo à Justiça promovendo a mudança da cultura do litígio para a cultura dialógica. Entendemos, então, que essa é uma oportunidade única de reformular a maneira como concebemos e praticamos a cidadania no país.
Sabemos bem que a nossa sociedade vivencia a cultura da judicialização. Ela, hoje, é um reflexo automático, uma resposta que parece inevitável diante de qualquer conflito. Essa mentalidade contenciosa, sedimentada na nossa estrutura social e jurídica, não apenas sobrecarrega o Judiciário, mas limita a nossa capacidade de buscar soluções criativas, efetivas e humanizadas.
O que a gente quer convocar aqui é um olhar para além das leis atuais, porque nós enfrentamos uma limitação de visão. Eu entendo que o nosso olhar precisa ser ampliado para além dos tribunais e das salas de audiência. Considerando que o processo estrutural é um diálogo constante e que o consenso entre as partes interessadas é a base para melhor solucionar os problemas identificados, nossa proposta é integrar os mecanismos adequados de resolução de conflito, aqui representados pela mediação, pela conciliação e pela negociação, como componentes essenciais ao aprimoramento e à construção do processo estrutural.
Essa proposta não é uma medida técnica. Ela é, antes de tudo, uma convocação à transversalidade da consensualidade. Tivemos vários avanços com a Lei de Mediação, com alguns artigos do CPC, mas nós sabemos que, de fato, ela não foi efetivada. Sabemos muito, também, quais são os fatores que dificultam essa efetivação e esse reconhecimento: o próprio formalismo jurídico; o desconhecimento; a desinformação; a inércia institucional; a falta de incentivos adequados; a pouca articulação entre setores públicos e privados e, como é da nossa expertise, a fragilidade da integração entre câmaras privadas credenciadas de mediação e resolução de conflitos com o sistema público; a falta de regulamentação específica para esse agente da Justiça denominado mediador, conciliador. Isso é uma agravante que faz com que o estímulo...
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Desculpa.
Isso é um agravante, que faz com que esse estímulo à mediação não aconteça e aconteça pelos diversos atores da sociedade sem que sejam efetivamente mediadores. É fundamental que a mediação - vou completar a Dra. Trícia, que falou -, os métodos consensuais precisam ser vividos e trabalhados por mediadores, por pessoas que tiveram a formação de mediadores e conciliadores. Se assim não o for, dificilmente a gente, inclusive, faz a distinção do que é conciliação para o que é mediação efetivamente.
A gente sabe que não adianta promulgar a lei. A gente precisa incentivar esses métodos adequados.
Então, a nossa proposta, em especial, é essa. Mas não podemos deixar de considerar que, para que ela funcione, é preciso que a gente faça um estímulo à mediação pré-processual. Pensamos em vários incentivos fiscais para que as pessoas possam optar e resolver suas disputas fora dos tribunais. Mas eu volto a dizer: é importante para nós que haja uma regulamentação, que haja uma remuneração e que haja uma contratação de profissionais mediadores e conciliadores para atuarem dentro do processo e que não seja apenas como um conhecimento que perpassa pelos mais diversos atores do processo.
Então, nós estamos sugerindo aqui outra coisa. Nós fomos convocados como instituições formadoras de mediação, mediadores e conciliadores. E eu acho que esse elo é preciso se estabelecer de uma forma mais objetiva. É importante a gente estar aqui podendo falar disso. Nós formamos mediadores, formamos conciliadores, mas precisamos fazer uma campanha, vamos dizer, uma valorização para que este processo seja efetivamente conhecido pelos diversos atores da sociedade. Caso contrário, isso não vai funcionar como uma política.
Nós pensamos, desde as nossas ideias, que, para que um processo, um projeto funcione... Se possível, a gente gostaria, é claro, de colocar a mediação nos currículos. O processo mediação eu acho que, de verdade, é um trabalho de consensualidade, e a consensualidade é a marca registrada e básica para o processo estrutural. A gente gostaria de apresentar um programa - isso é uma ideia, nós depois podemos nos debruçar sobre isso - continuado e intersetorial, que propõe a criação de um programa que abranja os mais diversos órgãos públicos, promovendo a articulação das mais diferentes políticas públicas, de modo a garantir que as áreas como saúde, educação e segurança também se beneficiem de uma abordagem intersetorial, contribuindo para o cumprimento dos objetivos, inclusive do desenvolvimento sustentável.
Outra coisa interessante que nós entendemos é que é preciso que haja uma campanha de conscientização pública. A gente acha interessante que haja uma campanha para informar ao público de um modo geral, aquele que vai inclusive se beneficiar do processo de mediação, utilizando mídias e redes sociais, para mudar a percepção daquele que vai ser abraçado pela solução.
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Nós temos uma crítica construtiva, esta é a primeira, como eu já disse, que é a mediação hoje vivenciada pelos mais diversos atores, sem que, necessariamente, eles estejam especificamente formados como construtores de diálogo, como especialistas em consensualidade. Então, esse é um ponto que a gente acha muito importante. Que sejam convocados esses especialistas de diálogo para estarem na construção, para estarem na formação, para estarem no trajeto como um todo, de todo esse processo, coisa que a Dra. Trícia já falou algo a respeito.
Então, a gente propõe que algo da pedagogia da mediação seja trabalhado num processo estrutural. Se essa pedagogia da consensualidade não for trabalhada, não vai adiantar que a gente estabeleça leis, projetos, ou - desculpe - coisas assim. Porque a verdadeira essência... Eu não vou me alongar, porque a Dra. Trícia já falou muito bem sobre esse espaço de mediação e conciliação. Eu gostaria só de acrescentar que achei interessante essa pauta que você disse da contextualidade, mas eu acredito que ela faz parte da mediação. Ela faz parte, inclusive...
(Soa a campainha.)
A SRA. RITA ANDREA GUIMARÃES CARVALHO PEREIRA - ... ela é o grande diferencial entre a mediação e a conciliação; um dos grandes diferenciais.
Então, para terminar, nossa ideia é esta: que sejam, de fato, integrados os métodos adequados de resolução de conflitos; que haja, de fato, uma parceria e uma formação adequada para esses mediadores. Para fechar, eu vou citar Emmanuel Levinas, que fala que a verdadeira essência da justiça é reconhecida na responsabilidade pelo outro.
Que essa proposta seja o início de uma era em que o envolvimento, a participação e a responsabilidade sejam os verdadeiros fundamentos da nossa sociedade. Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Rita Andrea Guimarães, Representante de Instituto e Câmara de Mediação Aplicada.
Chamo agora o último convidado do segundo bloco, o Prof. Marcelo Pereira de Almeida, Representante da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro), para fazer a sua exposição em até dez minutos pela via remota.
Com a palavra, S. Exa., o Dr. Marcelo Pereira.
O SR. MARCELO PEREIRA DE ALMEIDA (Por videoconferência.) - Boa tarde. Primeiramente, gostaria de cumprimentar o Dr. Augusto Aras, cumprimentar também o Dr. Edilson Vitorelli, os demais componentes desta Comissão, principalmente, e com destaque, o Prof. Roberto Campos Gouveia, que nos fez o convite para traçar algumas considerações e algumas inquietações que são comuns nesse espaço importante de debate, nesse espaço importante de diálogo. E destaco que me sinto muito honrado, primeiramente, em participar desse processo de elaboração de uma proposta para tentar encontrar caminhos que sejam mais viáveis para a regulação de um modelo processual que se desenhou a partir das necessidades que o cotidiano, que os fatos nos impõem.
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Também, da mesma forma, me sinto muito honrado em estar representando a Associação Brasileira de Direito Processual, que é uma instituição de professores, uma associação de professores que discutem intensamente o processo a partir de uma premissa epistemológica, sobretudo, numa visão mais inclinada ao garantismo processual.
Então, é uma honra participar. Eu sou professor da Universidade Federal Fluminense, no programa de doutorado e na graduação; sou professor da Universidade Católica de Petrópolis; sou advogado; professor também do Unilasalle-RJ.
O processo estrutural, sobretudo, é um tema que vem sendo alvo das minhas pesquisas. Eu lidero o grupo de pesquisa Observatório das Reformas Processuais destinado a buscar soluções para questões envolvendo demandas seriais e litígios coletivos e complexos, de modo que esse é um tema que faz parte diretamente das minhas pesquisas.
Neste momento, eu estou aqui representando a Associação Brasileira de Direito Processual, e acho importante marcar algumas considerações da Associação a respeito do tema.
Primeiro que a associação parte, a maioria dos seus membros, da premissa de que o processo é uma instituição de garantia, que jurisdição é poder e o processo é uma instituição de garantia. A partir dessa premissa, a associação apresenta algumas preocupações com esse denominado modelo estrutural de processo. Ela não desconsidera a existência do processo estrutural, mas tem um olhar epistemológico um pouco diferente de muitas posições que aqui foram colocadas.
É importante deixar isso muito claro, porque esse é um espaço plural de debates e todos que estão aqui presentes, nesta Comissão, estão com o mesmo objetivo de tentar encontrar pontos que possam ser pontos mais seguros para que se permita uma acomodação dessa temática que é tão complexa, e que é exatamente voltada a solucionar litígios que são dos mais complexos.
Então, a primeira questão é esta: partir da premissa de que o processo é instituição de garantia. Essa é a leitura que a Associação Brasileira de Direito Processual faz. Eu, particularmente, nas minhas pesquisas, venho investigando essa questão.
O primeiro ponto de destaque - e depois obviamente nós vamos apresentar as considerações por escrito, para que a Comissão possa considerar a viabilidade de inserir, de incorporar na proposta preliminar - é que nós temos a necessidade, isso já foi destacado por outros expositores aqui nas suas comunicações anteriores, de definir exatamente o que seria o litígio complexo, o litígio estrutural, as suas principais dimensões.
É claro que o dinamismo da sociedade e os problemas são postos no cotidiano, mas precisamos de um mínimo de regulação a respeito dos contornos do que seria litígio complexo, litígio estrutural, que, nós sabemos, o Supremo Tribunal Federal ensaiou no tema 698, mas ainda, obviamente, ficamos com uma disposição muito genérica a respeito.
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Então, esse é o primeiro ponto, que parece já ter sido objeto de uma certa tendência de consensualidade a respeito: definir aquilo que seria considerado litígio estrutural.
Bem, preocupa-me - e preocupa muito a associação - que embora esses litígios complexos não sejam direcionados, como nós sabemos, apenas à efetivação e controle de políticas públicas, no Brasil - as pesquisas mostram isso, os números mostram isso -, um dos principais problemas, dos mais sensíveis já apontados aqui por vários atores que me antecederam, é exatamente a questão que envolve a efetivação e o controle de políticas públicas, com problemas de escolhas políticas, a intervenção jurisdicional nesse campo, o problema da escassez dos recursos, o problema da alocação desses recursos. Então, esse parece ser algo que é muito sensível e que precisa de uma acomodação, porque nós sabemos que a partir do momento que o Poder Judiciário passa a ser esse espaço para discutir e buscar a efetivação desses direitos, que são direitos fundamentais - e a Constituição dá esse comando -, precisamos encontrar algumas balizas que deem um pouco mais de segurança para isso. Então, essa é uma das preocupações da associação, definir esses contornos, sobretudo no campo do processo mesmo, já que parte da premissa de que o processo é uma instituição de garantia. Então, as colocações que nós estamos fazendo são obviamente a título de contribuição, as críticas que são feitas são a título de contribuição, é claro, nesse rico espaço plural, e ter a oportunidade de discutir e de contribuir para esse debate é algo que realmente nos honra muito.
E, em nível do processo propriamente, o Prof. Edilson Vitorelli destacou na sua fala que encerrou o primeiro bloco que o rito já existe, que é o rito da ação civil pública. Porém, nós sabemos que a ação civil pública, a legislação, apesar das mudanças que já aconteceram, foi forjada num momento em que a preocupação, o centro de gravitação era o dano e a potencialidade do dano, nós sabemos disso, e que o Código de Processo Civil faz as integrações. E o Código de Processo Civil, nessa integração necessária para que se permita a construção de um rito, prevê disposições de contenção, como a observância da congruência lá no 141 e no 492; a observância da estabilização objetiva, no 329, e isso, no campo pragmático do processo estrutural, vem sendo flexibilizado, sem contar com as flexibilizações procedimentais, que, é bem verdade, diante da complexidade do litígio posto, diante da complexidade do objeto posto, muitas vezes, há a necessidade dessa flexibilização, mas essa flexibilização deve contar com um amplo debate; se for o caso, um contraditório muito valorizado, ou seja...
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(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO PEREIRA DE ALMEIDA - ... o legislador deu respostas para a contenção e essas respostas estão no CPC. A flexibilização procedimental, que é prevista no CPC, é ilimitada lá no art. 139, inciso VI, como nós sabemos. A flexibilização da congruência não está definida claramente, e a flexibilização da estabilização também não está definida - e parece que o legislador deu essa resposta.
Então nós precisamos, parece-me - e esse é um posicionamento que eu posso afirmar que é um posicionamento também da Associação Brasileira de Direito Processual -, definir regras um pouco mais claras a respeito disso, exatamente para que a gente possa fazer esse contraponto importante de se regular um modelo processual - e este é o esforço que todos nós estamos fazendo aqui nesta Comissão...
(Soa a campainha.)
... elaborar uma proposta que possa trazer um pouco mais desse equilíbrio. E para isso, parece-me... Um posicionamento que eu tenho, de forma mais particular, e uma preocupação nas minhas pesquisas, que eu venho desenvolvendo no âmbito dos programas, é a necessária interação. E isso muito se alinha com o posicionamento do Prof. Edilson Vitorelli, ou seja, nesse campo processual, a valoração do contraditório é importante. Mas, sob o ponto de vista dessa participação, é fundamental que se dê oportunidade para a sociedade civil organizada se colocar como legitimada, se colocar como ator importante na tomada dessas decisões, para que esse processo - já estou concluindo - realmente possa se legitimar em perspectiva democrática.
Então, eu queria agradecer mais uma vez a oportunidade, a honra de fazer parte deste momento tão importante que é o de regular ou o de se tentar buscar alguns consensos para se organizar esse modelo que vem sendo denominado de modelo estrutural de processo. Agradeço mais uma vez a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Marcelo Pereira de Almeida, representante da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro).
A participação, nas audiências públicas, está concluída neste instante. Passo a palavra agora aos srs. membros, pela ordem de inscrição, a começar da Profa. Juliana Cordeiro.
A SRA. JULIANA CORDEIRO DE FARIA - Exmo. Sr. Presidente da Comissão, Augusto Aras, na pessoa de quem eu cumprimento todos os aqui presentes. Cumprimento também o meu querido colega e Relator desta Comissão, Prof. Edilson Vitorelli. Eu também gostaria aqui de fazer um registro e cumprimentar a Secretaria da Comissão, que tão bem vem conduzindo aqui os nossos trabalhos, permitindo que a nossa audiência pública fluísse com toda a riqueza que nós esperávamos alcançar como resultado final.
Então, Sr. Presidente, eu não vou ocupar aqui muito do tempo, até porque muito já foi dito. Eu acho que o objetivo aqui...
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Eu deixei para falar apenas no final para registrar que esta foi uma audiência pública bastante rica, em que nós tivemos pluralidade de ideias, colaborações tanto teóricas quanto práticas.
Agora, o nosso desafio, na verdade, é digerir todas essas contribuições que foram trazidas, para que elas possam ser materializadas no melhor projeto que a nossa sociedade possa ter.
O processo estrutural é, sim, hoje, uma realidade da nossa sociedade.
Nós vamos ter que o direito, a produção; o fenômeno do direito nasce dos fatos, nasce da vida, e, depois, ele vem à regulação.
Eu acho que, hoje, nós podemos fazer uma regulação e dar ao nosso país um processo, um modelo de processo estrutural com identidade própria, que respeite garantias constitucionais, que respeite e que consolide, cada vez mais, a nossa democracia, a partir de uma ideia de diálogos interinstitucionais...
(Soa a campainha.)
A SRA. JULIANA CORDEIRO DE FARIA - ... que foram aqui tão bem-trazidos e com a introdução de um novo modelo de decidir, que é através das sentenças dialógicas.
Sr. Presidente, caro Relator, a audiência pública cumpriu bem o seu papel de dar uma resposta à pergunta que foi formulada.
Nós temos aqui também um endereçamento e uma leitura de que aquela proposta inicial que foi feita pelo Relator, no início dos nossos trabalhos, está em sintonia com os anseios de todos aqueles que participaram da audiência pública.
Eu acho que a Comissão encerra esta audiência pública com um sinal de que nós estamos no bom caminho.
Então, muito obrigada por estes dois dias de grande aprendizado, com todos aqueles que participaram.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Profa. Juliana Cordeiro.
Eu registro, para todos os membros da Comissão, especialmente para a V. Exa., que, no início da sua fala, eu passei uma mensagem ao Presidente Rodrigo Pacheco, dando conta do sucesso desta primeira fase dos nossos trabalhos e da audiência pública.
Fico muito satisfeito pela sua manifestação de V. Exa., porque vem a corroborar exatamente o nosso pensamento, daqui da mesa, acerca da grandeza desta participação democrática, republicana e de abertura de manifestação de todos os pensamentos existentes em derredor do tema a ser elaborado, o anteprojeto.
Obrigado, Professora.
Passo a palavra, agora, à segunda inscrita, Desembargadora colega Lilian Maciel.
O SR. LILIAN MACIEL - Obrigada, Presidente.
Cumprimento V. Exa., o nosso Relator, o colega Desembargador Edilson Vitorelli e toda a equipei que nos apoiou, todos os participantes desta audiência pública, que realmente foi algo extremamente profícuo.
E como é bom ouvir, porque é essa escuta ativa que possibilita que venham, então, as nossas ideias.
O primeiro ponto que eu gostaria de trazer à tona para a nossa reflexão é relembrar o que é a ideia de um processo justo.
O processo justo perpassa por um tripé de que ele seja adequado, efetivo e célebre. Nós não devemos nos distanciar, nas nossas propostas, da busca exatamente dessa adequação do procedimento, de modo que seja efetivo e célere e resulte num processo justo para quem? Para a nossa sociedade.
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Então, numa primeira parte do nosso projeto, vislumbro como imprescindível, realmente, esse viés principiológico e digo o porquê. Como magistrada, quase fiz parte do ministério, mas especificamente como magistrada, também atuando em Fazendas Públicas, vejo que essa visão solipsista e individualista de nós, magistrados, tem que encerrar, e o processo estrutural é a grande seara, o grande campo, onde podemos ter um tipo de atuação diferenciada da que temos até então.
Imiscuir em políticas públicas, confesso que não é uma situação confortável. E termos essa possibilidade de um espaço democrático dentro de um processo estrutural é de grande valia para o Poder Judiciário...
(Soa a campainha.)
O SR. LILIAN MACIEL - ... e entendo que vai propiciar a legitimidade de atuação do Poder Judiciário perante o Executivo e perante o Legislativo.
Então, essa tônica, acho importantíssima e imprescindível no projeto de lei.
E uma segunda etapa, realmente procedimental, com um grande fortalecimento da consensualidade, porque, volto a dizer, nesse espaço democrático é que conseguiremos, enquanto Poder Judiciário, essa legitimidade. E, à medida que nós fortalecemos essa decisão que vai ser construída de uma forma coletiva, entendo que teremos um bom êxito e a efetividade e o alcance desse processo estrutural.
Com isso, chamando atenção, porque o Presidente Aras falou até de jurisdição voluntária, pensei aqui: e o processo de inventário, que não é muito afeto aqui à seara da Justiça Federal, mas é um processo eminentemente administrativo? Por que nós não podemos pensar algo semelhante para o nosso processo estrutural?
Então, vêm essas ideias, que depois nós formularemos, ilustre Presidente, mas só para trazer a tônica dessa importância, tanto do viés substancialista, principiológico, para darmos essa feição de que não estamos mais solipsistas, e que somos um espaço também democrático dentro do Judiciário, e também da questão procedimental.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Desembargadora Lilian Maciel.
Lembrei agora também do processo eleitoral, cuja primeira e mais importante fase, que é a da estrutura e organização do Colégio Eleitoral, é praticamente 65%, 70% de toda a atuação da Justiça Eleitoral e administrativa.
Passo a palavra ao terceiro inscrito, que é o Professor José Bernardo.
Com a palavra.
O SR. JOSÉ BERNARDO DE ASSIS JÚNIOR (Para expor.) - Exmo. Sr. Presidente desta tão importante Comissão, não posso deixar de registrar aqui, tal como minha colega de Comissão, Professora Juliana, o absoluto sucesso dos trabalhos.
Queria parabenizar V. Exa. pela forma democrática da eleição dos convidados e pela condução dos trabalhos. Acho que isso demonstra bem um pouco desse pluralismo, a que tanto fazemos referência aqui hoje, mas que é a melhor forma, não há dúvida, de se construir um projeto de lei de tamanha importância e que tanta aplicação já tem na realidade brasileira.
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Também parabenizo o nosso Relator, que, quase como um desabafo, se me permite assim mencionar, na intervenção anterior, registrou um pouco do pensamento de todos os integrantes desta Comissão sobre a importância e a realidade do processo estrutural e de que nada mais justo, nada melhor de que isso seja feito no ambiente do Parlamento brasileiro. Talvez seja sintomático de que estejamos aqui, na Casa, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, porque talvez o processo estrutural seja justamente a forma como os direitos fundamentais, previstos na Constituição, possam, muitas vezes, se valer da Justiça, do Poder Judiciário para serem materializados enquanto instrumentos e formas efetivas do exercício da cidadania.
Acho que essa é a melhor explicação e a melhor manifestação...
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ BERNARDO DE ASSIS JÚNIOR - ... em relação a esse projeto.
Digo mais: não vamos nos esquecer - e isso tenho certeza de que todos os interlocutores têm em mente - de que esse projeto, que será apresentado pela Comissão, será submetido ao devido processo legislativo; ou seja, quando então todos os efetivos e diretos representantes populares poderão aí, sim, fazer as mais diversas sugestões, as mais diversas emendas e as mais diversas proposições de alteração e de manutenção, para que, efetivamente, o povo brasileiro possa ter a melhor regulamentação sobre o processo estrutural.
Presidente, já ciente do adiantado da hora, eu só não poderia deixar de fazer referência a uma frase, que ontem V. Exa. tão bem mencionou, trazida aqui pelo Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, que, nesse contexto de catástrofe ambiental, trouxe a importância do processo estrutural também para essas tragédias naturais que, cada vez mais, se tornarão presentes e se farão presentes no nosso país. Quando ele disse que o processo estrutural não é do Poder Judiciário, o processo estrutural é de todos nós, aí eu complemento: o processo é de todos nós, enquanto sociedade, enquanto vítimas, vítimas, inclusive, do sistema prisional, como na ADPF 347, em que as vítimas daquele processo são os presos, são aquelas pessoas que se sujeitam ao estado de coisas inconstitucional do caótico sistema penitenciário nacional.
Se o processo estrutural é de todos nós, é importante também lembrar, até a partir dos administradores públicos que foram ouvidos aqui, nesta audiência pública, que ele também é do administrador público; ou seja, processo não é burocracia, processo é garantia, processo é forma, forma é garantia, e garantia, inclusive, ao administrador público que poderá obviamente, mais do que nunca, ter critérios claros, objetivos e precisos para a sua atuação.
É isso, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
Parabéns a todos os integrantes!
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Muito obrigado, Prof. José Bernardo.
Passo a palavra agora ao Prof. Roberto Gouveia Filho, último inscrito nos trabalhos de hoje.
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O SR. ROBERTO P. CAMPOS GOUVEIA FILHO - Muito boa tarde, Sr. Presidente, Sr. Relator, Sra. Secretária, demais membros aqui presentes.
Primeiramente, gostaria de parabenizar o senhor, em nome de todo mundo, pelo pleno êxito desta audiência pública. Conseguimos, aqui, trazer instituições das mais variadas, tanto públicas, quanto da sociedade civil organizada, sem falar de ontem, em que pessoas, propriamente ditas, falaram na condição de especialistas do assunto.
Só para pontuar uma questão aqui, que tem a ver com o que já falei ontem acerca do aspecto procedimental, eu acho que a contribuição que a Dra. Trícia aqui trouxe foi muito importante. Essa ideia de contextualização. Confesso que eu não a conhecia, mas tem tudo a ver com aquilo que eu penso. Eu acho que deve vir, como eu disse, um juízo de admissibilidade profundo, logo de início, que abra para essa fase de contextualização, que culmine, enfim, em uma audiência ou algumas audiências, para que aí, sim, venha propriamente a decisão certificatória, e que essa decisão seja plenamente aberta à esfera recursal e que encerre o ponto aí e passe, a partir disso, à fase, propriamente, mais de implementação.
Era tudo isso o que eu tinha a dizer.
Muito obrigado.
Muito boa tarde a todos.
O SR. PRESIDENTE (Augusto Aras) - Obrigado, Prof. Roberto Gouveia Filho.
No encerramento dos nossos trabalhos, eu coloco em votação as atas da terceira, quarta e quinta reuniões, solicitando a dispensa das leituras.
Os senhores e as senhoras que as aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Declaro-as aprovadas, e serão publicadas no Diário do Senado Federal.
Não havendo nada mais a tratar, agradeço a presença de todos e, antes do encerramento, convido-os a usar as ferramentas postas à disposição, não somente o Teams do Senado, mas agora, também, com algumas cautelas, o sistema do WhatsApp, para que, independentemente do cumprimento do calendário que nós temos a cumprir na Comissão, até o dia 12 de dezembro, todos os integrantes membros da Comissão possam trocar ideias, debater com o Relator, com a Presidência, com a organização e entre si, sem maiores preocupações, a não ser a busca da melhor síntese possível, para que consigamos elaborar um anteprojeto que venha, quiçá, a ser aprovado, na sua maior parte ou todo o seu conteúdo, pelo Congresso Nacional.
Então, com isso, declaro encerrada a presente reunião, agradecendo pessoal e institucionalmente a todos pela participação efetiva, presencial e remotamente pelo sistema.
Ao colega, à Dra. Renata, em especial, aqui ao nosso lado com o Henrique, com o Leandro, enfim, a todos os colegas da organização também, o nosso agradecimento.
Uma boa tarde a todos.
(Iniciada às 10 horas e 09 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 51 minutos.)