21/08/2024 - 45ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 45ª Reunião da Comissão de Educação e Cultura da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 21 de agosto de 2024.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de discutir a implementação da educação escolar quilombola no país, em atenção aos Requerimentos nº 71, de 2024, apresentado a esta Comissão, nº 74, de 2024, apresentado a esta Comissão, ambos de autoria da Senadora Damares Alves; e ao Requerimento nº 77, de 2024, apresentado a esta Comissão, de autoria da Senadora Damares Alves e do Senador Flávio Arns.
Convido para tomar lugar à mesa as seguintes pessoas convidadas.
Sra. Zara Figueiredo, Secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi). (Palmas.)
Os assentos estão marcados com a plaquetinha.
Convido a Sra. Givânia Maria da Silva, Coordenadora do Coletivo Nacional de Educação e da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); e, agora, Conselheira Nacional de Educação. (Palmas.)
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Convido o Sr. Ronaldo dos Santos, Secretário Nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial. (Palmas.)
Convido a Sra. Gabrielem Lohanny da Conceição Mento, estudante da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas da Conaq e quilombola do quilombo de Boa Vista, em Salvaterra, Pará. (Palmas.)
Convido a Sra. Shirley Pimentel, Representante do Coletivo Nacional de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). (Palmas.)
Convido o Sr. Paulo Roberto, Coronel da reserva do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e ex-Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. (Palmas.)
Estão participando de forma remota a Sra. Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro, Defensora Nacional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, e o Sr. Jan Jarab, Representante Regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Informo que apresentaram justificativa de não poderem comparecer a esta audiência os seguinte convidados e convidadas: Sra. Nilma Lino Gomes, Professora Emérita da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-Ministra da Igualdade Racial; Sra. Maria do Socorro Silva, Diretora de Políticas de Educação do Campo e Educação Escolar Indígena do Ministério de Educação; Sr. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal; Sra. Sandra Pereira Braga, Coordenadora Executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas; e Sra. Karen Luise Vilanova Batista de Souza, Juíza Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
Agradecemos as justificativas.
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, eu comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211.
O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até 10 minutos, com a tolerância necessária, se for o caso.
Ao final das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares que porventura se inscreverem para fazer suas perguntas e comentários.
Nós ajustamos aqui com nossos convidados e convidadas a ordem de fala, que será também seguida por nós.
Esta audiência pública acontece depois do dia maravilhoso de ontem, que eu já soube que foi muito bom.
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Givânia tinha me convidado, mas dois motivos me fizeram ter que justificar a ausência. Eu só podia viajar ontem à noite. Tinha uma conferência de educação de Jaboatão, e a gente achou que não era bom alterar a data inicial do encontro de vocês.
Acho que a primeira coisa que eu queria colocar, antes de passar a palavra para os nossos convidados, é essa satisfação em celebrar a iniciativa da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas do Coletivo Nacional de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), e dizer que essa é uma iniciativa que eleva as vozes das meninas quilombolas para uma incidência política qualificada pelo direito à educação.
Fundada em novembro de 2022, a primeira turma da escola formou 30 meninas e 11 meninos quilombolas, com idade entre 15 e 18 anos, estudantes dos anos finais do ensino fundamental e dos anos iniciais do ensino médio. Além dos estudantes quilombolas, a primeira turma da escola também formou 40 professores e professoras quilombolas, que atuam nas escolas e nos quilombos - uma estratégia que olha para a realidade de meninas e mulheres quilombolas, que valoriza a relação da educação com o território e com as lutas do movimento quilombola nos vários municípios e estados onde a população quilombola luta para sobreviver com dignidade.
É muito importante ver, testemunhar e apoiar a participação e o ativismo das meninas nos assuntos que impactam as suas vidas e a vida da sua comunidade, sobretudo em um cenário em que há um longo caminho a ser percorrido para alcançar a igualdade para quilombolas no que diz respeito ao direito à educação e para a implementação de fato da educação escolar quilombola.
Sabemos que as escolas localizadas nos territórios quilombolas enfrentam um nível alto de precarização e muitos problemas estruturais relacionados com necessidades básicas de funcionamento, como energia elétrica, saneamento, abastecimento de água e acesso à internet; apresentam condições muito ruins para ofertar uma educação com qualidade, pois possuem infraestrutura precária e inadequada, com falta de salas de leitura, bibliotecas, quadras de esporte e laboratórios.
Temos que discutir a situação da educação escolar quilombola no país e obviamente celebrar mudanças nas políticas de educação, como indica a recém-lançada Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, uma construção da Secadi, MEC, aqui representada pela sua titular, Profa. Zara, e do Governo do Presidente Lula. A gente cobra o que a gente sabe que tem perspectiva de avanço, mas a gente sabe do muito que está sendo feito.
E temos todo esse debate que envolve o Plano Nacional de Educação, plano para uma década, em torno do qual também já aprovamos um ciclo de audiências públicas aqui nesta Comissão, que se inicia na próxima semana, e que precisa centralizar o tema da educação escolar quilombola.
Vocês voltarão para uma próxima audiência, no âmbito da discussão do Plano Nacional de Educação. Vamos promover os debates e mobilizações e ampliar os diálogos com órgãos do Governo, Parlamento, sistema de Justiça e outras organizações da sociedade civil e movimentos sociais em torno da educação escolar quilombola e da necessidade de ampliarmos o acesso aos direitos e às garantias em nosso país.
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Muito obrigada pela presença de todos e de todas.
E já passo a palavra à nossa primeira convidada, que é - me permitam chamá-la assim - a minha companheira Givânia Maria da Silva. Givânia está aqui apresentada bem formalmente, como Coordenadora do Coletivo Nacional de Educação. Eu conheço Givânia lá do nosso estado - ambas somos de Pernambuco.
Recentemente tive o prazer de visitar o quilombo do qual ela é originária, Conceição das Crioulas, no Município de Salgueiro. Nós fomos inaugurar, junto com o Prefeito, uma creche - linda, muito linda. Estava lá toda a representação do povo quilombola, a descendência das seis mulheres que criaram aquele quilombo, toda a luta, a resistência, os avanços e, sobretudo, aquilo que a gente sabe que ainda pode construir.
Nós, em Pernambuco, ficamos muito felizes com a nomeação de Givânia para o Conselho Nacional de Educação. Aliás, Zara, Pernambuco foi bem contemplado, não é? Nós temos dois pernambucanos no Conselho Nacional de Educação e todos os dois vindos dos movimentos sociais.
Givânia, da educação básica...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Exatamente. ... e Heleno Araújo, que é um sindicalista, hoje Presidente da CNTE e Coordenador do Fórum Nacional de Educação. Pernambuco não pode reclamar, não é? (Risos.)
Está bem representado no Conselho Nacional de Educação.
Então, sem mais delongas, Givânia, companheira querida, a palavra é sua.
Quando aquele sininho tocar, não se assuste. Ele toca automaticamente.
A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA (Para expor.) - Está bom. Bom saber. A Selma estava de manhã. A Selma é uma figura.
Bom, boa tarde a todas, todos e "todes". Quero cumprimentar a mesa, na pessoa da professora da educação básica e hoje Senadora da República, Teresa Leitão, que é do meu estado e é uma professora da educação básica, como eu. Viveu longos anos de chão de sala de aula e também de sindicalismo. Eu fui, como a gente diz lá no Nordeste, pela proa, não é? Sala de aula, com alguns intervalos para atuar em outras frentes.
Na sua pessoa, eu cumprimento aqui toda a mesa, os Parlamentares que estão aqui ou que possam estar nos assistindo. Nas pessoas do Secretário Ronaldo e da Secretária Zara, cumprimento as demais autoridades do Poder Executivo ou Judiciário que aqui estejam.
Mas eu quero celebrar com essas meninas esse momento, Teresa, de estar aqui nesta Casa, porque ele é muito importante para o que nós estamos fazendo, para essa experiência que ainda é uma experiência pequena, mas que tem um alcance significativo.
Eu sou de uma geração formada nos movimentos sociais, em que formação política sempre foi fundamental para que nós entendêssemos quem éramos, quem somos, onde estamos e para onde vamos.
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E eu, na Conaq, desde a sua fundação, desde a sua criação, sempre imaginei que a gente poderia ter uma experiência como essa, e, felizmente, a gente conseguiu, com esse grupo. Então, este momento, agora, desta audiência, está dentro desse encontro, que é um encontro presencial. Porque nós passamos dois anos com esses rostinhos que ontem me perguntavam: "E agora?". E eu ainda não respondi ao "e agora?", porque eu ainda não sei o que fazer com o "e agora?" que elas me perguntaram. Mas eu tenho certeza de que a gente vai encontrar caminhos de continuar alimentando essa esperança, do verbo "esperançar", mais forte em nossas vidas.
Quero dizer que, sobre esta audiência, eu pedi à Teresa: "Teresa, é muito importante que sejam professores da educação básica falando disso", porque nós focamos esse lugar.
O critério para entrar na escola era estar cursando o 7º ano, estar matriculado no 7º ano, nos anos finais do ensino fundamental, ou até o 1º ano ou 2º ano do ensino médio. O que nós queríamos olhar era exatamente isto: o que acontece para nós quilombolas sermos a maior distância entre os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio? O que acontece? Por que nós somos a maior distância do país das pessoas que saem? E nós não estamos falando nem dos que saem do ensino médio.
Portanto, Senadora e demais Parlamentares, esta audiência tem como objetivo... Primeiro, tem uma coisa que elas diziam sempre ontem - ontem nós estivemos no auditório do MEC; hoje de manhã, na Capes; amanhã terminaremos na Capes; e hoje à tarde aqui -: "É simbólico os nossos corpos estarem aqui, vindos de 21 estados do nosso país. É muito importante estarmos aqui". E elas se sentaram lá atrás, e eu falei assim: "Vamos sentar lá na frente, porque essas cadeiras vão ser ocupadas por vocês daqui a um tempo. Eu quero vocês se acostumando logo com o lugar de sentar, porque ali é o lugar dos Parlamentares". E é assim que a gente quer e é para isso que a gente trabalha.
Então, eu agradeço muito pela sua sensibilidade de ter acolhido esse pedido. Eu sei que não é fácil, porque você chegou ontem à noite e já vai voltar. Você está num processo também de cuidar da saúde, mas, mesmo assim, você fez esse esforço de fazer um bate e volta aqui por conta deste momento.
Quero dizer também que discutir a situação da educação escolar quilombola é uma forma de a gente repensar caminhos para a gente não ficar falando de igualdade na abstração; não ficar falando de qualidade da educação na abstração. Nós precisamos falar de qualidade da educação a partir da realidade, a partir do que essas meninas trouxeram para nós. E o que essas 39 meninas e 11 meninos trouxeram para nós durante esses dois anos, Teresa - estamos publicando, fizemos algumas publicações, ainda estamos trabalhando muito para publicá-las -, são dados que nenhum órgão de levantamento de dados consegue captar. Porque nós temos o sentimento delas de dentro do ônibus, da sala, da merenda, do encontro com o professor. Então, assim, é muito mais do que o censo escolar, é muito mais do que o que as outras pesquisas podem revelar para a gente.
E o que nós queremos aqui é socializar com os senhores e com as senhoras para que este Parlamento também possa pensar como é que se olha para esses territórios. Como é que a gente olha para os territórios pensando só que eles são lugares de destruição? Que a gente só pode pensá-los para tirar esses sujeitos?
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Se ouvir o que essas meninas têm dito para nós nesses dois anos e ouvir o que elas disseram para nós nesses dias, nós vamos precisar divulgar isso, para que cada um desta Casa e cada brasileiro nunca mais tenha dúvida da necessidade de reconhecer os quilombos como espaço de construção, de produção de conhecimento, de produção de alimentos, de produção de vida, de significado e de construção de identidade.
Então, eu paro por aqui porque eu queria não gastar meu tempo todo, porque disse à Zara, prometi uns minutos do meu tempo para ela, mas estou muito feliz de poder estar aqui nesta tarde para discutir um tema tão importante como é a educação escolar quilombola.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Givânia.
O Plenário 6 - não é, Walisson? - é aqui juntinho e está disponível também. É lógico que não vai ser assim, a cores e ao vivo, vai ser pelo telão, mas quem preferir ficar sentado lá, no Plenário 6, fique à vontade, viu?
Então, vamos passar agora para a Profa. Zara Figueiredo, Secretária da Secadi.
A gente sempre diz que a Secadi voltou... (Risos.) (Palmas.)
Zara esteve recentemente lá no estado, apresentando o programa de alfabetização de adultos em áreas de assentamento. Foi muito bonito, um sucesso que eu espero que se reproduza na execução do programa, Zara. Todo mundo ficou muito feliz.
Não tinha só gente de Pernambuco, claro, mas é porque a gente é meio amostrado mesmo. (Risos.)
O evento foi lá, aí a gente se amostrou bem muito, e é gente do estado inteiro.
Eu acho que essa dimensão que a Secadi retoma, ao retomar na estrutura do MEC, nos dá também essa tranquilidade de cuidar da gente, cuidar da diversidade da educação.
Pois não, Zara, fique à vontade.
A SRA. ZARA FIGUEIREDO (Para expor.) - Obrigada, Senadora.
Bom dia a... Boa tarde já, não é? Boa tarde a todos e todas.
Eu não preciso dizer da beleza que é a quem está daqui ver esse auditório desse jeito, todo amarelo, reafirmando em cada espaço que é necessário lutar como uma garota quilombola pela educação escolar quilombola. Então, Senadora, cumprimento a senhora, e, na presença da senhora, cumprimento a mesa toda; e cumprimento cada um e cada uma de vocês que está aqui, num momento muito especial.
Ontem nós começamos a discutir isto, que não é possível fazer política pública sem fazer política, e eu acho que estar dentro desse espaço... É um espaço privilegiado para a gente pensar isso. E aí, Givânia, quando você diz que elas lhe perguntam, "e agora?", eu acho que agora é isso, assumirem a política. Vocês já sabem os caminhos, vocês já construíram parte disso, agora é assumir essa agenda mesmo, principalmente a agenda da educação, visando a uma redução de desigualdades.
Vocês podem colocar a apresentação para mim, por favor?
Então, como a Senadora Teresa...
Eu acho que essa não é a apresentação.
Como a professora...
Isso.
Não, está em PPT, não está assim, não... Foi a que eu mandei para ela. É uma versão... Ela te manda aí? É a versão... O Walisson também, acho que lhe mandei. É uma versão em PPT.
Se alguém quiser passar na minha frente...
Já conseguiu?
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Essa que mandou?
Bom, então, eu vou tentar passar bem rápido, Senadora... Também vocês, para que a gente possa discutir a maior parte dos pontos.
Você toca aí para...
Eu acho que está dando eco por conta...
É?
Está bom.
Bom, essa, então, foi a política, como a Senadora disse, que foi normatizada pela Portaria 470, pelo Ministro Camilo, a quem eu represento e trago os cumprimentos, nesta gestão, nesta terceira gestão do Presidente Lula, não é?
Então, isso está normatizado na Portaria 470.
Eu não vou entrar na questão étnico-racial, vou me centrar na questão quilombola, para a gente fazer o debate daqui a pouco.
Alguém passa, por favor?
Então, isso está lá.
Vá adiante.
Bom, qualquer política pública que a gente desenhe, a gente só pode partir do cenário. A Givânia trouxe um ponto importante, ela está dizendo: "Olha, obviamente que os dados do censo são muito importantes, mas existem outros dados que não estão nessas bases de dados e que também precisam alimentar as políticas públicas", não é?
Então, vá passando, por favor...
Todos esses dados que nós usamos, foram dados para a gente...
Volte, por favor. Volte ao anterior.
Foi pensando exatamente sobre o que construir. Não dá para a gente fazer uma política pública de educação escolar quilombola sem conhecer o real cenário da educação escolar quilombola, principalmente quando se navega num cenário de pouco recurso. Até mesmo quando se tem pouco recurso, é mais um motivo para ter certeza sobre onde a gente vai colocar o recurso para que se tenha um melhor resultado.
Então, esse foi o cenário que a gente desenhou; a gente olhou como é que estava a educação quilombola para produzir essa política. E sobre os dados, a gente mais ou menos já sabia pelos inúmeros relatos que já tinham sido feitos, inclusive por vocês, pelas pesquisas da Givânia. A gente sabe que a infraestrutura das escolas quilombolas são muito regressivas, quer dizer, você não tem laboratório de ciências, não tem laboratório de informática, 72% das escolas quilombolas não têm nem sala de professores, enquanto 50,4% dos estudantes brancos estudam em escolas consideradas de nível adequado.
"Como você sabe isso?". Porque nós desenhamos um índice exatamente para as escolas do campo, indígena e quilombola. Enquanto isso chega a 40% de estudantes brancos, isso cai para menos de 5% para estudantes negros e quilombolas. Quando a gente vai olhar uma outra dimensão da educação, que são os materiais didáticos, os dados nos mostram também que 14,7% dos gestores disseram não ter nenhum material para trabalhar a educação para relações étnico-raciais, 85% dos professores de educação básica em escolas quilombolas afirmaram que não têm material adequado.
Então, é aquilo que vocês discutiram ontem, é absolutamente inegociável que a educação aconteça dentro do território, mas para além da educação acontecer dentro do território, você tem que ter uma prática pedagógica, material didático e toda uma concepção pedagógica também da educação escolar quilombola. Você tem que aliar território à formação, ao material didático e à concepção.
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Porque, senão, só dizer o que está acontecendo no território, mas você não garantir o material didático, a formação e a concepção também não é educação escolar quilombola. Então, você tem problema no material didático, na infraestrutura e na formação de professores - apenas 3,2% dos professores disseram ter alguma formação, ter tido algum curso voltado para a educação escolar quilombola.
Pode passar, por favor.
Nós temos um problema... Pode passar.
Nós temos um problema gravíssimo, que agora, no novo censo, foi reiterado. Primeiro, a marca lá no censo escolar para dizer se o aluno é quilombola ou não. Uma coisa é dizer que você estuda numa escola quilombola, outra coisa é a identidade. Então, este é um caminho em que o Inep precisa avançar muito - muito -, que é a definição desse estudante quilombola dentro do censo escolar.
Isto aqui é um dado de não declaração étnico-racial no censo escolar. Então, se vocês observarem, tem estado brasileiro que chega a 60% de ausência de dado de declaração raça-cor. Então, é muito difícil você fazer política sem um dado de raça-cor - e a gente tem estado que chega a 60% de ausência; isso, na educação básica -, e o censo que foi anunciado também mostrou isso.
Pode passar adiante, por favor.
Então, a gente tem um conjunto de desafios. Falta monitoramento. Qualquer política pública sem monitoramento não funciona, você precisa de monitoramento. Nós temos um problema de formação de professores, nós temos um problema de prevenção - e eu sei que vocês discutiram isto hoje na Capes - do racismo intraescolar na universidade. É preciso ter um protocolo de prevenção e resposta ao racismo, é preciso que as universidades reajam a isso. As universidades não podem naturalizar isso. É preciso que as universidades, como contrapartida social, coloquem um freio nisso - desde a própria fraude nas cotas - e que também tenham protocolos muito claros de prevenção e resposta ao racismo. Nós temos baixíssima implementação das diretrizes de educação escolar quilombola, nós temos uma infraestrutura muito regressiva e nós temos uma desigualdade de aprendizagem enorme entre esses dois grupos.
Pode passar, por favor.
Eu estou andando bem rápido para a gente conseguir...
O primeiro eixo, então, da Pneerq, que está na Portaria 470, que nós apresentamos em Garanhuns, no segundo dia. Era uma terça, e, na quinta, nós fizemos essa apresentação em Garanhuns. Então, a política que o Ministro normatizou é uma política de R$2 bilhões e ela tem sete eixos.
Pode passar, por favor.
E o primeiro eixo é exatamente... Pode ir, por favor. Vá. Pronto. O primeiro eixo - volta - é a coordenação federativa.
Eu acho que uma coisa central, Givânia, para essas escolas é: se vocês não pautarem a política educacional do ponto de vista de financiamento, de coordenação federativa, de indicador, vocês sempre vão ser pautadas. Então, essa é uma agenda que vocês precisam construir, porque, se vocês não entrarem no debate de onde está o dinheiro da educação, se vocês não entrarem no debate de como fazer essa disputa, alguém que não é quilombola vai fazer por vocês. E uma coisa é você fazer o debate da educação da qual você faz parte, outra é você descentralizar para outra pessoa. Então, é preciso absolutamente entrar neste debate.
Por que eu estou dizendo isso? E o Prof. Abicalil, que está ali, já escreveu muito sobre isto - não é, professor? -,que se chama: coordenação federativa. Quem oferta a educação básica é estado e é município. A função do MEC é coordenar.
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Então, se vocês disserem, "olha, o MEC manda o recurso, e não chega lá". A gente precisa de uma coordenação federativa forte. Se vocês perguntarem, "ah, mas por que essa política X, como, sei lá, [PDE Prof. Abicalil] PDE de 2007... Por que todo lugar a que se chega sabe de Ideb? Por que as diretrizes não foram implementadas?". Porque faltou coordenação federativa. Simples e triste assim.
Então um eixo dessa política é coordenação federativa. Quem faz isso é MEC. Ele precisa coordenar e criar travas para os entes federados, no sentido, "olha, você vai receber esse PDDE Quilombola, mas a contrapartida é você fazer isso, isso e isso". "Rede, a partir de agora, para você entrar no PAR, que é o Plano de Ações Articuladas, você precisa dar a formação para os seus professores".
A gente não altera um comportamento de município e estado com sensibilização; precisa ser com indução. E a indução geralmente é uma indução incentivo positivo, financiamento, não é? Então o que a gente fez?
Pode ir adiante.
Veja, isto aqui é o número de adesão da política escolar quilombola. As 27 secretarias...O Eduardo e a Solange estão aqui, que trabalham nisso todos os dias na Secadi, são eles que estão colocando isso lá no território - a Diretora Wilma não está aqui. Veja, as 27 secretarias estaduais aderiram à política.
Vá adiante, por favor.
E 4.887 redes municipais aderiram à política. Isso é um ganho imenso. Vamos dizer que não é? O Prof. Abicalil, que está ali, sabe a dificuldade de articulação com redes - foi da Sase, sabe essa articulação, como é difícil. A gente chegar a quase 5 mil municípios, num tema que é muito difícil, foi um ganho enorme. Então todos eles aderiram à política.
E por que eles aderiram? Porque teve contrapartida, não é? Claro, muitos deles já estão sensibilizados com a obrigação legal, porque é isso, gente. Modalidade é educação básica; portanto, é direito público e subjetivo do mesmo jeito. E uma vez não cumprido, tem sanções, e todos nós sabemos disso. Então eles precisam ofertar.
Mas daí nós tivemos uma indução, que é a indução no PAR. Então a nova resolução do PAR... se vocês vão lá na resolução do PAR que foi publicada este ano, lá está escrito, nos arts. 13 e 14, que uma contrapartida das redes para acessarem recursos no PAR é exatamente ter feito adesão na Pneerq e também ter respondido ao diagnóstico, já que a gente não tinha diagnóstico.
Vamos adiante, por favor. Pode ir, por favor.
E aqui é a parte também que a gente chama de coordenação federativa, quer dizer, a gente sabe que educação escolar quilombola, indígena - e hoje eu estava falando, ainda há pouco, com o Prof. Abicalil - precisa integrar o território. Obviamente as competências legais que estão na Constituição são da União, são do estado, são dos municípios, mas você precisa integrar, nessa política, os territórios, sobretudo, nessas políticas que têm um componente muito forte de presença territorial.
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Então, dentro dessa coordenação, nós temos, tanto para a formação, quanto para a gestão, agentes de governança. Você tem, lá em cima, uma coordenação nacional, de quem oferta e coordena: MEC; Consed, representando os estados; e Undime, representando os estados. Em seguida, você 27 bolsistas...
(Soa a campainha.)
A SRA. ZARA FIGUEIREDO - Gente, pensei que era a Selma. Como é? (Risos.)
Porque, ontem, eu explicava olhando para ela.
Tenho mais quantos minutos, Senadora?
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fora do microfone.) - Tem o tempo de Givânia.
A SRA. ZARA FIGUEIREDO - Givânia, quantos você me deu?
A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA - Cinco.
A SRA. ZARA FIGUEIREDO - Então, vamos tocar o baile. Bora, então.
Bom, isso aqui é para dizer que todos esses coloridos aí, azuis e vermelhos, significam que a gente vai ter uma bolsa no território, para ajudar a implementar as diretrizes da educação escolar quilombola e o plano de ação da educação para as relações étnico-raciais. Então, vocês estão vendo que vai ter uma governança regional de formação, de gestão, e - lá, em vermelho, estão vendo? - o agente de governança local é quem está dentro desse grupo. Por que não tem nos 5 mil municípios? Porque eu não tinha dinheiro para os 5 mil municípios, então eu tive que escolher onde se tem mais fragilidade de implementação das diretrizes e maior desigualdade entre os grupos.
Então, além das bolsas, há 645 regionais; de estaduais e municipais, você tem mais 773 em cada território, para ajudar a implementar isso nas escolas.
Vamos adiante, rapidinho, para eu passar... Vou muito rápido.
Isso aí é a governança consultiva - não vou passar -, em que se tem a Coneeq, a Cadara, o Conselho Nacional de Educação - o nosso colega aqui, que já conhece a política, o Ronaldo -, o Sinapir; e os órgãos de controle, que são a Copeduc, o Ministério Público, a Atricon e a CGU.
Vamos adiante.
O segundo é o eixo de monitoramento.
Pode ir adiante.
Em 21 anos da 10.639, das diretrizes curriculares para a educação quilombola, nós não tivemos um monitoramento. Então, nós criamos os indicadores. A Givânia e um conjunto de especialistas participaram do plano de 2008, atualizaram e colocaram no Simec, para as redes responderem.
Vá adiante, por favor?
Então, nós tivemos os 27 - 26 estaduais e um distrital -, que responderam aos dez eixos da pesquisa; 5.137 municípios responderam à pesquisa. Aqueles que não responderam não podem executar recursos dentro do PAR.
Vá adiante. Coloca para nós aquilo...
E aqui são as respostas que eles deram sobre tudo o que foi perguntado: quantas escolas quilombolas têm formação, etc. E tinha uma trava: o Prefeito tinha que assinar. Se ele mandasse alguém que não soubesse responder, mas ele não assinasse, não era possível encaminhar para o MEC, porque tinha uma trava. Então, o Prefeito tinha que ter uma assinatura digital para ele se responsabilizar pelas respostas que ele deu. Isso aqui...
Volte lá ao início, ao princípio, à capa.
Então, esse painel vai ser disponibilizado, vai ficar público, para que toda a sociedade acompanhe as metas e os indicadores de cada um dos eixos: de formação de professor, de PDDE Escola
Clique em um para a pessoa ter...
Então, ali tem, por exemplo, proficiência, nível de monitoramento. Se você clica lá em proficiência, você sabe como os estudantes... Você pode filtrar por município, por estado, etc. Os eixos estão lá embaixo - clique em um eixo para nós -, e aí você vai ver quantas redes formaram educação quilombola, etc.
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Então, o painel vai ficar público para que a sociedade toda possa acompanhar isso, a partir das respostas que as redes nos deram.
Vá adiante, volte para apresentação.
O eixo 3 - por favor - é o eixo de formação. Esse é um eixo central para nós - aí você volta... De formação.
Estou andando rápido para... Esse aqui já passou certamente da hora.
O eixo 3, então, é de formação. Esse foi um dos eixos em que nós mais avançamos.
Eu acho que... Isso, próximo.
Próximo eslaide, por favor.
Pronto, próximo.
Formação. Então, esse é o eixo de formação. Vocês viram que os dados são preocupantes, de formação. Então, agora, só em 2024, dos 40 lotes que foram lançados do Programa de Educação Tutorial para a formação de quem está na universidade ainda, 20 lotes são só para educação escolar quilombola, todos com bolsa.
Em agosto de 2024, são 50 mil vagas que serão lançadas pela UAB e Capes. Nós já encaminhamos o recurso, o projeto pedagógico já está pronto, o curso já está feito.
O Parfor Equidade, que foi um desenho nosso, da Secadi, ofereceu 1.730 vagas para educação escolar quilombola. Todos vocês sabem disso.
No Pibid Equidade, que foi lançado este ano, nós temos 5.406 cotas disponíveis com bolsa não só para educação quilombola, mas indígena, também em campo.
A portaria que institui a Escola Quilombo e que oferta, em nível de especialização e aperfeiçoamento - o Eduardo está tocando junto com a Solange, pessoalmente -, já vai sair nos próximos dias. Nós temos 19 instituições federais nessa Escola Quilombo e 150 quilombos envolvidos.
O primeiro curso via Avamec, também com a participação de professores quilombolas, vai ser publicado, disponibilizado agora.
Pode passar, por favor, ao próximo.
O material didático...
Pode ir adiante.
Um dos ganhos que a gente teve foi colocar professor quilombola dentro dos avaliadores dos editais do PNLD, porque isso é importante, a portaria foi publicada este ano.
Também o guia de Educação Escolar Quilombola está sendo elaborado e vai ser lançado em 2025.
A coleção Educação Escolar Quilombola, com a experiência dos cursos de aperfeiçoamento, também vai ser lançado e o guia pedagógico também está sendo feito pela Fluminense.
Vá adiante, por favor. Estou passando muito rápido.
Bom... Vá adiante.
Isto aqui vocês devem ter visto nas redes sociais: tem um monte de cantores e atores a quem nós pedimos... porque no dia 18 foram publicados cinco editais para a apresentação de propostas para construção de cinco protocolos de prevenção e resposta ao racismo. Até o momento, nós temos...
(Soa a campainha.)
A SRA. ZARA FIGUEIREDO - ... 31 e precisamos melhorar. Então, está aberto até o dia 5 de setembro.
Isso é o Carlinhos Brown fazendo a propaganda para os protocolos de resposta e prevenção ao racismo na universidade e educação infantil, com bolsa - eu acho que é R$50 mil cada uma, não me lembro bem.
Enfim, se vocês souberem de quem queira participar para ajudar a produzir os protocolos, está aberto até o dia 5, foi prorrogado até o dia 5.
Próximo.
Já pode... Só faltam dois, por favor.
Pronto, vá adiante. O Carlinhos você vê aí depois.
A afirmação das trajetórias negras e quilombolas.
A universalização da Bolsa Permanência, que o Ministro ontem reafirmou na reunião com os ianomâmis, mas também quilombolas. Foram criadas 5,6 mil bolsas este ano, para termos 18 mil bolsas e universalizar.
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Os três Institutos Federais quilombolas: um é na minha cidade, o primeiro deles, no Vale do Jequitinhonha; o segundo é em Cavalcante; o de Mirinzal eu ainda não sei em que ponto está, mas os dois primeiros já foram anunciados.
A retomada da construção das escolas quilombolas...
Vá adiante.
Volte um pouquinho, por favor.
Este é um dado importantíssimo para nós, é do Fundeb, que também o Prof. Kalil acompanhou muito de perto. A gente sabe que o Fundeb tinha um problema grande com as modalidades. Um estudante da educação infantil até o ensino médio quilombola estava com o mesmo valor. Agora, na última CIF, foi aprovado o valor de ponderação a partir de cada etapa. Então, um estudante quilombola no ensino fundamental I vai ser diferente do ensino médio, do ensino fundamental II e assim sucessivamente.
Isso dá uma diferença significativa. Isso, no tempo parcial, sai de 7 mil para 9 mil ano/aluno e, no tempo integral, chega a 11 mil. Também o PDDE Básico quilombola, o qual não existia no PDDE Básico. Agora, o valor quilombola é R$5.550 mais R$20 per capita quilombola. Pela primeira vez na história, de fato, nós encaminhamos salas de recurso multifuncional para as escolas quilombolas para atender os estudantes com deficiência.
Então, nós mandamos para as escolas quilombolas R$21.436.000 para atender a 1.067 escolas quilombolas.
Eu acho que não vou passar o último, porque estou bastante atrasada.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Profa. Zara.
Como eu disse no início, toda apresentação fica disponibilizada no nosso portal. Faltou muito pouca coisa. Você deu uma acelerada.
Então, vamos agora online.
Vamos para uma participação em forma remota do Sr. Jan Jarab, Representante Regional do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Podemos fazer a conexão.
O SR. JAN JARAB (Por videoconferência.) - Boa tarde, ouve-me bem?
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Ouvimos bem e agradecemos a sua presença.
Sabemos que, desde cedo, o senhor está nos aguardando.
O SR. JAN JARAB (Para expor. Por videoconferência.) - Estimadas Senadoras e Senadores, autoridades presentes, é, para mim, uma honra participar desta audiência pública com o objetivo de discutir a implementação da educação escolar quilombola no Brasil. Por isso, agradeço o convite feito ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Nosso escritório tem a missão de observar, promover e proteger os direitos humanos em todos os países do mundo, incluindo o Brasil. O Escritório Regional para a América do Sul trabalha no Brasil a partir do Marco de Cooperação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável para o período de 2023 a 2027.
Como é de conhecimento, as raízes das desigualdades brasileiras são históricas e sistêmicas. Tal contexto tem perpetuado um cenário desafiador, em que a discriminação e a exclusão aprofundam o cotidiano de violações de direitos humanos contra grupos específicos da população. Nesse sentido, as comunidades quilombolas têm vivido esse panorama com profunda intensidade.
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Reconhecemos que o Estado brasileiro, em especial nos últimos 20 anos, tem buscado ampliar o acesso a direitos dessas populações, sobretudo o direito à educação. A especificidade da educação escolar quilombola tem o desafio de introduzir as mais de 3 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil em um processo de escolarização, valorização cultural e fortalecimento de vínculos socioambientais.
As comunidades quilombolas são o retrato da resistência, da diversidade, de expressões culturais, raciais, religiosas, enfim, de um modo de vida e de viver a vida em coletividade. Respeitar essa realidade e fortalecer esse modo de vida, através da educação, é um papel de todas e todos.
A ONU, em sintonia com o ideal de uma educação que fortaleça a cidadania e o exercício de direitos, apresentou, como um dos pontos mais importantes, na Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, a famosa Conferência de Durban, em 2001, que os países desenvolvam políticas específicas para afrodescendentes, nas áreas de saúde, educação, segurança, entre outras.
Esse compromisso, assumido pelo Brasil, se expressou em políticas públicas de inclusão social, como a Lei nº 10.639, do ano de 2003, relativa ao ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. Contudo, a ausência de uma efetiva implementação dessa legislação tem contribuído para a manutenção do ciclo de discriminação e silenciamento histórico da população afrodescendente.
O estabelecimento de uma educação que venha a contemplar os quilombolas, no modo de expressar a formação histórica de suas comunidades, dos seus territórios e do seu modo de vida, é fundamental. Neste ano, o Estado brasileiro lançou a sua Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola. Instamos o Brasil para que, ao fortalecer o seu compromisso com a educação quilombola, possa implementar e efetivar essa política nacional com a profundidade que o tema requer.
Senhoras e senhores, as Nações Unidas, através de comitês de monitoramento de tratados, relatorias especiais e da Revisão Periódica Universal, têm recomendado avançar com a efetivação das políticas públicas em prol das comunidades quilombolas, para que o Brasil possa garantir a provisão de bens e serviços fundamentais, inclusive no âmbito da educação, para esse grupo populacional.
É imprescindível melhorar o acesso e a qualidade da educação pública, especialmente para as comunidades quilombolas, que, em sua maioria, se encontram em áreas rurais. Nesse sentido, o investimento em uma educação escolar quilombola, em que a comunidade possa participar da programação educativa, deve também ser acompanhado do reforço das políticas públicas de ação afirmativa que viabilizem o acesso à educação e à manutenção de jovens quilombolas nos espaços de formação.
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Reconhecemos que o Brasil, com o seu Programa de Ações Afirmativas, tem trilhado o rumo para a igualdade racial. No entanto, essa iniciativa precisa ser universalizada em todas as instituições públicas de ensino superior, garantindo que todos os grupos raciais e étnicos marginalizados tenham representatividade consistente na educação e, por conseguinte, no serviço público, em nível federal, estadual e municipal.
Ademais, a assistência financeira para que estudantes quilombolas possam permanecer dentro das instituições de ensino superior precisa ser fortalecida. Em conjunto, instamos o Estado brasileiro a viabilizar políticas de superação de práticas de exclusão e hostilidade contra o alunado que acessa as universidades por ações afirmativas. É através da educação que é possível superar o desafio da discriminação com base na raça, na cor, na origem étnica ou no sexo, em todos os níveis da vida econômica, social e cultural. Assim, o Estado brasileiro deve tomar medidas urgentes para garantir a igualdade de oportunidades para afrodescendentes, povos indígenas e grupos minoritários, em especial as comunidades quilombolas. Investir em uma educação que impulsione o acesso de fato igualitário a todos os níveis de educação, bem como a diversificação das escolhas educativas e profissionais para as mulheres e os homens, de modo a superar as desigualdades, são metas importantes para a autonomia e o empoderamento de comunidades inteiras.
Senhoras e senhores, a Relatora Especial das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em recente visita ao país, afirmou que a população afrodescendente, em especial membros de comunidades quilombolas, continuam a experimentar formas multifacetadas, profundamente interconectadas e generalizadas de racismo sistêmico, que detêm uma ligação direta com o colonialismo e a violência racial endêmica contra povos indígenas e comunidades quilombolas. Inclusive, as violações aos territórios dessas comunidades são uma manifestação patente de racismo sistêmico, que prejudica significativamente o direito de acesso a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável para todas as pessoas.
Uma educação escolar quilombola que valorize o território, as formas de conhecimento e práticas tradicionais pode auxiliar na proteção do modo de vida dessas comunidades e construir novas formas de superação das crises e desafios cotidianos. Deste modo, a garantia de uma educação quilombola de qualidade só é possível com a proteção adequada dos territórios tradicionais. Um território demarcado é seguro, é extremamente importante para que se evitem violações secundárias dos direitos humanos que, em contexto de insegurança e violência, também interrompem o acesso a uma educação de qualidade.
Senhoras e senhores, entre a população brasileira afrodescendente, os membros das comunidades quilombolas são provavelmente os que mais são afetados pelo racismo e pelos estereótipos prejudiciais. É urgente que a implementação da Lei nº 10.639, relativa ao ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, seja efetivada em todo o país. A educação tem potencial de romper com a representação de estereótipos raciais prejudiciais, presentes, por vezes, na mídia, e impulsionadores de discursos de ódio.
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Exortamos o Estado brasileiro a fortalecer seus esforços por uma educação escolar quilombola que reflita a visão de mundo das comunidades, sua relação com o meio ambiente e a perseverança na busca pela garantia dos seus direitos humanos.
Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Nós agradecemos tanto a sua presença, quanto a precisão da sua abordagem, Sr. Jan.
E vamos passar, agora, a palavra para o Sr. Ronaldo dos Santos, Secretário Nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, já informando que o Ronaldo tem um limite de horário, sobre o qual já nos justificou.
O SR. RONALDO DOS SANTOS (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas.
Saudação à mesa, à Senadora Teresa Leitão; à Profa. Givânia Silva; à Secretária Zara Figueiredo; à Shirley Pimentel, do Coletivo de Educação da Conaq; à Gabrielem, estudante da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas; ao Paulo Roberto, Coronel da reserva do batalhão do Corpo de Bombeiros do DF e Ex-Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Saudação a todos os meninos e meninas quilombolas aqui presentes, às autoridades.
Eu realmente precisei antecipar a minha fala, porque, infelizmente, eu tenho um limite de horário. Na verdade, a gente tem uma convocação para estar na Casa Civil da Presidência da República daqui a pouco, e a discussão lá são as escolas indígenas e quilombolas do PAC. Então, eu acho que a gente vai para uma missão que é uma extensão desta audiência pública, porque eu acho que, quando a gente discute educação escolar quilombola, uma das coisas que atravessa essa temática é as nossas escolas, ou a ausência das nossas escolas, das escolas do nosso território, e, em muitos casos, havendo-as, em que condições essas escolas estão.
Na verdade, esta audiência pública acontece num contexto bastante relevante, que é nesse encontro da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. Isso me remonta à aula inaugural, em que eu tive, Givânia, a satisfação de estar, atendendo a convite, ali conversando com aquele grupo. Naquele momento, tinha uma expectativa muito grande sobre o que seria a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. Então, foi em novembro de 2022 - é isso mesmo? O tempo está voando. Então, quase dois anos depois, estamos nós aqui, depois desse processo tão intenso e tão rico, com um grupo de meninas e meninos quilombolas que passaram por esse processo e estão aqui preenchendo este auditório. E a gente já fica pensando "e depois?", porque, dentro do "e depois?", eu acho que tem papéis que são desses formandos, dessas formandas, tem papéis que são dos movimentos sociais, do Coletivo de Educação da Conaq, da própria Conaq, para além do Coletivo de Educação.
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Saudação aqui aos representantes da Direção da Coordenação Nacional Quilombola.
Então tem papéis que são dos movimentos sociais e tem papéis que são nossos - não é, Zara?-, que estamos hoje na gestão pública, ou da Senadora, no Legislativo. Então eu acho que isto aqui é um encontro de responsabilidades, encontro de perspectivas, para que a gente possa alavancar o futuro a partir desses sonhos que foram retroalimentados, que foram estimulados ou que são, estão sendo ao longo de todo esse processo, inclusive os nossos sonhos, porque nós não somos uma instituição, nós a ocupamos, mas temos também nossas percepções, desejos e sonhos.
Todo esse processo também me conecta com o meu território. Sou do quilombo Campinho da Independência, no Estado do Rio de Janeiro, a primeira comunidade quilombola titulada no Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente no ano de 1999, 25 anos atrás. E no Estado do Rio de Janeiro, a comunidade do Campinho, minha comunidade, tem discutido, há bastante tempo, há pelo menos duas décadas - e a titulação do nosso território é um marco para vários processos que se desencadearam naquele lugar - a implementação de uma educação escolar quilombola, que é, antes de qualquer coisa, uma educação que compreenda a educação quilombola para além do que se possa compreender como espaço escolar. Então o que nutre o processo da educação escolar quilombola é essa compreensão do território como um território que educa, como um território de relações, de construção de processos pedagógicos.
E falando da minha comunidade, eu quero lembrar da Laura Mariá. Talvez muitos e muitas aqui presentes não a conheceram, mas a Givânia certamente, sim, que foi uma grande companheira, prima minha, que participou lá do processo da Resolução 08, de 2012. Então uma militante da educação escolar quilombola, que nos deixou ano passado, que eu acho importante lembrar, assim como estivemos, ontem à noite, conversando com a Joana, sobre o Bispo. Portanto, Laura é uma dessas figuras que, em momentos como este, acho importante nós lembrarmos, porque, com certeza, tudo que existe hoje, essa apresentação maravilhosa que a Profa. Zara traz, é atravessado de significados que Laura ajudou a construir. Por isso, quero destacar, trazer à memória essa grande militante da educação escolar quilombola.
Nós temos percorrido o Brasil. Parece que aquela música, "minha vida é andar por esse país", foi feita pensando em nós. E temos percorrido muitas comunidades quilombolas, desde quando assumimos, em janeiro do ano passado. E as comunidades quilombolas têm uma pauta de reivindicação, assim, bastante escurecida, como preferimos dizer. Disparadamente, sem nenhuma outra pauta concorrente, o território, a discussão da territorialidade, da titulação dos territórios é a agenda número um que as comunidades quilombolas têm como sua pauta de reivindicação.
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Não por acaso, o Estado brasileiro reintegra à agenda pública a questão quilombola a partir da questão da terra, que consta no art. 68 da Constituição, que tem 35 anos de promulgada. Então, essa é a primeira e mais importante agenda das comunidades quilombolas - isso é evidenciado a cada conversa, a cada oportunidade -, e talvez a grande explicação seja porque é sobre o território em que todas outras coisas acontecem. Sem o território, nenhuma das outras coisas acontecem. Inclusive, eu conversava isso com a Profa. Zara numa oportunidade que tivemos. Quando eu a visitei, recentemente, eu falava exatamente sobre isso.
Na outra principal pauta, na segunda principal pauta de reivindicação das comunidades quilombolas, das lideranças quilombolas - que se destaca bastante com relação ao que viria a ser a terceira, quarta, quinta pauta de reivindicação, mas de forma bastante destacada, bastante negritada - está a educação quilombola, está a educação escolar quilombola. As comunidades quilombolas têm falado muito sobre isso.
O Brasil atravessou um processo muito intenso, recentemente, de fechamento de escolas do campo. Entre elas, seguramente, várias estão em comunidades quilombolas. E as comunidades quilombolas têm pedido reabertura de escolas, têm pedido abertura de escolas, têm pedido construção, reforma e adequação de escola. Tudo isso que a Profa. Zara nos apresentou em gráfico as comunidades têm falado, a seu modo. É uma demanda que não deixa nenhuma dúvida de que é preciso ter uma priorização.
Nós lançamos, em 21 de março de 2023, o Decreto 11.447, que cria o Programa Aquilomba Brasil. O Programa Aquilomba Brasil...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO DOS SANTOS - ... para quem não sabe, é, na verdade, a reinauguração do antigo Programa Brasil Quilombola, que foi muito importante para as comunidades quilombolas em governos anteriores.
Atualmente, com o nome de Programa Aquilomba Brasil, ele reúne várias políticas públicas que estão em vários ministérios, porque também é importante dizer que o Ministério da Igualdade Racial é um ministério que trata de uma agenda transversal - ele articula junto a outros ministérios, assim como a Profa. Zara, que é do MEC, da Secadi, MEC, e traz aqui um conjunto de ações e estratégias para atuar na educação escolar quilombola.
Gente, comigo está sendo mais rigoroso. Eu não ouvi isso antes. (Risos.) Não prometo em 15 segundos, mas prometo acelerar.
Então, outros ministérios, naturalmente, cada um nas suas respectivas atribuições, também têm um conjunto de ações que, somadas, compõem o Programa Aquilomba Brasil.
O programa tem um Comitê Gestor, em que a Secadi tem assento, é um comitê para a gestão desse programa. Com isso, eu queria falar sobre o assento da Secadi dentro do Comitê Gestor do Programa Aquilomba Brasil, para destacar o quanto para nós é importante discutir, em âmbito do Aquilomba Brasil, a educação como agenda prioritária.
A segunda ação que eu gostaria de trazer, para caminhar para os meus 15 segundos finais, é que dentro do Aquilomba Brasil tem a previsão - lá no seu art. 5º, que trata dos objetivos - da criação de uma Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola. E aí, como esse decreto é de 21 de março, a partir dessa previsão no Aquilomba Brasil, a gente passou o ano de 2023 trabalhando na construção de uma nova política que ganha um ato normativo próprio em 20 de novembro, que é o Decreto 11.786, que cria a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola. E é sobre ela que a gente gostaria de falar um pouco mais. Se por um lado o Aquilomba Brasil é apenas, e apenas não é diminuindo a importância disso, mas, se ele é o retorno do antigo Programa Brasil Quilombola, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola é a grande inovação na qual nós queremos apostar, porque ela trata exatamente desse cuidado sobre o território. Ela trata exatamente sobre se pensar o território quilombola, a titulação, que é a grande disputa dos quilombolas do Brasil há pelo menos 35 anos do ponto de vista da relação com o Estado. Existe uma disputa anterior que se deu em diversos níveis e formas, mas a nova Constituição traz às comunidades quilombolas esse espaço de organização da luta, que é a luta pela terra, pelo território coletivo, indivisível, intransferível, inalienável, etc. Mas esse papel que a gente chama de título do território é apenas um instrumento de defesa do território. E é muito importante que esse território tenha outros instrumentos de defesa, outros instrumentos de gestão e outros instrumentos de desenvolvimento e fortalecimento.
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Nesse sentido, a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola é a nova política que nós lançamos e tem um recorte, o próprio nome sugere, com a questão ambiental e climática, mas tem cinco eixos fundamentais para que ela seja considerada a política a ser desenvolvida na sua plenitude. E um dos eixos é exatamente a educação para a gestão territorial e ambiental quilombola.
Com isso, eu encerro, dizendo que temos feito toda essa nossa construção de forma participativa, dialógica com o movimento quilombola. E, olhando para esse grupo de meninas e meninos, a gente entende que é o movimento quilombola presente, sendo inclusive oxigenado, ganhando mais fôlego e força, e que a educação vai ser para nós o início, o meio e o reinício.
Então, eu agradeço o nosso espaço.
Deixo aqui um abraço da Ministra Anielle Franco e fico mais um pouquinho, porque ainda tenho mais um tempo para ficar, mas deixando já o pedido de licença para daqui a pouco eu me retirar.
Obrigado, Senadora.
Um abraço. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada.
Nós é que agradecemos e também mandamos nosso abraço para a Ministra Anielle Franco.
Nós vamos agora para mais uma participação remota.
Já pedimos para conectar a Sra. Carolina Soares Castelliano Lucena de Castro, Defensora Nacional dos Direitos Humanos da DPU (Defensoria Pública da União).
A SRA. CAROLINA SOARES CASTELLIANO LUCENA DE CASTRO (Para expor. Por videoconferência.) - Bem, boa tarde.
Primeiro de tudo, quero agradecer aqui o convite, a oportunidade de estar falando aqui nessa audiência pública de extrema relevância sobre esse tema.
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Para além dessa saudação inicial, eu queria trazer aqui algumas considerações para somar aos debates desta audiência pública.
Eu entendo, depois das falas que me antecederam - o Ronaldo, inclusive, é um grande parceiro da Defensoria Pública da União, com quem já tivemos a oportunidade de estar em alguns momentos cruciais das nossas atuações -, que esta audiência pública permite, de alguma maneira, um encontro, se posso assim dizer, de dois brasis; um encontro, basicamente, de dois países. Talvez estejamos aqui, nesta audiência pública, promovendo o encontro de um Brasil que almejamos ser e de um Brasil que ainda somos. E digo aqui o "nós" - "que nós almejamos", "que nós somos" - sendo utilizado no sentido de toda pessoa que não apenas almeja, mas que também luta, de alguma maneira, para a superação das desigualdades étnico-raciais na educação brasileira. O que eu posso dizer é que, entre esses dois brasis - o Brasil que ainda somos e o Brasil que almejamos ser -, há um mundo de coisas que definitivamente separam a conexão de ambos brasis.
Definitivamente, a gente tem um vislumbre desse país que almejamos ser no texto expresso na Portaria 470, do Ministério da Educação. Essa portaria foi publicada no dia 14 de maio de 2024 e, basicamente, essa portaria institui a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola. Nesse Brasil que pretendemos ser - e que está aí, de certa forma, traduzido no texto da Portaria 470, do Ministério da Educação -, a educação escolar quilombola tem como diretrizes algumas premissas. Eu posso citar aqui as diretrizes que são trazidas no texto dessa portaria, porque eu acho que vale muito a pena a gente se debruçar sobre tais premissas.
Basicamente, essa portaria estabelece como diretrizes dessa educação escolar quilombola "o respeito, o reconhecimento e a proteção da História e Cultura Afro-Brasileira como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional" e, ainda, a premissa da "superação dos racismos e de toda forma de preconceito e discriminação". Consta ainda como uma diretriz "a consolidação dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e da participação social das comunidades quilombolas".
São objetivos, ainda, dessa portaria - e aqui, nessa figura imaginativa que eu estou trazendo, a desse Brasil que almejamos ser, são objetivos desse Brasil -: "[a estruturação de] um sistema de metas e monitoramento"; "[a formação de] profissionais da educação para gestão e docência"; "[a indução para] a construção de capacidades institucionais para a condução das políticas [educacionais]"; e "[a contribuição] para a superação das desigualdades étnico-raciais na educação brasileira".
Esses são alguns dos objetivos expressos no texto da Portaria 470, do Ministério da Educação. Ainda há outros objetivos e outras diretrizes que são trazidos no texto dessa portaria.
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Em relação a esse país que almejamos ser - esse país expresso aqui no texto dessa portaria -, esse texto normativo deixa bem evidente não apenas aonde pretendemos chegar, quais os objetivos que pretendemos atingir, mas esse texto da Portaria nº 470 deixa, inclusive, de forma muito bem evidenciada, o caminho a ser percorrido para que esses objetivos possam ser concretizados, porque definitivamente a estruturação de um sistema de metas e monitoramento, a formação de profissionais não apenas para o exercício da docência, mas também para o exercício da governança em si, da gestão, bem como a construção de mecanismos para a aferição das capacidades institucionais dos entes e instituições responsáveis pela implementação da política educacional, todos esses são mecanismos essenciais que vão basicamente permitir a pavimentação desse caminho para que essa política educacional almejada no texto dessa portaria possa, de fato, ser concretizada.
Bem, no que diz respeito, por outro lado, ao país que ainda somos, eu posso falar um pouco da realidade que encontramos na Defensoria Pública da União - e aí eu trago um pouco a perspectiva de uma Defensora Pública Federal que atua justamente no âmbito da promoção de direitos humanos, trazendo um pouco do que a gente consegue identificar dentro dos procedimentos de assistência jurídica encampados pela Defensoria Pública da União em relação a esse tema específico da política educacional nacional voltada para as comunidades quilombolas.
Bem, aí, nesse sentido, antes da vinda para a participação nesta audiência pública, eu fiz questão de fazer uma espécie de uma varredura, um raio-X de todos os procedimentos instaurados no âmbito da Defensoria Pública da União que tenham como objeto justamente o tema tratado aqui nesta audiência pública.
E nesse sentido a gente se deparou com uma série de procedimentos instaurados. A Defensoria Pública da União é um órgão basicamente que presta assistência jurídica em caráter nacional, portanto, a abrangência da Defensoria Pública da União é capilarizada em todos os nossos entes federativos. Além disso, por previsão do texto constitucional, a Defensoria Pública não apenas é uma instituição promovedora de acesso à Justiça, mas também uma promovedora de direitos humanos. E, sem dúvida, a promoção de acesso à Justiça e a promoção de direitos humanos são duas atuações que andam de forma indissociada, andam de mãos dadas, posso assim dizer.
Então, nesse sentido, a gente conseguiu identificar uma série de procedimentos instaurados em todo o território nacional. E aí eu vou citar alguns dos procedimentos só para fazer um paralelo com o longo percurso que a gente ainda tem a traçar, a percorrer, até se chegar à concretização efetiva do previsto no texto da Portaria 470 do Ministério da Educação.
Bem, em relação aos procedimentos do Estado do Piauí, por exemplo, eu posso citar aqui atuações da Defensoria Pública da União, inclusive procedimento em que ela figura como uma curadora especial em favor da Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade Angical. Nesse procedimento em específico, a gente está lidando com uma situação de uma ação judicial já em curso na Justiça Federal do Estado do Piauí, e essa ação judicial basicamente tem como objetivo a manutenção da turma do 4º ano do ensino fundamental de uma escola municipal específica, situada no Município de Coluna, no Piauí, que atende a algumas comunidades quilombolas localizadas no entorno desse município.
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Ainda no Estado do Piauí, poderia citar aqui outros procedimentos voltados, um deles, a fazer frente à tentativa de encerramento das atividades de uma unidade escolar na comunidade do Quilombo Volta.
Outro procedimento, também, fazendo frente a uma tentativa de fechamento, de encerramento das atividades, em relação à escola na comunidade quilombola Lagoas.
Para além dos procedimentos que conseguimos identificar no Estado do Piauí, posso citar aqui, também, procedimentos em relação ao Estado do Paraná. Nesse sentido, a busca do procedimento instaurado é justamente a regularização da escola modular que atende a comunidade quilombola de João Surá, localizada no Município de Adrianópolis, no Estado do Paraná.
Poderia citar aqui, por mais algum tempo, alguns dos procedimentos instaurados, mas, realmente, para economizar um pouco do nosso tempo, posso falar, de maneira geral, que existem alguns procedimentos instaurados no Estado de Minas Gerais.
(Soa a campainha.)
A SRA. CAROLINA SOARES CASTELLIANO LUCENA DE CASTRO (Por videoconferência.) - Cito apenas um deles, a título ilustrativo, que é o procedimento que vai, justamente, tentar garantir o acesso à educação da comunidade quilombola de Macaúbas Curral, diante do já fechamento ocorrido em relação à escola municipal Joaquim Pessoa.
Ainda tem diversos, poderia dizer dezenas, de procedimentos instaurados no Estado de Alagoas.
Cito também apenas um deles, para fins ilustrativos, aqui, para ver como a atuação da Defensoria Pública nesse campo, de fato, é bastante extensa.
Nesse sentido, cito aqui o procedimento em relação à defesa do acesso à educação das comunidades residentes em Poço das Trincheiras, no Estado de Alagoas.
Então, o que quero dizer, já me encaminhando aqui para o final da minha fala, é que, definitivamente, as premissas, os valores e as visões de mundo desses dois brasis - o Brasil retratado na Portaria nº 470, do Ministério da Educação, um Brasil já tão avançado, com mecanismos tão qualificados para a implementação de uma educação de fato inclusiva, e o outro Brasil, representado aqui nesses procedimentos da Defensoria Pública da União - partem de premissas, de visões de mundo e de valores completamente dissociados, completamente diferentes.
Posso dizer, basicamente, que o Brasil representado aqui nesses procedimentos da Defensoria Pública da União é um Brasil baseado numa lógica basicamente tecnofeudal, que encara as pessoas como produtos, a educação enquanto mercadoria, a terra enquanto propriedade e que, basicamente, enxerga as trajetórias e memórias coletivas enquanto disputas narrativas a serem manipuladas e deturpadas; ao contrário do Brasil que almejamos ser e que, de alguma forma, é vislumbrado aqui na Portaria nº 470 do MEC, que tem as suas premissas assentadas, justamente, na valorização das identidades, na garantia da terra, na visualização da educação como uma política de inclusão, na valorização das trajetórias e identidades e, sobretudo, da memória coletiva.
E deixo aqui, talvez, uma mensagem, ao final da minha fala, na participação desta importante audiência pública, que eu imagino que seja a pergunta que as instituições do sistema de justiça de alguma maneira se fazem ou, ao menos, deveriam se fazer: como conseguirmos chegar a esse Brasil que almejamos ser e que, de alguma maneira, está sendo representado aqui nessa portaria do Ministério da Educação?
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Tenho certeza de que não existe uma resposta simples para uma pergunta tão complexa. Definitivamente essa resposta vai passar por todas as falas das pessoas que me antecederam aqui. Chamo a atenção principalmente para a fala da Dra. Zara Figueiredo, que também trouxe a necessidade do diagnóstico, a necessidade de disputas na construção dessa política educacional. Definitivamente uma resposta para um questionamento como esse vai passar justamente por essa necessidade da disputa em relação à implementação da política educacional.
E aí eu queria apenas, por fim, dizer que, mais do que disputa para a implementação de uma política educacional, definitivamente a disputa é também para a implementação de uma determinada visão de mundo, para determinadas premissas e valores que vão justamente embasar essa política educacional.
Então, para além de um olhar para frente, para vermos o percurso que temos aí, tão longo para ser traçado até se chegar a esse Brasil traduzido na portaria do MEC, é importante também olharmos para os lados para conseguirmos identificar os parceiros e as parceiras que estão no front se voluntariando a também somar esforços nessa disputa.
Digo que a Defensoria Pública da União definitivamente é uma instituição parceira e totalmente já situada no front dessa disputa, ao lado das comunidades quilombolas, para que, de fato, a gente consiga concretizar esse futuro, de certa forma, já vislumbrado por uma portaria como essa do nosso Ministério da Educação.
Novamente agradeço-lhe a oportunidade dessa fala. Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Agradecemos-lhe muito a sua participação.
Sempre consideramos o Ministério Público um parceiro, um defensor, um fiscal, que certamente será requerido por nós como vem sendo, Dra. Carolina.
Obrigada pela sua participação.
Vamos passar a palavra agora para Shirley Pimentel, representante do Coletivo de Educação da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
Shirley, seus dez minutos iniciais.
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL (Para expor.) - Oi! Boa tarde. Pronto. Agora, sim! Povo, acorde! Boa tarde!
(Manifestação da galeria.)
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL - Este lugar sério e tenso deixa a gente meio, assim, travada, mas vamos lá!
Quero começar agradecendo à Senadora por este espaço e à Givânia por ter feito essa articulação para a gente estar aqui hoje no Senado discutindo a educação escolar quilombola. E aí já gostaria de dizer que essa tensão... Ontem e ao longo desses dias, as meninas da Escola Nacional de Meninas Quilombolas participando das mesas e sempre: "Ai, eu estou nervosa para falar aqui, eu estou nervosa", mas este espaço é feito para a gente ficar um pouco nervosa mesmo, porque hoje mais cedo, no almoço, o Prof. Tiago, da UFRB, falava: "Não, é porque a gente internaliza que esse espaço não é feito para a gente, e a gente vai ficando tenso". Então, a gente tem que enfrentar o nervosismo e vir para dizer: "Não, esse espaço é nosso também".
Então agradeço muito a oportunidade de estar aqui.
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Quero começar dizendo que eu sou Shirley Pimentel de Souza, sou da comunidade quilombola de Pedra Negra da Extrema, sou filha de Nezin, Manoel Pereira de Souza, pescador, agricultor.
Outra coisa que me falaram hoje foi que a gente pode reprimir as emoções. Eu sou chorona, tá? (Risos.)
Então, se eu chorar, vocês já sabem.
E de Leonídia Pimentel de Sousa - Profa. Nídia -; minha mãe também é agricultora, e, depois dos 30 anos, ela resolveu voltar a estudar e se tornou professora.
E agora eu vou tentar falar rindo, para diminuir o nervosismo também. Ouviram, meninas? Não são só vocês. O povo adulto também chora e fica nervoso para falar nestes espaços.
Tem uma lição que meu pai fazia, da cartilha que ele estudava quando ele era criança, e ele recitava muito para a gente, e a gente achava muita graça em casa, que era bem assim: "Vocês conhecem D. Joca? Ela é uma patinha, alvinha e é mãe de Fifi". E aí pai falava imitando a voz da Professora, e a gente ria, achava muita graça. Era uma Professora leiga, que dava aula numa fazenda do outro lado do rio. Ele atravessava o rio com os irmãos e irmãs, de barco, para estudar, para aprender a assinar o nome, para aprender o básico para lidar com essa sociedade letrada, não é?
E aí esses dias eu estava pensando na D. Joca, porque até hoje a gente brinca em casa: "Vocês conhecem D. Joca? Ela é uma patinha". E falei assim: "Que sentido tem essa D. Joca, não é?". Para eles era só um sentido de graça, porque era um tipo de conhecimento que estava ali e que serviu para fazer piada, e a gente ria muito na infância, não é?
Na minha pesquisa do mestrado, na Comunidade Barreiro Grande - de Naita, que está aqui, Professora quilombola da Bahia também -, quando eu fui à comunidade apresentar a pesquisa, pedi autorização da comunidade para pesquisar, e aí uma senhora, a Sra. Plínia falou assim: "Olhe, você tem que ir lá à minha casa, porque eu tenho uma coisa muito importante para lhe dizer, quando você vier fazer minha entrevista". Eu: "Tá".
Fui lá fazer a entrevista, e aí D. Plínia me falou: "Olhe, o professor disse que a gente precisava aprender, porque um dia a gente iria dizer isso para pessoas importantes". Eu cheguei - eu era importante, não é? E aí ela começou: "Quem descobriu o Brasil? O almirante português Pedro Álvares Cabral, no dia 22 de abril de 1500. Antigamente o Brasil era o quê? Antigamente o Brasil era colônia de Portugal, depois passou a ser República, com 21 tiros de artilheiro, etc. Quem foram os primeiros padres que celebraram missa no Brasil?".
E ela continuou por muito tempo recitando essas perguntas e respostas, que também um professor leigo da comunidade dela a fez decorar, ao longo de sua trajetória nesse mesmo processo, de aprender a estudar, para aprender a assinar o nome, para aprender o mínimo para lidar com a sociedade letrada.
Tanto a escola em que meu pai estudou, lá no Sabonete, do outro lado do rio, com a Profa. D. Lídia, quanto a escola de Plínia, lá no Barreiro Grande, com o Prof. Zé Kissuqui, eram escolas pensadas pelas comunidades; não eram escolas formais. Eram professores leigos que tinham aprendido o mínimo até a 4ª série; as famílias se juntavam e pagavam aquelas pessoas que sabiam um pouco mais para ensinar seus filhos a assinarem o nome - ensinar o mínimo, não é?
E a gente olha assim e diz: "É essa a escola que a gente quer hoje?". Meninas quilombolas, vocês querem essa escola lá, com a palmatória, para vocês decorarem essas lições?
(Manifestação da plateia.)
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL - Não.
A gente sabe que escola a gente quer hoje; a gente não quer essa escola. Mas, conversando com Joana, filha do Nêgo Bispo, que está com a gente aqui nestes encontros também, ela está sempre lembrando: "A gente tem que falar de nós ganhando".
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Essa escola de professores leigos, no decoreba, com a palmatória, também foi importante, também foi conosco ganhando, porque é uma mobilização daquelas comunidades, daquelas famílias, para que o mínimo do acesso à educação pudesse ser passado para os seus filhos e filhas, mesmo naquele sistema que é o que estava posto ali, das cartilhas padronizadas, que era o que chegava. Essa escola foi conosco ganhando porque ela foi uma escola em que, na maioria das comunidades - lá na Bahia, a gente tem vários relatos disso -, a partir dessas professoras leigas, dessas professoras com o mínimo de conhecimento, 2ª série, 4ª série, que as comunidades muitas vezes começaram a se organizar para reivindicar seus direitos também.
A nossa escola, as escolas quilombolas, construídas coletivamente por mutirão, de taipa ou só a latada ou debaixo das árvores, começaram a ser também os lugares de organização das associações. Muitas dessas professoras leigas foram as primeiras secretárias das associações, que precisavam fazer uma ata, quem eram quem sabia escrever. Na escola começou a se organizar, na maioria dos territórios, também a parte da luta coletiva. Então, a gente não tem luta coletiva dissociada de escolas quilombolas nos nossos territórios.
Pensando sobre isso, quando hoje a gente fala... Eu fiquei muito feliz com o anúncio da Profa. Zara aqui de uma série de projetos de crescimento para a educação escolar quilombola. Essa educação escolar quilombola tem que ser construída com essas professoras que estão no território, que já estão fazendo educação escolar quilombola há muito tempo - há muito tempo -, com as limitações e com os avanços mais recentes nesses cursos agora de aperfeiçoamento que teve pelo MEC no último ano, do ano passado para cá. Quando a gente chega às escolas quilombolas, não é terra arrasada. Não tem lá "gente, não está acontecendo nada, educação escolar quilombola", não. A despeito do Estado, as professoras quilombolas já estão fazendo acontecer a escola quilombola, a educação escolar quilombola.
Então, eu acho que essas experiências que começaram lá na década de 40, 50, 60, ou outras muito antes, de professoras que se esforçaram para dar o mínimo do aprender a assinar o nome, vêm hoje avançando, e as professoras já estão lá, porque são elas que conhecem os alunos.
Minha mãe já faleceu, ela foi professora durante mais de 15 anos na comunidade, e eu achava engraçado que, quando eu chegava lá, a felicidade dela era contar os alunos que tinham conseguido se alfabetizar. Na nossa comunidade, tinha até o 3º ano, escola muito seriada, depois tinha que ir para a comunidade vizinha; e o orgulho dela era os alunos da comunidade chegarem e serem elogiados quando iam para a comunidade vizinha porque estavam alfabetizados. Ela sabia a necessidade de cada um, inclusive com as limitações dela, de uma pessoa que voltou a estudar depois dos 30 anos. Ela fazia os métodos dela, mas ela fazia acontecer a educação, inclusive contextualizando, inclusive dando exemplos que os alunos iriam entender melhor.
Chegavam os livros lá e ela dizia assim: "Não, esses livros aqui não me servem. Esse menino não acompanha esse livro aqui, não. Eu vou usar do meu jeito". E fazia as atividades e construía e alfabetizava e dava certo do jeito dela, porque era da comunidade, ela conhecia.
Um dos pontos...
Olhem, quando esse bicho apitar eu vou continuar falando, tá? Só avisando vocês. (Risos.)
Um dos primeiros pontos é: a escola quilombola tem que ser pensada com as professoras quilombolas. E aí, retomando as audiências públicas de construção das diretrizes, a gente ficava meio assim: "Ah, é professor de dentro ou vai aceitar professor de fora?". A gente ainda tinha aquela dúvida. Hoje, a gente tem certeza: a gente quer professor quilombola nas escolas quilombolas, e as meninas da escola nacional afirmaram isso esses dias todos. Se a gente tinha uma dúvida se precisava ser de fora ou se a gente tinha uma dúvida se a gente tinha gente suficiente formada, hoje a gente tem certeza de que ser de dentro, de que ser da comunidade faz toda a diferença.
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Então, pensar uma política que inclua concursos específicos para professoras quilombolas é fundamental, para a gente não ter que estar tendo rotatividade de professor, que faz formação neste ano e, no ano que vem, o professor é outro, porque mudou o Prefeito, porque encerrou o contrato, e a gente tem que começar tudo do zero. Então, acho que esse é um ponto fundamental.
Vou retomar as minhas notações para eu conseguir dar conta de falar tudo. (Risos.)
Nesse contexto, durante esses dias, as meninas falaram muito também...
(Soa a campainha.)
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL - Vou continuar, azar desse apito. (Risos.)
Desculpa, vou continuar.
Outro ponto é ter que sair da comunidade. Qual o custo de sair da comunidade para estudar? Eu tive que sair da minha comunidade para estudar. Meus irmãos tiveram que sair da minha comunidade para estudar. A gente se mantém vinculado ao território, mas qual o custo de convivência, qual o custo de se desvincular do território, o que acontece com muitos? E a escolha?
Hoje, na minha comunidade, não tem fundamental II. O ensino médio é um negócio absurdo, é problema do Brasil inteiro, como a gente viu. Os alunos param de estudar. A maioria dos meus primos não terminou nem o fundamental II, porque é muito sacrifício sair, porque é muito sacrifício abandonar a roça.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Deixe-a falar.
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL - Porque é muito sacrifício a gente ter que deixar de trabalhar, escolher ter que deixar de trabalhar.
Então, quando dizem que os jovens quilombolas não querem continuar os estudos ou os jovens quilombolas querem sair da comunidade, eles são levados a sair pela falta de escola, que é um ponto, e pela falta de condição de manutenção no território, que é outro. Por isso, eu quero chamar a atenção de a necessidade de educação escolar quilombola estar vinculada à titulação das terras quilombolas.
Meus primos que pararam de estudar e que não têm condição de continuar no território - porque a terra é pouca, a área que a comunidade conseguiu comprar é muito pequena e a demarcação está muito longe de acontecer - saem de lá para trabalhar no corte de cana, saem para trabalhar nas fazendas de soja... Eles estão saindo para trabalhar na roça! Não são pessoas que não estão querendo estar no campo, só que eles não têm condição de trabalhar na roça - deles -, eles estão saindo para trabalhar na monocultura.
Então, eu pergunto, a quem interessa não ter educação nas comunidades e a quem interessa não ter titulação dos territórios quilombolas? Se não tem titulação, se não tem incentivo à produção da agricultura familiar, se não tem terra para plantar, os jovens vão sair... Todos os anos, no Território Velho Chico, que é a região de onde a gente vem, na beira do São Francisco, saem ônibus e ônibus de jovens que abandonam o estudo ou que abandonam suas roças e seus familiares mais velhos para ir cortar cana no Paraná e colher laranja no interior de São Paulo. Os nossos antepassados vieram para cá para cortar cana, e os nossos jovens, hoje, continuam saindo das comunidades quilombolas para cortar cana. Isso é sofrível e isso tem a ver com a educação escolar quilombola, porque a quem interessa não ter condição de manutenção desses jovens nas comunidades quilombolas?
Vou tentar encerrar, porque eu sei que, enfim... (Risos.)
Eu acho que o ponto principal que a gente precisa pensar é transporte escolar, mas, pensando em um transporte escolar que atenda dentro dos territórios quilombolas e que discuta, com a comunidade, quando é que esse aluno precisa sair, porque a política do fechamento das escolas é um absurdo. O Estado da Bahia, o Estado do Paraná, acho que o Brasil inteiro vive uma política de fechamento de escolas, com a justificativa de melhoria de qualidade e não melhorar a qualidade... Expulsam os alunos da escola, então, não é evasão. Não é evasão escolar, eles são expulsos, eles são evadidos da escola. Eu acho que essa é uma política importante de se pensar.
Também são pontos principais: a merenda escolar, porque é geral o que as meninas quilombolas falaram aqui nesses dias, pois ninguém aguenta mais suco com biscoito de sal; a falta de professores com qualificação; a política de remuneração, retomando 1995 - não é, Givânia? -, de piso salarial; professor quilombola; incentivo à manutenção; os prédios escolares, um outro elemento; e um currículo escolar contextualizado com a realidade local com material didático. E o currículo e o material didático que servem para a beira do São Francisco, meu território quilombola, não vão ser os mesmos que vão servir para o Piauí, porque a história da comunidade de Cleane é outra, diferente da minha. Vai ter coisa que vai ser parecida? Vai, mas tem outras coisas que não. Então, um PNLD que é geral para o país inteiro não serve para a gente. Então, tem que se pensar um PNLD quilombola, específico.
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E o grande desafio que é o ensino médio. Não tem escola de ensino médio na maioria dos territórios quilombolas. Como é que a gente vai chegar na universidade? Como é que a gente vai acessar a política de cotas? Então, a gente precisa resolver urgentemente a política de acesso ao ensino médio, e não é por intermediação tecnológica, como acontece no Estado da Bahia, porque não funciona.
Então, fechando de verdade, de verdade, agora, eu acho que ficam essas perguntas. A quem interessa o fechamento das escolas do campo quilombola? A quem interessa professor sem qualificação? A quem interessa não ter internet na escola? A quem interessa não ter material didático contextualizado, crítico e de qualidade? A quem interessa a não oferta do ensino médio? A quem interessa essa morosidade nos processos de titulação dos territórios?
Então, acho que a gente não quer mais educação com D. Joca, nem recitar Pedro Álvares Cabral. A gente sabe que educação a gente quer e a gente está lutando por isso. Acho que a mensagem que as meninas têm passado para a gente nesse encontro é: "Vamos lutar como meninas quilombolas para uma educação de qualidade nos nossos territórios".
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigada, Shirley.
(Manifestação da plateia.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada.
Conexão e identidade.
Dando continuidade...
Muito obrigada pela sua presença, e um abraço na Ministra.
Vamos passar... Saindo da Professora para a estudante, vamos passar a palavra agora para a Gabrielem Lohanny da Conceição Mento, estudante da Escola de Formação de Meninas Quilombolas e quilombola do quilombo de Boa Vista, em Salvaterra, no Pará.
São dez minutos. Não se assuste com o toque. Depois do toque, ainda tem um minuto.
A SRA. GABRIELEM LOHANNY DA CONCEIÇÃO MENTO (Para expor.) - Olá! Boa tarde, pessoal!
Como já dito pela Senadora, meu nome é Gabrielem Lohanny, sou quilombola do quilombo de Boa Vista, no Estado do Pará, e, para mim, é, mais do que uma honra, uma responsabilidade muito grande estar aqui representando não só a Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas, mas também o meu estado, o meu município e cada uma das meninas que estão aqui presentes, que lutaram por esses dois anos, lutaram pela educação, lutaram por uma educação de qualidade, por uma estrutura melhor para ter essa educação.
Como todos sabem, a educação escolar quilombola é aquela que é exercida e ofertada a territórios ancestrais e culturais, bem como os quilombos, certo? Todos sabem disso. Então, acho que vou pular essa introdução sobre o que é a educação escolar quilombola.
Eu queria falar sobre a importância da educação escolar quilombola para nós meninas e meninos quilombolas. Essa implementação traz consigo o fortalecimento da identidade e cultura do nosso povo, contribui para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todos nós, acabando, de uma vez por todas, com o racismo e educando a sociedade a se portar da maneira que deve com o povo quilombola, utilizando o respeito como a base para uma sociedade em harmonia.
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Também a educação escolar quilombola prepara pessoas, prepara jovens, meninas e meninos para a luta, como nos preparou, como a Escola Nacional nos preparou para estarmos aqui exercendo nosso lugar de fala, exercendo o nosso lugar de fala que nos foi retirado desde o início, nos dando um melhor posicionamento na sociedade para lutarmos pelos nossos direitos, para lutarmos por aquilo que nos é devido, tanto na educação quanto na sociedade.
E eu não posso deixar de citar também que estudos mostram que estudantes que participam de programas e projetos de educação escolar quilombola tendem a ter um melhor desempenho e desenvolvimento escolar, bem como melhor posicionamento na sociedade. Nós meninas que estudamos na Escola Nacional somos a prova viva disso. Se você chegar em cada uma de nós e perguntar como a gente se posicionava antes para como a gente se posiciona agora, você vai ver uma grande diferença. Tem grande diferença no jeito que nós nos posicionamos, no jeito que nós falamos, no jeito que nós exercemos o nosso lugar de fala, através da educação escolar quilombola. Isso é muito importante falar também.
Tendo em vista a realidade dos dias atuais, nós sabemos que enfrentamos na pele todos os dias o racismo. A gente estava passando ali, todo aquele grupo todo de amarelo, aquela coisa bem linda, bem maravilhosa, e um cara passou do meu lado e falou assim "nossa", e eu tenho certeza de que esse "nossa" não foi por estar impressionado. Eu sou uma pessoa bem expressiva e tenho certeza de que não foi por estar impressionado com a gente. Mas enfim, entendedores entenderão.
Também enfrentamos diversas dificuldades para termos acesso a uma educação escolar quilombola de qualidade. Falando um pouco sobre a minha história, sobre a minha trajetória enquanto quilombola, enquanto ativista, quando eu estudava no nono ano, eu tomei uma decisão. Eu via as dificuldades enfrentadas por mim e pelos meus colegas na escola lá de Boa Vista, na escola quilombola. Nós não tínhamos acesso a uma água de qualidade, os alunos precisavam fazer exames para ver se não tinham se contaminado com a bactéria da água e, através desses exames, constou que alguns estavam infectados por essa bactéria. E não só a questão da água nos prejudicava, também a questão da merenda, como a Shirley falou, a bolacha com suco, um mingau de arroz, não tendo a valorização da nossa cultura alimentar, não tendo a valorização da farinha, da mandioca, da macaxeira, não tendo essa valorização da cultura alimentícia do quilombo. E não só esses problemas, nós enfrentamos problemas também na estrutura da nossa escola. Quando chovia, chovia mais dentro do que fora. Quando chovia, alagava, e a gente não podia estudar direito porque a gente tinha que arredar todas as nossas cadeiras, e ficava um lugar bem apertado para a gente estudar mesmo. Então eu tomei uma decisão, um posicionamento. Eu já estudava na escola fazia alguns meses e eu tomei uma decisão, decidi ir ao Facebook. A direção não me autorizou a ir à Prefeitura, então eu fui ao Facebook e falei: "A internet é pública". Fui lá e postei.
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Marcamos uma reunião com o Secretário de Educação, antigo, do nosso município e resolvemos algumas questões, trouxemos alguns benefícios, digamos assim, para a merenda, alguns benefícios como a caixa d'água da minha escola, alguns benefícios de que, realmente, nós estávamos precisando enquanto estudantes.
Com isso, a Escola Nacional (Conaq) marcou um encontro com a Malala, onde nós pudemos debater essas dificuldades, onde nós pudemos debater sobre todas as barreiras enfrentadas pelas meninas quilombolas.
Então, eu falei... e Malala perguntou: "Qual é o seu sonho?", ela decidiu fazer uma entrevista comigo e perguntou qual era o meu sonho enquanto uma menina quilombola. Naquela época - naquela época não, ano passado (Risos.) - eu respondi para ela: "O meu sonho, enquanto menina quilombola, é que nós possamos ser felizes dentro do mundo em que vivemos, sem o racismo, sem a discriminação, sem o preconceito e com uma educação escolar quilombola de qualidade, porque nós precisamos disso para que sejamos moldados para lutar e para acabar de vez com essas barreiras".
Então, deixe-me ver aqui. Por que é importante que nós tenhamos uma educação escolar quilombola de qualidade? Justamente para nos formar, e é por isso que a Escola Nacional veio. Estou aqui para falar sobre a importância da Escola Nacional para a minha vida, e nós tivemos o melhor posicionamento, sim, e exercemos lugar de fala, conseguimos benefícios que nos ajudaram tanto na educação, quanto na formação, no posicionamento, na fala.
E, para acabarmos de vez com esses problemas que tanto nos afetam física, emocional e socialmente, precisamos de mais projetos voltados para o povo quilombola. Esse é o meu sonho hoje. Se Malala me perguntasse novamente qual seria o meu sonho hoje, eu, com certeza, responderia isto, que o meu sonho hoje é que tenham mais projetos voltados para o povo quilombola, para os povos ancestrais e culturais.
Que tenham mais projetos voltados para a nossa educação, para a nossa formação, porque, assim, tendo a educação necessária e tendo a formação necessária, nós podemos bater à porta de qualquer prefeitura, de qualquer ministério, falar com qualquer pessoa do Ministério Público, ir lá e reivindicar aquilo de que nós necessitamos, reivindicar os nossos direitos que são nossos por herança daqueles que lutaram antes de nós.
Eu tenho certeza de que nenhum deles, nenhum dos nossos ancestrais, lutou para que nós estivéssemos aqui só ocupando um lugar na cadeira, para que nós ficássemos calados. Eu tenho certeza de que nenhum deles lutou para isso. Eu tenho certeza de que a luta deles foi que formou a ponte para que hoje nós estivéssemos aqui, lutando pelos nossos direitos, lutando pela igualdade racial na sociedade.
E é isto que nós estamos fazendo aqui: honrando o trabalho daqueles que lutaram antigamente para que hoje nós estivéssemos aqui, representando-os.
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Neste momento, eu gostaria de entregar a carta de que participaram, da escrita dessa carta, 39 meninas e 11 meninos do coletivo da Escola Nacional de Formação Quilombola. Eu gostaria de ficar de pé para fazer a entrega desta carta. (Pausa.) (Palmas.)
Muito obrigada. Agora vocês me deixaram emocionada. (Risos.)
Essa carta tem uma simbologia muito grande para a gente. Ela tem uma simbologia muito grande, porque aqui relata todas as lutas que cada uma de nós enfrenta nas nossas escolas. Lutas com transporte, luta com merenda, luta com a infraestrutura. Essa carta, eu tenho certeza de que é um documento muito importante para cada uma das meninas que esteve conosco, formando-se e erguendo-se, e colocou aqui todas as suas dores, tudo aquilo que realmente necessitamos nas escolas quilombolas. Ela fala aqui sobre os desafios e sobre o que queremos para as escolas quilombolas.
Eu queria ler só a última parte, em que fala das coisas que nós necessitamos realmente.
Nós, meninas quilombolas, queremos educação escolar baseada nas Diretrizes Nacionais da Educação Quilombola, regularização dos nossos territórios e valorização do que nossas famílias produzem. Queremos transporte escolar para chegarmos à escola com dignidade e segurança.
(Soa a campainha.)
A SRA. GABRIELEM LOHANNY DA CONCEIÇÃO MENTO -
Queremos manutenção frequente nas estradas que utilizamos para chegar às escolas. Merenda escolar garantida e com qualidade. Queremos a formação de nossas professoras e professores sobre a nossa realidade e os nossos saberes. E também, o fim da precariedade das nossas escolas e condições para estudarmos com dignidade.
E por fim, eu quero dizer que, sim, precisamos de mais projetos como a Escola Nacional, para formar e erguer jovens para lutar pelos seus direitos e pela valorização da nossa cultura, tradição e história do nosso povo.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Gabrielem. Parabéns por ser essa voz tão forte e tão potente na representação de tantas meninas e tantos meninos também que, pela reação, estão totalmente contempladas com a sua intervenção. Parabéns.
Então, encerrando a nossa mesa, nós vamos ouvir o Sr. Paulo Roberto, Coronel da reserva do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e ex-Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Muito obrigada pela presença.
Seus dez minutos iniciais.
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O SR. PAULO ROBERTO (Para expor.) - Obrigado, Senadora. Boa tarde a todos.
Eu começo por cumprimentar a Exma. Sra. Senadora Teresa Leitão, que ora preside esta audiência pública. Agradeço o convite que recebi da Senadora Damares para estar aqui. Cumprimento toda a audiência presente, os jovens, as meninas da Escola Nacional, o Sr. Ronaldo, que saiu, que já nos deixou, deixou a nossa mesa, a Profa. Shirley Pimentel, a Profa. Zara Figueiredo, a Profa. Givânia Maria e a brilhante oradora que me antecedeu, a estudante Gabrielem Lohanny. Muito boa tarde.
Eu queria pedir vênia para começar a minha fala com a exibição de um vídeo que retrata a escravidão da alma imposta a nós, negros, no Brasil. Por favor.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. PAULO ROBERTO - É isso.
Eu costumo dizer, senhoras e senhores, minha querida Presidente, que ao entrarmos em um veículo nós não podemos ignorar os espelhos retrovisores porque eles apontam para trás, eles vão nos dar a referência necessária.
Quisera, Sra. Presidente, senhoras e senhores, que esta reunião, que esta audiência pública, tivesse acontecido 136 anos atrás, precisamente no dia 14 de maio de 1888, um dia após a abolição da escravatura; quisera que as autoridades de então tivessem a grandeza de discutir um tema tão relevante e tão importante quanto este que discutimos aqui.
Seguramente, Senadora Teresa Leitão, senhoras e senhores, hoje nós não estaríamos amargando a dura realidade, no Brasil, que nós não queremos, mas que ainda insiste em resistir, pois temos 852 mil presos. Essa é a nossa população carcerária. Dessa população, 70% pertencem à população negra. Dos 9,3 milhões de brasileiros com idade acima de 15 anos e que são analfabetos, dois terços são pretos e pardos. Mais de 15 mil adolescentes e jovens de até 19 anos foram mortos no Brasil, nos últimos três anos, dos quais 83% eram pretos e pardos. A chance de um jovem negro ser morto, vítima da violência, é quatro vezes maior do que a chance de um jovem branco ser morto também.
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E esse retrato feio, esse desenho horrível não pode ser compreendido sem considerarmos a história e os processos educativos por que o Brasil optou, que escolheu. Qualquer reflexão que desconsidere os retrovisores do Brasil, qualquer reflexão que desconsidere o fato histórico na composição da realidade atual não merece crédito.
No fim do século XIX, a educação foi obstada e até mesmo vedada à população negra, vide a Lei nº 1, de 14 de janeiro de 1837, que dizia no art. 3º: "São proibidos de frequentar as escolas públicas: [alínea "a"] todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas e [alínea "b"] os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos".
Essa foi a opção do Estado brasileiro. Mas após a abolição, o Estado brasileiro, ao invés de investir na dignidade da população negra, fez a opção pelo branqueamento, pela eugenia, pelo encarceramento em massa e pela exclusão dos descendentes dos escravizados do sistema educacional.
No primeiro congresso de raças, que aconteceu em Londres, lá em 1911, João Batista Lacerda, cultuado médico brasileiro, foi com recurso público lá para Londres dizer, profetizar que, em cem anos, se o Brasil fosse sério e severo no branqueamento, na eugenia, em cem anos, dizia ele, João Batista Lacerda, "nós não teremos mais negro atrapalhando o crescimento do Brasil". Lá ele propôs a Redenção de Cam. Esses cem anos venceram em 2011, porque lá era 1911, venceram agora em 2011 e nós estamos aqui porque nós resistimos. Educação quilombola é resistência. Quilombo é resistência. Esse profetismo barato, estúpido foi sepultado juntamente com João Batista Lacerda.
Um Constituinte chamado Levi Carneiro, em 1929, durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, disse que a educação possuiria um papel relevante, mas que seria perda de dinheiro o investimento público realizado com a educação dos degenerados. E leia-se degenerados como os descendentes dos escravizados. A Secretária Zara Figueiredo falou da limitação orçamentária que comprometeu o alcance da política a todos os municípios, isso é verdade, mas o que puder ser feito nesse sentido deve ser feito. E hoje nós não temos essa compreensão retrógrada de que seria gasto e não investimento esse trabalho feito em prol do que foi chamado de degenerados.
Todo aquele movimento eugênico, apoiado por Arthur de Gobineau, Cesare Lombroso, os brasileiros João Batista Lacerda, Nina Rodrigues, Renato Kehl, que aliás foi Presidente da Comissão Brasileira de Eugenia, deixou positivado na nossa Constituição Federal, minha querida Senadora, Constituição Federal de 1934, em seu art. 138: "Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas [...] b) estimular a educação eugênica".
Essa foi a opção de educação praticada no Brasil. É por isso que nós temos esse hoje que não pode ser compreendido sem olharmos para esse passado trevoso.
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Sra. Presidente, senhoras e senhores, é nauseante levantar minimamente o tapete da nossa história recente e ver, sob esse tapete, brasileiros que foram invisibilizados, como é o caso dos quilombolas.
No ano de 2021, ao receber o convite da Senadora Damares para assumir a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a minha primeira medida foi estabelecer, com o Ministério da Educação, um acordo de cooperação técnica para a efetivação das Leis 10.639 e 11.645, que resultou na implementação de um curso de 180 horas para a formação de professores na Plataforma Avamec, chamado Educação Racial nas Escolas. A Profa. Givânia, por ser professora, falou de qualidade na abstração; a qualidade não pode ser abstrata.
E eu, como jurista, vou chamar a mesma coisa de eficácia social. A lei precisa ter efeito social; ela precisa sair do papel e alcançar o seu destino lá no quilombo, lá na aldeia indígena, lá no acampamento cigano. Entendo que os gestores públicos devem saber distinguir, minha querida Senadora, as diferenças: o que é política - medida, ato de governo - e o que são atos de Estado.
Nos atos que têm caráter de Estado, não importa a ideologia política do governante, não pode ter solução de continuidade. Um planta, outro rega, outro faz o controle de pragas, e todos nós colhemos.
A Política Nacional de Equidade e Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, formalizada pela Portaria do MEC 470 agora, de 2024, com certeza é um avanço nesse sentido, é um passo a mais nesse sentido.
Sinceramente, espero que homens e mulheres de bem, não limitados pelas amarras ideológicas político-partidárias, possam fazer a reparação do mal que a ignorância causou, não somente aos remanescentes de quilombo, mas a toda a população negra do Brasil e ao próprio desenvolvimento do país.
Não dá para entrar no engodo daqueles que dizem: "Existe uma democracia social. Todos somos iguais". E então, por isso, não precisamos fazer nada. Eles querem uma profunda mudança de modo que tudo permaneça exatamente da forma como se encontra.
Não adianta a igualdade formal se não há a igualdade material. Todos são iguais perante a lei, mas um comendo caviar e outro passando fome não faz o menor sentido; é uma falácia a democracia social. E nós estamos vivendo num país muito dividido, infelizmente, mas, se nós olharmos para o retrovisor, vemos que temos um Hino Nacional, Senadora. Nós temos uma Bandeira Nacional; nós temos um idioma. Então, não faz o menor sentido termos vários brasis ou brasileiros de segunda categoria. Nós não podemos ter brasileiros de segunda categoria; é direito de todos. Porque nós devemos estar unidos não apenas na morte e nos impostos? Nós precisamos também usufruir das benesses do país.
Meu filho está ali no auditório, Paulo Roberto Júnior; e eu sou pai de duas meninas negras. E mulher negra tem um duplo combate, Senadora e douta mesa, um duplo combate: o de combater o racismo e também o machismo. Isso é duro; isso é dolorido. Não bastasse a rudez, a dureza de ter que combater o machismo, ainda se tem - eu me emociono - que combater o machismo e o racismo juntos. É por isso que nós temos hoje apenas...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO ROBERTO - Para concluir.
... 2,1% das mulheres no mercado de trabalho que ocupam funções relevantes. Isso é fruto desse racismo que insiste em resistir.
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Então, a nossa guerra precisa ter um lado certo, e a principal arma dessa guerra é, realmente, a educação. Educação é o caminho, e não tem atalhos para isso.
Assim encerro as minhas palavras, agradecendo enormemente essa oportunidade riquíssima, agradecendo à Senadora Damares pelo convite e a todas as senhoras e senhores presentes. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Nós também agradecemos a sua participação, a sua presença.
A Senadora Damares também justificou a ausência a esta nossa audiência pública.
Nós vamos passar agora para a parte das perguntas e comentários do e-Cidadania. Depois, quem quiser pode incluir as respostas e considerações na sua fala final; aí, a gente vai ter que ser mais rigoroso em relação ao tempo, porque o Plenária já está começando. A rigor, a gente tem que terminar às 16h, mas nós demos um tempinho a mais, porque estava tão bom que a gente estendeu até as 16h30, não é?
Eu vou ler os comentários e depois as perguntas.
Primeiro, os comentários que foram enviados.
Laelson, do Rio de Janeiro: "É importante a preservação da cultura nativa, porém [...] [tem] igual importância [...] [a educação] que é oferecida à população em geral".
Rafael, do Mato Grosso do Sul: "Educação de qualidade já é [um] direito de todos. Se não está sendo feito para um grupo específico, [...] [é preciso] investigar".
Edilene, do Amapá: "É preciso investir em formação continuada [...] [para de fato viabilizar a] educação escolar quilombola".
Bethânia, do Espírito Santo: "O Estado do Espírito Santo possui hoje um edital específico para professores quilombolas trabalharem em suas comunidades. Essa prática deveria ser [...] [universal]".
Giovanna, de São Paulo: "A implementação da educação escolar quilombola oferece oportunidades importantes para promover equidade e valorizar a diversidade cultural".
Alecsandro, de São Paulo: "É necessária [...] [a] implementação de [uma] política educacional, [...] [baseada no sistema de] cotas e [...] [que incentive] o povo quilombola a estudar".
Essas perguntas são enviadas antes e durante o desenrolar da audiência. Pode ser que algumas perguntas já tenham sido respondidas, então, na fala final de vocês, fiquem à vontade para abordá-las, porque as perguntas também não são dirigidas diretamente.
As perguntas agora.
Danielly, de Rondônia: "Como garantir que a educação escolar quilombola seja valorizada e equipada adequadamente para promover a diversidade cultural e a equidade?".
Ellen, do Rio Grande do Sul: "Qual a competência dos municípios [...] [em relação à] educação quilombola? A formação de professores está em sintonia com essa proposição?".
Giulia, de Rondônia: "Como envolver a comunidade quilombola no processo de desenvolvimento educacional de suas escolas?".
Carlos, do Rio Grande do Norte, pergunta se a grade curricular da educação quilombola terá, além das disciplinas do núcleo comum, história e cultura da África.
Anannda, da Bahia: "Como manter o conhecimento tradicional da população quilombola [...] [em um projeto educacional interativo e engajado] com a ancestralidade?".
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Anannda, do Rio Grande do Sul... Desculpem, a anterior era a Annanda e agora é a Amanda: "Como será feita a formação de professores [...], de modo a garantir a adaptação das individualidades culturais no ambiente escolar?"
Leandro, do Distrito Federal: "Quais mecanismos serão implementados para monitorar e avaliar a efetividade da política pública na promoção da equidade educacional?"
Essas respostas podem ser dadas, podem ser comentadas. Algumas eu creio que já foram abordadas nas diversas falas aqui.
Eu vou fazer a ordem inversa, está certo? Para que a gente possa responder e fazer as considerações de acordo com o que a gente ouviu e também alguma coisa que não foi dita na fala inicial, pedindo atenção para os cinco minutos e começando, daqui para cá, com o Sr. Paulo Roberto.
O SR. PAULO ROBERTO (Para expor.) - Obrigado, Senadora.
Eu vejo muita pertinência na pergunta, a primeira pergunta que foi feita, como ela traz a questão do direito à educação, direito assegurado na Constituição, que deve ser para todos.
Ao meu juízo, a educação não pode ser ilhada. Lembro que quando eu trabalhei com a questão da violência doméstica, se nós conscientizarmos somente as mulheres, que são as principais vítimas da violência doméstica, não vai ter muito resultado, o que eu chamo de eficácia social. O algoz dessa situação de violência doméstica também precisa ter informação. Teria que transbordar os muros e alcançar os homens, os homens precisam ser educados com relação à violência doméstica.
Então, no caso de nós termos a consciência, termos a noção, termos todo o discernimento, toda a informação, quem está do outro lado também precisa conhecer. Então, essa educação precisa transbordar... As Leis 10.639 e 11.645 obrigam a instrução, a formação em história da população negra e indígena nas escolas. Então, eu penso que todas as escolas deveriam ter esse conhecimento, sob pena de a gente restringi-lo a um determinado grupo e não termos a eficácia social.
Então, eu respondo essa pergunta achando-a pertinente. Nós devemos transbordar os limites da educação quilombola e dar essa informação para quem está do outro lado, que, às vezes, figura como algoz de quem sofre a discriminação e o preconceito.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada.
Passo agora para Shirley (Fora do microfone.) Pimentel.
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL (Para expor.) - Então, fazendo um comentário geral sobre as questões, acho que o pessoal trouxe bastante, nos comentários, a coisa dos conhecimentos, do currículo. Eu acho muito interessante, porque quando a gente pensa na escolha do que é ensinado nas escolas, é impossível a gente estudar, na educação básica, todos os conhecimentos que foram acumulados pela humanidade. Então, tem que ter uma escolha.
Quem faz essa escolha? Por que alguns conhecimentos são mais importantes do que outros? Quem elege quais conhecimentos são mais importantes para estar no currículo escolar? Então, no comentário que diz assim: "Ah, mas a gente precisa pensar no conhecimento nacional, no que está posto lá" - vamos utilizar aqui Base Nacional Comum para facilitar.
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Sim, a educação escolar quilombola quer estudar matemática, história, geografia, português, a Base Nacional que está aí colocada. Mas a gente também quer que o currículo escolar entenda os quilombolas enquanto produtores de conhecimento, porque a gente está produzindo conhecimento.
Tem uma senhora lá do Barreiro, D. Sizaltina, com quem eu estava conversando, e ela disse assim: "Olha, eu não sei leitura. Não tive oportunidade de leitura, mas de roça eu entendo: eu sei o tempo de plantar, o tempo de colher, a lua de plantar, como é que planta cada coisa. Você não vai plantar mandioca da mesma forma que você planta o feijão, não é? Você não vai plantar no mesmo lugar." Tem que ter um conhecimento aí de fase de lua, de terra, de biologia, de geografia. É uma série de conhecimentos que as comunidades quilombolas vêm mobilizando, desde quando foram trazidas para cá, na escravidão, até a atualidade. Nós não temos conhecimento? Por que o nosso conhecimento não pode estar no currículo escolar?
Nesses tempos, um colega da física foi fazer um trabalho lá em minha comunidade e aí o meu pai estava explicando para ele como é o sistema da casa de farinha, para não rachar o forno, com alta temperatura para torrar a farinha. E aí o meu pai explicando para ele aquela técnica, e ele falou assim: "Ah, isso aí é termodinâmica." Aí eu falei: Ó, o meu pai sabe de termodinâmica. Mas na hora que o assunto de termodinâmica cai lá no vestibular, a gente não sabe, por que ele foi rebuscado de uma forma, para que a gente não tivesse propriedade, como se esse conhecimento não fosse nosso. Mas a gente está lá produzindo, no território quilombola, conhecimento de matemática, de física, de química, de termodinâmica, seja lá o quê. Quem decide qual conhecimento é mais importante? A gente é que tem que decidir qual conhecimento que é importante para a gente.
E currículo também é questão de identidade, porque, se eu estou colocando lá, igual eu aprendi a vida inteira em escola da cidade: "Você tem que estudar para ser alguém na vida. Você tem que estudar para sair da roça." Esse conhecimento que estava dizendo lá no livro - de que ser da roça era ruim - era um conhecimento que estava formando a minha identidade, que era uma identidade de negação do ser quilombola, de negação do ser da roça.
Quando a gente reivindica a educação escolar quilombola, não é que a gente não quer aprender matemática, história, geografia ou o que as outras pessoas estão aprendendo fora do quilombo. Não, a gente quer aprender tudo isso, quer que o nosso conhecimento seja reconhecido e que a escola não nos ensine a querer deixar de ser quem a gente é. A gente quer continuar querendo, gostando e nos amando enquanto quilombolas, e não sofrendo, quando saímos para estudar fora, porque estão chamando a gente de comedor de abóbora da beira do rio, e a gente tem vergonha de ser da beira do rio, de ser comedor de abóbora, porque a gente está com nossa identidade fragilizada. Então, a gente quer que o nosso conhecimento esteja no currículo escolar.
E agradeço essa oportunidade para a gente trazer esse debate para uma ampliação nacional e que as pessoas conheçam o que é quilombo também. Ontem, um rapaz da limpeza do MEC falou: "Que encontro é esse aí?" A gente falou: "Ah, é de comunidade quilombola". Ele parou assim e falou: "Quilombo? Quilombola? É o que isso? Eu não entendo isso, não. Eu já vi falar de Palmares." Aí eu falei: Pronto, vamos lá. Palmares não acabou.
(Soa a campainha.)
A SRA. SHIRLEY PIMENTEL - Ai meu Deus! (Risos.)
Palmares não acabou.
E ficamos lá uns 15 minutos, no cafezinho, explicando para o rapaz da limpeza, terceirizado, um homem negro, que não sabe o que é quilombo e achava que quilombo tinha acabado lá em Palmares. A gente quer também que a sociedade brasileira entenda que quilombo continua existindo, resistindo e produzindo conhecimento.
É isso.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Shirley.
Vamos ouvir agora a Gabrielem, representante das estudantes.
A SRA. GABRIELEM LOHANNY DA CONCEIÇÃO MENTO (Para expor.) - Bom, gente, não tenho mais nada para falar. Tudo o que eu queria falar para vocês eu repassei na minha fala. Assim espero.
Eu só queria externar a minha gratidão por estar aqui em Brasília. Nunca que eu pensei que eu sairia de lá do Pará para vir para cá, para representar o meu povo, para representar cada uma de vocês que está aqui e que lutou junto comigo para que tivéssemos uma educação de qualidade.
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Eu queria externar a minha gratidão à Givânia por elaborar esse projeto maravilhoso que formou e ergueu jovens como nós para lutarmos pelos nossos direitos.
Quero externar minha gratidão à Profa. Lídia, e à outra Lídia, as duas Lídias, que estão aqui comigo e me apoiaram.
A Profa. Lídia, com certeza, faz parte da minha formação e dessa trajetória enquanto quilombola.
Quero deixar também um abraço para a minha mãe. Eu estava vendo aqui que ela estava me assistindo e falou: Você conseguiu!
Eu consegui. (Palmas.)
E quero dizer que a luta continua. Precisamos de mais meninos e meninas dispostas a lutar pelo nosso povo e pela valorização da nossa identidade.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Seguindo a ordem, a próxima é a Professora Zara Figueiredo.
A SRA. ZARA FIGUEIREDO (Para expor.) - Quero agradecer, mais uma vez, Senadora, o convite.
Sobre as questões que foram apresentadas, e as perguntas, acho que tem duas coisas, inclusive, sobre a fala da DPU.
Acho que a gente não pode esquecer que a educação brasileira é feita de três entes federados e que existe uma autonomia de estados e municípios que precisa ser conversada. O MEC não tem como obrigar um município ou um estado a fazer absolutamente nada.
Estou lembrando dos casos que a Dra. Carolina, parece-me, da DPU, disse. Então, os casos que ela trouxe são casos de governos estaduais e municipais. O MEC não pode obrigar. O que ele pode fazer é mediar essa relação, obviamente.
E eu acho que, do ponto de vista do Ministério da Educação e do Governo Federal, do Governo do Presidente Lula e do Ministro Camilo, a Portaria 470 é uma realidade. Não é uma divisão entre o que se deseja e o que se tem. É uma realidade, porque lá dentro estão todas as diretrizes em que o Ministério da Educação, nessa atual gestão, acredita e está fazendo implementar. Um exemplo disso é a própria constituição da Comissão Nacional de Educação Escolar Quilombola. Essa foi uma das primeiras decisões do Ministro Camilo: construir essa portaria para que as comunidades quilombolas participassem, inclusive, da produção da política.
A Conaq está aí, ela existe, é efetiva, e tem gente aqui dentro deste auditório que faz parte dela.
Acho que não há uma única formação do Ministério da Educação que não esteja sendo construída, de modo muito cuidadoso, com o território. Eu acho que a nossa Conselheira, a Givânia, ser a primeira mulher quilombola dentro do CNE também é uma prova disso, de que esses dois brasis... Pelo menos do ponto de vista do Governo Federal, não há um abismo entre eles.
E eu acho, Gabrielem, que você trouxe uma questão central para nós. Esse momento que a gente faz aqui, agora, no Congresso, no Senado, precisa também ser pensado no âmbito dos Parlamentos estaduais.
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Essa iniciativa que você faz, que identifica um problema na sua escola, cria uma estrutura política e leva isso para os responsáveis, a gente precisa pensar como fazer disso uma política dentro dos estados e dos municípios. Como essa incidência política, como esse movimento político, que está acontecendo agora dentro do Senado, a gente conseguiria construir também dentro dos estados e dos municípios.
Eu acho que é isso.
Agradeço-lhe, mais uma vez, o convite à participação, Senadora. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Finalizando esta rodada, então, passo para Givânia fazer as suas considerações.
A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA (Para expor.) - Bom, eu vou ser breve também.
Sobre os comentários e as perguntas de como envolver a comunidade quilombola nesse processo, eu diria que essa talvez seja a tarefa mais simples que a gente tenha se a gente tiver a capacidade de reconhecer esses espaços e esses sujeitos como sujeitos de direitos. Se a gente partir do princípio de que eles não sabem, não faz sentido a gente escutá-los, mas, se a gente entender que os territórios, que o quilombo - assim como a Vanessa Rocha, que está aqui, falou - é um espaço de formação docente, se a gente sair com esse entendimento, a gente consegue, então, fazer com que isso aconteça.
Não vai dar tempo de eu explicar um pouco a experiência nossa do território de Conceição das Crioulas, mas nós, há pelo menos três décadas, fizemos essa escolha de não construir processos educacionais a partir de quem está formalmente dentro da escola, mas com as pessoas do território, com os grupos, com a juventude, com as associações. O resultado disso é: nós hoje temos um quilombo que tem da creche ao ensino médio, e aí Maria Leontina trouxe isso hoje na fala dela, de manhã, dizendo: "Eu saio de um lugar diferente, porque eu fiz toda a minha... Entrei na escola com quatro anos, saí com 17, no meu território". Esse é o sonho que nós trazemos para aqui, Senadora, para que essas meninas não tenham que largar os seus territórios ou tenham que abandonar, muitas vezes, os estudos porque não conseguem chegar a esses espaços.
Então, integrar - integrar, não; não gosto desse termo -, ouvir a comunidade é o exercício que a gente tem que aprender a fazer, porque nós temos uma arrogância do lado de cá, de quem faz a educação, tem uma certa arrogância de que a gente sabe, mas a gente sabe um pouco, e tem outro que sabe outro pouco, e acho que o conhecimento se faz nessa construção. Então, eu acho que essa é a questão.
Segundo, quero dizer que nós lutamos sempre por uma política de Estado, é por isso que nós estamos lutando. Eu não posso aceitar que, por razão A ou B, a gente veja o nosso Estado brasileiro destituir as políticas que estão focadas no combate às desigualdades, sejam elas de gênero ou de raça, e nós vimos isso recentemente. Isso é muito doloroso. Muitas vezes, essas políticas foram destruídas com mãos de quem não podia ajudar a destruí-las; no mínimo, tinha que se recusar a destruí-las. Então, nós também temos que convencer, porque isso também nos afeta e afeta essa nossa geração.
Por fim, agradecendo-lhe, Senadora, a disposição, quero dizer para todas vocês que... Acho que muitas conheciam a Teresa, que é uma Senadora das mais conhecidas, porque, além de Senadora e professora - nunca negou essa identidade de educação básica -, ela também é uma sindicalista, enfrentou esse debate no Sindicato dos Professores por muito tempo.
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Ter você aqui nesta Casa é, para nós, uma alegria, porque a gente vai falar com alguém que conhece o chão da escola. Não é alguém que só teorizou, também teorizou, mas foi para o chão da escola, então, isso é muito importante.
Eu conversei aqui com a Senadora e pedi sua autorização para fazer esse anúncio aqui. Eu pedi a ela para que fizesse um estudo na legislação para tentar ver se a gente consegue iniciar por aqui, pelo seu mandato, se possível, após esse estudo, para a gente resolver essa história dos Prefeitos e Governadores não realizarem concursos específicos para os territórios quilombolas e contratarem professores a partir dos seus desejos políticos e das suas vontades políticas.
(Soa a campainha.)
A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA - Não é uma promessa de construção desse projeto de lei, mas eu tenho muita esperança de que ao final desse estudo a gente possa sair daqui, do mandato da Senadora Teresa, com um projeto de lei que possa fazer... Aqui o Senado pode fazer isso, o Legislativo pode construir uma legislação que diga que em território quilombola, em que haja professores, é obrigatório e não apenas da vontade do gestor que o professor seja quilombola.
Eu tenho esperança nisso. (Palmas.)
Nós temos ainda um tempo, Senadora, para fazer isso e nós vamos ajudá-la demais nesse estudo, tanto nós do Coletivo Nacional de Educação quanto agora lá no conselho.
Quero agradecê-la também pela torcida, pela energia para chegar nesse lugar no conselho, mas eu tenho certeza de que a Profa. Zara, juntamente com a sua equipe, não medirá esforço nenhum para subsidiar esse estudo que permita, quem sabe, logo, em breve, a gente ter algo para que a gente vença essa pauta, que é esse abuso que fazem conosco nos territórios quilombolas, pois são pouquíssimos os territórios. No meu, por exemplo, graças à luta, a gente venceu esse obstáculo, o professor de Conceição das Crioulas é de Conceição das Crioulas, ponto final, mas, para isso, tem uma legislação municipal que dá cobertura, mas, nos outros, quando não tem, os Prefeitos e Governadores abusam, sim, e usam desse lugar para ameaçar professores.
Eu vou finalizar dizendo uma coisa. Eu fui recentemente em um estado muito próximo de Brasília e tinha professores que queriam conversar comigo, uma professora quilombola que queria conversar comigo e quase que me levava a 5km para poder me dizer alguma coisa, porque ela tinha medo de falar alguma coisa comigo e ter alguém escutando e ela perder emprego no outro dia. No dia seguinte, acho que uns dois dias depois, ela me escreveu e disse: "Apesar de eu não ter dito nada, a secretária me chamou na sala dela e perguntou se eu tinha participado da reunião, o que eu tinha achado e pediu para eu ter cuidado". Isso é uma ameaça, gente, isso é assédio, isso é uma ameaça.
Então, Teresa, saio daqui com o coração muito feliz por este momento agora, mas, também, esperançosa de que esse estudo que a gente vai fazer, que o seu gabinete vai fazer... Você tem em sua assessoria, talvez, um dos mais brilhantes professores estudiosos deste tema, o nosso companheiro de muitas datas, então, tenho certeza de que a gente, com esse estudo, sairá, sim, com a possibilidade de fechar essa fronteira desse abuso dos Prefeitos e Governadores com as comunidades e com a educação escolar quilombola.
Isso será um grande feito que ficará na história, marcado para as gerações que estão e para as que virão.
Muito obrigada, muito obrigada mesmo pela sua atenção.
Quero dizer que a sua assessoria tratou esta audiência com carinho, com cuidado, e eu queria registrar isso, porque é muito importante também, para você saber com quem você está trabalhando; nem toda hora você está ouvindo o que seus assessores e assessoras estão dizendo.
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Eu queria registrar isso e agradecer, em nome do Walisson, a toda a equipe por esse trato, por esse cuidado na elaboração desta audiência.
Vamos voltar mais vezes, e, quem sabe, aqui celebrar essa nova legislação para o nosso país.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigada, Givânia. Muito obrigada.
Obrigada, digo eu, pela oportunidade.
É sempre bom quando a gente mantém os nossos mandatos próximos de quem a gente pretende representar. Eu tenho um irmão que diz assim: "Tenha cuidado com o seu mandato, porque, no Brasil, só existem 80 pessoas iguais a você". (Risos.)
Quer dizer, só temos 81 Senadores. (Risos.)
Então, a nossa responsabilidade, apesar de eu vir de Pernambuco com as minhas vivências... As minhas experiências, que são muitas realmente, estão nesse contexto, que não é um contexto fácil. Do ponto de vista das relações políticas, a gente se trata com muita civilidade, mas muita gente aqui, quase todas as falas - eu diria que todas - apontaram que educação é concepção e que não é isolada da concepção de mundo, da concepção de sociedade que a gente tem.
E, como todos nós, os 81, chegamos aqui pela vontade do voto popular, o exercício democrático nos impõe conviver com essas diferenças, com essas diversidades de concepções. Às vezes, a gente consegue ganhar uma ideia pelo convencimento, pelo consenso; outras vezes, temos que ir ao voto. Esperamos ficar só aí, porque tem alguns Parlamentos que exacerbam. Vocês sabem disso, não é?
Então, para nós da Comissão de Educação... Eu falo, inclusive, em nome do nosso Presidente, que é muito afeito a abrir a Comissão para essas escutas. Para nós, é fundamental, é muito importante, porque tem o aspecto da lei que Givânia levantou, que é um aspecto que nos compete. Nós somos legisladores e legisladoras. Nós apresentamos leis, votamos as leis dos colegas e votamos as leis do Poder Executivo, no nosso caso, as do Presidente da República. Mas as leis têm os seus limites, têm as suas travas, têm aquilo que a gente chama de sua constitucionalidade e de sua prerrogativa.
Quando eu fui candidata a Deputada pela primeira vez - eu tive cinco mandatos de Deputada -, eu era presidente de sindicato, e o meu estado pagava o pior salário entre as redes estaduais do Brasil. E eu não pude fazer campanha dizendo que iria apresentar um projeto de lei para reajustar o salário dos professores do Estado de Pernambuco, porque não é da minha competência. Eu tive todo esse cuidado de, na minha campanha, dizer que eu iria usar a tribuna para denunciar, como o fiz. Espero que vocês lutem para conquistar, porque eu vou apoiar a luta de vocês.
Agora, a leizinha, o projeto de lei tem que vir do Sr. Governador. Quando Givânia disse: "Vamos fazer um estudo", a gente se propõe a fazer o estudo e ver onde cabe, como cabe, para quem cabe. Tenho a experiência em Pernambuco, no Município de Salgueiro, e tenho a experiência estadualizada em Pernambuco, mas em relação à educação escolar indígena.
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Ainda não conseguimos fazer o concurso público. Algumas coisas... Porque lá tem o Conselho - também - de Educação Escolar Indígena e alguma coisa avançou, mas a trava do concurso ainda existe.
O que acontece? A grande maioria dos professores quilombolas - ou, senão, a unanimidade - e dos professores indígenas são os famosos contratos temporários, os CTDs. E contratos temporários tem uma relação precária, não tem plano de cargos; agora que se está pagando o piso salarial, não tem carreira, e tem um tempo de vida limitado. Às vezes, esse tempo de vida nem se observa.
Contratos temporários são para uma emergência, ou seja, para situações de emergência em que não dá tempo de fazer toda a burocracia de convocação de um concurso, faz-se um contrato temporário. Com o tempo, essa lei, essa possibilidade foi muito desgastada. Ela hoje ocupa o lugar dos concursos públicos. Tem uma denúncia grande dos tribunais de contas e dos ministérios públicos estaduais em relação a isso. Tem redes absolutamente desequilibradas. Tem mais contratos temporários do que professores concursados. Isso nas escolas chamadas regulares, imaginem nas escolas quilombolas e indígenas.
Tem uma coisa para a qual eu quero chamar a atenção - que ficou muito presente na fala de Gabrielem, na fala de Shirley e de Zara - é que não está se tratando de uma educação paliativa, ou de uma educação leiga, do tempo da cartilha, do pai... A do meu pai era mais cruel, viu, Shirley? A do meu pai; ele dizia para a gente: "Era muito ruim aprender desse jeito". Tinham duas coisas que ele também cantava. Sabe como era? "Paulina mastigou pimenta". A gente ficava com pena de Paulina. (Risos.)
"Paulina mastigou pimenta", mas era para fazer as palavras. E a outra? O preconceito da outra? "A preguiça é a chave da pobreza". Você já pensou uma cartilha com esses dizeres ser imposta para as crianças aprenderem a ler, introjetando esse pensamento?
Meu pai adulto, formado, professor, ainda se lembrava da cartilha do grupo escolar, onde ele tinha sido alfabetizado. São coisas assim que marcam. Como tem as marcas positivas da fala, da mobilização, do contexto da luta, da identidade, do coletivo, tem também essas marcas negativas, que, às vezes, como meu pai, superam-se, mas, às vezes, ficam tão marcadas na vida das pessoas, não é, Zara?
A SRA. ZARA FIGUEIREDO (Fora do microfone.) - E alguns que nem podem ir...
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Alguns que nem podem. Exato.
Então, tinha um detalhe. Eu acho que nessa configuração em que a gente está discutindo aqui, que é quilombola, que é indígena, mas a educação é escolar. Portanto, é educação dentro de uma escola, dentro de um instrumento, de um aparelho, de um espaço que está conectado a uma rede que faz parte de um sistema que vai responder à legislação daquele sistema, a qual vai responder às gestões municipais, a qual vai responder às gestões estaduais. Então, é organizar todo esse conteúdo específico dentro do que a gente entende e quer como educação escolar, dentro das possibilidades que a escola tem de fazer isso - e são muitas.
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A gente nem usa, ainda, todas as possibilidades que a escola e a educação têm. A gente precisa fazer isso, e fazer isso desta forma: de maneira organizada, de maneira articulada, com todos os entes, com todas as instituições, com os movimentos sociais, e, sobretudo, com a nossa força revolucionária.
Lugar de menina quilombola é no quilombo, na escola e na luta.
A luta continua! (Palmas.)
Falta o protocolo.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e de todas e declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 14 horas e 31 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 10 minutos.)