02/09/2024 - 6ª - Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 6ª Reunião da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
Objetivo e diretrizes da reunião.
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A presente reunião destina-se à realização de uma audiência pública com o objetivo de debater a Política Nacional para Deslocados Internos, em atenção ao Requerimento 9/2024 - CMMIR, de nossa autoria.
Os nossos painelistas estão chegando. Já estamos com um que vai estar online e temos já o Dr. Tarciso aqui com a gente.
Convido, de imediato, para tomar lugar à mesa, o Dr. Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor do Senado Federal, eu diria que um dos mentores desse projeto - que eu tive a satisfação de apresentar -, de suma importância, inclusive neste momento, olhando para o Rio Grande do Sul.
Antes de dar a palavra a todos os convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211.
O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos. De modo a facilitar a interpretação simultânea entre os idiomas e, consequentemente, o entendimento de todos, sugiro que as exposições sejam realizadas naturalmente e em ritmo moderado, não sendo, assim, necessário aguardar sempre pela tradução. Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários.
Como é de praxe, eu farei uma pequena introdução do tema - e eu sempre digo: é a fala do Presidente em exercício. E aqui eu vou descrevendo o eixo do debate de hoje.
Ao longo dos anos, os deslocamentos internos no Brasil foram motivados principalmente por fatores econômicos, porém temos identificado que as calamidades humanas, como o rompimento de barragens, a exemplo de Brumadinho, e outras calamidades naturais, como enchentes e secas, têm assumido o protagonismo deste processo.
A recente tragédia no meu estado - ou no nosso estado -, ocorrida no Rio Grande do Sul, é sem dúvida a maior catástrofe natural da história do país e provocará, pela primeira vez, deslocamentos internos em massa por efeitos climáticos. Conforme dados do boletim sobre o impacto das chuvas no Rio Grande do Sul divulgado na última sexta-feira - 10/07/24 -, 478 municípios foram afetados, 2,398 milhões de habitantes atingidos, mais de 806 feridos, 29 desaparecidos e 182 óbitos. Muitos desses milhares de desabrigados viviam em locais que foram completamente destruídos ou severamente danificados, em que a reconstrução dos lares é desaconselhável ou até mesmo inviável no mesmo local.
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Plantações foram perdidas e muitos animais morreram. A suinocultura gaúcha estima em 12,6 mil suínos mortos; a avicultura aponta 279 mil aves de corte e 150 mil aves poedeiras mortas; além de 4,5 mil cabeças de gado perdidas. Quanto ao setor empresarial, estima-se que 48,3 mil indústrias foram atingidas, o que representa 94,3% dessa atividade econômica, que emprega 818,3 mil pessoas no estado.
Diante da tragédia climática no Rio Grande Sul, apresentei o PL 2.038, de 2024, que trata da política nacional para deslocados internos. A matéria ainda não está em debate nas Comissões, porque entrou na prioridade e poderia ser debatida no próprio Senado ou, se necessário assim e o Colégio de Líderes entender, ir para uma ou duas Comissões.
O Relatório Global sobre Deslocamento Interno, elaborado pelo Centro de Monitoramento de Deslocados Internos, informa que o número de deslocados internos no mundo bateu o recorde em 2022 e chegou à marca de 75,9 milhões de pessoas.
Diante do exposto, vamos começar a debater esse tema tão importante para o Brasil e para o mundo.
Eu queria, se me permitirem os convidados, enquanto eles estão chegando... A Dra. Silvia, do Acnur já está conosco; a Dra. Paula Betancur já está online; e já está aqui conosco o Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor do Senado Federal.
Eu vou tomar a liberdade, se vocês permitirem, de dizer que, nesta quinta-feira, tivemos a grande festa da democracia, eu diria, um grande ato da democracia, que foi a atividade do Congresso em Foco. Lá os Parlamentares, pelo júri técnico da mais alta qualidade, foram avaliados pela sua atuação e outros tantos pelo número de votos pela internet.
Eu quero aqui cumprimentar o Sylvio e todos aqueles que organizam todo ano o Prêmio Congresso em Foco. Essa foi a 17ª vez do Prêmio Congresso em Foco, eu sempre estou lá e fico honrado de dizer que sempre recebi em torno de três a quatro prêmios, mas neste eu recebi um prêmio especial: foram quatro e um foi do próprio... A turma... A turma, que eu digo, é como se fosse o Judiciário, não é? A própria equipe que faz a análise técnica e jurídica dos Parlamentares nos honrou, eu diria...
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E não honrou a mim, honrou as causas que eu defendo: a causa dos refugiados, por exemplo, as causas do clima, as causas do combate a todo tipo de racismo e preconceito, as causas do povo negro, das negras, dos quilombolas, dos indígenas, as causas dos trabalhadores, dos aposentados, dos pensionistas, das crianças, dos adolescentes, combater o feminicídio, como fizemos inúmeras audiências aqui. Enfim, esse mundo todo das políticas humanitárias fez com que eles, este ano, pela primeira vez... Olha que eu já recebi... Até agora eu tinha 34 prêmios, foi para 38 agora com esse. Mas foi a primeira vez que eu recebi o prêmio consagrado como, nesta vez, melhor Senador do Brasil. E, claro, eu recebi antes o prêmio como melhor Senador da Região Sul, mas é meio natural, esse eu recebo todos os anos. Agora, como melhor Senador do Brasil, foi a primeira vez.
Eu quero deixar muito claro a todos os meus amigos queridos Senadores e Senadoras que eles fizeram uma homenagem às causas, como essa que nós estamos debatendo aqui hoje. Foi uma homenagem que o Congresso em Foco faz às causas do povo brasileiro. Neste momento de tanto ataque à democracia, nós que somos, eu digo, apaixonados pela democracia, eles entenderam como um Senador negro que atua nesse mundo tão amplo que eu chamo das políticas humanitárias, e por isso estamos aqui nessa segunda-feira pela manhã.
Então eu agradeço muito a todos, todos os Senadores e Senadoras. Eu considero que este prêmio vai para todos aqueles que defendem causas. Eu sempre digo e até mesmo eu disse lá: às vezes a gente pega, a gente chora, a gente vai para casa triste, não dorme; no outro dia vem, às vezes tem uma vitória; enfim, faz parte da democracia. Mas, mesmo assim, ninguém inventou no mundo algo melhor que a democracia. Eu sou um fã da democracia e serei um eterno defensor da democracia, até digo que ela não pode ser... A gente sempre fala: longa vida à democracia, não é? Eu digo que a democracia seja eterna, que ela conviva sempre junto de nós.
Muito obrigado aos jurados; muito obrigado a todos que, pela internet, votaram em inúmeros Deputados e Senadores. Eu fiquei feliz de estar também entre os cinco ou quatro das mais variadas áreas. O importante é que foi um ato belíssimo - belíssimo -, no qual não tinha ninguém que foi fazer política de ódio, política de destruição; pelo contrário, todo colega que recebia um prêmio era aplaudido intensamente, em seguida ia tirar as fotos. Enfim, olha, que bom que nós temos, numa democracia, atos como esse, com a presença em torno de, calculo eu, umas 400 pessoas, - não é, Isabel? -, 350, 400 pessoas, organizado e feito por uma equipe muito competente do Congresso em Foco, que, com seriedade e responsabilidade, fez com que o ato fosse um grande sucesso para a alegria de nós todos.
Feito esse registro, vamos de imediato... (Pausa.)
A assessoria me pede, em nome da Dra. Paula Betancur, porque ela tem um compromisso em seguida, se nós poderíamos começar com ela.
Dra. Silvia, tudo bem?
Dr. Tarciso, tudo bem? (Pausa.)
Então, Dra. Paula Gaviria Betancur, Relatora Especial sobre Direitos Humanos das Nações Unidas.
Seja bem-vinda. O tempo é seu, por 15 minutos.
A SRA. PAULA GAVIRIA BETANCUR (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Bom dia.
A SRA. PAULA GAVIRIA BETANCUR (Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Saudações muito especiais aos membros da Comissão Mista de Migrações e Refugiados. Ao Senador Paulo Paim, felicitações pelo reconhecimento recebido.
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Durante 2023, houve 26,5 milhões de deslocamentos no mundo por causa de catástrofes, é o terceiro anual mais alto nos últimos dez anos. Isso levou a que 7,7 milhões de pessoas permanecessem deslocadas internamente, por causa de desastres nos seus países, desde 2023. Infelizmente, o deslocamento interno no contexto de desastres repentinos é uma evolução lenta e os efeitos adversos da mudança climática, como a situação sem precedente do Rio Grande do Sul, tende a aumentar e a ser cada vez mais prolongado nos próximos anos. A mudança climática aumenta a frequência e a intensidade dos desastres. De acordo com o Banco Mundial, para 2050, mais de 17 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe serão obrigadas a se deslocar para fugir das mudanças climáticas.
Durante 2023, o Brasil apresentou o número mais alto, dentre os países, desde que se iniciaram os registros, desde 2018, com 645 mil deslocamentos por desastres. Desde 2026, foram deslocados por violência, isso foi triplicado desde 2022, esse número pode ser, na verdade, um sub-registro dos deslocamentos que de verdade ocorreram.
Já dizia o Senador que o que ocorreu no Rio Grande do Sul em 2024 produziu um número sem precedentes de pessoas deslocadas. Esse número supera 600 mil. Na verdade, quase a totalidade das municipalidades da região foram impactadas. Já dizia o Senador que o impacto sobre as moradias foi profundamente grave, uma destruição sem precedentes, segundo uma alternativa de reconstrução rápida com meios de alcançar e reabilitar a indústria e a economia, que também foram gravemente afetadas.
Hoje eu gostaria de expressar neste Congresso a minha solidariedade aos deslocados pelas inundações, às famílias das pessoas que faleceram, aos familiares dos desaparecidos e também ao povo do Brasil. Eu vejo com grande satisfação a abordagem do Governo para enfrentar esse problema e a intenção deste Congresso para liderar e produzir uma política para fazer frente a futuras crises de deslocamentos, que pode servir de boas práticas para outros estados e outras regiões, e também para o mundo inteiro.
Em virtude de normas internacionais, as pessoas deslocadas, nos deslocamentos internos, são pessoas forçadas a abandonar os seus lares, as suas casas, como resultado ou para evitar futuros efeitos de conflitos armados ou violências generalizadas, violações dos direitos humanos ou desastres sem cruzar as fronteiras internacionais.
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E uma política eficaz que queira responder aos deslocamentos, como medida de prevenção, deve abordar os deslocamentos e produzir políticas para evitar ou para resolver os deslocamentos, medidas que enfrentem os fatores subjacentes do deslocamento, medidas como a mitigação e a taxa de mitigação das mudanças climáticas e redução dos desastres; acomodação dos conflitos para fazer frente às desigualdades sociais e econômicas que podem também impulsionar ou criar conflitos; aumentar a coesão social; fortalecer mecanismos locais de resolução de conflitos; avaliar o impacto de projetos de desenvolvimento de extração para que não gerem deslocamentos; e sempre garantir a participação, a consulta, o consentimento das comunidades afetadas quando seja necessário realizar um deslocamento inevitável, quando a catástrofe se mostra inevitável.
De acordo com a abordagem dos deslocamentos, é preciso uma consciência para que sejam garantidos os direitos desses deslocados enquanto assim estão, nessa condição. Isso inclui a necessidade de produzir o direito à vida, o direito de viver livre de violência e a capacidade para escolher onde querem estabelecer a sua residência, permitir que as famílias permaneçam juntas e reunir as que foram separadas pelos deslocamentos, proporcionar às pessoas deslocadas um nível de vida adequado, o que inclui alimentos, água, alojamento, habitação, roupa, educação para as crianças, atenção médica e acesso à documentação civil para que possam exercer os seus direitos.
E, finalmente, resolver os deslocamentos, não somente oferecer soluções para assentamento, mas também garantir que não sofram qualquer tipo de discriminação quando exercerem os seus direitos. Por isso, se fala no conceito de soluções duradouras que façam com que as pessoas possam desfrutar de segurança e proteção no longo prazo para que possam viver sem discriminação, que possam ter acesso a meio de subsistência e emprego, que possam restabelecer o seu direito à habitação, à terra e à propriedade, que possam ter acesso à documentação, que possam ter a reunificação familiar e possam participar dos assuntos públicos, livres de discriminação e com acesso à Justiça.
Colocar em marcha uma política de soluções duradouras, baseada nos direitos, exige que os deslocados possam eleger voluntariamente e de forma informada o local onde gostariam de se estabelecer, que possam participar dessas soluções, que os levam a ter acesso ao apoio humanitário e a outras soluções, e possam fazer com que as pessoas deslocadas participem do planejamento desse desenvolvimento local.
O debate hoje se dá em torno, sobretudo, dos debates sobre as mudanças climáticas e as inundações no Rio Grande do Sul, mas é importante reconhecer que, em nível mundial, o deslocamento interno é cada vez mais complexo e está entrelaçado a fatores sociais e fatores políticos. Em muitos contextos de deslocamento, as pessoas afetadas já sofriam antes a marginalização social, política e econômica, o que as tornava mais vulneráveis e dificultava a reconstrução das suas vidas. Mas eu entendo que na tragédia do Rio Grande do Sul havia também pessoas refugiadas, e essas pessoas estavam muito vulneráveis àquela situação.
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Observamos um aumento, no mundo, das interações entre os diferentes fatores que levam aos deslocamentos. As questões da mudança climática sempre se somam a situações de conflito e violência, as quais podem fazer com que as pessoas deslocadas várias vezes sejam várias vezes afetadas por esses mesmos fatores, pela interação desses fatores.
Os fatores de extração, muitas vezes, têm importante efeito direto sobre o deslocamento das pessoas e podem contribuir para a mudança climática e para a degradação ambiental, as quais, por sua vez, podem aumentar os deslocamentos das pessoas ainda a um nível mais alto. E o desafio ligado aos deslocamentos internos é poder garantir... Para garantir que as pessoas deslocadas possam receber o mesmo tipo de tratamento, é importante abordar uma política ou estabelecer uma política que trate de forma eficaz e equitativa, fazendo com que os deslocamentos possam ser superados, aqueles causados pelos fatores climáticos.
Quanto aos fatores contribuintes aos deslocamentos internos, é importante prescrever soluções de assistência, nesse contexto de deslocamento - entre outros, que nós dissemos -, em situações de conflito e violência generalizada e de catástrofe e de projetos de desenvolvimento organizado.
E, por fim, eu gostaria de agradecer ao Congresso por me permitir fazer parte deste importante debate.
Eu sei que o debate vai continuar, como dizia aqui o Senador. Eu li com atenção o projeto. Vocês estão seguindo por um bom caminho, e é preciso continuar trabalhando, porque, além de contar com o projeto, depois tem a fase da implementação.
Eu venho de um país como a Colômbia, onde nós tivemos legislações... a região tem legislações importantes também nesse tema, não tanto no tema específico de desastres e mudança climática. Vocês, ao abordarem de forma integral esse fenômeno, estão abrindo um caminho muito importante, e por isso é que eu ofereço apoio, como Relatora Especial aqui para a região, para o caminho que estão seguindo.
E também gostaria de pedir a oportunidade, no futuro, quando avançarem nesse processo, de poder visitar o país, numa missão, numa visita oficial, para que eu possa conhecer a situação dos deslocamentos internos e possa proporcionar uma recomendação construtiva, como também serão as que serão apuradas no dia de hoje, neste importante debate.
Novamente muito obrigada, e desejo muita sorte a vocês nas próximas fases.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Meus cumprimentos, Dra. Paula Gaviria Betancur, Relatora Especial sobre Direitos Humanos das Nações Unidas, que trouxe uma série de contribuições para esse momento tão difícil por que passa o Rio Grande, mas que é uma realidade que reflete em outros estados, cada um do seu jeito, como a seca. Por outro lado também, quando a gente fala em refugiados internos, podemos até lembrar a questão dos refugiados externos que estão internos e para os quais não temos uma solução ainda, não é? Vamos aprofundar esse debate.
Claro que eu sei que o Presidente Lula e todo o Governo brasileiro querem caminhos na linha humanitária, que realmente proteja a todos, e por isso que esta reunião, com a participação de vocês aqui.
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Silvia Sander, Oficial... A Silvia Sander é Oficial de Proteção do Acnur no Brasil, que me falava rapidamente, quando chegou, da experiência que vocês fizeram no Rio Grande do Sul. Eu até a provoquei e vou provocá-la para que apresente esse trabalho aqui na Comissão, vinculando, como você falou, Tarciso, a esse projeto, também pela importância desse projeto.
O Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor do Senado - permita que eu diga isto -, foi, para bem dizer, o mentor, porque eu não sei como é que funciona no mundo. Se eu dissesse, eu estaria mentindo, não é? Tenho uma noção, mas ele, com a experiência dele, disse: "Olha, nós poderíamos fazer aqui, Paim, se tu concordares. Vamos pegar uma equipe...". A equipe toda trabalhou, não fui eu que trabalhei. Eu sou mais quem apresenta o projeto final, mas tem uma equipe por trás.
Por isso que eu comentei, no Prêmio Congresso em Foco, que me deu a honra de ser o Senador, digamos, indicado em nível nacional: é porque tem uma equipe que trabalha; o Senador é um instrumento. Só sou ferramenta. Se vocês perguntarem: "Quantos projetos tu apresentaste?". Eu digo: em torno de mil. "Quantos viraram lei?" Em torno de cem. "Mas tu fazes..." Não sou eu que faço; tem a Consultoria da Casa. Eu recebo a ideia da população, uma proposta, discuto com a população, e ali surge o projeto, como foi a própria política do salário mínimo. Digam o que digam, mas a autoria da política do salário mínimo foi da população, que mandou para cá uma ideia de inflação mais PIB. E aí nós viajamos o Brasil, apresentamos um relatório, fui Relator e, depois, ali na frente, o Governo Lula transformou, então, na política que está aí hoje. Só quis dar como exemplo.
Então, cumprimento o Tarciso.
Carolina Moris...
A SRA. CAROLINA MORISHITA MOTA FERREIRA (Fora do microfone.) - Morishita.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Pronto, me ajudou: Morishita! E me ajudou rápido, porque às vezes eu estou aqui com essas pronúncias... essas pronúncias simples, como nome dela. (Risos.) Aí eu falo, e a pessoa olha: "Não é bem assim". Fica encabulada de me atualizar. Mas é Morishita! Carolina Morishita Mota Ferreira, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça e Redução de Litigiosidade da Secretaria de Acesso à Justiça. Prazer recebê-la aqui. Está conosco já e vai falar na sequência.
Agora, então, vamos para a Dra. Silvia Sander, Oficial de Proteção do Acnur Brasil, que, pelo que sei até o momento, também - não só -, no Rio Grande do Sul, está fazendo um belo trabalho.
A SRA. SILVIA SANDER (Para expor.) - Muito obrigada.
Bom dia a todas, todos e "todes".
Em nome da Agência da ONU para Refugiados, o Acnur, primeiro, é com profunda honra e um sentido de urgência e oportunidade que a gente participa de mais esta sessão, tão importante, desta vez de iniciativa da Comissão Mista sobre Migrações Internacionais e Refugiados, Comissão aqui representada pelo seu Vice-Presidente, Senador Paulo Paim, na pessoa de quem eu vou agradecer o convite mais uma vez e cumprimentar também as demais autoridades da mesa e presentes.
Em uma breve introdução à nossa contribuição, eu começo dizendo que, há poucos meses, o Acnur lançou o último relatório anual Tendências Globais, que revela que o número de pessoas deslocadas de maneira forçada, devido a conflitos, perseguições, grave e generalizada violação de direitos, alcançou níveis sem precedentes, ultrapassando já a marca das 120 milhões de pessoas ao redor do mundo. Isso significa dizer que, nos últimos dez anos, o número de pessoas forçadas a se deslocar dobrou. Entre essas, a gente pode mencionar mais de 43 milhões de pessoas refugiadas, 6,9 milhões de solicitantes de asilo e também 68,3 milhões de deslocados internos.
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Até que haja uma cooperação real e esforços bem coordenados para abordar as causas desses deslocamentos - como mencionado, conflitos, cenários de graves violações de direitos e outras causas agravantes do deslocamento forçado, como é o caso também de desastres e eventos climáticos extremos -, a gente percebe que essas cifras globais e nacionais continuarão tristemente aumentando.
Essas situações, como eu disse, cada vez mais - e como também enfatizado pela Relatora -, são associadas ou agravadas por desastres, eventos climáticos extremos ou outros eventos associados às mudanças climáticas, que, a gente sabe, são um multiplicador de vulnerabilidades, por vezes gerando deslocamentos e necessidades de proteção em todo o mundo.
É interessante mencionar nesse ponto que, ao final de 2023, três quartos das pessoas deslocadas estavam vivendo justamente em países com alta ou extrema exposição a riscos relacionados ao clima, incluindo entre esses o Brasil. Sendo assim, 30% das pessoas refugiadas e 75% das pessoas deslocadas internas estão em países altamente vulneráveis às mudanças climáticas, o que demonstra essa correlação crescente entre os efeitos das mudanças climáticas e outros fatores de deslocamento. O impacto dessas mudanças climáticas tem agravado a situação de populações que já estavam deslocadas - como menciona, aqui, o Senador Paim - e de comunidades em risco agravado de deslocamento, além de causar também novos deslocamentos, sobretudo internos, ou seja, dentro das fronteiras dos próprios países em que essas pessoas estão.
Esses eventos relacionados ao clima - é importante notar também - têm sido o principal motor de novos deslocamentos internos aqui na nossa região, nas Américas. E aí eu repito, eu reitero um dado que diz que, entre 2012 e 2022, de um total estimado de 2,6 milhões de novos deslocamentos internos nas Américas, 2,1 milhões foram ocasionados por desastres, enquanto 0,5 milhão foram ocasionados por conflitos e violência. Salvo engano, a Relatora Paula também mencionou, mas, conforme dados do Banco Mundial, até 2050, estima-se que mais de 17 milhões de pessoas se deslocarão dentro dos seus próprios países na América Latina, devido a questões relacionadas às mudanças climáticas.
Nesse ponto, eu chego, então, ao tema do Rio Grande do Sul. Eu não poderia deixar de reafirmar, claro, mais uma vez a nossa solidariedade com toda a população que foi ali afetada pelas graves enchentes e deslizamentos ocorridos, sobretudo a partir de maio. Sabemos que esse não é o primeiro evento dessa espécie. Ele tem sido o de maior magnitude histórica no estado, mas a gente sabe que, desde o ano passado - e aí quando está aqui para setembro, novembro -, outros episódios têm acontecido de maneira reiterada, sequencial e com magnitude cada vez maior. De nossa parte, aproveitando a boa provocação que o Senador me fez, quero mencionar que o Acnur tem atuado na resposta humanitária ali no estado, em apoio aos esforços do Governo Federal, estadual e dos municípios, basicamente para apoiar todas as pessoas afetadas, incluindo não só populações brasileiras, mas também outras pessoas não brasileiras, refugiadas e migrantes que já estavam ali.
O que a gente percebe hoje é que o Rio Grande do Sul se apresenta como um retrato de elementos que aparecem aqui no contexto do PL que é objeto desta sessão. Como eu disse, a gente sabe que esse infelizmente é o maior desastre climático da história recente do estado, que atingiu mais de 96% do território do estado, ou seja, 478 municípios das 497 cidades. Estima-se que mais de 2,3 milhões de pessoas tenham sido afetadas, incluindo mais de 530 mil pessoas deslocadas de suas casas, das quais, até hoje, 422.753 seguem em situação de deslocamento, incluindo 2.685 pessoas que ainda vivem ou que ainda estão acolhidas em abrigos ou alojamentos coletivos, 806 pessoas feridas, 28 pessoas ainda desaparecidas e, tristemente, 183 mortes confirmadas.
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De nossa parte, a gente segue em campo desde o começo da emergência, prestando apoio técnico, como eu disse, aos atores locais, governamentais e da sociedade civil, incluindo doações de itens de primeira necessidade, como redes mosquiteiras, cobertores, lâmpadas solares, kits de cozinha, unidades habitacionais de emergência, mas também realizando o mapeamento de necessidades, o atendimento a populações, principalmente refugiadas e migrantes afetadas, orientação, referenciamento de casos de proteção e, a essa altura, trabalhando muito fortemente, sobretudo, na região do Vale do Taquari, em especial nas cidades de Lajeado, Arroio do Meio, Encantado, Estrela, Cruzeiro do Sul, Muçum e Roca Sales, mas também na Região Metropolitana de Porto Alegre e região de Caxias.
Eu estou trazendo esse retrato só para lembrar aqui - e eu entendo que esse é o espírito dessa sessão de hoje - o fato de que se torna cada vez mais importante, imperativo, que a gente se comprometa não só a abordar as consequências humanitárias dessas crises interligadas, construir respostas em conjunto, mas também a atuar de uma maneira mais proativa na mitigação das mudanças climáticas e adaptação a elas, com plena inclusão das pessoas deslocadas nesse contexto e com o tema do deslocamento no marco das ações de prevenção e resposta do Estado.
Finalmente, sobre o Projeto de Lei nº 2.038, de 2024, o que a gente nota é que esse cenário global e regional ilustrado, então, tristemente, pela calamidade do Rio Grande do Sul, deixa, mais uma vez, evidente a oportunidade da discussão trazida aqui pelo PL, que procura instituir uma política nacional para deslocados internos, em complementação às legislações vigentes que tratam das pessoas refugiadas, que é a Lei 9.474, e sobre população migrante, que é a Lei 13.445.
No nosso entender, o PL aborda três conceitos-chave para tratar do deslocamento interno, que são o de regresso, relocação e reintegração. Ele trata também de outras medidas relacionadas a desaparecidos e sobre respostas de médio e longo prazo e ele se inspira no principal marco internacional nessa matéria, qual seja, os Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos, que foram aprovados no ano de 98, pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Conforme já mencionado - mas acho que é interessante repetir -, por definição, de acordo com esses princípios, pessoas deslocadas internas são aquelas pessoas ou grupos de pessoas compelidas a fugir de seus domicílios ou dos locais em que residiam habitualmente, particularmente em consequência de ou com vistas a evitar os efeitos de conflitos armados, tensões internas, violações de direitos humanos ou desastres naturais ou provocados por ação humana e que não atravessaram uma fronteira internacional reconhecida internacionalmente. Vale dizer, então, que deslocados internos não abandonaram o seu país de origem e de cidadania, e, portanto, eles mantêm os mesmos direitos de que gozam todas as outras pessoas no seu país. Eles são parte da população civil e só se diferenciam dos outros cidadãos por estarem em uma situação de maior vulnerabilidade e possuírem necessidades específicas em razão do deslocamento forçado.
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A responsabilidade primária e principal nas respostas aos desafios enfrentados pelos deslocados internos recai sobre o governo dos Estados - Estado com "e" maiúsculo - onde se encontram, e é do Estado então onde estão esses deslocados internos o encargo de suprir as suas diferentes necessidades e de garantir o respeito ao direito que essas pessoas possuem, é claro, com o apoio dos mais diversos atores sociais, incluindo Nações Unidas, sociedade civil, dentre outros.
Aqui na nossa região, países como Colômbia, Peru, Honduras e El Salvador têm avançado em matéria de marcos normativos e políticas especializadas nas respostas a deslocados internos e podem, portanto, inspirar também as reflexões aqui sobre essa iniciativa que está sendo proposta. O ideal é que as pessoas, assim que cesse o motivo do deslocamento, possam retornar às suas casas, mas a gente sabe que isso nem sempre é possível. No Rio Grande do Sul, por exemplo, milhares de pessoas viviam em locais que foram completamente destruídos ou severamente danificados, em que a reconstrução dos lares é desaconselhável ou até mesmo inviável. Eu falava com o Senador Paim que eu testemunhei bairros inteiros que foram destruídos ali, por exemplo, na região do Vale do Rio Taquari.
Então, hoje a gente se reúne aqui não só para relembrar os desafios, mas sobretudo para alimentar o debate em busca de soluções coletivas, compartilhadas, que promovam um futuro mais justo, sustentável, com cidades e comunidades mais resilientes, sem discriminação e com igualdade de oportunidades a todas as pessoas deslocadas internas no Brasil.
É importante dizer que esse PL pode certamente reforçar medidas de prevenção, preparação, contingência e resposta ao tema dos deslocamentos internos, sempre com plena inclusão, participação e consulta às próprias pessoas deslocadas internas ao longo desse processo.
Em nome do Acnur, então, eu renovo o nosso comprometimento em cooperar tecnicamente com o desenvolvimento de ações multissetoriais nessa matéria, com o desenvolvimento das discussões aqui no marco desse PL. Eu aproveito a oportunidade para manifestar aqui ao Senador Paim o nosso interesse em apresentar um parecer técnico com sugestões ao PL, inspiradas nas melhores práticas internacionais, e finalmente que esse projeto de lei e outros projetos correlatos possam ser catalisadores de ações concretas e transformadoras.
Muito obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito obrigado dizemos nós para a Dra. Silvia Sander, Oficial de Proteção da Acnur Brasil, que demonstra todo o seu conhecimento e o trabalho do Acnur, não só no Rio Grande do Sul, no Brasil e também em outros países por ela aqui, inclusive, citados.
Para nós é muito importante o apoio do Acnur a esse PL 2.038, de 2024, que eu apresentei a pedido do movimento social, articulado principalmente pelo Dr. Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor aqui do Senado, porque, quando deu conflito, começamos a pedir assessoria para ele. Ele, de pronto, se apresentou para trabalhar nessa consultoria, como Consultor da Casa, consequentemente, espontaneamente, não é remunerado: "Eu sou Consultor da Casa e vou ajudá-los", e ele ajudou muito na formulação desse projeto e é a ele que eu passo a palavra neste momento.
Com a palavra o Dr. Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor do Senado Federal.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Para mim, é uma grande satisfação participar desta reunião, liderada pelo nosso Senador Paim.
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Aproveito para parabenizá-lo - teria o meu voto, seguramente. Estou aqui na Casa há 21 anos, Senador Paim, como Consultor Legislativo, e sou testemunha dos seus esforços em várias áreas centrais para a busca da dignidade humana no Brasil, como o senhor citou algumas: a luta contra o racismo; o tema migratório, o senhor trabalhou muito no tema migratório, como na questão venezuelana; a seguridade social, o senhor é um ícone da seguridade social no Brasil; o tema do idoso também, que o senhor não mencionou. Eu ficaria aqui algum tempo enumerando as inúmeras iniciativas e exitosas iniciativas que culminaram realmente na alteração legislativa e no controle das boas práticas do Poder Executivo. Parabéns, Senador.
Saúdo a mesa. Fomos precedidos pela maior autoridade das Nações Unidas a respeito dos deslocados internos, a Relatora das Nações Unidas sobre os Deslocados Internos. Isto não é também usual: iniciar uma audiência com uma autoridade desse tamanho e apoiando a sua iniciativa, que foi também alçada a um bom nível pelo apoio do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), pelas palavras da Silvia.
Saúdo também a Carolina por antecipação, seguramente suas contribuições serão de grande valia.
O Projeto 2.038, como o próprio Senador mencionou, teve por inspiração a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. Eu sou gaúcho também, então eu sei o antes e o depois, tenho a dimensão exata do que era antes e do que foi que ocorreu no nosso estado, das consequências humanitárias sem precedentes, com cheias, enchentes repetidas; não foi uma, foi uma sequência de enchentes, seguramente derivadas da alteração climática que sofre nosso planeta. E essa é a motivação social, digamos, desse projeto de pensar o deslocamento em razão de cheias ou de outras calamidades, enfim, e outros tipos de violência.
Todo projeto nessa área, e como é comum acontecer, os bons projetos surgem em relação a um caso concreto. A lei migratória brasileira foi derivada de dois grandes movimentos de mobilidades humanas, que foi a dos haitianos primeiro e depois a dos venezuelanos. Isso foi o que nos trouxe. O tema do refugiado, os exilados da ditadura militar, foi realmente o que... É só ver os Relatores, Deputados, quase todos tinham sido ex-Senadores exilados...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Aproveito que você falou dos exilados da ditadura militar, fizemos uma bela - uma das mais bonitas - audiência pública, aqui nesta mesma sala, porque é também a de Direitos Humanos, quando lembramos os 45 anos da Anistia. E, no momento de encerramento, eu tomei a liberdade e pedi que tocassem principalmente aquela música Sólo le Pido a Dios (Só Peço a Deus), cantada pela Mercedes Sosa, o que emocionou todo mundo.
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Você conheceu o Silvino Rech no Rio Grande do Sul ou não? Um grande militante. Ele ligou para mim e me mandou uma cartinha depois, dizendo: "Só tu, Paim, porque tu mandaste tocar a música mais linda que eu conheço no planeta", porque ele sofreu com a ditadura, não é? Então, eu me lembrei de que foi uma audiência aqui muito, muito concorrida. E às vezes eu digo que uma audiência boa não é pelo número de pessoas que estão aqui, mas é pela qualidade dos painelistas e pelo sistema de comunicação do Senado, porque o Brasil todo assiste a este debate que nós estamos fazendo aqui, como assistiram também naquele dia. Então, parabéns a todos nós que estamos aqui hoje em plena democracia falando disso tudo!
Continua aí, eu vou dar o teu tempo, porque eu tirei cinco minutos teus já. (Risos.)
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - Não, pelo contrário, Senador.
Então, como a própria Silvia mencionou, o fato social é esse, mas, por uma responsabilidade diante de todos os fatores de deslocamentos internos possíveis já ocorridos ou que poderão ocorrer, o projeto é muito mais abrangente. Ele, de fato, segue os princípios orientadores das Nações Unidas e trabalha todas as hipóteses, sobretudo entre a ideia de calamidade e de violência - a calamidade aqui, seja a provocada de causas naturais, seja a provocada pelo ser humano. Existem muitas calamidades provocadas pelo ser humano: o senhor citou Brumadinho, podemos citar Braskem, e esses incêndios aí, não é? Um incêndio é derivado da mudança climática ou foi provocado, uma vez que existem seríssimos indicativos de que teriam sido provocados.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Dia do Fogo...
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - Exatamente.
Então, para não entrar neste debate de se é causa natural, se não é, o projeto abrange todas as situações de calamidade, humanas ou naturais - que, às vezes, são conjugadas: meio naturais, meio provocadas pelo ser humano -, e também as situações de violência. Não temos um conflito armado internacional no país, não temos um conflito armado interno, mas com a violência nós convivemos, não é? E o projeto não só cita a possibilidade dos conflitos armados, mas também da violência coletiva como possível causadora desse deslocamento interno. E, é claro, o senhor, como um ícone dos direitos humanos, sabe que há também a menção às possibilidades de graves violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário, e se quisermos traduzir isso em termos penais: os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra que, eventualmente, possam causar deslocamentos internos. Então, é bastante abrangente o escopo dessa classificação, apesar de a inspiração ter sido no Rio Grande do Sul.
E aí ele trabalha com a ideia da reintegração. Essa reintegração - vamos pegar aqui a palavra "integridade" - busca dar a integridade às pessoas quando saem de seus lares, de maneira forçada ou, enfim, ocasionada por calamidade ou violência, e são deslocadas internamente - realocadas, se nunca forem forçadas, nunca houver um deslocamento forçado -, ou retornam a seus lares, se isso for possível, o que seria o ideal. Então, buscar a integridade na saída ou na eventual volta... Esses termos reintegração, realocação ou regresso sempre têm por detrás o esforço de dar dignidade humana a essas pessoas nesse movimento.
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É claro, colocamos aqui que o projeto do Senador tem todo o arcabouço de proteção aos direitos humanos, como o tema da não discriminação, do acesso aos direitos sociais, enfim, da segurança alimentar... Alguns podem dizer que isso é redundante, Senador, mas me permita dizer. Apesar de termos, na nossa Constituição Federal e numa série de legislações, algumas garantias, é verdade, esse fenômeno é novo, ainda não estão mapeados, por exemplo, o grau e o tipo de discriminação que essas pessoas podem sofrer. Podemos pensar no passado, mas, enfim, a dimensão que ocorreu no Rio Grande do Sul ainda requer um estudo sobre os impactos em matéria de violação dos direitos humanos dessa população.
E temos que lembrar também, como envolve também a possibilidade do deslocamento de pessoas em situação de violência ou de eventual conflito, que não estamos isentos de, num governo futuro - espero que não -, algum estado de sítio e alguma decretação de emergência supressores de direitos atingirem essa população. Sabemos que a nossa Constituição permite isso e quase aconteceu esse tipo...
Então, enfim, reforçar direitos não me parece redundante. Na realidade, nunca é demais, e essa foi a ideia do projeto. Ele tem, claro, princípios que são típicos dele, como a solidariedade federativa, que foi inspirada na nossa política de migração. O senhor, inclusive, relatou a medida provisória que culminou na lei sobre a crise humanitária. E ali existe - essa legislação foi feita, evidentemente, pensando em Roraima e nos venezuelanos - a ideia de solidariedade federativa. Realmente, quando há uma massa de deslocamento de pessoas, de mobilidade de pessoas, o primeiro ponto de chegada dessas pessoas muitas vezes não tem condição de dar conta, digamos, de todo o standard, o padrão mínimo de dignidade que essas pessoas merecem, e aí é preciso ter a solidariedade federativa para enfrentar, como país, essa situação.
E também outro princípio bastante caro é a proibição de deslocamento arbitrário. Jamais essas pessoas devem ser arbitrariamente deslocadas, do Rio Grande do Sul, por exemplo, ou do município. É preciso sempre um diálogo e o assentimento dessas pessoas. Também espero que não ocorram - mas é possível - políticas segregacionistas do mundo ou expulsões coletivas, o mundo já passou por isso. Claro, sempre há os cuidados com a segurança, os cuidados com a saúde dessas pessoas, isso deve ser feito de maneira bastante cuidadosa. No Brasil, o projeto também não ignora que tem algumas coletividades que são mais vinculadas a terra do que as outras, como os povos tradicionais e os indígenas, e eles são devidamente citados no projeto de lei.
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Além dos princípios, o projeto de lei também se preocupa com as garantias. Aqui, diferentemente, digamos, da mobilidade externa - refúgio, migração -, os problemas a serem enfrentados estão no nosso território. Então, quando um afegão chega aqui, o Talibã não está aqui. Quando um deslocado se desloca aqui, o problema está aqui. Não basta só dar a acolhida, mas também tem que se enfrentar o problema que está aqui. Se é a vulnerabilidade, temos que enfrentar aqui; se é a violência, temos que enfrentar aqui; se é a má gestão ambiental, temos que enfrentar aqui. Então, esse é um desafio suplementar desse projeto, que é o enfrentamento do próprio fator do deslocamento.
E aí as garantias ganham um outro patamar, como a política de cuidado aos familiares desaparecidos; a busca pelos desaparecidos; a garantia de você reordenar o sistema de saúde num prazo razoável, emergencial - nós temos que fazer isso...
(Soa a campainha.)
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - ... permitir o acesso às organizações humanitárias; tem toda uma tentativa de recuperar o direito à habitação. Enfim, temos que enfrentar o problema aqui mesmo e isso torna a questão muito mais complexa.
E, como a própria relatora das Nações Unidas mencionou, temos que conviver com as medidas de assistência emergencial e as duradouras. Diante das enchentes, das cheias que ocorreram no Rio Grande do Sul, houve muito esforço emergencial, mas agora também temos que nos dedicar às duradoras. E aí mudamos a expressão da legislação sobre a crise humanitária dedicada aos venezuelanos, que só fala em emergencial, para acrescentar a palavra "duradoura": assistência emergencial e duradoura. "Duradoura" envolve questões educacionais para as crianças, envolve saneamento, segurança, enfim; e isso dentro, evidentemente, de um pacto federativo que deve financiar, pensar e financiar, todo esse movimento.
O projeto não é totalmente uma criação nossa. O Senador se inspirou na legislação dos Estados Unidos, mas também em legislação comparada: como aconteceu na Colômbia; Peru; Honduras; Grandes Lagos, na África; enfim. Essa foi uma das inspirações.
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Eu acredito, Senador, se me permite, que temos aqui... O senhor é muito propositivo, não é? Conheço a sua... Temos aqui pelo menos duas medidas, se me permite sugerir, de encaminhamento, duas ofertas dadas aqui pelo sistema internacional: uma, pela Dra. Silvia, de oferecer um parecer técnico. E aí o senhor...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Isso nos ajuda, nos ajuda.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - É, então seria muito interessante.
E outra: a relatora Paula Gaviria se oferecer para uma visita oficial ao Brasil. E ela é a relatora das Nações Unidas para deslocados internos.
Então seria interessante solicitarmos ou indicarmos para que o Governo do Presidente Lula, por seus ministérios, fizesse um convite, porque ela não pode vir sem convite; que se faça um convite para recebermos a relatora Paula Gaviria no nosso país, para não só impulsionar esse projeto, mas também...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Eu só solicito à equipe esses encaminhamentos para que eu possa, no final, apontar como decisão da reunião. Aí eu os encaminho oficialmente para o Presidente da República.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - Muito bem. E aí pensarmos também concretamente em como ajudar a população do Rio Grande do Sul deslocada.
Muito obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem, muito bem. Parabéns mais uma vez. Ficam aqui nossas palmas (Palmas.) para o Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor do Senado Federal, um grande, eu diria, articulador - se me permite -, como Consultor do Senado, desse projeto. Logo que deu a crise, ele suscitou a mim, com a Comissão, o que eu achava de nós trabalharmos com um projeto como esse. Claro que, conhecendo a vontade de todos de ajudarem naquele momento, a proposta caiu com uma luva.
Por que o projeto está ainda parado? Eu respeito muito e quero muito bem, com muito carinho, ao Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que tem sido um parceiro dos movimentos sociais e, eu diria, principalmente das políticas humanitárias e direitos humanos. Não tem uma causa dessas que não teve o apoio dele. Claro, ele não pode votar pelo Congresso, mas, dentro do possível, ele tem se manifestado muito, muito favoravelmente.
E, quanto a esse projeto, quando eu falei com ele, ele me disse: "Olha, Paim, o projeto é bom, é um projeto importante, interessante, mas merece uma discussão mais aprofundada, e não o votar na correria, pela importância do projeto". Eu acho - já passou um tempo, é o período agora adequado - que, com as contribuições desta reunião, que visa instruir o projeto, já dá para a gente conversar com ele, e quem sabe até com essa mesa convidada e mais a... essa que você...
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM (Fora do microfone.) - A relatora.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - A relatora, não é? De repente fazemos uma conversa com ele, e eu tenho quase que certeza de que ele pauta a matéria. Claro que eu não decido por ele, mas tenho muito respeito pelas decisões que ele toma.
Teve um projeto polêmico recente, e ele me disse: "Olha, Paim, por mim, não o pauto, mas eu dependo do Colégio...". Ele falou claramente, falou para a imprensa também. E eu era contra aquele projeto, eu não vou entrar em detalhe aqui para não criar mais polêmica, mas se o Colégio de Líderes apresentar um requerimento assinado por todos os Líderes, eu sou obrigado a pautar, embora eu seja contra o projeto. E, mesmo quando eu fui lá fazer a defesa contra aquele projeto, eu falei isso, e ele... Foi exatamente isso. Aí ele deixou... Naturalmente tinha que pautar a matéria, não é? Uma matéria foi pautada. Não era bem na linha daquela de que nós estamos falando, mas tem a ver com poder e o povo mais discriminado, que são os mais pobres, as mulheres, os negros.
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Enfim, eu quero dizer que eu tenho muito carinho e muito respeito por ele. Inclusive, diga-se de passagem, o Presidente Rodrigo Pacheco - eu chego a dizer que ele é um Presidente que faz a diferença aqui na Casa -, quando foi para aprovar agora, na semana passada, acho que foi quarta ou quinta, um projeto que era fundamental para o Rio Grande do Sul, ele abriu mão da Presidência e deu a Presidência para mim: "Paim, você vai presidir a sessão tal dia, a tal hora. Vai votar um PLN que vai atender aqueles que perderam tudo no Rio Grande do Sul em matéria de financiamento. Já está tudo articulado no Colégio de Líderes, mas eu pedi que você presidisse, e não eu". Ele poderia presidir, porque um homem da estatura dele... Ele tem uma estatura de liderança nacional, não é? E botou para que eu presidisse a reunião do Congresso Nacional para aprovar o projeto. O projeto foi costurado antes, naturalmente. Agradeço ao Colégio de Líderes - eu estava lá, participei de todo o debate.
Claro, sempre há os pró e os contra num momento como esse, há algumas provocações. Eu deixei de lado todas as provocações - "Eu quero é aprovar o projeto, não vou responder a nenhuma provocação" - e fui na linha que eu entendi adequada a quem estava na Presidência. Deixei de lado algumas provocações. Às vezes, quando vem uma provocação, eu penso dez vezes e digo - lembra-se daquela frase? -: "Perdoai, eles não sabem o que fazem". Mas só pensei, não falei. Não estou falando o nome de ninguém aqui, não é? "Perdoai, eles não sabem o que fazem!" E aprovamos por unanimidade. Mesmo aqueles que fizeram alguma provocação acabaram votando também favoravelmente e pelo equilíbrio, que eu aprendi muito também com...
Eu estou na Casa... Estou falando um pouco demais hoje, não é? Olha que eu estou empolgado com o prêmio de honra de quinta! Eu estou na Casa há quase 40 anos: eu vi a experiência do Mário Covas, que já faleceu; eu vi a experiência do Ulysses Guimarães; eu vi a experiência do Jarbas Passarinho, que não era um homem de esquerda, mas vi a experiência dele também. Eu vi a experiência do Leonel Brizola, que, quando voltou, com a anistia, eu era Vice-Presidente do Senado, ele veio conversar comigo e ficou horas conversando ali, ele e o Collares, e eu na Vice-Presidência.
Então, essa experiência é que talvez nos garanta essa tranquilidade de fazer um debate sempre construtivo, positivo, e, como você falou, eu estou sempre na linha. Eu digo que o pessimista é derrotado por antecipação. Então, vamos manter o otimismo; quem sabe mais ali na frente a gente chega lá. Eu tenho muita esperança com esse projeto. Realmente é um projeto pelo qual eu tenho muito carinho. Eu tenho quase certeza de que nós vamos aprová-lo, é só fazermos a tramitação, o diálogo com os Líderes na Casa e com o próprio Presidente, que, eu tenho certeza, será favorável. Perfeito? Não a minha fala, perfeito o encaminhamento que vamos dar daqui para frente, viu?
Então, é com enorme satisfação agora que passamos a palavra à Dra. Carolina Morishita Mota Ferreira, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça e Redução de Litigiosidade da Secretaria de Acesso à Justiça.
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A SRA. CAROLINA MORISHITA MOTA FERREIRA (Para expor.) - Bom dia a todos, a todas. Agradeço imensamente. Cumprimento meus companheiros de mesa, Tarciso, Silvia, mas especialmente o Senador, que eu já admiro há muito tempo. Senador, registro que muitas vezes era eu quem estava assistindo a essas audiências públicas sobre direitos humanos, sob a condução do senhor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Hoje está aqui nos orientando. Muito bonito, muito bonito.
A SRA. CAROLINA MORISHITA MOTA FERREIRA - E fico muito feliz de essa temática estar sendo tão bem tratada, tão bem cuidada. Acho que todos os acontecimentos no Rio Grande do Sul trouxeram um momento de entendimento da necessidade de também criar legislações, porque infelizmente - o próprio Tarciso trouxe aqui - foi uma sequência; não foi uma única enchente, foi uma sequência delas. E a gente infelizmente tem expectativa de que esses atos, essas catástrofes continuem acontecendo. Então, com muita solidariedade ao povo do Rio Grande do Sul, acho que demonstra a excelência das discussões desta Casa que isso tenha sido trazido de uma forma propositiva e que vise atender e proteger os interesses das pessoas nos territórios daqui em diante, tornando essas situações menos dolorosas, porque estaremos preparadas de alguma forma para garantir de forma mais tranquila direitos das pessoas nos deslocamentos internos.
E trago aqui a grande importância sempre de discutir uma política nacional. Recentemente esta Casa aprovou a Política Nacional das Populações Atingidas por Barragens. E eu trago esse exemplo primeiro porque não temos hoje uma legislação sobre direitos humanos em empresas. Então, esses outros referenciais legislativos que dialogam com essas situações trazem uma conquista de direitos para as pessoas, especialmente para as pessoas atingidas. E aqui digo pessoas atingidas por barragens, por eventos climáticos, pela situação da Braskem, por exemplo.
E tivemos grandes avanços normativos. Por exemplo, a Política Nacional das Populações Atingidas por Barragens é a primeira lei brasileira que fala do princípio da centralidade da vítima, que é um princípio que já estava consolidado na jurisprudência da Corte Interamericana, era utilizado muitas vezes nas construções judiciais, tanto nos pedidos quanto nas decisões judiciais, mas não estava expresso em nenhuma lei. Então, trazer uma política nacional permite que nós tenhamos uma qualificação da discussão do direito, inclusive por parte dos Poderes Executivos - e aí digo municipal, estadual e federal -, mas também um norteador quando há alguma violação de direitos humanos.
E trago aqui... Falamos muito sobre as questões climáticas, e é essencial elas serem acompanhadas, mas essas temáticas têm uma grande relação - e o PL 2.038 fala muito sobre isso - com violações de direitos humanos. E, nos últimos anos, cada vez mais vemos questões de grandes empreendimentos, seja na sua construção, no próprio planejamento dos grandes empreendimentos, que vão afetar uma série de pessoas, seja também em casos de negligência, imprudência de grandes empreendimentos já colocados e que causam diversos danos às populações nos seus arredores. Quando se fala dessa possibilidade de reconstrução, de reintegração, isso me traz muito à memória a situação de Bento Rodrigues e Gesteira, que ficam em Mariana e Barra Longa, na Bacia do Rio Doce, que até hoje, próximo dos nove anos do rompimento de Fundão, em Mariana, que vai completar nove anos no dia 5 de novembro deste ano, até hoje essas casas não foram entregues.
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E acho importante destacar nesse cenário que nós temos aí - é outra preocupação dessa legislação - povos e comunidades tradicionais que permanecem deslocados. O deslocamento pode ser temporário ou pode ser permanente, mas, às vezes, essa temporalidade tão longa traz a necessidade de construções de proteção ainda mais fortes e com maior fiscalização. Nós temos pessoas de comunidades quilombolas ali perto de Bento Rodrigues - que foi completamente destruído e tem uma nova reconstrução, Paracatu -, existe uma comunidade quilombola, a comunidade quilombola de Santa Efigênia, que não foi, até hoje, atendida pela Fundação Renova. Existem negativas de atendimento por parte da Fundação Renova e das empresas, como se não fossem atingidas simplesmente porque as suas residências não foram, sua comunidade não foi coberta pela lama, quando há uma grande mobilização até pelas necessidades de atuações para que haja reconstrução e reparação nos arredores. Então, uma normativa que diga expressamente sobre essa necessidade de preocupação é essencial.
E ainda temos que pensar, nesses grandes desastres, que, muitas vezes, quanto às pessoas que são deslocadas, acho que o mais automático é a gente pensar na perda da residência, mas existe uma perda dos vínculos afetivos e da rede de apoio. Acho que qualquer leitura que a gente faça das entrevistas das pessoas atingidas ali na Braskem fala sobre a transformação do seu modo de vida, muitas vezes que não tinha nada de tradicional ou de rural, mas simplesmente porque houve um aumento do custo de vida, um adoecimento, porque as famílias não foram realocadas conjuntamente. Elas foram espalhadas por diferentes bairros e, com isso, as mães que conseguiam atuar em geração de renda para aquela família, porque deixavam seus filhos com uma vizinha, uma familiar de confiança, a alguns passos da sua residência, hoje precisariam se deslocar por toda uma cidade para ter esse apoio. Isso afeta especialmente as mulheres, não é? Acho que esse recorte de gênero e de raça também é essencial sempre que a gente discutir sobre as pessoas mais vulnerabilizadas. As mulheres têm uma invisibilização da sua renda; muitas vezes, as atividades que elas fazem são informais, as redes de cuidados que elas compõem são colocadas de uma forma invisível, são comunitárias, e por isso, muitas vezes, nas medidas de reparação, isso é completamente desconsiderado.
Eu elogio, mais uma vez, o texto do projeto de lei, porque ele nos auxilia conceitualmente a fugir de uma ideia de que a reconstrução ou a reintegração seria apenas indenizatória. Existe esse falso discurso, em muitos espaços, de que bastaria uma indenização pecuniária, um valor a ser entregue para uma família para que houvesse reparação daquilo que foi atingido. E, conforme a nossa legislação avança, é importante que se coloque que, além da reparação individual e pecuniária, existem reparações comunitárias, coletivas, difusas. De certa forma, todos esses desastres atingem não aquelas pessoas que estão no território, mas a nossa própria construção comunitária de sociedade brasileira, inclusive pela grande solidariedade que temos uns com os outros.
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Vejo que, em todos esses grandes casos, muitas vezes a resposta da solidariedade das pessoas foi um dos mais fortes indicadores de proteção que tivemos. Isso é verdade no Rio Grande do Sul, mas é verdade também sobre Mariana, sobre Brumadinho, sobre a Braskem, sobre os incêndios, sobre as questões também na Amazônia Legal que povos e comunidades tradicionais têm enfrentado. Então, acho que a normativa avança e avança muito quando se colocam esses conceitos.
Parabenizo pela discussão e também por este próprio espaço em que nós estamos. Cada vez mais - e acho que a história do senhor, Senador, traz isso de forma muito consolidada -, a escuta e a participação das pessoas que vivenciaram esses grandes problemas são essenciais para a solução. Às vezes, os estudos técnicos, os pareceres não conseguem dizer do que aquela comunidade, de fato, precisa. Não adianta a gente criar uma forma de atender sem trazer a satisfação das pessoas que tiveram seus direitos violados. Essa satisfação é parte integrante de qualquer medida de reconstrução.
E aí digo que, no caso especialmente de Brumadinho, Brumadinho faz parte do cinturão verde de Belo Horizonte. É um território de grande agricultura: Brumadinho, Mário Campos, que é a cidade que fica logo após... São os agricultores da agricultura familiar que abastecia Belo Horizonte. Nós temos ali na região do Rio Doce, especialmente nos territórios de Resplendor e Conselheiro Pena, pescadores artesanais e também agricultura familiar modelo, que alimentavam uma grande parte dos seus territórios. E as pessoas atingidas relatam muito que foram propor soluções para que eles pudessem cultivar flores, para que pudessem usar a piscicultura como uma substituição de renda... E eles colocam que isso não satisfaz a tradicionalidade, o modo de vida, a construção social e mesmo a identidade de pertencimento à comunidade e ao território que eles tinham.
Quando a gente tem este espaço tão múltiplo, tão acessível em que os movimentos sociais, as associações, as próprias lideranças conseguem alguma forma de diálogo para colocar o que é que está acontecendo, a gente tem legislações não só melhores, mas mais duradoras, porque, quando elas são aplicadas, elas são eficazes. E é essa eficácia que faz com que o povo continue apoiando essas iniciativas.
Faço uma nova referência à Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, porque ela traz mecanismos que pensam na participação. Por exemplo, há as assessorias técnicas independentes, custeadas por empresas como um mecanismo multissetorial, com múltiplos técnicos que estão ali escolhidos pelas pessoas dos próprios territórios, para auxiliar na construção de propostas e de medidas de reparação.
E coloco aqui também, já encaminhando para o final, que, enquanto Secretaria de Acesso à Justiça, nós também temos nos preocupado muito com essas temáticas. Temos um projeto hoje construído junto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e com o Movimento dos Atingidos por Barragens em São Sebastião, com as pessoas que foram atingidas há quase dois anos - em fevereiro, vão completar dois anos aqueles deslizamentos. Temos uma clínica de acesso à Justiça - porque a gente entende que a reparação é um elemento essencial do acesso à Justiça, não existe acesso à Justiça real sem essa completude do ciclo - em que lideranças, comunidades e técnicos também participam dessas construções no território para o melhor entendimento do que aconteceu, o que poderiam ser mecanismos de prevenção que eles poderiam ter acessado e podem acessar - porque assim como no Rio Grande do Sul, é muito possível que essa comunidade num novo evento climático seja atingida - e qual que é a segurança de permanecer e como poder escolher estar ou entender que realmente o deslocamento é inevitável para outra área da cidade ou para algum outro território.
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Essa clínica já se iniciou, então ela tem aulas, mas ela também tem atividades realizadas com a comunidade. É um projeto pelo qual nós temos muito carinho. Temos realmente buscado estudar como podemos fortalecer essa pauta da prevenção das pessoas atingidas e da construção de políticas públicas perenes. A ideia não é só fazer a capacitação dessas pessoas, mas é ter compilação de dados que nos permita diagnósticos e construções de políticas públicas muito bem embasadas e fundamentadas.
Então agradeço, parabenizo de novo. Fico muito feliz de ter ouvido os colegas aqui de mesa, anotei várias coisas para pensar e estudar depois. É sempre muito valioso estar aqui neste espaço.
Parabéns, de novo, Senador, realmente, não só por hoje, mas por todo o trabalho que o senhor faz. É muito admirável e é muito bom a gente saber que esse espaço contínuo está aqui, nesta Casa tão importante.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem, Dra. Carolina Morishita Mota Ferreira, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça e Redução de Litigiosidade da Secretaria de Acesso à Justiça.
Para quem disse que ela assistia às audiências públicas, ela assistia e hoje ela vem aqui. Vocês três dão aulas para nós, mas você, que é uma assistente das audiências, falou com uma tranquilidade, com uma facilidade e com uma harmonia. Eu sempre digo que numa audiência pública quem perde é quem não assistiu, que é exatamente o que vocês aqui falam, que a audiência pública visa dar palco a quem não tem palco, dar voz a quem não tem voz, mas também ajuda a reeducar até aqueles que não tiveram a oportunidade de ter o conhecimento acumulado que aqui vocês representam. Então, meus cumprimentos.
Olha, vou contar para vocês um fato aqui em que não vou exagerar - eu estou aqui há muito tempo -: eu nunca vi tanta pergunta sobre um tema. Sério! Com a Casa lotada ou não, nunca vi. Olha aqui. Normalmente é feito em páginas esse anúncio como essa aqui. Está vendo o tamanho da letra? Olha essa aqui, letra bem pequenininha pela quantidade. Eu só vou contar aqui: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12. Vou contar as páginas e vocês me ajudam a calcular: uma página vezes 12 perguntas; outra página vezes 12... Alguém está fazendo o cálculo aí? A pergunta que eu faço é essa. Terceira página vezes 12, que é até embaixo, pode olhar, não estou inventando; quarta página vezes 12; quinta página vezes 12; sexta página vezes 12; sétima página vezes 12 - vou fazer devagar para você não se perder também -; oitava página vezes 12; nona página vezes 12; décima página vezes 12; décima primeira vezes 12; e essa eu não vou nem contar, mas vamos, porque tem três perguntas: 144 perguntas em praticamente uma hora e meia que nós estamos aqui. É inédito, bateu todos os recordes, viu? Olha, de forma acumulada, não só no ano, eu diria que ninguém realizou tantas audiências públicas como nós, em diferentes Comissões, que eu tive a alegria de presidir. Nunca vi algo igual. Mostra que o tema é de interesse público e é preocupante.
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Normalmente, quando vem três, quatro folhas com letra desse tamanho, eu dou uma para cada convidado, e eles escolhem as perguntas. Agora eu quero ver o que vocês vão fazer com 144 perguntas para responder?
É a primeira vez que eu não sei o que fazer, sinceramente. (Risos.)
Nunca me aconteceu isso. Eu estou sendo sincero. Mostra que a população entende a importância desse tema.
O que nós podemos fazer? Qual é o conselho aqui da assessoria? É muita pergunta. (Pausa.)
Ele vai nos ajudar aqui. Um resuminho, de algumas pelo menos, que todas... (Pausa.)
Uma boa consultoria ajuda sempre, hein? A assessoria que já sabia que eu ia ficar embaralhado e, para me salvar, já fizeram um resuminho. Está aqui? Nessa aqui? (Pausa.)
Não, eu vou pedir o seguinte, se o senhor puder imprimir, que aqui dá para responder, vocês escolhem daí. São 12 ou 15 perguntas. Está um resumo aqui, 12 para cada um? (Pausa.)
Tem 12 aqui. Se você puder imprimir as que você resumir? Eu dou uma folha para cada um. Eles escolhem duas, três perguntas para responder. Pode ser? Então vamos lá.
Já estão imprimindo. Quando eu penso, eles já fizeram. Isso é bom. (Pausa.)
Não, mas não tem problema, 12, 13 perguntas. Eu acho que cada um pega quatro aí... (Pausa.)
Dos encaminhamentos, até o momento, Isabel, o pessoal tem algum encaminhamento já? Para a gente ir falando sobre os encaminhamentos?
Ah, já estão aqui. (Pausa.)
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Então vamos fazer da seguinte forma: nesse momento serão as perguntas do e-Cidadania. Como são em torno de 142, a assessoria resumiu aqui para umas 12 perguntas. Eu vou ler as perguntas para o público tomar conhecimento do resumo e depois vocês - se puderem dar um conjuntinho desses para cada um dos três - escolherão algumas das perguntas para responder. (Pausa.)
A Dra. Paula tinha me dito que queria ser a primeira porque ela tinha que sair, mas ela está? (Pausa.)
Agradeço muito à Dra. Paula, que deu preferência para estar conosco e suspendeu o outro compromisso que ela tinha. (Pausa.)
Ah, tá! Ela esperou até agora. Desde já, agradecemos à Dra. Paula, que ficou aguardando aqui.
Eu vou ler as perguntas, enquanto vocês recebem uma cópia das 12.
Francisco, do Ceará: "Gostaria de saber quais as novas propostas, novos projetos que o poder público está elaborando a respeito do assunto deslocamento em massa".
Lucas, de Roraima: "Como a nova política garantirá a participação das comunidades afetadas nas decisões, da prevenção ao reassentamento, após desastres?".
Willian, de Roraima também: "Quais as principais fontes de financiamento para as políticas de assistência aos deslocados internos? Como garantir a sustentabilidade fina?".
Iasmim, de Roraima também: "Quais principais obstáculos enfrentados para implementação da política?".
César, do Rio de Janeiro: "Quais são as lacunas na resposta a desastres naturais e deslocamentos em massa no Brasil?".
Leonice, de São Paulo: "Bom dia! Haverá um protocolo para o atendimento destes deslocados?".
Ainda: "Quais políticas públicas são necessárias para apoiar deslocados internos devido a desastres naturais, como [foi muito tratada aqui] a recente tragédia no RS?".
Dalisson, de Roraima: "Como a política atual pode ser melhorada para atender aos deslocados internos após desastres naturais, como o ocorrido no Rio Grande do Sul?".
Dalisson, de Roraima: "Quais são as principais lacunas nas atuais políticas públicas que têm dificultado a resposta eficaz às necessidades dos deslocados internos?".
Bruno, de Roraima: "De que modo a tragédia pode ser evitada se, porventura, se repetir no futuro?".
Eduardo, de Minas Gerais: "Problema ambiental, centros urbanos atual: a não manutenção das matas ciliares das nascentes e cursos d'água. Ref.: Rio Pó, Turim, Itália" - esse foi o Eduardo, de Minas Gerais.
Bruno, de Roraima: "Como a Política Nacional para Deslocados Internos pode ser ajustada para melhorar a resposta a desastres naturais no RS?".
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Rosângela, Rio Grande do Sul: "Será colocada em pauta alguma forma de auxílio para as famílias referente aos traumas vividos nesse período de enchente?".
João, Mato Grosso: "Como o Governo pretende prevenir esse tipo de tragédia?".
Ana, São Paulo: "Caso de deslocamento de famílias, como garantir que os animais não sofram maus-tratos nos abrigos? Como teriam os mesmos direitos [...]?".
Márcia, Rio Grande do Sul: "Como brasileira e gaúcha, sinto vergonha pelo que os gaúchos estão passando. Ainda há inúmeras pessoas que passam por necessidades básicas". Ela está exigindo mais investimento. E é preciso, todo mundo sabe, mas, dentro do possível, é aquilo que até o momento lá chegou. É claro que muito mais terá que ser investido.
Marcelo, Rio de Janeiro: "Por que regiões que sofrem reiteradas enchentes ou deslizamentos não são desapropriadas para que os moradores recebam moradia em outro local?".
Armando, DF: "Penso que um dispositivo legal, uma instrução deveria ser implementada em nossas políticas públicas 'obrigando' [entre aspas] o Estado a projetar correção".
Bruno, Rio Grande do Sul: "Foi desenvolvido um modelo para prevenção?".
Aí eu acho que eu li todas, não é?
Agora, eu vou passar para que, dentro do possível, vocês respondam algumas das perguntas. E, depois, além de estar aqui, eu me comprometo aqui com a Comissão de levá-las também para a Comissão Externa que presido, de que o Luis Carlos Heinze agora se tornou Vice - porque voltou, o seu suplente retornou - e de que o Mourão é o Relator. Levarei para lá as perguntas todas para entabularem por lá também.
Quem gostaria de falar primeiro, também sobre algumas perguntas? (Pausa.)
Eu pergunto à D. Paula Gaviria Betancur, Relatora Especial sobre Direitos Humanos das Nações Unidas, se quer já responder alguma pergunta e também fazer as suas considerações finais, se estiver ainda conosco.
A SRA. PAULA GAVIRIA BETANCUR (Por videoconferência.) - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - O.k., prazer enorme. Muito obrigado.
Dra. Paula, a palavra é sua.
A SRA. PAULA GAVIRIA BETANCUR (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Muito obrigada.
E coincido com o Senador que quem não veio perdeu. Foi uma audiência muito ilustrativa, muito instrutiva. Tem muito conhecimento relacionado ao tema não somente aqui dos painelistas, mas também nas perguntas. As perguntas partem do interesse e do conhecimento da causa.
Eu responderia que o projeto, que está apresentado pelo senhor e que conta com assessoria do Tarciso, como ele mesmo disse, está construído sobre a base dos princípios diretores do deslocamento, baseado também em experiências comparadas. E eu creio que também é uma base muito importante, que compreende a resposta a várias das perguntas. Simplesmente eu acho, eu acredito que muitas das perguntas têm a ver com o tema da prevenção.
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A palavra prevenção eu ouvi de forma recorrente nas perguntas e eu acredito que parte da intenção da política é gerar ações para prevenir que siga ocorrendo esse tipo - ou pelo menos mitigar que siga ocorrendo... e penso que os princípios reitores dessas políticas públicas e as fontes de direito comparado em que se baseia a política possibilitam ações - quando eu tomei a palavra -, as medidas de mitigação e de adaptação, todas as medidas de redução de riscos, os sistema de alertas imediatos, e talvez essas medidas possam participar e fazer parte da política. São recomendações que eu vejo como importantes.
O meu último relatório de direitos humanos - eu também recomendo ao Tarciso e também ofereci uma colaboração a vocês, nós podemos conversar mais adiante - é sobre as situações em que sabemos que é inevitável a ocorrência de uma catástrofe e precisamos planejar as realocações, para que as pessoas possam ter... Digamos que elas possam mitigar que sejam violados os direitos. Que preservem as suas identidades, a cultura, quando é inevitável esse traslado. Diz respeito ao planejamento desse deslocamento, com respeito aos direitos humanos, para que seja previsto algum tipo de organização ou de planejamento organizado, como último recurso, porque entendo - e estou de acordo - que as pessoas do Rio Grande do Sul deveriam ter a opção de permanecer - principalmente aquelas que têm algum tipo de raiz ou conexão com essa terra e cuja cultura está conectada com a terra -, ter a opção de retornar ou de permanecer. Mas, quando é algo impossível, então temos que oferecer outras opções.
Eu diria isso e eu diria também: algumas perguntas mencionavam as fontes, mencionavam outras políticas.
É muito importante, Senador, e o restante da Comissão, Senadores e Senadoras, compreender que uma lei - vocês sabem muito mais do que eu, porque estão no Congresso -, uma única lei não soluciona todos os problemas. Não é verdade? Então, essa análise - não somente a análise da migração, que eu mencionava aqui - das outras normas e políticas que têm também que ser revisadas, para serem ajustadas, principalmente no futuro, para que estejam harmonizadas com a política pública, seja uma tarefa complementar, que tem a ver com algumas das perguntas que também foram apresentadas da audiência.
E por aqui eu encerro a minha participação.
Muito obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Nós é que agradecemos. Nossas palmas pela bela contribuição da Relatora Especial sobre Direitos Humanos das Nações Unidas, Dra. Paula Gaviria Betancur, que fez uma síntese ali de algumas perguntas, ao mesmo tempo em que comentou a importância desta audiência pública pela qualidade de todos que aqui falaram. (Palmas.)
E eu quero incluir V. Exa., Dra. Paula, porque elogiou os painelistas que estão aqui e também a qualidade das perguntas.
Olha, haver 140 perguntas numa audiência pública significa algo para mim inédito no período que eu estou aqui. Eu estou aqui... Com mais dois anos, eu completo 40 anos. Eu estou há 38 anos já no Congresso, e eu sempre digo só para não ficar dúvida: são 4 anos, de Deputado Federal; e 3 anos, de Senador. Se somarem vão dar 40 anos, viu?
Quem responde agora? Quem gostaria de usar a palavra neste momento? (Pausa.)
A Dra. Silvia, com a palavra, que é Oficial de Proteção do Acnur Brasil.
A SRA. SILVIA SANDER (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Acho que quero dizer também que foi, de minha parte, muitíssimo rico e valioso escutar o Tarciso, escutar a Carolina, também a Relatora. Estou tomando nota aqui também. Acho que o espírito da audiência, como o Senador bem coloca, é justamente a gente se retroalimentar.
Eu vou pincelando, das perguntas - e fico feliz em ver que se bateu o recorde de perguntas feitas, acho que é um ótimo indicador -, dois temas, e eu vou puxar um, relacionado a quais seriam algumas das lacunas que a experiência recente tem ensinado em relação à nossa capacidade ou à capacidade de resposta a desastres, o que por sua vez se relaciona a quais são os aspectos que podem ser fortalecidos aqui na política nacional sobre deslocados internos que está sendo desenhada, a que tipo de ajuste ela eventualmente mereceria. Parece-me que tem dois elementos aí que surgiram nas falas dos colegas que eu destacaria.
Um deles é, de fato, planejamento e preparação. Então, o que a gente vai aprendendo é que é preciso ampliar a lógica da preparação e do planejamento de contingência antes dos desastres. É preciso entender que esses eventos climáticos extremos seguirão acontecendo, infelizmente, em escala de magnitude e repetição ampliadas. E só para pegar esse recorte de desastres e também outros eventos que podem gerar deslocamento humano massivo, o que a gente percebe é que talvez nos falte uma discussão mais aprofundada sobre que tipo de medida, não só preventiva, mas que tipo de resposta emergencial precisa ser adotada quando essas situações acontecem.
Por exemplo, quais são as estruturas que já têm que estar preparadas, como abrigamento emergencial, entre outras, para serem rapidamente ativadas de uma maneira adequada quando esses eventos ocorrem? Quais são os atores e mecanismos de coordenação especializada que têm que ser colocados em funcionamento para dizer quem vai fazer o quê, quando, onde e com qual orçamento? - evitando não só duplicação de esforços e um uso ineficaz de recursos, mas, claro, garantindo uma assertividade maior nas respostas, uma eficácia maior nas respostas mais ágeis que tenham, como a Dra. Carolina bem menciona, a centralidade da pessoa como ponto de partida para tudo que seja pensado e que consiga de fato reduzir ou mitigar danos, reparar direitos violados e, claro, prevenir novas violações.
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Então, eu diria que, agora, eu acho que o que também o Rio Grande do Sul nos ensina é: a importância de, no país, na região e no mundo, a gente falar mais e mais sobre estratégias, planejamentos de contingência e preparação.
A gente tem visto países como o Japão... Eu estava vendo que agora foi novamente impactado por um tufão, salvo engano, com 5 milhões de pessoas evacuadas, e pensando: como é que se faz essa evacuação de 5 milhões de pessoas? Para onde elas vão? Que tipo de estrutura de informação é passada para a população? E aí o que a gente percebe é que esses exercícios de preparar os estados, as cidades, as comunidades para esse tipo de situação, isso leva tempo. Então, alguns começaram há dez anos, outros estão começando mais recentemente, mas o fato é que a gente tem que, agora, acelerar essa conversa.
Essa preparação, o planejamento de contingência, como eu falei, tem a ver com desenhar melhor e aproveitar as melhores práticas internacionais e internas, mecanismos de coordenação entre os diversos atores, que têm que ser não só multissetoriais, mas que têm que também incluir uma participação ativa das pessoas afetadas, atingidas, deslocadas; têm que incluir, claro, atores da sociedade civil, os diversos setores do poder público, colaboração das próprias Nações Unidas, entre outros.
E o que a gente percebe também é que, eu acho, isso se transpõe não só do ponto de vista da resposta operacional, no terreno, quando o desastre acontece, mas também do ponto de vista do desenho das políticas. Então, a gente sabe que hoje estamos aqui discutindo uma proposta de política nacional sobre os deslocados internos; ao mesmo tempo, a Dra. Carolina menciona essa recente Política Nacional das Populações Atingidas; a gente sabe que, neste ano, também tem sido elaborado um Plano Nacional de Defesa Civil para respostas a desastres; por outro lado, o Ministério do Meio Ambiente tem capitaneado a discussão sobre o Plano Clima; e uma pergunta, uma reflexão que tem que ser feita é: de que maneira esses diferentes planos e essas iniciativas dialogam, se retroalimentam e se fortalecem? Acho que nenhuma substitui a outra, mas elas têm uma série de interseções. Isso tem a ver com coordenação e isso tem a ver com um desenho mais eficaz da preparação para essas situações.
E eu acho que o segundo ponto eu já mencionei, mas de novo quero enfatizar: a participação das pessoas afetadas. Então, acho que, seja do ponto de vista do PL, seja do ponto de vista desses vários esforços que eu acabo de mencionar, que estão em discussão, devemos garantir estratégias mais específicas, que condicionem a tomada de decisão à garantia de participação livre e informada, sobretudo das pessoas que têm que estar ao centro desse processo - que, mais uma vez, como bem lembrou a Dra. Carolina, são as próprias pessoas que já foram deslocadas ou atingidas ou que tendem a ser deslocadas e atingidas.
Então, mencionaria esses dois pontos.
E aproveito, mais uma vez, Senador, para parabenizar e agradecer pelo espaço. Muito feliz de escutar e aprender aqui com os colegas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Dra. Silvia Sander, Oficial de Proteção do Acnur Brasil. Parabéns pela sua exposição. E já fez as considerações finais, pelo que eu entendi.
Vamos na mesma toada.
Então, seguindo a ordem aqui, com a palavra, o Dr. Tarciso Dal Maso Jardim, Consultor do Senado Federal.
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Mas muito obrigado, Dra. Silvia, pela sua contribuição e pela intenção, inclusive, de apresentar um trabalho técnico, fortalecendo o projeto e essa caminhada aqui dos refugiados internos.
Dr. Tarciso.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM (Para expor.) - Bom, inicialmente, gostaria de novamente parabenizar o Senador Paim pela gestão deste tema tão caro à população brasileira.
As perguntas são impressionantes, realmente, não só pela quantidade, Senador, mas pela conexão com o tema, porque muitas vezes há uma série de perguntas, mas um pouco...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Fogem do tema.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - ... fogem um pouco do tema, porque revelam a preocupação da pessoa em outro sentido.
Neste caso, não, elas estão realmente muito conectadas com o assunto, o projeto, enfim. Cabe um elogio à população e aos ouvintes.
De fato, o tema prevenção, como a Dra. Paula Gaviria ressaltou, é recorrente nas perguntas e está anotado. Vamos estudar o relatório sobre os deslocamentos inevitáveis, digamos assim, e o planejamento das realocações, o que deveria ser, de fato, um tema já definido do ponto de vista da União, junto com as unidades administrativas - não só os estados, mas os municípios também. Estamos na época de eleições municipais, cabe ressaltar que nisso também caberia o envolvimento dos municípios.
E uma das perguntas usa uma palavra interessante, que é a do "protocolo". De fato, criar protocolos diante desses eventos que são inevitáveis... É uma boa palavra - parabenizo quem a utilizou, eu não me recordo. Mas, enfim, de fato não temos isso, do ponto de vista abrangente, tem um ou outro setor que cuida disso, mas, realmente, deveríamos ter protocolos de aviso, de o que fazer, de aonde ir, a quem chamar diante dos possíveis deslocamentos.
O tema da participação das comunidades - já foi bastante ressaltado pela Silvia - é um assunto, digamos, contemporâneo para o tratamento de violações aos direitos humanos como um todo. Há alguns tratados internacionais que ressaltam isso muito bem, como a Convenção 169 da OIT, em termos de populações tradicionais e indígenas, enfim. Neste caso, ele é mais do que necessário, a ideia de cuidar dos deslocamentos de pessoas significa escutá-las: o que devem fazer, o que podem fazer, o que desejam. Então, na realidade, praticamente a participação da população atingida das comunidades faz parte da própria ideia, da engenharia do próprio projeto.
Escutei com atenção também o tema dos animais. Não fizemos previsão sobre isso, Senador, mas é interessante, no decorrer do projeto, porque um dos símbolos foi o cavalo Caramelo no telhado...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Estava na Expointer sendo homenageado.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - Ah, é? Olha, foi condecorado também.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Foi, foi. Teve uma homenagem lá.
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - Então, de fato, não pensamos muito nisso. Na justificativa do projeto até ressaltamos bastante, mas acho que os animais, tanto os animais pets como os das culturas e até mesmo os animais selvagens, merecem todo o nosso carinho.
Obrigado pela menção, porque de fato foi o símbolo da... foi aquela cena do Caramelo em cima do telhado.
Então, agradeço, Senador, esta nova oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Se não me engano, inclusive, foi em torno de 15 mil cachorros que foram...
O SR. TARCISO DAL MASO JARDIM - É, e houve toda uma articulação de buscas aos pets - e com razão, merecem todo o nosso carinho e cuidado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem. Meus cumprimentos ao nosso querido amigo e consultor aqui da Casa, que convive aqui no dia a dia conosco, o Dr. Tarciso Dal Maso Jardim. Nossas palmas à Consultoria do Senado, que aqui você representa com muita competência. (Palmas.)
Agora, com a palavra, Dra. Carolina Morishita Mota Ferreira - eu acho que eu estou acertando o nome aí já, não é sempre que eu acerto...
A SRA. CAROLINA MORISHITA MOTA FERREIRA - Está acertando!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - ... Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça e Redução de Litigiosidade da Secretaria de Acesso à Justiça.
A SRA. CAROLINA MORISHITA MOTA FERREIRA (Para expor.) - Muito obrigada, Senador.
Eu quero fazer um destaque: além de terem sido mais de 144 perguntas, foram de todas as regiões do Brasil, e isso mostra que é, de fato, uma preocupação nacional. Aqui, mesmo nas perguntas selecionadas, eu vejo todas as regiões do Brasil representadas. E isso mostra que a mobilização, embora tenha surgido muito em razão do Rio Grande do Sul, é uma preocupação cotidiana das pessoas, até pela profundidade das questões: há preocupação sobre financiamento, participação, prevenção, criação de protocolo. Confesso que também me surpreendi com essa dimensão. E acho que o próprio projeto de lei já traz um arcabouço muito forte de avanço na proteção da garantia de direitos.
Tem um ponto que eu esqueci de mencionar na fala anterior, que é a capacitação profissional como um direito, uma medida emergencial e duradoura, simultaneamente; porque, quando a gente pensa nos deslocados internos, talvez, naquele primeiro momento, venha roupas, alimento, alojamento, mas a verdade verdadeira é que, a partir daí, a geração de renda da família fica prejudicada. E uma coisa que é muito concreta, quando você trabalha com pessoas vulnerabilizadas, é que não existe uma mãe ou um pai de família que consiga ficar tranquilo sem conseguir alimentar a sua família. Esse é o ponto principal. E isso mexe muito com a saúde mental. O atendimento de saúde especializado está colocado na lei também, mas acho que, às vezes, a gente fica tão envolvido no que é urgente, que a gente esquece o que é duradouro e permanente. E poder sustentar a sua família acho que talvez seja uma das maiores preocupações do povo brasileiro.
Então acho que isso já traz um grande avanço nas nossas normativas, ao mesmo tempo que se preocupa com uma coisa muito sensível também e que enfrentamos em grandes desastres, seja pela perspectiva climática, seja no caso dos rompimentos, por exemplo, que é a localização das pessoas falecidas e como isso mobiliza as famílias. Eu acho que esse é o primeiro projeto de lei que eu vejo que tem expressamente colocado isso. E penso: em Brumadinho, das 272 famílias, ainda tem três pessoas, três famílias que não puderam fazer o enterro. Em Mariana, das 20 pessoas - falava-se 19, mas uma mulher sofreu um aborto, então as pessoas têm dito 20, porque essa vida também tem que ser reconhecida -, uma pessoa ainda não foi localizada até hoje e a gente está completando nove anos. Isso é verdade em vários casos de deslizamento. Então existe uma sensibilidade muito grande em trazer isso. Esses dois pontos principalmente pensam muito em lacunas que existem na legislação que já está vigente. Então é uma forma de avançar.
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Mas trago aqui também, dentro dessas considerações, que, quanto aos pontos que tratam da assistência duradoura e emergencial, acho que houve um bom lembrete das pessoas de pensar em como inserir os animais nisso também, porque a questão da alimentação, da água, da permanência em segurança toca também essas vidas. E acho que isso demonstra a grande importância da participação. Embora aqui já estejamos falando de participação no projeto de lei, pelo espaço da própria Comissão, nesta audiência, acho que é sempre um elemento para a gente lembrar e fortalecer sempre que possível, porque é um elemento muito difícil de fazer. Eu acho que é trabalhoso sempre se envolver com a participação. Talvez sem esta audiência o senhor tivesse menos trabalho, mas esta audiência, essas 144 questões ainda vão mobilizar muito o senhor depois desse próprio espaço. É isso que torna essa legislação tão importante e, espero, em breve, muito eficaz na vida das pessoas.
Eu agradeço novamente o convite para participar deste espaço, agradeço aos colegas. Eu volto com muito mais conhecimento do que eu tinha hoje, várias coisas para estudar também. E parabenizo sempre este espaço tão múltiplo, diverso e constante. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem, Dra. Carolina Morishita Mota Ferreira, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça e Redução de Litigiosidade da Secretaria de Acesso à Justiça.
Olha, todas e todos também que usaram a palavra o fizeram com muita competência. O debate foi tão qualificado que provocou o telespectador a mandar, digamos, quase duas centenas de perguntas, que a Consultoria resumiu em 12. Eu queria cumprimentar os três, com muito carinho.
Ao mesmo tempo, nós vamos aqui aos encaminhamentos agora. Se vocês entenderem que, nos encaminhamentos, faltou algo a mais, é só falar, que será colocado um adendo aqui.
Vamos ver.
O Acnur apresentará um parecer técnico diante do PL 2.038, de 2024, sobre a política nacional dos deslocados internos. Esse parecer técnico, naturalmente, trará contribuições, porque é assim que eu aprendi no longo dos tempos que eu estou aqui: apresentar o projeto é o primeiro passo, agora até ele ser votado lá na última Comissão e no Plenário tem muito a andar. E a contribuição dos conhecedores do tema é fundamental, porque quem apresentou o projeto original, por mais que conheça, assessorado naturalmente pela equipe do Senado, acaba sendo complementado. Então, é fundamental que isso aconteça com essa iniciativa da Acnur.
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A Sra. Paula Gaviria Betancur, Relatora Especial sobre Direitos Humanos por Deslocados Internos das Nações Unidas, deseja vir ao Brasil acompanhar os desafios diante da tragédia do Rio Grande do Sul e outras. Contudo, a Relatora precisa de um convite do Estado brasileiro. Nós vamos providenciar esse pedido, porque eu não posso fazer. Eu faria o convite já, viu, Doutora? "Está convidada, pode vir". Eu conversarei naturalmente com o Presidente do Senado, do Congresso também, pode ser um convite dele, eu acho que poderia ser; e, se for necessário, um convite também do Executivo, para que ela venha falar sobre o tema aqui e ver a situação do nosso país.
Foi também levantado pensar na criação de uma legislação para tratar de direitos humanos em empresas, fortalecendo política para as mulheres em questão de raça. Foi você que falou mais nesse tema, não é? Então, uma colaboração aqui da Carolina Morishita Mota Ferreira.
E o nosso querido Tarciso Dal Maso Jardim ajudou a construir o conjunto do projeto. Agora, ele tem que pegar todas as contribuições e nos ajudar na hora de relatar e avançar. Ele defendeu o projeto com muito amor, com muito carinho e com muita força, porque eu acho bacana quando a pessoa acredita no que está fazendo. Eu digo: se eu não acredito no que eu estou fazendo, como é que eu vou convencer o outro? E eu senti isso na sua fala, que foi o construtor da ideia original, que defendeu com muita competência junto, é claro, das nossas outras convidadas.
E percebi também que veio muito a palavra prevenção, prevenção para garantir direitos, não é? Ela é bem ampla. Eu comecei na fábrica, era metalúrgico lá na Abramo Eberle, em Caxias, e depois... Hoje eu sou funcionário do grupo Tramontina até hoje, viu? Já estou afastado da fábrica há mais de 40 anos, mas sou funcionário deles. Eu falo isso com orgulho pelo carinho que eles tinham por mim e têm até hoje, e eu tenho também pela... E não é propaganda da empresa aqui, não, só estou relatando um pouquinho da minha caminhada. Eu sou funcionário do grupo Tramontina, Forjasul, Canoas. Eles já estiveram aqui com todos os diretores, eu os recebi aqui na Presidência do Senado, com muito respeito de ambas as partes. E lá que eu obtive o curso técnico de prevenção ao acidente. Então, para mim, a palavra prevenção é uma marca, é um guia da caminhada de todos nós. Prevenção, pode ver que cabe para tudo: cabe para acidente de carro, cabe para acidente na fábrica, cabe para acidente aqui dentro, cabe no caso dessas tragédias climáticas. Que a palavra prevenção seja cada vez mais fortalecida.
Em resumo, foi isso. Eu agradeço a todos que de uma forma ou de outra colaboraram. E o prêmio de quinta que eu recebi foi inédito para mim. E hoje quebramos outro recorde de perguntas vindo... pelo menos nas que eu presidi. E eu presidi centenas e centenas de audiências públicas ao longo dessa minha caminhada aqui no Congresso. Então, muito, muito obrigado a todos. Atingimos todos os objetivos.
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Encerramos a nossa audiência pública de hoje.
Salva de palmas a todos vocês. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 03 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 04 minutos.)