10/09/2024 - 43ª - Comissão de Assuntos Econômicos

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos. Bom dia a todos que nos acompanham presencialmente e também virtualmente nesta audiência.
Esta audiência pública foi requerida por mim e igualmente pelas Senadoras Tereza Cristina e Damares Alves e o objetivo dela é debater os impactos econômicos dessas decisões judiciais que suspenderam a rede X no Brasil para 22 milhões de usuários brasileiros e igualmente congelaram as contas da empresa Starlink, afetando suas atividades aqui dentro do Brasil.
Quero deixar claro aqui o nosso respeito às instituições e que nós não concordamos com ataques ou ofensas pessoais a qualquer autoridade, seja magistrado do Supremo ou autoridades dos outros Poderes. Agora, isso não significa que as decisões judiciais ou quaisquer outras políticas públicas são imunes a debate e críticas. E esta Comissão do Senado cumpre seu papel ao convocar esse debate trazendo aqui economistas renomados, especialistas em tecnologia e até mesmo também conhecedores das realidades de lugares ermos do país para os quais essas coberturas do serviço da Starlink e da própria rede X são fundamentais.
Havendo número regimental, declaro aberta então a 43ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 10 de setembro de 2024.
A audiência visa a cumprir o Requerimento 134, de 2024, que foi aprovado na última sessão.
Temos aqui, entre os palestrantes que falarão presencialmente ou a distância: o Sr. Gerson Ribeiro, Professor e Diretor de instituição que trabalha em área social na região do Amazonas, participará por videoconferência. O Sr. Helio Beltrão, que tem MBA em Finanças pela Columbia University, Presidente do Instituto Mises Brasil, que vai falar por videoconferência. O Sr. Arthur Igreja, Especialista em Tecnologia, Escritor e Palestrante, que participará por videoconferência. O Dr. Paulo Rabello de Castro, que participará aqui presencialmente e é um Economista renomado do país, extremamente conhecido. A Sra. Oona Castro, Diretora de Desenvolvimento Institucional do Nupef, que participará por videoconferência. Temos aqui também o Sr. Paulo Rená da Silva Santarém, Pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade, Doutorando em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília; e o Sr. André Boselli, Coordenador do Programa de Ecossistemas de Tecnologias de Informação e Comunicação, que participará por videoconferência.
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Cumprimentando aqui os Senadores presentes, faço referência especial ao Senador Flávio Bolsonaro, aqui ao meu lado, vamos começar, de imediato, esta audiência.
Eu vou passar a palavra inicialmente aqui ao Dr. Paulo Rabello de Castro, como disse, Economista multiconhecido no Brasil, Professor, tem todos os predicados para nos fazer uma exposição técnica sobre os impactos econômicos dessas decisões judiciais.
Eu dizia aqui antes, Senador, que nós somos contra ofensas ou ataques pessoais a magistrados ou autoridades, mas isso também não significa que políticas públicas ou decisões judiciais não possam ser debatidas, inclusive criticadas, e esta Comissão, a CAE, e o Senado fazem seu papel ao chamar a debate esse tema tão sensível aqui dentro do nosso país.
Passo a palavra inicialmente ao Dr. Paulo, agradecendo, Dr. Paulo, mais uma vez a sua disponibilidade em comparecer a este ato.
Cumprimento também o Senador Jorge Seif, aqui presente presencialmente, e também os colegas que nos acompanham virtualmente.
Eu lhe concedo inicialmente, Dr. Paulo, prazo de dez minutos, com a liberdade que o assunto exige, já considerando a sua complexidade.
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador.
Bom dia a todas e a todos.
Agradeço as elogiosas referências. Com tantos predicados, vai ser difícil fazer as entregas no nível em que o senhor colocou o nosso currículo, mas, de qualquer maneira, vamos tentar.
Eu gostaria - e até imaginei que o Senador Sergio Moro fosse fazer alusão a isso - de falar da urgência do convite, porque não só o assunto da suspensão do X e empresas coligadas é novo, é novíssimo, como também, para fazer uma análise como o economista gosta - que é uma análise baseada em fatos e principalmente em dados -, existe um desafio inapelável, que é o tempo para fazer o levantamento de todas as informações necessárias a não ficarmos só no debate, vamos dizer, embora lógico, mas meramente conceitual.
Então, eu peço desculpas e já deixo claro ali que essa análise de impactos é uma avaliação preliminar. É uma avaliação, eu diria, até corajosa, porque ela prefere incorrer em algum eventual desvio de valor efetivo da conta que nós vamos fazer do impacto econômico dessa suspensão, mas pelo menos atendemos ao convite da CAE, o que nos dá um prazer e uma honra muito grandes.
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Aproveito para, então, também cumprimentar todos os Senadores na pessoa do Senador Flávio Bolsonaro, que também está aqui na mesa, e os demais Senadores aqui presentes e colegas que também nos acompanham e que participarão do debate.
Vamos então começar fazendo uma apreciação do que será o âmbito desta minha fala.
A natureza dos impactos dessa decisão de suspensão das atividades do X, incluindo empresas coligadas no mesmo grupo, trará inúmeras considerações no campo jurídico - portanto, principalmente constitucional, dos direitos fundamentais, não só pessoais como de empresa -, mas o economista irá se ater às questões fundamentalmente no campo econômico. Então, já ficarei, depois, de plateia, muito curioso, para ouvir também as outras fundamentações.
Haverá impactos, e já ocorrem, diretos na empresa? Estes são o que normalmente a gente consideraria para fazer a conta: empregos prejudicados, lucros cessantes e, no caso da suspensão também da Starlink, impactos de empresas do grupo. E eu já faço a ressalva: nem cogitei fazer essas considerações, porque nós teríamos que começar a levantar dados sobre a quantidade de usuários da Starlink e o valor desses serviços prestados. Acho que é uma linha de trabalho, Senador Sergio Moro, muito interessante de ser pesquisada, mas com um outro tempo, um outro timing. Se a própria CAE tiver interesse, nós poderíamos continuar aprofundando isso.
Existem os stakeholders, esse é o assunto que nos parece mais interessante. São milhões de usuários. O Senador Sergio Moro mencionou 22 milhões de usuários, e nós vamos chegar nisso. São usuários regulares e usuários premium.
Existem também efeitos que chamo, diria, terceiros, que são aqueles que ocorrem na cabeça dos investidores externos - tanto aqueles que aqui já estão quanto aqueles que têm prospectiva de vir para o Brasil -, porque nós passamos a ter dúvidas quanto a esse precedente, no campo jurídico, quanto a uma suspensão surpreendente, e surpreendente na mão pesada que aparentemente ela apresentou, ou seja, eventualmente, o caráter não módico da mão do julgador. E também um efeito muito importante no campo econômico, mas difícil de ser avaliado a priori, que são os efeitos sobre expectativas - e aí expectativas tanto do exterior quanto do Brasil - quanto à segurança jurídica daqueles que estão dentro do processo empresarial brasileiro. Nós temos segurança quanto aos contratos? Nós temos segurança quanto ao nosso CNPJ, Senador?
Então, nós vamos nos ater - notem bem - apenas a um dos quatro blocos dessa avaliação possível, que são os stakeholders. Portanto, quando chegarmos a um número preliminar, embora final, tenham em mente que a natureza do custo total da suspensão é sempre algo mais ou algo muito mais do que esse que nós estamos calculando.
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Então, o que é que fizemos nas primeiras horas depois do pedido urgente do Senador Sergio Moro? Um mapeamento de informações. Isso já foi muito útil porque, em primeiro lugar - e isso já um aspecto muito interessante -, nós estamos muito sensíveis para a questão do efeito mordaça, ou seja, a impossibilidade de um usuário se manifestar, exercer o seu direito de livre falar, a livre expressão, mas o economista está mais interessado no direito do livre ouvir - que talvez não esteja nem em consideração constitucional -, o direito à audiência, o direito à audiência inclusive lida. Ou seja: a suspensão ocorre em momento em que profissionais das mais diversas especialidades perdem o contato com a comunidade científica internacional.
E, para não ir mais longe, eu liguei para o meu diretor e economista chefe, e ele me disse: "Eu estou meio perdido, porque todas as minhas fontes internacionais quanto a mercados de Nova York, Londres, Ásia, etc. e tal estão, a partir de hoje, cortadas. É óbvio que eu vou repor isso, mas não necessariamente com os mesmos opinadores de mercados que eu costumava consultar. Eles continuarão escrevendo no X. Eles nem sabem que eu não estou mais sendo elegível a esse acesso, mas eu estou com tapa-olhos".
E uma outra informação muito interessante abaixo é que os usuários do Twitter, segundo um avaliador dessas mídias sociais, passam 32 minutos por dia na plataforma, em média, o que é uma avaliação interessante. Eu diria até módica - tem gente aí gastando mais tempo que isso -, mas, numa grande média, nós temos aí uma quantidade de usuários totais... O Senador Moro já até mencionou 22. Vamos usar um número bem menor...
Mas eu queria que vocês guardassem, basicamente, estes dois conceitos: não se trata simplesmente de haver um jogador cortado fofoca numa mídia social. Não. São trocas científicas, informações às vezes também do dia a dia sobre clima e sobre outras informações importantes no agronegócio, na indústria, etc. e tal, todas absolutamente cortadas, e mais pelo efeito de não poder acessar com os olhos, ou seja, o efeito tapa-olhos, nem tanto o efeito mordaça, que é um efeito que sensibiliza mais no campo jurídico - você não poder opinar -, mas ao economista interessa um pouco menos do que o de aprender.
Quanto é o valor desta informação? Já falamos, portanto, que existe um valor das informações bloqueadas, que eu estou chamando de VIB - valor das informações bloqueadas -, e nós economistas precisamos atender ao Senador Sergio Moro e tentar colocar um número nesse valor. Portanto, vou me interessar mais pelo conteúdo das informações acessadas, aquilo que o usuário usa. Portanto, as perguntas são: "Quanto vale isso?". "Vale pouco?". "Vale muito?". "Em cima de quantos usuários?". "Como é que eu calculo isso?".
Senador, aparentemente intratável, não fosse o desenvolvimento, décadas atrás...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - ... por um grande professor, Prêmio Nobel de Economia de 1992, o Prof. Gary Becker, com quem eu tive a honra e o privilégio de estudar... O aluno, está até uma foto ali, no... Acho que é no antigo Antiquários, do Leblon, que já não existe, saudoso Antiquário, Senador Hamilton Morão. Ali o mestre e o aluno em 93, ali era um típico quadro negro do Prof. Gary Becker na nossa Universidade de Chicago ao final de uma aula de uma hora e pouco. E "matematiqueiras" à parte, apenas para lhes dizer que a "chutometria" desse humilde economista que se apresenta aqui é menos apenas uma "chutometria", mas por trás tem um método.
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - Exatamente.
E esse cálculo prático do valor de informações bloqueadas do VIB é baseado no método de cálculo do valor do tempo ou - até está faltando ali uma palavrinha-chave - o valor da alocação do tempo. Esse é o pulo do gato para a gente atender o Senador Sergio Moro com a presteza necessária.
Nós vamos medir esse valor da informação pelo valor do tempo que o usuário gasta para obter a informação, independentemente do valor cogitado daquela informação econômica ou científica, etc. Isso seria muito mais difícil de apurar. Mas o valor do tempo em média desse usuário, sabendo que ele gasta 32 minutos, pegando o rendimento médio dos brasileiros, aí um rendimento que alguns dos senhores e senhoras já diriam assim: "R$2,8 mil por mês não é exatamente o perfil desse usuário que usa o Twitter econômica, negocial e cientificamente". Não, mas aí vai ter gente com menos de R$2.880 e vai ter um grupo mais reduzido de pessoas, de renda média de R$15 mil, R$20 mil, que vão gastar às vezes meia hora ou às vezes até uma hora. Portanto, na grande média, que é para atender a uma urgência de uma avaliação preliminar, são R$2,8 mil por mês, que é o rendimento atual do IBGE, vezes, façamos uma média de 30 minutos, que vai me dar um maço, não de cigarro, mas vai me dar um, é curioso, um maço de informação diária.
É como se os usuários, Senador Flávio Bolsonaro, fumacem um maço de informações. Também é fumaça, porque é invisível, mas ela é muito mais saudável do que o cigarro e é um número que faz sentido. Qualquer um gastaria eventualmente R$8 por dia na média. E aí a pergunta final é saber por quantos milhões de usuários eu calculo isso. Seriam os 22? Aí a minha turma lá na RC Consultores argumentou que tem muito robô. Muito robô pode ser 10%, 20%, não havia tempo de a gente fazer essa avaliação. Então, vamos fazer uma avaliação daquela muito grosseira. As informações sobre os usuários regulares, Senador, não são de 22, que é o número, vamos dizer assim, teórico, mas cerca de 14 milhões de usuários no momento atual do X. E aí, sobre esses 14 milhões, nós fizemos uma apara grossa de 50%, 7. Mas depois ficamos com medo de ser talvez ainda um número que não respeitasse a modicidade, então nós não queremos errar para mais, temos que errar para menos nessa conta, mais 50% de redução. Vamos chegar a um número de 25% apenas daquele total de 14 milhões de usuários, que já é mais modesto que os 22, e chegamos a 3,5 milhões. Tem muito ator aí da Globo que tem mais de 3,5 milhões de seguidores.
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Então, 3,5 milhões de pessoas usando o X é um número perfeitamente módico. O que não é módico é a multiplicação.
Hoje de manhã, ainda acordei cedo... O senhor me traumatizou, porque eu fiquei revisando esse número, não acreditando nele. Aliás, essa é uma medida que o bom economista procura fazer, que é desacreditar os seus próprios resultados, principalmente quando têm que ser entregues com urgência. Mas infelizmente - eu diria infelizmente para o país - são esses 10,8 bilhões, resumidamente R$10 bilhões de valor de informações bloqueadas, errando para baixo; e ainda não está completa a conta. O pior é isso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - Não, por ano. É por ano. Por mês, já seria um escândalo absoluto. Mas esses R$10 bilhões por ano já são um escândalo, sim, se a gente se perguntar se isso aí é compatível com o tipo de, vamos dizer, feito judicial que está em mãos do julgador. Quer dizer, o julgador obviamente tem que enquadrar uma determinada empresa que deixou de ter representante legal, que eventualmente está em curso em algum tipo de insubordinação. Suspeitemos disso, mas será que isso corresponde à necessidade de impor um prejuízo? Aí não é à empresa. Como veem, eu não estou falando da empresa, muito menos das empresas sociais; estou falando da sociedade brasileira, que vai pagar R$10 bilhões.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - Para completar, tem um detalhezinho: se não suspensa a decisão de suspender, obviamente nós passaríamos um ano, dois, três... Eu calculei cinco anos até que os usuários brasileiros meio que se readaptem e se esqueçam do X e utilizem outras fontes de informação.
A valor descontado, para não me alongar - acho que a maioria dos senhores e senhoras tem essa informação de que o economista, quando calcula ocorrências no tempo, desconta o que está no futuro -, os R$5 bilhões do ano que vem, mais uns R$2,5 bilhões de prejuízo no terceiro ano, etc. Quem não gostar dessa conta também não precisa chegar aos R$17,9 bilhões de prejuízo total olhando cinco anos à frente; pode ficar com os R$10 bilhões, olhando apenas um ano à frente.
Eu gostaria que esse esforço de compreensão do fenômeno dessa suspensão orientasse, através das recomendações desta Comissão, que os julgadores, ao menos na leitura jornalística do que nós estamos debatendo aqui, se sensibilizassem e fizessem a pergunta com a qual encerro essas considerações: isso é módico? Isso é razoável? Isso é modulado?
Não estou entrando no mérito como vem da discussão jurídica e conceitual.
E aí muita gente pergunta por que nós no Brasil estamos acostumados a verdadeiros absurdos... Eu coço a minha língua para falar nisso...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - Não falo, mas não consigo, falo, lembrando que um país que está acostumado a ler, que gasta R$850 bilhões, que é o custo atual de juros de rolagem de uma dívida pública, sem fazer uma reunião aqui nesta CAE...
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Já a provocação às Sras. Senadoras e aos Srs. Senadores: que examinem a natureza desses R$850 bilhões que os brasileiros têm que pagar anualmente; quando chega no dia 31 de dezembro, a bandeirada troca, e nós temos que gastar outra quantidade de oitocentos e tantos bilhões de juros. Mas nós não debatemos isso, porque o orçamento relevante para o Congresso Nacional é só o orçamento primário, e nós passamos por cima de toda a mecânica de rolagem da dívida pública brasileira, que é constitucionalmente uma afetação do Senado Federal.
Já, desculpe, fiz a minha propaganda patriótica do que precisamos debater muito, independentemente de Banco Central. Nós não podemos supor que o Presidente e os Diretores do Banco Central estão velando pelo país. Quando eu, como bom mineiro, tenho que enfrentar uma conta de R$850, eu já começo a me perguntar se está correto, quanto mais de R$850 bilhões e também de R$18 bilhões, por uma mera suspensão, quando o total dos custos apurados pela Confederação Nacional de Municípios daquela gravíssima situação climática da enchente enfrentada pelo Rio Grande do Sul, segundo a CNM, estaria acostado - que deixa ali - em cerca de R$11 bilhões, que é um grande número, Senador Hamilton Mourão - e causou muito sofrimento e algumas mortes, infelizmente, no nosso querido Estado do Rio Grande do Sul.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - No entanto, o cálculo final é inferior a uma única canetada, numa única manhã ou tarde, de uma decisão de um julgador. Olha, isso é que é poder, o resto é brincadeira.
Então, eu concluo - a conclusão -, para não me alongar mais, com três frases de reflexão.
Eu considero que essa destruição de valor da informação - ou seja, esse VibX - parece ser muito superior ao efeito de recompor o império da lei. É porque houve algumas declarações na imprensa, e eu li que o império da lei é uma entidade sacralizada, sobre a qual pagaremos o preço que for, inclusive, eventualmente, com a morte de todos os brasileiros. Não é bem assim. A manutenção do império da lei é essencial na sociedade civilizada, mas ela exige uma modularidade dos preços a pagar por isso.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RABELLO DE CASTRO - A segunda reflexão é que um VibX da ordem de R$10 bilhões, se quiser, ou de R$17 bilhões, se a gente aprofundar por cinco anos de suspensão, não soa como uma multa eficiente. Estamos aqui na presença de pessoas que já aplicaram multas. Um dos aspectos essenciais da multa é uma relação com o feito. E não me parece que esse número, Senador Sergio Moro, tenha nada que ver com uma eficiência de uma penalidade, muito menos sobre a parte da sociedade que nada tem a ver - elas simplesmente estavam usando a informação.
Portanto, concluo dizendo a todas as Sras. e Srs. Senadores, agradecendo pelo convite, que a sociedade brasileira continua pagando muito caro pela repressão que faz ao direito à informação no Brasil.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Muito bem. Parabenizo aqui o Dr. Paulo Rabello de Castro pela apresentação.
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De fato, testemunhei o esforço hercúleo do economista para fazer esses cálculos, que são estimativas, e também constatamos de pronto a seriedade do trabalho, porque são estimativas conservadoras, como é próprio do economista evitar especulação e evitar qualquer espécie de juízo que não tenha uma base empírica, e ainda assim, sendo conservadoras, os dados são alarmantes.
Eu sempre tenho falado isso também, que a grande preocupação é o impacto para a população. Não somos defensores do Elon Musk, não somos defensores do X ou da Starlink, nós aqui representamos a população brasileira.
Nós temos os outros expositores...
Eu quero agradecer a presença aqui da Senadora Rosana, do Senador Hamilton Morão, do Senador Marcos Rogério, do Senador Esperidião Amin.
Esperamos os outros expositores? Quer fazer algum pronunciamento?
O SR. FLÁVIO BOLSONARO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Acho que melhor ouvir os expositores, senão todo mundo vai falar...
O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RO) - Eu vou ter que sair.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - A ideia era falarem ao final todos, mas se quiser fazer uso da palavra brevemente, perfeito.
O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RO. Para interpelar.) - Eu queria, Presidente Sergio Moro, apenas fazer um registro aqui, elogiando a iniciativa desse debate, desta audiência pública. Eu estou no meio de uma tarefa que eu preciso concluir, não vou poder ficar até o final, mas eu queria deixar registrado aqui votos de louvor pela iniciativa, pela fala inicial do Prof. Paulo Rabello de Castro, um economista que trouxe aqui uma apresentação que me lembrou uma tese de mestrado pela linguagem, pela formatação, mas, ao mesmo tempo, por uma clareza que faz com que todos nós compreendamos a dimensão dos impactos econômicos, sociais, políticos, jurídicos dessa decisão, que impactou não apenas o X no Brasil, mas impactou a sociedade brasileira, impactou a economia do país, de modo que nós temos que fazer esse enfrentamento, fazer esse debate, para além das questões que motivaram a decisão do magistrado.
E aí, quando a gente vai falar da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, a gente não pode levar em consideração apenas o recorte pontual da desobediência, é preciso olhar para o filme inteiro para compreender algumas questões. É preciso também olhar para o devido processo administrativo, porque de fato a legislação, o Código Civil, estabelece como regra a necessidade de empresas internacionais, que tenham sócios majoritários internacionais, terem representação no Brasil.
Agora, nós temos no Brasil muitas outras empresas que atuam no Brasil e que não têm representação no Brasil, e a esfera própria para se determinar a regularização disso obviamente que não é o Judiciário, de maneira incidental. O que aconteceu ali foi algo que atropela a legislação pátria, que atropela o devido processo legal.
E mais do que isso, ele focou na questão econômica, os impactos que o Professor trouxe aqui foram em relação aos usuários diretos, ou aos stakeholders, os grupos de interesse, e eu diria que o impacto indireto é algumas dezenas, centenas, milhares de vezes maior do que o que é apresentado pelo Professor aqui. Por quê? Quando você tem um efeito de portabilidade da decisão... O que eu quero dizer com portabilidade da decisão? A decisão é contra o X e contra o seu representante maior. Mas, quando ele busca, para satisfazer a pretensão de atingir o X, uma empresa em que o Presidente do X é sócio, faz parte de uma holding, aí ele escalou o tamanho do impacto. E aí o impacto é para a credibilidade do Brasil. Aí o impacto é com relação ao risco Brasil. O investidor que está lá fora, quando olha para o Brasil, vai precificar o custo do investimento dele com o risco que ele tem em investir num país que não tem segurança jurídica, que não tem previsibilidade.
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Então, a contribuição que o Professor traz aqui, ao mostrar o impacto direto, é muito importante e nos faz refletir de forma mais profunda com relação ao que nós temos como obrigação enquanto Senado da República. Mas há o impacto indireto que nós teremos aqui com relação aos futuros investidores ou mesmo àqueles que já investem no Brasil e que, de repente, neste momento, estão a precificar o custo do risco de permanecer com seus ativos no Brasil. Ou não é isso? Porque é uma decisão que daqui a pouco... Se a Justiça trabalhista adota a métrica utilizada no caso X, acabou a segurança jurídica no Brasil. Acabou! Há uma empresa, uma personalidade jurídica, uma pessoa jurídica, mas que daqui a pouco o cidadão é membro de uma outra empresa, é sócio ou faz parte de uma holding, alguma coisa... Você tem a portabilidade jurídica como alternativa. Então os efeitos dessa decisão são desastrosos.
E eu queria cumprimentar mais uma vez o Prof. Paulo por sua grande contribuição e por nos abrir a mente ainda mais, com os dados, com as comparações, com a métrica que V. Sa. nos apresenta aqui, e parabenizar a Comissão por esse debate importante. E sugerir que a gente avance nesse debate e, após o debate, a par das informações, que nós estudemos, enquanto Senado Federal, enquanto Comissão de Assuntos Econômicos, medidas efetivas e concretas para resguardar o interesse nacional.
E o interesse nacional aqui, para além da questão da censura, que já é por si só muito grave e uma ofensa direta à Constituição Federal, o interesse econômico do Brasil, que não para apenas no impacto direto com relação ao X; o impacto indireto com relação à segurança para o investidor, a ausência dessa segurança, para mim me parece um ponto que deve ter de todos nós uma atenção redobrada.
Mais uma vez, parabéns a todos os expositores.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Obrigado.
Eu diria que o custo estimado a R$10 bilhões por ano não é nada trivial, mas os custos são maiores. Agora o aspecto que o senhor mencionou, da liberdade de informação... Porque são 106 milhões de usuários dos Estados Unidos. Então, de repente, nós estamos privados de receber informações de lá; de 69 milhões no Japão, alguns que eu anotei aqui, estamos privados de receber. E essas pessoas, ainda que todos os brasileiros migrem para uma outra rede, essas pessoas não vão migrar. Então, fica prejudicado.
Vamos ouvir os demais, mas concedo a palavra para breves considerações.
O SR. FLÁVIO BOLSONARO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - Presidente, muito rapidamente também, faço o registro aqui de parabenizar V. Exa. pela iniciativa dos impactos dessa decisão sobre a ótica econômica.
Parabenizo o Prof. Paulo Rabello, que frisou muito bem. Ele pegou um pequeno segmento e, de forma célere e rápida, conseguiu estimar, com base no valor do minuto trabalhado de uma quantidade de 3,5 milhões de usuários do X, apenas uma das centenas de variantes que possam existir sobre isso.
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Veja que curioso, Professor, nesse dado que o senhor traz, de quase R$18 bilhões em cinco anos, só isso, Senador Amin, é o que o Governo estima de impacto anual na desoneração da folha de pagamentos para os 17 setores que mais empregam no Brasil. Só isso.
E não está considerada ainda...
Eu queria - já que o Professor se ofereceu, a gente não pode abrir mão dessa ajuda - que esta Comissão formalizasse a ele um pedido patriótico, quase inglório, de se estimarem as outras possíveis variantes, porque eu acredito que passe da casa do trilhão.
A gente não está falando aqui desse impacto que o senhor colocou de se mensurarem os possíveis investimentos que pisam no freio: "Olha, acendeu a luz amarela, não vou investir no Brasil"; "qualquer coisa que aconteça comigo aqui, num CNPJ, pode refletir num outro CNPJ que não tenha absolutamente nada a ver com isso".
O Presidente Bolsonaro deixou, de um Governo para o outro, R$1 trilhão contratado só para obras e infraestrutura, contratado, assinado, que estão gerando emprego até hoje, entre outras medidas estruturantes como a independência, a autonomia do Banco Central. O Presidente Lula, mais uma vez, surfa na onda daqueles que fizeram um Governo austero. Sem falar, como o senhor falou, na quantidade de informações, o que é mensurável também, não apenas daquilo que você coloca em rede social, como daquilo que você recebe de informações.
Enfim, é um mundo que existe para se estimar de impacto dessa decisão que foi feita em uma canetada. É como se, para satisfazer o ego de um Ministro do Supremo Tribunal Federal - eu venci a briga contra Elon Musk! -, ele entrasse aqui: "Olha, nesta sala aqui, está todo mundo falando mal de mim. Vamos fazer o seguinte: sai todo mundo da sala que eu vou lacrar essa porta, a Comissão não funciona mais". A rede X nada mais é do que uma praça de debates, uma praça pública, onde ninguém é obrigado a ficar elogiando aquilo com o que não concorda.
O impacto, do ponto de vista econômico, já é um desastre; do ponto de vista de imagem que passa para fora do Brasil, de insegurança jurídica, é gigantesco. Eu acho difícil de se mensurar.
Fica aqui, Presidente, essa minha consideração inicial, para agradecer ao Prof. Paulo Rabello por essa estimativa. Se possível, que nos ajude, porque isso pode impactar, inclusive, numa possível reforma dessa decisão.
Eu tenho a convicção de que o próprio Ministro Alexandre de Moraes não fez esse impacto. Ele colocou a sua vaidade à frente dos impactos econômicos e, tendo a possibilidade de saber o real alcance de uma decisão absurda e arbitrária como essa - mais uma vez, para concluir, Presidente Senador Moro -, ele desconsidera, ele inventa, na verdade, um critério para tomar essa decisão, que não existe na legislação, nem no marco civil da internet, nem no Código de Processo Civil, para obrigar uma empresa de internet a ter uma sede no Brasil.
Essa regra vale para empresas que têm outros tipos de serviços e empreendimentos no nosso Brasil, que têm que ter uma sede fixa no Brasil, mas não diz respeito a sites, a portais como o X, como não se exige para sites de apostas esportivas, por exemplo. Estão todas funcionando.
Na própria medida provisória aprovada por esta Casa, não tem uma exigência de se ter essa sede física no Brasil, não tem exigência de se ter um credenciamento no Ministério da Fazenda.
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Então, ele inventa leis, inventa punições, estende os efeitos dessa decisão aos usuários, que absolutamente nada têm a ver com esse processo, que não fazem parte do processo, mais uma vez, na ânsia de impor a sua vitória moral a Elon Musk, quando os brasileiros não têm absolutamente nada a ver com isso.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Peço a compreensão dos demais colegas, se a gente puder prosseguir para os demais, porque me disseram que o pessoal tem horário também.
A não ser que seja uma breve consideração, Senador Seif.
Então, seguindo o meu critério aqui, eu estou dando preferência, embora nós estejamos honrados com a disponibilidade de todos os convidados evidentemente, mas eu vou dar preferência também para o presente, o Sr. Paulo.
Sr. Paulo, o senhor pode vir aqui na mesa?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Fique à vontade.
Então, o Sr. Paulo Rená da Silva Santarém, Pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris), doutorando em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília (UnB), agradeço a V. Sa. aqui pela presença e vou-lhe conceder dez minutos inicialmente, tá, Sr. Paulo? Muito obrigado.
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM (Para expor.) - Muito obrigado, Exmo. Senador Sergio Moro, na pessoa de quem cumprimento as demais pessoas presentes na mesa e Senadores e Senadoras aqui nesta Comissão; cumprimento também todo mundo que nos assiste presencialmente e online; e agradeço pela oportunidade de participar desta audiência pública.
É com muita satisfação que falo em nome do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris), um centro de pesquisa independente e interdisciplinar, fundado em 2015. Dedicamos esforços para produzir e comunicar conhecimento científico sobre os temas de internet e sociedade e defendemos e fomentamos políticas públicas que avancem os direitos humanos na área digital.
Aproveito para manifestar minha satisfação por falar logo depois também de um economista que faz uma abordagem científica do conhecimento, isso qualifica bastante a nossa participação.
Eu sou Paulo Rená, Pesquisador do Iris e doutorando em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília, onde pesquiso as transformações na ordem social e econômica com foco na regulação de políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação.
Também, entre 2009 e 2010, fui gestor do processo de elaboração coletiva, citado pelo Senador, marco civil da internet, quando atuei na Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
Fica aí o contato para quem quiser manifestar qualquer tipo de dúvida ou pergunta posteriormente.
Eu estruturei minha fala em três eixos: primeiro um panorama dos acontecimentos prévios; depois a gente olha para os impactos econômicos e jurídicos da suspensão do X; e, terceiro, quero falar ainda das questões econômicas e estratégicas relacionadas à Starlink.
Então, fazendo essa breve apresentação do cenário judicial, primeiro eu quero lembrar que estamos no contexto de uma série de inquéritos e procedimentos de investigação que têm sido conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal com o protagonismo do Ministro Alexandre de Moraes, mas com o respaldo do Colegiado, seja pelo Plenário da Corte, seja mais recentemente pela Primeira Turma.
Segundo, mesmo na limitação de segredo de justiça, que é uma restrição séria, mas é de conhecimento amplo que as decisões judiciais, ora em debate, foram precedidas de uma escalada de ordens judiciais de modo que tanto a suspensão do X quanto a constrição do patrimônio da Starlink estão num ponto extremo, mas de uma sequência de outras medidas investigativas que se mostraram frustradas.
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Terceiro, e essa frustração vem de uma postura que a gente não pode ignorar do proprietário do X e sócio-fundador da companhia SpaceX, da qual Starlink é uma divisão, natural da África do Sul, naturalizado estadunidense, o Sr. Elon Reeve Musk, que tem adotado uma postura incoerente, ignorante e insultiva - incoerente, pois se nega a realizar no Brasil procedimentos que ele já realizou em outros países, como a Índia e a Turquia; ignorante, pois demonstra desconhecimento sobre a realidade política e jurídica do Brasil, não só questionando a legitimidade de um Ministro do STF, indicado pelo Executivo e sabatinado por esta Casa, mas também demonstrando não saber distinguir entre o conceito de Estado, do qual faz parte o Poder Judiciário, e governo, constituído por representantes políticos eleitos como as excelências aqui presentes; e insultivo, por se referir de modo pueril à pessoa do Ministro Alexandre, com ofensas de caráter individual e pautado por características físicas, negando-se a dialogar propriamente sobre o mérito da controvérsia.
Passo então às questões centrais que nos trazem aqui. A partir dessa contextualização, quero olhar para os temas centrais desta audiência pública, considerando em especial os impactos do ponto de vista econômico, o respeito à soberania tecnológica do Brasil e a manutenção da integridade do nosso sistema jurídico.
Então, com relação aos impactos econômicos e jurídicos da suspensão do acesso ao X, o antigo Twitter, com certeza ele se mostrou originalmente como um cenário valoroso de uma tecnologia aberta para a inovação social. Ele permitiu o contato direto com autoridades - acho que já interagi diretamente com pelo menos um dos Senadores aqui presentes -, contato com empresas, contato com celebridades e contato com pessoas de qualquer estado social, diretamente. Era um meio de comunicação muito rápido, ágil, escalável - quer dizer, uma mensagem pode chegar a qualquer lugar do mundo - e relevante. Apesar do baixo número de pessoas proporcionalmente utilizando, notícias eram geradas pelas manifestações no Twitter frequentemente. Então, ele se convertia também num termômetro instantâneo da comunicação mundial. Isso para esportes, para entretenimento, para eventos culturais e, claro, para a vida política tanto nacional quanto global.
Entretanto, a aquisição do X pelo Elon Musk, até com a conversão do nome de Twitter para X, que a gente pode chamar da morte do símbolo máximo ali, que era o pássaro, gerou um enfraquecimento, primeiro, das ferramentas de moderação de conteúdo. Por uma decisão do Elon Musk, a moderação de conteúdo foi reduzida. Foram eliminadas estruturas de combate a discurso de ódio, spam, desinformação e outros conteúdos nocivos. Ele demitiu equipes que eram relevantes para a observância dos direitos humanos. Tinha uma equipe lá de trust and safety que foi simplesmente eliminada, e não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Isso gerou um crescimento de mensagens hostis, apologia ao nazismo, racismo, misoginia, spam, etc. Qual foi a consequência? Uma redução da confiança dos usuários e a fuga dos anunciantes, inclusive com uma briga assumidamente comprada, de novo com ofensas pueris, aos próprios anunciantes. Elon Musk falou que os anunciantes poderiam ir se lixar - para usar um verbo cabível neste espaço. Isso gerou um declínio do valor econômico da rede social, que foi adquirida por um valor astronômico e se converteu no pior investimento desde a crise de 2008 para os bancos que emprestaram dinheiro para essa aquisição.
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Então, foi um tiro talvez no passarinho, talvez no próprio pé do Elon Musk, mas isso porque ele não fez um investimento, o que ele comprou foi um megafone.
De qualquer forma, apesar do interesse dele em se manifestar por meio da plataforma, a gente teve um efeito lesivo à liberdade de expressão que era proporcionada pela plataforma. O aumento do ruído com todas essas mensagens não moderadas compromete as tantas discussões produtivas. Imagine que a gente estivesse aqui e de repente entrassem pessoas com faixas, cartazes ou - para usar a metáfora do meu xará - pessoas que entrassem aqui fumando charutos e botando fogo no carpete. A segurança desta Casa teria que tomar uma atitude, e o que o Elon Musk fez foi desmobilizar a segurança da sua própria plataforma. Isso atrapalha as conversas relevantes da plataforma. O prejuízo econômico já estava se manifestando em termos de divulgação e de marketing. As pessoas com milhões de usuários já percebiam que não valia mais a pena fazer divulgação por meio do Twitter e as empresas reduziram os investimentos.
E a gente tem ainda uma... Quero lembrar aqui que é importante reduzir a toxicidade do ambiente, olhar para essa possível migração dos anunciantes para outras plataformas, eventualmente por meio da redistribuição de investimentos e impulsionando novas redes mais seguras. Até dialogando com o Dr. Paulo, na sociedade da informação atual, nas chamadas relações líquidas, eu desconfio, Doutor, que o decaimento será muito mais ágil e que talvez esse número não leve cinco anos para tender a zero...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - ... mas no máximo talvez cinco semanas.
O Bluesky tem apresentado números de crescimento exponenciais que sugerem que o Twitter se torará irrelevante em menos de um mês. Os números de downloads e uso do app subiram em outros 22 países que nunca tinham tido relevância na plataforma. O Brasil é mais relevante que o X e a riqueza está conosco, não com a plataforma.
De qualquer forma, diante de um valor tão elevado, 17 bilhões em cinco anos, não seria melhor que o multibilionário Elon Musk simplesmente pagasse as multas e indicasse um representante no Brasil se ele entende que a liberdade de expressão e o acesso à informação é um valor tão caro?
Bom, quero defender que a atuação judicial está tendo espaço na infeliz omissão legislativa. Seria uma oportunidade para o Brasil voltar a protagonizar debates como fizemos na época da aprovação do marco civil da internet. Lembro, o Senado rapidamente aprovou o PL 2.630, em 2020. A Câmara dos Deputados já leva mais de quatro anos e o projeto não anda. Gostaria de poder contar com a colaboração dos Senadores para dialogar com a Casa irmã para que esse processo traga para quem é de direito, quem é legítimo fazer o debate desses temas, que é o Congresso Nacional.
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A gente tem um conceito chamado constitucionalismo digital, que, em resumo, vai dizer que, diante dos desafios que a tecnologia traz para o direito, o papel do Estado tem que ser afirmar os direitos humanos também na internet, inclusive a liberdade de expressão, e equilibrar os Poderes. E o que a gente tem visto é um desequilíbrio em favor de uma empresa privada.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - Para falar do meu último tópico, que é o congelamento dos ativos da Starlink, quero lembrar que o bloqueio não chegou a ser realizado do ponto de vista tecnológico e que houve esse reconhecimento do grupo econômico de fato e uma postura prática que originalmente ratificava, apesar das ponderações do Exmo. Senador Marcos Rogério, um reconhecimento, de fato, de um grupo econômico. Houve um recuo da empresa, e possivelmente esse ponto vai ser levado em conta em relação a esse congelamento e a esse reconhecimento dos grupos econômicos. Aí lembro: decisões judiciais são passíveis de recursos, são passíveis de revisão. Isso deve acontecer pelo plenário do STF.
Em termos de infraestrutura privada estrangeira, a Starlink é crucialmente importante para regiões remotas do Brasil, para conectar escolas, centros de pesquisa, a Petrobras, o Exército e a Marinha. E aí eu trago...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - Peço dois minutos, Senador. Acho que eu consigo concluir.
... a questão dos riscos para a nossa soberania tecnológica, e isso é um problema. É uma realidade: a Starlink é crucial, mas eu questiono que isso tem que ser encarado como um problema e não como uma solução. A gente depende dela estrategicamente; a gente não tem autonomia nas comunicações, em vários locais, para as Forças Armadas; a gente tem limitação não só tecnológica e no desenvolvimento, mas também na economia! A gente fica sujeito a decisões privadas, empresariais. Na Rússia, ele cortou o acesso à internet da Starlink com uma decisão. O Brasil não pode ficar sujeito a esse tipo de situação.
Outra coisa: vulnerabilidade na nossa segurança. A gente tem uma infraestrutura crítica oferecida por uma empresa privada estrangeira! O Brasil ficaria impotente se a Starlink resolvesse mudar qualquer coisa no seu funcionamento. A gente tem uma influência corporativa...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - ... sobre a capacidade militar e a eventual comunicação emergencial numa crise, num acidente, como foi no caso do Rio Grande do Sul.
A gente necessitaria fomentar uma infraestrutura pública, como a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), que já existe, para que a gente pudesse ter controle nacional sobre recursos essenciais.
É urgente a gente valorizar a conectividade significativa, ter investimentos locais e públicos para promover essa autonomia e ter novas oportunidades para a economia, tanto em termos de negócio quanto até para a criação de empregos.
Concluindo, vejam a necessidade de equilibrar a questão da soberania, da regulação e da economia. Um país soberano e democrático como o Brasil não pode permitir um descumprimento reiterado de decisões judiciais, nem a ausência de um diálogo institucional de boa-fé. Vejam que o Bluesky não tem representante no Brasil, mas por que ele não foi bloqueado? Porque eles estão dispostos a um diálogo de boa-fé.
Os impactos econômicos emergentes, que são reais, podem ser mitigados no curto e no médio prazo não só pelo mercado, mas por políticas públicas adequadas e iniciativas que promovam a nossa soberania tecnológica e a segurança digital. Oportunidades podem emergir de uma regulação mais firme e da criação de alternativas em ambos os casos: plataforma digital X e conectividade pela Starlink.
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Insisto na importância de o Congresso Nacional avançar, como fez com o marco civil da internet, como fez com a LGPD. De novo, parabenizo o Senador pelo seu trabalho à frente deste assunto de proteção de dados pessoais, foi muito importante. E a gente tem debates agora sobre a inteligência artificial, debates sobre a LGPD penal e o Código de Processo Penal... Há vários temas digitais que esta Casa pode e deve contribuir de forma valorosa, são legitimados para isso. A aprovação do PL 2.630, de 2020, é também um tema central que poderia oferecer parâmetros e barreiras para uma decisão como essa do Ministro Alexandre de Moraes. É a falta de critério legal que abre espaço para decisões abusivas.
Com isso, agradeço pela oportunidade e fico à disposição dos senhores e das senhoras.
Muito obrigado.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Quero me inscrever, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço aqui as ponderações. E, claro, a audiência...
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Fora do microfone.) - Presidente, quero pedir um minuto de direito de resposta.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Está bom.
Eu diria aqui que...
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Fora do microfone.) - Fraterno, fraterno.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Evidentemente, pela ideia de uma audiência pública, é normal ter divergentes pontos de vista, sem nenhum problema, e os comentários de V. Sa. são muito bem-vindos. Só tomo a liberdade aqui de fazer uma reflexão, já que o Congresso foi mencionado por uma suposta omissão em relação ao PL 2.630.
Eu creio que falo aqui pelos colegas que a grande resistência da nossa parte, Prof. Paulo, é porque o Governo queria definir um órgão administrativo como o censor da rede social e da sociedade, e o Congresso não aceita que o Poder Executivo assuma esse papel de dizer o que pode ser dito ou não pode ser dito, pois é um risco às liberdades fundamentais, mas não existe nenhum problema, nenhuma resistência em ter uma regulação, mas não nesse formato pretendido pelo Governo Federal.
De todo modo, sobre a questão relacionada ao Elon Musk e ao próprio Ministro Alexandre, como eu disse aqui no início, não é nosso objetivo fazer ataques pessoais, ofensas pessoais ou julgar aqui os comportamentos, embora façam parte da discussão, mas discutir os aspectos econômicos dessa decisão.
Agradeço as considerações de V. Sa.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC) - Presidente, o senhor permite?
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Nós só teríamos que ir para os próximos...
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC) - Um minuto.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu concedo a palavra ao Senador Esperidião Amin para uma breve consideração.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Para interpelar.) - Um pouco menos, porque V. Exa. já falou uma parte que eu queria.
O PL 2.630 é, inclusive, contagioso, porque os arts. 13 e 15 da lei de inteligência artificial querem fazer aquilo que nós não queremos que aconteça, que é exatamente...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Contagioso, gostei.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC) - Não só é um vírus, um ataque - nós aprendemos um pouquinho mais -, um ransomware, como ele infecta...
E os arts. 13 e 15 da lei de inteligência artificial, que é uma ferramenta, foram contaminados pelo mesmo propósito de censura que o PL 2.630, contra o qual eu votei - votei contra esse projeto de lei e votarei de novo enquanto ele tiver essa mancha.
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Segundo, eu gostaria que o senhor fizesse um retrospecto, em homenagem ao que você falou, de como é que nós tratamos o WhatsApp quando o WhatsApp não tinha representante legal no Brasil. E quem comprou o WhatsApp? O Twitter. O WhatsApp só passou a ter... Prestem atenção em como o incidente se repete com variantes. Em 2017, o WhatsApp entrou na CPI dos Crimes Cibernéticos, de que eu tive a honra de ser o Relator. Não tinha representante no Brasil e foi flagrado distribuindo cocaína. Não havia intervenção judicial. E não tinha representante do Brasil.
Só coloque isso no seu trabalho, que está muito benfeito.
E desculpem se eu passei de um minuto.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Perfeito. Deixamos a questão para ser respondida adiante, por conta dos outros convidados.
Eu vou, agora, passar para os participantes por videoconferência.
Convido, primeiro, o economista Helio Beltrão para fazer a sua exposição. Ele tem uma apresentação também - peço que coloquem. Helio Beltrão é economista renomado, MBA em Finanças pela Columbia University, Presidente do Instituto Mises Brasil, também comentarista da CNN, pessoa por todos nós conhecida e respeitada.
Eu lhe concedo também, por dez minutos iniciais, Dr. Helio Beltrão, a palavra.
O SR. HELIO BELTRÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia!
Vocês conseguem ver a apresentação?
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Sim, sim.
O SR. HELIO BELTRÃO (Por videoconferência.) - Muito bem.
Muito obrigado, Senador Sergio Moro.
Bom dia a todos!
Agradeço o convite desta ilustre Comissão e do Senador Sergio Moro, a quem cumprimento, assim como os demais membros da mesa, os Senadores e Senadoras presentes, o Senador Flávio Bolsonaro, os expositores - um grande abraço ao amigo Paulo Rabello - e os demais presentes. É uma honra muito grande estar aqui com vocês.
Por questões de saúde que estão claras para vocês até pela minha voz, lamentavelmente, eu não pude estar presencialmente com vocês, conforme planejado, mas não creio que isso vá afetar a apresentação.
O tema dos custos econômicos da suspensão do X e do bloqueio de ativos da Starlink, que inclui não apenas as contas correntes da Starlink, mas também a apreensão de automóveis, aeronaves e outros equipamentos, é da maior importância, porque, Senador, afeta a credibilidade do Brasil perante investidores estrangeiros, mas também junto a investidores e empresários brasileiros, que sempre podem optar por investir no exterior em vez de deixar aqui o seu capital.
Eu considero que houve dano institucional no país, o que eu vou procurar demonstrar, porque há, depois desse episódio, a percepção de mais insegurança jurídica e de questionamentos contra a observância do devido processo legal, ou seja, a percepção de quebra das regras do jogo. Isso já está inevitavelmente em processo de causar graves prejuízos à economia, aos investimentos, ao nível de emprego, em particular ao pequeno, que usa o X como apoio ao seu negócio, e aos mais de 200 mil clientes da Starlink.
É muito cedo para mensurar os danos com rigor econométrico, como o caro Paulo Rabello mencionou, por dois motivos, apenas para a gente mencionar. Em primeiro lugar, as decisões de investimentos empresariais de médio e longo prazo não são tomadas no calor do momento. A gente sabe que as decisões tendem a ocorrer ao longo de um período de anos após os eventos danosos, que são percebidos como havendo risco adicional, e os empresários pensam em décadas, não pensam em meses. Então, necessariamente, há um lag, um efeito retardado. E número dois: um estudo decente, como o Paulo Rabello mencionou, que isole adequadamente os efeitos dos eventos danosos que a gente está discutindo hoje, demandaria meses, talvez anos, de compilação de dados.
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Um estudo relevante, eu sugiro aqui, Senador Sergio Moro, vai avaliar estatisticamente o impacto disso nos juros de prazos mais longos, no risco Brasil e, principalmente - aqui é o ponto principal -, no custo de captação das empresas, seja em instrumentos de dívida, seja em ações, ou seja, o aumento do custo de capital para todas as empresas do Brasil, mas, não obstante arriscando, portanto, colocar um número - porque a gente precisaria de todos esses estudos -, a gente pode ter uma ideia, sim, do tamanho do problema.
E eu quero colocar aqui o exemplo da China. Principalmente a partir da implacável perseguição do Governo Xi Jinping contra o empresário Jack Ma, do Alibaba e da financeira Ant Financial, a partir de 2020, principalmente, da suposta cruzada anticorrupção que ele tem feito como método para expurgar seus críticos, expurgar competidores, a China foi gradualmente, mas severamente downgraded, ou seja, ela foi reavaliada negativamente por investidores. Então - para dar um número -, desde então, a participação de empresas chinesas nesse prestigioso índice que eu estou mostrando aí no eslaide, que é o Índice de Ações de Mercados Emergentes, o MSCI Emerging Markets Investable Index, caiu de 40% em 2020 para 21% hoje. Esse índice, hoje, vale em torno de US$9 trilhões. Em 2020, esse índice valia um pouquinho menos, mas a China, então, teria algo como, sei lá, 3,5 trilhões e caiu para 1,8 trilhão de participação.
O Brasil participa com cerca de 4% do índice e já está em declínio há muitos anos, porque a gente, aqui, já não está fazendo o melhor para os investidores.
Por aí você vê. Só falando, Paulo, de empresas grandes, cotadas em bolsa, já é um impacto tremendo, da ordem de bilhões de dólares. Se você considerar as empresas médias, as empresas pequenas e todos os instrumentos de dívida que fazem parte da captação de empresas, você veja o tamanho de um impacto que isso pode ter.
Essa experiência chinesa, caros Senadores, é extrema, sem dúvida, mas algo um pouco mais moderado que isso, mas na mesma direção, está ocorrendo no Brasil, pelo fato de aumentar o custo de capital de todas as empresas brasileiras, não apenas as que são cotadas em bolsa, como as do índice que eu mencionei. Então, o aumento do custo de capital das grandes, das médias, das pequenas, isso pode, sim, ter um impacto da ordem de centenas de bilhões de dólares, na linha do que o Senador Flávio Bolsonaro estava indicando.
Uma outra experiência relevante, que está acontecendo agora, é a do México - está acontecendo agora, nos últimos meses -: o Amlo, o López Obrador, está empurrando uma reforma do Judiciário que tem sido percebida como sendo contra o Estado de direito e que até elimina certos órgãos independentes. Só a possibilidade de isso passar - o que ainda não aconteceu - já causou uma tremenda desvalorização do peso. O dólar subiu 20% contra o peso nos últimos três meses. Isso deixa o país todo mais pobre. Então, a gente vê que esse tipo de intervenção causa impacto, muitas vezes, tremendo e, às vezes, de curto prazo, como no caso do México.
Agora, o Elon Musk, recentemente, tomou uma difícil decisão de contestar judicialmente essas ordens sigilosas de bloqueios de perfis, que, a juízo dele, não representavam ameaça à segurança de ninguém e que, a juízo dele, violam a Constituição brasileira e a lei - no caso, o marco civil da internet.
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É verdade que o Brasil é pequeno economicamente para o grupo X do Musk, mas, se o Musk resolvesse não contestar judicialmente essas ordens, ao custo que ele tem tido de acumular multas milionárias enquanto recorre, ele seguiria lucrando, ele seguiria investindo, gerando emprego com os seus empreendimentos brasileiros. E isso é, por sinal, o que as demais redes optaram por fazer, com o foco utilitário em resultados financeiros.
Agora, nesse próximo eslaide, o ponto é que não resta dúvida de que estamos falando em prejuízo para o Brasil de centenas de vezes o prejuízo eventual a que o Elon Musk foi submetido. O investidor, empresário, brasileiro e estrangeiro, pensa, só para fazer uma hipótese: "Peraí, se o STF decidir, por exemplo, fechar as Lojas Americanas, envolvidas na fraude contábil, ou fechar empresas que tiveram desastres ambientais como a Vale", é o tal do risco do CNPJ que o Paulo estava falando, "ou empresas associadas a escândalos de corrupção". E ele pensa assim, o empresário: "Casos assim não são julgados na primeira instância como sempre foram?". Ele pensa: "E comigo, se houver algo percebido como um desrespeito à lei, a minha empresa pode ser fechada por decisão monocrática de um Ministro do Supremo Tribunal Federal?". E, por exemplo, o que eu devo pensar quando o Brasil agora faz parte desse seleto grupo de países muito estranhos que baniram o X? Isso tudo é uma complicação muito grande para a atitude empresarial, que é o que traz investimentos e empregos.
Agora, os bloqueios ao X e à Starlink também parecem atentar contra o direito internacional em alguns quesitos. Vou falar algumas coisas assim, a meu juízo. Primeiro, passivos não podem ser transferidos de uma entidade para outra, assim, exceto em casos especialíssimos, de acordo com o direito internacional. Segundo, não é permitida uma punição discriminatória, que aqui ocorreu contra o X por não ter apontado um representante legal em 24 horas, ao passo em que centenas de companhias estrangeiras de internet são usadas por brasileiros sem importunação, mesmo sem ter um representante legal no Brasil. Então, houve uma punição discriminatória. Em terceiro lugar, os acionistas da Starlink, que não possuem ligação nenhuma com o X, foram indevidamente punidos, sem devido processo. Eu lembro que o Elon Musk tem apenas 40% das ações da SpaceX, que controla a Starlink. Ele tem sócios com 60% que não têm nada com isso. E lembro também que a Starlink é estratégica para o Governo americano, porque deslocou a empresa russa Soyuz para lançamento de foguete ao espaço.
Sobre esse eslaide, que tem uma reação institucional preocupante. Logo em seguida, a Embaixada americana emitiu uma nota mostrando preocupação com a liberdade de expressão. Isso é bastante, temos que prestar atenção nisso. E também a Anatel americana, a Federal Communications Commission, enviou uma carta duríssima à Anatel questionando o cumprimento de ordens ilegais e inconstitucionais, aparentemente, segundo a FCC americana, além de colocar várias outras questões. Sugiro a leitura dessa carta da FCC.
Investidores. A gente viu um dos maiores, um dos investidores mais respeitados mundialmente, que é o Bill Ackman. Ele argumentou que o Brasil possivelmente deixou de ser um país investível, ou seja, ele não poderia nem estar fazendo parte daquele índice que eu mencionei antes, o MSCI, porque aí não se poderia investir, não se consideraria o Brasil minimamente seguro para investir. E a opinião do Ackman, a gente tem que lembrar que afeta grandes, médios, pequenos empresários; todos levam isso em conta quando um investidor como esse fala.
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Finalmente, a mídia internacional tem sido muito crítica ao que tem ocorrido, como nessas matérias da imagem do The Wall Street Journal, que diz que o Elon Musk está lutando pela liberdade de expressão no Brasil; a matéria do The Washington Post, que diz que, nessa luta pela liberdade de expressão, o X, do Elon Musk, marcou a posição correta; e a própria The Economist dizendo que, agora que o Brasil baniu o X, quem vai falar pela liberdade de expressão? É uma reflexão.
Em suma, as medidas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal atuam contra o interesse nacional, que é criar um ambiente propício aos negócios, à liberdade de expressão, com respeito ao ordenamento jurídico, ao direito internacional. Há uma degradação institucional, a percepção de maior risco aos empresários brasileiros e estrangeiros. O risco Brasil tende a crescer com o tempo, o custo de captação de empresas fica mais caro.
E aí tem a questão da Starlink, que é gravíssima e foi mencionada brevemente pelo outro expositor, o Paulo. Penalizam-se indevidamente brasileiros diversos, desde microempreendedores ao Exército, à Petrobras na Amazônia, a escolas, à agricultura do Nordeste, que depende desses mais de 200 mil clientes da Starlink e que estão sendo usados para punir o Elon Musk, embora o Elon Musk, de novo, só tenha 40% das ações dessa empresa.
Então é isso.
Eu agradeço a todos vocês e fico à disposição para perguntas.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Agradeço a brilhante exposição do Dr. Helio Beltrão, também economista, e registro aqui a presença dos queridos Senadores Carlos Portinho e Damares Alves, que inclusive também é subscritora do requerimento inicial para a audiência pública.
Vamos passar a palavra agora para o Sr. Arthur Igreja, que é especialista em tecnologia, escritor e palestrante muito conhecido nessa área das big techs.
Está no vídeo?
Então, muito obrigado, Sr. Arthur, pela sua disposição em contribuir para o debate.
Eu lhe concedo dez minutos iniciais para a sua exposição.
O SR. ARTHUR IGREJA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Quero agradecer o convite. É uma honra, um prazer estar aqui. Agradeço a todas as autoridades, a todos os participantes e também a quem nos acompanha online.
Eu não vou fazer projeção de nenhum material. Então para esses dez minutos eu selecionei uma série de tópicos aqui sobre o lado tecnológico, complementando os aspectos econômicos que já foram debatidos.
Antes de mais nada, parabenizo a iniciativa. Parece-me que esse assunto da tecnologia precisa ser cada vez mais embasado, mais discutido.
Então a minha primeira análise sobre o assunto é a seguinte: perdem todos, especialmente os usuários, aqueles que criam negócios, aquelas empresas que tentam se conectar com o seu público. Sabemos que hoje esse é um canal absolutamente fundamental, então me parece que o impacto vai muito além do tempo de tela. Então foi muito bem exposto na primeira apresentação, mas os impactos secundários são muito difíceis de serem mensurados. Por exemplo, há empresas que fizeram investimentos durante anos para alcançar sua audiência, para ofertar serviços, para aumentar aquilo que se chama de awareness e que agora não conseguem mais alcançar o seu público.
Além disso, nós precisamos pensar, refletir sobre o fato de que as pessoas, sim, têm menor acesso a determinadas informações. Então imagine alguém que de repente não consome uma informação, não tem um insight, e, portanto, não muda o seu negócio - isso vai impactar a sua produtividade.
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Então, esse efeito borboleta é muito difícil de ser mensurado, vai muito além do tempo de tela. Só podemos imaginar o que poderia acontecer se decisão similar fosse tomada, por exemplo, com a Meta, penalizando WhatsApp, Instagram, Facebook e Threads.
Então, me parece que não se pode analisar esse assunto de forma fragmentada. Nós precisamos entender tudo o que aconteceu e por que esse assunto é extremamente inédito, extremamente importante. Então, o Brasil já viveu uma situação parecida com essa, que é a reserva de mercado tecnológica, quando a população fica privada de acesso a uma tecnologia global, e os efeitos foram absolutamente terríveis. Todos sabem do que eu estou falando.
Então, o que eu quero dizer é o seguinte, que esse episódio tem uma série de aspectos inéditos. Por exemplo, nós temos que lembrar essa conexão entre X e Starlink, é uma coisa não usual. Além disso, nós temos o X numa situação de uma empresa que fecha o seu capital e que passa a ter muita personificação na figura do Elon Musk. Personificação é uma palavra-chave aqui, neste debate, porque infelizmente foi o que aconteceu dos dois lados: a personificação parece um antagonismo entre STF, na figura de Alexandre de Moraes, e X, na outra ponta, com Elon Musk. E justamente assuntos que se tornam não objetivos e não baseados em critérios tendem a sofrer esse tipo de coisa.
Então, aquilo a que eu queria chamar a atenção no começo é o seguinte, para dois aspectos. Primeiro, não vai ser o último episódio desse tipo. Parece-me que é o primeiro grande episódio dessa natureza, mas basta ver o que está acontecendo na França com o Telegram. Nós temos que lembrar que as big techs têm atuação global, uma influência social maior do que muitos Estados. Então, só para trazer alguns números rapidamente, nós falamos muito sobre a superlativa população da China e da Índia, com 1,4 bilhão de pessoas. Essas populações são razoavelmente tímidas perto da população de usuários mensais da Meta, de 3,59 bilhões de pessoas. Quando nós falamos no PIB do Brasil, de US$2,2 trilhões, também fica razoavelmente abaixo do market cap do valor de mercado da Apple. São grandezas diferentes, mas, enfim, de toda forma, é interessante comparar isso. O market cap atual da Apple é de US$3,4 trilhões.
Então, o que acontece é que nós temos questões que precisam ser compactuadas. A primeira delas: existe, sim, um aspecto jurídico importante de a empresa não ter o seu representante legal no Brasil, de uma série de decisões, de notificações, de uma série de multas que não foram atendidas; por um outro lado, nós temos também... Eu falei isso em algumas entrevistas, e pode soar muito estranho, mas tristemente ambos os atores levaram o conflito para um ponto em que ambos provaram o seu ponto, ou seja, o STF mostrando que ele é capaz de tirar uma empresa do Brasil e a outra empresa mostrando que não precisa atender uma decisão legal no Brasil, algo que seria absolutamente impensável para qualquer brasileiro, para qualquer empresa.
Então, por um segundo, se nós tirássemos o termo X ou Elon Musk e se isso fosse enquadrado como uma empresa que simplesmente não atendeu aspectos legais no Brasil e se recusa a atendê-los, me parece que, se fosse feita uma pesquisa de forma ampla, sem mencionar o nome da empresa, teríamos uma resposta a favor da soberania nacional, porque é preciso ponderar isto, uma empresa não pode atuar absolutamente sem atender os critérios legais no Brasil. Agora, o que aconteceu nessa escalada tem muito pouco a ver com isso.
Então, eu gosto... Quando muitos falam que nenhuma regulamentação, nenhuma regulação se faz necessária, é preciso lembrar que o Código de Trânsito é uma regulamentação, então você estabelece parâmetros razoáveis para o convívio.
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Então, você tem limitações de velocidade, determinações de áreas, determinações de determinados comportamentos. O que nós vemos hoje não só no Brasil, mas em inúmeros territórios, é uma série de espaços não ocupados.
Permitam-me fazer aqui uma comparação bastante grosseira, mas quando nós não temos critérios objetivos, acontece essa personificação. A metáfora que eu trago aqui é uma metáfora futebolística. Nós temos o estabelecimento da regra do impedimento, mas aí, a partir do momento em que acontece um lance polêmico e nós temos que considerar a interpretação do juiz que está em campo, é justamente aí que nós temos um grande problema quando nós não temos accountability, quando nós não temos o VAR, para trazer um critério objetivo e falar o seguinte: esse jogador estava à frente ou não. Então, justamente quando fica nessa zona cinza, quando não se tem esse accountability, que é uma palavra difícil de traduzir para o português, da decisão judicial tomada e desse espaço não ocupado do critério objetivo dessa escalada é que acontece um desastre como esse.
Então, eu classifico o que aconteceu nas últimas semanas como um verdadeiro desastre, basta ver que outros episódios com outras empresas tiveram uma outra trajetória. Basta citar o que aconteceu recentemente com a Meta, justamente com o seu mecanismo de inteligência artificial generativa, que passou a usar os dados dos usuários sem avisá-los, ao contrário do que aconteceu na União Europeia, onde os usuários tinham o consentimento. O que aconteceu foi que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados notificou a empresa, estabeleceu uma linha objetiva mostrando que isso não poderia acontecer. Bom, basicamente o que aconteceu é que, por volta de um mês depois, ambas as partes chegaram a um acordo. Traduzindo: era de interesse da Meta continuar no mercado brasileiro, os usuários passaram a ter esse recurso, passaram a ser notificados, então qualquer pessoa que abrir a sua ferramenta, por exemplo, do Instagram, vai ver lá uma nova notificação, e tudo isso passou por diálogo, passou por critérios objetivos, coisa que não aconteceu no episódio do X.
Bom, quando eu falo desse ineditismo, dessa intersecção, é aqui que as coisas começam a ficar ainda mais confusas. No caso da Starlink, a sua representatividade vai muito além dos 200 mil usuários, porque pode ser que nós pensemos que 200 mil usuários são 200 mil pessoas ou 200 mil negócios individuais, mas quando nós pensamos no impacto no agronegócio, nos impactos em comunidades remotas... Há duas semanas eu estive em Santarém, no Pará, para um evento, e lá eu pude ver agências que levam inclusão financeira, que levam a participação do sistema financeiro e levam crédito, levam acesso para alavancar negócios usando antenas da Starlink em agências móveis. Quer dizer, essa intersecção é uma coisa que parece absolutamente incompreensível, o bloqueio de contas e também o perigo, porque caso a Starlink tivesse tomado uma decisão... E aqui só podemos conjecturar que ela tomou a decisão justamente por ter outra característica, ser uma empresa ligada à SpaceX, de capital aberto e decisões menos personificadas, mas, se ela decidisse não cumprir a decisão da Anatel, poderíamos ver uma escalada desse conflito ainda pior - muito pior, aliás - e colocar o Brasil num escuro de conectividade.
Então, o que acontece é que nós temos aspectos técnicos, como a decisão de uso de VPN, que é ainda pior, aquela multa fixada de R$50 mil, o termo mencionado, métodos, subterfúgios tecnológicos para poder fazer o acesso, quer dizer, VPN pressupõe privacidade e não rastreabilidade. A pergunta do ponto de vista técnico é: como é que esses usuários seriam monitorados? Como é que eles seriam multados, se isso vai contra o preceito tecnológico? Isso me lembra a época do Napster, em que de forma exemplar - com muitas aspas - algumas pessoas foram multadas em vários países por baixar MP3, justamente porque não existia uma legislação, uma regulamentação adequada em relação a uma nova tecnologia, em relação aos direitos autorais, e tudo isso foi pacificado ao longo do tempo, tanto que hoje usamos esses streamings de áudio.
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Então, só para finalizar a minha exposição, me parece que é um precedente terrível, temos uma série de espaços não ocupados e a pergunta que fica é como evoluiremos daqui para frente, como avançaremos nessa discussão, porque, volto a dizer, não gostaria de falar isso, mas esse é o primeiro evento dada essa crescente influência das empresas de tecnologia no tecido social, na nossa vida, na forma como nós vivemos, senão eu não conseguiria fazer essa participação remota, inclusive, neste momento, usando transmissão e conectividade de ponta e uma ferramenta, como eu estou usando agora para poder falar com os senhores.
Isso tem tudo a ver não só com o lado técnico, tecnológico, mas com segurança e previsibilidade, ou seja, ter esses frameworks, ter essas linhas estabelecidas é o que reduz a atuação de juízes, enfim, de atores que deveriam ter uma atuação muito mais discreta no final das contas. Então, me parece que o ponto é avançar nesses critérios objetivos, nesse debate, para que, quando uma decisão for tomada, caso ela não respeite esses critérios, isso fique imediatamente claro, mas também para que as empresas possam saber quais são esses critérios. É isso que atrai investimentos, segurança, previsibilidade, aquilo que é essencial para o nosso país, assim como já também foi exposto em algumas das apresentações anteriores.
Agradeço o tempo, agradeço o convite e me coloco à disposição para qualquer dúvida ou esclarecimento.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Agradeço a sua exposição, Sr. Arthur Igreja. Só um breve comentário. Achei fantástica a referência, se compreendi bem, à lei da informática, em que o país se fechou por questões ufanistas e iria desenvolver sua própria tecnologia, e aquilo prejudicou o desenvolvimento do nosso país enormemente. Da mesma maneira, talvez essa ideia de fechar o Brasil para o mundo... Evidentemente, a rede social tinha um papel importante na nossa inserção no contexto internacional e pode ter um efeito deletério que vai muito além daqueles cálculos diretos estimados. Achei esse insight bastante interessante da parte do expositor.
Eu vou convidar agora o Sr. Gerson Ribeiro para fazer sua apresentação. Sr. Gerson, está no vídeo?
O SR. GERSON RIBEIRO (Por videoconferência.) - Pois não?
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Sr. Gerson, então agradeço a sua presença virtual, sua disponibilidade para fazer sua apresentação. E eu tenho aqui a referência de que o senhor é professor e diretor que trabalha em região do Amazonas, com população indígena. Então, agradeço mais uma vez a sua presença e lhe concedo o tempo inicial de dez minutos para sua exposição.
Muito obrigado.
O SR. GERSON RIBEIRO (Para expor. Por videoconferência.) - Meus cumprimentos a V. Exa., Senador Sergio Moro; ao Flávio Bolsonaro, que parece que já deixou a mesa; a Damares Alves; ao Senador Mourão; e a todos que compõem a mesa. É um privilégio falar com vocês.
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Realmente, eu sou Diretor do Instituto Ibraema e trabalho no terceiro setor. Nós trabalhamos na área de alfabetização de jovens e adultos, também em projeto de cidadania. Temos um projeto de empreendimento - Empreender é coisa de mulher sim! - e de educação financeira. Nós atuamos nessa região há mais de dez anos.
Mas, primeiro, quero dizer que cheguei à Região Amazônica no século XX, século passado, em meados de 1975. Foi quando eu tive contato com essa região tão maravilhosa, em que nós vivemos, onde cabem várias inglaterras, holandas, portugais, e é um dos maiores símbolos da nossa soberania nacional e da biodiversidade mundial. Eu me deparei, viajando, subindo de Belém para Manaus, com cidades como Humaitá, Lábrea, Itacoatiara, Tefé, Porto Velho, Rio Branco, Maués, Parintins, Roraima e tantas outras em que nós transitamos, e notei que estávamos desconectados do resto do Brasil. Eu estava lá no meio das árvores, no meio da floresta, trabalhando com a população ribeirinha, e o sentido que eu tive - embora eu seja um amazônida por adoção, eu vim do sul do Brasil - é que eu estava desconectado do resto do mundo. E, somente agora, no século XXI, eu percebi que se abriu uma nova fronteira no Brasil, com a chegada da Starlink, iniciativa da então gestão da Presidência da República do Presidente Bolsonaro. E foi, assim, uma coisa incrível ver que, já em setembro de 2022, 90% dos municípios da região já estavam conectados. Essas regiões deixaram de ser remotas.
Vocês vão perceber que, na minha fala, eu não vou me prender muito ao prejuízo econômico e etc., mas eu quero me prender ao prejuízo moral que isso trouxe à nossa região.
A antena é muito simples. Como o Arthur, que me antecedeu, falou, a mobilidade pode ser feita em carros e em tantas outras coisas. E nós vemos hoje, na Região Amazônica, que inclusive em barcos a antena pode ser instalada, porque ela resiste a água da chuva, sol, intempérie e uma série de coisas.
Hoje, pequenas empresas estão sendo beneficiadas: assim como escolas, socorristas, órgãos públicos, como já foi mencionado aqui, Forças Armadas, tribunais eleitorais, povos indígenas e também as comunidades tradicionais, como os quilombolas. Há pouco tempo, no Município de Acará, no Pará, nós fizemos a instalação de uma antena lá. E a expressão geral foi: "Agora nós fazemos parte do Brasil, estamos nos comunicando".
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E não somente isso, mas a instalação dessas antenas é uma questão de sobrevivência, é uma questão de vida ou morte, porque, diante de qualquer problema de saúde, eles podem pedir socorro, sair de barco ou de avião e, no local aonde eles chegam, já ter uma ambulância esperando para levá-los ao hospital. Isso pode custar uma vida, então é crucial também o direito até de telemedicina. Eu já fiz telemedicina, eu não podia ir para um grande centro e, através da telemedicina, eu fui atendido e o meu problema foi resolvido. Então, não é somente uma questão de saúde, é um direito que reza na nossa Constituição, é também um direito de educação.
A presença do X, da Starlink, na Amazônia é uma questão até de direitos humanos, é referendar esses direitos aos que vivem na Amazônia, porque consta na carta dos direitos humanos que todos somos iguais. No sul tem fibra ótica, mas isso vai levar décadas para chegar na Amazônia, e eu nem sei se é possível a infraestrutura para chegar naqueles rios, nos igarapés.
Então, eu estive numa reunião no Havaí, fui convidado para falar na Universidade das Nações. Quando eu expliquei a situação da Amazônia, eles me disseram: "Como nós podemos te ajudar?". E eu disse: "nos ajude a investir na comunicação". Comunicação é essencial, os direitos básicos de educação, tudo isso vai ser afetado.
Pouco tempo atrás, eu estive com os iauanauás. Se você quiser viajar e conhecer o iauanauás, você vai ter que pegar um avião em Brasília, viajar três horas para chegar em Rio Branco. De Rio Branco, você vai dirigir de carro até Tarauacá. Se a estrada estiver boa, serão três horas. Eu fiz em quatro da última vez, porque a estrada estava ruim. De Tarauacá, você viaja mais uma hora para a Ilha de São Vicente. Lá na Ilha de São Vicente, você está na beira do Rio Gregório; ao longo do Rio Gregório, existem 11 aldeias iauanauás. A minha sobrinha é casada com o chefe da aldeia, o Tashka. Eu enfrentei a rabeta quatro horas para chegar numa dessas 11 aldeias. Eu já estou falando aí de 3 a 15 horas de viagem, e lá nós implantamos uma classe de alfabetização, porque havia a possibilidade de eles entrarem na internet e aprenderem como se ministra uma classe de alfabetização.
Isso é essencial para os povos indígenas, para os povos quilombolas, é essencial para nossa segurança, como já foi mencionado aqui, as Forças Armadas. São direitos que nós temos, nos direitos humanos e dentro da nossa Constituição: liberdade de pensamento, de expressão, para um mundo justo, um mundo livre.
Então, a Starlink, o X permitiu ao cidadão brasileiro das regiões remotas ter direito à sua Constituição, à sua fala, à sua voz, à informação, à educação, à saúde. Não é moralmente correto que nós privemos essas populações de acesso à comunicação.
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Eu estou me lembrando de uma frase que disse Thomas Sowell, que é economista e também sociólogo: "a questão mais básica não é o que é melhor para todos, mas quem deve decidir o que é melhor". Ninguém deve decidir para o cidadão da Amazônia o que é melhor para eles. Ele deve decidir, ele deve saber o que é certo e errado. E nós não podemos isolá-los, eles têm voz! Nós não podemos decidir para eles o que é certo, o que é errado, o que é mentira, o que não é. Eles de per se devem ter essa autonomia moral, um direito que lhes é dado pelos direitos humanos, que lhes é dado pela Constituição do Brasil. Comunicação é essencial.
Eu gostaria de terminar a minha fala com um exemplo. Uma vez, na década de 80, na Região Amazônica, eu convidei um navio de médio porte que fazia assistência à população carente. Esse navio operava no Pacífico e no Caribe. Ele cruzou o Canal do Panamá, desceu até Belém, de Belém subiu a Manaus, e nós fomos atendendo a população carente. Nesse navio havia pessoas de 34 países do mundo. Sabe o que mais impressionou a população amazônica naquela época? Não foi o que eles fizeram para eles em termos de doações, em termos de médicos, de odontologia que foi praticada. Eu notei que o pessoal ribeirinho dizia: "Estamos conectados com vocês. Vocês vieram de longe para nos atender. Somos iguais". É o que diz a carta dos direitos humanos: todo ser humano é igual. Somos iguais e estamos conectados com você. Hoje não se faz mais necessário trazer um navio do Pacífico, porque estamos conectados através da Starlink, estamos conectados através do X. Eu me prendi não a um prejuízo econômico, mas a um prejuízo moral, e nós não podemos roubar isso da população que vive na Amazônia.
Muito obrigado a todos e estou também disponível para alguma resposta.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço ao Sr. Gerson Ribeiro pelas belas palavras, inclusive esse retrato sobre a situação na Amazônia em particular e a importância - não só lá, mas especialmente lá - das conectividades através da Starlink.
Eu creio que, como disse no início aqui da nossa apresentação, ninguém aqui é advogado do Elon Musk e ninguém também aqui tem mandato em relação à defesa do Supremo Tribunal Federal. A grande questão aqui são os usuários, os brasileiros que utilizam a rede, que utilizam a Starlink.
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E, aqui, neste caso, embora a gente pense na parte econômica, há o aspecto moral muito bem salientado aí por V. Sa. Agradeço a sua participação.
Só registro aqui a presença também do nosso Senador Jaime Bagattoli, presente na Comissão.
E passo a palavra à Sra. Oona Castro, Diretora de Desenvolvimento Institucional do Nupef. Agradeço à senhora também pela disponibilidade em participar desta audiência pública. Eu lhe concedo inicialmente também dez minutos, Sra. Castro. Muito obrigado.
A SRA. OONA CASTRO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Exmos. Srs. Senadores e Sras. Senadoras.
Eu peço permissão para seguir um pouco um roteiro que eu preparei. Não sei se vocês conseguem me ver e me ouvir bem.
Obrigada pela confirmação.
Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer o convite para contribuir com esta audiência pública. É muito salutar que uma instituição democrática como o Senado abrigue debates tão caros, de temas tão caros à democracia como esse. E como é importante que a gente preserve essas instituições - não é mesmo? - para que possamos continuar fazendo esses debates com essa diversidade de visões, de opiniões, de análise de dados e tudo que a gente precisa para promover um debate rico e qualificado.
É com grande responsabilidade também que eu me dirijo a esta Casa para tratar dessa questão crítica para o futuro da nossa democracia e da proteção dos direitos fundamentais no ambiente digital.
Eu sou Codiretora do Instituto Nupef, que é uma organização que trabalha desde 2005 promovendo o uso seguro das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil. A gente também investe na criação de tecnologia, especialmente infraestrutura local e infraestrutura para o terceiro setor, para as organizações sem fins lucrativos, movimentos sociais.
Nós integramos a Coalizão Direitos na Rede, que é uma coalizão que congrega dezenas de organizações que defendem direitos humanos no ambiente digital. E todas elas têm contribuições muito importantes sobre esse assunto. Eu não vou conseguir dar conta de representar toda a visão diversa do terceiro setor, então fico muito feliz de ter ouvido também o colega Gerson Ribeiro, o colega Paulo Rená e ainda ouvir mais um representante do terceiro setor, porque eu imagino, eu percebo que o terceiro setor mesmo não é um setor, digamos, uníssono em relação a essas questões. Então existe a diversidade mesmo dentro dele, não é mesmo?
Eu vou passar um tanto pela questão da suspensão do X e das questões judiciais, mas minha formação é: sou jornalista, fiz pesquisa em economia política da comunicação e da cultura, já por muito tempo, estudamos e dissecamos, quase vinte anos atrás, a maneira como eram coletados e divulgados dados sobre pirataria no Brasil; tem um livro, inclusive, que a gente publicou sobre isso; mais tarde eu fiz um estudo sobre economia da cultura, a importância da cultura para a economia do país e sobre os conceitos de economia criativa e economia da cultura, e neste momento sou Codiretora do Instituto Nupef, promovendo a inclusão digital, uma das maiores bandeiras da nossa organização.
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Então, obviamente, apesar de a gente acompanhar e ter um olhar muito preocupado para a pauta das redes sociais e de como a suspensão de uma rede social pode impactar o debate público no Brasil, a gente entende que esse ponto a que chegamos é resultado de uma escala, de um contexto de escala de uma série de descumprimentos, de não cumprimentos de decisões judiciais, que foram se somando e que resultaram nessa medida um pouco mais drástica, que, por sua vez, ganhou relação com a Starlink simplesmente pelo fato de que o administrador, o CEO do X recusou que a Starlink bloqueasse o X.
Quer dizer, não é... Em algum momento, um dos palestrantes trouxe essa decisão como se fosse um problema da decisão judicial, só que ela independe da decisão judicial, porque o fato é que a Starlink recusou-se a suspender o X. Então, é a partir desse momento que a Starlink entra na história. Não é uma questão de uma perseguição a uma ou outra pessoa, a questão é que foi a mesma pessoa que se recusou a fechar, a suspender as contas dentro do X, que depois recusou-se, também, a suspender o X, e que controla duas empresas. Então, tem aí uma propriedade, vamos assim chamar, que acontece em camadas diferentes: uma coisa é a propriedade da infraestrutura que provê a internet, outra coisa é a propriedade da aplicação que provê a rede social.
Dentro do campo da governança da internet, a gente pode entender a internet dividida mais ou menos em camadas, e existem aqueles que estão...
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Só que eu vou fazer uma pequena observação, Sra. Oona. Desculpe-me por interromper, mas aqui eu preciso fazer a observação de que, em realidade, o bloqueio, o congelamento das contas da Starlink precedeu a recusa da Starlink em suspender o acesso pelo X, tá? Esses são fatos.
Então, houve a decisão para bloquear as contas da Starlink - como uma forma de pressão sobre o X, ou para pagar as multas -, depois é que veio a ordem para a Starlink suspender o X...
A SRA. OONA CASTRO (Por videoconferência.) - E não suspendeu.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - ... aí, a Starlink colocou uma posição inicial de que não suspenderia o X enquanto não liberadas as suas contas e depois voltou atrás nessa decisão, mas a ordem cronológica é essa.
Eu preciso fazer essa retificação, porque os fatos são esses.
A SRA. OONA CASTRO (Por videoconferência.) - Sim, sim, perfeito. Muito obrigada.
De qualquer maneira, a posição de concentração da propriedade coloca uma questão para o próprio proprietário, sim? A ordem dos fatos está correta, mas, de qualquer maneira, houve sistemáticas recusas de cumprir decisões judiciais, e essa conexão foi usada a partir do momento em que o proprietário era, sim, o mesmo.
Eu vou voltar para o roteiro que eu tinha programado e mais dizer que quero fazer uma ressalva em relação à decisão judicial sobre algo preocupante, que nos parece bastante preocupante, que é o bloqueio das VPNs, que nos pareceu desproporcional, porque o bloqueio das VPNs em si não representa uma punição à empresa que ignorou outras decisões da Justiça brasileira e impede o acesso a uma tecnologia que tem um papel importante para a segurança e a privacidade dos usuários. Mas de onde, de qual lugar a gente fala, principalmente? As preocupações que chegam para o Nupef, para o trabalho que a gente executa, vêm direto das populações tradicionais, comunidades e povos indígenas com quem a gente trabalha.
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Então, nos últimos cinco dias, a gente recebeu uma série de... Nós trabalhamos com inclusão digital no Norte e no Nordeste, inclusive na Amazônia Legal, e a conectividade sempre foi um desafio ali. Nós vínhamos tentando conectar mais comunidades, a despeito da precaríssima infraestrutura disponível de acessos, e os números de expansão da banda larga não refletem, pois, em dado momento, parecia que a gente tinha expandido bastante a banda larga naquele país, mas não refletiam o que a gente via na realidade. Então, desde 2010, nós temos uma série de planos de universalização da banda larga, e a gente não conclui esse trabalho.
Essas populações que estavam sem cobertura de internet, com satélites... A única opção que a gente tinha eram satélites geoestacionários que ofereciam um serviço... que oferecem um serviço caro, uma velocidade baixa, uma internet bastante limitada em termos de franquia também, um pacote limitado em termos de franquia, e essa brecha digital virou também uma brecha de mercado.
Quando a Starlink chega ao Brasil, oferecendo uma internet rápida, sem limite de franquia inicialmente, depois impôs um limite de franquia, ainda assim mais amplo, ela ganha uma relevância absolutamente significativa na região, como o colega Gerson relatou. Então, para muitas comunidades, a Starlink virou o canal de acesso à internet, ao que a gente chama de conectividade significativa, que significa poder usar aquela internet de maneira contínua, sem interrupção, como prevê o marco civil da internet inclusive, e com qualidade e com custo menores, pois apesar de o custo inicial para a instalação ser alto, continuamente o custo é menor, a mensalidade é mais baixa.
Porém, a gente não pode, em nosso entendimento também, se fixar no fato de que essa provedora hoje, essa empresa, é que provê o serviço que atende a essas populações. Nós precisamos multiplicar, nós estamos aqui na Comissão de Assuntos Econômicos, e eu queria trazer uma perspectiva da concorrência.
Preocupa-nos muito que o crescimento da Starlink esteja sendo tão rápido, tão exponencial e que nós não estejamos colocando nenhuma contrapartida, nenhuma responsabilidade social, que a gente não esteja exigindo dos provedores de internet no país uma presença. Quais são as condições de respeito às leis brasileiras? Em que medida os reguladores, a Anatel e o Governo, estabeleceram parâmetros de contrapartidas sociais para a exploração dos serviços comerciais no país, como outras operadoras enfrentam e oferecem?
Outras operadoras de telefonia têm obrigações diante do Estado brasileiro de ampliar infraestrutura, de compartilhar infraestrutura, de oferecer, de ajudar o país na expansão do acesso à banda larga. Inclusive, existe um problema de fiscalização de se essas obrigações estão sendo cumpridas ou não, mas elas estão comprometidas com... Então, nos parece que os desafios de conectividade e inclusão digital são muitos, e a entrada em nossas vidas da internet muda profundamente a maneira como a gente vive, como a gente se relaciona, o tempo das coisas.
O primeiro palestrante abordou exatamente a questão do tempo de tela, que na verdade é um custo. A gente oferece... Esse é um trabalho que todo usuário de internet está gerando - lucro dentro de uma empresa. As horas que a gente dedica, a audiência que a gente dá para a economia política da internet mostra que o nosso tempo é de grande valor para as empresas, para o capital da informação, para as big techs e as redes sociais.
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A gente sabe que a gente tem um mundo de oportunidades e serviços também que se abrem para a internet, de possibilidade de a gente se comunicar, de a gente se articular, de a gente fazer coisas juntos, de nós nos comunicarmos, de eu colocar a minha opinião no mundo, ler a opinião do outro no mundo, de ouvir o outro, mas, para todas essas coisas, a gente precisa de um ambiente saudável. Não basta para nós que tenhamos a internet, porque a internet também traz aumento de vulnerabilidade, insegurança... A gente aprendeu com um quilombola colega que ele precisou, num dado momento, para garantir a segurança dele, desligar a internet. Então, essa é uma metáfora, quase, de como, em alguns momentos, nós precisamos entender que nem sempre a internet é o canal para o aumento da segurança das nossas vidas, ou do meio ambiente, ou da proteção do território em que a gente vive. Às vezes, nós precisamos defender o nosso território desligando, sim, a internet. E a democracia precisa de um ambiente de informações verídicas. Então, o contexto em que a gente vem, em que está vendo isso acontecer, é um contexto de muita desinformação.
A gente sabe também que o funcionamento da internet é muito diferente do da radiodifusão, mas a gente precisa voltar e não pode permitir que a concentração de poder e o desrespeito à lei continuem impunes. As empresas estrangeiras que operam no Brasil precisam operar sob a legislação nacional. A recusa em acatar decisões judiciais não pode ser tolerada, não é razoável isso. A gente está falando de um bloqueio temporário, a gente não está falando de fechamento de empresa, a gente não está falando de desligamento de plataforma para sempre. A gente está falando de uma punição, que é para que uma empresa entenda que ela precisa acatar a legislação nacional.
E a concentração de poder na mão de poucas empresas de comunicação é uma ameaça, representa uma ameaça direta à pluralidade, à liberdade de expressão, de informação e à democracia.
Eu estou tentando... Eu sinto muito que estou agora lendo mais, mas eu quero só finalizar dizendo que a gente precisa estimular a concorrência, a entrada de novos agentes econômicos também de pequeno e médio porte, em especial, na Amazônia. E a gente precisa revisar as regras de uso compartilhado de infraestrutura. Por exemplo, quando houve as chuvas desastrosas no Rio Grande do Sul, uma das medidas que as empresas adotaram foi compartilhar as torres de infraestrutura que elas tinham para que empresas concorrentes pudessem acessar as mesmas torres.
A Starlink solicitou autorização para lançar novos 7,5 mil satélites na baixa órbita do Brasil. A gente vai precisar olhar para esse pedido de autorização e rever as condições em que ela está entrando no Brasil. Ela está respeitando a legislação nacional? Ela vai se submeter às condições, às leis que nós estabelecemos, que estas Casas, que as nossas Casas Legislativas estabeleceram? Ela vai ter contrapartida social? Ela vai oferecer condições de acesso para as populações quilombolas? Ela vai conectar as escolas do Brasil? Quais são as condições que a gente vai estabelecer para novo lançamento de 7,5 mil satélites da Starlink no país?
Então, acho que abriram muitas questões.
Eu sinto muito pelo...
Eu não quero extrapolar o tempo de fala. Eu agradeço a oportunidade. E acho que existem muitos subtemas, dentro desse mesmo tema, que a gente pode explorar e continuar abordando no debate.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço à Sra. Oona Castro pelas contribuições e pelas perspectivas apresentadas e passo, desde logo, a palavra ao Sr. André Boselli, que é o Coordenador do Programa de Ecossistemas de Tecnologias de Informação e Comunicação da Artigo 19 Brasil - é a qualificação que eu tenho aqui.
Sr. André, muito obrigado pela presença, pela disponibilidade, e lhe concedo dez minutos para a sua exposição inicial.
O SR. ANDRÉ BOSELLI (Para expor. Por videoconferência.) - Perfeito.
Agradeço, Senador.
Primeiro, queria checar se vocês me escutam bem. (Pausa.)
Perfeito. Obrigado.
Bom dia, Sras. Senadoras, Srs. Senadores; bom dia a todas as pessoas que nos acompanham também.
Primeiro, eu queria parabenizar a iniciativa de realização desta importante audiência pública e, claro, agradecer a oportunidade de participação.
Como disse o Senador Sergio Moro, meu nome é André Boselli. Eu sou jornalista e advogado e trabalho na organização Artigo 19 Brasil e América do Sul, onde coordeno então esse programa, que é o Programa de Ecossistemas de Tecnologias de Informação e Comunicação.
A Artigo 19 é uma organização não governamental de direitos humanos. Foi fundada em Londres, em 1987, e busca promover e defender a liberdade de expressão e o direito de acesso à informação.
O seu nome, Artigo 19, é, claro, uma referência ao Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê justamente que todo ser humano tem direito de acesso à informação e o direito à liberdade de opinião e de expressão, sem interferências externas indevidas.
A gente tem várias linhas de atuação, e, para o que aqui interessa, eu queria destacar duas. Uma delas são atividades para discutir a relação entre integridade eleitoral e liberdade de expressão, especialmente na temática de tecnologias de votação e como esse tema - tecnologias de votação ou sistema eletrônico brasileiro de votação - é discutido na área pública, e a outra linha é sobre regulação econômica de plataformas.
Sendo eu aqui a última pessoa a fazer uso da palavra - acho que tem vários pontos que já foram mencionados anteriormente -, eu tinha um roteiro programado, mas vou me permitir tentar ir mais direto ao assunto que ainda não foi tão discutido assim, que é justamente o aspecto concorrencial das plataformas digitais, das redes sociais, conforme bem frisou a minha colega Oona, que me antecedeu. Eu acho que esse é o ponto fundamental da discussão e que passou um pouco, talvez, despercebido aqui nesta discussão.
Mas, antes disso, eu só queria também fazer algumas ressalvas e algumas contextualizações.
Eu acho que o tema objeto desta audiência aqui, a suspensão do X e o bloqueio das contas da Starlink, tem que ser analisado enquanto um processo, enquanto uma cadeia de acontecimentos, ou então, nas próprias palavras do Senador Marcos Rogério, como um filme, e não como uma fotografia congelada dessa decisão, como se ela tivesse surgido do nada. Então, eu pretendo fazer essa contextualização, por meio da proposição de algumas premissas que eu queria compartilhar, e acho que, se houver o entendimento, um acordo sobre essas premissas, a gente, sim, depois, num momento posterior, vai conseguir evoluir para uma discussão mais substantiva.
Eu passo, então, a essas premissas que eu gostaria de compartilhar.
A primeira é em relação à figura do proprietário do X, do próprio principal acionista da Starlink. Eu acho que seria apropriado dizer que ele não é, exatamente, um defensor da liberdade de expressão. O próprio colega, o Paulo, que nos antecedeu aqui, deu alguns exemplos da Índia e da Turquia, países nitidamente com traços autocráticos, nos quais decisões judiciais e decisões do próprio Poder Executivo determinaram remoção de conteúdo, remoção de perfis, e isso não foi contestado pelo proprietário do X; muito pelo contrário, ele ratificou que a empresa deveria seguir a legislação desses países talvez um pouco autoritários aí, para dizer o mínimo.
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Também acho que é importante analisar a concentração econômica nesse segmento, e nesse caso específico a gente está falando de uma figura que é multibilionária, talvez um cidadão que esteja muito além do cidadão Kane, muito mais além do cidadão Kane, que é detentor de uma empresa oligopolista, que, portanto, tem o poder - essa empresa - de controlar esses fluxos de comunicação, aliás, como outras redes sociais. Então, quando a gente fala de liberdade de expressão, eu acho que é importante ter isto em conta: são essas empresas que são as controladoras de acesso desses fluxos comunicacionais. Então, ao se falar de liberdade de expressão nesse ambiente, tem que se considerar esse fato e tem que se considerar que talvez essas práticas estejam longe de parâmetros internacionais de liberdade de expressão.
A segunda premissa que eu queria compartilhar diz respeito ao fenômeno da desinformação. Eu acho que é uma discussão bastante intrincada, não quero adentrar muito aqui, mas eu queria apenas citar um caso específico para dizer que, sim, existem certos fenômenos atuais, sociais, econômicos, políticos, que são constituídos para subverter a democracia, para manipular o debate público e assim por diante.
Cito o caso pontual, portanto, do consultor político Fernando Cerimedo, um argentino que, logo após a eleição de 2022, ano retrasado, começou a difundir uma série de narrativas via Twitter, aliás, à época, segundo as quais, essas narrativas, a eleição teria sido fraudada - falsamente, a eleição presidencial. Eu posso asseverar com bastante tranquilidade, eu analisei essa suposta auditoria que foi publicada, analisei minuciosamente, publicamos uma nota técnica a respeito, portanto posso afirmar com tranquilidade que não havia um pingo de verdade ali, era uma tentativa grotesca de distorção da realidade. Isso foi feito de maneira orquestrada. Inclusive, há evidências, aliás, não vou nem dizer evidências, mas há fortes indícios de que essa campanha de desinformação teve relação com o pedido do Partido Liberal para tentar impugnar o resultado da eleição presidencial. Portanto, é um fenômeno que existe e que tem que ser considerado quando a gente está falando desse assunto.
Passo, então, à terceira premissa, que tem a ver com o modelo de negócios das plataformas digitais, das redes sociais. Vou ser muito sucinto, é um modelo de negócios baseado no capitalismo de dados, ou seja, a moeda corrente desse segmento econômico são os dados pessoais dos usuários, que são usados pelas plataformas para vender publicidade direcionada. E aí isso gera o fenômeno da chamada economia da atenção. Então, é preciso que as pessoas, os usuários fiquem cada vez mais conectados para gerarem mais dados, para gerarem mais lucros para essas redes sociais. É por isso que reafirmo que essas empresas são consideradas gatekeepers, são consideradas controladoras de acesso de direitos humanos, além de serem controladoras de acesso econômico também. Elas obstam, elas impedem o acesso de outros agentes econômicos a esse setor. E acho que esse também é um ponto fundamental para ser discutido numa Comissão como esta.
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Passo, então, à outra premissa, que é sobre o que fazer em relação a isso. Aí já me reporto ao caso específico brasileiro. A gente sabe que, sim, o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o próprio TSE, tem tomado a iniciativa de tentar fazer frente a esse estado de coisas. Entendemos, Artigo 19, que essa não é a melhor estratégia. Talvez possamos entender por que isso aconteceu, mas não é a melhor estratégia por vários motivos: primeiro, como já colocado aqui, inclusive, porque o Judiciário brasileiro não tem parâmetros muito claros sobre liberdade de expressão. Isso é uma constatação de uma pesquisa que nós, Artigo 19, fizemos, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. Portanto, se esses parâmetros inexistem, é provável a hipótese de decisões casuísticas, decisões arbitrárias.
Segundo, tem a questão da própria transparência do Judiciário. É um segmento do poder que tem gozado de tanta transparência assim em alguns quesitos. Aí eu estou falando também especificamente do próprio fato de muitas decisões judiciais determinando suspensão de conteúdo, determinando banimento de contas serem sigilosas. Então a gente não consegue exatamente saber o que está acontecendo, não consegue sequer saber qual é a magnitude do problema.
Quanto a isso, eu me somo ao colega Paulo Rená também, que falou - e aqui eu digo isso muito respeitosamente - de uma espécie de mora legislativa sobre o assunto. De fato, a gente tem uma lacuna regulatória e, diante dessa lacuna, a gente corre esse risco de o Judiciário, sem esses parâmetros legais estabelecidos, passar a decidir sobre algo que não foi objeto de legislação.
Por fim, falo do chamado teste tripartite, para determinar se uma restrição à liberdade de expressão é ou não legítima. Muito resumidamente, esse teste, estabelecido pela jurisprudência do direito internacional dos direitos humanos, diz que qualquer restrição à liberdade de expressão deve estar: 1) previamente prevista em lei; 2) atender ao objetivo legítimo permitido pelo direito internacional dos direitos humanos; e 3) ser necessária em uma sociedade democrática, cumprindo com os requisitos de adequação, necessidade e proporcionalidade.
Parece-nos que a decisão objeto dessa discussão, determinando a suspensão do X e o próprio boqueio de contas da Starlink, não passaria nesse teste, principalmente no teste de proporcionalidade. É uma decisão desproporcional, porque atinge milhões de usuários; portanto, obsta o direito de acesso à informação e de expressão de milhões de usuários. E também, além disso, talvez sequer consiga atingir o objetivo a que essa decisão se propõe, que é impedir certas coisas. Então, a gente sabe que, se correta a hipótese de que existem certos grupos promovendo crimes e ilegalidades no ambiente digital, esses mesmos grupos podem continuar fazendo isso em outros ambientes digitais.
E aí, sim, para concluir, eu retomo aqui a discussão sobre modelo de negócio e sobre concorrência econômica. Eu acho que, sim, existe a discussão sobre o PL 2.630, uma discussão importante, regulatória. Não vou entrar no mérito disso, mas tem uma outra discussão que ainda é muito incipiente no Brasil, e em outros países nem tanto, principalmente na Europa, que é a discussão sobre regulação econômica. Se isso não for discutido, a gente vai correr o risco de sempre ter que discutir, ou, no mais das vezes, ter que discutir, que discursos são ou não permitidos. Portanto, a gente vai ter que discutir, no limite, moderação do conteúdo. Isso é perigoso para a liberdade de expressão, e não só é perigoso como nem sequer vai na raiz dos problemas, que são problemas notoriamente econômicos, de concentração econômica, de concentração, portanto, de poder político também.
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Então, para que essa raiz seja colocada na mesa e seja escrutinada e discutida, é importante falar de regulação econômica, para que, quem sabe, num ambiente digital mais competitivo, a gente possa ter mais pluralidade, mais diversidade, mais inovação tecnológica e uma série de outros requisitos, uma série de outras circunstâncias que, de alguma maneira, vão mitigar os efeitos perniciosos que essa atual arquitetura de redes tem gerado no Brasil e no mundo.
Eu acho que, em linhas gerais, é isso.
Eu agradeço mais uma vez pelo convite e me coloco à disposição para debates e esclarecimentos adicionais.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu agradeço aqui ao Dr. André Boselli pela explanação.
Acho que um ponto fundamental da sua exposição, com que eu tomo a liberdade de dizer que também concordo, é a questão da desproporcionalidade, porque, a meu ver, há problemas de ambos os lados, mas os grandes prejudicados aqui são os usuários brasileiros, que, de repente, veem o seu direito de se expressar e de se informar, através da rede, com o mundo inteiro, e não só entre nós, tolhido pela suspensão.
Então, agradeço, Doutor, as suas exposições e eu abro a palavra aqui aos nossos Senadores para considerações ou para perguntas.
Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Para interpelar.) - Senador Sergio Moro, inicialmente, eu elogio a sua iniciativa e a condução desse debate. É muito importante a gente aprender a construir com as diferenças.
Eu confesso que assisti com muita atenção, sou fã do economista Paulo Rabello de Castro - ele sabe. Em muitas oportunidades, já estivemos juntos, discutindo. É uma das pessoas que mais pode contribuir com a minha cidade do Rio de Janeiro, com o meu estado e com o país. Mas eu confesso que eu fixei justamente no lado oposto, porque um bom debate é assim, essa é a mágica da democracia. E serve para a gente refletir e poder avançar.
Eu já vou iniciar dizendo que o maior problema disso tudo é a inércia do Congresso Nacional. A gente errou e erra o timing. E também é compreensível - quero deixar claro -, porque a tecnologia avança em uma velocidade de que o ser humano e principalmente o Congresso vão estar sempre correndo atrás. Foi assim com o marco das startups, de que eu fui Relator: já havia todo um ecossistema, e a legislação veio depois - nesse aspecto, positivamente. Foi assim com o marco das criptomoedas, e a gente já viu que inclusive uma emenda minha, que foi negada, a gente precisa trazer de volta, que era a segregação do patrimônio, que hoje é um apelo de todos. E a gente vai amadurecendo nesse debate. Então, são dois exemplos curtos, mas poderia dar aqui tantos outros.
A gente está aqui discutindo inteligência artificial. E é importante a gente buscar não ideologizar o tema. A tecnologia é própria: ela não é de um partido, não é da esquerda, não é da direita; ela é uma forma de manifestação.
Eu quero registrar aqui que eu acho que talvez seja da nossa Constituição hoje o artigo mais importante, além do art. 5º, o art. 220. O Constituinte foi tão brilhante, que, em 1988, sem prever que teríamos hoje as redes sociais, ele colocou ali que é livre a manifestação por qualquer meio, forma ou veículo. E as redes sociais são um veículo de comunicação.
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Nesse aspecto, quero também destacar falando do dano coletivo dessa decisão. Eu, por exemplo, nunca leria o jornal O Tempo, de Minas Gerais, não porque eu goste ou desgoste. Eu sou do Rio de Janeiro, não há circulação do jornal O Tempo no Rio de Janeiro. E no X eu era um leitor assíduo do jornal O Tempo. O jornal O Tempo perdeu um leitor, dentre outros vários.
A própria TV tradicional, os canais de mídia tradicional se valem das redes sociais, e aí eu posso citar alguns programas esportivos que repercutem opiniões, inclusive posts de redes sociais: o próprio SporTV, da Globo, da GloboNews, do G1, da Globo, ele repercute. E posso dizer também que as redes sociais repercutem os veículos tradicionais, é um grande canal de acesso à informação de que se valem os veículos tradicionais. Eu fiquei muito impressionado aqui, e está certo, quando dizem que esses também perderam a audiência. Quantos seguidores tinha o jornal A, o jornal B, e eles perderam? Perderam, e talvez não voltem, mesmo se a rede X voltar. Então, o dano coletivo é enorme.
Senador Sergio Moro, na verdade, parece aquela piada do amante que chega em casa, e encontra lá o... ou do marido que chega em casa, encontra o amante da mulher, ou poderia ser o inverso, a discussão não é de gênero, poderia ser o inverso, e resolvem fazer o quê? Tirar o sofá da sala. O que o Ministro Alexandre de Moraes fez foi tirar o sofá da sala. Por quê? Nós somos de outra geração. E é muito óbvio para mim que tanto o Presidente Lula - isso não é uma crítica pessoal, é porque é uma pessoa de outra geração; eu também sou, tenho dificuldade com a tecnologia - quanto o Ministro Alexandre de Moraes e muitos outros brigam com a tecnologia.
Meus amigos, a tecnologia é inexorável. Quem não entender isso vai ser atropelado pela história, vai ficar marcado pela história, porque essa evolução tecnológica está associada à evolução da própria humanidade. Eu achava o fax, a máquina do fax, uma das coisas mais impressionantes que se criaram na história, naquela época em que veio o fax. Como é que você passa um documento do lugar A para o lugar B, a distantes quilômetros, e sai lá todo impresso, não é? Já era isso a tecnologia. E hoje a gente vê o que a gente faz com o avanço dessa tecnologia - como, para o meu avô, o telefone, a TV colorida. Então, a tecnologia é inexorável. A gente está brigando com a tecnologia.
E, mais do que isso, o Poder Judiciário, o STF em si, está não só brigando porque trouxe para ele essa discussão - e também não vou fulanizar, poderia ser qualquer outro ministro, e eu estaria fazendo a mesma crítica, e a minha crítica contundente -, mas também ele está brigando com a tecnologia. E a gente está falhando, porque quando a discussão vem aqui para o Congresso, aí a gente entra, aí sim, numa discussão ideológica, que é o que nos diferencia, mas a gente tem que aprender a construir com as nossas diferenças. Muitos aqui querem mais estado, outros querem menos estado. Isso é uma discussão, aí sim, ideológica, econômica e tem outras repercussões, mas ela tem uma origem ideológica de mercado, de comunismo, de Estado, de liberdade econômica. Eu falo de liberdade econômica, não só liberdade de expressão.
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Então, assim, essa é uma discussão que a gente precisa amadurecer, porque, na hora em que ela chega aqui no Congresso, a gente está discutindo se deve ter um conselho da verdade. Olhe como é que a gente está enviesando essa discussão para o lado errado e não saindo do lugar. Ninguém é dono da verdade, ninguém é dono da informação, ninguém é dono da comunicação.
A tecnologia, a comunicação hoje é tal qual o ar que a gente respira. É essencial o que disse um dos palestrantes sobre o que está acontecendo, essa aproximação dos estados, das regiões mais distantes do nosso país com a civilização, com o mundo. Porque também não dá para ficar atrás nisso, o que está acontecendo com a Amazônia, com as tribos. Eu vejo o trabalho bacana do Senador Plínio, que estava me contando que ele compra as starlinks e distribui as antenas, que eles fazem um consórcio nas tribos.
Por isso eu digo que é inexorável a tecnologia. A gente não pode segregar essas pessoas ao passado, quando o mundo hoje está absolutamente conectado. A tecnologia é uma ponte, é uma ponte que liga territórios, e as redes sociais são uma ponte, através da tecnologia, que liga territórios e liga pessoas.
A gente fala tanto em democracia participativa, e eu tenho até uma monografia a respeito disso. Quando não havia redes sociais, eu escrevi: como é que a gente traz para o mundo de hoje as arenas da Grécia, onde a população se reunia para discutir, para debater? E lá devia ter opiniões que alguns consideram ignorantes, tóxicas; mas o debate faz parte. A gente não pode, nessa discussão de mais Estado e menos Estado, achar que o Estado vai tutelar o que você pensa. "Ah, isso é tóxico! Então tira o sofá da sala". Não!
Eu, na minha timeline lá do antigo X, eu tinha muita coisa que eu não queria nem ouvir, eu passava adiante. Meu filho outro dia estava vendo no YouTube... Porque parece que é só o X, mas todas as redes sociais podem ter - vou usar este discurso agora, até apropriado pela esquerda - algo de tóxico. Meu filho outro dia estava vendo um canal de extrema direita sobre os militares, e eu tive que intervir e dizer: "Calma, não é assim, os militares prestam um papel importantíssimo para o país no desenvolvimento tecnológico, na indústria de defesa, na pesquisa, na questão nuclear", e estavam, nesse caso, analisando se foi correto o socorro ao Rio Grande do Sul, e como se isso fosse definir a importância da defesa, das Forças Armadas. Mas eu tive que interceder. Como um amigo da escola: mesmo sem rede social, ele poderia influenciar mal o meu filho, e eu iria interceder, os pais vão interceder, os pais vão ter que controlar mais com as redes sociais. É um desafio, mas é um desafio do nosso tempo! É inexorável.
Aí, falando dessa questão tóxica, eu queria, antes até de concluir, avançar aqui rapidamente e fazer uma pergunta, que pode ser ao Paulo ou a qualquer outro que nos assiste, que souber. Dizem que o X é uma rede tóxica, com conteúdos de ódio. E eu falei aqui tanto da importância da informação de canais que eu acesso, que eu não acessaria regularmente. Aí eu faço a pergunta. Tem um estudo do quanto, depois dessa liberação aí do X, ou esse menor filtro que ele colocou...? O que é tóxico? Qual é a percentagem do que é considerado tóxico? Embora eu não vá nem entrar nessa discussão de como é que a gente define qual é a natureza, eu só queria saber assim, percentualmente, um número. O que é tóxico? É mais de 50%? Isso é uma pergunta só para eu concluir depois.
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O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Não quer fazer todas as perguntas? Porque eu não sei se a Senadora... Ele responde primeiro?
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Fora do microfone.) - Ele responde primeiro.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Está bom.
Talvez para o Paulo então?
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Para o Paulo.
Paulo, é só porque você está aqui, mas, se tiver outra pessoa assistindo que queira responder, alguém que tenha um estudo do que é tóxico... Porque senão parece que tudo que está ali é tóxico, e não é.
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM (Para expor.) - Senador, obrigado pelas perguntas.
Primeiro, só para dialogar com o Senador Esperidião Amin, que já se ausentou da sala, quero registrar que o WhatsApp foi adquirido pelo Facebook, não pelo Twitter. Depois a empresa mudou de nome, passou a ser Meta, e o Facebook hoje é um dos produtos que essa rede oferece. E a gente trata de um problema eminentemente econômico que é justamente a concentração. Na minha época, a gente aprendeu que era a holding e o truste. Nesse caso, a gente está tendo um truste, porque é uma empresa que detém a atuação em várias áreas econômicas diferentes - a Meta tem o Instagram, tem o WhatsApp e tem o Facebook. E a gente tem certos problemas que decorrem desse cenário, em especial do ponto de vista nacional, porque a gente está lidando com uma empresa que não é brasileira. E todos esses recursos, como bem apontou a Oona, que a gente concede à plataforma não retornam diretamente para os bolsos dos brasileiros, não retornam diretamente para o Brasil.
Um aspecto, Senador, muito direto em relação à plataforma X são as propagandas não controladas de jogos de apostas: a gente não consegue ter números, porque a plataforma fechou o acesso à API que permitia o controle dos números. Até o ano de 2022, quando o Elon Musk adquiriu a plataforma, o Twitter tinha uma ferramenta, uma API, que permitia que jornalistas, especialmente jornalistas de dados, monitorassem o fluxo das plataformas. A empresa fechou essa ferramenta, então é impossível fazer essa medição. O que a gente consegue registrar é que houve um aumento em termos de pessoas reclamando a respeito dessa falta de moderação.
O Iris, do qual eu faço parte, fez uma pesquisa recente, que está prestes a ser publicada, em relação às reclamações no Reclame Aqui - foi o termômetro que a gente conseguiu encontrar - de pessoas que protestam contra a forma de moderação das plataformas. Uma das reclamações é que as empresas não removem certos conteúdos. Que tipo de conteúdo que eu estou classificando como conteúdo de ódio? Nazismo. E esse é um exemplo grave, é o exemplo caricato do que é um absurdo, e que a plataforma está admitindo. A plataforma X está repleta de conteúdo nazista. A gente tem até GIFs exaltando o nazismo. É um absurdo, é uma coisa absolutamente insustentável. E, infelizmente, em uma rede que a gente já teve desde situações mais lúdicas, como o "Cala a boca, Galvão", até situações como a Primavera Árabe, ou enfim, monitoramentos de momentos como as eleições no Brasil, enfim, a gente hoje convive com uma rede que não veda a divulgação de conteúdo nazista. Esse é o problema.
Na metáfora da ponte, a gente tem diversas pontes para poder fazer essa comunicação, e infelizmente tem uma ponte que está furando o pneu dos carros. Tem uma ponte que as pessoas estão quebrando o vidro dos carros. E o Estado pede ao dono da ponte: "Garanta a segurança da sua ponte", e o dono da ponte está xingando, como se fosse uma criança, o destinatário dessa mensagem.
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Concordo, a mensagem poderia ser pautada por normas legais. Isto é um problema: o fato de a gente não ter essas normas legais que digam os limites da decisão judicial.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Eu vou chegar agora na questão jurídica, mas fica claro que primeiro não há um percentual do que é tóxico, não há definição do que é tóxico. Quando fala do nazismo: "Ah, sim, nazismo todo mundo sabe o que é", mas e o comunismo? E o fascismo? E as ofensas que chamam Deputados, Senadores de fascistas?
Eu vi na sua própria fala a dificuldade em controlar o direito de expressão. Eu, pessoalmente, sou um liberal extremo nesse aspecto, porque eu acho que não tem que ter controle nenhum. O controle é seu, o controle é meu, na minha casa, do que eu leio, do que eu vejo com os meus filhos, do que eles estão vendo. É um dever meu, até do pátrio poder...
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM (Fora do microfone.) - Senador, o problema é...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Porque, ao ter alguém para controlar, a gente caminha aí, sim, para uma discussão ideológica que não está tirando a gente desse lugar, a gente não está avançando nisso.
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - Justamente o problema, Senador, é que a rede tem interferido no controle individual. Originalmente no Twitter, você poderia moderar a sua linha do tempo e dizer o que você quer ver e o que você não quer ver.
Hoje no Twitter, por exemplo, a conta que foi criada para expor as decisões do Ministro Alexandre de Moraes aparece para todo mundo, mesmo para quem bloqueia e mesmo para quem não segue.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Mas as pessoas podem passar adiante, e isso daí é informação.
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - O dono da rede está impondo...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - A gente está aqui discutindo exatamente as decisões.
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - Mas o dono da rede está impondo.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Alguns nem leram, estão discutindo decisão, mas tudo bem, a gente continua discutindo.
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - Sim.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Deixa eu só avançar aqui, porque...
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM - Pois não.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Obrigado.
A minha pergunta era objetiva: se tinha algum percentual de o que era tóxico, e a dificuldade em se estabelecer isso.
Agora eu vou para a questão jurídica. Primeiro, vejam como é que censuraram o direito que eu tenho porque o Senador Marcos do Val, segundo o Ministro Alexandre de Moraes, não teve suas redes excluídas; porque a filha de um jornalista exilado - a pena está transpassando para outra pessoa - não teve a sua rede excluída, o que é uma decisão completamente teratológica, absurda, contestável. Por causa disso, tiraram o sofá da sala, e todos nós, até aquele que postava borboletas e girassóis foi excluído.
As redes de informação eu tenho certeza de que proporcionalmente são muito mais posts de informação do que de desinformação - ainda que a gente não tenha o conteúdo do que é desinformação, não é? Mas todos foram. E aí o Ministro Alexandre de Moraes proíbe de usar o VPN, que até em ditaduras é usado, é tolerado.
E aí eu pergunto: eu fui citado dessa decisão? Eu sou parte do processo? Nem o Presidente do Senado Federal que pediu para ser parte no processo contra... Processo não, que não tem nem processo, é inquérito, não tem denúncia, não tem julgamento, não teve instrução, não teve nada. É inquérito. Nem o Senado Federal que pediu para ingressar no processo, o Ministro aceitou! Praticamente fechou a porta e deu um pé na bunda do Presidente Rodrigo Pacheco!
Agora, eu tenho que cumprir uma decisão de um processo em que eu não sou parte e que eu não fui citado, eu não sei nem qual é o teor da decisão. Eu estou ainda refletindo, a gente inclusive decidiu que a gente vai voltar pelo VPN, sim, porque eu não sou parte.
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Então, a questão primeira é jurídica. E olha a interferência - agora eu estou falando em questão jurídica, eu sou advogado e agora vou jogar no meu campo - na vida das pessoas que o Poder Judiciário, o Estado, está promovendo: citação por rede social... Desculpa, mas eu quero lembrar aqui que o Twitter não cumpriu uma decisão do Ministro da qual ele tomou conhecimento por um post numa rede social. O STJ, Senador Sergio Moro, tem já uma jurisprudência pacífica de que é proibido. E isso cria... Essa decisão, ao arrepio da lei, do Ministro de fazer uma citação por rede social cria insegurança jurídica e permite que, em relações trabalhistas, tributárias, de processo civil, seja feita, porque a lei vale para todos, não é uma exceção, a não ser que vamos admitir o que eu tenho dito: estamos vivendo num estado de exceção. Vale para uns, não vale para outros. Mas o juizinho da comarca lá de X, Y, Z vai pegar essa decisão e vai citar uma empresa por rede social. Há segurança jurídica nisso? O STJ já disse que não. É uma decisão, então, ilegal e contra a jurisprudência pelo menos - ilegal, porque não está na lei a previsão; e contra a jurisprudência do próprio STJ, um conflito entre Poderes.
Grupo econômico. Olha que a Justiça do Trabalho já até ampliou conceitos de grupo econômico. Não há na lei esse conceito elástico, mas, agora, vou te contar! Realmente, é como se eu tivesse algum problema e tivesse 40%, 20%, 10%, 5% de ações de uma outra empresa. Vamos lá, a Petrobras. Eu comprei na bolsa de valores e agora a Petrobras vai responder pela minha outra relação jurídica, só porque eu sou sócio da Petrobras. Aí eu ouvi, Paulo, e você falou, porque é tão absurdo que até quem defende já diz: "Não, isso aí, quando chegar lá na turma, vai ser derrubado". Então que se derrube logo, porque isso também tem reflexos em outras relações jurídicas, em grupo econômico no âmbito tributário, gravíssimo, insegurança jurídica, nas relações civis, nas relações de trabalho, ainda mais elástico.
E aí a gente falou: essa discussão é ideológica, mais Estado e menos Estado, e que o Brasil deveria ter uma rede própria, porque as Forças Armadas se valem da Starlink e tal. E quem é que tem o satélite lá em cima? A RNP vai contratar a Starlink? Pelo amor de Deus, não é? Ou o Brasil vai gastar uma fortuna para mandar sete... Só agora são 7 mil satélites, imagina quanto já se tem lá. Se eu não me engano, a Starlink representa quase 60% dos satélites em órbita. Eu li isso em algum lugar, posso estar equivocado, depois chequem o número, mas é um número, assim, extravagante. E vamos criar uma concorrência do Estado com a iniciativa privada.
Aí eu digo o seguinte: essa semana agora, produtores de flores de Nova Friburgo, produtores de morango de Nova Friburgo, produtores rurais de Campos dos Goytacazes me procuraram porque a tecnologia 5G não chega lá. Eu fiz o contato com uma empresa específica de comunicação, e ela falou: "Não está no cronograma, eu tenho aqui na Anatel prazo para fazer isso". Aí eu digo: a velocidade tecnológica... Você não tem isso, vai ser atropelado. É lógico que vão usar a Starlink, se nem a Anatel é capaz de montar. A gente está em pleno século XXI, em 2024, e não tem sinal de celular?
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Quem está aí rodando o seu estado, em campanha, está sofrendo, que nem eu, nas rodovias. Numa rodovia federal, não tem sinal de celular; o produtor rural, que é quem alimenta as cidades, não tem... Aí, pronto, derruba a Starlink. A gente não quer o mal do país, mas dá vontade de falar: "Então vai lá, derruba meu amigo, derruba porque aí você vai cair", porque vai cair todo mundo.
Falaram também de questão jurídica: "Ela não tem representantes no Brasil". Até o Paulo agora falou do problema dos anúncios das bets nas redes sociais. Primeiro, eu votei contra as bets e posso dizer: derrubaram justamente essa regulação de propaganda. Agora o Conar soltou o Anexo X, que ainda não atende; o Governo vai soltar uma portaria, que provavelmente não vai atender, porque as crianças estão sendo... E não é na rede social, não, tá? As crianças estão sendo vítimas do anúncio das bets sem nenhum controle na televisão normal. Então vamos parar de achar que tudo é na rede social. Olhem o mundo como ele é - porra! -, olhem a realidade!
Outra questão jurídica - e aí tem a ver com o que a gente já tratou aqui -: eu também acho que aí que a gente teria que avançar. Não dá para um juiz, um ministro legislar. Ele reduz o papel do Senado, e o Senado se conformou com isso. É uma vergonha! O Senado hoje é desse tamanhinho, falando português claro. Por quê? Porque está faltando - o Senador Sergio Moro sabe - uma dosimetria dessas penas, elas estão extrapolando. Você primeiro deve ser advertido, deve pagar a multa, depois a sua rede cai e, por último, um cataclismo: cai a rede social inteira de todo mundo. Não dá para começar derrubando a rede social de todo mundo, porra! É inacreditável! A gente viu aí no período eleitoral. O cara tinha lá um post da ópera a que ele assistiu, e caiu junto com o post de que o ministro não gostou. Isso é inconcebível! O cara que apague o post, mas não derrubem a rede social dele inteira. Apague o post quantas vezes forem necessárias e, depois de tantas vezes, aí, sim. Falta a dosimetria, falta uma agradação de pena. A gente está falando de pena, de matéria penal. Eu não sou nem especialista, mas eu aprendi que toda pena, sanção, tem a sua gradação. Aí, tiram o sofá da sala.
E por fim... Por fim, não, ainda tem mais uma outra questão, a questão da concorrência. Como é que o Cade ainda não se manifestou sobre essa decisão? Eu não entendo! Porque agora todo mundo está migrando para a única que sobrou e que - prestem atenção - não é um modelo de negócio dela, não é esse, é completamente diferente da outra. Embora sejam redes sociais concorrentes, no X você faz postagens curtas; o Instagram é aonde eu vou para ver fotografia, para ver viagem, para ver culinária, para ver... O modelo de negócio é outro e ele está concentrando tudo lá. Acho que nem o Instagram quer tanta política nele. Inclusive, quem me seguia, do jornalismo, não me segue. Eu não estou postando, eu estou com uma dificuldade, Senadora Damares, porque eu postava no X para dar o norte do que a minha equipe nas outras redes deveria pautar. Agora eu não estou pautando no X e eu estou tendo que rever tudo isso. Eu imagino quem ganha dinheiro com isso. Eu não ganho dinheiro com isso. Perdi lá 50 mil seguidores, era a rede em que eu tinha mais seguidores. Eu não sou o meu querido colega Flávio Bolsonaro nem o Presidente Bolsonaro. Eu estava ali construindo isso. Tem um dano.
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E, por fim, aí sim, a insegurança jurídica dessas decisões em uma canetada. Olha, se eu fosse um investidor no Brasil, eu ficaria muito preocupado, porque, se um ministro tem o poder de, numa canetada, arruinar um negócio, um investimento bilionário, imaginem o que vai poder acontecer com a sua empresa de menor porte. E pior: como não é respeitada a competência originária nessas discussões, o que deveria, até porque há outros meios de reparação contra a honra, contra as mentiras - o Código Penal tem lei suficiente para isso -, o cara não tem nem onde recorrer. Ele já está sendo julgado em última instância. Ele não é Senador, não é Parlamentar, não tem foro privilegiado, e está lá em última instância. Ou seja: é um show de horrores e de insegurança jurídica!
Agora, se a gente quiser fulanizar: "Ah, é o Ministro Alexandre de Moraes". Não é, não. É o cara que dá a canetada. Se fosse qualquer outro, eu estaria aqui fazendo a crítica, porque esse daí realmente abusou da nossa democracia. "Ah, é a rede X, o Elon Musk, e eu não gosto dele, ele é isso, ele é aquilo". Não interessa, porque é um veículo de comunicação.
O art. 220 diz: por qualquer meio ou veículo e de qualquer forma. Esse é um direito constitucional! Não gostaram? Mudem a Constituição! Quero saber quem é o Parlamentar que vai apresentar uma PEC para mudar o art. 220. Ponha a cara à tapa! Está muito fácil se esconder atrás do Ministro Alexandre de Moraes e dos seus abusos autoritários.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Contribuição, palavras robustas, jurídicas.
Como tenho dito, acho que os prejudicados são os 22 milhões de usuários, que não têm nada a ver com essas brigas e que postavam os mais variados assuntos. Eu usava a rede X para me comunicar com os meus eleitores, mas eu confesso também que entrava até por lazer, para me informar. Tinha alguns sites que eu seguia, culturais, históricos, e me informava pelos jornais também. Agora, todos os 22 milhões de brasileiros estão privados disso, porque a filha do Oswaldo Eustáquio postou algo que não agradou o Supremo ou porque o outro Senador postou. Fazendo uma metáfora: em carros, automóveis, tem pessoas que violam a lei, furam o sinal, passam o radar em alta velocidade. As leis existem, a regulação existe, mas, mesmo assim, as pessoas continuam descumprindo. Vamos acabar com todos os carros! Tirem todo mundo daí e ninguém vai descumprir a legislação relativa aos carros.
Querida Senadora Damares Alves, tem a palavra.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Para interpelar.) - Presidente, eu não vou fazer nenhuma pergunta, não, mas eu estou muito feliz com o resultado da audiência.
Nós estamos na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. É a Comissão certa para discutir o impacto das infelizes decisões de um semideus, de um homem que se sente semideus, os impactos das decisões do Ministro Alexandre de Moraes, os impactos econômicos.
Eu acrescentei ao requerimento do Senador Moro duas apresentações de dois outros expositores, porque eu já queria começar a fazer uma discussão sobre os impactos sociais, os impactos em vidas, lá na ponta, que podem estar sendo perdidas.
Nós vimos um dos oradores que veio, que foi o Gerson. O Gerson colocou a importância da internet na integração de um povo. Uma frase muito forte que ele ouviu quando esteve na comunidade quilombola Acará, lá no Pará, a que ele levou a primeira antena, que os membros da comunidade disseram: "Agora, nos sentimos parte do Brasil". É muito forte isso, é muito forte.
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Senador Moro, eu acho que não tem aqui no plenário outra pessoa, além de mim e do senhor, mais atacada no Brasil, inclusive na rede X. Eu tenho 2,4 milhões de seguidores só no X e eu estou morrendo de saudade deles - morrendo de saudade -, mas é a rede em que eu mais apanho. É a rede em que o senhor mais apanha também.
As coisas mais cruéis que o senhor possa imaginar, Dr. Paulo - prazer, viu, Paulo? Eu queria muito te conhecer pessoalmente -, as coisas mais cruéis eu sofro naquela rede. Os nazistas de esquerda vão na minha rede e desejam a minha morte todos os dias. Eles desenham a minha morte. Inclusive, já me desenharam sendo empalada, queimada em fogueira - eu e minha filha -, as mortes mais terríveis já desenharam e encenaram naquela rede para mim. Eles me odeiam, dão risada todo dia do estupro que eu sofri aos seis anos de idade. Eu sou a louca da goiabeira naquela rede. Nas outras redes eu tenho até um pouco de carinho, mas no X... Eu fui recomendada muitas vezes: "Não leia os comentários; como te machucam naquela rede!"; mas eu queria tanto aquela rede no ar que de maneira alguma eu diria: "Retirem essa rede do ar". Eu sou uma das pessoas que mais apanham no X - sou eu -, mas eu queria tanto hoje estar com a minha rede no ar. Sabe por quê, Dr. Paulo? Nós estamos no Setembro Amarelo. No meu mandato, eu faço uma campanha de prevenção ao suicídio no Setembro Amarelo. No Maio Laranja, eu faço da prevenção ao abuso sexual. No Outubro Rosa... Eu falo com pessoas e eu sei que mesmo aqueles que me odeiam recebem as minhas mensagens. E vidas são salvas nas minhas redes!
Os Srs. Senadores estão me acompanhando em casa. Eu estou com uma menina na minha casa cujo filhinho de sete meses foi estuprado pelo pai e assassinado de uma forma cruel, um caso que eu soube por meio de uma rede social. Eu postei e cheguei na menina. Ela tem só 20 anos de idade. Sabem o que eu fiz? Achei a menina: "Vem para a minha casa". Ela queria se matar. E aí, Dr. Paulo, aconteceu uma coisa tão incrível com essa história: quando a menina chegou na minha casa... Ela era filha de um casal de missionários - eu não sabia quem era essa menina! - que eu conhecia. Quando a menina chegou na minha casa, Dr. Paulo, para a surpresa - e os Senadores sabem o que está acontecendo com a minha vida esses dias -, a menina é prima-irmã de minha filha. Esse casal de missionários adotou uma menina indígena há 20 anos, e eu adotei uma menina indígena há 20 anos. As duas são do mesmo povo. Uma rede social me levou a uma menina cujo bebê foi estuprado e assassinado. Foi o X. A menina está lá em casa há um mês, eu estou cuidando dela. Uma mãezinha destruída, que queria se matar, porque o bebê foi assassinado dessa forma - estuprado e assassinado dessa forma.
Eu não queria a rede fora do ar, por mais que eu sofra lá, por mais que eu sofra! Eu queria muito estar falando com meus 2,4 milhões de seguidores hoje sobre suicídio.
A gente veio aqui discutir os impactos econômicos, e a gente começa essa discussão sobre quantas vidas eu posso perder por conta de uma decisão impensada de um ministro dentro do gabinete, raivoso, seguido de auxiliares que querem atender o comando daquele homem.
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Aí eu estou lá na Amazônia. A Starlink levou saúde, levou educação, levou interação, levou integração. O telessaúde é uma realidade no Norte, Senador. Eu trabalho com povos indígenas. Eu estive no Marajó quando a primeira antena foi colocada numa comunidade. Na primeira transmissão, via Facebook, todo mundo estava na rua. Na primeira transmissão, eu estava na cidade maior, Breves, e uma comunidade fez a primeira transmissão. Eu chorei porque eles choravam. Choravam ao vivo porque foi a primeira transmissão, a primeira vez que a internet chegou à comunidade.
Meus meninos do Marajó podiam ter acesso à educação de qualidade - e estão tendo -, acesso à faculdade e à EaD, estão tendo. Então, os impactos de uma decisão dessa do Ministro Alexandre nas vidas humanas, vidas que nós vamos perder por causa do telessaúde, crianças que não terão mais uma internet para ir no Disque 100 pedir socorro, as comunidades que não pedirão mais socorro porque era o único instrumento, a aposentadoria que você pode pedir via internet... Eu cheguei uma vez a uma comunidade, Senador, com o barco da Caixa Econômica. E tinha um senhorzinho - essa é uma das cenas que mais me emociona - que ficou na fila do barco. Ele tinha um papelzinho na mão, uma mão calejada, e estava há muito tempo no sol, numa fila enorme. Eu cheguei para ele e disse, "o que o senhor quer nessa fila?", ele, "meu aposento". Destruiu-me. Falei, "seu aposento?", eu entendi o que ele queria. "O que o senhor tem na mão?". Ele tinha um batistério. Ele não tinha certidão de nascimento e no batistério constava que ele tinha 75 anos. Há quantos anos ele já tinha direito a um benefício social? E, dentro daquele barco, ele nasceu, teve a identidade, a carteira de trabalho, o CPF. Entrou no barco, nasceu e já saiu do barco com o benefício. E por que ele não buscava o benefício, Senador Moro? Porque ele não tinha dinheiro para sair da comunidade e ir até a capital, Belém.
A internet está levando para esse povo dignidade, direitos humanos, vida; está integrando esse povo. E na hora que o Ministro deu uma decisão que pode tirar lá da ponta esses serviços, eu fiquei muito indignada e fui à tribuna. Eu estou mais serena. Eu ouvi aqui muita coisa. Obrigada aos expositores que vieram, trouxeram uma colaboração incrível para a gente continuar esse debate. E eu uma vez fui lá à tribuna, muito brava, e briguei muito com o Ministro Alexandre. E eu vou continuar brava, mas as reflexões que foram trazidas aqui, hoje, acho que vão nos dar norte - nos dão norte.
Uma pessoa de dentro de um gabinete, Senador Moro, não pode tomar uma decisão para uma nação deste tamanho, diversa, plural; uma nação continental, que é o Brasil. Uma decisão tem que ser muito bem tomada. Essa nação é atípica, tem as suas especificidades que não podem se amoldar à letra fria da lei - não podem! - e à mente doente de um Ministro.
Então, assim, eu quero agradecer muito. Nós alcançamos os objetivos desta audiência. Obrigada, Senador Moro, por esta iniciativa. Todas as reflexões que foram trazidas vão nos ajudar muito no debate daqui para frente. A gente vai continuar fazendo essa análise dos impactos econômicos por uma decisão indevida como esta, mas a gente vai trazer uma outra abordagem: quantas vidas estão correndo risco por causa de uma decisão indevida?
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Muito obrigada aos expositores por terem colaborado conosco, mas eu estou morrendo de saudade dos meus 2,4 milhões de seguidores, mesmo daqueles que me machucam tanto. Era hora de eu dizer para eles agora: "Procurem ajuda se estiverem em depressão".
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu vou caminhar aqui para o encerramento, dado o adiantado da hora e...
O SR. PAULO RENÁ DA SILVA SANTARÉM (Para expor.) - Se permite o registro do dado que o Senador Carlos Portinho tinha questionado, o centro para a contenção do ódio digital registrou, em 2022 - então, antes da mudança tecnológica -, já sobre o Musk, que o uso diário de jargões racistas foi o triplo da média e o uso de calúnias aumentou entre 58% e 62%, dependendo do tipo. E também a Liga Antidifamação publicou um relatório com dados que mostram um aumento no conteúdo antissemita na plataforma e a diminuição na moderação dessas postagens antissemitas. São dados que estão numa matéria da CNN Brasil de dezembro de 2022.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - O dado diz que aumentou, mas a gente não tem o dado bruto de qual é o percentual tóxico para o percentual de informação, de coisas boas, que certamente é muito maior, porque, na minha rede também, às vezes, vêm os haters, mas faz parte, nós somos pessoas públicas. O Ministro Alexandre de Moraes é uma pessoa pública, ele toma decisão, ele está sujeito a agradar e a desagradar. Não é? Então, não seja pessoa pública, não entre na rede social!
E, só para concluir, eu acabei não falando, quando eu falei das bets, nenhuma delas tem representantes no Brasil, das grandes. Vão ter a partir do ano que vem e tal, mas, enquanto isso, estão tomando dinheiro de todo mundo - não é? - levando o sujeito à morte.
O SR. PRESIDENTE (Sergio Moro. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu quero registrar aqui, primeiro: Senadora Damares, eu tenho certeza de que, apesar dos ataques injustificados feitos a V. Exa. nas redes, tem muito mais cliques naqueles coraçõezinhos do que comentários negativos, e muito mais compartilhamentos das suas postagens do que comentários negativos.
É um ambiente de livre debate, eu também infelizmente sou vítima desses ataques, mas eu nunca defendi o fechamento de imprensa, de rede. Eu acho que até existem remédios para isso, que são ações individuais, calúnia, difamação, dano à honra. São essas as medidas necessárias. Se forem medidas mais drásticas, ameaças, até investigações policiais são cabíveis. Mas eu sou muito atacado - e V. Exa. também o é - desde a época da Lava Jato, em que a gente combateu a corrupção neste país, mas infelizmente os corruptos são fortes, são poderosos e muitas vezes conseguem também distorcer os fatos. Mas eu jamais cheguei ao ponto de defender fechamento de blogue, de jornais, de imprensa, ou coisa da espécie.
Eu acho que ninguém aqui tem a procuração para defender o Elon Musk ou para defender ali a decisão judicial especificamente, mas nós temos um mandato para defender os 200 milhões de brasileiros, ou os 22 milhões, ou naquela estimativa mais conservadora, muito mais conservadora dos 3 milhões que são ativos na rede. E até entendo, sim, tem conteúdos deploráveis. Jamais apelei ali para ofensas de baixo calão, ou propaguei conteúdos que não eram republicanos dentro da rede, muitas vezes também fazendo críticas veementes ao Governo, como é natural dentro de uma democracia. Mas a grande questão é esta: tolhidos os direitos de 22 milhões de usuários; tolhidos os direitos de 200 milhões que não podem acessar a rede; e os danos à nossa reputação internacional.
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Esses dias recebi uma mensagem de um amigo que estava na China, Senador Portinho, que disse: "Estou na China acessando o X e o WhatsApp, que eu não acesso normalmente aqui, mas não tem ninguém me fiscalizando ou me multando, ou pelo menos não tem aquele enforcement em relação a isso". E nós nos aliarmos, ficamos perfilados com China, com Coreia do Norte, com Rússia, com Venezuela, no que se refere a essas liberdades ou ao direito de informação, como foi muito bem colocado aqui pelo Dr. Paulo, que fez a estimativa de um dano de dez milhões por ano nesse primeiro ano de suspensão da rede, ilustram que o Supremo Tribunal Federal deveria, a bem do direito desses cidadãos brasileiros que foram privados, rever a decisão, reformar essa decisão, sem prejuízo de persistir, se entender que juridicamente é cabível, penalizando a empresa, impondo multas ao X, não a outras empresas, evidentemente, ou ao seu próprio titular, ou àqueles que eventualmente são responsáveis por postagens que não seguem as regras. Mas privar todos os brasileiros de acesso ao X, sob pena de multa, como se fosse legislativo, e não é, e, do outro lado, danificando a reputação e a imagem internacional do Brasil, como nós temos visto as críticas que têm sido feitas ao mundo, realmente não é um passo na linha da sabedoria. E não se justifica, a pretexto de salvar a democracia. Não existe aqui, a meu ver, qualquer risco real atual à democracia brasileira. Censurar a liberdade de expressão e direito de informação jamais podem ser compreendidos nessa linha de defesa da democracia, ou nós estamos completamente errados em relação a quais são os fundamentos da democracia.
Então, a desproporção da decisão, sem entrar no mérito do debate, sem entrar na questão do excesso, que, a meu ver, houve de fato por parte do proprietário da rede, mas o fato são os milhões de brasileiros aqui privados dos seus direitos; esse é o ponto fundamental. E, para eles, nós temos o mandato para defender.
Quero agradecer aqui à Senadora Damares Alves, ao Senador Carlos Portinho, por suas considerações; agradecer aos expositores por seus brilhantes posicionamentos, ainda que tenham pontos de vista divergentes em alguns assuntos.
Recebi perguntas aqui pelo e-Cidadania: Kelvin no Paraná; Douglas, de Pernambuco; Allan, do Rio de Janeiro; João, do Rio Grande do Norte; e muitos outros, mas o conteúdo das perguntas já foi aqui respondido pelos expositores.
Muito obrigado. Com isso, eu encerro esta audiência pública.
(Iniciada às 10 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 23 minutos.)