11/11/2024 - 24ª - CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas

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Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO. Fala da Presidência.) - Brasileiras e brasileiros, minhas únicas vossas excelências, Deus e saúde, alegrias e vitórias neste 2024 a toda nossa pátria amada.
Hoje é segunda-feira, 11 de novembro de 2024. Como sempre, nossa CPI excede e é a única da história do Congresso Nacional que costumeiramente faz reuniões também às segundas-feiras, dia de deserto no Senado Federal, porque, no máximo, cinco Senadores estão presentes. Amanhã também terá reunião, quarta-feira também e provavelmente quinta também, e eu explico o motivo daqui a pouco.
Bem, senhoras e senhores, meus únicos patrões, havendo número regimental, declaro aberta a 24ª Reunião da CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, criada pelo RQS 158/2024, para apurar fatos relacionados às denúncias e suspeitas de manipulação de resultados no futebol brasileiro envolvendo jogadores, árbitros, auxiliares, dirigentes, empresas de apostas, enfim, corruptores e corruptos.
A presente reunião se destina à realização de audiência pública com o objetivo de promover o debate sobre a ludopatia, nos termos do Requerimento 109/2024.
E já estão presentes e também remotamente os seguintes convidados do nosso atuante, exímio e escorreito Senador cearense Eduardo Girão, que já está aqui; para variar, ele vai para a tribuna primeiro, fica lá e deixa o Kajuru aqui. Mas, enfim, é o nosso trabalho.
Os convidados são o Dr. Salomão Rodrigues Filho, que é médico, representando o Conselho Federal de Medicina; o Dr. Hermano Tavares, aqui presente - qualificadíssimo por sinal -, que é professor associado da Universidade de São Paulo, a USP, representando o Instituto de Psiquiatria da USP; o Dr. Oscar Rodolpho Bittencourt Cox é médico, membro do Conselho Municipal Antidrogas do Rio de Janeiro, representando a entidade Jogadores Anônimos; o Dr. Vinicius Oliveira de Andrade, médico e secretário da Comissão de Psiquiatria das Adicções da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), representando tanto a ABP quanto a Associação Médica Brasileira, e, por fim, o Sr. André Rolim, ludopata em recuperação.
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Antes de conferir a palavra ao primeiro dos nossos convidados, eu quero comunicar que, regimentalmente e por questão de justiça, o Presidente desta sessão especialíssima será o meu amigo pessoal e Vice-Presidente desta CPI, Senador do Ceará, Eduardo Girão.
E te peço a compreensão, irmão, porque eu gostaria muito de participar, mas o Dr. Andrei Passos me convocou para a Polícia Federal, para um assunto que é de nossa importância, que é a chegada do William Rogatto, de Dubai, onde ele foi preso.
E nós já estamos conseguindo... Eu sei que você vai concordar, evidentemente. Eu ainda não comuniquei os demais membros, mas já te dou aqui a satisfação de que, um dia depois que ele chegar, ele virá à CPI. A gente vai agora à tarde ter essa confirmação da Polícia Federal e saber se ele vai chegar até quarta ou até quinta, porque há um trâmite na burocracia da polícia de Dubai, que lá o achou, e lá ele está preso.
E, finalmente, nós queremos saber se ele vai cumprir conosco, que é entregar aquele computador que tem 40% de tudo que ele não falou ainda, segundo ele, lembra?
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Lembro!
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Também nos deu a palavra de que faria a delação premiada - o Senador Portinho está esperando por isso também.
Então, eu só quero, rapidamente, registrar aqui que creio que você ficou feliz, porque a prisão dele foi uma vitória desta CPI, evidentemente. Nós que ficamos em cima e nós que, inclusive, colaboramos com o achado dele, pois todo mundo pensava que ele estava em Portugal, perfeito? Foi uma vitória da nossa CPI.
Outra vitória da nossa CPI foi uma sugestão que eu dei ao Presidente Lula - uma ideia que ele aceitou... de que ele vai soltar o decreto a partir de 1º de janeiro -, em que o apostador será proibido, a partir de 1º de janeiro, de apostar em cartão amarelo, em cartão vermelho, em arremesso manual, em escanteio, em pênalti; apenas poderá apostar no resultado da partida. O Presidente Lula aceitou na hora - e isso foi motivo de entrevistas ontem no Brasil inteiro -, comunicou ao Ministro Haddad. E eu sei que essa era uma luta sua e tenho certeza de que pelo menos muito a gente vai ver de redução ao que nós estamos assistindo todo dia no Brasil.
Por falar nisso - não sei se o Brasil tomou conhecimento -, esta sessão de hoje tem uma notícia bastante significativa. A Polícia Civil do Rio de Janeiro, Senador Girão, senhoras e senhores, deu início hoje à Operação VAR, que também é uma vitória da nossa CPI. O Senador Portinho foi o primeiro a dar o pontapé, depois nós dois o acompanhamos na posição dele, na questão do VAR, que passou a ser assunto também da nossa CPI.
Essa Operação VAR é contra fraudes em jogos da Série B do Campeonato Carioca. Cinco times são suspeitos de envolvimento em manipulação de resultados, a saber: Nova Cidade; Belford Roxo; São José; Brasileiro, que na verdade se chama Brasil Esporte Clube; e Duque de Caxias.
Por determinação do Juizado do Torcedor e de Grandes Eventos, estão sendo cumpridos 11 mandados de busca e apreensão. Dez deles em endereços do Rio de Janeiro, na Zona Oeste da cidade e na Baixada Fluminense.
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O décimo primeiro mandato tem como alvo um endereço em São Paulo, que seria, Senador Girão, vinculado ao William Rogatto, aquele que, em depoimento a esta CPI, autointitulou-se o rei do rebaixamento - teria ele rebaixado 42 times -, que foi réu confesso, a ponto de declarar, nesse tempo todo, que ele já faturou, manipulando resultados de futebol, o valor abissal de 300 milhões.
E aí temos uma outra notícia muito relevante para esta CPI. William Rogatto foi preso, como falei, pela Interpol, na última sexta-feira, em Dubai, Emirados Unidos. Está sendo extraditado e logo vai ser ocupante do Complexo Penitenciário da Papuda, neste Distrito Federal. E no dia seguinte virá a uma sessão nossa, extraordinária, da CPI - que eu já sei que tem a sua concordância e de todos os nossos membros, especialmente dos cinco que mais frequentam as sessões. Quando aqui chegar, ele vai ter a oportunidade de reafirmar presencialmente tudo o que declarou por videoconferência à nossa CPI e apresentar as provas.
Voltando e concluindo sobre a Operação VAR, ela teve origem em solicitação formal da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj), que detectou fraudes em vários jogos da Série B do campeonato estadual.
Um dos casos mais emblemáticos foi uma partida entre os times Belford Roxo e Nova Cidade, disputada no mês de junho. Segundo as investigações, houve um volume significativo de apostas em bets da Ásia, indicando que o Nova Cidade ganharia o primeiro tempo, mas que o Belford Roxo venceria o jogo no final. Foi o que aconteceu. O primeiro tempo terminou 3 a 1 para o Nova Cidade; no segundo tempo, virada e vitória do Belford Roxo por 5 a 3 - batom na cueca! Obviamente fraude, corrupção, manipulação. Apurou-se que quem apostou R$200,00 acabou ganhando R$5 mil.
Vamos, é claro, convocar os suspeitos de envolvimento para depor nesta Comissão Parlamentar de Inquérito da Manipulação de Jogos de Futebol e Apostas Esportivas.
Vou lá para a Polícia Federal e, voltando, te apresento tudo o que ouvir lá, Senador Eduardo Girão, e também aos demais membros da nossa CPI.
E a Presidência, prazerosamente, passa a ti - as minhas redes sociais transmitindo, porque sei da importantíssima reunião que nós vamos ter aqui, pela qualificação de cada convidado escolhido por ti.
Parabéns.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado, Senador Kajuru.
Antes de você sair, eu entendo essa ausência, importante, inclusive, para a CPI. Eu quero parabenizá-lo por marcar, como o senhor se comprometeu aqui, logo no início desta Comissão, audiências, seja segunda-feira, seja sexta-feira, o dia que for.
Então, nós estamos vendo... esta Comissão Parlamentar de Inquérito está vendo o trabalho dela começar a fazer brotar, como o senhor bem colocou.
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Agora, nós precisamos também marcar - e eu peço ao senhor aqui, pois por duas vezes foi adiado, e ficam muitos jornalistas perguntando para mim e para o senhor - a questão de atletas que já poderiam ter vindo a esta Comissão, que estiveram nas manchetes dos jornais, e a gente tem requerimentos aí aprovados.
Outro que não foi aprovado ainda, e que é preciso colocar, é o do Luiz Henrique. Ele não foi aprovado ainda.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Este...
Rapinho, permita-me...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mesmo que seja para ouvi-lo depois do Paquetá.
Eu concordo.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Este eu atendi ao seu pedido, na semana passada, não é?
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mas não foi votado ainda.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Não, eu sei, mas está na pauta de amanhã.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito, perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Você pediu que colocasse na pauta e que fosse depois do Paquetá.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Isso, isso.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Eu concordei contigo.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Só uma notícia, em primeira mão, para todos aqui.
Eu conversei com aquele Promotor do Ministério Público de Goiás, o Cesconetto, você lembra?
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Lembro.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Ele tem o quê? Ele tem uma delação premiada que trata do jogador Luiz Rodrigues, quando ele jogava na Espanha, antes de vir para o Botafogo. E ele está voltando de viagem. Então, na quinta-feira, eu devo pegar nas mãos dele esta delação, porque aí, com esta delação, a gente tem a motivação e a razão total até para convocar antes do Paquetá.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Está bom.
Eu lhe agradeço demais e o parabenizo pela condução exemplar desta Comissão Parlamentar de Inquérito e lhe desejo uma ótima reunião lá com o Dr. Andrei.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - GO) - Volto já.
Uma ótima reunião para você e para todos os nossos convidados, remotamente e presencialmente.
Assume a Presidência o nosso Vice-Presidente, Senador Eduardo Girão. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Bom, eu convido aqui, para assumir lugar na mesa, o Dr. Hermano Tavares, do Instituto de Psiquiatria da USP, que vai já, já, fazer a sua exposição. Pode ficar aqui ao meu lado, Dr. Hermano.
Enquanto o senhor toma o seu lugar, eu quero dizer da importância desta audiência pública. É uma audiência pública em que a gente vem tentando fazer o nosso trabalho. Eu sei que o histórico de CPI's não é muito positivo no país. A gente já teve CPI's com excelentes resultados - a CPI do Mensalão, a dos Anões do Orçamento -, mas tivemos também, infelizmente, exemplos ruins de falta de produtividade, de se acabar em pizza. E nós estamos aqui para cumprir o nosso papel. É uma CPI com poucos integrantes do Senado Federal, mas que tem conseguido trazer à luz, jogar luz em sombra, em treva, como a gente tem visto, do grande patrimônio do brasileiro, que é o futebol. O futebol... Não é à toa que nós somos considerados a pátria de chuteiras, é uma paixão nacional. E eu, como desportista, tenho visto o futebol se deteriorar, a partir da entrada das casas bets, com essa questão da autorização que nós tivemos aqui, da regulamentação no ano passado, e que eu votei contra; é a questão de a gente ter essa regulamentação das casas de apostas no Brasil.
Estamos vendo essa série de conflitos de interesse, com clube com marca nas camisas; e, nisso aí, o jogador vira aposta, multiplicando a quantidade de indícios de manipulação, de denúncias, e muita gente se afastando do futebol. Eu já tenho ouvido. Fui Presidente do Fortaleza Esporte Clube e tenho ouvido muito os torcedores pegando ojeriza porque perderam tudo apostando, entraram achando até que estavam ajudando o clube, porque viam no estádio as placas que o clube apoiava, que ia na camisa do time, que é o manto, não é? E isso aí é muito ruim para o futebol brasileiro porque virou pajelança muito grande de tudo o que está acontecendo.
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A gente precisa, em primeiro lugar, salvar vidas, proteger vidas, famílias que estão se desestruturando, casamentos acabando, perda de emprego, não é? Porque nós temos aí depoimentos de muitos empresários mostrando que os seus funcionários perderam a produtividade pelo acúmulo de dívidas. Estamos vendo o endividamento em massa dos brasileiros aumentando, R$127 do Bolsa Família já sendo consumidos com apostas esportivas. É o dinheiro que está saindo da mesa do menos favorecido, é a comida que está deixando de ir, porque é aquele sonho de ganhar dinheiro fácil, ali é uma arapuca, é uma armadilha. Então, muito brasileiro inocente - é o país do futebol -, querendo ficar rico, vai lá e aposta. E aí nós estamos vendo propaganda o tempo todo, é uma lavagem cerebral quando você assiste a uma partida de futebol hoje.
E é claro que é uma tragédia anunciada, e nós temos que estancar isso. Uma tragédia anunciada por quê? Porque a pessoa começa a perder, vai deixar de pagar o seu sócio-torcedor, que é uma das grandes fontes de manutenção dos clubes de futebol brasileiro. O cara vai parar de pagar, o sócio-torcedor, porque ele está endividado, é a primeira coisa que ele vai parar de pagar. E a família dele que ia para o estádio muitas vezes, naquela coisa saudável, o esporte foi feito para entreter, para unir, e a família vai ficar com abuso do futebol, porque viu que o seu ente querido perdeu tudo, por exemplo, e não vai mais para os estádios. Então, é uma coisa que é uma questão de tempo para isso acontecer.
O endividamento já está de um ponto de vista tão alto, Dr. Hermano, que nós tivemos uma reunião na Confederação Nacional do Comércio e eles já estão hiperpreocupados porque está havendo uma canibalização do setor produtivo para um setor de aposta que não gera emprego, então, está fazendo o brasileiro perder o emprego, a economia se enfraquecer no país, porque está indo para esses magnatas e o brasileiro perdendo. Então, é só perde-perde com isso aí.
Então, nós precisamos - no meu modo de entender, eu já dei a minha opinião - acabar com isso. Acabar!
Já é um passo o que o Senador Kajuru falou, importante, cartão amarelo, o escanteio, se apostar, mas ter na camisa do time de futebol é um absurdo isso, porque é uma linguagem ali, é a neurolinguística pura, subliminar, uma linguagem subliminar de um marketing para a pessoa apostar.
Então, lá na Inglaterra já proibiram. A partir do ano que vem, em 2025, não pode o clube da Premier League ter patrocinador de casas esportivas nas camisas. E tem que restringir muita propaganda, se tiver que continuar, porque, para mim, o Lula tinha que fazer a mesma coisa que ele fez na época dos cassinos e dos bingos - na época dos bingos -, há 20 anos, quando ele acabou com um decreto... Agora, tem que partir do Congresso isso, acabar com apostas esportivas, porque, naquela época, a corrupção tomou conta. E o Presidente Lula, dizendo defender ali os mais pobres, os menos favorecidos, acabou com aquilo, e foi importante. Tenho que reconhecer aquela atitude correta do Presidente na época. Agora, por que não está defendendo os menos favorecidos? Por que não está defendendo os mais pobres, que são os que mais estão perdendo com aposta esportiva? Por que o Governo Lula não toma essa postura de acabar? Eu acho que, pelo menos, ele tem força aqui dentro do Congresso com a sua base para a gente fazer esse procedimento e estancar essa situação. Então, a presente Comissão Parlamentar de Inquérito foi instaurada com o objetivo de investigar denúncias e suspeitas de manipulação de resultados no futebol brasileiro, envolvendo jogadores, dirigentes e empresas de apostas. Com o crescimento exponencial das casas de apostas digitais, conhecidas popularmente como o mercado bet, surgem concomitantemente os casos de fraude e indícios da atuação de organizações criminosas nesse setor.
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A manipulação de resultados em eventos esportivos, especialmente no futebol, que é paixão nacional, tem se tornado uma preocupação crescente, afetando a integridade e a credibilidade do esporte. Porém, além das questões que envolvem a fraude no futebol, o Brasil enfrenta um grave problema relacionado aos impactos das apostas esportivas na saúde mental de seus cidadãos, e é isso que nós vamos ver aqui. A regulamentação e expansão das plataformas de apostas online têm gerado consequências negativas, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, no social, incluindo perda de patrimônio, violência doméstica, jogo compulsivo e até suicídios.
Além das perdas financeiras, a compulsão pelo jogo pode provocar sérios conflitos familiares. A violência doméstica é uma das manifestações mais preocupantes desse problema, uma vez que o estresse e a frustração resultantes das perdas em apostas podem culminar em comportamentos agressivos e abusivos dentro do ambiente familiar. Veja bem, o futebol antes das apostas, vocês lembram como é que era? A alegria, a família se reunia ali em torno daquela brincadeira e tudo, na torcida. Hoje a torcida virou algo quase que obrigatório no aspecto que está envolvido com a perda do dinheiro ali da família. Como é que você se diverte? O esporte foi feito para se entreter, para unir. Você vai ficar tenso e vai ficar chateado, violento quando você perde, não é só o jogo, é o dinheiro.
E a gente estava vendo os Senadores dizerem aqui, em jogos, que apostaram em resultado, por exemplo, e que o time ia fazer o quarto gol e ele tinha apostado que ia ser de três. E ele torcendo contra o time dele para não fazer o quarto gol. É uma loucura essa questão da ambição! Tem um impacto profundo e duradouro em crianças essa exposição que está tendo na mídia de propaganda, de publicidade - é um negócio de louco -, e em outros membros da família que testemunham tais eventos das apostas.
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Outro aspecto alarmante é a relação entre o vício em apostas desportivas e o aumento da taxa de suicídio. Eu chamo atenção: a grande pandemia do momento, no Brasil, é o suicídio, e eu tenho observado - conversando com médicos em hospitais, em casas de recuperação - que essa pandemia, com o advento das apostas esportivas, ficou muito mais grave. A pressão psicológica e o sentimento de desespero gerado pelas perdas contínuas e pela incapacidade de controlar o vício podem levar indivíduos a considerar o suicídio como uma saída para seus problemas. Estudos e relatos de casos têm mostrado que essa é uma realidade cada vez mais presente, exigindo uma resposta urgente e eficaz das autoridades competentes. Tem aquele artigo, Roberto, do jornal The New York Times que depois eu queria - porque não está aqui - que você trouxesse, que mostra a relação do suicídio em locais que não têm apostas legalizadas e nos que têm. Isso aqui é muito importante.
Diante desse quadro, é imperativo que se compreenda a gravidade da situação e a necessidade de medidas preventivas e de apoio para aqueles afetados pelo vício em apostas. A conscientização sobre os riscos associados às apostas esportivas e a disponibilização de recursos para tratamento e suporte psicológico são passos fundamentais para mitigar os impactos negativos dessa prática. Além disso, é crucial que haja uma legislação extremamente rigorosa, se não proibitiva, das plataformas de apostas, de modo a proteger os indivíduos mais vulneráveis e reduzir os danos associados à ludopatia.
Cabe destacar que a ludopatia, ou jogo compulsivo, é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno de saúde mental. No Brasil, a Lei nº 10.216, de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, estabelece que é dever do estado proporcionar o tratamento adequado a esses indivíduos. Nesse sentido, resta claro que as políticas públicas de saúde mental não estão preparadas para lidar com o aumento dos casos de ludopatia decorrente das apostas esportivas.
A Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 6º, direito à saúde como um direito social. Além disso, o art. 196 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença e de outros agravos. Portanto, a proteção da saúde mental dos cidadãos afetados pelas apostas esportivas é uma obrigação constitucional do Estado brasileiro.
A violência doméstica - eu volto para ela -, que pode ser exacerbada pelo estresse e frustração decorrentes das perdas financeiras no jogo, deve ser abordada com seriedade. A Lei Maria da Penha, que é a Lei nº 11.340, de 2006, deve ser aplicada para proteger as vítimas e coibir os agressores. As autoridades competentes devem estar atentas à correlação entre as apostas esportivas e a violência doméstica.
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E campanhas de conscientização devem ser realizadas para alertar a população brasileira sobre esse risco. Temos visto também uma enxurrada de propagandas de apostas, seja nos meios de comunicação, seja através da internet, com centenas de influenciadores digitais, os influencers, que, enganando o povo brasileiro com promessas mentirosas de ganhos fáceis, têm ficado ricos, muito ricos, à custa da desgraça alheia. Por conta disso, é necessário promover a educação e a conscientização sobre os riscos das apostas esportivas. Campanhas educativas devem ser realizadas para informar a população sobre os perigos do jogo compulsivo e para encorajar comportamentos de jogos responsáveis. As escolas e outras instituições educacionais podem desempenhar um papel importante na disseminação dessas informações.
Para encerrar, a situação descrita acima, o que eu fiz agora há pouco, revela que, além de uma grave esfera criminal e que está impactando diretamente na economia, no varejo e na indústria... Mostra um problema de saúde pública que exige uma abordagem multifacetada que nos obriga a buscar que esse tipo de atividade seja totalmente proibida no nosso país, motivo pelo qual eu apresentei projeto de lei nesse sentido, para proibir aposta esportiva no Brasil, ou seja, acabar com essa prática no Brasil.
Agradeço, portanto, a presença de todo esse time de convidados especialistas nessa realidade aqui. E que possamos levar ao cidadão brasileiro um pouco dos enormes riscos trazidos por essa perigosa atividade.
Peço que você fique atento: nós vamos ouvir aqui pessoas que entendem, e a gente vai por outro viés, que é o viés social, da saúde pública, mostrando o impacto da jogatina na nossa nação.
Então, já passo imediatamente aqui a palavra para o Dr. Hermano Tavares, que é Professor Associado da Universidade de São Paulo (USP). Muitíssimo obrigado pela sua presença, Dr. Hermano. O senhor tem 15 minutos para sua exposição, com a tolerância da Casa, até porque eu sei que o senhor vai ter também uma audiência no STF, não é isso?
O SR. HERMANO TAVARES - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Sobre essa questão de jogo também.
E o senhor tem a palavra.
O SR. HERMANO TAVARES (Para expor.) - Agradeço ao Senador Girão e à coordenação da CPI por esta oportunidade.
Como eu disse antes de começarmos a reunião, é interessante você estudar um assunto por quase 30 anos, e ele não ser exatamente o assunto mais popular, e, de repente, isso causa tanta atenção. Que auspicioso é poder falar sobre isso e que triste que isso tenha se tornado uma questão tão urgente para o nosso país. Então, eu gostaria de fazer algumas considerações gerais sobre o jogo e também sobre a nossa questão de como estamos regulando ou como não estamos regulando e deveríamos, na verdade, começar a regular.
O debate até o momento é um debate estreito e superficial que se estabelece, sobretudo, em cima das questões fiscais, da necessidade de se atingir o equilíbrio orçamentário. E aí a promessa, o ouro de tolo, se vocês me permitem dizer assim, de que a arrecadação da atividade de jogo vai ajudar a equilibrar o orçamento do Governo.
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Também há uma preocupação legítima: a questão da possibilidade de lavagem de dinheiro, porque a lavagem de dinheiro acaba por financiar o crime organizado no país. Porém, a ênfase demasiada ou quase que exclusiva nesses tópicos deixa de fora a questão da saúde e, de uma maneira mais abrangente, a ética da boa governança, afinal, que tipo de mensagem estamos passando para as gerações futuras, investindo na ideia de que você pode ganhar muito fazendo pouco ou quase nada?
Mas, além da arrecadação, o jogo tem impacto na saúde mental, no varejo - me refiro principalmente ao comércio - e no sistema de crédito financeiro, no qual basicamente o que me preocupa muito é o problema da inadimplência. Não se trata apenas dos juros do Banco Central, mas esses juros que são praticados no nosso dia a dia obviamente são incrementados para que os bons pagadores possam pagar pelos maus pagadores. Infelizmente, muitos desses maus pagadores não são pessoas movidas por más intenções, são pessoas adoecidas, entre outras coisas, pelo jogo compulsivo.
Próximo eslaide, por favor.
Então, nesse cenário, eu quero chamar a atenção de vocês que saúde mental não é mais um personagem ou mais um ator, saúde mental é o protagonista dessa questão. A questão do jogo, já apontávamos em 2011, é a terceira dependência mais frequente no Brasil. Bateu o crack, bateu cocaína, bateu uma maconha, bateu qualquer outra forma de dependência com que as pessoas andam preocupadas. Perde apenas para tabaco e álcool, que, aliás, são comportamentos com os quais está intimamente relacionado.
Estima-se que 1% da nossa população, ao longo da vida, preencherá critério para o transtorno do jogo e outros 1,3% para o jogo problemático. Isso dá quase 2,5% da população. E, aí, há um raciocínio fundamental de ser realizado. Vejam que foi assim que a gente avançou a legislação antitabaco: não era só um problema da pessoa que fumava; era o problema das pessoas que convivem com o fumante. Quem tem idade suficiente para isso se lembra de pegar um ônibus e sair completamente defumado lá de dentro; quem tem idade suficiente para isso se lembra de entrar em elevadores e ter que tolerar a presença de um fumante. Quem convivia com um fumante em casa tinha risco oncológico quatro a cinco vezes maior, porque era o fumo de segunda mão. Acontece que existe o jogo de segunda mão. Se você convive com o jogador, mas não joga, não tem problema: você também vai ser assolado pela inadimplência, você também vai ser assolado com o risco de despejo, você também vai ser assolado com a violência doméstica, você vai conviver com isso. E as estatísticas mostram que um indivíduo que é jogador compulsivo mora num lar que tem mais três ou quatro pessoas. Então, a taxa final de exposição da nossa população não é 2,5%, é 10%; são pelo menos 20 milhões de brasileiros que correm o risco, que vão sofrer as mazelas do transtorno do jogo. Detalhe: esses números todos são estimativas subestimadas porque são todas feitas em cima de números que produzimos em estudos antes da legalização das apostas online. Esses números certamente são maiores hoje. E mais estudos são necessários para a gente entender melhor qual foi o impacto da ampla legalização e acesso quase irrestrito a apostas e jogos de azar, que, inclusive, infelizmente, vai atingir também os menores de idade.
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Próximo, por favor.
Então, o transtorno do jogo é o grande desafio; é uma condição grave, associada a desemprego, endividamento, divórcio e ruptura familiar. Setenta e cinco por cento desses indivíduos ainda apresentaram associação com outros transtornos, como depressão, ansiedade e tabagismo. Oitenta por cento dos jogadores que procuram tratamento afirmam que já pensaram na morte como uma saída, aspas, "honrosa" para as suas dificuldades e 15% já haviam tentado isso antes da busca de tratamento. Obviamente, não estão computados aí aqueles que tentaram e conseguiram, pois jamais poderão procurar ajuda novamente. Um em cada sete desses indivíduos já tentou suicídio, e mais gente vai morrer, porque esse é um problema de saúde coletiva que, se não arregaçarmos as mãos e não tomarmos as providências agora, vai ficar cada vez pior. E a responsabilidade está nas autoridades, está no cidadão, está no eleitor, está na mão da sociedade, está nas nossas mãos.
A boa notícia é que esta é uma condição grave, porém tratável, desde que receba a abordagem correta e adequada. Existe, então, o dever ético e moral de preparar o Sistema Único de Saúde, que, como disse o Senador agora há pouco, ainda não está pronto. O dinheiro do jogo tem que ser usado para financiar isso, para mitigar o problema que ele mesmo causou. A lei atual é insuficiente e designa valores ínfimos para uma tarefa hercúlea que vai precisar de um financiamento muito maior.
Próximo, por favor.
É sobretudo uma questão de responsabilidade social. Botei essa imagem justamente para adverti-los do tipo de publicidade enganosa que é feito. Chuva de dinheiro. É preciso cuidar da comunicação social, sobretudo do uso de falsa informação. É preciso que a gente comece a colocar mais ênfase no potencial tóxico e danoso do jogo de azar.
Menores de idade precisam ser particularmente protegidos por razão óbvia. Tem um cérebro imaturo e particularmente suscetível a formadores de hábito. Vamos lembrar: apostar é proibido por lei no Brasil antes dos 18 anos de idade, assim como fumar ou beber. Ídolos, influenciadores e canais digitais têm um enorme impacto, particularmente nessa população mais jovem, e deveriam ser, de maneira irrestrita, completamente impedidos de promover o jogo de azar.
Eu tenho mais uma questão. Hoje, assim como se vê propaganda e diz-se "e beba" com moderação, diz-se "jogue com responsabilidade". Quer ser responsável? Não jogue, não faça aposta. Ocorre que jogar é um entretenimento, vamos reconhecer, mas é uma brincadeira, por assim dizer, com coisa séria. Você está brincando com o dinheiro, o dinheiro que tanto lhe custou, todo o esforço que você fez para conseguir esse dinheiro, você agora vai alegremente arriscá-lo em alguma atividade. Convenhamos, isso não pode ser responsável.
Então, façamos o seguinte: seja menos irresponsável - essa deveria ser a mensagem. Aliás, a mensagem é falaciosa. Ela parte do princípio, toda a proposta de jogo responsável praticada hoje em dia vem no sentido de dizer: "Eu informo o apostador, e, informado, então, ele será capaz de fazer a melhor decisão". Oras, um jogador afetado por transtorno do jogo não pode moderar; é inerente à condição dele. É como dizer: o paraplégico vai melhorar, quando puder se levantar e caminhar um pouco. O jogador será protegido; uma vez que eu informá-lo, ele poderá moderar, porque ele estará informado. Isto é falacioso.
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Vamos falar de novo de responsabilidade. A responsabilidade é tripartite. É o jogador, o apostador devidamente informado, é o provedor de jogo de azar e o Governo. O provedor de jogo de azar tem que se abster da inclusão de elementos estruturais que favorecem a perda de controle.
Não há tempo para que eu possa explanar mais sobre isso, mas vou dar um exemplo.
Quero parabenizar esta CPI por tomar a iniciativa de proibir ou de propor a proibição de cartões amarelos e vermelhos e etc. Quiçá apostar no resultado, quiçá apostar em quem vai ganhar e vai perder é o suficiente e já é problemático. Nós temos dados mostrando pessoas que perdem controle, por exemplo, com a loteca, aquela da zebrinha e do Fantástico. Quando você aumenta a complexidade das apostas dizendo quem vai ganhar no primeiro tempo, quem vai ganhar no segundo tempo, quem vai marcar, quem não vai marcar, você vai aumentando a dificuldade de previsão e, ao mesmo tempo, vai sugerindo uma premiação maior. Mas a arrecadação vai ser maior mesmo é do lado de quem propõe a aposta, não de quem a realiza.
Bom, uma coisa que quero deixar como sugestão para esta CPI, especificamente porque acho assim fundamental: por favor, façam tudo dentro das suas possibilidades para proibir a possibilidade de apostar uma vez que o evento esportivo já começou. Há farta evidência científica de que isto é particularmente nocivo e que estimula a perda de controle e aumenta o risco e a perda real experimentada pelos indivíduos. Aposta é até antes do início do evento, jamais durante o evento. Isso está documentado como nocivo. Isto é responsabilidade. Responsabilidade não é jogar isso na mão do apostador e dizer "agora faça como você quiser". Então, não só a responsabilidade recai sobre o apostador, mas sobre uma indústria efetivamente comprometida com o entretenimento e não com ficar arrancando o couro do apostador e com o Governo efetivamente comprometido com a preservação da vida, e, vou repetir aqui, da vida do seu cidadão, da vida do seu eleitor. É bom que se lembre que isto aqui é uma democracia e que o que se fizer aqui vai ser revisto nas urnas na próxima eleição.
Muito bom.
O próximo, por favor.
Então, o que é uma legislação apropriada? De novo, nós já fizemos um documento com uma proposta mais detalhada de dez tópicos que consideramos importantes. Aqui, eu não trouxe os dez, por questão de tempo, mas trouxe aquilo que eu considero fundamental.
Um exemplo de sucesso que a gente precisa seguir é o do cigarro e derivados de tabaco que foi seguido neste país. Infelizmente, está sendo subvertido pelo problema do cigarro eletrônico, mas ainda é um exemplo internacional de medida com impacto mensurado na população e melhora da saúde coletiva. Então, façamos o mesmo: propaganda vetada em todo e qualquer meio de comunicação, e ponto final. Neste país, não tem mais propaganda de cigarro na TV, no jornal, na internet. A única propaganda tolerada é no ponto de venda, e fim de papo. Advertências visíveis, aliás, nesses pontos de venda. Um QR code, alguma coisa discreta para não incomodar, mas o suficiente para que elas falem assim: "Está com dificuldade com o jogo? Está triste? Perdeu muito? Pegue esse QR code aqui agora". E aquilo o remete imediatamente para um site que vai lhe informar, que vai lhe permitir, por exemplo, fazer um teste em autoavaliação online, que vai, por exemplo, dizer: "Está com dificuldade? O Sistema Único de Saúde tem um Caps próximo a você com profissionais efetivamente treinados". Limite de gasto pré-aposta. Isso é muito importante. Isso, inclusive - já tem estudo mostrando -, é muito apreciado pelos próprios apostadores: "Os caras se preocupam comigo. Ele está me falando que eu tenho que dizer antes quanto eu estou disposto a gastar nas 24 horas de hoje". Esse valor é autodeterminado pelo apostador, mas tem que ter um teto que é determinado externamente e compatível com a renda declarada. "Mas muitas dessas pessoas são isentas porque não têm uma renda superior a R$2,6 mil". Fácil. Então, se a renda vai até R$2,6 mil, você estabelece que o limite para apostas em 30 dias é de até 4% desse valor. Por quê? Porque, de novo, temos estudos que mostram que quem compromete uma renda acima de 4% da sua renda pessoal em jogo tem até 15 vezes mais chances de ter um transtorno do jogo.
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Então, é relativamente simples. Os números já existem. O que precisa ter é vontade política para pôr aquilo que a pesquisa já definiu, certo? Aliás, vai ter que ter cruzamento entre aquilo que o cara está apostando, com o CPF devidamente cadastrado, e aquilo que ele declara como renda, porque isso vai poder localizar quem é o jogador compulsivo e também diferenciar quem é o lavador de dinheiro.
Por último, ainda dentro daqueles elementos que não podem faltar numa legislação verdadeiramente responsável: lista de autoexclusão que tem que ser administrada por um gestor independente. As listas de autoexclusão que existem hoje em dia são de iniciativa das próprias bets. É como se você convidasse a raposa para tomar conta do galinheiro. Ela promete que só vai pegar uma galinha por dia. Quando você vê, o seu estoque acabou hoje à tarde.
Vou dar um exemplo. Meu paciente entra e diz: "Quero me excluir". Ele se exclui, ele está impedido de fazer aposta, mas ele continua recebendo mensagem. Todo dia ele recebe uma mensagem dizendo assim: "Você sabe que tem uma promoção? Você sabe que você pode suspender a sua autoexclusão quando você quiser? Aliás, eu não vou lhe informar, mas dentro de seis meses a sua autoexclusão se expira". E aí, dali a seis meses, eu mando uma mensagem dizendo assim: "Você sabia que você já pode apostar de novo?".
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - "Está aqui um bônus".
O SR. HERMANO TAVARES - "Está aqui! Está aqui uns R$100 para você jogar de graça às nossas - aspas - 'custas'". Vocês entenderam? Não é só chamar uma raposa para tomar conta, mas é uma raposa com um apetite particular para o esfolar, meu caro apostador.
O próximo, por favor.
Queridos, o tempo urge, porque eu devo me deslocar daqui para o STF, onde farei mais ou menos, praticamente, a mesma apresentação. Eu não quero me detalhar muito sobre a questão da agência nacional para o jogo de azar. A gente precisa de algo assim: uma Comissão, uma instância reguladora que possa debater isso de maneira recorrente e que possa fazer uma atualização, porque é um ecossistema extremamente dinâmico.
Veja bem, hoje em dia existe uma convergência de mídias. Então, o indivíduo entra para jogar um videogame, só que existe um videogame que é um cassino social. Quem aqui conhece Mario Brothers? Procura aí depois o Cassino do Luigi. Quem é o Luigi? É o irmão do Mario, do Super Mario. Ele tem um cassino, onde crianças, os seus filhos, são convidados a apostar dinheiro de mentirinha, o.k.? Assim como o cigarrinho de chocolate que existia, eles estão condicionando a nova geração e o futuro cliente das bets. Está bom?
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Isso é o que a gente chama de convergência de mídia, sem contar outros elementos embutidos nesse tipo de situação. Portanto, é preciso que você tenha uma Comissão, instância permanente, que verifique essas coisas e atue de maneira adequada.
Este país, ao contrário do que já se disse, eu acredito nele. Este é um país sério; este é um país que, quando se dedicou a temas que lhe são próprios e candentes, foi capaz de produzir uma resposta que se tornou um exemplo internacional, como nossa campanha contra a aids, nossa campanha contra o cigarro, uma campanha pouco declarada, mas nacional, contra a catarata. Certo? E nós somos um país de paixões. Temos paixão pelo esporte, temos paixão pelo futebol, temos paixão pelo vôlei e, se tivermos esportistas... Tínhamos paixão pela Fórmula 1, aliás, este ano faz 20 anos que perdemos Senna e 2 anos que perdemos Pelé. Não botei aquela foto ali por acaso. Saibam o que vai acontecer se a gente permitir essas coisas.
Vocês conhecem Telecatch? Vocês conhecem luta profissional de luta livre? Campeonatos de mentirinha, ensaios, peças de teatro. Combina-se antes quem vai ser o campeão aquele ano. Se permitirmos as coisas acontecerem do jeito que estão acontecendo, é o que vai acontecer com o Brasileirão, Série A, B, C, D e o alfabeto inteiro, mas o problema é: futebol e esporte falam diretamente com a alma do brasileiro, eles inspiram. A atividade esportiva de alto nível que a gente tem a oportunidade de observar vai se perder e, junto com ela, toda uma fé que a gente poderia ter em nós mesmos.
Vamos seguir o exemplo deste senhor aqui, Pelé. Vamos marcar um gol de placa e estabelecer uma legislação dura para que a saúde coletiva e a identidade nacional possam ser preservadas como elas merecem.
Muito obrigado pela atenção de vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dr. Hermano Tavares, Professor Associado da Universidade de São Paulo (USP).
O senhor trouxe aqui informações e sugestões importantíssimas que eu, como Vice-Presidente desta CPI, vou encaminhar para os nossos colegas, para o nosso Relator, o Senador Romário, e também para o Presidente, o Senador Kajuru, porque o senhor deu aí soluções importantes.
Realmente é uma referência internacional o enfrentamento que o Brasil fez com relação ao vício do tabaco, que estava tomando conta, aumentando, e o Brasil fez isto, diminuiu bastante, e foi referência entre países do chamado primeiro mundo, vamos dizer assim. O Brasil tomou a dianteira com relação à campanha. A gente tem que também agradecer, nesse aspecto, ao ex-Ministro da Saúde, que também foi Senador, colega meu aqui - eu tive o prazer de passar quatro anos com ele -, que foi José Serra. Então ele foi um baluarte ali. Os outros Ministros da Saúde também sequenciaram esse trabalho.
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E por que não fazer isso na questão dos jogos de azar, das casas de apostas?
Agora, o pior, Dr. Hermano, e o senhor sabe disso, é que está tramitando aqui na Casa... E a gente tem que estar muito atento, a sociedade brasileira tem que estar muito atenta, porque o lobby é poderosíssimo, o lobby é poderoso, isso movimenta bilhões de reais para poucos, à custa da tragédia humanitária de muitos, de milhões. Mas eles estão querendo, a qualquer momento, colocar, no Senado Federal, para votar sabe o quê? - que já passou na Câmara. A questão de volta de bingo e de cassino para o Brasil, físicos. Então é um projeto que tem lá um DNA de um magnata estrangeiro, um negócio dirigido.
E esse escândalo das bets, essa devastação que está acontecendo, de vidas e famílias, trouxe um alerta para que a gente evite piorar as coisas com isso. Agora, a sociedade tem que estar mobilizada com relação a essa pauta, que, há 30 anos, tramita aqui e está na boca para aprovar agora. E nós precisamos resistir, a sociedade brasileira. E o senhor é muito importante, porque estuda com afinco, mergulhou, tem experiência de vida e conhecimento técnico para nos auxiliar, para evitar isso.
Mas muito obrigado mesmo pela sua participação.
Já concedo a palavra imediatamente ao Dr. Salomão Rodrigues Filho, do Conselho Federal de Medicina, por 15 minutos, com a tolerância da Casa, para sua exposição, ele que está online. Muito obrigado, Dr. Salomão.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - Minha saudação ao Senador Girão, meus cumprimentos pelo seu grande trabalho nessa Casa.
Eu queria inicialmente cumprimentar o Dr. Hermano Tavares, o Dr. Oscar Cox e o Dr. Vinícius Andrade. E, quando vi os três nomes, já desisti da palestra que eu tinha preparado, para fazer uma coisa diferente, que seria uma inserção, uma contextualização do que estamos discutindo, do ponto de vista médico, junto à sociedade.
O Hermano foi perfeito na sua exposição. E eu, de uma forma muito clara, cumprimento-o pela clareza das suas posições. E é muito difícil falar só sobre a ludopatia, mas a ludopatia eu sei que Vinícius também vai abordar isso, eu imagino, pelo que eu conheço dele, pelo que eu conheço também do Cox - vão fazer uma apresentação voltada muito tecnicamente. Então, eu vou poder falar um pouco sobre essa contextualização, para que eu possa colocar com clareza o pensamento, até também numa prerrogativa de ser o decano deste grupo. Eu tenho 53 anos de psiquiatria e estive 10 anos no Conselho Federal de Medicina, trabalhando na Câmara Técnica de Psiquiatria.
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Com a introdução das novas tecnologias em nosso cotidiano, a internet e os jogos eletrônicos tornaram-se ferramentas amplamente utilizadas - e utilizadas de forma irrestrita. Tornaram-se um dos maiores fenômenos globais na última década. Seu uso saudável e adaptativo deu lugar, progressivamente, ao seu abuso e à falta de controle, que impactaram severamente a vida diária de milhões de usuários da internet, principalmente os mais pobres e os mais ingênuos.
Posteriormente, já mais recentemente, houve o surgimento de centenas de bets - eu não tenho o número exato, mas talvez o Senador Girão tenha -, aliado à publicidade, com a ostensiva presença de ídolos do futebol, tanto da bola como do microfone, que desavisadamente emprestam seu prestígio pessoal, seu nome e sua imagem para avalizar uma atividade que saqueia a população, principalmente os cidadãos das classes D e E.
A influência de ídolos é um peso muito grande para que o indivíduo acredite que vai ganhar dinheiro ali. Aquele ídolo do futebol que ficou tão rico ganhando no futebol internacional e que está aconselhando a jogar numa bet vai ter a sua fala seguida pelos mais ingênuos, pelos mais empobrecidos. E a facilidade para se jogar é outro fator que torna as pessoas presas fáceis, presas frágeis do sistema das bets: basta um Pix.
Eu busquei e encontrei - não fiz um eslaide nem nada -, da economia do vício, um artigo da Folha de S.Paulo, em que me detive agora em outubro. Saiu acho que em 19 de outubro. Assistimos, estarrecidos, à explosão das apostas eletrônicas. E, como a Folha noticiou, o Banco Central identificou, entre janeiro e agosto deste ano de 2024, que foram destinadas às chamadas bets, casas de apostas eletrônicas, algo em torno de R$18 bilhões, até R$21 bilhões, mensais, em pagamentos via Pix, feitos com valores pequenos, o que indica que são pessoas com maior dificuldade social. Isso totaliza a alarmante cifra, nesses oito meses, de R$166 bilhões. Se projetarmos isso para o ano, de oito meses para doze, chega a R$250 bilhões por ano. E aí é preciso dizer que a restrição da liberdade econômica não é sinônimo de autoritarismo, mas que regulamentar com rigor os jogos é questão de saúde pública.
O cidadão, na expectativa de ganhar aliada à imprevisibilidade do resultado para o apostador, estimula a liberação de dopamina, que determina uma excitação e a vontade incontrolável de jogar mais. O sistema de recompensa do cérebro é o circuito que processa a informação relacionada à sensação de prazer e de satisfação. A dopamina é um hormônio ligado a esse sistema. Ela é liberada quando a pessoa aposta. Isso reforça a compulsão, aumentando os níveis de excitação, reduzindo a inibição de decisões arriscadas, ou uma combinação de ambas. Os centros cerebrais envolvidos nesse processo são os gânglios da base, o núcleo caudado e o tálamo.
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A manipulação de resultados é consequência que desacredita o esporte. E quem vai custear esses tratamentos? Certamente será o SUS; certamente as casas de apostas conseguirão driblar essa responsabilidade. Mas ela precisa também ser jogada para as casas de apostas. O vício em jogos de azar não é frescura, mas uma doença classificada pela Organização Mundial de Saúde: a ludopatia.
Eu gostaria de deixar essa contextualização e uma preocupação: a de que as bets vão destruir o futebol brasileiro.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo... Muito bem. Quero agradecer demais a sua participação. É fundamental que a gente possa ouvir pessoas que tenham essa consciência, tenham esse conhecimento. E é uma fala bastante forte, uma fala muito contundente, representando o Conselho Federal de Medicina - a do doutor que falou agora -, Dr. Salomão Filho, que fez aqui uma exposição extremamente produtiva para nós. Então, agradecemos muito.
Até... Essa sua fala, Dr. Salomão, assim como a fala também do Dr. Hermano, que vai ter que sair agora para a reunião lá no Supremo Tribunal Federal que vai tratar desse assunto também... A sua fala merece - não sei se o senhor já publicou - um artigo, porque ela está com um pensamento bem objetivo, de um alerta, que eu acredito que pode somar muito nessa discussão. Então, eu quero parabenizá-lo, Dr. Salomão Filho, representante do Conselho Federal de Medicina, que nos trouxe aqui essa sua participação.
Muito obrigado. Em nome do Senado Federal, eu lhe agradeço.
Agora, já concedo a palavra também, imediatamente, ao Dr. Oscar Rodolpho, do Conselho Municipal Antidrogas do Rio de Janeiro e também da Jogadores Anônimos.
O senhor tem 15 minutos, com a tolerância da Casa. Muito obrigado pela sua participação aqui nesta CPI, nesta reunião de debates importantes sobre esse tema, que às vezes vai passando à margem, mas que eu considero que é o coração e a alma dessa CPI: que é o estrago social, o estrago da saúde mental que nós estamos vendo com relação a essa droga - porque não deixa de ser uma droga que vicia a questão de aposta, a jogatina. (Pausa.)
O senhor tem a palavra, Dr. Rodolpho, do Conselho Municipal...
A gente está sem o som? Eu acho que...
Agora sim, agora está com som.
O SR. OSCAR RODOLPHO BITTENCOURT COX (Para expor. Por videoconferência.) - Agora a mídia abriu aqui.
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Bom, primeiro, uma boa tarde a todos.
Agradeço a possibilidade de falar em nome de Jogadores Anônimos, porque nós sabemos que grupo de mútua ajuda é anônimo, ou seja, aquele portador da doença não poderá aparecer em público, na mídia, em qualquer coisa. Isso faz parte dos princípios e das tradições, já que JA é uma recuperação, é uma opção de recuperação da doença, cujo folheto define o jogo compulsivo como uma doença progressiva. Existe muito mais a perder do que o dinheiro.
Lamentavelmente, o indivíduo não tem consciência de que cada vez mais tempo é consumido com o jogo. O jogador é a última pessoa a dar-se conta do problema. Se você tem problemas com o jogo, nos procure.
E o que é o JA? O que é o Jogadores Anônimos? Jogadores Anônimos é uma irmandade composta por pessoas que compartilham suas experiências, força e esperança, com o intuito de resolver o seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem de problemas com o jogo. O único requisito para fazer parte da irmandade é o desejo de parar de jogar. Não há mensalidades ou taxas para tornar-se membro de Jogadores Anônimos, somos autossustentáveis através de nossas próprias contribuições. Jogadores Anônimos não está associado a qualquer seita, denominação, partido político, organização ou instituição; não almeja envolver-se em qualquer controvérsia; não endossa nem se opõe a qualquer causa. Então, essa é uma opção de recuperação.
O próprio Senador Girão coloca uma coisa muito interessante, que são essas campanhas orientadoras. E eu gostaria que pusessem na tela, como já foi pedido previamente, o que nos Estados Unidos existe: na propaganda do jogo, existe embaixo um QR code em que se encaminha a um centro de recursos para problemas de jogo. E, nesse centro de recursos para problema de jogo, constam todas as opções para ajudar aquele jogador compulsivo.
Aí está, vocês estão vendo na telinha: embaixo há esse encaminhamento.
Então, como nós estamos diante do que aqui foi citado, da propaganda de cigarro dentro dos locais de venda... Os próprios maços de cigarro trazem um aviso de risco e de perigo.
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Então, eu, como médico, me associo ao Dr. Hermano Tavares, que também coloca isto: que se façam essas campanhas educativas, essas campanhas de orientação, porque, hoje, o Jogadores Anônimos... A mim, pessoalmente, membro de um conselho municipal antidrogas, me entusiasma o trabalho de JA em nível Brasil, de uma grande expansão. E eu fico muito feliz de acompanhar de perto, como profissional, essas campanhas.
Para vocês terem uma ideia, vocês tinham, num passado muito recente, apenas grupos de JA em Salvador, Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, Belo Horizonte, João Pessoa, Curitiba, Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis e São Paulo, sabendo-se que São Paulo capital e Rio de Janeiro eram os únicos locais em que se tinha um número mais diversificado de grupos de JA. Hoje já funcionam: Fortaleza, com dois grupos; Maceió; Brasília, portanto exatamente aí; Vitória; Goiânia; Belém; Natal; e Palmas, capital de Tocantins. E também em cidades menores: Campos dos Goytacazes, aqui no Rio de Janeiro; no dia 16, agora, de novembro, vai abrir em São José dos Campos, em São Paulo; teremos em Juiz de Fora; e já está em andamento algum processo na cidade de Manaus, capital do Amazonas, e também, me parece, em São Luís, capital do Maranhão.
Então, neste momento em que se fica um pouco de mãos atadas quanto a uma solução ao portador da doença do jogo patológico, o JA passa a ser uma grande opção não de tratamento, mas de recuperação, em cima de princípios dos quais o próprio preâmbulo de JA se fez enunciar.
Então, eu só posso agradecer essa oportunidade de poder passar esse trabalho profícuo que membros de JA estão realizando em nível de Brasil.
Eu espero que esta CPI tenha resultados muito profícuos e que possamos ter também, nessas casas de jogo, ou mesmo na propaganda dos bets que são hoje oficiais, esse QR code, em que se encaminhe a um, como eu posso chamar, centro de recurso para problemas de jogo, o qual orientará a pessoa não só à JA, como a outros serviços de atenção a uma doença sobre a qual o Dr. Hermano Tavares colocou dados extremamente importantes, que precisam ser levados em muita consideração. E ele coloca, e coloca sabiamente, uma coisa realmente impressionante: que é a terceira dependência química no Brasil, só perde para o tabagismo e o alcoolismo.
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Agora, vocês imaginem, como médico trabalhando na área, a grandeza de doentes e seus familiares que eu recebo, em pleno desespero, somando os alcoólatras, somando os tabagistas e, mais agora, os jogadores compulsivos.
Então, agradeço a atenção e, repito, agradeço à JA esta oportunidade de estar aqui falando em nome de JA e agradeço por este espaço dado pelo Senador Girão e pelo Senador que se retirou aí, cujo nome eu não lembro... Kajuru.
Então, muito obrigado pelo espaço e uma boa tarde a todos! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito bem! Muito obrigado, Dr. Oscar Rodolpho, que é do Conselho Municipal Antidrogas do Rio de Janeiro e também um dos membros do Jogadores Anônimos, que estimula esse trabalho tão importante.
Assim como a gente tem, na sociedade, os Alcoólicos Anônimos, que historicamente fazem um trabalho de resgate muito importante - e, como ele falou, não é de tratamento, é de recuperação -, eu acredito também que o Jogadores Anônimos tem um papel a cumprir.
E, pelas palavras do próprio Dr. Oscar Rodolpho, já abriu em Fortaleza, já abriu em outros estados; está abrindo, está expandindo, e eu acredito que isso tem a ver com essa tragédia hoje protagonizada pelas casas de apostas. Então, a demanda social de pessoas perdendo tudo está tão grande que está precisando esse movimento se reforçar, que é o dos Jogadores Anônimos, criando aí...
E, lá nos Estados Unidos - eu tive a oportunidade de conhecer Las Vegas, de estar lá -, a gente vê que, nas propagandas deles, eles colocam lá... É como aquela coisa de remédio, não é? Colocam lá bem rapidinho, como aquelas propagandas de remédio rápidas, que você tem que ter uma lupa muitas vezes para também... Em algum material impresso, para ver, você tem que ter uma lupa. Eles colocam isso. Eu acho que tem que ser, aqui no Brasil, algo mais contundente, como foi com o tabaco. O tabaco é um grande exemplo de sucesso brasileiro. Aqui se mostram aquelas imagens fortes do que acontece com o fumante, vários problemas físicos, enfim...
Eu acredito que, na questão do jogo de azar, da jogatina, a tragédia é tão grande que se precisa de algo chocante também, porque a gente vê a má vontade - a má vontade! - dessas casas, dessas empresas bets, dessa turma que ganha dinheiro com a tragédia alheia, em trabalhar com relação a poupar as pessoas, ou seja, dando uma porta de saída, como foi colocado aqui pelo Dr. Tavares, da USP, há pouco tempo.
Então, a gente precisa correr contra o tempo. Essa é a grande realidade. Enquanto a gente está fazendo esta audiência pública - e eu agradeço ao Dr. Oscar Rodolpho, mais uma vez, assim como aos outros palestrantes -, tem gente se viciando, porque é uma lavagem cerebral. É o tempo inteiro propaganda com influencers, com pessoas famosas, e isso está levando as pessoas ali pro buraco mesmo, literalmente; está levando pro abismo. E não é uma propagandazinha ali no rodapé que vai segurar ninguém nesse aspecto.
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A gente tem que restringir, mas a gente fica feliz, ao mesmo tempo, em ver um trabalho de idealistas, de pessoas que estão ali, como tem nos Alcoólicos Anônimos, trabalhando nos Jogadores Anônimos, porque isso é uma mão amiga pra tentar tirar algumas pessoas... Mas o ideal é que as pessoas nem cheguem lá, no aspecto de nem entrarem no vício.
Então a gente precisa proteger essas pessoas, porque a exposição ao jogo faz com que muito brasileiro caia nessa. E isso aí é estatística; isso aí foi demonstrado aqui há pouco: quanto mais exposição, mais possibilidade de pessoas entrarem nesse transtorno do jogo, que é uma patologia, diga-se de passagem - a ludopatia. Vamos falar mais sobre ludopatia, que a própria OMS já reconhece como uma doença, que é o vício em jogo.
Então, já passo a palavra ao nosso próximo expositor, que vai falar por videoconferência também. É o Dr. Vinicius Oliveira de Andrade, da Associação Brasileira de Psiquiatria, que reúne mais de 8 mil médicos, e da Associação Médica Brasileira, também outra entidade seríssima de renome no Brasil. E eu fico muito feliz que o Dr. Vinicius esteja aqui participando, representando essas duas grandes instituições.
O senhor tem a palavra, Dr. Vinicius, por 15 minutos, com a tolerância da Casa. Muito obrigado pela sua participação.
O SR. VINICIUS OLIVEIRA DE ANDRADE (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, boa tarde a todos e todas. Agradeço ao Senador Girão e a todas as autoridades presentes, em especial ao Dr. Hermano, Dr. Salomão e Dr. Oscar.
Meu nome é Vinicius Andrade, sou médico psiquiatra, atuo como assistente no Ambulatorial do Jogo do Instituto de Psiquiatria da USP (PRO-Amjo), e hoje venho representar a Associação Brasileira de Psiquiatria - na qual sou membro da Comissão de Adicções - (ABP) e a Associação Médica Brasileira (AMB).
Como médico e representante dos meus colegas, venho dizer a vocês que o jogo não é uma simples atividade de lazer, e sim um comportamento com potencial de dependência e, assim, consequentemente, prejudicial à saúde. Quando se fala de danos do jogo, ele não afeta apenas o bem-estar de um indivíduo, mas também o financeiro e os relacionamentos, afetando famílias, comunidades, com potencial consequência ao longo de toda a vida. Lembro da associação desse comportamento com o aumento do risco de suicídio, abuso de álcool, nicotina, maior incidência de episódios depressivos e ansiosos, além dos endividamentos financeiros.
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Venho citar hoje um relatório publicado recentemente, em outubro deste ano, no The Lancet Public Health, uma renomada revista médica, em que uma comissão de especialistas em transtorno do jogo estima que, globalmente, no ano passado, em 2023, 46% dos adultos e quase 18% dos adolescentes se envolveram em jogos de aposta, e a previsão desse crescimento, de acordo com eles, é de que a perda de consumidores seja estimada, em custos, em quase US$ 700 bilhões até 2028 - então, reforçando que isso não é um problema apenas do Brasil, é um problema em nível mundial -, embora apenas uma pequena proporção dos indivíduos seja classificada como envolvidos em jogos de apostas problemáticos, 1,4%, e 1% para o transtorno de jogo. Lembro que quando a gente fala de porcentagem de 1%, a gente está falando de uma pra cada cem pessoas; dez pra cada mil; cem pra cada 10 mil. Então, considerar o efeito do jogo em todo o seu espectro de consumo é crucial.
Certo. Isso é algo de que vem se falando há anos. Porém, o que há de novo? O Dr. Hermano citou que tem um ambulatório de jogo há mais de 30 anos falando sobre problemas, não é? Mas, hoje, a gente tem questões como a internet. O uso de marketing digital pra atingir consumidores por meio de mídias sociais e dados de usuários, juntamente com patrocínio e ídolos, acelera o processo, que antes exigia um período específico e até ingressos pra você, pro indivíduo ter acesso àquela oportunidade de jogo. E qual a consequência disso? Estamos enfrentando um aumento vertiginoso das apostas.
Dados recentes: de um PIB brasileiro de quase R$11 trilhões, o brasileiro apostou R$24 bilhões. Por diversos aspectos, pode ser justificado; porém, me atento à parte médica e cito, por exemplo, como a mistura de mecanismos adictivos, que antes eram restritos a jogos de azar apenas - como a roleta, caça-níquel -, é inclusa em mecanismos de jogos digitais e, muitas vezes, disfarçada de forma lúdica, atingindo camadas mais novas da sociedade. A gente vê que o jogador altera esse processamento de recompensa do nosso sistema de recompensa cerebral, regulado muitas vezes pela dopamina, aumenta a impulsividade e a desregulação emocional, a falta de controle das próprias emoções. Essa camada mais nova, nossos jovens, que - estudos demonstram -, por aspectos do desenvolvimento cerebral, são mais vulneráveis... E já foi comprovado em vários estudos: se expostos mais cedo, apresentam um potencial maior de desenvolver um uso problemático do jogo.
E o que nós médicos temos a dizer? Como médicos, fizemos o juramento de Hipócrates - prometemos solenemente consagrar a vida a serviço da humanidade, promovendo saúde e bem-estar do indivíduo, guardando o máximo respeito pela vida humana -, então, eu digo: jogar é brincar com coisa séria. Adotar uma abordagem de saúde pública exige a adoção de dois princípios fundamentais: o princípio da precaução - vamos agir antes que isso aconteça, não é? - e o uso das melhores evidências disponíveis.
Assim, recomendamos que as regulamentações - como fizemos em outras áreas, muito bem citadas aqui, da adicção, como o tabaco - olhem pras crianças e jovens, impondo requisitos, por exemplo, de idade mínima e identificação obrigatória; forneçam medidas eficazes de proteção ao consumidor, como a autoexclusão universal gerida por uma entidade, de preferência, independente das casas de aposta; que a regulamentação ocorra proporcionalmente ao risco de danos daquela atividade, por exemplo, estimular jogos que não sejam predatórios, jogos que não estimulem a perda de controle, a compulsividade e a desregulação emocional já citadas.
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E, olha, há muito que se pode fazer sem comprometer a jogabilidade e o prazer de jogar, medidas que limitem o consumo de jogos como limites de depósito e quantidade de apostas executáveis; um limite de gasto por apostas adequado à renda do apostador. Se esse apostador, como também já dito, tem uma renda de R$3 mil, vamos fazer um limite que seja proporcional. A gente sabe que, se o indivíduo gasta mais de 4% da renda que ele tem, ele tem grande chance de desenvolver um processo adictivo.
Além disso, maiores investimentos em pesquisa e tratamento.
Temos o dever ético e moral de preparar o Sistema Único de Saúde pra que ele possa reconhecer, acolher e tratar os indivíduos afetados e seus familiares, fazendo com que, dessa forma, o jogo possa reduzir, ao menos em parte, o mal que ele possa causar.
E reforço que, quando o tratamento é bem realizado, a gente pode evitar boa parte das consequências do jogo já citadas, como depressão, perdas financeiras, ansiedade e o suicídio.
Por último, considerando a complexidade das ações necessárias e a natureza multifacetada dos jogos de azar, tanto em suas versões tradicionais quanto online, propomos também a criação de uma agência nacional para os jogos de azar. Essa agência teria como objetivo central a implementação de uma política de regulamentação flexível e atualizável, que acompanhe as mudanças constantes do setor. Esta poderia ser composta de profissionais multidisciplinares, incluindo legisladores, epidemiologistas, especialistas em saúde mental, economistas, profissionais da tecnologia, entre outros que julgarem necessários. Essa equipe teria como missão estipular, pesquisar e aplicar medidas eficazes pra reduzir os danos associados ao jogo de azar, bem como promover a prevenção e o tratamento das condições relacionadas.
Por fim, agradeço a atenção dispensada à ABP e à AMB e espero que possamos construir juntos um futuro em que o entretenimento seja fonte de bem-estar e não de sofrimento, com políticas justas e um compromisso coletivo.
Temos a responsabilidade e o poder de proteger a saúde mental e a dignidade de cada pessoa impactada pelo jogo.
O tempo para agir é agora! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Excelente, excelente.
Quero agradecer ao Dr. Vinicius Oliveira de Andrade, da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Médica Brasileira, pela sua participação aqui nesta audiência pública. Em nome do Senado, eu agradeço.
Manda, por favor, meu abraço ao Dr. Gallo, que fez e faz um trabalho fantástico à Presidência da Associação Brasileira de Psiquiatria, que tem muito foco nessa questão, não é de hoje. Está sempre participante.
Eu quero também ressaltar aqui os dados que eu prometi no começo da sessão. Nós temos aqui, por exemplo, só pra gente ter uma noção: de 50% a 80% dos jogadores compulsivos já pensaram em suicídio. Eu vou repetir, o dado é assustador: de 50% a 80% dos jogadores compulsivos já pensaram em suicídio. Sabe quanto é a média da população? É 5%. Entre os jogadores compulsivos é de 50% a 80%.
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Agora, olha outro dado gravíssimo, que mostra que é um problema de saúde pública pra ontem. Desses mesmos ludopatas, ou seja, dos jogadores compulsivos, 13% a 20% já tentaram ou conseguiram se suicidar. Sabe qual é a média da população? Meio por cento. Entre os jogadores compulsivos, os ludopatas, é 13% a 20%.
São vidas que nós estamos perdendo, aos montes - vidas -, com essa brincadeira de mau gosto que é a aposta, que só tem coisa ruim junto, só vem coisa ruim. Como falou aqui o Dr. Tavares, está estragando o futebol, está devastando empregos, porque migra o dinheiro da economia, do comércio e até da indústria, que está indo pro jogo. O Bolsa Família foi um exemplo disso - os brasileiros mais pobres. E a gente está vendo aí poucos ganharem com isso tudo.
Então, eu não sei o que é que nós estamos esperando. Devíamos já, o Senado Federal, partir pra refazer o seu erro, reparar o seu erro, que foi ter aprovado aquele projeto no ano passado.
Então, está nas mãos de cada um de nós Senadores, com o apoio da sociedade, bloquear essa sangria desatada de algo que tem prejudicado muitos brasileiros, prejudicado muito o Brasil, especialmente os nossos conterrâneos, os nossos irmãos e irmãs mais pobres, menos favorecidos, que são os que caem nessa lábia de que vão ficar ricos do dia pra noite. O que vai fazer ficar rico é trabalho, é dedicação, não é aposta. E a gente tem visto isso se acumulando.
Eu sou procurado, em todo jogo que eu vou, quando estou na praça ou na rua, é impressionante... E nós vamos ouvir agora um conterrâneo meu, lá do Ceará, que perdeu tudo com aposta. Agora nós vamos ouvir. Família estruturada. É um milagre ele estar vivo. Você vai ver o testemunho dele agora. E eu tenho visto muita gente me procurar, cada vez mais, na porta do estádio, desesperado, com o irmão, ou ele mesmo, que não pode voltar...
Rapaz, é uma tragédia o que está acontecendo, e a gente não pode ficar insensível a isso que está acontecendo, porque as nossas digitais estão lá. Essas digitais de sangue de inocentes envolvidos estão lá. Nós Senadores somos responsáveis por isso, esta Casa, porque falta de aviso não foi. Tudo isso que a gente está vendo aqui... Você pode pegar nas notas taquigráficas os discursos que nós fizemos antes da votação, alertando pro que ia acontecer. Aí agora a mídia do Brasil toda fala, mostrando o comércio incomodado, a indústria, mostrando a canibalização, mostrando os brasileiros usando Bolsa Família, mostrando o endividamento em massa, e nós estamos vendo a ponta do iceberg, a pontinha do iceberg. Então, nós temos que juntos agora reparar isso enquanto é tempo, enquanto é tempo.
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Eu concedo a palavra ao Sr. André Rolim, por 15 minutos, com a tolerância da Casa, pra sua exposição. É o nosso penúltimo convidado; tem mais... (Pausa.) o Dr. André Estevão. Então, Dr. André Rolim, o senhor tem 15 minutos, com a tolerância da Casa. Muito obrigado.
Diretamente do Ceará; eu acredito que de Fortaleza, não é isso?
O SR. ANDRÉ ROLIM (Para expor. Por videoconferência.) - Isso, isso, Senador.
Muito obrigado, mais uma vez, pelo espaço. Obrigado pelo convite de estar participando deste evento, mais um aqui na nossa enorme missão de levar a mensagem, de ajudar a sociedade, que, no final do dia, é a que mais sofre diante de tudo que a gente está vendo hoje.
Eu costumo dizer que a gente está passando por uma nova pandemia, como você mesmo falou, e essa é muito silenciosa, porque o paciente que está doente nem sabe que está doente. Então, ele nem sabe que precisa de ajuda, nem sabe por onde começar, e esse é o grande problema do vício em jogo.
Eu jogava. Como você disse, eu sou um "sobrevivedor" desse assunto. Eu jogava deitado, com o celular na mão, e botando minha filha para dormir; eu jogava tomando banho: abria a porta e fazia as apostas, eu jogava a roleta e fechava; eu não conseguia, às vezes, parar nem pra uma reunião ou pra alguma coisa do tipo. Eu passei a ser um cidadão meio que sem função nenhuma, a cabeça só virava, voltada pra aposta.
E a aposta acontece a toda hora. Agora mesmo, eu posso estar falando com vocês e posso estar mentindo aqui e estar apostado em quais jogos eu quiser, porque as possibilidades são inúmeras. Quando eu comecei nessa vida, passei 20 anos vivendo... O Dr. Salomão falou muito da era digital; eu venho lá da era um pouquinho antes do digital, e eu percebi o quão nocivo ficou com essa facilidade que a gente tem hoje em dia, hoje é pior ainda do que quando eu passei a utilizar, em 2011. E aí a minha vida praticamente virou um jogo, porque eu ia jogar futebol com meus amigos, a partida tinha que ser apostada; eu ia jogar tênis, na hora de lazer, eu tinha que botar dinheiro na frente pra entrar na quadra de tênis. Até hoje eu vejo pessoas, aqui no clube que eu frequento, falando em apostar; elas só entram na quadra se for apostado o jogo.
Então, a vida não ficou só no online. Vamos dizer assim: esse hábito de apostar eu trouxe pra minha vida e pra tudo que eu ia fazer. Então, é muito nocivo esse assunto.
No último domingo, eu estava num evento de família, e um amigo meu falou que o filho dele, de 15 anos de idade, tinha falsificado a identidade e tinha perdido um valor considerável nas apostas, e eu disse: "Cara, me liga. Vamos conversar com esse teu filho". Ontem pela manhã, eu tive uma ligação de uma mulher que estava prestes a se separar por causa de bets, e hoje, depois de eu sair daqui, eu vou fazer um encontro com ele, vamos tomar um café pra trocar uma ideia, pra gente entender como é que a gente faz essa nova caminhada dele.
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Eu sou uma pontinha e eu posso ajudar aqui minimamente algumas pessoas. E, quando eu ajudo o próximo, eu sei que eu estou sendo ajudado. Quando eu participo de eventos, de reuniões como esta, eu sei que eu estou sendo ajudado, porque um dia era eu que não sabia por onde começar e, hoje, eu estou tendo a oportunidade de passar a mensagem.
Para todos que estão nos assistindo, Girão, eu fui o primeiro da clínica, lá em São Paulo, em 2021, a chegar por conta de jogo. Lá, quando eu cheguei, o pessoal perguntava: "Cara, o que é que você está fazendo aqui? Não existe vício em jogo. O vício é em drogas, em álcool e tal". Eu disse: "Não, meu amigo, eu estou no lugar em que era para eu estar. Eu tenho que escutar essas pessoas, porque os comportamentos são muito iguais".
Então, depois que eu saí de lá, em apenas três anos, somente eu, fora o restante do Brasil, já enviei oito pessoas próximas que precisavam de ajuda para uma clínica de recuperação. Então, imaginem a quantidade de pessoas espalhadas por aí que estão precisando de ajuda, assim como eu estive, né?
Hoje, eu estou sendo chamado por empresas grandes para dar palestras de conscientização, de reflexão sobre o poder das apostas nos jogos online, nos jogos de azar, porque empresários estão sentindo na pele isto que a gente está comentando: transferência de renda. O brasileiro não tem dois bolsos, é um bolso só. O bolso do supermercado, o bolso da conta de energia, o bolso do lazer e o bolso do jogo é tudo um bolso só.
Eu sei, por experiência própria, que o vício, como muitos doutores falaram aí, a dopamina bate mais alto na hora do jogo, e a gente joga irresponsavelmente. Eu vi hoje uma propaganda de uma bet falando sobre toda essa conscientização. Ela fala da conscientização e, no final, dá crédito extra para quem quiser vir apostar aqui. Como o Dr. Hermano falou, é muita falácia para pouca proatividade diante da sociedade.
E ela vive, viveu de mim, à minha custa, do valor que eu joguei, irresponsável. Talvez tenha pessoas que consigam jogar ali um valor e ir embora. Eu não consigo, eu já aprendi que eu não consigo, tenho essa consciência. Como você falou, depois de ter perdido casa, perdido carro, perdido terreno, perdido o emprego dentro da empresa familiar, de ter sido internado, só assim eu consegui entender o tamanho do estrago que eu estava fazendo com a minha vida.
Graças a Deus, minha família não me abandonou. Eu estou dentro do índice das pessoas que pensaram em suicídio, e não só por uma vez, por mais vezes. Graças a Deus, eu nunca tentei. Estou aqui para contar o meu testemunho e levar a mensagem para a maior quantidade de pessoas possível.
Mas, nessa nova era digital, a quantidade de sites disponível, a quantidade de tipos de apostas disponível, em todos os tipos de esporte, passa a ser algo que é covardia diante da sociedade. Eu lembro que eu estava no meio da pandemia, tudo parado, a dopamina, o vício batendo, a fissura batendo, como se fosse uma droga mesmo, e eu achei um jogo para apostar lá. Fiquei caçando e achei um jogo para apostar. Coloquei lá um valor, abri, tinha a opção de assistir ao vivo. Quando botei para assistir ao vivo, era um jogo de travinha na Bielorrússia, três contra três. Ali eu percebi: "Cara, você está doente, você está precisando de ajuda". Eu não estava mais jogando pelo dinheiro, não estava mais jogando pelo prazer, eu estava jogando pela necessidade mesmo, pela doença, patologicamente. Visivelmente, eu estava precisando de ajuda. Foi ali um dos primeiros motivos de eu pedir ajuda para alguns amigos e, depois, para minha família.
Mas a facilidade de apostar ficou muito visível. E aí os jovens que começam na brincadeira, dentro da escola, dentro da casa de um amigo, a partir do momento em que eles têm acesso a um certo valor, a um certo dinheiro, a uma conta online, que seja até dependente do pai, ele acaba indo. É muito atrativa a venda disso. Você pega grandes astros esportivos aí, estão vendendo isso como se fosse um modo de viver, e eu sou a prova viva de que isso é um modo de morrer, não é? Não tem como você viver do jogo, porque, se fosse para eu viver porque eu estava ganhando dinheiro, que eu ia viver por causa do dinheiro... Eu já tinha o dinheiro, eu não precisava do jogo pelo dinheiro. Eu estava ali pelo vício mesmo, pela ganância de saber que eu ia ganhar dinheiro fácil.
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Para mim, hoje, eu acho que um dos maiores desafios da nossa sociedade é entender que o brasileiro tem essa mentalidade de ficar rico muito rápido, e é a mesma coisa do rato que acha que o queijo está ali na ratoeira de graça. Não está. Tem alguém querendo ganhar alguma coisa por trás, em cima disso tudo.
Quanto à manipulação de resultados, é estrondoso. A gente vê o que está acontecendo. Eu mesmo, quando eu vejo... Eu gosto muito de futebol, assim como o nosso Senador Eduardo Girão. Aqui em Fortaleza, a gente vai para os estádios, eu gosto de acompanhar. Eu tive que ressignificar a ida para o estádio pela quantidade de bets com as quais a gente é atingido dentro do estádio, mas eu estou ali pela diversão com minha família, para levar meu filho, minha filha, minha mulher para curtir o estádio, e não para apostar mais, graças a Deus.
Eu percebo, porque eu sou "vivenciador" desse negócio há muito tempo... Eu percebo quando é algo estranho que está acontecendo. Tem resultados que são meio bizarros, tem atitudes de jogadores dentro de campo que são meio bizarras, e eu sei que hoje tem todo tipo de aposta. Ultimamente aí teve um jogador que foi expulso com cinco segundos. Está errado! Está errado! Isso é batom na cueca, como diz o Senador Kajuru. Isso não pode ser aceitável, o cara dar uma cotovelada no outro com cinco segundos.
Então, tem muita coisa que está acontecendo que está banalizando o esporte da população, o esporte da massa. Brasil, pentacampeão mundial, maior campeonato do mundo, maior quantidade de times. Você vê a quantidade de times brigando ali... É um dos campeonatos mais - se não for o mais - disputados do mundo, e a gente está passando por isso. Esse pessoal que comprou a mídia, comprou os jogadores, comprou os times, deixou todo mundo refém de uma situação como essa.
Eu vi, eu vejo movimentos que geram esperança, movimentos tipo a mãe que foi comprar a blusa de uniforme do filho e viu que tinha bet. Ela disse: "Não, eu não quero essa que tenha bet, não. Eu quero a sem o patrocínio, porque eu não quero que o meu filho saia divulgando bet".
Esse é um dos movimentos com que a gente vê que a sociedade está preocupada - não é? -, porque a gente sabe que a casa dela amanhã pode estar... Uma das casas pode ser invadida pelas apostas, e, como bem disse o Dr. Hermano, cada apostador leva de quatro a cinco pessoas ao seu redor, porque são os codependentes, que a gente chama.
Então eu não fiz... Eu não tive problemas somente na minha vida, eu, pessoa física, que na verdade eu achei que era, mas, quando eu resolvi me casar, criar uma aliança com a minha mulher, o dinheiro era nosso, nossos filhos... Tudo é nosso. Então, quando eu deixo de pagar a conta de luz e vem lá alguém para cortar minha energia, o problema não é só meu, o problema está dentro da minha casa, o problema está junto com minha mulher, junto com meus filhos. Quando eu deixo de comprar o supermercado, quando eu deixo de sair para o lazer, para jantar com minha esposa, o problema está no nosso. Eu achava que o problema era só meu, o dinheiro era meu e eu poderia fazer o que eu quisesse, mas isso tudo é a ganância, é a venda desproporcional, ilusória de que se pode viver disso, de que dá para ficar milionário com jogos de azar, com apostas, e eu vivenciei na pele, e vi, e tive que aprender na dor mesmo que isso não existe, que isso é uma ilusão, e hoje, graças a Deus, estou junto com vocês, com o Senador Eduardo Girão, junto com o Roberto, do Movimento Brasil Sem Azar. A gente está fazendo um excelente trabalho, sou apoiador e sou voluntário do projeto. Estou sempre à disposição, Senador!
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A todos os outros que estão aqui, obrigado! Vocês falando toda essa parte teórica de dados, de como funciona, eu vivenciei na pele. Passaram, na minha cabeça, todos os momentos pelos quais eu fui passando na minha vida, que fizeram com que eu chegasse até aqui, mas hoje eu posso trazer este testemunho de esperança, de força, e dizer que a situação atual é de saúde pública. Não é uma situação ímpar do jogo, do campeonato, do futebol, de coisas específicas, não, é de saúde pública, é geral. Como um dos nossos amigos falou de um dado que é mundial, não é o Brasil, não é Fortaleza, não é Brasília, não é São Paulo, não é Rio, não, são todos os estados da Federação, todos os países que estão sofrendo com tudo isso.
Eu espero que a gente saia desta CPI com boas normas e boas práticas. Como disse o Senador Eduardo Girão, que a gente possa limitar de vez! Você sabe da minha vontade, que é essa também, Senador, mas a gente sabe que é um pouco mais complexo, mas, no que a gente puder limitar, para que a gente possa proteger a nossa população, conte com o meu apoio. A gente tem que envolver todas as áreas - a área de segurança pública, a Polícia Federal, uma série de outras áreas -, e precisa escutar a população, precisa entender o tamanho do perigo que a gente está prestes... que a gente está prestes, não, que a gente já está vivendo.
Então, desde já, agradeço a oportunidade. Obrigado! Eu sou um representante da sociedade que passa por isso, estou na linha de frente aqui, ajudando pessoas, na medida do possível, e sei que isso é uma pandemia que está devastando a nossa população. Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - Muitíssimo obrigado, Dr. André.
Se puder deixá-lo na tela, eu agradeço. André Rolim. Se ele puder ficar na tela, só para eu fazer umas considerações, porque não é a primeira vez que o André vem aqui ao Senado. Ele já esteve pessoalmente aqui, dando o seu testemunho sobre a questão do projeto de lei, que pode ser votado a qualquer momento, da volta dos bingos e cassinos. Ele já participou também de outros momentos aqui no Senado Federal. Eu quero cumprimentá-lo publicamente pela sua coragem, porque não é fácil conseguir, uma pessoa que vivenciou, que chegou ao fundo do poço, como ele chegou, mostrar a cara e dizer que pensou em suicídio, dizer que estava devastando a família dele, que acabou com o negócio dele... É muita coragem a pessoa dizer isso, a pessoa se expor.
Você pode ter certeza, André, essa sua coragem, sua ousadia no bem, em pensar mais no próximo do que na sua imagem, em você mesmo, pode ter certeza, diante de tantas audiências públicas que nós fizemos, em momentos aqui, se pelo menos uma vida você tiver salvado com o seu testemunho, ter deixado essa pessoa, pelo menos, ficar com a pulga atrás da orelha, "não vou jogar, não, porque aquele cara eu vi falando naquele dia", já terá valido a pena esse seu esforço todo em participar. Eu sei que é um tempo que você tira do seu recomeço, porque você está recomeçando, é um tempo que você tira para vir aqui, para participar, para se preparar... Eu sei que você faz palestras também sobre esse assunto, na nossa Fortaleza.
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Quem sabe possa fazer em outros lugares do Brasil também palestras, porque esse grande mal está se alastrando com a omissão das autoridades deste país, e eu me incluo. Estou aqui criticando também a nossa incapacidade de... Vendo o circo pegar fogo, porque isso a gente está vendo. O futebol perdendo a credibilidade, a integridade, manipulação, as pessoas perdendo dinheiro, perdendo familiares, casamento, indo para o suicídio... A gente está vendo isso tudo, mas é aquele sapo que está dentro da panela. Nós estamos como aquele sapo que está dentro da panela. Não sei o que é que precisa acontecer. Chegar na família da gente? O que é que precisa acordar? É como a violência que está acontecendo. O que é que precisa se fazer neste país?
Então, eu quero dizer, Dr. André Rolim, de uma família muito tradicional de Fortaleza, que eu conheço e que está tendo essa atitude de ser humano de dar um testemunho desse aqui, mais uma vez, no Senado Federal, muito obrigado. Eu não sei se o senhor... Há pouco tempo, nós tivemos uma fala de um dos palestrantes nossos, acho que foi, lá do Rio de Janeiro, do Dr. Oscar Rodolpho, que falou que tem o Jogadores Anônimos em Fortaleza. Você já conhecia esse projeto? Você pode falar aí, Dr. André?
O SR. ANDRÉ ROLIM (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, eu sei onde é que fica. Ele é recente aqui. Inclusive, o dono do imóvel é pai de uma pessoa próxima a mim e está viajando, mas ele disse que, assim que chegar, ele vai me levar lá para conhecer, eu ingressar e conhecer essa entidade valorosa; tenho o enorme prazer de fazer parte.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Ótimo. Eu quero ir também, quero falar com o Roberto aqui para marcar. Na semana que vem, a gente estará aí, e eu quero fazer uma visita, porque nós temos que apoiar. O mínimo que a gente pode fazer é apoiar iniciativas como essa, que é uma espécie de uma troca de experiências. Como é que se chama? Tem uma palavrinha na psicologia que você usa quando você reúne as pessoas para uma roda de conversa e cada um vai colocando as suas experiências sobre o tema. E é muito importante isso, porque um vai ajudando o outro ali, vai aprendendo com a experiência do outro. É um trabalho de solidariedade profundo, e, através desse coletivo, a pessoa consegue sair. O Alcoólicos Anônimos está aí para mostrar a eficiência.
Agora, você viu, em Fortaleza é recente, por quê? Porque é recente essa história de aposta esportiva. É recente isso. Então, como foi colocado pelo Dr. Tavares, que foi o primeiro palestrante aqui, um estudioso do assunto, da USP, a gente não tinha isso, a gente não tinha essa tragédia acontecendo há poucos anos. Aí vem Tigrinho, começaram a vir esses jogos...
Eu fui a um hospital chamado Nosso Lar, um hospital psiquiátrico em Fortaleza, e eu conversei lá com os médicos de plantão. Eles disseram: "Olha, o que tem de gente entrando aqui de madrugada, pedindo socorro, que já vendeu tudo em casa e que não consegue se controlar, e a família já botou para fora...". É um vício como outra droga isso que está acontecendo.
Nós vamos fazer um debate na semana que vem, aqui, no Senado Federal, na semana que vem, que deve ser uma semana virtual aqui, mas eu vou estar presente, porque vai ter o feriado, que é o do dia 20, e nós vamos fazer um debate sobre a questão do celular nas escolas. É um debate que a sociedade... Nós vamos ouvir um lado e ouvir o outro. E eu acredito que isso aqui, para os nossos filhos, está sendo também uma tragédia e está formatando já algo muito pernicioso de vício. E, como colocou o Dr. Tavares, os joguinhos ali parecem inofensivos, ganhando pontos, ganhando bônus, ganhando coisa, não tem dinheiro por enquanto, mas já vai colocando ali nas sinapses aquela necessidade - tudo explicado pela neurociência. A questão do vício se instala ali quando a criança já começa, adolescente, já tem um dinheirinho. Meu amigo, está preparado para essa armadilha, como falou, "a ratoeira", como foi muito bem colocado pelo André.
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Então, André, parabéns mais uma vez. Muito obrigado. É uma honra ter um conterrâneo como você. Conte comigo, com o nosso mandato, está certo? Se tiver necessidade de articulação... Viu, Roberto? O Roberto chegou aqui, tinha ido levar o Dr. Tavares lá no STF e chegou aqui. Esse testemunho dele, que me emociona todas as vezes que ele fala, a gente tem que levar em palestras pelo Brasil, dependendo, claro, do tempo dele, porque a gente sabe que... Mas ele é uma pessoa que é um idealista, que quer ajudar e, dentro das possibilidades dele, fazer palestra...
Vamos marcar uma audiência - uma audiência, não -, uma visita nos Jogadores Anônimos lá em Fortaleza para visitar. Foi recente. Ele disse que conhece a pessoa que cedeu o imóvel, o pessoal que está organizando para a gente fazer uma visita, colocar o mandato à disposição, o que a gente puder ajudar, porque é um caso de saúde pública gravíssimo que a gente está enfrentando - gravíssimo que a gente está enfrentando -, é uma pandemia, mas ninguém para, como a gente parou da última vez, em 2020. É uma pandemia silenciosa, não é aquela coisa de que está todo mundo o todo tempo falando. Esteve aí na mídia, a grande mídia entendeu, colocou as manchetes. Até o crime organizado participa, o PCC lavando dinheiro, aumentando os lucros, o Comando Vermelho também - a gente está vendo isso acontecer -, os brasileiros gastando bilhões e bilhões, e não tem o choque ainda que a gente precisa ter. Não sei o que é que precisa acontecer para a gente agir. Eu sei que o lobby é poderoso - o lobby é poderoso -, mas já temos instrumentos suficientes para a gente dar um basta nisso.
Eu vi o Presidente da Casa falando que ia fazer um pacote das bets de novo, para tentar travar e parou isso. Vamos cobrar! Vamos cobrar publicamente da Casa para que faça esse pacote, coloque esse pacote para a gente regulamentar isso ou acabar. Eu acho que já tem maturidade suficiente, já temos elementos suficientes para acabar com isso - acabar! Não deu certo, foi uma tragédia, viciou muita gente. Para evitar que mais pessoas percam vidas, famílias, enfim...
Então, o último palestrante agora, a quem eu já passo a palavra, visando obviamente à riqueza do debate, à ampliação das discussões sobre o tema objeto desta audiência pública: convido o Dr. André Estevão Ubaldino, membro do Ministério Público de Minas Gerais, a agregar, com a sua fala, por 15 minutos, com a tolerância da Casa, a esta grande discussão de que nós estamos tratando aqui.
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O senhor tem a palavra, Dr. André Estevão, xará do nosso André Rolim. André Estevão Ubaldino, que é membro do Ministério Público, o senhor tem 15 minutos, com a tolerância da Casa.
Muito obrigado pela sua participação, também. (Falha no áudio.)
O som está desligado, o microfone, mas eu acho que a gente já está resolvendo aqui. É lá ou aqui? É lá.
Dr. André Ubaldino, se o senhor puder ligar o som aí, já vai dar certo agora, eu acho.
O SR. ANDRÉ ESTEVÃO UBALDINO (Por videoconferência.) - Eu acho que eu não ativei o mudo, não. Eu acho que é aí mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto, já está o.k. Pode falar.
Obrigado.
O SR. ANDRÉ ESTEVÃO UBALDINO (Por videoconferência.) - Consegue me ouvir?
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeitamente.
O SR. ANDRÉ ESTEVÃO UBALDINO (Para expor. Por videoconferência.) - Ótimo.
Boa tarde, Senador. Eu lhe agradeço a gentileza do convite.
Esse assunto é um assunto sobre o qual o Ministério Público brasileiro já se debruça há muitos anos. Nós temos tido, desde há muito, uma preocupação muito grande com os jogos, com os jogos de toda espécie, não só pelo seu aspecto ético, pelo aspecto moral, mas também pelos terríveis danos que, sabidamente, o jogo traz para as populações ali expostas.
A propósito, eu hoje até desejaria estar em Brasília porque eu me apresentei como voluntário para participar da audiência pública que, neste momento, está sendo realizada no Supremo Tribunal Federal, a propósito de uma ação com que ingressou a Confederação Nacional do Comércio, diante do Supremo Tribunal Federal, na expectativa de ver reconhecida a inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Parlamento brasileiro que introduziu entre nós essas coisas absolutamente desagradáveis, perniciosas, que são as bets.
Eu diria, inclusive, que talvez não haja evidência mais eloquente da danosidade desse tipo de atividade do que a circunstância de que a Confederação Nacional do Comércio - e este dado é um dado estarrecedor - propôs, diante do Supremo Tribunal Federal, uma ação em que busca ver reconhecida a inconstitucionalidade da lei que autorizou entre nós as bets, porque a Confederação Nacional do Comércio está percebendo - este, aliás, é o motivo da ação - uma redução na atividade comercial, em virtude de que pessoas estão utilizando seus recursos financeiros para apostas, o que aliás confirma uma informação que foi vinculada pelo Banco Central do Brasil, agora no mês de agosto, em conformidade com a qual, apenas no mês de agosto, nós tivemos a transferência de nada menos que R$3 bilhões de valores do Bolsa Família para as bets.
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Isso comprova que efetivamente o jogo é um instrumento, sim, de transferência de renda, mas é criminosamente um instrumento de transferência de renda dos pobres para os espertos, dos pobres para os que não têm escrúpulos e que querem, a todo custo, obter vantagens à custa do sacrifício da população mais excluída.
Que o jogo causa dependência é algo já bastante sabido. Eu fui, durante oito anos... Eu compus, durante oito anos, o Conselho Estadual de Entorpecentes no meu estado, hoje chamado Conselho Estadual Antidrogas, e, já naquela época, eu tive a oportunidade de conviver com numerosos psiquiatras que aludiam a esse efeito do jogo, de como o jogo despertava nos indivíduos uma dependência que os levava à compulsão e como essa compulsão levava frequentemente as pessoas à miséria. O que não é incomum - e parece ter sido esse o caso do expositor que me precedeu - que as pessoas dissolvam suas culturas e eventualmente até mesmo as suas relações pessoais e familiares em virtude de se entregarem ao jogo.
Bem, o fato é que a partir da autorização conferida legalmente para o funcionamento das bets entre nós, nós temos sido hoje bombardeados, a todo instante, por referências a bet, bet isso, bet aquilo. E eu acho no mínimo ridículo o que ouço eventualmente de a bet dizer: "Olha, jogue com responsabilidade". Verdadeiramente a atitude responsável seria não jogar. A atitude responsável seria não se dedicar a esse tipo de atividade, que, como sabido, nada tem de lúdica, muito pelo contrário, é uma atividade que gera dependência e que nenhum ganho traz, a rigor, para a sociedade brasileira, nem tampouco para aqueles que a integram.
Nessa longa jornada em que nós temos travado uma luta sem quartel contra o jogo, eu, em algumas oportunidades, Senador, tenho ouvido referência feita por alguns - obviamente aqueles a quem interessa a legalização, no Brasil, dos jogos de azar -, eu tenho ouvido a referência no sentido de que é possível, sim, que sejam criados mecanismos para evitar a lavagem de dinheiro e que o jogo se coloque a serviço do crime.
A verdade, porém, é que essa é uma equação que definitivamente não fecha, porque veja o senhor e vejam os que me ouvem que o que se propõe é que empresários ganhem dinheiro à custa dos miseráveis, à custa dos desinformados, à custa dos ignorantes que creem em possibilidade de vitória, quando é sabido que o jogo é concebido de tal modo para garantir que a vitória seja sempre da banca, a vencedora sempre seja a banca. E a verdade é que para que esse mecanismo funcione, permitindo a transposição, a transferência de recursos dos pobres para os que já são ricos e são, entre aspas, "espertos", pretende-se que sejam criados mecanismos de fiscalização.
E aí vem esta situação no mínimo curiosa, isto é, para que empresários obtenham proveito com os jogos de apostas devem ser criados mecanismos de fiscalização que, por sua vez, devem ser suportados ou devem ter seus custos suportados pelo cidadão, ou seja, o que se propõe, portanto, é que o cidadão, a sociedade pague pelos custos para fiscalização, para que as bets não se tornem instrumentos para lavagem de dinheiro. Ou seja, a possibilidade de que elas sejam empregadas para essa finalidade existe, a possibilidade de que seus resultados sejam manipulados existe, e, para que essas possibilidades sejam reduzidas ou eliminadas, propõe-se que mecanismos de fiscalização sejam criados, e esses mecanismos de fiscalização deveriam ter os seus custos suportados pelo cidadão. É a privatização do lucro e a socialização do prejuízo o que, a rigor, se pretende. E isso, evidentemente, não é aceitável.
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E, ainda que esses custos houvessem de ser suportados por essas bets, a verdade é que elas causam um dano muito grande. Agora há pouco os professores e psiquiatras que me precediam, em especial o Dr. Oscar, falavam dos valores absolutamente expressivos que foram transferidos - não só, como disse, no mês de agosto, mas durante o primeiro semestre deste ano - de valores do Bolsa Família. E os valores do Bolsa Família que foram transferidos para essas bets são valores que provêm presumivelmente de pessoas despidas de uma melhor condição financeira; ou seja, quem está migrando os seus recursos, quem está transferindo os seus recursos para as bets são os mais pobres. E até eu diria que não são apenas os mais pobres, é o conjunto da sociedade brasileira, eis que os valores pagos a títulos de Bolsa Família são valores que são, a rigor, recolhidos por todos os brasileiros através dos impostos que recolhem, através dos impostos que pagam.
Ainda em curiosidade, ontem, como se sabe, houve uma partida de futebol - aliás, aqui no meu estado - em que dois times disputaram a Copa do Brasil, e eu fiz uma ligeira conta. Eu fiz uma ligeira conta ao ver que os representantes de cada um dos clubes estavam recebendo simbolicamente um cheque. Eu fiz uma conta e pude perceber que o valor pago, ou, supostamente, o valor que se viu de estímulo para que disputassem com muita energia o título - o valor pago a esses dois clubes, somados os valores a eles pagos - representava um vinte e cinco avos daquilo que só de Bolsa Família foi transferido para as bets durante o mês de agosto. Ou seja, é uma atividade altamente rentável, e ela é altamente rentável exatamente porque o que ela distribui é, obviamente, muito, muito menos do que aquilo que arrecada.
E eu lamento muito que grandes artistas, grandes jogadores, pessoas de projeção estejam se colocando a serviço desse mal, estejam se colocando a serviço dos interesses subalternos dessas bets, para divulgar as suas atividades e obter com isso recursos financeiros. É claro que naturalmente eles têm sido regiamente pagos por isso - para dizer que bet é bom, que bet é isso, que bet é aquilo - do mesmo modo como grandes redes de televisão também têm sido financiadas por essas bets. A gente vê a todo instante publicidade disso, e é isso exatamente o que significa, o que constitui esse bombardeio a que eu fazia referência.
Durante esses anos em que nós discutimos isso, tratamos desse assunto, por vezes a gente ouve dizer: "Olha, jogar é do ser humano". Em certa medida não se pode, de fato, ignorar que nós, a todo momento, estamos tomando decisões nas nossas vidas, e essas decisões, muito frequentemente, se assemelham ao jogo de aposta - seja nas nossas vocações profissionais, nas nossas relações pessoais, nós estamos sempre tomando decisões e apostando na vida em certos caminhos. E, de fato, correr risco é natural nas nossas vidas. No entanto, eu costumo lembrar que o legislador, ou melhor, que o Constituinte foi muito sábio ao perceber que existe uma certa tendência do ser humano em jogar. Isso porque o Constituinte, na Constituição de 1988, no seu art. 195 - no art. 195 da Constituição -, resolveu dar ao jogo, que é um mal, uma consequência que é boa; e isso porque o art. 195 da Constituição diz que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, mediante recursos provenientes de diferentes fontes, inclusive - diz o inciso III, do art. 195 -, sobre a receita dos concursos de prognósticos, ou seja, uma vez que nós reconheçamos, eventualmente, que há, por parte do ser humano, uma certa tendência em jogar, nada mais natural do que explorar o Estado esses produtos lotéricos, esses que não são capazes de gerar compulsão, esses que são limitados, que têm uma periodicidade que não consente que o indivíduo se dedique a eles de forma compulsiva, e cujos recursos assim amealhados sirvam para financiar a seguridade social.
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Essa me pareceu uma inteligente solução adotada pelo Constituinte que, diante da eventual inviabilidade de suprimir a ideia do jogo da vida do ser humano, dá-lhe um destino mais inteligente, um destino socialmente mais útil.
Eu lamento muito que não tenhamos sido admitidos para essa audiência pública lá no Supremo. Eu estive aí, como sabe o senhor, Senador, há algum tempo, discutindo essa questão aí no Senado, na expectativa de, eventualmente, sermos vitoriosos nessa luta contra o jogo. Mas o certo é que eu ainda tenho esperanças de que, nessa ação proposta pela Confederação Nacional do Comércio, reconhecendo a extrema lesividade do jogo para a saúde psíquica e também financeira dos cidadãos, o Supremo acabe por reconhecer a inconstitucionalidade das bets, eliminando essa prática absolutamente perniciosa da vida da sociedade brasileira.
Se o Senado resolver fazê-lo, tanto melhor, porque uma das demonstrações que nós podemos dar de altivez é reconhecer os nossos erros e corrigir as nossas falhas. Espero que o Senado tenha a altivez de reconhecer que errou, que o Legislativo, melhor dizendo, tenha a altivez para reconhecer que errou, que as bets foram uma péssima iniciativa e que elas devem ser proscritas da vida do nosso país.
Para me conter nos limites de tempo que me foram dados, Senador, eu me mantenho, me limito ao que disse, desejando que essa luta seja bem-sucedida e que nós possamos - nós, a sociedade brasileira - efetivamente acabar com o jogo entre nós.
Muito obrigado.
Era o que eu tinha a dizer. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fala da Presidência.) - Muito bem.
Muito obrigado, Dr. André. A sua participação aqui, outra vez... O senhor já esteve aqui no Senado Federal, também nos ajudando bastante sobre a questão dos bingos, dos cassinos, numa das audiências públicas que nós fizemos.
Dr. André Ubaldino, muito obrigado pela sua participação.
Nós estamos chegando aqui ao final desta audiência pública e eu sempre tenho que perguntar, não é? Eu acho que faz parte... A audiência pública é isso.
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Alguém aqui neste plenário gostaria de fazer alguma colocação? Gostaria de participar, de fazer alguma pergunta para os palestrantes?
Está tudo o.k.? (Pausa.)
Então, nós vamos partir para o encerramento.
O senhor falou aí que a grande capacidade do ser humano, uma das capacidades do ser humano é ter a reflexão e poder reparar os erros que fez.
Eu acho que o Primeiro-Ministro da França, foi Primeiro-Ministro, François Guizot dizia o seguinte: que a nossa sociedade é tão covarde que legaliza seus erros em vez de combatê-los - uma coisa mais ou menos assim, é uma frase. Ela prefere legalizar seus erros do que combatê-los. É um dos casos... Preferiu-se legalizar os jogos do que combater esse grande mal que está aí. O tecido social se esgarçando, o patrimônio do povo brasileiro, que é o esporte, se prejudicando, enfim.
Mas eu agradeço à Secretaria aqui desta Comissão, a todos - um trabalho muito competente o de vocês -, ao pessoal da nossa comunicação, a toda a equipe aqui do Senado Federal de funcionários, que fazem um trabalho muito profissional aqui.
Muito obrigado.
Então, não havendo nada mais a tratar nesta importantíssima reunião aqui, falando sobre ludopatia, saúde mental, que vai ficar aqui nos Anais da Casa... E eu espero que os demais Senadores, com os seus assessores que aqui estão presentes também, possam refletir sobre isso.
Então, não havendo mais nada a tratar, eu convoco todos para a reunião de amanhã, terça-feira, dia 12 de novembro de 2024, às 14h30, neste plenário, porque vai ter deliberação, sessão deliberativa e oitiva também.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
(Iniciada às 14 horas e 44 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 58 minutos.)