05/12/2024 - 41ª - Comissão de Assuntos Sociais

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Havendo número regimental, declaro aberto a 41ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião atende aos Requerimentos nºs 71, 72 e 77, de 2024, da CAS, de minha autoria e de autoria das Senadoras Mara Gabrilli e Damares Alves e do Senador Humberto Costa, para a realização de audiência pública destinada a instruir o Projeto de Lei nº 2.687, de 2022, que classifica o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) como deficiência para todos os efeitos legais.
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Informo que a audiência tem cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com serviços de interatividade com o cidadão através da Ouvidoria, pelo telefone 0800 0612211, e do e-Cidadania, por meio do portal www.senado.leg.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
Nós temos um roteiro de inscritos, e, se não existe nenhum tipo de pedido de preferência que a Secretaria da Mesa possa me informar, eu passo logo a palavra para a Dra. Ana Carolina Torelly - depois me corrija a pronúncia, por favor -, Advogada e Nutricionista.
Com a palavra, por dez minutos, Doutora. (Pausa.)
Pois não, Doutora, me ouve? (Pausa.)
A Dra. Ana Carolina consegue fazer a participação? (Pausa.)
A senhora precisa tirar o mute, Doutora. Seu microfone aparece para mim como mutado. (Pausa.)
A Secretaria consegue ver se tem algum tipo de dificuldade com o microfone ou com a conexão da Dra. Ana Carolina, por favor?
Eu passo já, para que a gente tenha o fluxo aqui, ao Dr. Pedro Ottoni.
Dr. Pedro, já está disponível para apresentação?
O SR. PEDRO OTTONI (Por videoconferência.) - Estou, sim, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Por favor, por dez minutos, a palavra é sua.
O SR. PEDRO OTTONI (Para expor. Por videoconferência.) - Perfeito.
Boa tarde, Sr. Presidente, demais presentes.
É uma honra muito grande poder participar desta audiência pública que visa debater o Projeto de Lei 2.687, de 2022, que classifica diabetes mellitus tipo 1 como deficiência. Eu espero que esta breve participação, mesmo que de forma singela, possa ajudar os nobres Senadores a entenderem melhor esta matéria.
Minha intenção inicial era focar no conceito adotado pela lei do Brasil de pessoa com deficiência e os motivos de esse conceito ser rigorosamente ignorado na prática, mas, acompanhando a audiência pública da última terça-feira, foi possível perceber um preocupante desconhecimento do que é a diabetes tipo 1, além de uma comum confusão, pelo menos com pessoas leigas, entre diabetes tipo 1 e diabetes tipo 2, doenças completamente distintas. Eu acredito, sinceramente, que para existir uma discussão séria e de alto nível sobre uma política pública com real intenção de melhorar a vida das pessoas é necessário partir das mesmas premissas para, a partir delas, construir um debate. Não pode um projeto falar sobre laranjas, e estarmos discutindo sobre abacaxis. Isso seria uma completa incoerência, além de bastante improdutivo. Então, diante dessa confusão de conceitos e de informações, eu tomo a liberdade de começar a minha fala com alguns esclarecimentos básicos e me coloco à disposição para compartilhar as fontes.
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O Projeto de Lei 2.687, tema desta audiência, trata especificamente sobre a diabetes mellitus tipo 1, também conhecida como DM1. A DM1 é uma doença autoimune, ou seja, ocorre porque o próprio corpo se ataca, e o local atingido é o pâncreas, o órgão responsável pela produção de um hormônio chamado insulina, cuja função é transportar o açúcar do sangue para dentro das nossas células. Ah, e, para ficar claro, o açúcar é o combustível do nosso corpo, tudo que comemos vira açúcar e fica à disposição em nossas artérias e veias. Com o passar do tempo, o paciente com DM1 perde completamente, de forma definitiva, a capacidade de produzir insulina. Acontece que continuamos em busca de energia, e o nosso corpo continua a digerir os alimentos que comemos, enchendo nosso sangue de açúcar. Porém, não existe mais quem faça o transporte dessa glicose para as regiões que precisam de energia. Isso gera uma série de consequências. Vou focar em duas. Primeiro, a nossa glicemia sobe para níveis perigosos, o que pode comprometer vasos sanguíneos, gerando acidentes vasculares pelo corpo, e causar cetoacidose diabética, o que prejudica o funcionamento de diversos órgãos. Outra complicação é que, apesar da grande oferta de energia no sangue, que é o açúcar, nosso corpo não consegue consumi-lo, chegando ao ponto de se autoconsumir para sobreviver ou para tentar sobreviver. Se nada for feito ou demorar para ser feito, o resultado é a morte, independente de idade, sexo, corpo do paciente.
Para ter uma vida normal, o diabético tipo 1 precisa assumir as funções do pâncreas, precisa monitorar sua glicemia 24 horas por dia, sete dias por semana, 30 dias por mês, 365 dias por ano, e, no ano seguinte, a mesma coisa, pelo resto da sua vida. Além disso, é necessário administrar a quantidade adequada de insulina ao longo do dia. Para determinar a dosagem certa, é necessário considerar o fator de sensibilidade da pessoa, alimento ingerido, alguma doença, infecção ou inflamação preexistente, outros hormônios que estejam ativos, humor, estresse e mais uma série de fatores que variam, sempre tomando cuidado em não errar ou colocar em excesso a insulina. Afinal, a insulina é uma arma letal, pode gerar hipoglicemias que podem levar à confusão mental, à inconsciência e, em último caso, à morte.
Em uma pessoa não diabética, todo esse controle é feito de forma automática com uma precisão que beira a perfeição, sem a necessidade de qualquer interferência externa ou maiores preocupações.
Já diabetes tipo 2 é uma doença metabólica caracterizada pela resistência à insulina, o que dificulta a absorção da glicose, fazendo com que a glicemia do paciente no sangue aumente. Essa condição decorre normalmente de fatores genéticos, excesso de peso, estilo de vida sedentário e uma dieta desregrada. Mudanças no estilo de vida podem prevenir ou reverter esse quadro.
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Agora, compreendendo o que é cada uma dessas doenças e as suas diferenças, podemos focar no debate do Projeto de Lei 2.687, no conceito de pessoa com deficiência que o Brasil adota e no motivo de ele não ser aplicado na prática. Vamos lá.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que é parte integrante da Constituição do Brasil, assim como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, define pessoas com deficiência da seguinte forma: são aquelas que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Reparem que houve uma preocupação de não fazer uma lista exaustiva do que pode e do que não pode ser considerado como deficiência. A intenção foi delimitar, de forma geral, o que caracteriza essa realidade. Então, é o impedimento de longo prazo que obstrui a plena e efetiva participação na sociedade, restando a uma análise biopsicossocial avaliar e definir o impedimento e as medidas necessárias para garantir a devida socialização do indivíduo. Essa abordagem evita que, por conta da falha de um burocrata, seja ele legislador, seja ele regulamentador, em não incluir o nome de determinada restrição em um catálogo, sejam cometidos o constrangimento e a injustiça de marginalizar alguém que realmente tenha essa condição restritiva e necessite de um tratamento específico para alcançar sua perfeita integração na sociedade.
Isso é em tese, essa é a teoria. Na vida real, o Brasil ainda não implementou a análise biopsicossocial, apesar de existir uma antiga expectativa se isso está em iminência, desde 2015. E mais grave ainda: existem decretos do Poder Executivo que caminham no sentido oposto, que fazem uma lista do que pode ser considerado como deficiência e do que não seria uma deficiência. Esses decretos são os Decretos 3.298, de 1999, e 11.063, de 2022. Não é minha intenção me aprofundar nisso, mas aqui não se critica o que ali está definido, não há dúvidas sobre se essas listas estão corretas; o problema é se desconsiderar um universo que existe além dessas listas, como se tudo pudesse ser resumido em um artigo e cinco incisos e todas as outras pessoas tivessem garantida a plena e efetiva participação na sociedade. Essa crença é simplista, reducionista, desrespeitosa e joga milhares de pessoas e seus familiares para o caminho inverso da dignidade.
E vale mencionar que a omissão do poder público em não reconhecer pessoas deficientes como tal não é novidade, é algo antigo, infelizmente. O mesmo ocorreu com transtorno autista, visão monocular e outras realidades. Foi necessário que o Congresso Nacional enfrentasse essas injustiças e aprovasse uma lei específica como solução.
E é exatamente isso que o Projeto de Lei 2.687 busca fazer. Como disse o Deputado Aureo Ribeiro, o Relator do projeto na Câmara, garantir a classificação da DM1 como deficiência é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com diabetes tipo 1, além de fazer valer o que prevê a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
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Para finalizar minha participação, não posso deixar de mencionar que a classificação de DM1 como deficiência já é uma realidade em diversos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Austrália e grande parte da União Europeia, ou seja, este projeto não é uma invenção brasileira. Pelo contrário, é invenção brasileira não considerar como tal. Todos esses países são signatários da mesma Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e só o Brasil está isolado e reluta contra esse entendimento.
Sendo bem claro, o Brasil vive a contradição de ter leis modernas reconhecidas mundialmente, mas que não são implementadas e não conseguem atingir seus objetivos. A consequência é que pessoas que, de fato, possuem uma deficiência ficam desamparadas e longe de uma integração real na sociedade.
Esperamos que, com a aprovação do Projeto de Lei 2.687, essa situação possa ser solucionada, resolvida ou pelo menos amenizada. Afinal, as barreiras de longo prazo existem e obstruem a plena e efetiva participação na sociedade, só que não são aparentes como acontece em outras deficiências, mas isso não quer dizer que elas não existam.
Isso não deveria ser um problema. Não se trata de uma competição e, sim, de uma luta por dignidade e igualdade de oportunidades, em especial para crianças que são impedidas de se matricular em escolas por conta da DM1, para pessoas que são discriminadas e enfrentam diariamente o peso de uma condição que exige atenção constante, disciplina e resiliência de pais, mães, familiares que param de trabalhar e sacrificam suas vidas para buscar uma condição melhor para seus filhos, de pacientes que são subjugados e impedidos de acessar um tratamento básico, básico para a manutenção da sua vida, como se estivessem pedindo demais.
Sr. Presidente, Senador Alessandro Vieira, aqui eu encerro a minha participação. Eu me coloco à disposição para qualquer esclarecimento.
E muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Obrigado pela participação, Dr. Pedro Ottoni.
Acredito que a Dra. Ana Carolina já esteja disponível para fazer sua fala. Correto?
A SRA. ANA CAROLINA TORELLY (Por videoconferência.) - Correto. Boa tarde, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Boa tarde. Fique à vontade. Dez minutos, por favor.
A SRA. ANA CAROLINA TORELLY (Para expor. Por videoconferência.) - O.k.
Primeiramente, eu gostaria de agradecer ao senhor pela oportunidade de estar dando voz às pessoas com diabetes tipo 1 no Brasil.
Eu quero iniciar com um pequeno vídeo da Maria Eduarda, que é uma pessoa que tem diabetes tipo 1, é uma estudante de Medicina e conseguiu traduzir muito bem a nossa realidade. Só um minutinho que eu vou compartilhar.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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A SRA. ANA CAROLINA TORELLY (Por videoconferência.) - Bem, vocês me veem agora? (Pausa.)
O meu nome é Ana Carolina. Eu tenho como primeira formação Direito, mas hoje sou nutricionista, profissão que entrou na minha vida após o diagnóstico de diabetes tipo 1 do meu filho Rafael, com 12 meses de vida. O diabetes é assim: ele entra na nossa vida, muda tudo - profissão, amigos, família, vida social - e logo a gente entende que precisa se adaptar para viver cada momento da nossa vida agora com diabetes.
Assim como todas as famílias que recebem o diagnóstico, a minha foi muito impactada. Tivemos que mudar completamente a nossa rotina, e isso incluiu e inclui aplicar sete, oito injeções de insulina no meu filho - na época, um bebê -, além de exigir a furada, o furo nos dedos, nos pequenos dedinhos de um bebê, mais de 12 vezes ao dia. E temos que monitorar a glicemia 24 horas por dia, sim, inclusive de madrugada. Não há uma noite de sono em que um pai ou uma mãe de uma criança com diabetes não precise acordar para verificar se o seu filho está vivo ou aplicar insulina. Só quem vive a realidade do diabetes tipo 1 entende como é a vida de quem precisa lidar com uma doença que não te deixa esquecer dela um minuto sequer. Precisamos nos programar para mínimas coisas que as pessoas sem diabetes nem pensam, como comer, dormir, dirigir, estudar.
O diagnóstico de diabetes tipo 1 não tem nada a ver com consumo de açúcar, falta de atividade física e também com estilo de vida. E esse é um estigma que nos fere e que a gente luta muito para combater. Por isso, eu não posso deixar de registrar aqui o nosso repúdio, o repúdio de toda a comunidade com diabetes tipo 1, às declarações da médica que veio ao debate falar sobre diabetes tipo 1 sem ao menos saber a diferença do diabetes tipo 1 para o tipo 2 e, ao final, nos aconselhar a não comer açúcar. Foi muito triste, uma fala capacitista, nos comparou com outras pessoas com deficiência e ficou muito ruim para a gente ouvir aquilo. E a fala dela e também de outros representantes do nosso estado reflete exatamente o que é o diabetes tipo 1. Nós somos esquecidos, ninguém sabe o que é diabetes tipo 1, nem números oficiais a gente tem em relação ao diabetes tipo 1.
O problema talvez seja o nome da doença. Não sabemos por que ela tem o mesmo nome de uma doença que não é igual a ela. Então, eu vou repetir aqui: o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, sem prevenção e sem cura. E o diabetes tipo 1 não é a mesma coisa que diabetes tipo 2. Estamos falando aqui de diabetes tipo 1.
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Eu vim hoje aqui porque acredito que eu tenha lugar de fala para debater sobre um assunto tão relevante para a vida de todos nós, para a vida de quem convive com uma deficiência invisível. E as deficiências invisíveis geram desconfianças, sim. Geralmente as pessoas com esse tipo de deficiência são hostilizadas quando procuram exercer seus direitos. E é o que estamos vivendo aqui quando somos comparados com outro grupo de deficientes na tentativa de diminuir a nossa luta pela inclusão do diabetes tipo 1 no rol de PcD.
Sei e ressalto que cada deficiência traz seus próprios desafios e limitações. Então, durante a minha fala, caso eu venha citar algum outro tipo de deficiência, será apenas com o intuito didático, para facilitar o entendimento da nossa deficiência, que é invisível.
Então, da mesma forma como uma pessoa com deficiência física visível, como a perda de um membro, precisa de adaptação do ambiente para que seja reinserida na sociedade, nós, famílias e pessoas com diabetes, também precisamos nos adaptar e precisamos também de auxílio e suporte para isso. Mas o fato de a nossa deficiência ser invisível para vocês não faz com que ela não exista nas nossas vidas, ainda mais quando sabemos que, em outros países, como já foi citado, as pessoas com diabetes tipo 1 gozam de medidas que facilitam a vida delas para enfrentar os desafios do dia a dia.
E os tratamentos existentes hoje para as pessoas que vivem com diabetes tipo 1 não anulam o nosso esforço para que a gente possa fazer tudo que as outras pessoas fazem, mas de maneira natural e sem esforço. Para a gente não é assim. Não basta aplicar insulina e medir glicemia - e olha que isso já é um trabalhão! Viver com diabetes tipo 1 é tomar 180 decisões ao dia apenas para comer, brincar, estudar e dormir. A reposição de insulina é feita por meio de injeções e, apesar de ser uma parte dolorosa, especialmente para as crianças, além dos 12 furos nos dedos, essa não é a parte mais difícil de viver com diabetes - e eu digo aqui que se fosse só isso, para a nossa comunidade essa já seria a cura. O grande desafio do diabetes tipo 1 é justamente pensar e agir pelo pâncreas. Apesar do nosso grande esforço, definitivamente, não é possível chegar a esse nível de excelência que só o nosso corpo consegue ter. Você já se imaginou fazendo o trabalho de um pâncreas? É isso que precisamos fazer todos os dias e é um grande esforço.
Para deixar mais claro, já estou finalizando, eu vou aqui falar rapidamente a rotina normal da vida de quem tem diabetes tipo 1. Ao acordar, já é preciso aplicar dois tipos de insulina, uma basal e uma rápida para poder se alimentar. E é preciso esperar 15 minutos, no mínimo, entre aplicar insulina e poder começar a comer e, ainda, contar a quantidade de carboidratos do que você vai comer, para aplicar a dose correta de insulina. Se aplicar insulina demais, pode ter hipoglicemia, desmaiar e morrer; se aplicar insulina de menos, a glicemia ficará alta e, a longo prazo, a pessoa - ou a criança, no caso aqui - ficará com complicações. E esse processo é repetido todos os dias, em todas as refeições e para sempre. Nem nas madrugadas o diabetes tira folga. E é justamente nas madrugadas que o diabetes mais nos assusta, pois é comum o caso de hipoglicemias noturnas que terminam em morte. Pais e mães acordam todas as noites justamente para conferir se seus filhos estão vivos.
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E nas escolas? Quem vai dar esse tipo de cuidado nas escolas? Não temos suporte. As mães precisam largar seus empregos para ficar na porta da escola para aplicar insulina em seus filhos. Escolas no Rio de Janeiro estão proibindo adolescentes de usarem insulina na escola. Recentemente, acompanhamos a história do Augusto, o jovem que foi expulso do Enem por causa do alarme do seu monitor de glicose. Separar uma pessoa com diabetes tipo 1 dos seus insumos, para que ela faça uma prova, entre na escola ou exerça qualquer ato, é o mesmo que pedir a uma pessoa com deficiência auditiva que retire o seu aparelho auditivo ou a um cadeirante que "deixe a cadeira de rodas ali fora, pois aqui não é permitido entrar com isso". Mas ninguém sabe disso. Nem a médica da USP sabia.
Entendem por que a gente precisa de uma lei que nos ampare? Estamos aqui lutando pelos nossos direitos. Quantas crianças continuarão fora das escolas por conta do diabetes tipo 1? Quantos jovens serão expulsos do Enem por estarem com seus insumos? Quantos adultos precisarão mentir nas entrevistas de emprego por causa do preconceito? E quantas pessoas ainda precisarão morrer com diabetes tipo 1 por falta de acesso ao tratamento?
Aprovem a PL 2.687 porque o diabetes tipo 1 não pode esperar!
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Obrigado Dr. Ana Carolina.
Orgulhosamente, como representante de Sergipe, eu registro que a Maria Eduarda, Duda, é sergipana, aluna da Universidade Tiradentes, salvo engano, aqui, em Aracaju, que é a nossa capital.
Permitam-me dar sequência às nossas falas aqui... A audiência remota acaba gerando uma certa dificuldade, mas eu aproveito o tempo para deixar claro que, sim, existe essa confusão pelo fato de ser uma doença, entre aspas, "invisível", e existe, sim, uma preocupação muito clara com eventuais impactos financeiros da aprovação dessa legislação. Mas o projeto cuida disso, e a moderna interpretação do que é uma pessoa com deficiência cuida disso, na medida em que exige uma avaliação biopsicossocial para que a gente tenha esse avanço.
Vou passar a palavra agora para a Coordenadora de Advocacy da ADJ Diabetes Brasil, que é a Sra. Lúcia Xavier.
Já está disponível a Lúcia? (Pausa.)
Desculpe-me, mas eu não pude ver aqui agora. (Pausa.)
Por dez minutos, por favor.
A SRA. LÚCIA XAVIER (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos!
Eu não sei se me ouvem.
Obrigada.
Exmo. Senador Alessandro Vieira, eu quero muito agradecer por nos ouvir, por dar voz às mães e às crianças do Brasil que têm DM1.
Eu aqui estou tentando passar para o próximo eslaide, mas acho que não está aí por algum motivo. (Pausa.)
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Desculpa.
Eu aqui represento a ADJ Diabetes Brasil, que é uma empresa de 44 anos que, hoje, continua sentada na cadeira do CNS brigando na parte de patologias. Nós estamos sediados em São Paulo e somos, desde 1999, membro da Internacional Diabetes Federation.
Eu só vou reforçar que é uma doença crônica e é uma doença autoimune, por isso a gente gera, a gente tem esse rescaldo de gerar limitações significativas na nossa vida cotidiana, como algumas pessoas já comentaram. Embora o DM1 não seja uma doença visível, impõe desafios diários, como já foi citado. As consequências de um mau tratamento ou de uma negligência nos recursos para esse tratamento fazem uma falta de controle resultar em complicações graves: cegueira, insuficiência renal, amputações, doenças cardíacas e danos aos nervos, além de afetar a qualidade de vida e a capacidade de realizar tarefas diárias, cotidianas, para todos nós.
A deficiência não é uma questão de capacidade, mas de participação na sociedade. Não é apenas uma condição médica, mas, sim, uma condição e uma questão de como essa condição interage com as barreiras sociais e ambientais. A deficiência é uma questão de direito, de garantir o reconhecimento de DM1 como uma deficiência. Ao garantir isso, a gente garantiria prioridade no atendimento público, acesso facilitado a medicamentos e tratamentos gratuitos, direitos relacionados à educação, ao trabalho, ao direito à vida.
Nós presenciamos a pandemia como presenciamos, também, a catástrofe no Rio Grande do Sul. Nós não tínhamos a segurança de que essas pessoas fossem acolhidas pela situação, e hoje existe. Essas são pessoas que têm a deficiência porque o pâncreas não funciona, então, elas se tornam vulneráveis nessas situações em que a vida nos coloca. O atendimento prioritário é uma coisa muito importante para os nossos dias, porque, por exemplo, quando a gente vai fazer um exame de sangue, nós chegamos em jejum e, às vezes, permanecemos horas na fila. Isso vai acabar trazendo para a gente uma hipoglicemia e, quem sabe, uma cetoacidose. É de uma lei de direito ao trabalho que a gente precisa. Temos que ter evitada a restrição ao trabalho da pessoa com deficiência ou qualquer discriminação em razão da sua condição.
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Se nós estivermos devidamente amparados por tecnologias assistivas, por educação, nós não vamos ter problemas que impeçam o trabalho de maneira nenhuma. Nós temos que ter a tecnologia assistiva, porque as tecnologias assistivas viabilizam e maximizam a autonomia, o autocuidado. Nós temos que pedir agilidade no processo de inclusão de novos recursos tecnológicos para a tecnologia assistiva no rol de produtos distribuídos no âmbito do SUS ou por outros órgãos governamentais.
Nós temos direito à saúde, nós temos que ter um diagnóstico precoce para não ter perdas de crianças, como tivemos de mais de 71 mil crianças que morreram sem ter o diagnóstico do DM1. E atendimento psicológico. É muito triste, é muito difícil para uma família que nunca teve uma criança com diabetes ter, de repente, uma criança com diabetes entre os seus familiares. Como acolher? Como trabalhar nossa cabeça? Nós precisamos desse atendimento psicológico para a pessoa e para os familiares. Como incorporar esse caminhão de informações que as pessoas recebem? Nós temos que ter informações adequadas, acessíveis às pessoas com deficiência e aos seus familiares. E promoção de estratégia de capacitação permanente das equipes que atuam no SUS. Nós precisamos de profissionais bem preparados, porque não adianta dar uma medicação ou um insumo, um dispositivo médico, sem que essas pessoas passem a maneira de utilização disso para proporcionar a quem está recebendo um autocuidado, um incentivo ao autocuidado e uma melhor qualidade de vida.
Ainda sobre o direito à saúde, nós precisamos de mais promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis. As operadoras de planos de saúde e seguros privados de saúde têm que garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados para os demais clientes. Nós precisamos muito.
Ainda sobre o direito à saúde, nós precisamos que seja vedada a cobrança de valores diferenciados por planos e seguros privados de saúde em razão dessa condição de diabetes. E assegurar à pessoa com deficiência o acesso aos serviços de saúde, tanto públicos quanto privados, e as informações prestadas e recebidas por meio de recursos de tecnologias assistivas que sejam sempre compartilhadas.
E, por último, mas não menos importante, nós precisamos de oferta de profissionais de apoio dentro das escolas. Muitas mães têm que abandonar os seus serviços para ir até a escola fazer a medição da glicose e fazer a utilização da insulina nos seus filhos. Como é que ela vai deixar uma criança na escola correr o risco de ter uma hipoglicemia?
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Então, é por isso, prezado Senador, que a gente pede a aprovação do PL 2.687.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Eu que agradeço pela participação, pelas palavras.
Aproveito para compartilhar que chegam comentários e perguntas, no e-Cidadania, da Thaís, de Minas Gerais; da Elizângela, do Rio de Janeiro; do Daniel, também do Rio de Janeiro; da Gislaine. Essencialmente, são perguntas que já estão sendo solucionadas, equacionadas, respondidas pelos participantes da audiência, mas é sempre um ponto que se repete bastante essa dúvida com relação ao impacto, ao alcance e ao porquê de isso não ser reconhecido, e eu acho que todos já estão explicando qual é a dificuldade: é o fato do desconhecimento, da desinformação. Também já está devidamente esclarecido que o impacto do reconhecimento como PcD do portador do DM1 é mitigado, porque você tem uma análise biopsicossocial, que é etapa legal compulsória para que você tenha a dimensão exata daquilo de que aquela pessoa necessita, e aí a gente vai ter isso, eu quero crer, muito bem avançado e, eu espero, com muita brevidade, votado e aprovado por esta Casa.
Eu agora convido o representante do Ministério da Previdência, que não sei se confirmou a presença ou se está disponível.
A Mesa pode me dizer? (Pausa.)
Foram devidamente convidados, mas não compareceram.
Então, vamos passar para a Sabrina Santana, que é a Presidente da Federação Brasileira Desportiva dos Surdos, que vai fazer sua participação, evidentemente, com a colaboração de um tradutor de Libras, salvo engano.
À sua disposição, por dez minutos, por favor, Sabrina. (Pausa.)
A SRA. SABRINA SANTANA (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea de libras.) - Não estou me vendo. Estou vendo o intérprete, mas não estou me vendo. (Pausa.)
Olá! Uma boa tarde a todos!
Agradeço por estar aqui presente com vocês nesta reunião.
Eu tenho poucas informações sobre a diabetes tipo 1, não conheço muito bem, mas, pelas explicações, eu consegui entender com clareza o assunto aqui, pergunto, uma dúvida: sobre a diabetes, a DM1, se trata só da DM1 ou de todas as diabetes? Também: na aceitação dela como deficiência, as outras diabetes também serão incluídas nessa ideia? São apenas dúvidas que eu tenho.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Não, apenas a diabetes tipo 1, apenas ela. Apenas a DM1 está sendo incluída pela lei, apenas ela. Salvo engano, a gente tem 52 ou 72 especificidades descritas como diabetes, e apenas a DM1 consta. Parece-me que são 52 ou 72...
A SRA. SABRINA SANTANA (Por videoconferência. Tradução simultânea de libras.) - Cinquenta e duas? Essas estão sendo retiradas. Só a DM1, então.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Isso.
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A SRA. SABRINA SANTANA (Por videoconferência. Tradução simultânea de libras.) - O foco é na DM1 hoje. (Pausa.)
Estou procurando o intérprete; não estou enxergando-o. (Pausa.)
Ah, encontrei.
DM1 apenas.
Ela se torna mais severa, no caso, porque não tem o uso do pâncreas, correto?
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Resumidamente, sim.
A SRA. SABRINA SANTANA (Por videoconferência. Tradução simultânea de libras.) - Ah, muito bem.
Eu pergunto sobre isso, sobre essa inclusão na deficiência, no foco dela. Isso é muito bom, essa preocupação com a deficiência. E ela vai ser incluída também na questão das cotas para diabetes tipo 1?
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Sim, na medida em que você tenha a avaliação biopsicossocial caso a caso.
A SRA. SABRINA SANTANA (Por videoconferência. Tradução simultânea de libras.) - O motivo dessa pergunta é o esclarecimento das cotas. A gente sabe que teve um grande aumento, e isso gerou vários problemas de acesso nessa questão; a nossa preocupação é essa.
O meu ponto era só mais esclarecimento mesmo sobre a DM1 e entender - ter essa empatia - esse sofrimento que a gente sabe que é na pele: a questão da insulina, o cuidado, as horas gastas. Esse é um entendimento que ficou muito claro para mim e que faltava para eu entender; se está feito, isso já é de grande avanço.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Muito obrigado pela participação, Sabrina. É um prazer recebê-la aqui.
De fato, a gente tem essa cautela para que se tenha, mais do que tudo, justiça social, garantia para as pessoas. E não é só o sofrimento diário - acho que a última audiência pública trouxe isso com bastante clareza, e a gente registra no relatório, que será divulgado amanhã -, essas pessoas, sem que tenham dado causa para isso, sem nenhuma culpa, têm uma redução de expectativa de vida saudável de mais de 30 anos. Então, isso tem que ser levado em consideração. Tenho certeza de que será levado em consideração.
Muito obrigado, Sabrina, pela sua participação.
A SRA. SABRINA SANTANA (Por videoconferência. Tradução simultânea de libras.) - Agradeço pelas informações que foram explanadas. Agradeço a todos aqui.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Dando prosseguimento aqui, nós vamos chamar agora a Sra. Ana Paula Batista Soledade, da Associação dos Ostomizados do DF.
Só ligando... Está presente.
A SRA. ANA PAULA BATISTA SOLEDADE (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde! Boa tarde a todos! Boa tarde, Senador!
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Por dez minutos, a palavra é sua, Sra. Ana Paula.
A SRA. ANA PAULA BATISTA SOLEDADE (Por videoconferência.) - O.k., muito obrigada.
Bom, eu cumprimento a todos, inclusive quem está nos acompanhando nesta oportunidade, agradecendo também pelo convite para essa participação nessa pauta tão importante.
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Eu farei a minha autodescrição. Eu sou uma mulher de pele parda, com ostomia há 15 anos. Sou portadora de um tipo de câncer raro há 17 anos, tenho 40 e muitos anos, cabelo castanho com mechas loiras, de comprimento médio. Uso óculos, visto uma blusa na cor preta e um casaco xadrez nas cores bege e preta, e, de fundo, eu tenho uma parede branca desfocada. Na comunidade surda, o meu sinal é passar a mão no cabelo e o sinal do "a".
Pois bem, de fato, entrando já no mérito da nossa pauta, parabenizo, inclusive, a Deputada Flávia Morais, proponente desse projeto de lei aqui em discussão, já que isso é uma demonstração de acolhimento - não é verdade? - do anseio daqueles que mais necessitam. Sobre essa temática, o Estado deve ter, de fato, um olhar singular às especificidades do ser humano, seja na garantia de uma política pública eficaz, seja na implementação, via instrumento legal, de direitos basilares - aqueles que detêm o poder da garantia à própria subsistência, ou seja, aqueles inegociáveis.
Pois bem, nós tratamos aqui do Projeto de Lei nº 2.687, de 2022, fundamentado na inserção do diabetes mellitus tipo 1, classificando-o como deficiência para todos os efeitos legais. Mas o PL condiciona tal classificação à criação do instrumento para avaliação da deficiência, conhecido como avaliação biopsicossocial.
Ainda sem entrar no mérito, observo que a própria justificativa do PL, aqui em debate, diz que o DM1 é uma doença autoimune, em que ocorre a destruição das células beta do pâncreas, responsáveis pela produção da insulina, o hormônio necessário para controle da glicose no sangue, como bem explanado pelo Dr. Pedro Salomão e pela Dra. Ana Carolina também aqui.
Com o diagnóstico, o paciente passa a depender do uso de insulina injetável por toda a sua vida, tendo que aplicar múltiplas injeções diárias.
A doença acomete, aproximadamente, 600 mil pessoas no Brasil - um número bastante expressivo, que exige de todos aqui esforço para a execução, de fato, de uma política pública eficaz e que garanta o acesso de acordo com as especificidades de cada paciente.
Assim, são incontroversas as limitações trazidas por determinadas patologias, como a própria diabetes tipo 1, as doenças raras, os cânceres - que inclusive causam a ostomia -, as hipertensões crônicas, entre outras. Consequentemente, precisamos refletir sobre a evolução histórica do conceito de deficiência, bem como sobre a consequência de patologias que causam deficiência, explanado aqui também pelo Dr. Pedro Salomão muito bem. E aí, começamos, inclusive, pelo Decreto 5.296, de 2004, que conceitua a pessoa com deficiência como aquela que possui limitação ou incapacidade para desempenho de atividades e se enquadra nas seguintes categorias: deficiência física, deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência mental e deficiência múltipla. Observem, reiterando - inclusive, me permita, Dr. Pedro Salomão -, que, pela força do decreto, não basta ter limitação ou incapacidade; além disso, deve se enquadrar nas categorias expressamente condicionadas no instrumento legal.
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Já a LBI, a nossa Lei Brasileira de Inclusão, traduz o conceito de democracia ao pensarmos que, desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal e a consolidação do Estado democrático de direito, reconheceu-se a necessidade de garantir a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. Após décadas de luta, esse instrumento - qual seja, a Lei 13.146, de 2015, que tem como fundamento a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada aqui em 2009, no Brasil, através do Decreto 6.949 - é, sem dúvida, assistir à democracia na prática, pois mais de 45 milhões de brasileiros e brasileiras deixaram de ser invisíveis.
Entre as principais inovações da LBI está a mudança do conceito de deficiência, que agora não é mais entendido como uma condição estática e biológica da pessoa, mas, sim, como resultado da interação com as barreiras impostas pelo meio, ou seja, de quanto mais acessos e oportunidades uma pessoa dispõe menores serão as suas dificuldades consequentes de suas características. Vejam bem, a LBI, no seu art. 2º, diz que - abro aspas -: "Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". E ela aponta ainda que: "A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, e [...] [considera, vejam]: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação".
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O que se deve analisar, neste ponto, é uma abordagem da deficiência pelo modelo social de direitos humanos aqui já exposto, inclusive, pela Dra. Lúcia Xavier também. Todos nós sabemos que o Brasil está migrando de uma avaliação de deficiência, saindo dos critérios médicos puramente ditos - sendo a clássica divisão feita em tipos de deficiência -, para incluir os componentes de modelo social, que considera também aspectos biopsicossociais na avaliação. No entanto, gente, deve-se levar em consideração que são legítimos usuários dos direitos das pessoas com deficiência aqueles que cumprem os critérios macro definidos na legislação, independente de programas ou políticas públicas, sob pena de a regulamentação do instrumento de avaliação restringir direitos como, por exemplo, o direito à não discriminação, que é um direito individual, independentemente da avaliação formal do tipo de deficiência.
Estou finalizando.
O novo paradigma do modelo social da deficiência, com base nos direitos humanos, determina que a deficiência não está na pessoa como um problema a ser curado, e, sim, na sociedade, que pode, por meio das barreiras que são impostas às pessoas, agravar uma determinada limitação funcional. Essa nova visão, resultante da luta das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais, significa uma revolução no modo de lidar com as pessoas com deficiência e suas relações com a sociedade e também com aquelas patologias correlatas a uma deficiência.
Já encaminhando para a finalização e diante do que até aqui foi exposto - e muito bem exposto por todos que se apresentaram -, observo que o PL também traz, em sua justificativa, a não existência de amparo legal que garanta, por exemplo, ao estudante com DM1 atendimento adequado dentro dos estabelecimentos escolares, a dificuldade de acesso ao trabalho por jovens e adultos, além de barreiras para o exercício de funções que exijam grandes esforços. E sobre esses aspectos, é de suma importância registrar a ausência do Estado em garantir tecnologias eficazes para o controle sólido da doença, e, se há tais tecnologias, demonstra também uma falta de acesso desse segmento populacional a tais ferramentas de inovação.
Logo, vejo com preocupação, respeitando aqueles que divergem, que não basta apenas reconhecer o DM1 ou classificá-lo como deficiência, pois condicioná-lo a uma avaliação em que, além de haver a demonstração de limitação e incapacidade, a pessoa, o cidadão, deverá demonstrar em qual categoria se enquadra pode fazer essa excelente iniciativa - quero reiterar aqui -, materializada por este PL, ser ineficaz.
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Portanto, reconhecer o direito de quem tem deficiência é garantir a cidadania. Entretanto, ampliar classificações ou conceitos com a finalidade de garantir acesso a direitos merece cautela, pois poderíamos somar esforços, por exemplo, para garantir de forma isonômica e mediante livre demanda àqueles que possuem indicação médica acesso às tecnologias assistivas avançadas e existentes capazes de promover um controle adequado da patologia e evitar que tal condição os condicione como uma pessoa com deficiência.
Por fim, a Dra. Lúcia me tocou bastante com a sua fala, porque ela explana um cenário que destoa do ideal para que as pessoas com deficiência tenham acesso à saúde. Então, apesar de estar agradecida por participar deste projeto, eu quero compartilhar a minha preocupação: criarmos instrumentos que, ao mesmo tempo que reconhecem a condição da deficiência, limitam o acesso a direitos. Assim, que daqui saiam encaminhamentos que assegurem esses direitos.
O Dr. Pedro Salomão falou muito bem que não dá para se prender a arcabouço legal e normativas jurídicas. Sobre isso a gente até pode dialogar aqui, muito francamente, mas, na prática, na ponta, a pessoa com DM1 vai enfrentar essas barreiras tendo uma deficiência invisível, assim como eu, que sou ostomizada e invisível.
Eu quero agradecer e me colocar à disposição no que eu puder colaborar, para que possamos avançar e para que possamos cuidar da sociedade, da comunidade com diabetes tipo 1. Estaremos juntos. Obrigada!
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Muito obrigado pela rica colaboração, Dra. Ana Paula.
E, finalizando o número de nossos participantes, nós teremos a... Peço desculpas aqui. Nós teremos a Jaqueline Correia, é isso? Nós já tivemos a escuta da Jaqueline?
A SRA. JAQUELINE CORREIA (Por videoconferência.) - Não, ainda não.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Por videoconferência.) - Então, será um prazer. Estamos à sua disposição por dez minutos, Jaqueline.
A SRA. JAQUELINE CORREIA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador. Agradeço pela participação e também pelo acolhimento, tanto do senhor quanto do seu gabinete, em relação a essa pauta tão importante que é o diabetes tipo 1.
A gente costuma falar que nós somos poucos, mas nós existimos. E, por conta disso, de toda essa história, de nossa jornada referente ao direito da pessoa com diabetes... O seu gabinete e a sua pessoa, com certeza, estão trazendo visibilidade para a nossa causa.
Eu gostaria que a equipe da Secretaria pudesse apresentar o primeiro vídeo, por gentileza.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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A SRA. JAQUELINE CORREIA (Por videoconferência.) - Obrigada.
Pode, por gentileza, começar a apresentação? (Pausa.)
Bom, meu nome é Jaqueline Correia, eu sou Presidente do Instituto Diabetes Brasil, que representa o diabetes de forma nacional e internacionalmente. Sou mãe-pâncreas, que é ser mãe de uma criança com diabetes tipo 1.
Pode passar, por gentileza.
Bom, a categoria da classificação do diabetes: para incluir o diabetes tipo 1 no rol de pessoas com deficiência, essa deficiência se define numa deficiência física - o pâncreas não funciona, ele deixa de produzir insulina, que é hormônio vital para a saúde. E, por conta dessas questões, a gente precisa tomar atitudes diariamente.
Quando a nossa amiga me antecedeu, a Ana Paula, ela até categorizou alguns desafios. Nós precisamos todos os dias, constantemente, ter decisões para que os nossos filhos possam ter saúde, qualidade de vida, para garantir a vida deles. Um erro numa administração - um erro! - pode ser fatal. E esses são os dados que nós vemos diariamente no Brasil.
Pode passar, por gentileza.
Bom, aqui são alguns dados que nós temos. Até 2022, nós éramos 588 mil pessoas. Agora, atualizado para 2024, são cerca de 600 mil pessoas com diabetes. Nós tivemos uma perda, por falta de políticas públicas na assistência, de 234 mil pessoas. Senador, era para sermos cerca de 900 mil pessoas. Hoje, infelizmente, nós somos só 600 mil, porque 234 mil vieram a óbito. Uma a cada nove crianças morre por falta de diagnóstico oportuno. A expectativa de vida dessas pessoas, se ela for diagnosticada a partir dos dez anos, em vez de ser 76 anos, cai para cerca de 55 anos. Isso é um dado trágico, e foram até lançados pela maior revista, que é The Lancet, os dados do DM1 no Brasil.
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Pode passar, por gentileza.
Bom, como se chegou a esse texto desse projeto de lei aqui no nosso país? O diabetes tipo 1 já é considerado como deficiência na Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Reino Unido, onde eles tratam muito bem a pessoa com diabetes. Então, essa política pública de considerar o diabetes tipo 1 no rol de pessoas com deficiência não foi uma política pública que saiu de uma ideia de uma mãe brasileira, de uma pessoa brasileira com diabetes tipo 1. Essa política já acontece e funciona muito bem com a população DM1 desses países que eu citei.
As dificuldades que essas pessoas enfrentam, com o risco todos os dias de perder a vida... A Carol falou muito bem aqui sobre os desafios da madrugada: fazer ponta de dedo, verificar se a criança está respirando, se a criança brincou muito, se não brincou, se o adulto sofre algum estresse, se tem alguma questão clínica de saúde, tudo isso impacta a glicemia dele. Então, é um fator que não tem como a gente não entender e que, de fato, não coloca essa classe de forma igual na sociedade. Eles precisam, sim, ter direitos, com amparo dentro da legislação. E o Estatuto da Pessoa com Deficiência é muito abrangente em relação a isso. Grandes países já consideram o DM1 no rol de pessoas com deficiência. Então, são inúmeras decisões ao dia.
Essa é uma figura de uma criança, é uma imagem de uma criança, com um tanto de picadas, e essas injeções são classificadas também. Além da picada de monitorização e administração de insulina, há também o quantitativo de quantas decisões essa criança e esse familiar precisam tomar ao mês para garantir a vida dessas pessoas.
Pode passar, por gentileza.
Bom, no Brasil não há uma política pública estruturada, infelizmente.
Nós tivemos, na terça-feira, uma fala de uma médica que disse que, hoje em dia, o SUS tem iniciativas robustas que amparam essa população, deu o exemplo do Farmácia Popular, mas eu venho dizer aqui que ninguém que tem diabetes tipo 1 retira o seu medicamento na farmácia popular; pelo contrário, as poucas pessoas que têm acesso a esses tratamentos o fazem através da farmácia especializada, e até a isso muitas famílias já também não têm acesso. Então, 25% apenas dos pacientes apresentam um bom controle, isso aqui que a gente está falando abrange só 25% dessa população.
Tem uns dados mais atualizados voltados para o SUS que falam também que 90% da população com diabetes estão descontrolados, e estados de regiões como Norte e Nordeste têm o pior resultado da hemoglobina glicada.
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Também tem estudos que ressaltam que pessoas negras, em sua grande maioria, que não têm poder aquisitivo também têm uma dificuldade no controle glicêmico, ou seja, essas pessoas já estão condenadas. E a gente volta lá atrás e percebe que aquele número de 234 mil pessoas é o reflexo da falta de amparo.
Quando a gente fala também de reflexo, a gente volta a falar desses países que já fornecem. No Reino Unido, por exemplo, é considerado o diabético no rol de pessoas com deficiência. Essas pessoas já recebem a melhor tecnologia, porque eles entendem que essas pessoas, tendo acesso às melhores tecnologias, vão ter melhor qualidade de vida e vão também ser produtivas.
Falando um pouquinho sobre a avaliação biopsicossocial, essa avaliação já está prevista no texto do nosso projeto de lei. Ela foi implementada na Câmara dos Deputados e também está no texto enviado para o Senado. Todas as pessoas com diabetes tipo 1 devem, sim, ser consideradas com deficiência, mas, para terem acesso a determinados direitos, é importante, sim, que passem por uma avaliação biopsicossocial.
Pode passar, por gentileza.
Pode passar.
Então, o que a gente pede agora, Senador? Que essa condição de pessoa com diabetes tenha que ser, sim, incluída como pessoa com deficiência, porque a gente vive diariamente grandes limitações. Aquelas pessoas, principalmente as vulneráveis, não têm chance de viver - como foi o caso da Milena. Então, isso é muito importante e gente pede a conscientização e a empatia de todos os Senadores para que possam incluir.
E a gente pensou, de uma forma macro, beneficiando e entendendo as demais condições, que, sim, a pessoa com diabetes precisa ser incluída como pessoa com deficiência, mas que existe também - e já está pleiteado dentro do nosso texto do projeto de lei tanto na Câmara quanto no Senado - a avaliação biopsicossocial para todos, porque a gente entende que a gente precisa... Tem determinadas classes sociais, enfim, que determinam mais direitos, dão acesso a mais direitos para que tenham uma melhor qualidade de vida e possam sobreviver a isso.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado pela apresentação.
Agradeço muito a cada um de vocês pela oportunidade de ouvi-los, de conhecer cada visão específica sobre esse tema, que é tão relevante. Nós sabemos perfeitamente das dificuldades que cada um enfrenta, de como as peculiaridades atingem cada um de nós e muito mais pesadamente as famílias de pessoas com deficiência.
A legislação que está sendo debatida aqui é uma legislação sóbria. Ela não tem nenhum tipo de excesso, favor ou abuso de direito e não exclui ou atrapalha o atendimento de outros grupos que também são vulneráveis. Eu tenho certeza de que vai servir como uma referência para todos nós nesse trabalho que é de construção de boas legislações, de bons trabalhos, para que a gente possa, enfim, dar consequência àquilo que a gente faz aqui no Senado e na Casa Baixa, que é a Câmara dos Deputados, para que a gente tenha tudo isso funcionando com perfeição.
Como eu já disse na reunião anterior e mencionei tangencialmente nesta nossa reunião, o relatório será publicado amanhã. Antecipo que é um relatório pela aprovação do projeto.
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Vamos trabalhar juntamente com a Presidência da Comissão e do Senado para que a gente tenha a aprovação em Plenário e o envio para a sanção do Presidente da República com a maior brevidade possível.
Senhoras e senhores, não havendo mais nada a tratar, eu declaro encerrada a presente reunião, agradecendo novamente a participação de todos.
Muito obrigado.
(Iniciada às 14 horas e 41 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 54 minutos.)