27/11/2024 - 10ª - Comissão de Defesa da Democracia

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 10ª Reunião da Comissão de Defesa da Democracia da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 27 de novembro de 2024.
Submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da Ata da 9ª Reunião, Extraordinária, realizada em 12 de novembro de 2024.
As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater o apoio e rejeição à extrema direita e seus impactos políticos no Brasil, Chile e Argentina, em atenção ao Requerimento nº 8, de 2024, da Comissão de Defesa da Democracia, de autoria da Senadora Eliziane Gama.
Convido para tomar lugar à mesa os seguintes convidados: Rogério Sottili, Diretor-Executivo do Instituto Vladimir Herzog; também convido, com muita honra, o nosso querido sempre Senador Cristovam Buarque, que foi Senador da República e também Ministro da Educação do Brasil.
Comunico que participarão desta audiência pública por videoconferência os seguintes convidados: Talita Tanscheit - não sei se pronunciei corretamente o nome -, coautora do relatório Apoio e Rejeição à Ultradireita; Tomás de Rementería, Deputado da República do Chile; Eduardo de Pedro, Senador da República da Argentina; José Carlos Dias, Membro Fundador da Comissão Arns.
Durante as exposições dos convidados falantes da língua espanhola, será realizada a interpretação simultânea para a língua portuguesa.
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, e pelo telefone 0800 0612211.
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O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até 15 minutos. No final das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos para fazerem suas perguntas e também os comentários.
Antes de tudo, eu quero mais uma vez agradecer a todos os presentes, cumprimentar os Parlamentares e aqueles especialmente que estão chegando ainda para participar desta audiência pública, que nós compreendemos ser muito importante para o processo democrático brasileiro.
No final do mês de abril, início do mês de maio do corrente ano, eu tive a honra de integrar a viagem de um grupo de Parlamentares aos Estados Unidos, onde nós também apresentamos o relatório, o resultado, portanto, o relatório da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito que analisou a tentativa de golpe contra a democracia brasileira no 8 de janeiro, que foi protagonizada por movimentos da extrema direita no Brasil. Na ocasião, Parlamentares brasileiros e também americanos, num ato conjunto e muito importante, decidiram ser necessário articular encontros em todo o mundo a favor da democracia, particularmente em nosso continente, na América, que vem sendo alvo de ações sistemáticas da extrema direita. Estivemos no Chile, na sequência, levando a mesma preocupação. Espero que o ideal de liberdade prevaleça sempre entre nós.
O Parlamento tem um papel fundamental no combate ao extremismo. A CPMI da qual fui Relatora descortinou a arquitetura do golpe e as investigações posteriores de órgãos republicanos comprovaram que o 8 de janeiro foi até mais grave do que imaginávamos, envolvendo inclusive militares e oficiais de alta patente, que chegaram a planejar assassinatos de Chefe do Executivo e de Ministros da nossa mais alta Corte, fato exposto e relatado esta semana, inclusive, com profundidade por todos os veículos de comunicação do Brasil e fora do Brasil. Tivemos ontem, inclusive, a publicidade do inquérito, por parte do Ministro Alexandre de Moraes, tornando, portanto, públicas essas informações, informações estarrecedoras, Sottili e Cristovam Buarque.
Num primeiro momento, quando eu recebi a informação pelas redes sociais, considerando inclusive o que a gente está acompanhando de fake news e tal, eu falei: não, isso aqui é uma informação verdadeira, teve essa denúncia mesmo, tem esse fato? E aí, só então, vendo os demais veículos de comunicação divulgando, vi a veracidade desse inquérito, porque a gente chega a se impressionar e até questionar, dada a gravidade dessa informação que está hoje em investigação e que agora, como eu falei, é um inquérito público.
É muito oportuna a audiência pública de hoje desta Comissão porque vai apresentar um estudo comparado sobre o apoio e a rejeição à ultradireita no Brasil, Argentina e Chile, um estudo que contou com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, alemã, e realizado sobretudo por cientistas políticos e sociais do Chile. Certamente é um tema que vai merecer outras pesquisas pela atualidade e protagonismo que vem avançando no interior dos regimes democráticos.
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É interessante notar que o estudo conclui que 30% dos eleitores dos três países analisados apoiariam a extrema direita; 60% seriam contrários a ela. Se há alguma identidade junto ao eleitorado mais extremista, baixa adesão à democracia, apoio a medidas mais duras contra o crime, posições mais restritivas ao aborto e a casamentos entre pessoas do mesmo sexo, também existem diferenças no tocante a aspectos sociodemográficos. Na Argentina, por exemplo, o apoio ao extremismo é maior entre os mais jovens; no Brasil, tem grande apoio entre os escolarizados; no Chile, o apoio não se apresenta com grande diferença entre homens e mulheres. Entender essas diferenças é fundamental para que as forças democráticas possam derrotar a extrema direita.
Gostaria de agradecer aos autores do presente estudo, uma contribuição muito importante à ciência e à causa da democracia; também agradecer ao Instituto Vladimir Herzog pelo apoio a este evento que realizamos; e ao Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina, que nos facilitou o contato com Senador Eduardo, presente virtualmente neste debate. (Pausa.)
Portanto, aqui nós vamos iniciar com a exposição da coautora do relatório de Apoio e Rejeição à Ultradireita, um estudo comparado entre Argentina, Brasil e Chile, que é a Talita, que vai falar para a gente agora aqui, corretamente, o sobrenome dela - eu acho que não falei corretamente, Talita, mas me perdoe, por favor.
Você tem a palavra pelo tempo de até 15 minutos.
A SRA. TALITA TANSCHEIT (Por videoconferência.) - Vocês me escutam bem?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Sim.
A SRA. TALITA TANSCHEIT (Por videoconferência.) - E a minha apresentação está sendo compartilhada? Vocês estão conseguindo ver?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Sim, estamos.
A SRA. TALITA TANSCHEIT (Para expor. Por videoconferência.) - Perfeito.
Obrigada, Senadora, pelo convite. É um prazer estar aqui conversando e apresentando este estudo para vocês, para o Senado brasileiro e também para a audiência brasileira.
Eu também não sei pronunciar muito bem o meu sobrenome, mas eu em geral digo: Talita São Thiago "tanchait". Então, não têm problema esses possíveis erros com relação ao meu sobrenome.
Bem, hoje eu vou apresentar um estudo que nós desenvolvemos no laboratório para o estudo da ultradireita na América Latina. Ele é um estudo que não é só de autoria minha; é um estudo que eu conduzi com outros quatro colegas aqui: do Chile - colegas que são de nacionalidade chilena -, mas que também são do Peru e da Itália, e eu sou a brasileira do grupo.
Nós temos produzido estudos sistemáticos e comparados sobre o estado da ultradireita na América Latina. Nesse sentido, nós produzimos estudos sobre as ideias de líderes e partidos de ultradireita na América Latina, mas também sobre os votantes da ultradireita na América Latina, ou seja, quais são aquelas pessoas que apoiam e que rejeitam a ultradireita na região.
Esse é o primeiro dos nossos estudos com os votantes, desde uma perspectiva comparada. Anteriormente, nós havíamos feito um estudo específico sobre o Chile, com a realização de grupos focais, mas, neste caso, nós ampliamos o estudo para a Argentina e para o Brasil, e nós também temos dados atuais sobre México e El Salvador, que serão publicados em um informe no início do ano que vem, nós esperamos.
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O que eu quero apresentar aqui, hoje, para vocês são alguns achados principais com relação ao nosso estudo. Então, primeiro, eu quero apresentar brevemente o nosso conceito de ultradireita, do que falamos quando falamos de ultradireita, para passar para a nossa metodologia: como que nós medimos o apoio e a rejeição à ultradireita na América Latina e quais são as características sociodemográficas e ideológicas desses eleitores de ultradireita na América Latina, concluindo com dados que, para o caso brasileiro em específico, se tornam ainda mais relevantes, sobre a relação desses eleitores com a democracia, com o sistema político-democrático, e finalizando com algumas considerações sobre o nosso estudo e sobre o que nós acreditamos que deve ser uma agenda de pesquisa no futuro, não só nossa, mas do conjunto da academia latino-americana preocupada com esse processo de avanço da ultradireita na nossa região.
Uma primeira questão conceitual diz respeito ao campo político da direita. Quando nós falamos de direita, em termos conceituais, nós falamos, por um lado, da direita convencional, mainstream right, em inglês; e, por outro lado, da ultradireita, far right, em inglês.
A direita convencional se define por posições programáticas moderadas e por uma relação de lealdade ao sistema político-democrático, quer dizer, por uma relação de adesão à democracia liberal e às regras do jogo da democracia liberal. No nível nacional, essa direita convencional esteve representada por muitos anos no Brasil pelo PSDB, um partido de centro-direita com posturas moderadas, defensor da democracia.
A ultradireita, por outro lado, se caracteriza por posições programáticas radicais e por uma relação de semilealdade ou de deslealdade com relação ao sistema político-democrático, quer dizer, por líderes e partidos que vão tensionar ou mesmo se opor à democracia e aos princípios da democracia em sua versão liberal; esta, neste caso, no Brasil, está liderada pelo Bolsonaro e por outros atores que vêm se consolidando na competição político-eleitoral do país.
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O que nos interessa em nosso estudo? Entender, dentro da ultradireita, quem são as pessoas que estão a favor e contra esses líderes na Argentina, no Brasil e no Chile - na Argentina, a figura de Javier Milei; no Brasil, a figura de Jair Bolsonaro; e, no Chile, a figura de José Antonio Kast.
Para entender isso, nós realizamos um conjunto de pesquisas de opinião pública, presenciais, com uma amostra representativa da população nacional em idade de votar - no caso da Argentina e do Brasil, maior de 16 anos, e no caso do Chile, maior de 18 anos. E, no caso do Brasil e do Chile, essa amostra contemplou a população rural e urbana. No caso da Argentina, não, porque as empresas de opinião pública na Argentina não trabalham com essa diferenciação. Na Argentina, contratamos a Isonomía Consultores; no Brasil, a Quaest; e no Chile, a Datavoz. A pesquisa na Argentina foi realizada justo antes do primeiro turno das eleições presidenciais de 2023, e a pesquisa no Chile foi realizada justo antes do plebiscito constitucional de 2023. No Brasil, não existia nenhum processo eleitoral em 2023, e, então, nós realizamos em uma data aproximada à data em que realizamos a pesquisa nesses dois países.
Como nós medimos o apoio e a rejeição à ultradireita na nossa pesquisa? Muito simples: através de uma pergunta que em inglês se chama de propensity to vote, em que nós perguntamos à população, em uma escala de um a cinco, em que um significa que definitivamente não votaria nele e cinco significa que definitivamente votaria nele, qual a disposição da população por votar nas figuras de Milei, Bolsonaro e Kast.
O que nós encontramos são dados muito similares para os três países e similares também à realidade do continente europeu: 60% da população rejeitam a ultradireita, e 60% da população apoiam a ultradireita. Agora, vão me perguntar: mas se esse nível é tão alto, por que Milei ganhou a eleição na Argentina e por que Bolsonaro ganhou a eleição no Brasil? E aqui a gente tem que se lembrar de que estamos falando de sistemas presidencialistas, em que as eleições são definidas, muitas vezes, em dois turnos, em que, no segundo turno, a população não vota em quem ela gosta mais, às vezes, mas vota em quem ela rejeita menos.
À continuação, nós temos as características sociodemográficas de quem apoia a ultradireita. O que é importante aqui? É perceber a heterogeneidade. Não existe um padrão regional para definir em termos sociodemográficos o eleitor que apoia e o eleitor que rejeita a ultradireita na Argentina, no Brasil e no Chile. Na Argentina, o eleitor favorável à ultradireita é jovem, de classe baixa, vive fora de Buenos Aires e é evangélico. No Brasil, é de classe média, com educação superior, vive no sul do país e é evangélico; no Chile, é de classe média, vive no sul e no norte e é evangélico. A única característica comum desses eleitores é a sua filiação à religião evangélica.
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Do ponto de vista do eleitor contrário à ultradireita, também existe uma heterogeneidade. A maior presença de mulheres entre quem rejeita a ultradireita só se verifica na Argentina e no Brasil, e não no Chile. A importância da população afrolatina na rejeição à ultradireita só se verifica no Brasil. E as regiões também são distintas. Então, enquanto esse eleitor contrário à ultradireita na Argentina está em Buenos Aires, no Brasil, por exemplo, ele está no Nordeste; no Chile, por exemplo, ele está na região metropolitana. Há bastante heterogeneidade.
Isso não se verifica quando nós passamos para as características ideológicas. Do ponto de vista ideológico, nós encontramos um padrão muito comum, e eu vou apresentar alguns dados para vocês, primeiro da população nacional e depois entre quem apoia e rejeita a ultradireita.
Estas são perguntas sobre apoio a políticas mano dura, a políticas de ordem e de segurança. Uma é uma pergunta sobre a pena de morte, e outra é uma pergunta sobre o porte de armas. Nos três países existe um maior apoio à pena de morte em alguns contextos, ao passo que não existe um apoio à flexibilização do porte de armas. Nos três países se rejeitam políticas de flexibilização do porte de armas. No entanto, quando nós verificamos o eleitor favorável e o eleitor contrário à ultradireita, nós, sim, vemos um padrão. Com relação à pena de morte, por exemplo...
Eu não sei se a minha apresentação ainda está sendo visível. Vocês estão conseguindo vê-la?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Não, agora estamos vendo você.
A SRA. TALITA TANSCHEIT (Por videoconferência.) - E a apresentação não se vê?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Exatamente.
A SRA. TALITA TANSCHEIT (Por videoconferência.) - Será que a gente faz alguma correção, ou eu dou prosseguimento?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Eles estão tentando ajustar aqui. Você vai prosseguindo para a gente ganhar tempo, e eles vão tentar colocar na tela, está bom?
A SRA. TALITA TANSCHEIT (Por videoconferência.) - Está bom. Obrigada.
Eu vou falar mais para vocês conseguirem entender apesar de o gráfico não estar sendo passado.
O que a gente vê, na verdade, retomando com relação à pena de morte, por exemplo? O eleitor de ultradireita é quem apoia esse tipo de política - com cerca de 60% do eleitorado favorável à pena de morte sendo de ultradireita -, enquanto o eleitor que é contrário à ultradireita é o eleitor que rejeita a pena de morte em algumas circunstâncias. O mesmo se reproduz para a questão do porte de armas. O eleitor a favor da flexibilização do porte de armas é o eleitor de ultradireita - esse dado chega a 74% no Brasil -, enquanto o eleitor contrário à flexibilização do porte de armas é o eleitor que rejeita a ultradireita.
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Isso vai se repetir quando nós fazemos uma pergunta relativa à ressocialização. Aqui são duas perguntas: a criminalidade poderia ser resolvida com mais ordem e mão dura ou o que é necessário é educação e trabalho? Quem já cometeu um crime cometerá novamente ou os criminosos podem ser reeducados e reintegrados à sociedade?
O Brasil se destaca como um país que acredita que o que faz falta é educação e trabalho e um país que acredita que aquelas pessoas que cometeram um crime podem ser reeducadas e reintegradas à sociedade com relação à população em geral.
De novo, quando olhamos para o dado entre apoio e rejeição à ultradireita, o que nós vemos? É que o eleitor de ultradireita é favorável a mais ordem e mano dura e não acredita que quem cometeu um crime pode ser reeducado e reinserido na sociedade.
Isso vai se reproduzir em diversos outros pontos. Aqui é uma pergunta sobre feminismo e antifeminismo e as mulheres usarem o feminismo para ganhar, de maneira injusta, uma vantagem sobre os homens. Esse é um tema que polariza a sociedade, certo? Então, metade da sociedade concorda, metade discorda. Mas quem concorda mais e quem discorda mais? O eleitor favorável e o eleitor contrário à ultradireita.
Novamente, quando fazemos uma pergunta sobre Estado e mercado, sobre pessoas que são mais favoráveis a políticas de igualdade de renda e pessoas que são menos favoráveis a políticas de igualdade de renda, nós vemos que, na população em geral, no Brasil e no Chile, a maioria da população é mais favorável à igualdade de renda. Na Argentina não é assim. Quando olhamos para o eleitor de ultradireita, vemos que é esse o eleitor que é contrário a políticas de igualdade de renda e que é mais favorável a políticas pró-mercado.
Novamente isso se reproduz em temas morais. Eu vou passar rápido por esses dados porque são dados que já são bem conhecidos no Brasil. Tanto com relação ao aborto quanto com relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o eleitor de ultradireita tende a rejeitar mais esse tipo de política do que aquele que está contrário à ultradireita.
E um último dado que é importante, em especial, para esta Comissão, diz respeito ao apego à democracia. No nosso estudo, a gente tem essa pergunta mais detalhada e com mais riqueza de dados. Nós fazemos uma pergunta: com qual das seguintes frases você está mais de acordo: a democracia é preferível a qualquer outra forma de Governo; em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um democrático; ou não importa se o regime é democrático ou autoritário? O que nós vemos nesse gráfico? Primeiro, que a Argentina se destaca como um país com maiores níveis de apoio à democracia, chegando a quase 80%, enquanto, no Brasil e no Chile, esse índice está em 60%, e que o eleitor de ultradireita, com relação àquele eleitorado que é contrário à ultradireita e com relação também à população em geral, é o eleitor que mostra menores níveis de apego à democracia, tanto na preferência por um governo autoritário quanto na desimportância com relação a um regime ser democrático ou autoritário.
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Para concluir, muito brevemente, o que nós consideramos importante destacar? Apesar do rápido crescimento da ultradireita na América Latina, um importante número de pessoas se posiciona contrário à ultradireita na região, portanto, é necessário que futuros estudos entendam a diversidade de quem rejeita a ultradireita.
Segundo, em termos sociodemográficos, não existem similitudes entre quem apoia a ultradireita na Argentina, no Brasil e no Chile, com exceção da sobrerrepresentação no mundo evangélico. Precisamos de mais estudos para compreender a base social de apoio à ultradireita na América Latina.
Terceiro, existem muitas semelhanças ideológicas entre quem apoia a ultradireita na Argentina, no Brasil e no Chile. São eleitores que apoiam políticas de mano dura, que são antifeministas e conservadores em temas morais, favoráveis ao livre mercado e com baixos níveis de apoio à democracia.
Para concluir, é importante considerar que a ultradireita vem gerando um processo de realinhamento eleitoral e de reestruturação dos sistemas partidários latino-americanos com impactos de longo prazo nas democracias na América Latina. Por isso, é necessário ter um diagnóstico preciso de seus líderes, partidos e eleitores para que nós saibamos como impedir que este tipo de discurso e de política permeie cada vez mais as nossas sociedades, pondo em risco, de forma muito relevante e muito preocupante, não só as nossas democracias em sua versão liberal, mas nossos Estados de bem-estar social e as conquistas realizadas nos últimos 40 anos.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito obrigada, Talita, pela sua exposição.
Eu vou agora apresentar um vídeo que foi enviado pelo Prof. Cristóbal Rovira, um dos autores do relatório. O professor não pôde estar presente nesta audiência, mas preparou esse vídeo de cinco minutos, expondo as ideias centrais do relatório. (Pausa.)
Como o Sr. Eduardo de Pedro está com o horário também meio apertado, então, vamos ouvir o Senador e, na sequência, a gente, na verdade, faz a exposição do vídeo. Então, vamos passar aqui a palavra ao Senador da República da Argentina, Eduardo de Pedro, a quem eu quero, de antemão, já agradecer pela participação conosco.
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O SR. EDUARDO DE PEDRO (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Boa tarde a todos!
Senhores e senhoras, primeiro, gostaria de pedir desculpas pelo pouco tempo, porque, hoje, estamos agora em uma sessão do Senado, estamos em plena sessão do Senado com o chefe de gabinete do Governo de Milei, de modo que tenho que voltar ao estabelecimento, à reunião.
Gostaria e quero agradecer o convite, quero felicitar também a iniciativa deste fórum no âmbito da Comissão de Defesa da Democracia do Senado do Brasil e, principalmente, agradecer ao Partido dos Trabalhadores e à Senadora Gama, que preside a Comissão.
No momento em que a extrema-direita encarna na Argentina pelos neoliberais que nós temos, entendi também que vêm se reorganizando, em nível mundial - considero muito oportuno e muito necessário -, estes intercâmbios que temos que fazer em nível regional, que a nossa força política parece que... Temos que aproveitar cada espaço institucional, como também temos que tratar de promover alianças, encontros, em nível sindical, em nível de movimentos sociais e em nível de profissionais da comunicação.
Hoje, a ultradireita usa a tecnologia, via redes como uma das suas principais ferramentas, e nós temos que colocar também todas as nossas equipes, militantes, equipes técnicas... Entenda-se o uso das novas tecnologias para, pelo menos, compartilhar estudos e compartilhar informações referentes ao que se pode fazer com elas.
Nós, hoje, lembrávamos algumas cenas: aquele primeiro encontro, o famoso Consenso de Buenos Aires, que assinaram Lula e Néstor Kirchner também, uma espécie de resposta ao que foi o Consenso de Washington. Argentina e Brasil se propuseram a começar uma época, que foi além de outubro de 2003, quando Néstor e Lula, no caso, se comprometem a implementar políticas institucionais para fortalecer a democracia e políticas econômicas para gerar uma nova onda na região, que tem a ver com as inclusões, redes de instrução e a incorporação de milhões de irmãos e irmãs a uma vida digna e produtiva. Esse é um dos exemplos que nós temos.
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Daí vem também a Alca, e aí vem também o Paulo, em conjunto ao Fundo Monetário Internacional, para podermos sair desses órgãos internacionais que tanto dano fazem e que tanto condicionam. Assim, também quero dizer ao Senado que o Deputado da República do Chile, o Rementería, promoveu e promove uma ata de apoio ao Lula, ao PT.
Na reunião de blocos dos Senadores, todos os Senadores do bloco opositor, de oposição, assinaram a ata com a qual saíram e vão mandar essa informação. Lembramos que a ata tem a ver com uma solidarização permanecente com o Lula, com o Vice-Presidente e com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, que foram vítimas da conspiração que procurava assassiná-los.
Então, gostaria de agradecer e dizer aos senhores que nós assinamos e que houve muita boa recepção no bloco dos Senadores, porque são importantes também essas medidas concretas específicas para, sim, fazermos parte. Não alcança com que alguns façam manifestações, e não acho que esta unidade, esta coordenação institucional... É um passo maior e é um passo necessário também.
Como os senhores sabem, os governos da região impulsionaram políticas a favor da soberania, da produção, da integração. E os que fizeram crescer o PIB nas nossas nações, os que tomaram políticas que ampliaram a classe média com dignidade, que geraram um grau de independência dos nossos países e região, tiveram como resposta persecução econômica, persecução política e persecução judicial. Na Argentina, nós estávamos acostumados, até 1983... Todos os governos populares que pretendiam uma integração regional, independência em determinada em potências, tivessem golpes de Estado.
É uma lógica, como sabem, a partir desse consenso que recém-nomeavam, no quadro que recém-apresentou, onde a democracia está aceita, onde a democracia tem um valor, incorporado pela sociedade. O que fazem é mudar as armas dos militares, as armas que usavam nos golpes de Estado, por uma persecução, primeiramente midiática, em que se condena midiaticamente os atores que não respondem ao poder, e depois, via judicial, repete judicialmente, e prescreve.
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Parece que esse processo, como muito bem nós conversamos muitas vezes, por volta do caso do companheiro Lula, do companheiro Rafael Correa, do Hugo, de Dilma e de Cristina Kirchner, eu acho que é, também, outro tema para conversarmos institucionalmente.
Também nós temos que estudar e falar regionalmente as experiências que estão levando adiante, hoje, com a reforma judicial, com a companheira flamante, a Presidente do México também...
Nós, em 2013, iniciamos uma reforma de organização da Justiça - e foi um dos pontos em que o Estado, a Argentina e o "círculo vermelho" do poder mais forte responderam com mais violência e com mais ataques aos policiais -, com a qual vamos continuar, e muito próximos do processo do México também.
Também quero comentar que hoje, tal qual na Argentina, depois da tentativa de assassinato da companheira Cristina Kirchner, estamos em uma investida policial muito forte, com a condenação, em segunda instância, há poucos dias, por juízes e procuradores que jogavam futebol com o Presidente e que foram destinados regularmente... Que jogavam futebol na quinta pessoal do Presidente Macri. São os que, em todo esse entramado judicial, esse mapa judicial, desenharam um percurso para que sejam determinados juízes, determinados procuradores, os que prescrevam a Cristina.
Ao longo da sua Presidência até o dia de hoje, Cristina tem hoje mais de 250 causas penais, semelhante a como foi com o General Perón na Argentina, com mais de 200 causas, com prescrições de 18 anos, enfim...
A Argentina, lamentavelmente, está repetindo, de forma bastante semelhante, o processo que se usou com o General Perón.
Como os senhores sabem, essa perseguição forte, que se consolidou com a chegada do Governo de Mauricio...
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
O SR. EDUARDO DE PEDRO (Por videoconferência. Tradução simultânea.) - ... Cristina foi, como foi Lula, a uma proscrição, em muito pouco tempo. Decidiu por outros candidatos, o que foi...
Assim nós vamos, continuamos. O efeito da perseguição judicial e política incide totalmente, como é o objetivo deles, nas eleições.
Cristina participou, em sua vida política, de três eleições presidenciais. As três eleições que levaram o nome da Cristina ganharam as eleições presidenciais.
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Primeiro, em 2007, como Presidente, ela ganhou a Presidência em 2011 também, contra também o Estado, a Cristina também ganhou a Presidência. Em 19, condicionado pelo Poder Judiciário, também se tornou Vice-Presidente e também ganhou.
Com isso, com esse histórico, com esse vínculo que tem com o povo, esse vínculo que temos com o povo, o que se seguia seria quanto... A intenção de assassinato...
Segundo Cristina, lembramos esse fato como um antes e um depois, porque atirar com um revólver carregado, colocar uma arma na cabeça dela, na Argentina... Tivemos a benção, e essa bala não saiu. Essa mesma arma foi periciada, depois, várias vezes, e 300 vezes saiu a bala, com a qual...
Na Argentina, estamos vivendo... Na região, estamos vendo e vivendo situações semelhantes, tentativas de assassinatos.
O que nós vimos, sobre atas enviadas pelos Deputados... Na verdade, quando tomamos conhecimento do plano para envenenar e assassinar o Presidente Lula, na verdade, senhores, isso nos alarmou e nos levou a coordenar muito mais políticas e pensar de perto, pensar no destino da região, pensar nos órgãos que nós temos que nos permitam defender o sistema, que está muito longe dos valores que ele tem. Isso, na Argentina: o valor da crueldade, do ódio, da perseguição, do nível de violência, muito importante na sociedade, a reivindicação do uso das armas...
Diante de tudo o que nós vimos no Brasil, como aconteceu, assim... Que contem, neste caso, com o Senado, contem com um bloco, com uma força política.
Cristina acaba de ser escolhida com todos os Presidentes, aqui na Argentina. Pois então vamos ter também militâncias, diligências, com companheiros, com trabalhadores, com listas sociais e com movimentos sociais, para unir, defender a democracia e dar continuidade; avançarmos com projetos políticos, com dignidade, com felicidade a todos os nossos povos irmãos.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - O.k., Senador.
Eu queria lhe agradecer pela sua participação conosco aqui, profundamente. Eu sei que, como você colocou no início, está com uma agenda apertada, mas disponibilizou esse tempo para o Parlamento brasileiro, e são fundamentais as suas colocações nesse ponto central que é a defesa do processo democrático.
Muito obrigada mais uma vez pela sua presença conosco.
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Eu quero registrar aqui a presença do Deputado Rogério Correia, que é um dos nossos grandes Deputados do PT de Minas, que participou conosco ativamente da CPMI do 8 de janeiro e que é um ferrenho defensor da democracia. V. Exa. encarnou com muita responsabilidade a luta pelo processo democrático de direito.
V. Exa. já quer usar a palavra? (Pausa.)
Daqui a pouquinho, não é?
Quero passar a palavra agora ao membro fundador da Comissão Arns, o Dr. José Carlos Dias.
O SR. JOSÉ CARLOS DIAS (Para expor. Por videoconferência.) - Nobre Senadora Eliziane Gama e demais participantes desta audiência, eu estou profundamente emocionado no momento em que eu sou chamado a comparecer a esta reunião para discutir o problema da ultradireita no Brasil.
Mais do que nunca é necessário nós debatermos a ultradireita no Brasil - e, é claro, na América Latina -, porque nós estamos vivendo o dia de hoje. O dia de hoje, 27 de novembro, é um dia que é absolutamente vivido por nós, quando tomamos conhecimento do relatório que levantou todas as informações a respeito dos riscos que corre a nossa democracia, quando até mesmo a morte do Presidente, do Vice-Presidente e do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral foram olvidadas, foram propostas por aqueles que estavam programando o golpe no Brasil.
E o que nós lemos naquele relatório - que é muito difícil de ler, é um relatório de quase mil páginas! -, vamos encontrar naquele relatório um documento importantíssimo para avaliar o que significa a ultradireita. Lá está realmente presente a ultradireita para o Brasil. Nós vamos encontrar não só as violências praticadas ou olvidadas, desejadas, como também o silêncio. O silêncio daqueles que, tendo conhecimento do que estava sendo preparado, preferiram manter o silêncio, em vez de denunciar à nação os riscos que estávamos ocorrendo.
Isso é gravíssimo, é muito grave. Eram Parlamentares, eram militares da alta patente que não participaram diretamente da preparação do golpe, mas que estavam sabendo que o golpe estava sendo preparado.
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Era a ultradireita que estava preparando o momento de agir, o momento de atuar, e nós corremos um risco muito grande. Eu digo isso no passado? Não, eu digo isso no presente. Eu acho que os brasileiros têm que tomar consciência de que nós ainda corremos um risco de sofrermos um golpe de Estado. E esse exemplo, doloroso exemplo que é dado aqui no Brasil, deve servir de lembrança aos nossos companheiros dos países da nossa região. Todos devem saber que os riscos são muito grandes, que a ultradireita, que se expande pelo mundo inteiro, corre o risco de também tomar conta dos nossos destinos e de acabar com as nossas liberdades e com a nossa democracia.
Eu não vou dizer mais, não tenho muito mais o que dizer. Eu só quero dizer o seguinte: a importância desta Comissão é muito grande, porque aqui estão Senadores e representantes da sociedade civil que, no momento de silêncio, de tranquilidade, meditam sobre o que devemos fazer para salvar a nossa democracia, para restabelecer a confiança e a esperança que nós devemos guardar nos nossos corações.
Meus amigos, obrigado pela paciência de me ouvirem. E rezemos todos por este país, pelo nosso futuro, por aqueles que acreditam que um dia nós poderemos dizer "nunca mais", e isso não está fácil de ser dito. Nós temos que dizer "nunca mais"!
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Nunca mais! Muito obrigada ao Sr. José Carlos Dias pela participação conosco.
E agora eu vou passar a palavra ao Deputado da República do Chile, Tomás de Rementería. Eu acho também que falei o nome corretamente. Não sei... Se não, perdoe-me.
Mas eu quero, de antemão, já lhe agradecer pela sua presença conosco aqui, participando desta audiência, que é muito importante para o Brasil e para a América também.
O SR. TOMÁS DE REMENTERÍA (Para expor. Por videoconferência.) -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito bem. Muito obrigada, Deputado, pela sua contribuição.
É muito importante este debate. Inclusive, recentemente no Chile, tivemos reuniões muito importantes, acompanhando uma comitiva do Presidente Lula. Essa relação Brasil-Chile, no viés da defesa do processo democrático para a América Latina, para o Mercosul, de fato, é muito importante.
Eu quero lhe agradecer profundamente pela sua presença e participação.
Agora, assistiremos a um vídeo que é de autoria do Prof. Cristóbal Rovira, que é um dos autores desse relatório. O vídeo tem cinco minutos.
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(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito obrigada, querida, pela... O vídeo foi gravado. Então, quero agradecer à nossa intérprete, que nos ajudou a compreender melhor as informações de fato muito importantes do Prof. Cristóbal, que é também xará nosso Cristovam aqui no Brasil. É quase xará, na verdade.
Eu quero agradecer ao Rogério. Rogério, quando você quiser usar da palavra, V. Exa. fala.
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Eu quero fazer um registro aqui antes de passar para os nossos convidados da mesa. Eu vou ler aqui alguns questionamentos e já deixar registrado, que aí, de repente... Na verdade, eu vou deixar para ler no final, é melhor.
V. Exa. vai falar agora, Rogério, ou daqui a pouco?
Vou passar, então, aqui a palavra ao nosso querido Rogério Sottili, Diretor-Executivo do Instituto Vladimir Herzog.
Rogério, você tem 15 minutos.
O SR. ROGÉRIO SOTTILI (Para expor.) - Obrigado.
Boa tarde a todos, boa tarde a todas, aos que estão aqui presentes, aos que estão nos assistindo pela internet.
Eu gostaria de começar saudando a Exma. Senadora Eliziane Gama, Presidente desta Comissão. Na sua pessoa, quero saudar aqui também Rogério Correia e todos os Parlamentares que nos assistem. Queria dizer que é uma honra também estar aqui com o Prof. Cristovam Buarque, árduo defensor da democracia e dos direitos humanos.
Queria dizer que é uma honra também estar representando o Instituto Vladimir Herzog nesta Comissão, liderada pela Senadora Eliziane, que é uma referência na resistência democrática no Brasil, especialmente pelo trabalho que a senhora realizou à frente da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Atos Criminosos do 8 de janeiro de 2023.
Também quero dirigir meus cumprimentos ao Jan Souverein, representante da Fundação Friedrich Ebert, cuja longa parceria conosco do Instituto Vladimir Herzog tem sido essencial para consolidar os nossos esforços em defesa dos direitos humanos e das instituições democráticas.
Também quero cumprimentar o Deputado Tomás de Rementería, do Chile, que falou aqui, e o Senador Eduardo de Pedro, da Argentina, e expressar minha honra em recebê-los, destacando o papel imprescindível, importantíssimo do Centro de Estudios Legales y Sociales, os Cels, da Argentina, que têm facilitado os nossos contatos com os parceiros da Argentina.
Eu também aproveito para cumprimentar todos os demais Parlamentares da Argentina, do Chile e do Brasil que estão assistindo.
E, por fim, também não poderia deixar de dizer que é uma honra estar compartilhando esta mesa com o José Carlos Dias, ex-Ministro da Justiça do Presidente Fernando Henrique Cardoso, representante e fundador da Comissão Arns e uma referência da luta democrática e da luta pelos direitos humanos no Brasil.
Quero dizer que a presença de vocês não apenas enriquece esta audiência, mas simboliza a força de uma articulação regional em defesa da democracia, que se faz urgente e necessária. O problema das ameaças à democracia não é um problema do Brasil, mas sim um problema do mundo todo.
Recentemente, o Instituto Vladimir Herzog fez um levantamento e identificou a presença de alguns personagens que aparecem em episódios de ataques à democracia em diferentes lugares do mundo, como Brasil, Estados Unidos, México, Hungria, Alemanha, Chile, Argentina, Paraguai, entre outros países. Isso demonstra que há uma articulação internacional dos movimentos autoritários para desestabilizar as democracias ao redor do planeta. Hoje discutimos um tema central para a sobrevivência das nossas democracias.
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O relatório apresentado pela Talita e pelo Cristóbal Rovira lança luz sobre os desafios e as oportunidades que enfrentamos na América do Sul. Dados como o fato de que 60% dos cidadãos rejeitam as lideranças de extrema direita nos dão algumas esperanças, mas também nos convocam a agir com determinação. A distribuição geográfica desse apoio à rejeição em nosso país, com o Nordeste do Brasil despontando como um bastião de resistência democrática, evidencia que nossa luta precisa ser regional, sim, mas atenta às especificidades locais. Esse estudo, além de valioso para análise acadêmica, oferece um guia prático para ações políticas e institucionais. E é exatamente nesse ponto que o Instituto Vladimir Herzog tem concentrado seus esforços.
Nos últimos meses, organizamos missões Parlamentares aos Estados Unidos, ao Chile, promovendo um diálogo internacional que não apenas compartilhou experiências, mas fortaleceu compromissos concretos pela defesa da nossa democracia. No Chile, por exemplo, conseguimos articular com Parlamentares de diferentes campos políticos a criação de uma rede democrática regional. Com Parlamentares americanos, como bem disse aqui a Senadora Eliziane, mantemos contato constante, após reuniões históricas, com agentes preocupados com as ameaças regionais e globais ao Estado de direito. Hoje, ao recebermos representantes argentinos, chilenos, reforçamos esse movimento, dando passos concretos para novas colaborações tanto na Argentina quanto em outros países da região. Nós estamos agregando os Parlamentares brasileiros e organizando visita à Argentina e a outros países da América Latina e da Europa.
É importante lembrar que os Parlamentares argentinos convidaram Parlamentares brasileiros e Parlamentares chilenos a estarem, no próximo dia 24 de março, na Argentina em um ato importante, onde nós pretendemos desenvolver novas conversas na perspectiva de uma articulação regional de defesa da democracia. Também queremos ir, no ano que vem, visitar outros países da América Latina e da Europa.
Essa articulação internacional se torna ainda mais relevante diante da gravidade do momento que vivemos após as recentes eleições mundo afora e as revelações que vieram à tona na semana passada no Brasil. Estamos todos ainda consternados com a descoberta do plano criminoso elaborado dentro do Palácio do Planalto para assassinar o Presidente da República - Presidente Lula -, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes. Essa revelação trazida pela Polícia Federal não é um evento isolado, mas parte de uma crise profunda que ameaça as bases da nossa República.
A situação do Brasil só não é pior porque as instituições estão funcionando e, pela primeira vez na história, militares foram indiciados por tentativa de golpe, incluindo diversos oficiais de alta patente, entre outras autoridades. O Parlamento está fazendo o seu papel, o Supremo Tribunal Federal também faz o seu papel, o Executivo também cumpre o seu papel, e a sociedade civil está fazendo a sua parte.
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O Brasil está, neste momento, dando um exemplo para o mundo de como deve funcionar a resistência democrática, construindo um pacto amplo, independentemente do seu perfil ideológico, que abranja todos os comprometidos com a democracia, todos os comprometidos com a liberdade de expressão e, especialmente, todos os comprometidos com o cumprimento dos pactos internacionais.
Isso deve servir como um alerta. Não há mais espaço para hesitação. Devemos agir com firmeza para garantir que os criminosos sejam responsabilizados e que episódios como esses jamais se repitam.
Destaco que os indiciamentos por tentativa de golpe de Estado só foram possíveis porque uma ampla pressão da sociedade civil ocorreu para a revogação da Lei de Segurança Nacional, que foi substituída pela lei dos crimes contra o Estado democrático e de direito. Nós do Instituto Vladimir Herzog participamos ativamente dessa mobilização.
Essa crise, como sabemos, não é desconectada do passado. Ela é resultado direto, sim, de décadas de impunidade que marcaram a transição democrática brasileira. Mais do que isso, a história do Brasil é marcada por episódios de violência. O Brasil é um país estrutural e culturalmente violento, que nunca soube lidar com seus processos de violência. Foi assim com a população indígena dizimada pelos portugueses que colonizaram o território brasileiro; foi assim com a população negra escravizada por mais de quatro séculos; foi assim com todos os perseguidos, presos, torturados, desaparecidos e assassinados pelas ditaduras brasileiras; e, lamentavelmente, é assim, até os dias de hoje, com os jovens, pobres e pretos vítimas de racismo e de violência policial.
A ausência de responsabilização por todos esses crimes criou um ambiente de permissividade que, permanentemente, colhe frutos amargos. Por isso, insistimos na importância da ADPF 320 sobre a Lei da Anistia do Brasil, na qual atuamos como amicus curiae.
Também posicionamos na ADPF, na qualidade de amicus, ao Ministro Dias Toffoli, a realização de uma audiência pública que permita um debate amplo e participativo sobre a aplicação da Lei da Anistia e seus impactos na democracia. A retomada dessa ação será um passo essencial para rompermos com o ciclo de impunidade que tem fragilizado nossas instituições e aberto espaço para ataques golpistas.
Neste ano, o Supremo Tribunal Federal já teve uma decisão importantíssima nessa seara: por unanimidade, afastou qualquer interpretação de que as Forças Armadas exerçam poder moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O entendimento ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.457, da qual o Instituto Vladimir Herzog participou decisivamente como amicus curiae.
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O fato é que se não enfrentarmos os crimes do passado, o passado sempre volta a nos atormentar. Se não houver responsabilização, os movimentos autoritários vão voltar. E é justamente por isso que não podemos permitir que, em pleno século XXI, projetos de leis e emendas constitucionais sejam usados para conceder anistia a criminosos que atentaram contra o Estado democrático de direito.
O mundo passa por um dos momentos mais desafiadores da nossa história. A questão climática se impõe com urgência. As guerras continuam a devastar povos e territórios. Big techs seguem sendo coniventes com crimes e articulações nefastas que são feitos em seus ambientes digitais.
Precisamos romper com essa lógica. A história está nos oferecendo mais uma oportunidade para fazer aquilo que nós não fizemos no passado. Mais do que nunca, nós precisamos responsabilizar aqueles que cometeram crimes contra a humanidade e contra a democracia. Nós precisamos dar um fim à impunidade. Nós precisamos punir todos aqueles que participaram dos atos golpistas e criminosos do 8 de janeiro.
(Soa a campainha.)
O SR. ROGÉRIO SOTTILI - Por fim, quero reiterar que o Instituto Vladimir Herzog seguirá na linha de frente dessa luta, ao lado de parceiros como os que estão aqui hoje. Nossa certeza é de que não podemos mais conviver com violações de direitos, supressões de liberdades individuais, regimes totalitários, violências de Estados e retrocessos desse tipo.
No Brasil, não podemos perder a oportunidade de desconstruir nosso legado autoritário e de pôr fim à impunidade, de garantir justiça a todos que sofreram com a violência do Estado e de fazer valer nosso ideal de nação que preza pela liberdade, pela convivência plural e pelo respeito mútuo.
Precisamos romper com a barreira que existe na sociedade, de não entender a relação dos crimes do passado com a situação de violência do presente. Precisamos trabalhar contra a bestialização de parcela da sociedade brasileira, que faz coro a essa lógica que nos coloca em permanente situação de ameaça dos valores democráticos.
E, na América Latina e em todo o mundo, precisamos agir, de forma coordenada e respeitosa, para combater a crise democrática internacional e garantir o respeito aos valores consagrados pela Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948 e que vai completar agora, no próximo mês, 76 anos da sua existência.
Sabemos, por fim, que a defesa da democracia não é uma tarefa fácil, mas é, sem dúvida, a mais urgente. Esta audiência é mais do que um debate. Ela é um compromisso coletivo de resistir às forças autoritárias, de fortalecer nossas instituições e de construir uma sociedade onde a liberdade, a igualdade e a justiça sejam inegociáveis.
Desejo, Senadora Eliziane, Deputado Rogério Correia, Senador Cristovam Buarque e todos aqui presentes, que este encontro seja mais um passo importante na articulação da resistência e da defesa da democracia
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A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito bem, Rogério. Muito obrigada pelas suas colocações, Rogério Sottili, que tem sido um contribuinte muito grande para os trabalhos desta Comissão.
Muito obrigada.
Vou passar agora a palavra ao Cristovam Buarque, ex-Senador da República e também ex-Ministro da Educação do Brasil.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Para expor.) - Sra. Senadora Eliziane Gama - primeiro, muito obrigado pelo convite -, Deputado aqui presente, Rogério, que está conosco, eu quero dizer que considero tão importante um evento como este e a sua Comissão, que eu quero sugerir à senhora e ao Deputado Rogério que a gente mude o título dela. Não tem que ser mais Comissão, tem que ser trincheira de defesa da democracia. E depois do que nós ouvimos aqui, especialmente a última fala do Rogério, nós estamos ameaçados - os democratas e a democracia.
Mas para ser trincheira tem que se saber exatamente quem são os adversários, os inimigos. E eu acho que não é apenas a ultradireita. Acho até que não é uma questão de perfil político, é uma questão de caráter político. Na verdade, o que a gente tem em jogo não é direita, esquerda, mas autoritarismo ou democracia. Eu acho que tem gente que a gente pode chamar de ultradireita e que é democrata. A Talita tentou definir, mas não completou o que seria a ultradireita na perspectiva dela. Para mim, defender pena de morte é ultradireita, mas tem democrata que defende pena de morte, desde que aprovada pelo Congresso, desde que aprovada em plebiscito.
A Escola de Chicago de Economia é ultradireita, mas muitos deles foram para Pinochet, e outros não, outros disseram que Pinochet tinha que ser retirado e ficaram com a democracia, uma democracia ultraliberal - eu até diria que desumana -, mas dentro das regras da democracia. Nós precisamos definir os inimigos. E aí, a meu ver, nós precisamos entender a responsabilidade do risco do autoritarismo tanto na ultradireita, na direita, como na esquerda e na ultraesquerda.
O Rogério falou: a ausência de responsabilização levou a essa tentativa de golpe - a ausência de responsabilização dos militares com o golpe de 1964, com a tortura, com tudo que eles fizeram. Mas nós estamos há 40 anos com democracia e não enfrentamos a questão militar. Então, a ausência de responsabilização recai também sobre nós, que não fomos capazes de ter uma estrutura militar subordinada aos interesses civis de hoje e, ao mesmo tempo, que lembre o passado que tem que ser evitado. É um pecado nosso, dos democratas, não termos feito mudanças no quadro militar.
Duas coisas apenas fizemos nesses 40 anos: a Comissão da Verdade, que não teve consequência; e a criação do Ministério da Defesa, que teve menos consequência ainda, porque dos Ministros da Defesa, nenhum deles - não sei quantos já foram - comandou. Quantos deles falaram com ordem de comando para os comandantes?
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O Ministério da Defesa, em todos os Governos, inclusive no atual, é líder sindical dos militares, leva as reivindicações dos militares para o Presidente; e são o Rivotril dos militares, porque levam um calmante do Presidente para acalmá-los. Para falar a verdade, a sensação que eu tenho é a de que os Presidentes, todos eles - inclusive o Lula, o atual -, só se preocupam com que não haja golpe nos seus quatro anos. Depois é outra coisa.
Temos que começar a ter uma estrutura militar que respeite a democracia. Não podemos ficar, outra vez, daqui a dois anos, sujeitos a termos dois comandantes, um legalista e um golpista. Poderia ter sido o inverso, e estaríamos fritos. Nem que o Presidente dos Estados Unidos seja outra vez o Biden - que não vai ser, vai ser o Trump - e nem que o que vá dar o golpe seja um capitão desclassificado. Imaginem se tivesse sido um general da mais alta respeitabilidade entre os militares em vez de Bolsonaro! Mas eu vou mais longe: se tivéssemos tido 1% a mais de eleitores para o lado do Bolsonaro, não iria precisar nem de golpe, e o autoritarismo poderia vir por meio das urnas e não das armas. Nós precisamos ter clareza de que as ditaduras acabam pelos golpes, de fora, ou pelo apodrecimento, de dentro, da democracia. E aí tem a ver com a responsabilização. Qual é a nossa responsabilidade, dos democratas, no risco de voltar o autoritarismo e na fragilidade que a gente atravessa na democracia?
Eu creio que, além de não termos pago a dívida com o passado autoritário, deixando claro o que aconteceu com todos os brasileiros que foram torturados, mortos, desaparecidos, quem foi o responsável e termos uma formação diferente para os militares daqui para frente, a gente se esquece de que não tem um único, provavelmente, oficial do Exército, hoje, que tivesse mais de 15 anos quando veio a redemocratização. Então, todos são filhos nossos. Todos os oficiais são filhos nossos, até os mais elevados generais, filhos nossos da democracia.
E eu me pergunto: como é que está repercutindo na caserna a prisão dos militares golpistas? Eu tenho dúvidas sobre se os atuais oficiais, membros da academia militar estão achando que esses presos são golpistas, bandidos, ou se são patriotas incompetentes. Tenho dúvida. Eu acho que tem muitos oficiais, hoje, achando que esses que tentaram dar o golpe e não conseguiram foram incompetentes e não criminosos. Culpa nossa de termos 40 anos de democracia com uma formação militar prisioneira do passado. Então, para ser uma trincheira, nós temos que reconhecer os nossos erros de democratas, nesses 40 anos.
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Mas não é só isso, a dívida não é só com a questão militar. Nós temos o mesmo índice de concentração de renda, hoje, que tínhamos há 40 anos. Nós diminuímos a penúria com a Bolsa Família, mas não temos uma estratégia de erradicação da pobreza. Hoje o pensamento da esquerda, dos democratas é sobre como manter o Bolsa Família e não como, daqui a 30 anos, ninguém precisar dele.
Nós comemoramos o aumento no número de universitários, que foi grande, mas a desigualdade na educação de base entre filhos de ricos e filhos de pobres é a mesma de 40 anos atrás. Aumentamos o número dos que se matriculam, mas não o dos que concluem o ensino médio com qualidade, falando dois idiomas ou três, sabendo as bases da física, da matemática e da química, com ofício.
Nós não pagamos a dívida com a educação de base, não pagamos a dívida com a questão militar, com a estratégia da pobreza, com a concentração de renda. Nós temos hoje o mesmo número de analfabetos adultos que tínhamos há 40 anos. Diminuiu a percentagem, porque a população aumentou, mas o número continua o mesmo.
Se os golpistas de 2022 tivessem feito um discurso para o povo, era capaz de terem tido apoio. Se dissessem que iam acabar com as mordomias que ainda existem e que a democracia aumentou, especialmente aqui nesta Casa e no Poder Judiciário, mas também no Poder Executivo... Nós, em 40 anos, aumentamos privilégios. E a gente diminuiu a corrupção? E se um general golpista dissesse que vai fuzilar corruptos, será que o povo não ia para a rua apoiá-lo?
Nós estamos em dívida, nós os democratas. Temos que entender que a democracia não apenas é derrubada, mas também apodrece. E, às vezes, a derrubada é por culpa nossa, que deixamos os golpistas por aí, na impunidade, como você falou, Rogério, mas, às vezes, não é nem porque ela vem de fora, é porque nós perdemos legitimidade. E aí eu queria insistir nisso.
A bandeira da trincheira de defesa da democracia deve ser como dar legitimidade popular à democracia, como fazer com que o povo defenda a democracia porque veja na democracia o futuro de um país que vai ser bom para os seus filhos e netos, vai ser um país grande. E a gente não está preocupado com isso. Se os golpistas que estão presos hoje tivessem dito que iam dar um golpe para acabar com as emendas Pix, iam ter apoio popular. Eles não tiveram um programa, porque eles são a extrema-direita; não são apenas autoritários, são a extrema-direita. Mas pode haver ultradireita que não seja golpista, que não seja autoritária.
A gente precisa, portanto, nessa ideia de uma trincheira da democracia - aí eu sugiro -, entender que é preciso um manifesto de defesa da democracia. A senhora pode liderá-lo, mas esse manifesto tem que assumir responsabilidade também nossa, dos políticos civis, não só dos militares fardados. Nós temos que ser responsabilizados por esses 40 anos de democracia sem dar respostas de que o povo precisa.
Além disso, e aí é mais complicado, temos que entender que houve tantas mudanças no mundo nesses últimos 15, 20 anos, que ficar na democracia hoje carrega algumas dificuldades. Algumas das bandeiras corretíssimas progressistas... E agora vou defender a democracia progressista e a conservadora. A democracia progressista tem algumas dificuldades: é que algumas das nossas bandeiras progressistas se chocam com a visão atual do eleitor. O eleitor não concorda com nossas bandeiras. Por que é que nós temos tanta dificuldade em nos relacionar com os grupos religiosos? Porque nós temos bandeiras, a meu ver, corretas progressistamente, mas que se chocam com os valores morais da opinião. Eu não vejo como defender democraticamente alguns princípios que eu defendo, mas que o povo é contra. A gente vai ter que se ajustar para entender o que é que pensam os grupos religiosos, e que não são religiosos, mas têm uma visão moral diferente da minha, como político.
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Mas não é só isso! E eu creio que um dos chilenos - foram dois chilenos - falou sobre os imigrantes. É difícil a gente defender uma coisa óbvia do ponto de vista humanista, que são os imigrantes, porque ele se choca com os interesses imediatos do eleitor. A verdade é que a democracia é nacional, mas o humanismo é planetário. Então, a defesa de certos valores internacionais, planetários, da humanidade se chocam com os interesses imediatos, de curto prazo e ao redor dos eleitores. E a gente não sabe como responder.
As esquerdas, a democracia progressista, têm uma grande dificuldade, por exemplo, em um estado como Roraima, por defender posições corretas, como a defesa do povo ianomâmi, proibição de cultura de arroz em terras indígenas, abraço aos imigrantes venezuelanos, coisas fundamentais para o humanismo, mas que se chocam com os interesses da população local.
Então, a democracia, além de assumir seus pecados por não ter pago, em 40 anos, a dívida com o povo e com o futuro do país... Nossa democracia só pensa no presente, é imediatista, não tem sonhos. Por isso, eu não vi nas pesquisas o perfil jovens em relação aos autoritários, que aqui chamaram de extrema, de ultradireita.
(Soa a campainha.)
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Para expor.) - Eu prefiro chamar de autoritário, não de ultradireita. Eu respeito a ultradireita democrática. É aquele que dá o golpe depois, como Hitler, como... Aí sim, é autoritário.
Pois bem; o que os jovens estão pensando hoje quando veem o debate entre autoritarismo e democracia, quando o sonho deles é ir para o exterior, se forem de classe média alta, ou sobreviver na pobreza, como os jovens pobres? Os jovens estão dispostos a defender a democracia? E, se o jovem não defende a democracia, a gente vai conseguir mantê-la? Não vai conseguir!
Então, eu acho esta Comissão, talvez, das mais importantes que nós temos. Ela tem que dar um passo de não ser só uma comissão de debates parlamentares com alguns convidados; tem que se transformar numa espécie de trincheira, porque a democracia está ameaçada. Mas não está ameaçada só por golpistas militares; está ameaçada de fora por golpistas, nem só militares, muitos civis, mas está ameaçada por dentro, por um certo apodrecimento por falta de legitimidade diante da opinião pública, especialmente dos jovens.
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Essa trincheira tem a obrigação de se defender, fazendo também uma mudança mental, para que nós descubramos como mudar, não apenas como fazer a defesa da democracia, mas como dar legitimidade a ela e como fazer com que ela seja do gosto, do carinho e da vontade de lutar para defendê-la no meio da população.
E como fazer um discurso disso para que chegue aos eleitores? Porque, sem os eleitores, não há democracia. Mas, se ficarmos prisioneiros do eleitor como ele pensa hoje... O eleitor está pensando só no imediato e não no longo prazo.
É isso, Senadora.
Por favor, assuma a trincheira de defesa da democracia.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito obrigada, viu?
Muito obrigada, Cristovam. Você, como sempre, é brilhante! Eu acho que V. Exa. traz uma reflexão para esta Comissão, um desafio para esta Comissão, diante da complexidade do que é a nossa sociedade, eu não diria só brasileira, mas mundial, porque esse é um fenômeno que se repete em outros países, mundo afora. Então, eu queria lhe agradecer profundamente pela sua presença.
Vou passar agora ao Rogério Correia, para que ele possa dar a sua participação aqui conosco e vou encaminhar para os encaminhamentos finais - fazer os encaminhamentos finais - com as intervenções das pessoas que participaram conosco pelo e-Cidadania.
Rogério...
O SR. ROGÉRIO CORREIA (Bloco/PT - MG. Para expor.) - Senadora Eliziane Gama, primeiro, quero agradecer pelo convite de estar aqui nesta Comissão, nesta trincheira em defesa do processo democrático, e parabenizá-la pelo trabalho realizado aqui e também realizado na CPMI, como Relatora do chamado 8 de janeiro, ou CPMI da tentativa de golpe.
Aproveito para cumprimentar também o Rogério Sottili, e parabenizar o instituto pelo trabalho que vem realizando, de tentar aglutinar, no polo da América Latina e depois no mundo, esta resistência ao que nós chamamos, às vezes, de ultradireita, extrema direita, mas que no caso aqui do Brasil, do bolsonarismo, eu digo claramente que é uma vertente fascista ou, pelo menos, neofascista. E isso traz diferenças com outros setores de extrema direita ou de direita radical, tanto aqui quanto no mundo.
Cumprimento nosso Governador Cristovam Buarque, Senador, e digo que fez aqui mais uma preleção, mais uma aula desse processo; eu agradeço aqui a contribuição.
É claro que as diferenças dentro do campo chamado democrático são muitas. E dentro do campo democrático existe também a direita, que participa, na sua maioria das vezes, com outras ideias - ideias ultraliberais, ideias liberais. Estão reclamando hoje que o Ministro Haddad fará um pronunciamento, Senador, que vai isentar até R$5 mil o Imposto de Renda, daqueles que recebem até R$5 mil. Estão reclamando; o dólar subiu; o capital financeiro está em alvoroço porque se fala em isentar imposto para os mais pobres. Mas eles continuam acumulando uma quantidade enorme de isenções que, só do agronegócio, somam mais de R$ 300 bilhões ao ano. Mas essas podem ter isenção. Eles dizem: "É para comprar trator, para modernizar a nossa agricultura...". Engraçado! Esses podem ter isenção fiscal, mas, para aqueles que trabalham e ganham até R$5 mil, é um escândalo quando se dá isenção de Imposto de Renda. Então, são essas diferenças de um mundo que pensamos democrático.
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Eu, como socialista, acho que, enquanto existir capitalismo, existirá miséria, existirá fome; não tem como. Portanto, as nossas diferenças com esses setores são grandes, mas é preciso também, neste momento, em que a gente vê o que vimos aqui no Chile, na Argentina, ter a dimensão do que acontece com esses neofascistas que se organizam no mundo. E nós que participamos da CPMI vimos muito isso.
Nós entregamos, Senadora Eliziane, o relatório seu à Procuradora-Geral da República, o relatório nosso da CPMI, há cerca de um ano, e lá nós já dizíamos que claramente houve uma tentativa de golpe e que o principal articulador deste golpe chama-se ex-Presidente Jair Bolsonaro. Ele tudo isso articulou e, durante todo o período do seu Governo, ele tensionou o sistema democrático para que pudesse abolir mesmo a democracia nos termos em que ela existe hoje, com os defeitos do Supremo, do Congresso Nacional, ao qual depois ele se adaptou e inventou, inclusive, as emendas Pix e outras para controle do Parlamento, mas sempre visando a que governasse sozinho, sempre tensionando para que o sistema democrático - mesmo esse, frágil, que ainda não é um sistema democrático popular, que não tem uma participação social tão grande - pudesse coexistir com aquilo que ele sonhava em fazer enquanto um ser autoritário, do seu pensamento ideológico.
Entregamos esse relatório há um ano e nós colocávamos: Jair Bolsonaro era o centro da tentativa de golpe. Muitos deles questionaram; disseram que não, que nós estávamos inventando coisas. Agora vem um relatório da Polícia Federal com muito mais provas e algo que nós nem sabíamos que tinha existido, que estarreceu o Brasil como um todo, que incluía mais um documento, além daqueles que nós já tínhamos descoberto, Eliziane, por exemplo, o do art. 142 - que ele queria interpretar na marra - da Constituição e vários documentos que ele tentava modular, como ele dizia, nas quatro linhas da Constituição - e não era -, que eram aqueles documentos golpistas, que nós, então, denunciamos. Mas, agora, encontraram um documento, na sede do PL, com o assessor de Braga Netto - que era o seu Vice e um dos generais que mais lutaram pelo golpe -, em que ele simplesmente dizia que ia aplicar o art. 142 e em que, ao final de todo aquele movimento, que tinha oito itens, estava "Lula não sobe a rampa" como a conclusão final disso que ele dizia que julgava estar nas quatro linhas.
Então passam a ser réus confessos. O objetivo era não aceitar o resultado eleitoral, o resultado das regras democráticas postas agora.
Mas pior que isso talvez tenha sido o Punhal Verde e Amarelo, que era a execução do Presidente, do Vice-Presidente e do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral na época, Alexandre de Moraes; ou seja, iam ser assassinados Lula, Alckmin e o Presidente do Supremo, e a Polícia Federal diz que Bolsonaro sabia também disso e que ele estava no centro das ações de execução dos processos golpistas. Então nós passamos por um risco; nós não tivemos um golpe por muito pouco, e este muito pouco inclui alguns do comando do próprio Exército que não toparam essa insanidade, mas que foram pressionados, na porta dos quartéis e em todos os locais, por esses que queriam que isso acontecesse.
Nós tivemos colocação de bomba em avião no Aeroporto de Brasília, tivemos um quebra-quebra no dia 12, todos advindos dos tais kids pretos, que eram organizações do próprio Exército Brasileiro. Então, era um golpe que tinha planejamento, tinha chefia, tinha organização por dentro do próprio Governo. Foi isso que nós vimos.
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Quatro Ministros foram indiciados, já estavam no indiciamento nosso, na CPMI, e agora indiciados pela Polícia Federal. Quatro ex-ministros de Jair Bolsonaro: o Ministro da Justiça, que é quem tentava escrever as minutas golpistas, o Anderson Torres, que depois veio a Brasília ser também, com o Governador, chefe das forças de segurança, quem sabe para facilitar que esse procedimento golpista não fosse impedido pela polícia militar, como também vimos nesse procedimento. E três outros ministros militares: um almirante, o da Segurança; um ministro das forças de segurança, das Forças Armadas; e também o Ministro da Marinha, que também entra nesse processo. Então, são quatro ex-ministros, além do próprio Jair Bolsonaro, e de vários outros coronéis, tenentes-coronéis e assim por diante.
O pior disso tudo é a desfaçatez de Parlamentares que, até agora, insistentemente, se colocam no mesmo processo. Na CPMI, eram vários que nos atacavam, a Senadora foi vítima de ataque truculento deles, porque, além de tudo, são machistas; além de tudo, são autoritários, mas que até hoje dizem, e usam a tribuna da Câmara, não sei como é que está aqui no Senado, para dizer que isso é tudo fake news, que isso é uma perseguição que está sendo feita, mesmo com áudios e provas com que a Polícia Federal, a cada hora, desmascara e mostra a realidade dos fatos - mas eles continuam dizendo isso.
E também, através de fake news, que é um outro procedimento que precisa ser olhado. Aliás, o Supremo hoje também inicia o julgamento sobre a regulação de redes sociais, e provavelmente vai ter que fazê-lo, porque nós não conseguimos, na Câmara, aprovar um projeto de lei e também no Senado está parado. Eles fazem das redes sociais uma terra de ninguém, onde tudo eles acham que pode lá ser feito através disso. E continuam dizendo que isso é apenas fake news, chamando ainda, incitando a população às mesmas coisas que faziam anteriormente.
O fato é que Bolsonaro agora está com três indiciamentos da Polícia Federal, que já estavam detectados na nossa Comissão Parlamentar Mista de Inquérito: um roubo de joias, que não foi à toa, essas joias foram para os Estados Unidos, porque, não dando certo, ele precisava de sustentação econômica; uma falsificação de cartões de vacina, o que mostra ainda, Senadora Eliziane, que também, no caso da saúde pública, eles não estão, como ele mesmo disse, nem aí... Então, não se vacina e depois falsifica cartão de vacina de covid, para negar também a ciência, mais uma vez. É obrigado a falsificar cartão de vacina, para poder se ausentar do país. E a Polícia Federal agora diz que se ausentaram, porque poderiam dar em prisão, naquele momento, as tentativas de golpe que faziam. Então, foram para os Estados Unidos já sabendo que era necessário ir para tentar fugir e esperar os acontecimentos que acabaram se dando no 8 de janeiro.
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Hoje, me parece tão elucidado, tão claro isso que eu vim aqui hoje para fazer um apelo à PGR - nós já estivemos lá com o Dr. Paulo Gonet. Não dá para esperar esse procedimento, como ele está dizendo, para depois do ano que vem, porque tem que esperar o fim de ano, porque tem recesso. Ora, não era para ter recesso numa hora dessa. Isso é algo tão grave que é preciso colocar a Procuradoria-Geral da República trabalhando incessantemente nesse procedimento.
Já tem um ano que nós entregamos o relatório. O golpe já tem dois anos, a tentativa de golpe de eliminar a democracia. Se nós não agirmos assim, eles vão continuar, como continuam os Deputados e Senadores. E Bolsonaro vai continuar por aí simplesmente tentando desmoralizar a democracia no seu sentido restrito das suas instituições, para tentar não fazer valer a política e valer, sim, a força, a ideia e a força de quem governa assim.
Nós já vimos exemplos disso no mundo que foram catastróficos. Então, eu acho que a gente precisa dar uma contribuição, o que estamos dando, mas também fazer exigências.
Hoje a hashtag #denunciagonet precisa ser forte no Brasil. Ou o próprio povo fica também consciente disso, de que é necessário agir, ou ele perde até o direito de lutar pelas questões que o Senador aqui colocou: lutar contra a fome, lutar pelos direitos salariais, lutar pelo mínimo, que a democracia deveria ter também, que é uma estabilidade econômica. Se nós não temos liberdade, não se luta para isso; pelo contrário, se faz com que a ação autoritária substitua qualquer procedimento de luta.
Por fim, quero denunciar mais um absurdo que eles hoje querem colocar para fazer cortina de fumaça.
Lá na Câmara, Senadora Eliziane, o lema deles é "Deus, Pátria, Família". É algo que se assemelha ao que Mussolini fez desde aquela época, é a mesma palavra de ordem: "Deus, Pátria, Família".
E, para enganar o povo, hoje a Presidenta da Comissão de Constituição e Justiça - porque eles elegeram muitos Deputados, então, ocupam postos que são importantes como o de Presidente da Comissão de Constituição e Justiça - pautou um completo retrocesso na vida das mulheres, que é o impedimento de qualquer tipo de opção que a mulher possa fazer do seu corpo através de procedimentos que no Brasil, no caso de aborto, são permitidos em apenas três itens: a anencefalia fatal, a mulher não é obrigada a fazer esse aborto, mas ela tem o direito; o caso do estupro, que a mulher pode fazer, não significa que ela é obrigada, mas ela pode fazer; e também em relação à mãe optar quando ela estiver em risco de vida. Pois ela, numa canetada agora, numa PEC, quer simplesmente destruir direitos que são direitos elementares e humanistas, direitos que não obrigam a mulher a fazer, mas em que se dá a ela esse direito. É, assim, isso em nome de Deus, da pátria e da família.
Então, esse discurso neofascista realmente não combina com o processo democrático. Mesmo que a democracia seja muito frágil, eu concordo com o Senador e com as observações que fez.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito obrigada, Deputado Rogério Correia.
Nós, inclusive, daqui a um pouquinho, às 17h, temos aí um momento muito importante, mais uma vez, aqui na rampa do Congresso Nacional, acerca da defesa da democracia.
Você lembrou muito bem, quer dizer, o nosso relatório, em que levamos apenas cinco meses de investigação, trouxe elementos que hoje são confirmados, reafirmados, eu diria assim, no processo de investigação da Polícia Federal e nos demais inquéritos que estão em curso no Brasil, ou seja, a CPMI fez um trabalho de fato muito importante.
Eu tenho aqui algumas perguntas pelo e-Cidadania, e eu vou ler todas e já pedir as considerações finais do Senador Cristovam e do Rogério Sottili e, se for possível, vocês poderão fazer um comentário desses questionamentos.
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O Noberto, do Rio Grande do Sul diz: "Quais estratégias educacionais podem ser implementadas nas escolas para formar cidadãos críticos e combater ideologias antidemocráticas?"
Ana, de Minas Gerais, diz: "A ascensão da extrema-direita na América Latina reflete padrões globais? Que lições outras nações oferecem?".
Paulo, da Bahia: "Qual o papel da OEA [Organização dos Estados Americanos] e do Mercosul na contenção de regimes de extrema-direita que violam direitos humanos e princípios democráticos?".
Gustavo, do Pará: "A regulamentação das mídias sociais é urgente para [...] [proteger] a democracia contra a [...] [disseminação] de desinformação e de discursos de ódio".
Sérgio, do Rio de Janeiro: "O extremismo, em qualquer situação, é reflexo de um egoísmo exacerbado e a incapacidade do indivíduo em viver em sociedade".
Daniel, de São Paulo: "[...] a definição de extrema direita? [Poderia citar] exemplos práticos em países em que ela está ameaçando as instituições democráticas?".
Yasmin, do Rio de Janeiro: "[...] [Diante] da ameaça golpista da extrema direita no Brasil, quais medidas nacionais [...] [podem] ser [...] [adotadas] para [...] [conter] esse fenômeno nacional?".
Filipe, de São Paulo: "Qual o papel das redes sociais na radicalização política e na [...] [propagação] de discursos de ódio na região?".
Então, aqui eu queria agradecer a todos vocês que participaram conosco pelo e-Cidadania.
Quero agradecer também aqui a todos os presentes.
Eu queria aqui rapidamente agradecer, mais uma vez, ao Rogério Sottilli, que, como eu disse, que é um parceiro de primeira hora nos trabalhos desta Comissão.
Eu queria que você fizesse as considerações finais, Rogério, e, se possível, fizesse também algum comentário sobre os questionamentos.
O SR. ROGÉRIO SOTTILI (Para expor.) - Bom, eu queria terminar agradecendo à Senadora Eliziane, ao querido Deputado Rogério Correia, ao Senador Cristovam Buarque e a todos que nos assistem por esta oportunidade.
Eu queria apenas encerrar, para além do agradecimento, tocando em alguns pontinhos que constam nas perguntas que vieram das pessoas que participaram pela internet.
Primeiro, que é importante reconhecer de que o Brasil... O problema da democracia não é um problema do Brasil, é um problema que está ocorrendo no mundo e muito tem a ver com o que o Senador Cristovam Buarque falou aqui de que, sim, a democracia não resolveu problemas importantes da sociedade no mundo todo, especialmente em relação à questão da pobreza, à distribuição de renda e à construção de privilégios por algumas camadas de países e dentro dos próprios países.
Então, sim, a democracia precisa responder, precisa aprimorar e, dentro desse vácuo, a extrema-direita, e quando eu digo extrema-direita eu concordo com o senhor também, o movimento autoritário antidemocrático cresce porque para ele é muito fácil tentar responder com o combate à corrupção, o armamento das pessoas, pois eles não têm compromisso ético nem com os pactos democráticos nem com o Estado democrático de direito.
Então, primeiro entender que o problema dos movimentos autoritários não é um problema do Brasil, e está havendo uma articulação no mundo todo desses movimentos autoritários para desestabilização da democracia para ganhar força no vácuo desses problemas que a própria democracia não conseguiu resolver.
E aí entra uma questão que uma das pessoas levantou aqui. No centro disso, tem o problema do poder das big techs, através da desinformação. Isso está sendo utilizado de uma forma muito forte para desestabilizar as democracias.
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Então, passa necessariamente nessa construção de enfrentamento dos movimentos autoritários, de que nós criamos um movimento muito forte pela regulamentação das big techs, pela regulamentação das grandes plataformas, porque senão as nossas democracias estarão com fortes riscos de sofrerem todos os abalos que já vêm ocorrendo em vários países do mundo.
E, diante disso, eu acho que a nossa resposta foi levantada aqui por várias pessoas, e pela Senadora Eliziane especialmente: nós precisamos criar um movimento internacional de defesa da democracia.
Eu concordo plenamente com o que o Senador Cristovam Buarque falou, que aqui não se trata... Qualquer democracia permite, é importante, é bom para a democracia a convivência dos maiores e mais diferentes aspectos ideológicos, seja de direita, de centro e de esquerda. O problema é que na democracia tem-se que respeitar os pactos que você constrói de forma democrática e que se traduzem através de uma Constituição, que se traduzem através de um pacto internacional, que se traduzem através de uma legislação ou de acordos construídos, tem que cumprir acordos.
O que eu acho que difere os movimentos autoritários dos movimentos democráticos, ou seja, com forças conservadoras ou de esquerda ou de direita, é que os tratos têm que ser cumpridos, os contratos têm que ser cumpridos, e esses movimentos autoritários não cumprem contratos, não cumprem pactos, não respeitam o Estado democrático de direito.
E, em torno desses objetivos, nós temos que criar uma articulação internacional, E é isso que nós estamos fazendo sob a liderança da Senadora Eliziane, do Deputado Rogério Correia e de outros Senadores e Parlamentares, construir essa articulação envolvendo atores de toda a América Latina e da Europa na defesa da democracia. Eu acho que esse é o nosso grande desafio.
Muito obrigado, Senadora.
Parabéns! Eu acho que a Senadora pode incorporar, com a maior tranquilidade do mundo, porque esta Comissão já é uma trincheira de defesa da democracia.
Muito obrigado.
A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Muito obrigada, Rogério, de coração, pela sua presença.
Senador Cristovam Buarque, eu quero lhe agradecer mais uma vez pela sua presença aqui conosco. Como eu coloquei, o senhor sempre com as suas colocações muito brilhantes, pela sua vasta experiência e seu vasto conhecimento.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Fora do microfone.) - Obrigado.
A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - O senhor tem inclusive ministrado várias palestras na Europa, na América, então, o senhor realmente é uma referência para todos nós.
Muito obrigada.
As suas considerações finais.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Para expor.) - Eu que agradeço, Senadora, à senhora, ao Deputado Rogério e ao outro Rogério.
Vou responder duas questões que eu acho que englobam as outras. A do Paulo, a do Gustavo, a do Sérgio e a da Yasmin, eu acho que estão incorporadas nas perguntas da Ana e do Norberto.
Começando pela Ana, se essa dificuldade que nós enfrentamos aqui reflete um padrão global.
Não há menor dúvida, Ana. Isso decorre de que o mundo ficou um só. Nós temos hoje um planeta, e a democracia ainda é nacional.
Nós tivemos muitas mudanças, Deputado, mas eu acho que uma é fundamental. Antes, o mundo era a soma dos países e, agora, cada país é um pedaço do mundo, mas a política continuou prisioneira de cada país. É isso que atrapalha a COP. A COP se reúne porque cada país é um pedaço do mundo, então, cada pedaço manda o seu representante. Só que na hora de se reunir, o representante fala para os seus eleitores e não para o resto do mundo.
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O Obama disse: "Não há Presidente do mundo".
Essa é a contradição nossa. Os problemas ficaram globais, mas a política continua sendo nacional. E eu não vejo como é que a gente vai deixar de ser nacional, embora eu ache que a gente possa ter valores morais planetários e humanitários acima do poder de cada eleitor.
E aí vem a pergunta do Norberto: quais as estratégias educacionais para enfrentar isso? Eu acho que ele foi direto ao ponto. Só tem um jeito de resolver isso, é um grande, um imenso programa educacional de médio e longo prazos no mundo inteiro para criar uma consciência de solidariedade com a natureza, a ecologia; solidariedade com os seres humanos em geral e do seu país em particular; e um compromisso de que a solução tem que ser pela democracia, que é o respeito ao consensual do Congresso e a maioria nas urnas.
É isso que define se está com os democratas ou não está com os democratas. Não é o radicalismo de uma posição de esquerda ou de uma posição de direita ou da ultradireita ou da ultraesquerda que afasta de nós; é aceitar ou não aceitar que a decisão vai ser pelo Congresso, pelas urnas e não pelas armas. Essa é a diferença entre nós. Pelas armas não está conosco, pelas urnas e pelo Congresso está conosco.
Para isso, eu creio, nós precisamos criar essa trincheira contra o autoritarismo, que é a defesa da democracia, e entender que, se nós não fizermos alguns gestos do nosso lado, não vamos ganhar, porque o eleitor quer primeiro a sua sobrevivência. E eles vão querer enfrentar três estrangeiros que existem: o estrangeiro geográfico, que mora do outro lado da fronteira, que são os inimigos sobretudo dos outros países, na Europa e nos Estados Unidos; os estrangeiros geracionais, os que não nasceram ainda - o eleitor de hoje quer consumir mais e, se você diz que tem que proteger a natureza para beneficiar quem não nasceu ainda, a gente vai ter dificuldade de conseguir apoio; e os estrangeiros sociais, que a gente esquece que votam no Brasil, mas não entram nos espaços porque não estudaram, não usam gravata, não têm renda, não têm cartão de crédito. Os estrangeiros geográficos precisam de passaporte, os estrangeiros sociais precisam de cartão de crédito, e quem manda, os eleitores que têm influência não vão aceitar trazer esses imigrantes sociais para dentro do nosso espaço, vai haver dificuldade.
Como, por exemplo, quando não se aceita a isenção para R$5 mil - R$5 mil. O Deputado esqueceu de dizer que por ano - por ano!
O SR. ROGÉRIO CORREIA (Bloco/PT - MG. Fora do microfone.) - Da renda mensalmente.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE - Na renda mensal? R$5 mil!
Como é que a gente vai exigir imposto de renda para esse e dar isenções para quem ganha milhões e milhões?
Mas é porque os que ganham R$5 mil são estrangeiros sociais dentro do Brasil; os que ganham R$50 milhões são nacionais plenos, porque fazem parte do núcleo do poder. E a democracia, se não tomar cuidado, vai continuar servindo a esses dos R$50 mil e prejudicando os dos R$5 mil. E um dia os que ganham R$5 mil vão se rebelar e vão querer cair no conto dos autoritários, como já se caiu no passado, em que os ditadores vêm em nome de beneficiar o povo, e, logo que chegam, prejudicam.
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Senadora, parabéns pelo seu trabalho! E a senhora comande a trincheira de defesa da democracia.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MA) - Missão recebida, Senador querido.
Eu queria agradecer a V. Exa. e a todos vocês que estão aqui presentes até o presente momento nesta reunião. Teremos mais audiências.
Quero convidar, inclusive, a todos: daqui a pouquinho, às 17h - agora, daqui a 15 minutos -, aqui na rampa do Congresso Nacional, nós e os demais colegas que integraram a CPMI do 8 de janeiro faremos uma rápida fala à imprensa e um ato importante, mais uma vez fortalecendo a nossa meta, que é a defesa do processo democrático.
Portanto, nada mais a ver no tratar, agradeço a presença de todos e declaro encerrada esta presente reunião.
(Iniciada às 14 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 45 minutos.)