11/12/2024 - 10ª - Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. Bloco/PT - SP. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 10ª Reunião da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com objetivo de debater soluções legislativas e administrativas que garantam a proteção e o uso sustentável das florestas públicas não destinadas, em atenção ao Requerimento nº 7, de 2024, da Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas, de autoria do Senador Alessandro Vieira.
Convido para tomar lugar à mesa os seguintes convidados: Lívia Laureto, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia; Marcos Woortmann, Diretor Adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade; Marcelo Mateus Trevisan, Diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; e Leandro Mitidieri Figueiredo, coordenador do Grupo de Trabalho Unidades de Conservação da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que fará sua participação de forma remota. (Pausa.)
Esta audiência pública aqui, em que nós vamos debater florestas públicas não destinadas, tem uma importância fundamental, na medida em que o Brasil tem compromissos assumidos do ponto de vista internacional no Acordo do clima.
R
E o Brasil, de certa forma, vem fazendo sua lição de casa naquilo em que o Brasil mais contribui contra as emissões de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global, que é o uso da terra, em especial por causa do desmatamento - então, a diminuição do desmatamento. Mas, o desmatamento que acontece ainda, boa parte dele se dá em terras públicas não destinadas, além, evidentemente, de todas as motivações desse crime cometido contra a humanidade, contra a sociedade brasileira, e, em muitos casos, com conflitos locais.
Portanto é um desafio enorme o Brasil dar uma destinação para estas áreas. E a gente tem exemplos de destinação dessas áreas públicas que ajudam nessa estratégia do ponto de vista da conservação, dos compromissos assumidos internacionalmente, do ponto de vista da inclusão, da melhoria, inclusive da qualidade de vida das populações que às vezes vivem e sobrevivem, inclusive, de recursos dessas áreas não destinadas. Então, ela tem uma importância fundamental para a gente fazer esse debate e procurar a saída, seja para a gente buscar esses caminhos que a gente tem já, que têm dado certo, seja na destinação para a criação de unidades de conservação, seja para o uso sustentável, o manejo de produtos não madeireiros, florestais não madeireiros, seja na destinação para territórios de povos e comunidades tradicionais, terras indígenas, quilombolas, extrativistas. Enfim, a gente tem modelos que, de certa forma, ajudam um pouco nessa estratégia do Brasil.
Então é um pouco nesse sentido a ideia desta audiência pública, nesta Comissão, para a gente fazer um pouco esse debate.
Antes de passar a palavra, então, para os convidados, já agradecendo aqui de antemão, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211.
O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. Aí vocês deixam, se tiverem a exposição, à disposição aqui para depois ficar no portal.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por dez minutos - já antecipo aqui que não precisa cortar o pensamento, tá? Como são quatro exposições, a gente tem tempo, mas também não é tanto o tempo da vida. Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos para fazerem suas perguntas.
Então, já convido para fazer a primeira exposição a Lívia Laureto, que é pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) - e já agradeço por ter aceitado o convite, Lívia.
R
A SRA. LÍVIA LAURETO (Para expor.) - Estão me ouvindo?
Boa tarde.
Eu me chamo Lívia Laureto, sou bióloga, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e hoje vim compartilhar um pouco do que a gente tem de conhecimento sobre essas florestas públicas não destinadas, trazendo a relevância da destinação dessas florestas públicas o mais rápido possível.
Bom, o termo florestas públicas não destinadas ainda é um termo pouco conhecido da população em geral, inclusive até dentro de grupos de pesquisa de pessoas que trabalham nessa parte ambiental. E o que são essas florestas públicas não destinadas? São terras públicas de domínio estadual ou federal que ainda não receberam uma destinação, então elas ainda não foram destinadas, não tiveram o seu tipo de uso determinado, seja destinada para uma terra Indígena, para uma unidade de conservação de proteção integral ou um quilombo, por exemplo.
Atualmente, dentro da Amazônia, o Brasil possui aproximadamente 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, sendo uma parte federal e outra parte estadual. E a falta de destinação dessas florestas as torna alvo fácil para a grilagem e para o desmatamento. E a gente sabe que o desmatamento é uma das principais causas de emissão de gases de efeito estufa no Brasil atualmente. Então, também tem esse desdobramento da questão climática associada à perda dessas florestas.
O desmatamento dentro dessas florestas públicas vem aumentando desde 2012 e teve o seu ápice em 2022, com um total de 32,7 milhões de hectares desmatados em 2022, o que representa um aumento de quatro vezes comparado ao desmatamento que ocorreu em 2012. E a gente observa que grande parte desse desmatamento está associado com áreas sobrepostas ao CAR, com imóveis rurais registrados no Cadastro Ambiental Rural de forma ilegal. Então, são registros que estão sobrepostos a essas florestas públicas e que concentram a maior parte tanto no desmatamento quanto em queimadas nessas florestas públicas. E essa perda, esse desmatamento, apesar da redução recente que a gente viu, de 2022 para 2023, quando a gente divide isso em diferentes categorias fundiárias, a gente percebe que as florestas públicas não destinadas são as áreas mais desmatadas, ultimamente até mais desmatadas do que os assentamentos rurais.
Já existem alguns avanços no sentido de conter essa grilagem do ponto de vista jurídico, com a atuação dos ministérios públicos, incorporando o dano climático decorrente do desmatamento, mas é importante que a gente foque também em um passo anterior à penalização desse desmatamento, que é evitar que ocorra, porque não adianta só a gente penalizar depois que ocorreu, aumentar essa penalização através da inclusão do dano climático, que é algo muito importante sim, mas é importante também que a gente contenha esse desmatamento para manter essa floresta em pé, porque, quando a gente pensa em perder essas florestas, esses fragmentos de florestas públicas não destinadas que a gente tem dentro da Amazônia, isso vai muito além de perdas da biodiversidade, incorre em perdas que vão afetar a comunidade local, os povos e comunidades tradicionais, a população tanto em nível regional quanto em nível global, em termos de consequências climáticas disso, e afeta também economicamente tanto o nosso país quanto outras regiões, que sofrem consequências devido a extremos climáticos.
R
A gente tem observado, é inegável, que esses extremos climáticos têm se tornado cada vez mais comuns ao longo do mundo todo. E, desde 2003, mais de meio milhão de pessoas morreram, em diferentes partes do planeta, em decorrência de situações associadas a mudanças do clima.
Quando a gente traz o foco para a Amazônia, a gente constata que mais de 10 milhões de pessoas já foram afetadas de alguma forma - seja por enchentes, estiagens prolongadas, períodos de seca prolongados - nos últimos 20 anos. E a questão é que nós não somos igualmente afetados: existe uma tendência de que alguns grupos sejam afetados de uma forma mais severa por essas consequências climáticas decorrentes, entre outros fatores, da perda da nossa floresta.
Esses grupos são, principalmente, pessoas de baixa renda e mulheres. Dentro da Amazônia, a gente percebe que povos e comunidades tradicionais são especialmente muito afetados, porque são povos que dependem da floresta, tanto do ponto de vista cultural quanto para a sobrevivência, para a questão alimentar, para a questão econômica.
A gente sabe que 65% da população indígena da Amazônia vive em municípios que já foram negativamente afetados pelas mudanças do clima. E o que acontece? Essas populações, muitas vezes, se veem obrigadas a migrar para centros urbanos maiores, gerando todo um problema social, passando a viver numa situação de maior pobreza e de maior violência. Então, todas essas questões, todos esses desdobramentos, vêm associados com a perda de floresta, com consequências da perda de floresta para o nosso clima.
Além disso, a gente também tem o aspecto do impacto negativo na nossa economia. Vários estudos já mostram que a perda de Floresta Amazônica impacta a agricultura no Brasil. Grande parte da chuva que irriga as áreas de agricultura no Sul e Sudeste vem da evapotranspiração da Floresta Amazônica. Então, quando a gente perde floresta, a gente reduz essa evapotranspiração que iria irrigar florestas nas regiões Sul e Sudeste.
Além disso, tem dados também que mostram que fazendas na região do Mato Grosso - da Amazônia e também na região do Matopiba - já foram afetadas. Cerca de 30% das fazendas da região já foram afetadas por questões de mudança do clima, foram impactadas, tiveram sua produção impactada. E existem modelos desenvolvidos por alguns colegas, como a Dra. Ludmila Rattes, que mostram que a previsão é de que, até 2030, 50% dessas áreas sejam afetadas - dessas fazendas nessa região -, podendo chegar a 70%, em 2050, se a gente não atuar de alguma forma, tentando mitigar essa questão climática.
Então, o que eu quero trazer para vocês, em uma mensagem mais de fechamento, uma mensagem final, é que essas florestas precisam ser destinadas, porque é a forma mais rápida e mais segura que a gente tem, no momento, para garantir que essas florestas se mantenham em pé e para que a gente garanta cumprir as nossas metas de agir na mitigação da questão climática, garantindo também os recursos necessários para manutenção de povos e comunidades tradicionais, garantindo um bom equilíbrio climático dentro do nosso país também para manter a nossa economia segura do ponto de vista da agricultura.
R
E uma iniciativa interessante que eu queria mencionar rapidamente é que o Ipam fez o lançamento, no começo deste ano, junto com a Amazônia de Pé, de uma plataforma em que a gente disponibiliza o acesso público a essas florestas públicas não destinadas. Chama-se Observatório das Florestas Públicas.
(Soa a campainha.)
A SRA. LÍVIA LAURETO - E nessa plataforma vocês podem acessar onde estão essas florestas públicas, o avanço do desmatamento, do CAR e também como anda o processo de destinação dessas florestas. Então é o site é: deolhonasflorestaspublicas.org.br.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Lívia Laureto, do Ipam.
Já passo a palavra, em seguida, para o Marcelo Mateus Trevisan, que é Diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Marcelo, agradeço ter aceitado o convite.
O SR. MARCELO MATEUS TREVISAN (Para expor.) - Boa tarde a todos e a todas, boa tarde a quem nos assiste de modo virtual. Queria agradecer, Deputado Nilto Tatto, pelo convite e pela provocação dos companheiros. Acho que é importante, é uma pauta importante para a gente discutir em todos os ambientes, sejam eles da sociedade civil, do Governo ou mesmo do Legislativo. Agradeço aos dois colegas de mesa, à Lívia e ao Marcos. Então, boa tarde para vocês.
Quero falar que eu acho que é muito pertinente a discussão que a gente vai travar aqui, porque discutir soluções legislativas e administrativas para proteção - e a gente falou aqui de florestas públicas, acho que é importante, a Lívia já trouxe alguns elementos -, acho que é importante a gente falar de floresta, porque quando a gente fala de floresta, nós temos três conceitos importantes para trazer aqui na discussão. Primeiro, diz respeito às florestas que nós temos, que precisam ser protegidas e ampliadas as proteções em áreas já destinada. Então não são só as não destinadas, também nós temos que ter um olhar importante para as já destinadas. Nós temos unidades de conservação, nós temos terras indígenas, nós temos florestas em territórios quilombolas e os dados nos mostram que são as áreas com menor índice de desmatamento. As áreas quilombolas, os territórios quilombolas identificados e delimitados chegam a 0,1%; nós temos as terras indígenas também com 1% praticamente e as unidades de conservação com menos ainda, em torno de 9%, se não me falha a memória.
Então a gente sabe que é fundamental ampliar essa rede de proteção nessas áreas. E das áreas já destinadas com florestas públicas, o que escapa um pouquinho são os projetos de assentamento, que têm um histórico de ocupação que a gente precisa também discutir, mas que têm um índice um pouquinho maior, um pouco maior de desmatamento. E, evidentemente, aí o Deputado Nilto, Presidente aqui da Comissão, nos trouxe esse elemento de que nós temos terras públicas e florestas públicas. Acho que é bom também dar uma separada nisso, porque nem toda área de terra pública federal tem uma floresta pública federal em cima. Então, acho que também é um pouco para a gente conversar. E de fato é uma categoria fundiária amplamente atacada do ponto de vista do desmatamento, em que a gente precisa ter uma atenção.
R
Então, acho que isso já coloca a gente no mesmo patamar de discussão, e quero dizer que, quando a gente for tratar disso, tem algumas coisas que nós não podemos deixar de mencionar.
A primeira delas é de que eu acho que é um coro geral, é um entendimento coletivo de que nós vivemos uma crise climática - e aí a Lívia trouxe esse elemento também, e eu quero reforçar - que a gente imaginava que ela chegaria a médio prazo, e nós estamos sentindo a curtíssimo prazo, estamos sentindo hoje. Falou-se dos eventos extremos, climáticos extremos, nós estamos sofrendo a todo momento: nós falamos do Rio Grande do Sul, nós falamos da seca da Amazônia e em outros países, e agora, se não me falha a memória, Joinville, em Santa Catarina, estava também embaixo d'água. Então, nós temos vários exemplos que nos demonstram essa condição urgente, essa urgência de tratar do clima.
Uma segunda questão é que, quando a gente fala de floresta - e eu estava falando isso no início -, a gente tem que lembrar que temos as florestas que são florestas públicas que já foram destinadas; essas que foram mencionadas, Deputado Nilto, que são as florestas públicas não destinadas, e aí aqui somam-se as federais e as estaduais, lembrando que a gente tem um número bem substancial de áreas estaduais ainda na Amazônia Legal que estão sobrepostas às florestas; e outras áreas também de outros biomas que são terras estaduais e que são fundamentais também para manutenção do equilíbrio climático.
Então, a gente fala muito de floresta, mas temos outros biomas que também precisam ter uma atenção importante, mesmo não os tendo na nossa cabeça, porque quando a gente fala de floresta, a nossa cabeça imagina aquele maciço florestal, aquelas árvores exuberantes, mas nós estamos tratando aqui de cadastro florestal, nós estamos falando de áreas que estão sobrepostas ao Cadastro de Florestas, e ele pode ser um cadastro de áreas já destinadas - e aí falei das florestas que estão sob terras indígenas, unidades de conservação, territórios quilombolas e mesmo projetos de assentamentos diferenciados, nós temos vários tipos de projetos de assentamento diferenciados -; temos as Tipo B, que são estas que estão em glebas públicas federais remanescentes e que não foram destinadas ainda e, portanto, carecem de uma agenda de destinação - e aí a Lívia puxou a importância da destinação -; e, terceiro, temos áreas ainda, por incrível que pareça, que são áreas devolutas e que carecem ainda de uma arrecadação sumária, seja pelo estado, seja pelo Governo Federal - o Governo Federal bem menos, porque ainda nos restam só as áreas ou algumas áreas em parte fronteira, mas ainda temos áreas a serem arrecadadas em vários biomas, e aí não só na Amazônia, mas em outros biomas, onde temos terras públicas estaduais principalmente, e algumas delas com florestas em cima, que no momento da arrecadação, deixarão de ser uma floresta pública Tipo C, e passarão a ser uma Tipo B, ou seja, depois de arrecadada elas vão para o Tipo B. E o Tipo B é isso que nós estávamos dizendo.
Hoje o cadastro atualizado, de 2022, o Cadastro de Florestas, diz que nós temos em torno de 31,2 milhões de hectares de terras públicas com florestas públicas, fragmentadas em praticamente ou aproximadamente 1,4 mil polígonos, e dentro de vários desses polígonos tem vários fragmentos. É importante dizer que alguns dos polígonos nos chamam muito a atenção, porque são polígonos que somam vários hectares: 138 polígonos de florestas públicas somam 20 milhões de hectares. Então, essas relações a gente precisa entender, porque são elas que compõem esse nosso mosaico - vamos dizer assim - fundiário e ambiental.
R
Eu acho que tem um marco falando de... Passando a esse contexto, acho que tem um marco...
Estou de olho no tempo. Eu vou atender a consideração de que a gente pode extrapolar um pouquinho. (Risos.)
Então, o que acontece? Nós temos a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que é de 2006. É uma lei que traz alguns elementos fundamentais: ela cria o Cadastro de Florestas, ela cria o Serviço Florestal Brasileiro e ela cria um elemento fundamental no país, que é o regramento das concessões florestais. Acho que é fundamental a gente entender que há instrumentos legais para o desenvolvimento florestal, tanto econômico quanto sustentável. A floresta é um elemento fundamental de geração de desenvolvimento também, a gente só precisa aprender a trabalhar com ela.
Então, eu quero falar aqui um pouquinho dessa questão da importância das concessões, porque as concessões são um método eficiente e eficaz, também, de a gente levar desenvolvimento econômico para essas áreas florestadas, sejam elas para uma exploração econômica, sejam elas para formas de exploração coletivas, comunitárias.
Não dá para deixar de lembrar que a gente tem uma modalidade de concessão comunitária - das áreas de exploração comunitária - que é importante. Nós temos o caso de Flonas, hoje, que operam todo esse processo de concessão florestal e exploração, levando benefício para quem? Para aquelas populações que nela vivem. Então, é bom a gente lembrar que tem esses instrumentos. E aí, o Deputado, falando sobre o que a gente tem de legislação, acho que trouxe aqui tanto a Lei 11.284 quanto o Decreto 12.046, que são elementos fundamentais que esta Casa construiu ao longo do tempo e que trazem proteção para as próprias florestas. Se a gente utilizar o que está na lei e no decreto, a gente já tem alguns instrumentos importantes.
Quero falar também de algumas ações importantes que o Governo Federal vem desenvolvendo. Acho que a agenda da regularização fundiária, seja ela individual, seja ela coletiva, é uma agenda importante nessas áreas de terras públicas e de florestas públicas, porque é uma garantia de direito. A gente sabe que a legislação protege também o posseiro de boa-fé - esse posseiro de boa-fé tem seus direitos reconhecidos e deve ter suas agendas ou suas necessidades de regularização fundiária atendidas -, assim como temos isso do ponto de vista coletivo: a gente tem essas nossas, vamos dizer assim, comunidades tradicionais, que há muitos anos vivem nesses espaços de florestas públicas.
A regularização ambiental é uma questão fundamental.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO MATEUS TREVISAN - Quem está dormindo acorda na hora com esse negócio, não é? (Risos.)
O ponto de vista da regularização ambiental é uma questão fundamental também. Acho que a gente tem que trabalhar esses dois pontos, e não dá para esquecer também que a regularidade ambiental precede a regularização fundiária. Se vocês forem ver, no fluxo processual... É importante entender, nos fluxos, falando de novo do que a gente traz aqui de marcos regulamentadores para essa agenda, que o decreto já diz como fazer e, nas nossas instruções normativas internas, já se diz o seguinte: você precisa ter o quê? O primeiro passo é ter um georreferenciamento, para que, nessas áreas, uma não sobreponha a outra; você precisa ter cadastros; e, dentro do primeiro cadastro, o que a gente vai olhar é o cadastro ambiental.
Então, é importante para a gente ter essa regularidade ambiental com os agricultores; uma coisa não está dissociada da outra. A agenda fundiária e a agenda ambiental... Esta é uma questão que eu quero trazer aqui: a questão fundiária e a ambiental estão intimamente ligadas; elas trabalham juntas - não tem como você dissociar uma coisa da outra.
R
E eu queria falar aqui, também, principalmente de um programa que a gente vem trabalhando no Ministério do Meio Ambiente, em especial no meu departamento, lá na Secretaria de Controle do Desmatamento, que é o Programa União com Municípios - o Deputado conhece -, um programa que a gente vem fortalecendo e fazendo uma relação inversa com os municípios que estão, na portaria, como municípios prioritários para o controle do desmatamento, que é a gente levar um pacote de soluções para esses municípios. O Estado brasileiro entende que a gente precisa ampliar os mecanismos que os municípios têm para fazer o quê? Para diminuir o próprio desmatamento e as emissões. E como é que a gente faz isso? Fazendo investimento nos municípios.
O primeiro investimento que a gente está fazendo é pagamento por serviços ambientais de agricultores que estão o.k. nos municípios do ponto de vista ambiental. O segundo é investindo nas secretarias municipais de meio ambiente. Tem que reforçar a secretaria municipal, tem que botar carro bom, tem que botar drone, tem que levar capacitação para os técnicos das prefeituras. Fazer uma agenda positiva com a prefeitura hoje é enfrentar o desmatamento, da mesma forma que você levar regularidade ambiental, regularidade fundiária e assistência técnica para essas mesmas pessoas. Toda vez que você consegue trabalhar uma agenda de regularização ambiental e fundiária, você não pode fazer essa agenda e dizer que terminou, você tem que acompanhar. E essa agenda de assistência técnica é fundamental para esses agricultores.
Então a gente fez um pacote bem extenso, com a terceira agenda, que é uma agenda de restauração das áreas degradadas. Então nós estamos tratando tanto do agricultor que está com áreas o.k., pagando por serviços ambientais, quem está o.k. Para quem não está o.k., qual é a medida? Vamos restaurar. Então vamos levar recursos para a restauração. E isso está chegando a praticamente R$800 milhões nessa agenda, para esses primeiros 48 municípios que aderiram.
Nós já fizemos os primeiros pagamentos por serviços ambientais. Um primeiro contrato de restauração foi assinado agora há poucos dias também e estamos assinando agora o contrato da compra dos equipamentos para modernizar as secretarias municipais de meio ambiente. E o Fundo Amazônia também já nos indicou que, para fevereiro, assinaremos o contrato para fazer essa agenda com assistência técnica ambiental e fundiária nesses municípios.
Então acho que é um pacote também, falando do ponto de vista administrativo... E trouxe aqui um pouco da legislação e um pouquinho do marco das ações administrativas que a gente tem feito.
Prometo que estou acabando, só tenho mais uns pontinhos aqui rápidos.
Mas eu acho que ainda temos mais a fazer. A gente apresentou, Deputado Nilto, e falou dos nossos acordos internacionais. A gente tem um acordo internacional, que a gente precisa cumprir, de restauração de 12 milhões de hectares. Essa é uma agenda que é prioritária para nós.
A redução do desmatamento na Amazônia hoje foi em torno de 30% - e a Lívia chama atenção: tivemos uma alta significativa, mas tivemos um trabalho intenso para diminuir.
E aí quero fazer aqui também um movimento de admitir uma agenda muito importante com Governadores dos Estados da Amazônia; tivemos aqui também Governadores dos estados, principalmente, do Matopiba e da região do bioma Cerrado; tivemos movimentação entre os Governadores do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nessa agenda de redução de queimadas e desmatamento do Pantanal. Quer dizer, há uma mobilização geral que é do Governo Federal, dos governos estaduais, das secretarias estaduais de meio ambiente e das prefeituras. Eu acho que este é um grande recado que a gente deixa aqui: como é que você enfrenta um problema e garante a sustentabilidade das florestas diminuindo o desmatamento? Numa agenda conjunta - Poder Executivo federal, estadual e municipal -, levando em consideração o papel importante que também têm o Parlamento e o Judiciário nessa agenda.
R
Então, acho que essas são minhas palavras iniciais; depois, a gente pode debater um pouquinho mais.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Muito obrigado, Marcelo.
E convido já o Leandro Mitidieri Figueiredo, que é Coordenador do Grupo de Trabalho Unidades de Conservação da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que vai participar via Zoom, de forma remota.
Leandro?
O SR. LEANDRO MITIDIERI FIGUEIREDO (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, boa tarde. Vocês me ouvem?
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Sim, Leandro, muito obrigado por ter aceitado o convite.
Com a palavra.
O SR. LEANDRO MITIDIERI FIGUEIREDO - Boa tarde a todas e todos.
Nos meus dez minutos aqui, primeiro, quero registrar que é um tema importantíssimo neste momento a questão das florestas públicas e dizer que a gente viveu uma pequena transição: no Governo passado, o Decreto 10.347, de 2020, passou para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a competência para concessão de florestas públicas, no que foi acompanhado pelo Ministério Público Federal, não parecendo ser muito adequado o Ministério da Agricultura exercer essa competência. Mas, já agora, no Governo atual, tivemos algumas alterações no âmbito dos atos do Poder Executivo. Houve a resolução da Comissão Monetária Nacional, em 2023, também interessante, vedando a concessão de crédito rural para imóveis irregulares no CAR, com embargo ambiental - essa figura que foi criada do embargo ambiental -, ou situados em unidades de conservação, terras tradicionais e também situados em florestas públicas, mostrando outro olhar sobre a destinação de florestas públicas, obstaculizando a concessão de crédito rural.
E tivemos também um interessante decreto, em 2023, o 11.688, que, definitivamente, dá um direcionamento para a destinação dessas florestas públicas.
A Câmara Técnica passa a ter o assento, além do Ministério da Gestão e Inovação, mas também o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Justiça e Igualdade Racial, colocando literalmente ali a destinação de florestas públicas somente para finalidade de unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas, terras de outros povos tradicionais, e também estabelecendo aqui as possibilidades do ICMBio, por exemplo, fazer a reserva de terras quando estivessem nesse processo de regularização fundiária das áreas das unidades de conservação.
Então, o que eu gostaria de acentuar é que, realmente, esse novo olhar sobre florestas públicas é muito importante, porque não há dúvida nenhuma de que a gente precisa ter um percentual... Faz todo sentido, inclusive na perspectiva econômica e econômico-social, você ter um percentual de áreas preservadas no território nacional.
R
A gente caminhava, já em 2012, 2013, em termos de áreas protegidas, para alcançar alguns compromissos internacionais que o país tinha assumido em termos de quantidade de áreas protegidas, não é? Foi aquela época do surgimento, de criação de muitas unidades de conservação, em que o Brasil chegou a encostar ali no compromisso assumido de 17% de áreas terrestres e 10% de águas marinhas e costeiras, mas principalmente na parte de áreas terrestres o Brasil estava encostando ali, não é? E também tinha se comprometido na COP 21 a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2028, redução de emissões de gases. Mas a questão é que o Brasil criava nesse momento uma quantidade grande de unidades de conservação, mas muitas delas - o que foi acompanhado de perto por nós - não chegaram a ser implementadas, em alguns casos não saindo do papel. Tomando o critério aí de uma unidade de conservação ter minimamente um conselho, um plano de manejo e, o mais importante, a sua consolidação territorial, a gente praticamente, em termos de unidades de conservação federais, não tinha nenhuma unidade de conservação com sua consolidação territorial devidamente concluída.
E agora há um recente estudo do ICMBio. Já agora, retomando, foi criado um grupo para regularização de unidades de conservação, e esse grupo realizou um estudo verificando que muitas dessas unidades de conservação estão, em verdade, sobre áreas públicas, o que nos deixa sempre ainda mais surpresos - como é que essa questão da consolidação dessas áreas não conseguiu ser concluída, não é? E o mesmo a gente vai poder falar em relação às terras tradicionais, aí incluindo, quando eu menciono terras tradicionais, as terras indígenas e as terras quilombolas, pois, como já dito aí, isso demorou para ser percebido, até pelos ambientalistas, não é? Mas hoje já é algo bem admitido que essas terras tradicionais cumprem uma função ambiental importantíssima.
Teve uma matéria recente agora falando - acho que foi até no jornal, jornal de grande circulação - dos rios voadores, aquela história antiga dos rios voadores, mas os rios voadores em terras indígenas, que gerariam 80% das chuvas nas áreas de agropecuária do Brasil. Então, a gente está falando não só dessa questão dos rios voadores, mas esses rios com as suas matas ciliares e, claro, protegidos de um ataque de mercúrio como está acontecendo, por exemplo, na Terra Indígena Yanomami, não é? Mas, enfim, esses rios protegidos dentro de terras indígenas e que representam essa grande utilidade para a própria produção do país. Então, a gente nota que a produção massiva é importantíssima, é também algo que já não se discute mais, a importância que tem toda a produção agrícola, até massiva para a balança comercial e tantos outros aspectos econômicos do país.
R
Agora, é preciso que a gente entenda que o país alcançou recordes, na exportação de várias dessas commodities, com a legislação ambiental que existe, que está aí, com um processo em andamento de regularização de terras tradicionais, de modo que não há necessidade de se avançar sobre áreas protegidas, terras tradicionais ou flexibilização à legislação ambiental, ou mesmo essas florestas públicas ainda não destinadas, para que se alcance esses números na agricultura. O que na verdade deve ser pensado, e aí eu concordo com o que foi dito anteriormente, é realmente numa destinação diferente, não de uma produção massiva de determinados produtos que realmente exigem um investimento muito grande, uma quantidade muito grande de terra pela sua grande escala, mas se pensar, principalmente para as florestas públicas, na agroecologia, na bioeconomia, que exigem também um crédito rural. A gente precisa lembrar que a produção agrícola grande também sempre exigiu historicamente, desde a criação lá do crédito rural, em 1965, muito apoio governamental, de modo que agora a agroecologia, a bioeconomia e todas as outras ideias aí de uma transição ambiental na economia, na produção, até nas fontes de energia, também vão precisar, o que não é de suscitar em uma grande surpresa, porque todas as outras formas exigiram e essa não deveria ser diferente.
Tem um dado interessante - já devo estar terminando o meu tempo -, também tem um estudo recente agora, que é o 3º Panorama do Código Florestal, realizado pela UFMG, e ela colocou que o Brasil tem cerca de 74 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades rurais aguardando pagamento por serviços ambientais. Então, há uma quantidade muito grande de terra ainda não utilizada que deveria dialogar com os 21 milhões de hectares aí desmatados, de modo que a pensarmos num grande projeto, que é o grande ativo do país, um grande projeto aí de restauração da natureza e manutenção desse maior ativo nosso.
Como eu só tenho 15 segundos, não teria mais tempo aqui. Gostaria também só de mencionar aqui, como última palavra, a questão então que tramitou agora, o PL 182, de 2024, que é a questão do mercado de carbono, que é algo também acompanhado de perto pelo Ministério Público Federal. Tivemos as nossas análises críticas, algumas questões importantes entraram nesse PL, então entrou consulta aos povos tradicionais, ficou o mercado regulado para os grandes e o voluntário para os pequenos emissores aí, o agro ficou fora.
R
Agora, realmente isso também vai complementar tudo o que eu coloquei até agora de você também - nessa lógica de destinar florestas públicas, buscar também outras alternativas econômicas de produção agrícola -, de uma vez por todas, começar a remunerar quem mantém a floresta em pé. Não sei, temos várias críticas aos modelos que estão aí no mercado voluntário de carbono, uma porção de experiências vêm sendo questionadas pelo MPF, mas não se pode descartar essa questão de você remunerar de alguma forma quem mantém a floresta em pé.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Muito obrigado, Leandro.
Eu já convido o Marcos Woortmann, Diretor Adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade. Está com a palavra, Marcos.
O SR. MARCOS WOORTMANN (Para expor.) - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado por aceitar o convite também.
O SR. MARCOS WOORTMANN - Obrigado. É um prazer estar aqui.
Queria também agradecer, prestigiar aqueles que me antecederam aqui, a Lívia Laureto, o Marcelo Trevisan e o Procurador Leandro Mitidieri - acho que falei correto.
Vou aqui também enaltecer alguns dos pontos que foram trazidos pelos que me precederam. E, primeiro, quero dizer: esse é um ponto que é um ponto absolutamente chave para a consolidação de toda uma série de princípios absolutamente centrais no que tange não apenas à consolidação de políticas públicas, mas à consolidação do próprio Estado de direito, sobretudo em uma região específica do país que é a Região Amazônica. Como sabemos, são dados inclusive do Ipam, 51% do desmatamento ilegal que ocorreu no bioma amazônico foi em florestas públicas não destinadas, florestas estas, como foi dito aqui muito bem, desde 2012 têm sofrido um processo de agressão muito crescente, muito vinculado também a uma evolução tecnológica e a uma inserção do crime organizado nesses territórios.
Algo que passa despercebido de algumas pessoas que não têm familiaridade com a realidade amazônica é que uma situação estrutural se inverteu recentemente. Antigamente o Estado tinha uma primazia logística sobre o crime organizado, primazia, por exemplo, de comunicações, de acesso à internet, coisa que hoje já não existe. A partir da disseminação do uso, por exemplo, de equipamentos como o Starlink, hoje uma equipe do Ibama que antes tinha esse recurso, que o crime organizado não tinha, está em pé de igualdade nesse ponto. E infelizmente o que nós temos hoje é uma inserção muito aprofundada e uma consolidação de rotas de narcotráfico, de tráfico de animais, de tráfico de armas e de toda uma sorte de crimes inter-relacionados que infelizmente têm passado por uma territorialização dentro das florestas públicas não destinadas, como áreas de armazenamento, como áreas de transporte, como pontos logísticos nesses territórios exatamente por serem áreas muito remotas do território nacional.
Então, nós temos um nível de desafio perante a consolidação de políticas públicas e o próprio Estado de direito que é tremendo no desafio de destinação das florestas públicas, mas, como muito bem foi dito, não apenas a destinação, a estruturação completa e de fato a capacidade de gestão sobre esses territórios.
Como bem foi dito aqui pelo Procurador que me antecedeu, 80% das chuvas que abastecem o agronegócio brasileiro, um ponto absolutamente central dentro deste modelo, desta economia política que por enquanto tem sido a opção do país, vêm apenas das terras indígenas, uma das únicas categorias de diversas, de terras públicas. Em termos financeiros, estamos falando de 57% do total da lucratividade do agronegócio brasileiro, apenas das terras indígenas, o que dá um ensejo à dimensão do que é o papel, exatamente, destes rios voadores, que não existirão, caso não seja possível cumprir precisamente os compromissos assumidos pelo Brasil na COP 21, de zerar até 2028 - o que, infelizmente, não vamos conseguir, já sabemos; mas agora, na NDC renovada do Brasil, até, então, 2030 - o desmatamento ilegal, centralmente passando, naturalmente, pelo bioma amazônico, e por uma razão muito simples.
R
Como muito bem foi dito, foi já estabelecido em diversos estudos pelo Prof. Carlos Nobre e por diversos membros brasileiros, como Mercedes Bustamante também, do IPCC, nós temos que ter uma atenção muito especial ao bioma amazônico nesse ponto, porque temos já 17% de desmatamento em um bioma cujo ponto de desequilíbrio, o ponto de entropia, o ponto de absoluta desconformidade e degradação permanente oscila entre 20% e 25%; ou seja, o momento histórico que nós temos é um momento de urgência, e sabemos que grande parte, talvez a maior parte, do trabalho necessário para prevenirmos esse cenário passa pela destinação das florestas públicas não destinadas, destinação essa regulamentada por uma série de instrumentos normativos. Por exemplo, aquele que foi citado aqui, o 11.688, de 2023, não apenas este, mas também o PL que temos aqui, na Câmara dos Deputados... Aliás perdão, aqui no Senado, o 519, de 2022, que também converge dentro do mesmo espírito, aguardando apenas a apreciação da sua relatoria, também PL esse, inclusive, de autoria do Senador Jaques Wagner, membro desta Comissão, também uma PEC, a PEC 7, de 2022, que avança no mesmo sentido; ou seja, os três instrumentos normativos que permitem, facultam e asseguram essa consolidação. É um primeiro decreto, que dá exatamente o amparo para todo o trabalho sendo feito nesse momento. Por exemplo, aqui, muito bem exposto pelo Ministério do Meio Ambiente, trabalho urgente, e, de fato, é uma opção muito correta começar por esse tipo de instrumento enquanto existe o trâmite que está ocorrendo aqui, dentro desta Casa Legislativa, que sabemos que é lento, mas ao mesmo tempo uma lei é algo que traz uma efetividade muito maior, uma segurança muito maior de continuidade desse tipo de trabalho, e uma PEC aí, então, sem dúvida.
Sabemos, infelizmente, que os desafios são imensos dentro desta Casa. A Frente Parlamentar da Agricultura, por exemplo, já se posicionou contrária tanto ao PL quanto à PEC, e isso é um problema que nós temos, porque estamos falando basicamente de mais de 50% da bancada parlamentar de Câmara e Senado, muito embora saibamos também que se trata de uma questão de um debate que precisa ser feito de uma forma muito honesta. A preservação e a destinação das florestas públicas não destinadas é a garantia, é o seguro de vida da economia política do agronegócio brasileiro, é a garantia das chuvas, é a garantia da rentabilidade, é a garantia da não quebra das safras.
Então, a gente precisa começar a traduzir esses conceitos e começar a angariar apoio dentro daqueles núcleos que, neste momento, ainda têm se posicionado contrariamente inclusive a seus próprios interesses.
R
Então, nós aqui como sociedade civil, eu aqui como parte do Instituto Democracia e Sustentabilidade, juntamente com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Transição Climática Justa, esses são os principais pontos que a gente acessa a esta Casa no intuito de facultar esse diálogo, porque esse é um diálogo que não é de interesse de grupos ambientalistas cujo desejo maior é abraçar a árvore, não é esse o ponto. Nós estamos trabalhando, em nosso ponto central, a estabilidade climática do país, a garantia da democracia e da dignidade humana, o que só vai ser possível a partir de algum nível de equilíbrio que possa se dar e que não vai passar por instrumentos diversos desse que está sendo debatido aqui.
Ou seja, a questão é urgente, a questão é estrutural, mas temos os instrumentos legislativos necessários para fazer a consolidação daquilo que já foi iniciado pelo Governo Federal e a perenização desse processo, que é necessário para que isso seja assegurado durante todas as alternâncias de governo futuras a partir das próximas eleições e de diversas eleições. Nós não estamos falando de um trabalho de um governo, de dois governos. Nós estamos falando de um trabalho de estruturação de unidades de conservação e recuperação de áreas degradadas que será um trabalho de décadas, será um trabalho que precisará passar por vários governos e, certamente, governos de matizes ideológicas diferentes, que precisam ter, exatamente, um compromisso ético e um compromisso maior do que seus compromissos ideológicos, um compromisso com a estabilidade climática, democrática e econômica também deste país.
Então, essa é, um pouco, a nossa contribuição.
Existe muito que pode ser dito ainda, muito que pode ser explorado. Esses dois PLs e a PEC estão, neste momento, na CCJ. Então, é necessário colocar luz nessa questão. Teremos, em breve, uma renovação da titularidade de ambas as Casas e aqui, possivelmente, iniciaremos um novo ciclo de debates e avanços, sobretudo frente ao compromisso que temos agora com a NDC brasileira, que foi apresentada já, agora, na COP 29...
(Soa a campainha.)
O SR. MARCOS WOORTMANN - ... e que será enaltecida durante a COP 30, uma COP que vai acontecer na floresta e onde precisamos trazer também, além dos temas globais, a especificidade do tema da floresta.
Então, é um momento mais que oportuno para podermos fazer avançar essas peças de legislação, acho que, inclusive, como dever de Casa do país que está aqui abrigando o mundo. Inclusive, essa COP é a COP onde serão revistas todas as NDCs, as contribuições voluntárias de cada país. Já houve alguns pequenos avanços, muito tímidos e insuficientes, nessa COP 29. Na COP 30, a responsabilidade do país nosso é muito grande e é necessário que nós possamos chegar com exemplos de políticas públicas muito bem consolidadas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Muito obrigado, Marcos.
Nós recebemos aqui algumas perguntas dos internautas, e já aproveito para agradecer. Eu vou ler e, aí, a gente pode seguir a mesma ordem aqui e vocês também podem aproveitar e complementar, mas vamos ficar no teto, nos três minutos, combinado? Isso se tiver... Mas eu vou indagar se querem responder ou se têm alguma coisa para completar.
A Ana, de São Paulo, pergunta: "Quais são as principais soluções legislativas para assegurar a proteção das florestas públicas não destinadas e seu uso sustentável?".
A Beatryz, lá da Paraíba, pergunta: "Haverá alterações no regime de concessões florestais para tornar o manejo mais sustentável e economicamente viável?".
R
A Alda, de São Paulo, pergunta: "Como combater de maneira eficaz e preventiva as ações criminosas sobrepostas a efeitos climáticos adversos, a exemplo das queimadas?".
O Glauco, de São Paulo: "Quais medidas podem ser tomadas para que as condenações por crimes ambientais sejam mantidas e cumpridas no Brasil?".
A Maria, lá do Mato Grosso, fala aqui: "As [...] [florestas públicas] estão presentes em todos os biomas do Brasil e são mais vulneráveis [...] a pesquisa científica seria um meio de proteção".
Lívia, algo para comentar ou complementar?
A SRA. LÍVIA LAURETO (Para expor.) - Eu gostaria de comentar sobre esse terceiro ponto: como combater de maneira eficaz e preventiva as ações criminosas sobrepostas a efeitos climáticos adversos, a exemplo das queimadas. A gente tem visto uma evolução nesse sentido, tanto no Brasil quanto em outras regiões do mundo, através da incorporação do dano climático relacionado a crimes ambientais. No Brasil, isso tem sido mais comum em ações que envolvem desmatamento.
Recentemente, o Ipam, junto com outros parceiros, teve participação na elaboração de um protocolo para julgamento de ações que envolvam questões ambientais, que foi aprovado pelo CNJ, padronizando a incorporação desse dano climático decorrente seja do desmatamento, seja das queimadas. Então, isso eu acho que já é um avanço importante e que tem sido cada vez mais incorporado nas ações aqui no Brasil.
E, como forma preventiva, para a gente prevenir isso, a melhor forma é a destinação mesmo dessas florestas públicas não destinadas.
Vou passar para os colegas agora.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Lívia.
Marcelo.
O SR. MARCELO MATEUS TREVISAN (Para expor.) - Bom, rapidamente, acho que a Ana falou em soluções legislativas. A gente trouxe para cá algumas soluções - soluções, elas existem. Então, o que eu acho que a gente tem que fazer é aprimorar a execução delas. A Lei de Gestão de Florestas Públicas é uma lei muito bem estruturada.
Já puxo aqui para a Beatryz, que falou sobre a questão do regime de concessões. Acho que a atualização... Nós tínhamos o Decreto 6.040, que trazia as... Era outro decreto, mas que trazia o regramento da Lei de Gestão de Florestas Públicas. Ele foi atualizado agora no 12.046. Então, acho que a legislação foi atualizada, o decreto trouxe essa regulamentação, o que nos ajuda a trabalhar essas florestas públicas. Parece-me que a solução legislativa existe, e o que a gente precisa agora é implementar de forma mais eficiente isso.
Só queria chamar a atenção de que as florestas públicas, do ponto de vista de como a gente entende, aquilo que eu estava falando, dos maciços, elas estão em vários biomas, mas o cadastro de floresta pública não; o cadastro de floresta público está centralizado praticamente em toda a Amazônia. E ali, na Amazônia Legal, é que a gente trabalha para a proteção dessas florestas maiores.
R
E, por fim, quero dizer - e aí é um complemento - que, há muito tempo, a gente já tem isso como um indicativo muito consolidado na nossa forma de entender de que você protege destinando, não é? Então, a gente tem que ter modelos de destinação que protejam essa floresta, partindo, evidentemente, daquele regramento que foi consolidado no marco legal brasileiro que é a garantia para os povos originários, primeiro; depois, para as unidades de conservação; depois, para os projetos ambientalmente diferenciados; depois, para os povos e comunidades tradicionais; e, por fim, para as concessões.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO MATEUS TREVISAN - Acho que é isso que a gente tem.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado.
Leandro, não sei se você ouviu as questões e se tem alguma coisa para complementar...
O SR. LEANDRO MITIDIERI FIGUEIREDO (Para expor. Por videoconferência.) - Ouvi.
Tenho só uma pequena complementação à pergunta sobre propostas legislativas. Como já dito, há mais de um PL. Depois desse decreto de 2023, que avançou muito e que deixou bem clara a destinação, existem esses PLs mencionados, e também muitos vão nesta linha de destinar as florestas públicas para o uso sustentável, mas, realmente, cada PL desses tem algumas questões que devem ser olhadas com muito cuidado.
E tem a legislação que acaba tratando de outros temas, mas também atira, vamos dizer, no mesmo tema, como, por exemplo, o substitutivo ao PL 364, de 2019, que é aquele PL sobre a questão dos campos nativos, sobre o qual o Ministério Público Federal fez uma nota técnica, em que você acaba equiparando os campos nativos, principalmente nos biomas também do Pampa e do Pantanal. Você equipara a área rural consolidada, por exemplo, tirando a proteção extra que existe na Lei da Mata Atlântica.
Então, respondendo à pergunta, as propostas legislativas que existem para a destinação adequada das florestas públicas devem ser analisadas também em relação às outras propostas legislativas que acabam também conflitando e que são uma ameaça a esse objetivo.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Leandro.
Marcos?
O SR. MARCOS WOORTMANN (Para expor.) - Seguindo na mesma linha, focando aqui na pergunta da Ana, de São Paulo, o principal foco que a gente tem agora são estas duas peças legislativas - pensando em termos daquilo que não existe ainda, mas que deve ser consolidado para o futuro, exatamente para garantir a perenidade daquilo que já começou a ser feito no âmbito do Executivo -: o PL 519, de 2022; e a PEC 7, de 2022. Ambos já têm relatórios favoráveis. Esses relatórios precisam ser apreciados no âmbito da CCJ e, muitas vezes, demoram muito tempo, porque a CCJ é uma das Comissões mais demandadas do Congresso - nós sabemos disso.
Então, o que podemos fazer? Essa é a primeira pergunta que emerge.
R
A primeira coisa é entrar em contato como cidadão, como cidadã que você é, Ana, com o Presidente da CCJ, o Senador Davi Alcolumbre, mas não apenas com ele, dizendo basicamente o seguinte, "a isso é necessário dar prioridade. Esse é um ponto que não pode esperar, esse é um ponto do qual deriva toda uma série de outras medidas que precisam seguir também e que são já neste momento urgentes".
O ano de 2024 é o momento em que o Brasil viveu o maior número de crises e desastres climáticos da sua história. Neste momento, inclusive, a gente está vivendo uma crise sem precedentes de seca na Amazônia, de queimadas, de nuvens de fumaça que chegaram até a outros países. Então algo de que nós estamos falando agora é de uma dimensão tremenda. E a única certeza que nós temos é que, se não for feito imediatamente aquilo que é necessário e urgente, no ano que vem a possibilidade é que seja ainda pior. E mesmo que comece a ser feito já de imediato, é muito provável que demore um bom tempo e dê muito trabalho para a situação se estabilizar.
Então, trazendo à frente esse trabalho de participação, esse espírito, que inclusive levou você, Ana, a participar aqui desse espaço de construção dessa audiência pública...
(Soa a campainha.)
O SR. MARCOS WOORTMANN - ... participe também fazendo saber a sua vontade de que isso seja apreciado e que isso, então, seja direcionado para o Plenário, não apenas para o Presidente da Comissão Davi Alcolumbre, mas para todos os seus membros. Eu vou até lê-los aqui para você. São vários: Senador Sergio Moro, Efraim Filho, Eduardo Braga, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Alessandro Vieira, Plínio Valério, Weverton, Oriovisto Guimarães - são os titulares. E também tem os suplentes, diversos outros.
Então é necessário fazer saber que isso é um pleito, é necessário saber que esse trabalho está sendo observado e é necessário saber que você, como eleitora e cidadã, vai cobrá-los para que sejam coerentes com os compromissos de que o Brasil precisa.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Muito obrigado, Marcos.
Evidentemente que a gente já tem uma definição do ponto de vista da legislação para o destino dessas áreas. Como o próprio Marcelo aqui frisou, elas têm uma ordem de prioridade dentro dessa perspectiva de interesse público maior, por isso da própria conservação. Mas elas já têm uma destinação, seja para terras indígenas, para territórios quilombolas, para extrativistas, seja até para a reforma agrária, seja para a criação de unidades de conservação, portanto, de uso de interesse mais geral. Então é fundamental a gente saber que já tem, de certa forma, uma legislação.
Mais recentemente foram aprovados instrumentos e melhorados instrumentos, ferramentas nessa perspectiva. Então acho que o aprimoramento da Lei de Concessão Florestal abre a possibilidade de você dialogar com outro instrumento também aprovado recentemente aí, que é - acho que vai ser a sanção amanhã, o ato de sanção - o mercado de carbono, porque aí você tem áreas que você pode fazer concessão, recuperar e ainda vender crédito de carbono. Então você tem mecanismos aí para aprimorar esse instrumento.
Evidentemente - e é um compromisso que a gente quer assumir aqui novamente -, a gente já fez este ano uma audiência pública e quero, talvez nesta Comissão aqui, fazer também no ano que vem, outra sobre essa situação de como está o processo de andamento do CAR, do Cadastro Ambiental Rural.
R
Como vocês mesmos falaram aqui, tem muita sobreposição, tem muito CAR em cima de terras públicas, evidentemente dentro de uma estratégia daquilo que talvez seja a maior causa do desmatamento dentro de terras públicas, que é o processo de grilagem para parte daquilo que a gente chama do "ogronegócio", que é para a expansão de um modelo de agricultura minoritário da agropecuária e que faz muito mal para a imagem tanto do agronegócio como também do país. Então, nós precisamos também na verdade implementar logo o CAR para poder até verificar esses que, de má-fé, estão produzindo, colocando o CAR em cima.
Evidentemente que é importante que todos acompanhem de perto, como foi dito aqui, apesar de nesta audiência aqui a gente estar debatendo muito mais as terras públicas não destinadas no âmbito federal, há uma imensidão de terras públicas no âmbito de responsabilidade dos estados, que também devemos acompanhar de perto. Eu vou citar aqui um exemplo. Em São Paulo, por exemplo, as terras devolutas, terras públicas, que também têm, do ponto de vista da legislação, tanto no âmbito federal como também no Estado de São Paulo, essa ordem de prioridade para a destinação, mas recentemente um projeto aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo está sendo implementado pelo Governador de São Paulo, que é passar essas terras justamente para aqueles que, de má-fé, invadiram as terras devolutas, terras públicas. Então, para quem está acompanhando o que está acontecendo em São Paulo, é aquilo que nós estamos falando aqui. Você tem uma terra pública federal, de que alguém vai lá e faz um documento, por exemplo, um CAR; através deste CAR, agora já se tem, de certa forma controle, mas acessava-se, inclusive, política pública, financiamento, para desmatar uma terra que não é dele, e aí depois passava adiante, vendia, enfim, esquentava. Hoje está sendo feito isso de forma legalizada, aquilo que é a terra pública, que foi grilada, que foi ocupada de forma irregular, principalmente na região do Pontal do Paranapanema. Eu estou citando esse caso de São Paulo porque esse caso de São Paulo, de legalização de terra pública grilada, tem inspirado projetos parecidos em outros estados.
Então, nós temos desafios enormes do ponto de vista de resolver e de fazer a nossa lição de casa em relação à crise climática. Nós temos desafios enormes do ponto de vista de resolver os conflitos socioambientais, conflitos fundiários em relação a povos e comunidades tradicionais, sem-terra, e estou falando de gente que tem guarida, do ponto de vista constitucional, como direito a essas terras como prioridade; desafios enormes do ponto de vista de implementação da própria política de conservação da biodiversidade, eu falo, seja a criação de novas unidades como também a implementação e a consolidação das unidades de conservação de diversas categorias, enfim.
R
Então, a gente, de certa forma, tem instrumentos legais, e é por isso que a gente precisa monitorar, monitorar, e monitorar, no sentido de fazer, acontecer e implementar, mas também monitorar de perto projetos de lei em tramitação e em debate nestas Casas - estou falando na Câmara e no Senado - que representam retrocessos, como esse dos terrenos de marinha, por exemplo, fora outros que vocês citaram daqui, ou mesmo das florestas nativas que o Leandro citou aqui. Então, são projetos que representam retrocessos e vão no sentido contrário daquilo que a gente está debatendo, daquilo que precisa para a gente enfrentar os grandes desafios que a gente tem, seja do ponto de vista de compromisso internacional, seja do ponto de vista daquilo que nós precisamos fazer na nossa lição de casa, do ponto de vista ambiental, como também da nossa lição que precisamos fazer do ponto de vista da inclusão social e da garantia de direitos fundamentais, principalmente para povos indígenas e comunidades tradicionais.
Obrigado, Lívia, Marcos, Marcelo, Leandro. E quero agradecer a toda a equipe aqui também da Comissão Mista de Mudanças Climáticas. Com certeza, as contribuições de vocês vão servir aqui para a gente aprimorar o trabalho aqui dentro da Comissão, tanto na Câmara como no Senado.
E desejo um bom final de ano, um bom Ano-Novo, um feliz Natal para todos.
Está encerrada a audiência pública.
Muito obrigado.
(Iniciada às 14 horas e 44 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 56 minutos.)