03/12/2024 - 39ª - Comissão de Assuntos Sociais

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todos e a todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 39ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião atende aos requerimentos nºs 71, 72 e 77, todos de 2024, da CAS, de minha autoria, da autoria das Senadoras Mara Gabrilli e Damares Alves e do Senador Humberto Costa, para a realização de audiências públicas destinadas a instruir o Projeto de Lei nº 2.687/2022, que classifica o diabetes mellitus tipo 1 como deficiência, para todos os efeitos legais.
Informo que a audiência tem a cobertura do TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com serviços de interatividade com o cidadão, pela Ouvidoria, através do telefone 0800 0612211 e pelo e-Cidadania, por meio do portal www.senado.leg.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários para a mesa e para os expositores, feitos através da internet.
Sem mais delongas, primeiro parabenizo pela presença de todos e registro - vocês sabem melhor do que qualquer um - o tamanho, a importância do que se está tentando fazer aqui em benefício de um grupo bastante representativo de brasileiros e brasileiras.
Convido, logo, para fazer sua fala, por videoconferência, o Sr. Arthur de Almeida Medeiros, Coordenador-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde.
Sr. Arthur, o senhor está com a palavra por dez minutos.
O SR. ARTHUR DE ALMEIDA MEDEIROS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, boa tarde a todas e a todos.
Obrigado pelo convite e pela oportunidade de estarmos aqui nesta tarde para conversar um pouco sobre essa necessidade de reconhecimento do cuidado para as pessoas com diabetes e também para as pessoas com deficiência.
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Inicio minha fala só resgatando o conceito de pessoa com deficiência e relembrando o papel do Brasil nesse processo. O Brasil torna-se signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o que assume status de emenda constitucional, e então assume a responsabilidade na garantia dos direitos da pessoa com deficiência.
A pessoa com deficiência é reconhecida como aquela que tem um impedimento de longo prazo, um impedimento físico, intelectual, mental ou sensorial, e que quando esse impedimento encontra alguma barreira, isso impede o exercício de cidadania dessa pessoa. Então a gente tem essa mudança de paradigma em relação ao conceito da deficiência, saindo do modelo biomédico, centrado numa doença, numa condição e no corpo da pessoa, passando para um modelo social da deficiência, reconhecendo que a deficiência é socialmente construída. E consequentemente uma sociedade acessível possibilita a inclusão de todas as pessoas, e a gente vai conseguir avançar em termos de inclusão.
Então, trazendo isso em mente, a gente, no Ministério da Saúde, fez, no ano passado, a atualização da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência, referendando e reforçando o conceito trazido pela Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, da ONU.
E dito isso, a organização da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência toma como base os preceitos da política. A Rede hoje é organizada em muitos setores, envolve atenção primária, atenção especializada e atenção hospitalar, de maneira articulada, sempre coordenada pela atenção primária, que a pessoa que necessita desse cuidado acessa para o seu devido encaminhamento, e tendo, na atenção especializada, os Centros Especializados em Reabilitação (CER), como ponto de atenção ambulatorial para habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência.
Nessa perspectiva, considerando o teor da reunião, é importante a gente lembrar que as pessoas com diabetes têm as suas necessidades em saúde específicas, que são atendidas desde a atenção primária, a atenção especializada e também na atenção hospitalar, então ela percorre, de fato, todos os níveis de atenção, de acordo com a sua necessidade daquele momento.
Aliado a isso, ao conceito da pessoa com deficiência, a gente também tem que resgatar o art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão, que trata sobre avaliação biopsicossocial. A Lei Brasileira de Inclusão traz que quando necessário, a avaliação da deficiência vai ser biopsicossocial, considerando não somente o impedimento do corpo, não considerando somente as questões biológicas, mas também as barreiras e o quanto isso pode envolver a limitação do exercício de cidadania dessa pessoa.
Dito isso, qualquer pessoa submetida à avaliação biopsicossocial poderá ser considerada pessoa com deficiência. Então, hoje há o trabalho de implementação da avaliação biopsicossocial, que, no Brasil, está sendo instituído através do Instrumento de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBRM), que poderá classificar as pessoas, se é pessoa com deficiência e o grau dessa deficiência, de acordo com esse instrumento, que vai ser o modelo unificado de avaliação da deficiência.
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Então, uma pessoa, ao ser avaliada e definida como pessoa com deficiência, nos moldes da avaliação biopsicossocial, poderá ter acesso a todos os direitos resguardados a ela.
Então, o que a gente traz aqui, na verdade, é só um retrospecto e uma contextualização acerca do conceito. Claro que as pessoas com diabetes têm as suas limitações e as suas necessidades, mas, para que seja considerada uma pessoa com deficiência, ela precisa passar por essa avaliação biopsicossocial.
Ao contrário do que traz a convenção... O simples fato de associar a condição de deficiência a uma condição biológica, a uma doença, a um CID, vai na contramão do que traz a convenção. E, hoje, a organização da Rede de Cuidado da Pessoa com Deficiência está pautada, portanto, na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e na política que foi recentemente atualizada. Só para a gente entender como pode ser. Mas isso não impede que as pessoas com diabetes sigam o seu cuidado, como já é feito em todos os níveis, de acordo com a sua necessidade de atenção primária, com o seguimento, o acompanhamento, dessas pessoas e, quando necessário, óbvio, o encaminhamento para níveis especializados de atenção, para o seu acompanhamento.
E, hoje, no Ministério da Saúde, a Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência está estruturada, com 325 Centros Especializados em Reabilitação pelo Brasil, que estão aptos e preparados para atender as necessidades de habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência, e também com as Oficinas Ortopédicas, que são os equipamentos de saúde responsáveis pela confecção, dispensação e adaptação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção que, por algumas situações, as pessoas... é sabido que pessoas com diabetes, às vezes, podem desenvolver amputações e podem necessitar também de intervenções, por isso reforçando a necessidade da avaliação biopsicossocial.
É importante lembrar que, no ano passado, foi instituído o grupo de trabalho interministerial, coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, para a avaliação e a implementação da avaliação biopsicossocial. Esse foi um grupo de trabalho constituído por sete ministérios, que finalizou os trabalhos, agora, recentemente, em julho, justamente com a incumbência de avançar na instituição da avaliação biopsicossocial no território nacional, para que a gente possa ter, de fato, um instrumento unificado de avaliação que garanta acesso a todos os direitos e a todas as políticas que as pessoas com deficiência necessitam.
E aí, neste caso específico do diabetes, a pessoa que necessite e que tenha essa demanda poderá ser submetida a essa avaliação para a confirmação ou não da sua condição de pessoa com deficiência.
Senador, era isso que a gente tinha para trazer no momento e estamos à disposição para o futuro debate.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Para interpelar.) - Obrigado, Sr. Arthur Almeida.
Vou só antecipar um pequeno questionamento. Percebi que o senhor em várias oportunidades reiterou a questão da necessidade da avaliação biopsicossocial e é evidente que existe razão no que o senhor coloca, mas me permita um pequeno paralelo para que o senhor possa me esclarecer - eu não sou especialista na área.
Vamos dizer, uma pessoa com deficiência visual. Ela pode ser adaptada, ela pode ser, enfim, categorizada, em gradações de deficiência, mas ela não deixa de ser uma pessoa com deficiência. É correto isso?
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O SR. ARTHUR DE ALMEIDA MEDEIROS (Para expor. Por videoconferência.) - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Para interpelar.) - Ou é possível que uma pessoa plenamente adaptada... Vou dar um exemplo. O meu ex-colega Deputado Federal, Felipe Rigoni, um cidadão brilhante, com mestrado no exterior, é completamente cego.
Ele mesmo é um defensor desse conceito, de que: tudo bem, eu sou uma pessoa com deficiência, mas eu sou uma pessoa plenamente adaptada, eu tenho minhas restrições e, dentro de uma categoria, eu posso ser registrado. Mas, usar a avaliação biopsicossocial para excluir a condição de pessoa com deficiência, me parece um equívoco.
O senhor pode explicar um pouquinho melhor?
O SR. ARTHUR DE ALMEIDA MEDEIROS (Para expor. Por videoconferência.) - A avaliação leva em consideração não somente a condição biológica da pessoa, mas sim a interação dessa pessoa com a sociedade. Consequentemente, a sociedade estando adaptada, acessível, as barreiras que essa pessoa vai enfrentar podem ser maiores ou menores, então a dificuldade de acesso pode ser maior ou menor. Isso impacta no reforço do conceito do modelo social trazido pela ONU, de que é socialmente construída e, consequentemente, a gente precisa trabalhar a sociedade para que a gente possa avançar.
A pessoa, como o senhor trouxe, com deficiência visual, vai permanecer tendo deficiência visual. Mas as barreiras que ela vai enfrentar vão depender muito da sociedade que ela encontra hoje e de como ela se adapta a essa sociedade. Então, esse processo, essa graduação da deficiência, inclusive, pode ser mudado ao longo do tempo. Por isso, a necessidade dessa avaliação biopsicossocial.
Acredito e espero ter respondido.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Dr. Arthur.
Passo logo a palavra para a Dra. Linamara Rizzo, Presidente do Conselho Diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação da Universidade de São Paulo.
A SRA. LINAMARA RIZZO BATTISTELLA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador. É um prazer estar aqui.
O tema é realmente bastante intrigante, mas a gente deve considerar o que seriam as questões que envolvem o hipertenso, a pessoa que tenha, eventualmente, uma condição respiratória crônica e uma série de outras patologias que, não necessariamente, causam limitações para as atividades de vida diária e para as atividades de ocupação.
Então, eu acho que o expositor que me antecedeu falou muito claramente sobre a importância das barreiras e da avaliação biopsicossocial como forma de aparelhar a sociedade para que ela seja cada vez mais justa e plena para todos. Ela não consegue reduzir a deficiência, mas pode oferecer condições de vida plena, de vida útil, para as pessoas que tenham deficiência. São barreiras que nós não sentimos. A presença de uma escada não me limita, mas limita a pessoa que não tem condições de mobilidade.
Então, acho que o conceito da avaliação biopsicossocial é importantíssimo e que precisa ser implementado, mas ela não significa que vá reduzir, diminuir ou aumentar a condição de pessoa com deficiência.
Existem questões interessantes quando nós estamos falando do diabetes. A doença, o diabetes, exige cuidados permanentes, assim como exige uma série de outras doenças - a hipertensão é um bom exemplo -, mas ela é completamente diferente, nas suas necessidades, do que são as necessidades de uma pessoa com deficiência, e isso precisa ser considerado. Nós não podemos simplesmente classificar as pessoas por qualquer outra razão que não seja pela simples razão de ela ser uma pessoa com deficiência. E essa pessoa com deficiência, tem realmente limitações expressivas ao longo do meio ambiente, nas barreiras, seja dos pontos de vista arquitetônicos e ambientais, seja até do ponto de vista de comunicação. Portanto, muito diferente do que é uma pessoa com diabetes.
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O diabetes precisa de cuidados, precisa de uma rede de saúde, mas como outros pacientes. Então, as filas não se misturam. Seria absolutamente ingênuo e bastante frágil nós colocarmos uma pessoa que tem um distúrbio metabólico, que é o açúcar, o metabolismo do açúcar, em igualdade de condições com uma pessoa que não enxerga ou que não consegue se locomover.
É verdade que o açúcar, para a pessoa que tem diabetes - e para o mundo inteiro - é um veneno. É verdade que nós devíamos reduzir drasticamente a oferta de açúcar em todos os níveis de assistência. É verdade também que as pessoas que não têm acesso ao cuidado podem, lamentavelmente, mostrando mais uma vez a ineficiência da sociedade, ser expostas a uma deficiência. Mas, veja bem, são coisas diferentes.
O diabético tem hoje uma rede absolutamente presente e robusta para atendê-lo numa unidade básica, para oferecer o remédio na farmácia popular, para garantir que ele tenha acesso a exercícios e a dietas adequadas. Ele não é uma pessoa com deficiência, ele é uma pessoa com uma doença metabólica que precisa de cuidados.
Eu entendo que houve... Eu estou muito à vontade para falar do diabetes, inclusive, porque eu venho de uma família, de pai e mãe, com muitos diabéticos e nenhum deles... avós que morreram com mais de 90 anos; outros que morreram com mais de cem anos...
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Dra. Linamara, a senhora me dá só um segundo, por favor, só para eu orientar aqui as pessoas estão acompanhando?
Eu vou pedir que... É do espírito de uma audiência pública que tenha divergência de opiniões. E aí, para funcionar bem, a gente escuta as pessoas com respeito, mesmo discordando delas - está o.k.?, - para funcionar bem a audiência sem problema para ninguém.
Vamos continuar assim.
Doutora, por favor, continue.
A SRA. LINAMARA RIZZO BATTISTELLA (Por videoconferência.) - Obrigada, Senador.
Então, é interessante. Pode não ser simpática a minha fala, mas ela é verdadeira e, efetivamente, nós temos problemas com a pressão, com o metabolismo do açúcar e com outras doenças e precisamos de tratamento.
E quando a nossa política para aquela determinada doença não está adequada, a comunidade se reúne e cria políticas adequadas, mas a gente não confunde as estações. Seria injusto para este país, mas seria injusto para essas pessoas serem colocadas na posição de pessoas com deficiência, quando, na verdade, elas precisam de um outro caminho, o caminho de um tratamento clínico especializado, que não se confunde com o caminho da reabilitação altamente especializada que o Brasil oferece hoje para as pessoas com deficiência; com os cuidados altamente especializados que o Brasil oferece hoje para as pessoas com deficiência. São caminhos diferentes, eu não sei porque cruzar esses caminhos.
Estou falando isso com muita tranquilidade, como médica, como cidadã, mas também como alguém de uma família que tem muitos diabéticos. As pessoas precisam entender que mudar, cruzar essa rua pode significar perdas para esta criança com diabetes ou para este adulto com diabetes.
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Portanto, Senador, eu não tenho dúvida nenhuma de que o Plenário deste Senado, mas, sobretudo, desta Comissão, vai entender a lógica de que é preciso, talvez, rever a política de atendimento às pessoas com diabetes, se é que há falta ou há dificuldades nesse caminho. Mas há de entender, com muita lógica, que não tem como confundir as questões que envolvem uma criança com paralisia cerebral, um adulto com sequelas paralíticas por AVC ou por lesão medular, um adulto ou uma criança cega, com a questão de um dado metabólico que deve ser cuidadosamente tratado, cuidadosamente acompanhado, para que essa pessoa tenha vida plena e possa usufruir da longevidade com qualidade.
A minha fala termina aqui.
Eu poderia, se houver interesse, transmitir depois uma série de referências bibliográficas sobre o tema.
Eu faço parte de um Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde, exatamente para estudar deficiência e tecnologias assistivas. Trabalho com pacientes com diabetes, eventualmente com problemas pontuais, como, por exemplo, uma neuropatia ou uma dor, mas nenhum deles com limitações que os impeçam de viver plenamente.
Portanto, na qualidade do que sou - de representante de um Centro Colaborador da OMS -, posso lhe afirmar que não há nenhuma condição de se caracterizar uma pessoa pelo simples fato de ser portadora de um açúcar elevado, de colocar uma condição de uma pessoa com deficiência. Mas precisamos, por outro lado, exigir que o Estado atenda às necessidades dessa pessoa, como atende às necessidades de outros grupos, para que eles não se configurem com limitações do ponto de vista da sua relação biopsicossocial.
Então, o tema é emocionante. A sessão que o Senado nos oferece é realmente muito intrigante, mas fica aqui, é claro, a opinião de um médico e de uma representante da Organização Mundial de Saúde, como sou, de que não há a menor possibilidade de confundir dois aspectos muito claros: a presença do diabetes, pura e simplesmente a presença do diabetes... Não das consequências dele. Não estou falando das consequências do diabetes. Estou falando, pura e simplesmente, da presença do diabetes, que tem que ser tratado quando não foi adequadamente prevenido e tem que ser cuidado, como é a hipertensão ou como uma série de outras alterações, do ponto de vista orgânico. Elas não podem se confundir com a presença, neste momento, da deficiência na vida da pessoa.
Agradeço a oportunidade de ter contribuído. Fico à disposição, se necessário for, para maiores informações. Mas fica aqui registrada a oposição do Centro Colaborador da OMS para a América Latina sobre Reabilitação e Tecnologias Assistivas.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Muito obrigado, Dra. Linamara.
Eu vou passar a palavra para a Dra. Karla Melo, Coordenadora do Departamento de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Mas não posso deixar de registrar aqui, no microfone e no vídeo, que deve ter sido um sentimento geral - de que todos nós ficamos curiosos -, para saber o endereço dessa farmácia popular que atende tão bem e tão eficientemente a população brasileira (Risos.) (Palmas.)... porque não é, de fato, esse o relato que nós recebemos cotidianamente. Mas, seguramente, teremos a oportunidade de avançar nisso.
Doutora, com a palavra.
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A SRA. KARLA MELO (Para expor.) - Bom, boa tarde a todos vocês. É um prazer e uma honra poder estar aqui defendendo uma causa que eu acho e acredito que, além de justa, é necessária para a gente mudar desfechos que a gente tem tido com jovens, com pessoas muito jovens.
Algo para que eu acho que vale a pena chamar a atenção, Senador, é a confusão que tem havido aqui nos discursos, nos dois discursos prévios, de diabetes e diabetes tipo 1. São doenças que só têm uma similaridade: o aumento da glicose no sangue. Tratamentos inicialmente já são completamente diferentes.
Quando a gente fala de diabetes como deficiência, que fique claro que a gente não está falando de todas as pessoas com diabetes, porque eu tenho diabetes gestacional, diabetes mellitus tipo 2, diabetes mellitus tipo 1, eu tenho Mody, eu tenho uma classificação muito extensa. E não é isso que nós estamos aqui pleiteando.
O nosso pleito é tornar que a pessoa com diabetes tipo 1 possa ser enquadrada como uma pessoa com deficiência. Diabetes tipo 2 não entra nisso. Só existe um único país, que eu posso rever, mas se não me engano, são os Estados Unidos, os Estados Unidos da América, onde as pessoas com tipo 2, mas apenas os usuários de insulina, ou é a Alemanha ou são, é o país Estados Unidos, que abre para o tipo 2, mas quando ele é usuário de insulina plenamente. É uma outra situação.
Bom, então eu gostaria de poder contribuir com essa discussão, porque eu já vi que ela envolve diversos setores diferentes da saúde pública. E é bem importante a gente ter uma noção clara do que é o diabetes tipo 1.
Meu nome é Karla Melo, e eu estou aqui principalmente como fundadora e coordenadora do Departamento de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Então nada melhor do que começar com um conceito. O que é diabetes tipo 1? É uma doença autoimune, incurável, causada pela destruição das células beta, que produzem insulina. Então isso traz uma questão metabólica? Traz uma questão metabólica associada a uma deficiência completa ou quase completa de um hormônio que é vital para a saúde de todos nós aqui. A insulina é responsável pela nossa energia, até para nós nos mantermos vivos.
Então essas células que produzem insulina são atacadas, tornando obrigatória a aplicação desse hormônio, que é orientada, essa aplicação, por medições frequentes de glicose. Se a gente perguntar a qualquer mãe de pessoa com diabetes tipo 1 quantas vezes vocês furam os dedos dos filhos de vocês, de 7 a 12 vezes ao dia. Então são situações bem diferentes. Por quê? Porque é esse valor de glicose que vai dizer à gente quanto tem que ser aplicado de insulina rápida.
São usados dois tipos de insulina, uma basal e uma rápida, basal ou prolongada e uma rápida. A rápida são diversas ações e atitudes que a gente tem que tomar para fazer uma dose adequada de insulina rápida. Isso é o que faz toda a diferença. Então há necessidade dessas medições frequentes.
Essa forma de diabetes geralmente é diagnosticada em crianças e jovens adultos, embora ela possa ocorrer em qualquer idade. Quanto mais precoce o diagnóstico, mais grave é a deficiência de produção de insulina.
Além disso, o manejo de pessoas com diabetes tipo 1 requer terapia com insulina ao longo da vida, juntamente com esse monitoramento regulado da glicose no sangue, seguimento de orientação nutricional e prática de exercícios.
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É crucial que os indivíduos com essa condição trabalhem em estreita colaboração com diversos profissionais de saúde - não é apenas o médico.
Aliás, um outro equívoco que eu já escutei nos dois discursos prévios, e que eu faço questão de aqui deixar claro: essas pessoas com diabetes tipo 1 já são referenciadas para serviços especializados. Então, eu não estou falando de um paciente que está na atenção primária à saúde.
É crucial a colaboração com todos os profissionais envolvidos. É fundamental para manter níveis ideais de glicemia, melhorar a qualidade de vida e prevenir complicações; ou seja, a gente está falando aqui de não tornar uma pessoa com uma deficiência em uma pessoa com múltiplas deficiências. É isso que a gente está discutindo.
Trago alguns números, só para vocês terem ideia, inclusive de impactos, impactos orçamentários, acho que números... Aliás, eu adoro números - números com arrazoado científico.
Então, situações do diabetes tipo 1 em 2022.
Número de pessoas vivendo com diabetes tipo 1: aproximadamente 600 mil pessoas. Estamos falando aí de 588 mil - é o último número.
Aí vem a parte triste, não é? Número de perdas de pessoas devido ao diabetes: a gente está falando de 30%, Senador. É uma perda de vida muito grande. Por quê? Porque essa deficiência, muitas vezes, erroneamente, está sendo atendida por um profissional que não é um especialista. E hoje nós já vivemos em fases que nós temos a telemedicina, que pode encurtar esse caminho e não perdermos mais tantas pessoas devido ao diabetes. É um terço.
Número médio de perda de anos saudáveis: 33,2 anos. É muito tempo de vida perdido.
Perda por tratamento e cuidado, de dedicação: 2,1 anos.
Perda por complicações: quase 6 anos.
Perda por redução na expectativa de vida: 25,4 anos.
Anos de vida saudáveis, restantes: quando o paciente é diagnosticado aos 10 anos de idade, ele vai ter uma vida de aproximadamente 45 anos de idade. Isso é triste.
Então é essa deficiência que a gente quer tratar para não ter esse quadro que está aqui bem explicitado, e que não envolve pessoas com qualquer tipo de diabetes - deixando claro.
Nós ainda teríamos um número adicional. Veja isso, Senador: 10% das pessoas não fazem... Crianças que deveriam fazer o diagnóstico de diabetes tipo 1 não fazem, e abrem um quadro com a cetoacidose e morrem. Então, isso é outra coisa extremamente grave. Olha o número adicional de pessoas vivas, que, se tivessem sido diagnosticadas, dentro dessas 600 mil... eu estou falando de 76 mil pessoas - muitas vidas.
Número de perdas de jovens devido à falta do diagnóstico: 26 mil.
Percentagem de perda por não diagnóstico: 12% da população de pessoas com diabetes tipo 1.
Número adicional de pessoas que estarão vivas em 2040 se todos tiverem acesso: 64 mil.
Então, aqui a gente está falando de vidas perdidas, mas de vidas que poderiam ser salvas, se a gente tivesse... E aqui eu reforço: assistência adequada? O.k., isso é necessário, mas não é só isso que é necessário; o acesso a tratamento é fundamental; a orientação dessas crianças em escolas. Infelizmente as nossas escolas, públicas e privadas, não sabem lidar com essas crianças. É mais uma coisa que a gente pode transpor se tivermos essa condição de pessoa com deficiência.
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Insulinas e tiras de testes. A gente está falando de pessoas, de 0,1 milhão, de 100 mil pessoas perdidas e que a gente adicionaria se essas pessoas tivessem acesso às tiras e também a tecnologias assistivas - tecnologias assistivas para pessoas com deficiência. Isso a gente já tem. Só não temos ainda no SUS, mas já está disponível em nosso mercado brasileiro.
E aí vem toda a questão que envolve pessoas com deficiência: um controle glicêmico superinadequado... Estou falando aqui de pacientes atendidos em nível secundário e terciário - SUS. O objetivo é que tenham glicada de 7%, menor ou igual a 7%. Olhem a média de pessoas com diabetes tipo 1, adultos: 9,1%. E quantos atingem o alvo de ter uma glicada menor que 7%? Não chega a 12%. Crianças e adolescentes: 9,4%. Aí vem o temor também dos pais de que seu filho tenha uma hiperglicemia grave.
(Soa a campainha.)
A SRA. KARLA MELO - Posso continuar?
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fora do microfone.) - Sim.
Esse aviso é de que a senhora ainda tem um minuto, e a gente pode prorrogar.
A SRA. KARLA MELO - Está legal. Obrigada.
Associado a essa glicada elevada que predispõe os nossos... Eu os chamo "docinhos" carinhosamente, viu, Senador? Os "docinhos" são as pessoas com diabetes. Então, hipoglicemia. Além do controle inadequado, glicadas que predispõem essas pessoas a terem complicações, eu ainda tenho uma frequência de hipoglicemia que é das maiores da América Latina. Não estou me comparando com o mundo como um todo; estou falando da América Latina. Isso é supertriste. Ali eu coloquei a frequência de hipoglicemias, aqui ao lado, da América... Não está funcionando, mas ali vocês podem ver - o "AL" é América Latina - as frequências.
Eu já sei que eu posso continuar e vou terminar já, já.
Em relação à hipoglicemia, que já é algo bastante grave - controle ruim, hipoglicemias superfrequentes, das mais elevadas na América Latina -, a que isso tudo leva? A um comprometimento da adesão ao tratamento e ao aumento de complicações. Este é um dos quadros mais tristes: 31% de nossas crianças, ainda, e adolescentes, de 13 a 19 anos, já com complicação do diabetes. Então, ele era um deficiente, ele tinha uma deficiência, que não foi devidamente tratada, e ele agora tem pelo menos mais uma. Além disso, a gente tem tido um aumento importante do peso desses pacientes.
Senador, esse é o meu último ou penúltimo eslaide, no qual eu mostro uma questão para quem trabalha com custos, porque custo em saúde pública é algo extremamente importante. Vejam como é o custo anual médio de uma pessoa com diabetes tipo 1 - tudo que eu trouxe aqui foi de diabetes tipo 1, para não se confundir tipo 1 com tipo 2. É um custo que quase dobra na presença de uma complicação. E, quanto mais complicações existirem, mais aumenta esse custo.
Qual é a nossa principal causa de óbito? Doenças cardiovasculares, amputações... São doenças caríssimas. Perda de produtividade? Isso é o que a gente mais vê. Infelizmente, estão no que a gente chama de custos indiretos com diabetes tipo 1, que hoje, aproximadamente, cobrem ali, chegam aos 40% de custos que a gente tem na saúde desses pacientes.
Então, é por isso tudo que diabetes tipo 1 é uma condição autoimune perigosa, que pode afetar qualquer pessoa no Brasil e que leva a 33 anos de vida saudável perdida, por pessoas que têm diabetes tipo 1, em média, em nosso país.
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Então, só para finalizar, por que a gente acredita que diabetes mellitus tipo 1 pode ser considerado uma deficiência? Porque se enquadra claramente na lei e na atualização recente da lei de inclusão de pessoas com deficiência, uma vez que todas as pessoas com diabetes tipo 1 possuem uma deficiência na produção de um hormônio que é vital, a insulina, e que não pode ser prevenida ou evitada. A gente não pode prevenir, a gente não pode evitar, e não tem como prever que aquela pessoa vai ter o diagnóstico. Hoje ainda não temos essa condição.
Enfim, configura-se dessa forma um impedimento: se eu não produzo insulina, isso é um impedimento de longo prazo de natureza física. É bem claro: é a ausência das células produtoras de insulina que é a deficiência física, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode, sem dúvida nenhuma, obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas e ainda colocar sua vida em constante risco - risco por hipoglicemia, que evolui para coma, óbito... Quantos nós já perdemos? Quantos jovens?
Senador, eu participo de muitos congressos, e não é infrequente, quando eu estou dando aula de hipoglicemia, alguém me procurar ali, descendo do palco, para dizer que conheceu uma pessoa jovem que morreu. No último Congresso Brasileiro de Endocrinologia, ou penúltimo, foi exatamente isso que aconteceu: um carioca, que não tinha 30 anos de idade, faleceu por hipoglicemia. Isso é muito triste.
Então, essa é uma limitação importante e que tira a igualdade de condições em nossa sociedade. As pessoas com diabetes tipo 1, conforme determina o PL 2.687...
(Soa a campainha.)
A SRA. KARLA MELO - ... serão submetidas, sim, a uma análise psicossocial. Aqui ninguém pretende ser diferente do que são as outras pessoas já consideradas com uma deficiência. Temos, sim, que passar, até para evitar a injustiça e para haver um melhor aproveitamento dos recursos públicos.
Muito obrigada pela atenção de vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Dra. Karla.
Passo a palavra para a Dra. Solange Travassos, Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, por videoconferência.
Ela está presente?
A SRA. SOLANGE TRAVASSOS (Por videoconferência.) - Estou aqui.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - O.k. Dez minutos, doutora.
A SRA. SOLANGE TRAVASSOS (Para expor. Por videoconferência.) - Estão me vendo? (Pausa.)
Então, vamos lá. Eu vou passar aqui a minha apresentação e vou falar da vida da pessoa com diabetes tipo 1.
Eu sou Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, Mestre e Doutora em Medicina pelo UFRJ, e também tenho diabetes tipo 1 e sei como é na pele. Nós também não concordamos com o fato de a simples elevação da glicose classificar uma pessoa como deficiente. A gente fala da deficiência de insulina.
Vou passar aqui.
O diabetes tipo 1 é uma deficiência invisível aos olhos da maioria da sociedade, mas ela é muito real para quem convive com a doença: para mim, para a Karla, para todas essas mães e pessoas com diabetes que estão participando desta audiência pública.
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Quando a insulina foi descoberta, muita gente acreditou na cura do diabetes. Ela realmente possibilitou que nós continuássemos vivos, porque a pessoa com diabetes morria ali, mesmo fazendo uma dieta espartana - acho que era uma semana de jejum completo, e depois morria em poucos meses, porque ninguém vive sem insulina. Só que a administração de insulina, embora ela consiga manter a pessoa com diabetes tipo 1 viva, ela não consegue replicar a função fisiológica da insulina natural. Ela interage com muitos hormônios, levando a desafios diários ao convívio, com o risco de complicações agudas e crônicas graves que podem ser fatais.
Então, a administração de insulina, como a Dra. Karla falou, deve ser realizada várias vezes ao dia e segue regras muito complexas. A gente precisa definir essa dose a cada refeição, baseada no que vai ser ingerido, no valor da glicemia, se vai ou não fazer atividade física depois, na rotina da pessoa, se tem estresse, se não tem estresse, se tem infecção, se não tem infecção, e até se está frio ou está quente. Então, são fatores que alguns a gente consegue controlar, mas muitos não. São mais de 40 fatores que influenciam os níveis de glicose de uma pessoa. Só de aqui estar falando com vocês, a minha glicose já subiu. Então, eles interagem entre si e tornam esse controle glicêmico um processo muito dinâmico e complexo.
Então, a pessoa com DM1 não desliga, são 24 horas por dia. Ela precisa estar atenta a essas variáveis para tomar decisões informadas para conseguir ou para pelo menos tentar gerenciar da melhor forma os níveis de glicose no sangue.
Então, nessa luta diária da pessoa com diabetes tipo 1, por dia são mais de cem decisões extras do que uma pessoa que não tem diabetes tipo 1. Você precisa estar constantemente ajustando vários fatores. Um pequeno erro pode resultar em uma hipoglicemia grave e potencialmente fatal. Você precisa estar monitorando o tempo todo, e esse cuidado constante, essa preocupação, sem dúvida, ela afeta negativamente a qualidade de vida da pessoa e também da família. O diabetes tipo 1 pode falir uma família: é uma doença cara. Além de todo estresse emocional, você tem a questão financeira. Então é muito comum você ter estresse crônico, ansiedade, depressão na pessoa com diabetes e nos cuidadores. Então, é uma doença extremamente complexa - extremamente complexa -, que requer uma equipe multidisciplinar, só que essa equipe não está disponível, os profissionais não são preparados para atender a pessoa com diabetes tipo 1, os recursos são insuficientes. Por isso é que a gente tem esses números que a Dra. Karla mostrou.
Na infância e na adolescência, o desafio é muito maior. Para vocês terem uma ideia, em uma criança pequena, uma unidade de insulina, que é a dose mínima que a gente consegue dar com o que é fornecido pelo SUS, pode baixar a glicose dessa criança em 250mg, 300mg. Então, como é que a gente faz? A gente acaba deixando essa criança com a glicose mais alta, pelo risco de hipoglicemia. Então, os pais se sentem sobrecarregados por essa responsabilidade de gerenciar o controle do seu filho. Isso tem muitas falhas, não se consegue adequar completamente os números, e então a pessoa se sente culpada. Você tem que equilibrar a rotina, essa condição do diabetes, o tempo todo.
Quando a gente vai para a escola, muitas escolas não se sentem preparadas e não aceitam crianças com diabetes, principalmente as escolas de baixa renda, escolas públicas também. Então, nós temos muitos alunos fora da escola, porque a escola não está preparada para identificar e tratar hipoglicemia, hiperglicemia, aplicar insulina. Então, nesse cenário, muitos pais e mães param de trabalhar, um ou outro, renunciam ao seu trabalho para cuidar dos seus filhos. Então, nós temos crianças fora da escola e pais sem trabalho. Na adolescência, existem todos os problemas do adolescente, a dificuldade da adesão, mas também a produção dos hormônios sexuais e a produção do GH dificultam muito o controle. É um momento bastante difícil! Você tem famílias desamparadas que estão vendo aquela criança, que estão vendo aquele adolescente ali com o controle ruim, sabendo que aquilo pode levar a uma complicação grave que custe a visão, que custe a função renal e até mesmo a vida daquela pessoa.
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Eu vou tentar usar um exemplo aqui do dia a dia: na pessoa com diabetes tipo 1, na criança com diabetes tipo 1, o simples ato de brincar pode colocar essa criança em risco. Quando uma criança que não tem diabetes começa a brincar, imediatamente a secreção de insulina é suprimida, o pâncreas para de produzir insulina para evitar a hipoglicemia, e o corpo começa a liberar vários outros hormônios - glucagon, cortisol, adrenalina -, para melhorar o fornecimento de energia e para evitar a hipoglicemia. Só que, na criança com diabetes tipo 1, essa regulagem não ocorre. A gente precisa tentar adivinhar como o corpo daquela criança vai responder ao exercício. Então, se eu dou pouca insulina, a glicose sobe demais, e eu tenho hiperglicemia; se eu dou muita insulina, a glicose baixa demais, e eu tenho hipoglicemia. É extremamente difícil, é muito difícil! Ofertar um tratamento digno e seguro que permita que essas crianças sejam incluídas nas atividades comuns da faixa etária é uma necessidade que não é atendida no Brasil. A gente não consegue nem deixar essas crianças plenamente na escola.
Aqui, para vocês terem um exemplo também, é um estudo que já tem um tempo, mas que mostra uma coisa importante que é o efeito da glicose alta e baixa na cognição. Vocês desculpem porque está em mmol, mas eu até botei aqui só nos extremos os valores e vocês veem que, à medida que a glicose vai caindo, a cognição vai piorando; à medida que a glicose vai subindo, a cognição vai piorando.
A Dra. Karla mostrou que o controle das crianças, adolescentes e adultos com diabetes no Brasil é péssimo. Então, a gente tem um monte de prejuízo aqui. Essas pessoas precisam de mais tempo para realizar provas na escola, em concursos, caso esse controle não esteja adequado. O simples fato de fazer uma prova já faz a glicose subir pelo estresse. É bastante difícil!
Além de toda a carga imposta pelo DM, que eu tentei aqui passar um pouquinho para vocês, a gente ainda precisa lidar com a ameaça das complicações. A Dra. Karla ali também mostrou um cenário bem ruim. Então, a gente precisa de que toda pessoa com diabetes tenha um tratamento adequado para a gente minimizar tudo isso e tentar evitar aqui que uma deficiência que é invisível - porque muita gente acha que é porque não faz dieta direito ou que não faz exercício, e não é nada disso - se torne visível através de várias outras deficiências, que é o que tem ocorrido na nossa população. As pessoas ficam cegas na segunda, terceira década de vida, entram em diálise, e isso completamente é desnecessário.
O diabetes não escolhe cor, classe social, idade, mas, sem dúvida, a população mais vulnerável vai ser afetada de uma maneira muito injusta. É uma coisa muito trágica. A maioria dos casos que a gente vê de evolução muito ruim, muito cedo, é por falta de acesso ao tratamento, por falta de apoio psicológico, recursos, informação, equipe multidisciplinar. É muito triste, e a gente precisa tentar melhorar isso. Aqui, um dado recente: as enchentes do Rio Grande do Sul e a covid também mostraram a vulnerabilidade da pessoa com diabetes tipo 1. Se a gente fica horas, dependendo do caso, sem insulina, a gente já corre risco de vida. Se fica um dia, tem grande chance de morrer. Se fica a dois, não tem jeito. A gente depende... E a sociedade precisa estar ciente disso. Então, em situações em que você fica restrito a algum ambiente, por algum motivo, sem acesso à sua insulina e sem acesso à comida, você está sujeito a uma hipoglicemia grave ou a uma hiperglicemia grave que pode... Então, para terminar, o tratamento adequado vai minimizar o risco de complicações agudas e crônicas relacionadas ao diabetes e deve estar ao alcance de todas as pessoas com diabetes tipo 1. Entretanto, infelizmente, ele não é capaz de replicar a função fisiológica da insulina. A insulina é ali produzida, no pâncreas, conversa com vários outros hormônios, vai ali no fígado, tem ações que a gente chama de ações parácrinas, porque ali é o lado da secreção. A gente, quando aplica insulina no subcutâneo... A gente tem mais insulina no dedo do pé do que no fígado, o que é totalmente antifisiológico. Com isso a gente gera um monte de desafios que são muito difíceis, praticamente impossíveis de serem superados, que deixam essas pessoas em sobreaviso o tempo todo, em risco o tempo todo.
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Então, a gente precisa ter uma rede de apoio que funcione para que essas pessoas possam ter uma participação plena e efetiva na sociedade, que dê condições para as demais pessoas e minimize esses riscos, porque, quando as nossas necessidades não são atendidas, a gente fica em constante risco. E isso não é uma ideia nossa, a gente não está inovando, isso é uma coisa que já acontece em vários países.
A avaliação biopsicossocial vem para adequar as necessidades de cada um, mas todas as pessoas com diabetes tipo 1 devem ser consideradas pessoas com deficiência. E isso está sendo feito, está reduzindo complicações e melhorando a saúde, a qualidade de vida dessas pessoas em vários países do mundo.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Muito obrigado, Dra. Solange.
Eu passo agora a palavra para o Dr. Renan Alves, Coordenador-Geral de Regulação e Análise Normativa do Departamento de Benefícios Assistenciais do Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Com a palavra, por dez minutos, Dr. Renan.
O SR. RENAN ALVES VIANA ARAGÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Primeiramente, boa tarde. Gostaria de saudar todos os presentes e agradecer a oportunidade de estar aqui falando em nome do Ministério do Desenvolvimento Social.
Vou trazer aqui uma fala que é um recorte bem específico voltado para os benefícios assistenciais.
A gente não é uma área que lida propriamente com a deficiência, mas, pelo fato de o BPC, que é um benefício constitucional previsto no art. 203 da Constituição, trazer essa previsão de um salário mínimo mensal às pessoas idosas e às pessoas com deficiência, esse é um tema que é muito recorrente na nossa atuação. Então, quanto ao que eu venho trazer aqui, na verdade, acho que o primeiro passo seria resgatar um pouco aqui a fala do meu colega Arthur, do Ministério da Saúde, e tentar trazer aqui que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência é um importante marco na concepção da deficiência e o fato de ela ter sido incorporada ao regramento nacional com esse status de Constituição traz algumas concepções que são muito importantes acerca de como o direito da pessoa com deficiência vai ser operacionalizado a partir da sua incorporação. Então, a gente tem que a Convenção Internacional traz que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em condição de igualdade com as demais pessoas.
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O que a convenção está dizendo para a gente é que deficiência nada mais é do que a interação entre o seu corpo e o meio. Isso significa que, para haver deficiência, a gente necessariamente tem que olhar os dois. E não à toa isso está refletido na avaliação da deficiência do BPC. A avaliação da deficiência do BPC foi alterada em 2011 e trouxe essa nova visão, que é uma visão biopsicossocial que analisa, para além dos aspectos corporais, os aspectos sociais.
É importante a gente trazer que a incorporação da Convenção Internacional marca também um importante rompimento do paradigma anterior, em que a gente olhava deficiência muito com aquele olhar biomédico, em que a gente tentava entender que deficiência é aquela pessoa que a gente vê claramente que não consegue fazer as coisas como as demais pessoas, ou que não consegue trabalhar alguma coisa nesse sentido. Então, esse novo conceito de deficiência que foi trazido pela convenção permite que a deficiência possa ser observada sob outros olhares. Isso traz, inclusive, por exemplo, uma ideia nova de deficiências invisíveis, de coisas que, enfim, são impedimentos que existem no corpo das pessoas que, dependendo da interação que vão ter com barreiras, vão fazer com que elas tenham prejuízo na participação social em condição de igualdade com as demais pessoas.
Então, acho que esse é o ponto que é mais fundamental para a gente trazer para essa discussão, porque isso é o que vai guiar a fala que eu vou trazer daqui para frente, que é sobre a avaliação da deficiência do BPC.
A avaliação da deficiência do BPC, como eu trouxe, foi alterada em 2011, de forma a refletir essa Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi incorporada ao regramento nacional em 2009. Quando a avaliação da deficiência do BPC alterou, a gente passou a fazer a análise da deficiência sob o olhar de um médico ao mesmo tempo também que a gente trazia um assistente social para fazer uma análise das barreiras.
É importante a gente ver também que, atualmente, o BPC é concedido para mais de 6,2 milhões de pessoas com deficiência e pessoas idosas - dessas, 3,5 milhões são só pessoas com deficiência. E, ao mesmo tempo, como eu trago aqui, a avaliação da deficiência do BPC analisa a interação do seu corpo com barreiras. Isso significa o quê? Que a deficiência não pode ser o tipo de doença que você tem ou o tipo de impedimento que você tem. O diabetes em si é um impedimento, mas não necessariamente a deficiência, mas isso não significa que uma pessoa com diabetes não vá ser uma pessoa com deficiência; muito pelo contrário. E, até para poder exemplificar isso aqui, eu acho que é muito importante eu trazer aqui que os dados produzidos pelo meu departamento em setembro deste ano indicaram que mais de 25 mil pessoas com diabetes mellitus recebiam o BPC. Então a gente tem assim: o diabetes em si pode não ser a comprovação da deficiência, porque a deficiência não é o seu corpo em si, é como seu corpo vai interagir com o meio. E é isso que a avaliação da deficiência do BPC faz. Ele olha de que forma esse diabetes está interagindo com as barreiras que estão circundando cada indivíduo de forma a produzir algum tipo de prejuízo na participação social dele.
Então é muito importante a gente ter isso em mente, justamente para a gente tentar entender que hoje a gente tem um conceito de deficiência que é trazido pela Convenção Internacional, que é um documento internacional que permite que pessoas com diabetes acessem políticas voltadas para pessoas com deficiência. Se atualmente pessoas com diabetes não acessam políticas para pessoas com deficiência como deveriam, existem erros formais em algum instrumento ou coisa do tipo, mas não necessariamente é um problema da legislação ou do conceito que foi trazido, que acho que é um conceito amplo e é muito importante que a gente defenda que continue amplo para permitir que não só diabetes, mas outras questões também sejam reconhecidas enquanto deficiência, como é o caso das pessoas com HIV, como é o caso das pessoas com lábio leporino, como diversas outras doenças que são classificadas enquanto impedimento para fins do conceito da convenção, mas que, dependendo da forma como elas interagem com as suas barreiras, elas vão produzir uma deficiência em um indivíduo.
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Então acho que, do ponto de vista da nossa fala enquanto regulação do BPC, o mais importante é que a gente tenha esta noção de que hoje o conceito da convenção é um conceito amplo que permite que isto seja adotado, que o diabetes mellitus seja reconhecido enquanto uma deficiência.
Nós temos também, assim como o Arthur já trouxe, esta questão de que a deficiência está sendo analisada - está sendo criado um grupo na Esplanada que está discutindo a instituição de um instrumento unificado que vai avaliar a deficiência -, para fins de todos os programas federais que tratam da pessoa com deficiência. Esse grupo já está também em fase final de formulação. E é muito importante que a gente saiba que esse grupo também está trabalhando sob este olhar que é reproduzido também na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e que também no fundo tem como o pano dele o conceito de deficiência que foi trazido pela convenção internacional, que é a deficiência enquanto a interação entre o corpo e o meio. O diabetes é o corpo, o meio vai depender do resultado de cada um.
Então, eu acho que o que eu tenho para trazer aqui de uma forma bem sintética mesmo é isto: é que hoje nós temos um conceito que abrange isso, mas definitivamente nós temos que seguir lutando para que as pessoas com diabetes tenham direitos garantidos, porque, de fato, nós temos a limitação corporal, ela traz barreiras - ela pode trazer barreiras, na verdade - que, dependendo da situação do indivíduo, vão prejudicar a participação social dele.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Para interpelar.) - Obrigado, Dr. Renan.
Eu só peço para o senhor esclarecer, pois o senhor mencionou o número de 25 mil pessoas com diabetes que já percebem o BPC. De que tipo de diabetes nós estamos falando?
O SR. RENAN ALVES VIANA ARAGÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Aqui, no caso, eu peguei todas, todas as CIDs que têm algum tipo de diabetes marcados.
Então, eu poderia ler uma por uma aqui, mas eu vou citar só alguns exemplos aqui: diabetes mellitus relacionados com desnutrição, com complicações renais, CID E122. Deixe-me pegar aqui a classificação por quantidade, que acho que faz mais sentido aqui: diabetes mellitus insumodependentes, que é a CID E10; nós temos diabetes mellitus insumodependentes com complicações circulatórias periféricas, são mais 4 mil pessoas, que é a CID E105; e por aí vai. Mas acho que no geral são... Deixe-me fazer uma contagem rápida aqui só para eu ver... São 62 tipos de diabetes que estão marcados nesse estudo que a gente fez...
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Perfeito.
O SR. RENAN ALVES VIANA ARAGÃO (Por videoconferência.) - ... como eu disse anteriormente.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado.
Foi o nosso último colaborador da audiência de hoje.
Só acho que é muito importante que se registre - e é muito claro - que o objetivo da lei, o espírito da lei não é aguardar que se tenha uma complicação e uma incapacidade de trabalho para daí dar uma assistência, mas é tratar essas pessoas de forma digna desde o início para que a gente não chegue a esse quadro. Acho que essa compreensão vai ser consolidada, nós teremos mais uma audiência pública, e convido todos.
E, nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Até a próxima, e já aviso que ainda esta semana o relatório será apresentado para que o processo legislativo caminhe.
(Iniciada às 14 horas e 34 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 31 minutos.)