Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
|---|---|
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 40ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 46, de 2024, da CDH, de nossa autoria, para discutir, mediante provocação que recebemos - provocação, que eu digo, é praticamente uma convocação -, para discutir os assassinatos de crianças e adolescentes no Brasil. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. Eu farei uma fala de introdução para situar os nossos convidados, os telespectadores, aqueles que nos ouvem também pela Rádio Senado, pela TV e por todo o sistema de comunicação na Casa. Nós estamos numa semana em que a votação e a discussão podem ser virtuais e, por isso, aqui, no dia de hoje... Eu sei da importância deste tema, mas já temos nossos convidados que farão suas falas via teleconferência e serão ouvidos por todo o Brasil. Vamos ao tema. Esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa foi solicitada para debater a violência contra crianças e adolescentes, um tema urgente, muito urgente. É alarmante o estudo realizado por Unicef e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, intitulado Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil. Há uma realidade devastadora que aqui foi revelada: nos últimos três anos, mais de 15 mil crianças e adolescentes, com idade entre 0 e 19 anos, foram mortos de forma violenta em nosso país. Além disso, no mesmo período - vejam só -, 165 mil meninas e meninos, dessa mesma faixa etária de 0 a 19 anos, foram vítimas de violência sexual. Esses dados nos deixam mais do que preocupados, tristes, até envergonhados que isso aconteça no nosso país. |
| R | Mediante esses fatos, eu levanto ainda que o estudo aponta, entre outros fatores, um aumento preocupante na porcentagem de mortes causadas pela violência - vejam, a violência tanto civil como infelizmente que envolva policiais. Um dado: em 2023, quase uma em cada cinco crianças e adolescentes mortos no Brasil foi vítima de balas da segurança pública. O número de casos de estupro contra crianças e adolescentes tem crescido em todo o país. Em 2021, foram registrados 46.863 casos de violência sexual, número que saltou para 63.430 em 2023. Vejam só a gravidade: saímos de 46 mil para 63 mil num período praticamente de, no máximo, três anos. Isso tudo significa que, no último ano, uma criança ou um adolescente foi vítima de estupro a cada oito minutos. Repito: isso significa que, no último ano, uma criança ou um adolescente foi vítima de estupro a cada oito minutos. A situação é ainda mais alarmante entre as crianças mais novas. As mortes violentas aumentaram 15,2% entre crianças de até nove anos de idade, e a violência sexual teve um crescimento especialmente entre meninas e meninos dessa faixa etária. Entre 2022 e 2023, os registros de estupro contra crianças de até quatro anos de idade aumentaram 23,5% - são crimes hediondos que estão aumentando, e a sociedade tem que se mexer, tem que responder -, enquanto, entre aquelas de cinco a nove anos, o aumento foi de 17,3%. Ambos são da maior gravidade, mas vejam: entre aquelas de até quatro anos, aumentou 23,5% e, entre aqueles que têm de cinco a nove, 17,3%. A covardia cresce, e os números não mentem. O estudo também destaca a violência contra meninos negros. A maioria das vítimas de mortes violentas no Brasil tem entre 15 e 19 anos (91,6%). Desses 91,6%, eram pretos ou pardos 82,9%, e do sexo masculino, 90%. O menino negro entre 0 e 19 anos no Brasil tem 21 vezes mais chances de ser morto do que uma menina branca dessa mesma idade. Não importa se é negro ou branco, não poderia estar acontecendo isso em hipótese nenhuma, e os percentuais de números para mais e para menos mostram que são todos crimes hediondos. Esses números, por mais impactantes que sejam, são apenas uma amostra da gravidade da situação. A situação não pode continuar como está. Alguém tem que gritar. |
| R | E a Comissão de Direitos Humanos vai fazer a sua parte aqui no Congresso Nacional, mais especificamente no Senado. Estamos dispostos a nos deslocar para qualquer região do país para aprofundar o debate e para que se tomem medidas cabíveis para que esses crimes hediondos não continuem acontecendo. O Brasil precisa agir com urgência e firmeza no combate à violência contra nossas crianças e adolescentes. Todos nós sabemos que a omissão é uma forma de cumplicidade. O Projeto de Lei 5.231, de 2020, que trata da abordagem policial, apresentado por mim aqui no Senado, foi aprovado e está na Câmara dos Deputados há alguns anos, como está também o dos aposentados e pensionistas, há mais de uma década parado lá na Câmara dos Deputados, aquele que garante uma política decente aos aposentados e pensionistas. Apresentei e aprovei há mais de dez anos. Mas vamos lá. O país não pode mais aceitar abordagens truculentas, racistas, discriminatórias, preconceituosas, que são um veemente ataque aos direitos humanos e à dignidade. Já chegou aqui o nosso mestre convidado - é um tema que eu sei que ele trata com todo o carinho e, quando convidado, ele se faz presente - Gabriel Sampaio, advogado, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. Gabriel, eu aproveitei o período, enquanto alguns entraram por videoconferência - devido a esse período aqui que o Senado está votando à distância, uns entrarão também por conexão via internet -, e fiz a apresentação do tema mostrando dados alarmantes do assassinato de crianças e adolescentes e da violência sexual de crianças e adolescentes, mostrando que a maioria dos que são assassinados e vítimas de violência sexual de meninos e meninas são negros e negras. Mas eu dizia aqui que, seja branco, seja negro, seja indígena, seja quem for, seja migrante, seja refugiado, o Brasil tem que reagir. A situação não pode continuar. Os números são alarmantes. Eu só vou me permitir repetir aqui os dados que eu recebi da Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que você conhece muito bem. Nos últimos três anos, mais de 15 mil crianças e adolescentes foram assassinados, de 0 a 19 anos. E outro dado, só para você que vai ser o primeiro a falar: além disso, no mesmo período, 165 mil meninas e meninos dessa faixa de 0 a 19 anos foram vítimas de violência sexual. Depois os dados mostram que, principalmente, de zero a quatro anos é a maior quantidade. Gabriel Sampaio, é uma alegria recebê-lo aqui. Você tem sido sempre um lutador, eu digo um herói anônimo - um herói anônimo, porque não está todo dia, como nós estamos aqui no Congresso, digamos com uma visibilidade que deveria ter. E é um estudioso desse tema. Eu sei que você se dedica, como a gente fala, com alma e coração a combater esses crimes monstruosos, que eu chamo de crimes hediondos. |
| R | Gabriel Sampaio, Advogado, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos, com a palavra. Você tem 15 minutos, com mais cinco; se precisar de mais, naturalmente nós vamos assegurar. Depois, teremos outros convidados por videoconferência e também outros que estarão aqui presencialmente. O SR. GABRIEL SAMPAIO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Valeu, amigo. O SR. GABRIEL SAMPAIO - É uma honra enorme estar de novo na presença de V. Exa., Senador Paulo Paim, que dignifica o Senado Federal, presidindo a Comissão de Direitos Humano, sobretudo dedicando a sua trajetória pública à defesa da democracia, à construção da nossa Constituição Federal, à construção e consolidação de um processo democrático e, sobretudo, sinalizando para todos nós, todas nós, pessoas negras, o quanto é importante, valoroso e valioso ocupar esse espaço no Senado Federal. Fica aqui... Rendo sempre minhas homenagens à sua figura, Senador. E, agradecendo também as palavras, me dirijo também a essa discussão, pegando justamente do ponto que V. Exa. destacou. Nós temos acompanhado a última série de dados, sobretudo do Atlas da Violência, do Mapa da Violência, produções que têm se consolidado a partir do trabalho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e também do Unicef. Recordo-me de que, há cerca de uns 15 anos, Senador, havia sempre uma discussão sobre a confiabilidade dos dados. Nós tínhamos ali ainda uma dificuldade nos fluxos dos dados, tanto do Sistema Único de Saúde, quanto do Sistema de Segurança Pública. As iniciativas, as dificuldades de sistematização de dados não permitiam que nós tivéssemos um diagnóstico tão completo quanto nós temos. E não que seja a que nós temos hoje. Nós temos há pelo menos uma década - vamos falar em 12 anos, 13 anos - capacidade suficiente de ter dados que sejam capazes de fundamentar as políticas públicas. E aí, passada mais essa década, nós vamos perceber que há uma constância, há uma resiliência de dados que afetam a nossa juventude, especialmente em relação à mortalidade violenta. A mortalidade violenta é provocada por diversos fatores que envolvem a sociedade, que nem sempre são esclarecidos por conta da dificuldade do sistema de justiça em trazer esclarecimento a todas as situações de morte violenta. E também há uma resiliência relacionada às mortes provocadas pelo Estado. Bom, que características fundamentais elas têm? V. Exa. retomou o dado de 15 mil no último ano, das mortes envolvendo crianças e adolescentes. Quero deixar aqui um abraço ao meu amigo Douglas Belchior. E também... (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É com alegria que nós registramos a presença, já vai direto para a mesa, desse líder que é o Douglas Belchior, representante da Uneafro, que já está aqui conosco, e ele também que é um lutador. Eu disse que esse aqui, o Gabriel, é um herói. Você também é um herói. Cada um trabalha no seu campo de atuação para salvar vidas, seja criança, adolescente, combatendo todo tipo de preconceito. É uma alegria enorme estar aqui com dois líderes que são respeitados em todo o país e internacionalmente. Volto a palavra para o Gabriel. |
| R | O SR. GABRIEL SAMPAIO - Obrigado, Senador. Eu dizia dessa questão dos dados. E eu já conheço o Douglas nessa luta e nessa militância antes mesmo dessa confiabilidade dos dados. A gente já se conhece bem lá uns 20 anos. Eu dizia, Douglas e colegas, que nós já podemos traçar com um nível de confiabilidade... Pelo menos há mais de uma década, há 12 anos, 13 anos, há a confiabilidade de termos dados suficientes para conseguirmos estruturar e fundamentar políticas públicas. Esses dados têm um traço resiliente e constante no sentido da afetação dessas mortes violentas. Elas têm uma característica não só afetando preponderantemente a juventude e ainda mais a juventude negra... Senador, na série histórica, nós vamos ter essa resiliência manifestada num tamanho, numa proporção sempre acima de 70% - 70%, 75%, se aproximando a 80% - na representatividade das pessoas negras nessas mortes. Não é um dado que aparece hoje, é um dado que já tem mais de década. Pode-se dizer que as mortes violentas como um todo são multifatoriais, que é difícil fazer um diagnóstico único, que temos uma série de contextos para discutir - pretendo tratar um pouquinho disso na fala -, mas também chama atenção que as mortes provocadas pelo Estado também tenham essa mesma resiliência, também sempre acima de 70%. E, quando nós falamos das mortes provocadas pelo Estado, nós temos que reconhecer aqui que, nesse caso, é indefensável que o Estado não tenha capacidade de produzir políticas públicas eficazes para evitar essas mortes. Pode-se argumentar que há várias questões em relação aos contextos, mas o diagnóstico, que eu trago aqui e que eu acho importante nós trazermos para essa discussão, está diretamente relacionado ao projeto de país e à relevância, à preponderância das políticas públicas que atendam a juventude. E, muitas vezes, tentaram colocar a avaliação, por meio dos estudos, da doutrina, da literatura, de algumas soluções que foram se mostrando, algumas mais, outras menos, eficazes em relação a essa matéria. Por um tempo, havia um entendimento de que, havendo o investimento, com o país demonstrando capacidade de crescer economicamente, de combater as causas da desigualdade, da miséria, nós teríamos condições de automaticamente também reduzir esse cenário de violência e de mortalidade violenta. Pelo menos há dez anos, nós podemos dizer que esse argumento é insuficiente. Nós lamentamos, porque evidentemente nós sabemos o quanto é importante a preponderância dos investimentos envolvendo o enfrentamento às nossas desigualdades e à miséria, mas eles sozinhos não dão conta desse fenômeno. |
| R | Qual é o indicativo e o que é importante trazer aqui para o Senado Federal e para esta discussão na Comissão de Direitos Humanos? Nós precisamos cada vez mais ter uma atenção especial para o fenômeno e destrinchar cada um desses dados. Há um dado relevante, Senador. Se nós examinarmos com uma lupa o conteúdo desses dados, nós vamos ver, evidentemente, uma preponderância em algumas regiões do país, dados muito acima da média em alguns estados, mas, especialmente, nós vamos identificar que os dados mais altos afetam regiões que podem ser objeto de política pública focalizada, o que significa dizer... Se pegarmos como exemplo o Estado de São Paulo, que é o estado onde eu nasci - o Douglas também é de São Paulo -, não significa que o estado vai precisar de uma política geral para todo o estado resolver o problema. É evidente que é importante ter políticas gerais, mas, se o Estado tiver a capacidade de identificar as políticas públicas para os territórios mais violentos e mais específicos, isso vai ser mais eficaz. E, aí, nesse caso, incide um dado importante. O pesquisador Daniel Cerqueira correlaciona, por exemplo, o investimento em educação: ter um investimento geral em educação para promover a educação dos nossos jovens, mas ter investimento naquela região onde as mortes violentas são mais agudas. Significa que aquele espaço público precisa ter a melhor escola, significa que aquele espaço público precisa ter o melhor acesso ao esporte, o melhor acesso à cultura, porque nós estamos falando da necessidade de enfrentar um fenômeno e de trazer alternativas sociais que sejam eficazes para aquele contexto de território. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Douglas e Gabriel, que já estão aqui, eu fiz uma introdução. O Gabriel está fazendo a sua fala. Em seguida, vai falar o Douglas. E temos ainda, por videoconferência: Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Marta Volpi, Diretora de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, representante do Ministério dos Direitos Humanos. E, agora, para a satisfação nossa, chegou aqui o nosso querido líder também, lutador por essa causa, que é o Marivaldo de Castro Pereira, Secretário Nacional de Assuntos Legislativos, que aqui hoje representa o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Fiquei muito feliz com a tua chegada, viu? Se o Ministério da Justiça e Segurança Pública não estivesse aqui, entre nós, eu sei que seria uma tristeza. A gente daria a devida explicação, mas não iria convencer. Também é com alegria que eu vejo que o Cauê Martins vai estar aqui representando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Marta Volpi estará representando o Ministério dos Direitos Humanos. Eu explicava que nós estamos numa semana em que a votação dos Senadores será à distância, pelo aplicativo virtual. Por isso, claro, o Plenário não está com o número de Senadores que o tema merece, mas eu entendo. Eles foram liberados. Eu estou aqui porque tinha dois, três debates marcados, inclusive, um lá no Nereu Ramos, na Câmara, ontem, sobre a situação dos aposentados e pensionistas do Brasil. |
| R | Dou essa pequena explicação, e vamos ao nosso tema, que é um dos mais graves de todos de que eu já participei aqui, no longo desses meus quase 40 anos no Congresso Nacional. Gabriel, eu vou, inclusive, te dar o tempo, porque duas vezes atropelei. É contigo. O SR. GABRIEL SAMPAIO - Obrigado, Senador. Aproveito também para render minhas homenagens ao Marivaldo de Castro Pereira, figura com quem eu tive a honra de trabalhar e com quem, com certeza, aprendi muito sobre essa temática, sobre o engajamento no enfrentamento dessa matéria. Tenho certeza de que, no posto em que ocupa, terá plena capacidade de incidir sobre essa matéria. Estava trazendo aqui, Marivaldo e colegas, justamente esse elemento que é fundamental. Tenho certeza de que, nas falas que vão me suceder, o Cauê também vai tratar desta matéria: a importância de investir de forma focalizada, de identificar, de priorizar políticas públicas de acesso aos serviços sociais, de acesso à educação, de acesso à cultura, especialmente para esses territórios. É um recorte. Se chegarmos a um recorte mais específico e focalizado, nós vamos perceber que há a capacidade do Estado brasileiro de prover políticas públicas para proteger essa juventude. Não há falta de recursos; há necessidade, sim, de engajamento, envolvimento da institucionalidade para priorizá-los. Senador, eu gostaria de destacar aqui a importância e a relevância de iniciativas que também já foram avançadas, já avançaram aqui, no âmbito do Parlamento, e que podem ajudar a enfrentar essa matéria. O Senador foi uma das vozes muito importantes em Comissões Parlamentares de Inquérito, onde pôde ter contato, onde colaborou na participação da construção de propostas legislativas, algumas delas aprovadas, mas eu quero destacar algumas que contribuem para o enfrentamento desse cenário. Quando iniciei a fala, eu destaquei essa resiliência dos dados, tanto das mortes gerais quanto das mortes provocadas pelo Estado. E, quando aponto, num primeiro momento, que, em relação às mortes gerais, nós temos a necessidade de identificar, priorizar e especificar as políticas públicas nos territórios, em relação às mortes do Estado, a gente também tem uma agenda importante a tratar, uma agenda em relação à qual este Senado já avançou no debate, inclusive por meio de Comissão Parlamentar de Inquérito e também da construção de propostas legislativas com forte participação da sociedade civil. Eu destaco aqui um PL, que é o PL que põe fim aos autos de resistência. É um tema que aqui, nesta mesa, tanto Douglas como especialmente Marivaldo conhecem bastante, porque foi um entusiasta, alguém com quem me envolvi bastante na construção dessa proposta. Por que é importante reforçar e enaltecer a relevância dessa iniciativa de enfrentar os autos de resistência? Porque é uma situação que persiste, é uma realidade que persiste no nosso país, é uma realidade que tira a capacidade de o poder público e muitas vezes de as próprias polícias, na sua institucionalidade, construírem e criarem condições para exercer um controle mais qualificado do uso da força, ampliarem sua capacidade de investigação, de esclarecimento das situações que envolveram as mortes violentas, trazerem, do ponto de vista institucional, respostas mais qualificadas para os fenômenos, tanto identificando as reais situações em que possa ter havido uma resistência a uma atuação policial, como identificando as melhores políticas públicas, políticas de inteligência e políticas de atuação que preservem a institucionalidade dos chamados confrontos... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... mas, sobretudo, conseguindo, por meio dessa iniciativa, dotar o Estado brasileiro e a nossa institucionalidade de condições de ter um controle qualificado sobre o uso da força, trazendo resposta a todas aquelas pessoas que não têm uma resposta qualificada do Estado em relação a circunstâncias em que o Estado usou da força e dessa força tenha resultado a morte de uma pessoa. Esse projeto, então, é fruto da CPI e, salvo engano, no final do ano passado, chegou a ser arquivado por questões regimentais, mas eu tenho a convicção e a certeza de que o resgate desse texto, por meio desta Comissão, seria uma contribuição muito relevante para o enfrentamento dessa matéria, não só pela produção das políticas públicas, como também pela contenção... (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... do uso da força. Trago a última abordagem, Senador, que é a consequência que essas mortes violentas trazem para mães vítimas e familiares, porque o Brasil tem um movimento pulsante de mulheres, a maioria delas mulheres negras, que lideram e que são as maiores responsáveis, no nosso país, para que nós tenhamos a cobrança por políticas públicas em relação a essas matérias. Nós podemos citar aqui Mães de Maio, Mães de Manguinhos, diversos movimentos de mães, mães da Baixada... Em todos os estados do Brasil existem movimentos de mães que questionam, que cobram do Estado a responsabilidade por diversas dessas mortes. E, infelizmente, o Estado ainda não é capaz de trazer a devida resposta, a reparação, o atendimento psicossocial para essas mulheres. Além dos jovens mortos, nós temos um rastro... (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... de ofensas do Estado em relação a essas pessoas... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode concluir, tranquilo. A campainha é automática. O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... prometo aqui encerrar -, porque cada uma dessas mortes deixa uma consequência. O senhor, como homem público tão atento às famílias brasileiras, e nós todos aqui, essa institucionalidade tão atenta às famílias vítimas de violência, é importante direcionar, endereçar uma agenda que atenda a essas pessoas. Sei que há, agora, na Câmara dos Deputados - espero que chegue rapidamente ao Senado Federal -, a iniciativa do Projeto 2.999, de 2022, que trata justamente dessa matéria e da estruturação de programas de atendimento a essas mães vítimas e familiares. Muito obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Nossos cumprimentos aqui ao Gabriel Sampaio, advogado e Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. Parabéns pela fala. Eu peço à assessoria que todas as propostas que ele encaminhou sejam anotadas, para a gente, no final, poder... desde os autos de resistência, o projeto da abordagem, sobre o qual falei, na abertura, que você me ajudou muito na construção, encaminhou aqui para a Comissão, eu peguei, e virou projeto de lei... Já está lá na Câmara dos Deputados. Também eu fiquei muito bem impressionado, porque eu fiz uma apresentação no início e V. Sa. reforçou com outros dados, inclusive que essa é a situação das mães, que estão, em todos os estados, se movimentando. |
| R | Eu queria que tomasse nota a assessoria de nós fazermos uma audiência pública, convidando todas as mães, estado por estado, para estarem aqui para discutir esse tema Porque os números são apavorantes, os números que vocês já passaram e a Consultoria do Senado - a Isabel, que ajudou muito, e o Paulo André -, e foi isso que eu li também no início. Mas, quando você falou, por que não fazer aqui na Comissão de Direitos Humanos e dar oportunidade a que essas mães, estado por estado, possam se pronunciar e cobrar da sociedade brasileira? Mas vamos em frente. Eu sei que alguns convidados nossos estão com problemas, e é natural, de agendas. Quem pediu para falar agora, se o Douglas concordar, foi o Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Cauê Martins, o tempo é teu, por dez minutos com mais cinco; se necessário, a gente amplia. O SR. CAUÊ MARTINS (Para expor. Por videoconferência.) - Olá! Bom dia a todas e todos. Gostaria de começar agradecendo ao Senador Paulo Paim e à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal pela realização desta audiência pública e pela oportunidade de estar aqui hoje para tratar desse tema tão urgente, que é o assassinato de crianças e adolescentes no Brasil. Cumprimento também os colegas juristas, ativistas e especialistas e peço desculpas antecipadas a todas e todos por ter que me ausentar da reunião antes do término. Falo aqui como representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em nome do nosso Diretor Presidente Renato Sérgio de Lima, e venho compartilhar algumas das principais análises e recomendações contidas no Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Esse estudo que a gente realizou em parceria com o Unicef, abrangendo o período de 2021 a 2023, foi publicado na semana passada e serviu de mote para a realização desta sessão. Vou compartilhar a apresentação. Como o Senador muito bem destacou, entre 2021 e 2023, tivemos a morte violenta intencional (MVI) de pelo menos 15.101 crianças e adolescentes no Brasil. Essa categoria, MVI, foi criada pelo fórum em 2017 e reúne os registros criminais de homicídio doloso, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial em serviço e fora dele. Esses números que trazemos aqui em especial chocam e evidenciam uma realidade brutal. Apenas em 2023, 4.944 crianças e adolescentes perderam suas vidas de forma violenta, o que equivale a uma média de 13,5 mortes por dia. É preciso que se destaque, inicialmente, que não estamos tratando apenas de números; salvar a vida de uma só criança já justificaria a mobilização de nossa sociedade para enfrentar essa tragédia. Esses números, por outro lado, dimensionam o fracasso da sociedade brasileira, que banaliza a morte violenta intencional de 13 crianças por dia. |
| R | Em primeiro lugar, é crucial entendermos as nuances da violência letal que atinge crianças e adolescentes no Brasil. A nossa análise mostra que, embora tenha havido uma redução de 7,7% no número geral de MVI entre crianças e adolescentes de 2022 para 2023, essa diminuição não se distribui de forma homogênea entre as diferentes faixas etárias. Enquanto as faixas de dez a catorze anos e de quinze a dezenove anos mostraram uma redução de 1,9% e 8,8%, respectivamente, as crianças mais novas, especialmente aquelas de zero a quatro anos, sofreram um aumento preocupante de 19,2% no número de MVI. Apesar do crescimento da violência letal contra crianças, as maiores taxas se concentram esmagadoramente entre adolescentes. A taxa média de mortalidade de zero a dezenove anos é de 9,1 por grupo de 100 mil habitantes - nesse grupo etário de zero a dezenove anos -, mas, entre quinze e dezenove anos, a taxa chega a 31,2 mortes por 100 mil, uma taxa 3,4 vezes superior à média. Esses dados nos levam a refletir sobre o tipo de violência a que essas crianças estão expostas e onde ela ocorre. Por exemplo, crianças de até nove anos frequentemente sofrem violência dentro de suas casas, perpetrada por pessoas conhecidas, muitas vezes familiares. Quando analisamos, por outro lado, as mortes de crianças e adolescentes de dez a dezenove anos, o palco se desloca para a violência urbana, a arma de fogo passa a ser o principal instrumento utilizado nos crimes e o local das ocorrências de violência letal muda significativamente, saindo do ambiente doméstico em direção à via pública. Outro ponto crucial a ser destacado é o impacto de marcadores sociais como raça e gênero na exposição à violência letal. Nossa pesquisa confirma que a interseccionalidade desses fatores agrava consideravelmente a vulnerabilidade de certos grupos sociais. A partir da faixa de dez a catorze anos, o sexo da vítima ganha relevância para a explicação do fenômeno. É nessa fase que o gênero começa a atuar enquanto marcador social da diferença no caso da violência letal. De 52,9% das vítimas no final da infância, os meninos passam a representar 71% das vítimas a partir do início da adolescência. Entre os quinze e dezenove anos, por sua vez, são mais do que nove em cada dez vítimas computadas. Do ponto de vista dos marcadores raciais, crianças e adolescentes negros estão muito mais expostos à violência letal. Verificamos a prevalência de vítimas negras entre todas as faixas etárias, variando de 64,3% entre as crianças de zero a quatro anos até 83,6% das vítimas de quinze a dezenove anos. Assim, se, para as crianças mais novas, o gênero, como vimos no eslaide anterior, não chega a atuar como um fator de risco, a desigualdade racial, sim, implica uma maior chance de crianças negras serem vítimas de violência letal desde que nascem. |
| R | Em 2023, a taxa de mortalidade entre crianças e adolescentes negros do sexo masculino foi 4,4 vezes maior do que a de crianças e adolescentes brancos do mesmo sexo. É fundamental que a gente dê o máximo de destaque a esse dado, uma crua evidência do racismo estrutural que permeia profundamente nossa sociedade e que se manifesta cruelmente na violência contra jovens negros. Em suma, as características da violência letal que atingem as crianças de até nove anos em comparação com aquelas que estão presentes nos assassinatos de quem tem entre dez e dezenove anos indicam se tratar de dois fenômenos distintos. No primeiro caso, estamos falando de atos violentos que ocorrem dentro de casa, cometidos em sua maioria por agressão por pessoas conhecidas da criança. As vítimas são tanto meninos quanto meninas, com uma maior prevalência de vítimas de raça-cor negra. Essa síntese nos permite inferir que, na sua maioria, são mortes que decorrem de maus-tratos que se passam em geral no ambiente familiar e que podem envolver uma continuidade de atos de negligência, abuso físico, psicológico e sexual. Já a partir dos dez anos, as mortes assumem características de violência urbana, com prevalência de vítimas do sexo masculino, proporção ainda maior de negros, com massiva utilização de armas de fogo e violências praticadas basicamente no espaço público, muitas vezes por desconhecidos das vítimas. Um último aspecto que não pode ser ignorado é o papel do Estado, especificamente das forças de segurança pública, na violência letal contra crianças e adolescentes. Em 2023, 18,2% das MVIs nesse grupo foram de autoria de agentes estatais. Enquanto a taxa de mortalidade por ações da polícia de pessoas com mais de 19 anos foi de 2,8 por grupo de 100 mil, na faixa de 15 a 19 anos a taxa registrada no último ano chegou a 6,0 por 100 mil adolescentes nesse grupo etário, ou seja, a taxa de letalidade provocada pelas polícias entre adolescentes de 15 a 19 anos é 113,9% superior à taxa verificada entre adultos. Com base nessa análise, apresentamos algumas recomendações para enfrentar a violência letal contra crianças e adolescentes no Brasil. Em primeiro lugar, é fundamental que toda a sociedade reconheça que cada vida perdida é uma tragédia que não pode ser banalizada. Precisamos investir em diagnósticos que levem à compreensão do que motiva a prática de violência - já estou encerrando - letal. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem no mínimo mais cinco minutos, porque são dez com mais cinco. O SR. CAUÊ MARTINS (Por videoconferência.) - Ah, ótimo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quando toca a campainha eu dou mais cinco. Vai tranquilo, que está indo bem. O SR. CAUÊ MARTINS (Por videoconferência.) - Obrigado, Senador. Então, eu vou com mais calma. É que eu acabei de receber uma mensagem de 15 segundos, imaginei que já fosse para concluir. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não, não. É que é tudo automático, mas o Presidente interfere. (Risos.) Está contigo aí. O SR. CAUÊ MARTINS (Por videoconferência.) - Agradeço, Presidente. Retomando, então, que já chego ao fim da exposição. Precisamos investir em diagnósticos que levem à compreensão do que motiva a prática da violência letal e em políticas que formulem estratégias de mudança de comportamento e de normas sociais que enderecem esses motivadores. |
| R | 2) A redução da violência letal contra crianças e adolescentes passa necessariamente pelo controle rigoroso do uso da força por parte das polícias. Há evidências robustas do impacto do uso das câmeras policiais, associadas a protocolos e fluxos adequados, como a gravação contínua, na redução dos homicídios de adolescentes. 3) A prevalência de armas de fogo como instrumento de morte entre adolescentes reforça a importância do controle do uso de armamento bélico por civis. 4) A gente salienta que o combate à violência contra jovens negros passa pelo reconhecimento e enfrentamento do racismo estrutural em nossas instituições, particularmente na segurança pública e no sistema de justiça. 5) Investir na compreensão das intersecções entre a violência doméstica e a violência contra crianças também é crucial. Políticas que integrem essas perspectivas na prevenção e resposta a casos de violência precisam ser desenvolvidas e implementadas com urgência. 6) É preciso enfrentar normas restritivas e discriminatórias de gênero, que fazem com que meninos sejam socializados para se identificarem com práticas violentas e as reproduzirem. 7) Por fim, a Lei 13.431, de 2017, que estabelece o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente, precisa ser plenamente implementada, com fluxos e protocolos claros para identificação e gestão de casos de violência. 8) É fundamental capacitar os profissionais que atuam com crianças e adolescentes, seja na segurança pública, saúde, educação ou assistência social, para que possam identificar e responder adequadamente aos sinais de violência. 9) Garantir que crianças e adolescentes tenham acesso a informações sobre seus direitos e saibam como buscar ajuda é essencial para prevenção e resposta à violência. 10) Por fim, a melhoria dos registros e o investimento em monitoramento contínuo são fundamentais para entender melhor as dinâmicas da violência e ajustar as políticas públicas. Por fim, para proteger as crianças e os adolescentes hoje, precisamos insistir em jogar luz nas características bem conhecidas tanto da violência doméstica intrafamiliar quanto da mortalidade violenta da juventude negra, para que possamos tornar transparentes os crimes que já ocorrem, responsabilizar seus perpetuadores e construir um futuro que contemple a dignidade de todas e todos sem exceção. Eu agradeço mais uma vez pela oportunidade de falar aqui hoje. Espero que esse debate seja um passo importante na construção de um futuro mais seguro e menos desigual para todas as crianças e adolescentes do nosso país. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado dizemos nós, Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que deixou ali já dez pontos de sugestão para que a Comissão analise e faça o devido encaminhamento. Muito obrigado, Cauê, pela sua participação num tema tão importante para todo o povo brasileiro que é cuidar das nossas crianças. |
| R | Se não cuidarmos das crianças, vamos cuidar de quem? Os idosos ontem, no evento em que eu estive, estavam pedindo socorro. As crianças, desesperadas. Então compete a todos nós e aumenta a responsabilidade do nosso Governo, que voltou agora com o Presidente Lula. Eu vou passar, se o Marivaldo... O Marivaldo que teria que sair, não é, Marivaldo? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode ser? Então, agora - o Douglas concordou -, porque é um por videoconferência e um presente, eu passo a palavra ao Marivaldo de Castro Pereira, Secretário Nacional de Assuntos Legislativos, representando aqui o Ministério da Segurança Pública. O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA (Para expor.) - Obrigado, Senador Paim. Bom dia a todos. Bom dia a todas. Felicidade estar de volta aqui a esta Comissão, sobretudo ao lado de dois companheiros que eu admiro muito, Douglas Belchior e companheiro Gabriel Sampaio, companheiros que eu conheço desde o movimento estudantil. O Douglas aqui, na linha de frente dos cursinhos populares - eu só cheguei aonde cheguei graças a cursinho popular -, sou muito fã do trabalho, admirador do trabalho que ele toca em São Paulo e que deu oportunidade para tantos jovens negros e negras chegarem à universidade e começarem a ocupar os espaços de poder. Gabriel Sampaio, na luta sindical, na luta no Ministério da Justiça. Lutamos muito juntos. Lutamos contra o golpe em 2016, Senador Paim, aqui no Ministério da Justiça, e seguimos lutando contra o tempo obscuro que tomou o nosso país desde então, desde o golpe, que trabalhou intensamente pelo desmonte das políticas públicas que nós lutamos tanto para construir durante o Governo Lula 1 e 2, durante o Governo Dilma 1 e 2. E, agora, seguimos em frente, desde 2023, tentando reconstruir essas políticas. E seguimos exatamente debatendo a reconstrução de políticas públicas que tentem fazer frente a esse drama nacional, a essa grave tragédia nacional, que é o assassinato de jovens, o assassinato especialmente de jovens negros e negras. E os dados, que o Cauê colocou ali, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública não cansam de nos mostrar o quanto ainda é necessário investir para fazer frente a essa realidade. E, Senador Paim, eu tenho a convicção, aliás, a gente tem evidências científicas de que nós não vamos mudar essa realidade se a gente continuar investindo na segurança pública da forma como a gente sempre investiu. Tradicionalmente, o nosso investimento em segurança pública é arma, é viatura, é equipamento de enfrentamento. Quando a gente precisa fazer enfrentamento, é porque a gente já perdeu. Quando a gente chega a esse ponto, é porque a gente já perdeu, a sociedade já perdeu. Isso é muito grave. E no Brasil a gente tem um histórico de seguir nessa linha de investimento, que infelizmente nos mantém nessa trajetória da população negra e pobre periférica pagando o preço da violência, pagando o preço da falta de segurança pública, seja da perspectiva da violência institucional, seja da perspectiva da violência privada. No resultado final, será sempre um corpo negro tombado em alguma esquina, e ninguém vai responder por isso, infelizmente. E é exatamente por isso que a gente precisa discutir como a gente pode mudar esse cenário. O que a gente pode fazer de diferente? Porque, veja, se a gente vem fazendo a mesma coisa por anos e não está dando certo, é hora de a gente tentar alguma coisa diferente. E acho que é esse o grande esforço que eu, a companheira Sheila Carvalho, a companheira Tamires, a companheira Marta e agora o Sarrubbo, na Secretaria Nacional de Segurança Pública, vimos tentando fazer no Ministério da Justiça, e é exatamente por isso que a gente vem buscando a construção de políticas que atuem na prevenção a essa violência. |
| R | E a gente tem algumas políticas muito importantes, que vale destacar aqui, como, por exemplo, o Convive, que foi anunciado recentemente pelo Presidente Lula, que ele colocou no PAC, que é a construção de equipamentos em áreas com altos índices de violência que gerem oportunidade de esporte, lazer e educação para a juventude. Então, são equipamentos que têm piscina olímpica, quadra coberta, auditório, salas de aula... E o objetivo é criar um espaço ali onde essa juventude possa ter oportunidades, possa ter outras perspectivas, para disputar essa juventude com esse cenário, com esse destino trágico que a gente verificou aqui na pesquisa apontada pelo fórum. O Convive é inspirado no Compaz, que a gente tem lá em Recife, e nas Usinas da Paz, que temos, também, lá em Belém. Então, inspirados nessas duas experiências, a gente teve esse lançamento. A primeira fase serão 30 equipamentos. Quem toca essa política é a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ela está avançando e a gente espera começar a entregar esses equipamentos ainda este ano. Mas tem outras políticas também que a gente vem construindo. Junto com a companheira Sheila, a gente tem os cursinhos populares. Pela primeira vez, o Governo Federal, Douglas, inspirado, inclusive, no seu excelente trabalho e de outros companheiros que tocam essa política na sociedade civil - e quem vivenciou um cursinho popular sabe o quanto um cursinho popular é impactante para mudar o destino de um jovem negro periférico -, nós começamos a financiar cursinhos populares em parceria com institutos federais, e a gente sabe o impacto que isso tem na periferia. Muitas vezes o jovem da periferia termina o ensino médio, quando consegue terminar, e nem sabe que pode acessar o ensino superior. Ninguém nunca falou para ele, porque ninguém na família dele vivenciou isso. E o jovem da classe média já cresce com a família dizendo: esse vai ser doutor. Se o jovem da periferia concluir o ensino médio, é uma festa, porque já é um negócio assim... Então, ter a possibilidade de acessar um cursinho popular é extremamente importante. A gente tem também o Pronasci Juventude, uma política tocada pela companheira Tamires, que é a coordenadora do Pronasci, junto com a companheira Marta, que é a Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, que tem como objetivo a criação de políticas públicas para alcançar o jovem antes dessa conclusão do ensino médio, aquele jovem ali entre 13 e 15 anos, para que a gente tenha o fortalecimento de vínculos desses jovens. Temos duas experiências importantes sendo tocadas - uma no Rio de Janeiro, que é o Tô de Boa, e outra em Salvador - que também são políticas extremamente importantes. Enfim, tem uma série de políticas sendo testadas, sendo implementadas, mas ainda temos o desafio de criar mecanismos para conseguir fazer essas políticas em escala. Uma coisa que eu falo é que, no Brasil, a gente consegue fazer política em escala para financiar, para equipar as forças de segurança pública, e acho que têm que estar equipadas. Acho que o policial tem que estar protegido, acho que a gente tem que proteger o policial, acho que o policial não tem que estar exposto, porque na maioria das vezes esse policial é um jovem negro periférico também. Mas eu acho que a gente precisa, também, olhar para a prevenção. Se não olharmos para a prevenção à violência, se não criarmos mecanismos de financiamento para a prevenção à violência, não vamos conseguir mudar esse cenário. |
| R | Uma outra frente central - e apareceu bastante aqui na pesquisa do fórum, Senador - é a questão do controle institucional. Não dá! Não dá! O Gabriel colocou muito bem aqui. A gente já fez muito essa discussão - não é, Douglas? - quando lutou aqui pelo PL que coloca fim aos autos de resistência. A gente quase conseguiu, não é, Gabriel? Chegou a entrar na pauta, naquela confusão pré-golpe, mas, infelizmente, não conseguimos votá-lo. E a gente não queria nada de mais, a gente só queria que, quando houvesse morte em operação policial, a gente tivesse o local do crime isolado, fosse realizada a perícia e o Estado investigasse para saber o que aconteceu. A gente não queria nada de mais, a gente só queria isso - só queria isso -, mas, mesmo assim, encontramos uma resistência muito grande - muito grande -, porque, quando é para a população negra, pobre e periférica, pedir o óbvio pode ser muito, já é muito. Infelizmente, a gente não conseguiu avançar com esse projeto, mas, de lá para cá, a gente vivenciou uma política muito importante, que teve um impacto muito forte na redução da letalidade institucional, que é a das câmeras corporais, Senador. Exatamente por isso essa foi uma política que, desde a transição, a gente abraçou com muita força e batalhou muito para que ela avançasse no âmbito do Governo Federal, para que ele criasse mecanismos para incentivar a disseminação dessa política em âmbito nacional. De lá para cá, nós conseguimos 400 câmeras de doação da embaixada americana, mandamos 200 para a Bahia e 200 estão em teste na PRF. Nós conseguimos avançar com o projeto da PRF, que deve licitar essas câmeras; deve começar agora o processo, no final deste ano. Nós conseguimos duas portarias: uma de caráter técnico, da Senasp, e uma outra disciplinando o uso dessas câmeras - e, nessa portaria, prevendo que toda a atuação ostensiva e preventiva deve ser gravada de forma ininterrupta, porque senão você coloca em risco a própria política pública. Estudo recente publicado pela Senasp inclusive demonstrou que, quando você não tem a gravação inteira ou quando a gravação depende do acionamento do policial, você coloca em risco a própria vida do policial. E a tendência é que a câmera seja cada vez menos utilizada, então, com o passar do tempo, nada mais é gravado, e isso significaria você jogar recurso público fora. Por isso, a gente prevê que toda atividade de policiamento preventivo e ostensivo deve ser necessariamente gravada para que a política seja efetiva, para que o policial seja protegido, para que o cidadão também seja protegido. Então, essa é uma política pública que demonstrou resultados muito impactantes e que, infelizmente, não é consenso, Senador - a gente vê gente batalhando para desmontá-la. É uma política que levou a uma redução drástica: se eu não me engano, de um ano para outro, reduziu de 106 para 34 mortes em operações policiais, em São Paulo. É um resultado espetacular! É um resultado espetacular! E, por incrível que pareça, uma política bem-sucedida como essa, que deveria ser consenso, é fonte de constantes ataques. Veja, transparência é um pressuposto da administração pública, transparência está na Constituição. Todo aquele que exerce um cargo público tem o dever de transparência. Se você é autorizado a utilizar a violência em nome do Estado, em nome da sociedade, você tem mais ainda o dever de transparência. A sociedade tem o direito de saber para o que você está usando a violência em nome dela. Então, isso é muito importante. Acho que as câmeras corporais é um ponto muito importante para que a gente mude esse cenário. |
| R | Por fim, eu queria falar de outro ponto. E esse é o ponto, talvez... Eu dizia isto para o Ministro Flávio Dino: a reunião mais importante que eu vi no Ministério da Justiça - e a gente presenciou muitas lá, não é, Gabriel? - foi a reunião que ele fez com as mães de vítimas de violência institucional. Não tem nada, nada, assim, nada mais dolorido, uma dor... não há dor mais difícil de suportar do que a dor daquela mãe que enterra seu filho precocemente - nada, nada. E o Estado tem uma dívida muito grande com essas mães. E o pior, Senador: para essa audiência que o senhor chamou, se houver recursos para que elas vinham para cá, o senhor vai se assustar porque pode somar outro plenário aqui de Comissão e não caberão todas. Eu fiz uma reunião na Defensoria Pública do Rio de Janeiro para dialogar com essas mães, começaram a chegar, chegar, de repente aquele auditório estava lotado, e você diria: "Não é possível que o Estado seja capaz de disseminar tanta dor, de disseminar tanto sofrimento, a pretexto de proporcionar segurança pública". Está muito errado, está muito errado isso! E compartilhar a dor e o sofrimento daquelas mães foi, sem dúvida alguma, uma experiência que eu jamais vou esquecer. E olhando para isso - mais uma vez em parceria com a companheira Sheila, da Secretaria de Acesso à Justiça -, nós temos dois projetos muito importantes e que seria muito importante a gente nacionalizar, que é o projeto de acolhimento dessas mães. Porque, veja, Senador, essa mãe perde o seu filho e ela ainda tem que lutar para provar que o seu filho não era criminoso - e que, se fosse, merecia ser preso e julgado, como manda a lei -, e ela não tem nenhum suporte do Estado, ela tem que lidar com a sua dor sozinha, ela tem que lidar com essa dor sozinha sem nenhum suporte. E foi pensando nisso e atendendo a essa demanda que nós montamos dois projetos: um com a Unifesp, lá em São Paulo junto com a D. Débora, das Mães de Maio; outro com a Federal do Rio de Janeiro, em parceria com a Defensoria Pública, para criar um espaço de acolhimento dessas mães, para dar um suporte psicossocial para que essas mães possam enfrentar esse momento tão terrível causado pelo próprio Estado. Essa é uma política muito importante que a gente conseguiu avançar lá. Então, eu acho que tem três eixos em que a gente deve focar: prevenção, controle e transparência, e acolhimento. Esses três eixos precisam ser enfrentados. Mas, para que a gente consiga fazer frente a isso, nós vamos entrar agora num momento muito crucial aqui no Congresso, que é a discussão da Lei Orçamentária. Para que a gente consiga colocar de pé essas políticas, Senador, é necessário que elas estejam presentes no orçamento. E a gente sabe que a disputa do orçamento é muito difícil, é uma disputa muito difícil, a gente sabe que as corporações se mobilizam e a gente sabe que esse lado que a gente quer alcançar geralmente é o lado mais fraco na disputa desse orçamento. E é por isso que a gente precisa de pessoas como o senhor e de outros Parlamentares aqui que são sensíveis a essa causa, para que a gente consiga assegurar que parte do orçamento seja utilizada para nacionalizar essas políticas. É com essa perspectiva que a gente quer trabalhar na Secretaria de Assuntos Legislativos. E eu tenho certeza de que nós teremos essa grande parceria aqui com o senhor e com a sociedade civil, representada aqui pelo Gabriel Sampaio, pelo Douglas Belchior e pelos demais companheiros que nos acompanham online. Queria agradecer, Senador, e pedir mil desculpas, porque eu tenho uma audiência agora, lá com o Ministro. E agradeço mais uma vez ao meu irmão Douglas Belchior aqui, que me autorizou passar na frente dele. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Marivaldo de Castro Pereira, Secretário Nacional de Assuntos Legislativos, representando aqui, nesta audiência pública, o Ministério da Justiça. |
| R | Marivaldo, eu aproveito este momento para dizer que você tem toda razão. Se nós não entrarmos também no orçamento, nós vamos falar, falar e não teremos receita. E só vou dar um exemplo - e é possível -: tem Comissão aqui no Congresso que ganha R$1 bilhão, que ganha R$3 bilhões. A Comissão de Direitos Humanos ganha - eu digo para fazer políticas públicas e colocar na peça orçamentária - R$500 mil, R$400 mil. Isso é muito menos do que eu particularmente ganho para mandar para o estado. Claro que aí são peças... são emendas parlamentares. Cada Parlamentar hoje ganha, no mínimo, de R$80 milhões a R$90 milhões. A Comissão de Direitos Humanos, que olha para essa realidade que vocês estão retratando aqui muito bem, ganha R$700 mil, R$600 mil, R$500 mil. É muito menos do que ganha uma prefeitura... O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA (Fora do microfone.) - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... que ganha de diversos Parlamentares. É muito menos do que ganha uma prefeitura do seu Parlamentar. Eu mando emenda para todos os 497, então eu falo aqui com toda a autoridade. Eu mando para todos. E essas Comissões, como a de Direitos Humanos, teria que ser uma Comissão que tivesse no mínimo um valor igualitário com as outras Comissões - um valor igual com as outras Comissões - para poder aportar recursos nessa área que aqui vocês levantaram muito bem. O SR. DOUGLAS BELCHIOR (Fora do microfone.) - Senador... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não se pode passar a impressão para a sociedade de que os direitos humanos não é prioridade do Congresso. O SR. DOUGLAS BELCHIOR (Pela ordem.) - Eu quero só aproveitar - peço licença -, antes que o Marivaldo saia, para eu poder falar uma coisa para você ouvir, Marivaldo. Esta mesa, que está composta por quatro homens negros - a gente pode até discutir, tem todo um debate sobre a representatividade -, tem um simbolismo. Nós estamos aqui com o Senador Paulo Paim, que é uma referência histórica do nosso movimento - um homem negro que chegou a um lugar não permitido a negros -; e nós estamos aqui, Marivaldo, Gabriel e eu, que somos militantes de movimentos sociais como origem, jovens negros que sobreviveram a essa carnificina. Isso aqui é absolutamente anormal - anormal! E me orgulha muito fazer parte dessa geração que se dedicou, Gabriel, Marivaldo, a dedicar sua vida a expor esse genocídio, porque é esse o nome que a gente tem que dar para a tragédia brasileira que acomete sobretudo - e o Cauê trouxe para a gente ali, o Gabriel também falou - meninos negros, e como o genocídio está dando certo, na medida em que esses meninos desaparecem no processo, na trajetória escolar, na dinâmica da sociedade. Então, esta aqui é uma mesa de sobreviventes. E eu gostaria de registrar isso aqui, Marivaldo, com o maior orgulho de ser seu parceiro, seu amigo, Gabriel e Paulo. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Gostei da fala aí, viu? Permita as palmas aqui. "Uma mesa de sobreviventes." Se cada um de nós contar a sua história, vai ver que tem lógica o que ele diz: de sobreviventes mesmo! E não só nós, não é? A comunidade negra toda vai nessa linha. Se o Marivaldo tiver que sair, nós todos vamos entender. Ele fez um esforço para estar aqui. Então, muito obrigado por estar conosco. E vamos ter parceria. O que o pessoal está pedindo é uma foto antes. O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Vamos! (Pausa.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Passamos de imediato a palavra para Marta Volpi, Diretora de Proteção dos direitos da Criança e do Adolescente, que aqui representará o Ministério dos Direitos Humanos. A palavra é sua, Marta, por favor. A SRA. MARTA VOLPI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador. Eu agradeço, em nome de todo o ministério, pelo convite e a participação neste importantíssimo debate. Eu cumprimento os colegas de mesa, em especial o colega Douglas Belchior, com quem eu tive prazer de atuar em alguns momentos como sociedade civil. Eu peço desculpas por não estar presencialmente, mas eu estou com sintomas de gripe muito forte há dois dias, então, para preservar as outras pessoas, eu fiz essa opção de participar remotamente. Os dados apresentados aqui pelo Conectas e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública são realmente esses, e são esses há algum tempo. Eu anotei algumas partes do estudo que foi feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e, assim, nesse acúmulo de 2021 a 2023, o levantamento é de que são mais de 15 mil, mais de 15,1 mil vítimas de mortes violentas intencionais entre crianças e adolescentes. Desses 15 mil, mais de 13 mil, quase 14 mil, estão na faixa etária entre 15 e 19 anos. Então, tudo isso demonstra aquilo que já vem sendo dito no Brasil há algum tempo a respeito do extermínio da juventude negra e pobre, porque os dados também mostram que o grande contingente desse número são adolescentes negros e pobres. Então, enquanto a maioria das mortes de criança geralmente ocorrem dentro de casa, as de adolescentes não, elas ocorrem fora. Esse outro apontamento que foi trazido em relação às mortes por conta de enfrentamentos à polícia é um dado bem real também. E aí a gente tem algumas medidas que passam a dar alguns resultados, mas eu queria também chamar atenção para essa informação que os colegas que me antecederam trouxeram, de que a violência é um fenômeno complexo, então não basta uma ação isolada, a gente precisa de várias políticas que se integrem, que se conversem entre si, para que nós consigamos reduzir esses números. A fala de Marivaldo traz essa perspectiva de que a diminuição das desigualdades e uma série de políticas que envolvam tanto a transferência de renda quanto cultura e esportes têm o condão de melhorar os índices de violência e também as relacionadas à segurança pública no Brasil. E aí eu trago esse recorte também importante de que a medida das câmeras pessoais, de fato... Em outra pesquisa feita em São Paulo, demonstra-se uma redução alarmante do número de homicídios em confronto com a polícia, especialmente de adolescentes. Então, ela é uma medida importante, ela era fundamental, o Ministério da Justiça e Segurança Pública fez uma recomendação nesse sentido. |
| R | Só que aí a gente também tem uma questão, que eu achei muito interessante, de uma pesquisa que foi feita pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, em que eles entrevistaram um grupo grande de pessoas, e a maior parte delas aponta que o Governo Federal tem a atribuição de garantir e segurança das pessoas, sendo que, pelo art. 144 da Constituição Federal, as polícias militares são subordinadas aos governos de estado. Então, de fato, a gente precisa que essa recomendação seja também um avanço, seja uma forma de avançar com essa política nos estados, porque a polícia militar está lá. Em relação, ainda, às práticas que possam reduzir a violência, em especial os assassinatos dos nossos adolescentes, são apontadas algumas outras medidas que também vêm a impactar nessa redução, que são os programas de gestão por resultados na segurança pública. A gente precisa melhorar, de fato, as investigações com resultados, com o apontamento dos culpados, com a punibilidade dos reais atores desses crimes. Temos que melhorar os programas de gestão do uso da força e redução da letalidade policial, nos quais entram aí as câmeras, mas não só elas. A gente precisa de um modelo integrado de controle de armas, uma vez que, se aumenta a circulação de armas no país, aumentam as mortes de crianças e adolescentes, fatalmente. E precisamos do investimento em maior esclarecimento dos homicídios. E aí a gente fala dos autos de resistência, e eu me lembro de há quantos anos, de fato, a gente vem falando a respeito desse projeto de lei. Eu acompanhei também boa parte, pude fazer parte do coro da sociedade civil pelo fim dos autos de resistência. E, de fato, foi um assunto que sumiu depois de um tempo; mas a gente precisa resgatá-lo, porque essas investigações também vão nos levar a uma maior elucidação dos casos, a uma resposta de justiça para essas famílias. E, quando a gente fala das mães, isso também é uma questão que nos toca muito profundamente. Também a elucidação vem como uma forma de inibição de novos crimes, porque enfim a gente consegue, de fato, punir aqueles culpados. O Conanda também fez uma manifestação pelo uso ininterrupto das câmeras no fardamento policial, também tendo em vista essa pesquisa que foi feita em São Paulo pela redução dos óbitos de adolescentes. Deixem eu ver o que mais eu separei para falar com vocês... E aí, a respeito de ações do Governo Federal, o Marivaldo trouxe uma série delas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, inclusive citando a Secretária Marta, que, de fato, tem feito um trabalho para a juventude muito bom, muito relevante. E nós, enquanto Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, temos o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. É um programa que tem salvado muitas vidas, em especial de adolescentes, embora tenha crianças protegidas pelo programa. E nós temos investido não só pela ampliação do programa, mas pelas formas de acolhimento desses jovens, para que eles sejam protegidos. E nós temos um índice muito bom de sobrevivência dessas pessoas no Brasil todo. Agora, a gente estuda mecanismos para a ampliação do programa para todos os estados brasileiros. E aí, Senador, a gente entra de novo no assunto orçamento. E aí eu vou repetir também algo que já tem sido dito em outros espaços há algum tempo: lugar de criança é no orçamento público. Então, a gente precisa, de fato, fazer com que crianças e adolescentes sejam a prioridade absoluta também na destinação dos nossos recursos. Políticas sem recursos para a implementação não passam de boas cartas de intenções. Então, a gente precisa fazer com que esses direitos sejam, de fato, entregues para as pessoas, em especial para as crianças e os adolescentes lá nos seus territórios. |
| R | Em relação à formação, que também foi algo citado pelo colega do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a gente também tem duas grandes iniciativas, que são a Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que é voltada para a formação de profissionais que atuam com esse público, e as escolas de conselho, que são também uma iniciativa junto com as universidades federais nos estados para a formação contínua de conselhos tutelares e conselhos de direitos, que são esse público que atua... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem no mínimo mais cinco minutos, e não quinze segundos, viu? Fique à vontade. (Risos.) A SRA. MARTA VOLPI (Por videoconferência.) - Obrigada, Senador. Eu já estou terminando também, porque, como o grande arcabouço já foi trazido pelos colegas anteriores, para não ser repetitiva, eu trouxe apenas mais essas pontuações. Eu queria só concluir falando que as escolas de conselho visam dar essa formação para conselheiros tutelares e conselheiros de direitos no Brasil todo, que são o público que foi indicado pelo ECA como os grandes espaços. Portanto, os conselhos de direitos como espaços de controle das políticas para a criança e o adolescente - controle social -, enquanto os conselheiros tutelares são a força que faz o atendimento de crianças e adolescentes que precisam ter os seus direitos resguardados e que em algum momento tiveram esses direitos violados. Então, a gente tem apostado muito, na Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que o público que trabalha com as pessoas de 0 a 18 anos de idade, tendo esse conhecimento, consegue entregar melhor a proteção integral que a nossa Constituição Federal determinou a esse público. Eu quero agradecer muito e dizer, Senador, que eu, particularmente, como indivíduo, admiro muito seu trabalho. Já tem bastante tempo que eu acompanho sua atuação, em especial no que diz respeito a crianças e adolescentes no Senado. Então, é um grande prazer, uma grande responsabilidade estar aqui hoje dividindo essa mesa com colegas que atuam nessa pauta há muito tempo, para tratar de um tema tão importante. |
| R | Eu agradeço, mais uma vez, o convite, em nome do Ministério dos Direitos Humanos, e nos coloco à disposição para trazer novos elementos a este debate. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Marta Volpi, Diretora de Proteção dos direitos da Criança e do Adolescente, que falou aqui representando o Ministério dos Direitos Humanos. Parabéns pela fala, que fez um resumo do que todos falaram. Vi que você falou ali de um programa que já existe, de uma realidade que já existe, que é a dos conselhos tutelares, que deveriam ser também aprimorados, incentivados, que estão lá no bairro, lá na comunidade onde estão efetivamente os mais pobres, não é? Parabéns pelo conjunto da obra. Agora nós vamos passar a palavra - eu agradeço já pela tolerância - ao Douglas Belchior, representante da Uneafro, movimento negro. Ele já me convidou aqui... E eu já vou dizer em público que, na terça-feira, estarei com você no evento a que você me convidou, numa casa aqui em Brasília, em que vão estar reunidas inúmeras autoridades que lutam contra todo tipo de preconceito e, mais precisamente, contra o racismo. Estaremos juntos lá. O SR. DOUGLAS BELCHIOR (Para expor.) - Muito obrigado, Senador. Que honra, mais uma vez, estar ao seu lado! Obrigado pela confiança de nos convidar, mais uma vez, para fazer esse debate. Esteve aqui o Marivaldo, eu já me referi a ele, um cara importante na nossa trajetória e caminhada dos últimos quase 30 anos, na nossa geração, atuando desde jovenzinho na luta contra o racismo. O Gabriel é membro fundador da Uneafro Brasil, do nosso movimento. O Gabriel estava na Avenida Paulista. Nós fizemos um ato no dia 5 de março de 2009, aniversário de 75 anos da USP, de inauguração do nosso movimento, ocupando a Faculdade de Medicina da USP, que é, ainda hoje, um sinônimo do privilégio da branquitude brasileira. Estava lá Gabriel, com a nossa bandeira em punho, meu querido amigo de muitos anos. É um orgulho para nós, Gabriel, ver a sua trajetória, o seu desempenho, o tamanho da sua contribuição para o combate ao racismo no Brasil. Você nos enche de orgulho, meu irmão querido! A Bel está aqui, minha querida companheira também de muitos anos no combate ao racismo no Brasil. Senador, nós preparamos, na Uneafro, um texto, que eu quero ler, em respeito à formulação construída coletivamente - e eu quero aqui também agradecer muito à nossa companheira Adriana Moreira, que deveria estar aqui, que nos ajudou nessa formulação. O Gabriel, quando eu cheguei, estava falando sobre os diversos aspectos, sobre a complexidade, assim como foi repetido também pelas outras explanações, daquilo que leva a esse resultado mortal, especialmente atingindo jovens e adolescentes negros. Eu vou me ater a esmiuçar... Como você disse, temos que esmiuçar os elementos diversos para entender a complexidade e atuar especificamente em cada um deles. Eu vou falar da educação, que é o campo de onde eu venho e que diz respeito ao movimento que a gente constrói. A Uneafro é um movimento negro que tem como estratégia a atuação no campo da educação, por entender que a educação é fundamental, o acesso a ela, para salvar vidas de jovens negros. Então, quero lembrar aqui três dos eventos disparadores de violência racial que atravessaram barbaramente a vida de adolescentes e jovens negros e que demarcaram o início da organização política e institucional do movimento negro brasileiro, a partir do período da ditadura militar. |
| R | Um jovem, Robson Silveira da Luz, acusado de roubar frutas em seu local de trabalho, foi barbaramente torturado, assassinado por um delegado de polícia, lá Zona Oeste de São Paulo, pertinho da minha casa, em Guaianases. Isso foi em 1978. No mesmo ano, quatro garotos, jogadores de vôlei, foram discriminados pelo Clube de Regatas Tietê, e não puderam participar de um campeonato. No mesmo período, um jovem operário, chamado Newton Lourenço, foi morto pela Polícia Militar no bairro da Lapa, em São Paulo. Esses três eventos foram impulsionadores do que foi a fundação da frente Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, que hoje - ainda hoje - é a organização mais longeva do movimento negro brasileiro. Desde os seus primeiros momentos, questões vinculadas à forma como o Estado brasileiro não entenderia a população negra como sujeito de direitos, em especial adolescentes e jovens negros sujeitados à violência estatal, sempre figuraram entre as principais denúncias realizadas pelas organizações do movimento negro. Portanto, a gente está aqui repetindo a denúncia de sempre. Nos anos 90, diversas dessas organizações do movimento negro, que participaram da luta pela constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, passaram a denunciar as chacinas das crianças e adolescentes em situação de rua, que aconteciam em todo o país. Destaque-se o fato de que as organizações do movimento negro, à época, eram as principais promotoras das denúncias e dos enfrentamentos jurídicos e políticos a que se assistia no país. Porém, a história não relata o papel do movimento negro e a importância desse protagonismo nesse processo. Já nos anos 2000, para ser exato, em 2008, foi realizado o 1º Encontro Nacional da Juventude Negra, cuja organização e a agenda de luta consistiam em lutar pelo fim do genocídio da juventude negra, quando a gente traz, com muita força, esse conceito. Nesse encontro, alguns entre os principais desafios que estavam colocados eram convencer o Estado brasileiro de que os jovens negros eram vítimas sistemáticas do próprio Estado - o Gabriel falou isso aqui - e, portanto, demandariam, na qualidade de sujeitos de direitos, políticas específicas para resguardar as próprias vidas. O Estado promove a violência, tem os dados, sabe disso; a partir dessa ciência, deve formular a contenção. Nessa perspectiva, houve a criação, naquele período, na Secretaria Nacional de Juventude, da cadeira de juventude negra, que cumpriu a tarefa de convencer o planejamento do Estado, naquele período, a produzir indicadores sobre condição de vida e morte de jovens negros brasileiros. Cheguei, o Gabriel estava falando que, então, a gente já tem uma década e meia de elementos, de dados concretos que nos levam a formular saídas mais alternativas, mais efetivas do que vem sendo experimentado. O tema de juventude negra, na série histórica do Mapa da Violência, que depois se transforma em Atlas da Violência, parece que, de alguma forma, se consolida para a produção de dados. Com a criação do programa Juventude Viva, em 2012, mais indicadores foram produzidos, entre os quais devemos citar o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IVJ) - isso em 2017, certo, Gabriel, que participou disso profundamente? -, publicado pela Secretaria de Governo da Presidência da República, pela Secretaria Nacional de Juventude e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em cooperação com a Unesco. O IVJ-Violência, tinha como objetivo elaborar uma radiografia da juventude brasileira a respeito dos riscos sob os quais estão os vulneráveis, de modo a subsidiar a construção de políticas públicas que garantissem a vida dos jovens no Brasil. Para tanto, apresentou-se como um indicador sintético que classifica municípios com mais de 100 mil habitantes, a partir de uma série de variáveis mobilizadas para compreender as trajetórias das vidas juvenis entrecortadas por toda sorte de violências, inclusive a violência mental. Ou seja: observar a vida do jovem negro e como ela é recortada pela violência e como ela é impedida pela violência, inclusive pela ação direta do Estado. |
| R | De acordo com esse relatório - eu vou repetir, porque, para quem acompanha esse debate, é muito importante buscar essa formulações, e o IVJ-Violência traz isso -, essas variáveis, associadas aos níveis de exposição de jovens à violência, seriam a permanência na escola. Então, nós estamos aqui identificando elementos que poderiam tirar o jovem negro da linha de tiro. Como é que o tira desse lugar nebuloso, perigoso, mortal? E, aí, trazem aqui os elementos: permanência na escola, forma de inserção no mercado de trabalho e os contextos socioeconômicos dos municípios nos quais residem os jovens em questão, o que equivale a dizer que educação, emprego, pobreza e desigualdade são variáveis fundamentais para explicar a exposição dos jovens à violência. O Gabriel, quando falou, disse: "Se a gente identifica o território, é ali que está a violência; mais investimento em educação focada naquele território". Isso traz resultado, com especial atenção à relação entre educação e trajetória de morte dos jovens negros no Brasil, em particular meninos negros. O IVJ revelou que, entre jovens de 18 a 29 anos de idade, o desemprego ou as formas precárias de inserção no mercado de trabalho contribuem sensivelmente para a sua vulnerabilidade e violência. Já para adolescentes, o mais importante é a condição de frequência à escola. Então, os elementos mudam de acordo com a faixa etária do menino preto. Ao usar termos apenas no campo educacional, que é o foco que eu quero trazer aqui, o que encontramos no sistema de ensino nacional? Então, essa é pergunta, o papel da educação no Brasil no resultado de morte de jovens negros. A gente tem que fazer esse cruzamento. De acordo com os dados do Saeb de 2021, 7,8% dos meninos pardos e 11,3% dos meninos pretos acessam a escola com 8 anos ou mais de idade. Ou seja, já chegam à escola tarde. Lembrem que o argumento aqui é: a escola salva vidas; a educação tira o moleque da linha do tiro. E eu estou dizendo aqui agora os dados objetivos em relação à condição desse jovem no acesso ao que salva a vida dele. Certo? No 5º ano do ensino fundamental, 15,1% dos meninos pardos e 21,2% dos meninos pretos já foram reprovados pelo menos uma vez; já no 9º ano do ensino fundamental, 8,1% dos meninos pardos foram reprovados duas ou mais vezes, e 12,7% dos meninos pretos se encontram na mesma situação. No que diz respeito ao abandono escolar, no 5º ano do ensino fundamental, 7,7% dos meninos pardos e 9,6% dos meninos pretos já abandonaram a escola uma vez nessa trajetória. Gente: no 9º ano! O quadro apresentado pelos dados educacionais do ensino fundamental expressam o fato inexorável de que a escola de educação básica brasileira é avessa aos meninos negros, que perfazem suas respectivas trajetórias educacionais, via de regra, de forma irregular. A trajetória educacional do jovem negro é irregular. Inclusive, as políticas de educação básica no atual Governo dedicadas à permanência escolar, muito embora reconheçam as identidades quilombolas e indígenas como vulneráveis no ambiente escolar e, portanto, sujeitas de direitos da política, ignoram a condição do ser menino negro em ambientes urbanos violentos como condição de vulnerabilidade educacional. Isso eu vou repetir, porque isso precisa ser elemento para política pública. |
| R | Então, a política reconhece dois dados fundamentais. Quilombolas, por exemplo, o.k. Na cidade, meninos negros, por serem meninos negros, estão mais afetados pela ausência escolar. Isso precisa ser alvo da política, ou seja, tem que ter fomento específico para, além do território, o sujeito, no perfil. Como é que eu mantenho meninos pretos na escola? Tem esta política absolutamente acertada do Pé-de-Meia, que um pouco olha para isso, olha para como é que eu mantenho jovem na escola, mas ainda é insuficiente, porque receber uma bolsa no final do ano significa que eu vou passar o ano inteiro precisando continuar estudando, e como é que eu fico durante, como é que eu fico no processo? Então, isso é... Se eu tivesse que escolher, Paulo Paim, querido Senador, uma ação reparatória radical no nosso país, depois da reparação histórica, seria o investimento pesado, bilionário, em manter, com bolsa, com recurso, com dinheiro, nossos jovens negros nas escolas. Isso mudaria o país radicalmente, drasticamente, num curto espaço de tempo. Nós não temos política para fazer permanecer jovens negros nas escolas. As políticas expulsam os meninos negros das escolas e, ao expulsá-los das escolas, acontece o que eu vou dizer agora: o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, por meio do sistema nacional... Não, eu pulei um pedaço e vou ler aqui. O Relatório de Informações Penais, no primeiro semestre de 2023, realizado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais, informou que, entre janeiro e julho de 2023, agora, no Brasil, havia 381.154 homens negros, pardos e pretos, condenados, cumprindo pena em regime fechado, cerca de 68% dessas pessoas encarceradas, das quais 67 não concluíram educação básica. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, sobre o atendimento de adolescentes em restrição e privação de liberdade no país, informou que 95,6% são do sexo masculino, e 63,8% dos adolescentes atendidos são negros. Do ponto de vista educacional, via de regra, o que se observa é o não cumprimento das diretrizes educacionais para o sistema socioeducativo em meio fechado, Ou seja, o moleque é preso, e fica preso, e não estuda. Logo, não é possível construir outra conclusão que não seja a de que o Estado brasileiro constrói as trajetórias para a vida de algumas e para a morte de outras, inclusive o caminhar para a própria morte física. Essa escolha é deliberada, tem um público específico, são meninos e jovens negros, cuja exclusão do ambiente escolar se encontra com as oportunidades de geração de renda e dos mercados ilegais, o que garante a justificativa moral para o extermínio da vida. Eles vão buscar estratégias que moralmente são condenadas pela sociedade e os coloca no lugar de descartáveis. Essa formulação é preocupação de projetos de lei que já foram citados aqui, de formulações de solução, como foi colocado pela exposição da Conectas, das propostas que Gabriel traz, que Marivaldo traz. Senador, para terminar, não se trata de ausência de formulação. Nós não estamos aqui tratando de um tema que não tenha sido profundamente estudado, que não tenha sido acompanhado nos últimos anos, que não tenha dados e que não tenha propostas reais e efetivas de solução. Estamos falando de um tema gravíssimo que se mantém, com toda a decorrência que disso acontece, como já foi falado aqui, por exemplo, a vida destruída das famílias e o quanto isso impacta a sociedade, porque estamos falando de 115 mil jovens e adolescentes mortos, assassinados em três anos. |
| R | Não é só esse número, o que já seria abismal; quer dizer, qual o impacto disso na família, na comunidade, na continuidade daquela família? Sim, cara, infelizmente, eu tenho primos presos, eu tive parentes assassinados, amigos perdidos - mortos na dinâmica do crime organizado ou na ação do Estado e da sua polícia. Isso explode o ambiente comunitário, explode a família, provoca que o irmão dele se revolte e fale: "Então, agora eu vou, porque eu vou vingar a morte do meu irmão". Isso gera um efeito em cadeia avassalador, violento, que aprofunda traumas, violência e pobreza. Então, se tem algo que precisa ser feito para estancar outros processos de violação e de deterioração social, é um investimento pesado na manutenção de jovens negros nas escolas, especialmente dos meninos negros. Eu termino, Senador Paulo Paim, dizendo a todo mundo aqui qual foi o convite que eu lhe fiz, porque eu quero que todo mundo saiba que o Instituto de Referência Negra Peregum, ao lado da Conaq, Alma Preta, Instituto Nós em Movimento e Uneafro, vamos abrir uma casa do movimento negro aqui em Brasília. Inclusive o nome da casa é Hub Peregum, uma casa para os movimentos negros em Brasília. Esse é o nome. Então é em Brasília, é uma casa que vai servir de referência, de ponto de apoio, de estrutura, mas também de espaço de formação, de formulação técnica qualificada, para apoiar os nossos mandatos, para apoiar os nossos líderes que estão ocupando cargos estratégicos dentro do Governo, no sentido de disputar esses espaços, que estão todos sempre em disputa, mas para nós é sempre mais difícil. Então é uma honra poder receber Paulo Paim, e Benedita da Silva confirmou. Então, você imagine um evento desse com Paulo e Benedita, vai ser uma coisa assim de arrepiar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu que vou estar feliz por estar ao lado dela e de vocês. O SR. DOUGLAS BELCHIOR - E vamos reunir nossos mais velhos do movimento, as novas gerações também. Vai ser um momento muito forte e importante, acompanhe essa atuação. Senador, imagine que essas 15 mil jovens e adolescentes poderiam ser rebecas andrades, que a gente está tanto celebrando, poderiam ser alvo de uma política pública que oferece vida, possibilidades. Vinis jr., suelis carneiros, emicidas, manos brown, abdias, gilbertos gil, gabriéis, conceições evaristos, sérgios vaz, paulos paim, bells, é isso que a gente está matando... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Douglas. O SR. DOUGLAS BELCHIOR - Nós, cada um de nós. É disso que se trata, é esse país possível que a gente está matando, na medida em que esse processo continua. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Douglas Belchior, representante da Uneafro, movimento negro! Eu tive a alegria de algumas leis terem sido construídas com a ajuda desses dois - me permitam que eu diga os dois: ele, como assessor da bancada, me ajudava; e você, como líder nacional do movimento, sempre, toda vez que eu solicitei, contribuía com ideias. E o que mais me marcou nesse período foi o da abordagem policial, que, infelizmente - aprovamos aqui; por unanimidade, conseguimos aprovar -, está engavetado na Câmara. Eu lembro esse, um dos tantos em que você trabalhou junto. Nós vamos em frente. Agora, pessoal, nós temos ainda aqui o e-Cidadania. Eu vou ler as perguntas que vieram e vocês, se puderem responder algumas delas, poderão responder. Outras eu responderei pela própria Comissão, nós da Comissão. Eu peço que façam mais duas cópias enquanto eu leio, para vocês terem em mão e darem uma olhada, os dois que estão aqui presencialmente. Para os que estiverem à distância, eu vou fazer a leitura e, se quiserem também fazer algum comentário, daí terminam com o comentário das perguntas e já vão para as considerações finais, o.k.? Mas de pronto já cumprimento a todos que participaram, foi uma excelente audiência pública. |
| R | E, se você me permitir, isto não foi falado até agora, eu não vou falar no final, falo agora mesmo: é tão importante esse tema que nós vamos entrar com uma sessão temática no Plenário do Senado, para que os nossos convidados falem para os Senadores durante uma semana e naturalmente pelo sistema de comunicação do Senado. Posso colocar? O SR. DOUGLAS BELCHIOR (Fora do microfone.) - É claro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fruto também dos encaminhamentos desta reunião. Então, vamos lá. Michele, do Rio de Janeiro: "Quais são as principais falhas na atuação do Estado que têm contribuído para o aumento dos assassinatos de crianças e adolescentes no Brasil?". Muito bem, Michele, é isso que está aqui nos preocupando a todos, e você faz uma pergunta direta. Mas eu não vou comentar porque senão não dá tempo de vocês falarem. Jackson, de Rondônia: "Como engajar a sociedade civil e ONGs no desenvolvimento e implementação de estratégias para proteger crianças e adolescentes da violência?". Filipe, de São Paulo: "Maiores investimentos no monitoramento das atividades policiais e rigorosidade legislativa reduziriam a criminalidade e a violência policial?". Ele faz em forma de pergunta. Adrian, do Mato Grosso: "Superar o assassinato da juventude no Brasil é superar o racismo em [...] [suas formas]. [É essencial] Uma política de educação forte desde a base". Foi um dos eixos das falas que eu ouvi. Rosemberg, do Distrito Federal: "A redistribuição de renda em programas sociais tem [...] [mostrado] melhorias nos últimos anos para reduzir a violência e marginalidade?". Eu vou ler de novo. Rosemberg, do DF: "A redistribuição de renda em programas sociais tem [...] [mostrado] melhorias nos últimos anos para reduzir a violência e marginalidade?". Ana, de São Paulo: "Quais exemplos internacionais de sucesso na redução da violência contra jovens poderiam ser aplicados no Brasil?". Siro, do Rio de Janeiro: "Por que não adotar a escola [...] [em] horário integral [...]?". Eu sou simpatizante também, e acho que todos nós, não é? E foi o eixo da fala de vocês, principalmente do Douglas aqui. Siro, do Rio de Janeiro, repito: "Por que não adotar a escola [...] [em] horário integral como forma de promover o conhecimento e a socialização em igualdade de condições?". Marcelo, de Minas Gerais: "O poder público deveria atuar [...] [desde o] momento em que a criança nasce, [...] acompanhando o [seu] desenvolvimento, porém é omisso". Ademir, de Rondônia: "A falta de escolas [...] [integrais e atividades esportivas] contribuem para que esses jovens entrem [...] [no] crime, precisamos de políticas públicas [urgentes]". O.k.? |
| R | Então, vamos começar com o Douglas. Em seguida, passo para o Gabriel. O SR. DOUGLAS BELCHIOR (Para expor.) - Está telegráfico, porque falamos bastante sobre esses pontos, mas, Michele, escola, trabalho e renda e ambiente comunitário são pontos em que o Estado poderia ser muito mais efetivo e há, sem dúvida nenhuma, possibilidade de bons resultados. De acordo com todos os levantamentos, pesquisas e dados que nós temos, esses são elementos fundamentais para manter jovens na escola, para garantir uma trajetória regular, para o acolhimento familiar, para que a juventude trabalhada nos espaços comunitários e educacionais possa estar menos sensível ao apelo do crime organizado, por exemplo, porque é muito saboroso, a gente sabe. Cara, o período da juventude é, biologicamente, um período revolucionário na vida do menino. Ele quer experimentar coisas novas, ele quer consumir um mundo absolutamente dirigido pelo estímulo ao consumo. Isso, sem dúvida, muitas vezes aparece como as suas grandes possibilidades de vida, e a gente tem que disputar isso com outra lógica, com outra moral, com outros valores, e o ambiente comunitário adequado, com ausência de violência, com a presença do Estado, é importante e traz efeitos. O terceiro setor tem se dedicado bastante a isso, Jackson, mas eu concordo com você que o investimento do capital privado e não haver uma cultura de doação no Brasil atrapalham a atuação da sociedade civil por deixá-la frágil economicamente. Então, talvez uma coisa que a gente tenta fazer é... Os grandes doadores ou aqueles que têm propensão a doar não são mobilizados pela nossa agenda. A pergunta é: a vida de jovens negros importa a ponto de mobilizar os afetos e as pessoas doarem ou apoiarem essa causa? Eu vou dizer que não, Senador. Sabe por quê? Eu quero dar um exemplo e eu não quero ser antiético, mas eu vou dizer nome aqui porque é preciso que os nomes sejam dados. Eu sou de uma periferia em São Paulo, que é uma pequena cidade chamada Poá, a minha cidade de origem, saindo da cidade de São Paulo, bem na divisa com Guaianases e Itaim Paulista. Do lado de Poá, tem uma outra cidade chamada Suzano. Na última ou na penúltima eleição, houve uma tentativa de roubo na porta de uma escola, e uma policial que foi levar seu filho à escola, que estava à paisana, não estava fardada, estava armada e matou o jovem na sua abordagem. Ele não estava armado, ela o matou e se transformou numa heroína. Ela matou um jovem negro. Sabe o que aconteceu com essa policial em seguida? Ela foi eleita Deputada Federal com um estrondoso número de votos e veio para o Congresso Nacional. Qual era a única peça de propaganda da campanha eleitoral dela? E eu estou dizendo a você... Katia Sastre é o nome dela, procurem aí. Você vai digitar esse nome na internet e vai ver que a campanha eleitoral dela era a filmagem do assassinato na porta da escola. Então, esta é a nossa sociedade: a morte negra dá voto. Isso é um absurdo de dizer, mas são os elementos concretos que nós temos. Então, é óbvio que é necessária uma mobilização das forças da sociedade para contrapor esta lógica, este pensamento, este ideário que nos acompanha desde a escravização: 400 anos de escravidão no Brasil deixam uma mentalidade, resquícios, permanências da ausência da humanidade do nosso corpo, "pode matar, não importa tanto". E é isso que a gente vê na prática. Então, Jackson, sem dúvida, seria muito importante haver mais estratégias e maiores investimentos nesse campo, para que ONGs e sociedade civil tivessem mais força. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. DOUGLAS BELCHIOR - Ao Filipe o Gabriel vai responder melhor que eu. O Adrian fala sobre política educacional forte desde a base. A Uneafro Brasil é um movimento de educação popular que se dedica a isso. Tenho pleno acordo. O Rosemberg fala sobre distribuição de rendas em programas sociais. Tem apelo, é importante. Precisa ser mais, ainda é em pouca quantidade, então não tem o impacto que poderia. Mas, sem dúvida, quem tem poder de chegar com política pública ou com ação efetiva aos rincões deste país é o Estado brasileiro. Todo... tem uma escola, tem um posto de saúde... São aparelhos do Estado, Gabriel, que deveriam estar dedicados a, por exemplo, estimular práticas comunitárias, vivência comunitária, ambiente comunitário, que, no âmago da sua providência, da sua prática, combate ao racismo, porque, diz respeito, Senador, a relações pessoais, à construção de vínculo e de relação não violenta, a uma educação não violenta desde pequeno. Então, isso tudo contribui como um todo, porque não é uma ação só que vai dar resultado. Sobre escola de horário integral e investimento em esporte não tenho dúvida. Sabe que o movimento negro... Talvez eu fale uma grande bobagem e seja depois corrigido pelos meus mais velhos, mas, pelo menos na minha geração e nos meus espaços de convivência, no movimento negro, tem pouca ação específica pensando em esporte, por exemplo. A gente discute pouco. Você quer uma coisa que impacte mais a quebrada e a molecada preta do que possibilidades de esporte? Eu juro que eu seria um esportista, Gabriel. Eu seria! Eu era um moleque que pulava e corria e jogava. Se eu tivesse tido o estímulo correto e a oportunidade, eu teria sido um atleta de alguma modalidade, provavelmente, ou teria, no mínimo, vivenciado mais essa experiência. E a dinâmica da vivência nos esportes disciplina, gera respeito, cria sentimentos de respeito, de autoestima, de disciplina, de respeito ao outro. O moleque não gosta do outro moleque, mas os dois, jogando juntos, fazem gol. E é isso que importa. Gera-se todo um clima, um ambiente positivo, quando você tem essas iniciativas na comunidade. Isso realmente funciona. O Estado pode fazer isso com muita força, e não faz. Isso quase fica sempre na responsabilidade da ação de organizações da sociedade civil. Aí tem um cara que gosta de boxe, monta, improvisa uma academia de boxe na quebrada. Faz o maior sucesso. Mas o cara não tem o tablado, não tem a luva, não tem os aparelhos, não tem o treinamento que poderia oferecer naquela comunidade. Então, por que política de esporte, política de convivência comunitária não é um alvo radical do investimento? Tudo o que eu estou falando, gente, eu não inventei. Isso está formulado, isso está escrito, isso está construído, isso está experimentado. E a gente precisa botar mais força nisso. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o nosso querido Douglas Belchior, que representou nesse evento a Uneafro. E vamos continuar... Já está convocado - viu, Douglas? - para essa sessão temática de debate que vamos fazer no Senado. O título diz tudo, como a moçada que já botou, uma sessão temática que vai discutir o assassinato de crianças e adolescentes. Claro, vem, no meio, toda a violência sexual, os estupros... Os dados são assustadores. |
| R | Então, de imediato, o Gabriel Sampaio, advogado. Permita-me, você que está presente, Gabriel, fechado aí, porque a Marta Volpi, Diretora de Proteção da Criança e do Adolescente, que falou em nome do Ministério dos Direitos Humanos, pediu para fazer suas considerações finais. O Cauê teve que sair, não pôde ficar, eu entendo e já agradeço a ele também, e o Marivaldo também teve que se retirar. O Cauê representando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Marivaldo que representou o Ministério da Justiça. Fica aqui o nosso carinho e abraço a ambos. Então, agora, a Marta Volpi usa o seu tempo de considerações finais e, no fim, o Gabriel conclui, usando o seu tempo, naturalmente. A SRA. MARTA VOLPI (Para expor. Por videoconferência.) - Eu achei muito brilhante a maneira como o Douglas coloca para nós, exatamente o que diz o art. 227 da Constituição Federal, que a gente precisa da família, da sociedade e do Estado, nessa garantia de direitos das nossas crianças, adolescentes e jovens. E ele citou o investimento privado. Acho que isso é, ainda, algo que precisa muito chegar, em especial para as organizações, para compor as ações do Estado. Volto a falar a respeito de orçamento, que é necessária essa priorização da criança. Então, o Brasil tem avançado nessas políticas de educação em tempo integral. E aí eu falo, também, não só a respeito da prevenção das violências, que o espaço escolar é um espaço muito importante, até porque é o local de formação da primeira rede subjetiva da criança e do adolescente, e é onde vão aparecer as denúncias, mas também é um espaço de proteção plena, inclusive como uma das ações de prevenção do trabalho infantil. A questão do trabalho no tráfico também é algo que precisa vir para os nossos debates com toda força, porque é uma das piores formas de trabalho infantil, e a gente deve dar a destinação para esses adolescentes, para essas crianças e adolescentes, a destinação da segurança pública. A gente não trata, necessariamente, como vítimas de um tipo de trabalho que, como o Douglas falou, é bastante rentável e bastante sedutor, ainda mais na sociedade de consumo em que a gente vive. Então, nós temos avançado, não na proporção que gostaríamos, nem na proporção de que as crianças precisam. Então, é mais um apelo para que a gente tenha, de fato, essa união de família, sociedade e Estado, e aí compreendendo, dentro dessa sociedade, não só os indivíduos, como também as empresas e as organizações sociais, porque é uma responsabilidade de todos garantir um futuro, garantir uma vida plena para crianças e adolescentes, com pleno desenvolvimento também. Como o Douglas nos coloca, não só o direito à vida, mas o direito ao desenvolvimento pleno, é um dever de todos, e há uma necessidade de estar nas agendas, em especial, também, do recurso privado, porque de fato é isto: para onde vai o investimento quando a gente fala em investir no setor social? Realmente, ele está indo para onde se precisa? |
| R | Eu deixo esse apelo. Então, finalizo as minhas considerações, deixando, mais uma vez, este apelo para todos nós: para que a gente consiga garantir as disposições do art. 227 da Constituição Federal para todas as nossas crianças, sem qualquer discriminação, que é isso que a Constituição Federal prevê. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Marta Volpi, Diretora de Proteção da Criança e do Adolescente, representante do Ministério dos Direitos Humanos, meus cumprimentos pela sua fala. Então, como havíamos mais ou menos combinado aqui, Gabriel Sampaio, para os seus comentários sobre as perguntas e, ao mesmo tempo, para as considerações finais. Daí eu só farei o encaminhamento das propostas que chegaram à mesa. O SR. GABRIEL SAMPAIO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador. Eu gostaria de renovar aqui meus cumprimentos e agradecimentos, de fato, por participar de um momento histórico no Senado Federal. Como o Douglas bem lembrou, é muito importante nós também sinalizarmos para essa juventude com alguns símbolos. Ter uma mesa com essa representatividade de pessoas, pelas quais eu tenho, inclusive, uma admiração e uma história e trajetória pessoal, é um momento que eu vou guardar para sempre, na minha memória. Estar ao lado de V. Exa., de Douglas e de Marivaldo, neste momento, é algo que vai ficar realmente marcado para mim e também me traz uma responsabilidade ao trazer uma mensagem também para todas essas crianças e adolescentes que vivem hoje nessa situação de vulnerabilização gerada pelo Estado. É importante também trazer essa marca. O jovem negro e a menina negra quando nascem não são em si um fator de vulnerabilidade, mas a sociedade impõe condições ou é conivente com condições que tornam essas pessoas vulneráveis. Nós precisamos resgatar essa noção, essa ideia de um projeto de sociedade. Nós vivemos muito isso, Senador, na sua geração. Lembro-me muito da nossa militância - não é, Douglas? -, desde sempre nós buscando um projeto de sociedade em que nós possamos ser protagonistas da nossa história. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso. Muito bem! Muito bem lembrado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E cada vez mais - eu tenho um filho, agora com três anos - nós vemos o quanto nós nos perdemos enquanto sociedade nas discussões daquelas questões que fogem a essa ideia de um projeto. Cada vez mais se faz debate e se produz conteúdo que pouco dialogam com um projeto de sociedade, que pouco trazem de perspectiva, de união, de unidade, de um sentido mesmo para a vida, para a existência das pessoas. Quantos de nós ficam tranquilos quando veem uma criança ou um jovem adolescente com um celular na mão? A gente não sabe que tipo de conteúdo está sendo transmitido, e não só é porque a gente não confia - tem, enfim, várias questões que envolvem isso -, mas é porque há um oligopólio, há pessoas que ganham dinheiro, há pessoas que se enriquecem, se tornam bilionárias, trilionárias, querem ir para o espaço se aproveitando dessa energia que a juventude tem, essa energia que está sendo cada vez mais canalizada para criar ansiedade, para criar disputa, para criar desarmonia na nossa sociedade. Nós queremos construir um projeto. Nós queremos participar de um país que tenha condições de aproveitar essa energia da juventude para construir uma sociedade justa e igualitária, que aproveite a capacidade de atuação do Estado, a capacidade de atuação dessas forças sociais para construir um país justo, livre e muito melhor do que o que temos hoje. |
| R | Entrando aqui nas questões e nos pontos que foram colocados, que tipo de falhas de atuação, como engajar a sociedade civil, as ONGs e o Estado nessa tarefa? Acho que a gente falou bastante sobre isso, o Douglas reforçou a importância, e as perguntas também trazem aqui a necessidade de investimento em educação e em esporte. E focalizar a política. Se fizermos um recorte de onde os dados estão mais elevados, vamos identificar que, com duas centenas de municípios, a gente resolve, a gente vai estar abordando mais da metade das mortes violentas no país. Estamos falando de um país que tem mais de 5.500 municípios e, se falarmos de duas centenas de municípios que têm maior incidência dessa violência, nós vamos enfrentar a parte mais preponderante do dado. Então, é política pública focalizada. A gente quer, no território mais vulnerabilizado, como o Douglas comentou aqui, a melhor escola e o melhor equipamento de esporte, porque nós precisamos dar para a juventude a melhor perspectiva. E por que escola? E por que esporte? Também nessa perspectiva que eu trouxe no início da minha fala, porque elas dão sentido de coletividade. Nós estamos entregando a juventude para um sentido cada vez mais individualista, em que certos grupos econômicos estão se aproveitando dessa sua capacidade de transformar a sociedade, por meio da tecnologia, em algo que os beneficia economicamente. Então, é preciso ter este sentido de sociedade: focalizar política pública de um lado e também identificar as políticas que dão errado. E aí, Senador, não poderia ter sido o melhor momento para fazer esta audiência pública e endereçar questões aqui, porque neste momento em que os dados apontaram que a maioria preponderante das mortes provocadas contra crianças e adolescentes ocorrem por arma de fogo, nós sabemos do esforço de V. Exa. e de forças comprometidas com a vida das crianças e adolescentes do Brasil para evitar a votação de um projeto de decreto legislativo que retrocede na política de controle de armas. E aí, o debate está ... Permitam-me, Srs. Senadores, ter uma fala muito direta, muito sincera e muito aberta ao diálogo, mas é absolutamente equivocado que esse tema tenha prioridade neste momento. Em um dia, o Senador traz aqui, em audiência pública, os dados mais relevantes da mortalidade de jovens, crianças e adolescentes, mais de 13 morrendo por dia, por arma de fogo. E a sinalização, a mensagem que fica para a sociedade - é importante que a institucionalidade traga as mensagens corretas - é de que é razoável que haja um clube de tiro perto de uma escola. Eu passo, diariamente, porque todo dia deixo e busco o meu filho na escola, na frente de um clube de tiro, na rua da frente, Senador. "Ah, mas há um direito adquirido de ter um clube de tiro na frente de uma escola!" Eu tenho que explicar todo dia para o meu filho que é normal ter um clube de tiro? "Ah, é um espaço discreto!" Senador, tem uma imagem, mostrando que aquilo é um clube. As pessoas que frequentam, não as estou criminalizando, podem ser pessoas que cumprem a lei, que tomam todos os seus cuidados, mas eu quero falar da mensagem. Eu quero falar dos riscos. Eu quero falar do projeto de sociedade e dizer que é fundamental o compromisso de todas as pessoas que se importam com a vida dessas crianças e adolescentes em passar a mensagem de que a prioridade para a defesa das suas vidas é investir em educação, em esporte, em cultura e na proteção da sua vida. |
| R | Portanto, nós, enquanto sociedade civil, estaremos vigilantes, militantes e atuantes para chegar a esse desafio, um desafio que parece utópico, mas que, com a junção das nossas forças, eu tenho certeza de que nós lograremos êxito. Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Gabriel Sampaio, advogado e Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos Olha, todos falaram. Meus cumprimentos aqui ao Cauê Martins, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; à Marta Volpi, que falou pelo Ministério dos Direitos Humanos; ao Marivaldo de Castro Pereira, que falou pelo Ministério da Justiça; ao Douglas, que falou com a competência de sempre, como os outros painelistas, aqui representando a Uneafro, e nos deu esta notícia boa, além de todas as falas, dessa casa que teremos em Brasília; não é só uma casa ilustrativa, como alguém pode estar ouvindo, será uma casa de um grande debate da situação do movimento negro e, por exemplo, do assassinato de crianças e adolescentes. Esse é o objetivo. Eu tenho certeza de que será um sucesso - e já me comprometi de estar lá - pela pauta que ela vai levar de forma permanente. O Gabriel fez essa fala brilhante - Gabriel, meus cumprimentos - e fez o encerramento dando exemplo da sua caminhada e do seu filho em direção à escola e um clube de tiro bem na frente e ter que explicar para o menino por que isso. E querem votar essa questão aqui no Senado. Tem algumas votações aqui que, de fato, me deixam muito, muito triste. Eu sou um defensor permanente da liberdade de expressão e da democracia, mas tem alguns temas que não são favoráveis à vida, alguns temas que atacam a vida das pessoas e não poderiam ter voto favorável, como infelizmente... A vida - alguém já disse, e eu repito - em primeiro lugar, a vida dos negros, dos brancos, dos indígenas, enfim, de toda a gente brasileira. Gabriel, depois de cumprimentá-lo e também o Douglas, que estão aqui presentes - eu cumprimento todos que já estiveram aqui, neste dia histórico; para mim, foi um dia histórico -, eu vou agora para os encaminhamentos. (Pausa.) Começo por aqui mesmo. Vamos realizar uma audiência pública aqui no Senado, na CDH, e, se possível, vamos ouvir as mães, pelo menos uma, representando as mães de cada estado que perderam filhos e filhas para a violência. Realizar ação reparatória de investimento para manter jovens negros nas escolas. O princípio aqui, pelo que eu entendi, é escola de tempo integral, de preferência. Realizar sessão temática no Plenário do Senado sobre o tema debatido hoje: assassinato de criança e adolescente. Acompanhar o PDL 206, de 2024, que retira trechos do Decreto 11.615, de 2023, do Poder Executivo. Com a retirada dos trechos, vai ocorrer um retrocesso na política de controle às armas de fogo. |
| R | Acompanhar o PL 2.999, de 2022, de autoria do Deputado Federal Orlando Silva, do PCdoB, de São Paulo, que cria a Lei Mães de Maio, que estabelece um programa de enfrentamento aos impactos da violência institucional. O projeto está na Câmara dos Deputados. Acompanhar o PL 239, de 2016, de autoria da CPI do Assassinato de Jovens, aquela que provou que, a cada dez jovens assassinados - não teria que ser assassinado nenhum -, nove são negros ou negras, que objetiva pôr fim aos autos de resistência. O projeto foi arquivado no final da legislatura, em 2022. Vamos pensar na possibilidade, se vocês concordarem, do desarquivamento; se não for mais possível, porque o tempo já passou, nós representaremos o projeto, fruto desta audiência pública de hoje. Acompanhar a tramitação do PL 5.231, de 2020, sobre abordagem policial, que já foi aprovado no Senado, por unanimidade. Encontra-se na Câmara dos Deputados. O projeto foi aprovado numa Comissão, agora está para análise da CCJ. Observar as recomendações apresentadas na pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Há essa referência, porque ele colocou dez pontos ali. E não vamos esquecer - eu tinha escrito mais uma proposta... Está aqui, é essa aqui. Esse tema tem que estar no orçamento, com mais equilíbrio, inclusive nas emendas de Comissão, porque não tem sentido. Eu estou vendo sempre o debate, parece que tem um mistério. Eu vou falar aqui tranquilamente: por que certas Comissões têm 4 bilhões, 3 bilhões, 2 bilhões, 1 bilhão? E uma Comissão só, por exemplo... Porque eu passo, eu termino meu mandato no fim do ano, virá outro. Como essa aqui não tem sequer 1? A última foi, se não me engano, 700 mil ou 500 mil. É uma vergonha, comparando com as outras Comissões, uma Comissão que trata dos direitos humanos. Que haja mais equilíbrio entre a receita da possibilidade de investimento nas Comissões em políticas públicas. E qual a política mais nobre que a política de direitos humanos? Então, que haja também essa preocupação. Eu levarei com esse objetivo. Se a Comissão de Direitos Humanos tiver uma verba maior... Eu não quero nem igual, porque eu sei que vai ser impossível pelos caciques da vida; nada contra os caciques, mas os caciques da nossa vida aqui dentro da Casa... Eu não estou aqui falando de nenhuma Comissão. Só estou dizendo que eu não consigo entender até hoje por que umas Comissões têm um valor bilionário - bilhões - e outras não chegam nem perto de 1 bilhão - nem perto. Então, ficam esses encaminhamentos. Se todos concordam, nós vamos tratar de encaminhar junto à Casa e aos espaços que nós poderemos influir, baseados no que foi decidido aqui, hoje. |
| R | Atendido o nosso objetivo, fica a frase que vocês disseram: uma sessão histórica, podem ter certeza, uma sessão que cuidou das nossas crianças e adolescentes. A violência contra elas - eu digo até meio encabulado - é um ato de terror, é um crime, é um crime de lesa-pátria, porque quando estão matando as nossas crianças e adolescentes estão atingindo a nossa pátria. Encerrada a audiência de hoje. (Palmas.) (Iniciada às 9 horas e 05 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 16 minutos.) |

