01/04/2025 - 4ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB. Fala da Presidência.) - Minhas senhoras e meus senhores, meus cumprimentos. Bom dia a todos os presentes, às Sras. e aos Srs. Senadores que compõem a Comissão de Constituição e Justiça, aos senhores e senhoras que nos acompanharão através da TV Senado, aos demais presentes, aos convidados.
Nós, por força de já termos alcançado o número regimental, declaramos aberta a 4ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para que nós instruamos o Projeto de Lei Complementar 164, do ano de 2022, que regula o art. 146-A da nossa Constituição, estabelecendo normas gerais para a identificação e o controle de devedores contumazes, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, e que tramita em conjunto com o Projeto de Lei do Senado nº 248, de 2017, que regulamenta a Constituição Federal para prever critérios especiais de tributação, a fim de prevenir também desequilíbrios concorrenciais.
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Foram aprovados os Requerimentos nºs 10, de 2023, e 2, de 2025, de nossa iniciativa, e os Requerimentos nº 13, de 2023, de iniciativa de S. Exa. Senador Magno Malta, e o de nº 3, do atual ano, de iniciativa do estimado amigo, Senador Ciro Nogueira, presente a esta reunião.
Esta reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. e dos Srs. Senadores e dos Srs. e Sras. convidados, por sistema de videoconferência para exposição e debate. Será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de que participações populares possam se dar através do nosso Portal ou pelo telefone também, que já deve estar indicado.
Eu quero registrar, Senador Ciro, Senador Laércio, Senador Izalci, Sras. e Srs. convidados, que quem estaria a presidir esta audiência pública seria o nosso Presidente Otto Alencar, mas as senhoras e os senhores devem ter sabido que lastimavelmente ocorreu um trágico acidente no Estado da Bahia, vitimando alguns cidadãos e cidadãs, entre os quais pessoas muito íntimas às relações pessoais do Senador Otto Alencar.
Ontem, o Senador fazia uma ligação pedindo minha compreensão e, de imediato, o atendi. Evidentemente, sabedores somos que situações dessa natureza terminam por nos levar, até por uma questão de princípios cristãos, a poder nos solidarizar, acompanhar e prestar as devidas atenções aos familiares enlutados. Portanto, justificou a sua ausência entre nós, e deverá, se esforçando, amanhã presidir a nossa sessão, a nossa reunião normal.
A todos os senhores e senhoras familiares enlutados pelas perdas das pessoas que estiveram envolvidas nesse acidente, todos nós nos solidarizamos e transmitimos os nossos pesares.
Portanto, para que nós venhamos a dar a devida vazão a esta reunião e ao seu propósito, desde já eu gostaria de convidar, já presentes estão, e queria que os mesmos pudessem aqui nos ladear: Sr. Renato Cabral Dias Dutra, Diretor do Departamento de Combustíveis Derivados de Petróleo da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, saudando-o e agradecendo desde já a sua presença e ao seu atendimento ao nosso convite; o Sr. Gustavo Henrique Formolo - não sei se pronuncia corretamente -, Procurador da Fazenda Nacional e Coordenador de Produção de Informações Estratégicas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que, neste ato, representa o Ministério da Fazenda e a Procuradoria-Geral da Fazenda; seja muito bem-vindo; Sr. Rodrigo Senne Capone, Especialista em Políticas e Indústria, representando a Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao tempo em que, de já, agradeço a V. Sa.; o Sr. Emerson Kapaz, querido amigo que preside o Instituto Combustível Legal, igualmente seja bem-vindo; por fim, nesse primeiro momento, o Sr. Enrico Severini Andriolo, Gerente Jurídico e Tributário do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), as nossas saudações, nesse início de trabalho, seja bem-vindo.
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Eu pediria à nossa Secretaria que me informasse: por gentileza, a praxe em audiências para que nós reservemos é de quantos minutos? (Pausa.)
Dez minutos.
Penso eu que não é um tempo que poderíamos pretender e desejar, mas também não é insuficiente para as observações e a instrução que desejamos dar a este momento.
Eu, se os senhores me permitem, queria convidar o Gustavo Henrique, na condição de Procurador da Fazenda Nacional e Coordenador de Produção e Informações Estratégicas da Procuradoria-Geral da Fazenda, para que nós iniciássemos a nossa audiência pública trazendo as impressões e observações do Ministério da Fazenda a respeito dessa matéria que a CCJ enfrenta e que trata diretamente sobre os devedores contumazes.
Gustavo, as minhas saudações renovadas.
V. Sa. disporá de dez minutos para as suas considerações.
O SR. GUSTAVO HENRIQUE FORMOLO (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Bom, primeiramente, eu gostaria de agradecer aqui o convite feito à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para trazer algumas colaborações a respeito do PL do devedor contumaz, um PL muito bem-vindo tanto para a União quanto para a sociedade como um todo.
Inicialmente, eu cumprimento o Senador Veneziano Vital do Rêgo, Presidente aqui da CCJ em exercício, na pessoa de quem eu cumprimento todos os demais presentes.
Bom, inicialmente, a gente tem que ver que o devedor contumaz é um instituto que ainda não conta com regulamentação dentro do cenário jurídico brasileiro, muito embora haja referências ao devedor contumaz em alguns projetos de lei.
É inegável a necessidade de a gente discutir e debater esse tema e de regulamentá-lo, seja pelos aspectos concorrenciais, ou seja, os prejuízos que vêm causando à União, aos estados e municípios, muitos deles que já têm regulamentos próprios a respeito do tema.
Então, deixem-me passar aqui para o próximo eslaide.
Bom, o primeiro ponto que eu gostaria de abordar com vocês é a respeito do conceito de sonegação e se essa sonegação é ou não uma prática comum para os cidadãos brasileiros e para as empresas brasileiras. E o último estudo realizado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional detectou que 92,2% das empresas ativas encontram-se legais, ou seja, encontram-se sem nenhum débito perante a Fazenda Nacional.
O que isso quer dizer? Isso quer dizer que 7,8% apenas das empresas ativas têm débitos, e eu não estou falando nem da quantidade de débito, podia ser R$1. Mas são só 7,8% - vamos arredondar para 8%. Então, aqui a gente vê que o brasileiro e as sociedades brasileiras têm interesse em pagar seus tributos em dia.
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Um conceito que a gente utiliza na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e é muito relevante para a discussão desse PL é o de grande devedor, e gente vê aqui a concentração da dívida em nome desses grandes devedores. E quem são os grandes devedores? São aqueles que tem um débito inscrito em dívida ativa em montante igual ou superior a R$15 milhões. A gente pode ver que os grandes devedores representam 0,4% da nossa carteira de devedores inscritos em dívida ativa. Eu falei que 8% são aqueles que têm dívidas e a gente vê que 4%, na verdade, são grandes devedores. Agora, em uma noção inversamente proporcional, esses grandes devedores detêm 71% do nosso estoque de dívida ativa, ou seja, 71% da nossa dívida é devida por 0,4% dos nossos devedores. E a gente vai vendo, cada vez mais - e avançando um pouquinho na apresentação -, que o nicho do devedor contumaz é muito excepcional. E aqui eu não estou falando nem do devedor contumaz, estou falando do grande devedor.
É importante também trazer um pouco sobre o comportamento dos devedores, principalmente trazendo experiências internacionais. E aqui a gente tem uma classificação, trazida pela OCDE nos relatórios que eles apresentam, dos devedores enquanto o dever de compliance deles.
Em uma primeira linha, na base da pirâmide, está a maioria dos devedores; na verdade, a maioria dos contribuintes. São aqueles que tem a intenção de cumprir seus deveres legais. Eles querem cumpri-los, seja como for. Então, para esses devedores, a gente tem que fazer mais fácil cumprir os seus deveres. Já tem uma segunda linha da pirâmide que vai dizer que tem os devedores que tentam cumprir suas obrigações, mas há algum entrave jurídico ou de dúvida mesmo que pode existir, mas eles querem fazer aquele cumprimento. Então, esses a gente tem que assistir, tem que chegar junto deles para que eles possam cumprir os seus deveres. Já subindo para o topo da pirâmide, a gente tem aqueles que não querem cumprir suas obrigações fiscais, mas, se a gente os compelir, eles vão cumprir. Então, seja por uma execução fiscal, seja por uma autuação da receita, eles vão pagar os tributos devidos. E, por fim, tem aqueles que não vão cumprir as obrigações fiscais nem que a gente faça o que for feito dentro hoje da legislação. E aqui a gente já está falando do devedor contumaz. E, de acordo com a OCDE, ela já traz que, para esse grupo, a gente tem que usar a força total da lei, seja a que for que a gente tenha presente - e quanto mais artifícios existirem melhor.
Vamos passar para o próximo.
Então, de acordo com o PLP 164, de 2022, o que é o devedor contumaz, que é essa parcela refinada de devedores que a gente viu ali? Seria o devedor reiterado, substancial e injustificado. Então, não basta existir uma dívida. Houve um lançamento substancial, ele é devedor contumaz? Ainda não. Precisa ser um devedor reiterado, ou seja, essa dívida tem que persistir por mais de um ano. O que é um devedor substancial? Já é um devedor de uma alta monta de dinheiro. E aqui a gente está falando do grande devedor. Injustificado é: ele não passa por nenhuma crise, não tem nenhuma irregularidade fiscal ou contábil dele. Então, basicamente é aquele devedor que assim... Geralmente tem devedores que falam assim: "Devo, não nego; pago quando puder". Esse aqui é: "Devo, não nego; nunca vou pagar". E aqui a gente vê que um dos pontos positivos trazidos pelo PL são critérios objetivos. Então, a gente tem quem são os devedores contumazes, com critérios bem delimitados, e uniformização em âmbito nacional, o que é muito importante também, porque hoje a gente tem uma miríade de regramentos do devedor contumaz. Então, o devedor contumaz pode ser devedor contumaz num estado e não ser no outro, e isso gera uma insegurança jurídica até mesmo no mercado.
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Então, é importante essa uniformização de conceito. O PL tem um atributo positivo de trazer o devedor contumaz como aquele que se utiliza do inadimplemento como uma estratégia de negócio - ou seja, ele quer dever para que possa concorrer deslealmente com seus pares - e aquele que deve de forma dolosa, não é aquele que, ocasionalmente, tem uma dívida e não pode arcar com ela.
O quarto ponto, que é muito importante, do PL é trazer diretrizes para o devido processo legal. Então, o devedor vai ter contraditório, vai ter ampla defesa, vai poder recorrer eventualmente dessa decisão e, depois, ainda que considerado devedor contumaz, tem saídas para ele, o que ele pode fazer depois disso.
Bom, aqui a gente entra um pouquinho no conceito de reiterado e substancial do devedor contumaz. Como eu já havia dito, o reiterado é uma dívida em situação irregular por período superior a um ano. E é muito importante pontuar o que é uma dívida irregular. A dívida irregular é aquela que não está parcelada, que não está garantida. Então, não é pelo simples fato de existir uma dívida que ele vai estar em situação irregular. Se eu tenho uma dívida garantida por um prazo superior a um ano, sou um devedor contumaz? Não, porque ela está garantida. Então, não é um problema para o Fisco isso aqui.
Em valor igual ou superior a R$15 milhões... Aqui a gente já chega a outra cifra importante de levantamento que a gente fez aqui na Fazenda Nacional que é a abrangência, ou seja, o número de entidades que poderia ser alcançadas por esse PL seria de 0,095% das pessoas inscritas em dívida ativa. E aqui eu não estou falando nem de quem é devedor contumaz, eu estou falando das pessoas que poderiam ser alcançadas por esse PL. Em paralelo, a gente tem também outro critério objetivo que seria o de o montante da dívida ser superior a 30% do faturamento, desde que o débito seja igual ou superior a R$1 milhão. Esse critério é muito importante para estados e municípios porque, talvez, R$15 milhões, apesar de ser um valor grande, seja pouco para a União, mas para municípios e estados seria um patamar, às vezes, inalcançável.
A parte do inadimplemento injustificado seria justamente não estar passando por uma crise externa, não estar passando por uma crise... Imagine o devedor que está em uma situação como a que, infelizmente, enfrentou o Rio Grande do Sul. Ele tem uma dívida que não consegue pagar porque a empresa fechou, porque está enfrentando dificuldades para se soerguer. Ele não vai ser devedor contumaz, por mais que a dívida esteja em situação irregular por mais de um ano. Também é importante que ele tenha regularidade contábil, porque não basta passar por uma crise e praticar atos de dilapidação patrimonial, transferir bens para o nome de outras pessoas. Aqui isso não seria muito admissível e nem muito correto. Então, esse conceito de inadimplemento injustificado permite a gente separar o joio do trigo: aquele que é um mero devedor daquele que é um devedor contumaz mesmo e merece o rigor da lei.
E quais são as sanções aplicadas a esse devedor contumaz? A primeira sanção é o impedimento de fruição de benefícios fiscais. E aqui, dentro do regramento brasileiro, a gente já tem alguns impedimentos que são aplicados ao devedor - e eu não estou falando nem do devedor contumaz -, por exemplo, o Simples Nacional. Para você ingressar no Simples, você tem que estar...
(Soa a campainha.)
O SR. GUSTAVO HENRIQUE FORMOLO - ... regular com os seus tributos; há impedimento de formalização de vínculos com a administração pública. Então, não vai poder contratar com a administração pública quem tem débito - hoje a gente já exige isso mesmo; possibilidade de requerer falência, que seria uma sanção mais excepcional; e, por fim, o cancelamento da inscrição no cadastro de contribuintes, mas isso aqui é só para o devedor fraudulento. Então, as outras seriam para o devedor contumaz como um todo. Escalonando para aquele que praticou uma fraude, seria a possibilidade de cancelamento do CNPJ.
Indo aqui para o final da apresentação, a gente percebe que tem também a possibilidade de retorno à regularidade do devedor. Então, o devedor contumaz, uma vez adquirido esse carimbo, também não pode ficar sem poder retornar à legalidade. A gente tem que permitir que ele possa ter artifícios de voltar. Se ele pagar o débito dele, o procedimento, uma vez instaurado, é encerrado. Se houver uma negociação do débito, o procedimento, se tiver sido instaurado, é suspenso, Enquanto ele estiver regular com essa negociação, está tudo certo, nada vai ser feito contra ele. Se, eventualmente, ele foi considerado devedor contumaz e se encerrou o procedimento, ele pode garantir a dívida, pode negociar, pode pagar, e tudo isso vai ser um caminho para ele retornar à regularidade.
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Bom, o nosso objetivo aqui era realmente falar sobre o aspecto do devedor contumaz. Claro que o PL trata de outros temas, trata de regimes especiais de cobrança. Eu acho que outros colegas vão falar muito bem disso aqui, mas, como o tempo é limitado, essas seriam as colaborações que a gente teria para trazer para vocês, e nos colocamos, mais uma vez, à disposição para os demais esclarecimentos que se fizerem necessários.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Gustavo.
Nós pedimos as devidas desculpas por não termos, em razão das próprias demandas e dos próprios pleitos apresentados pelos nossos companheiros Senadores a esta audiência. Há de convir a cada um de nós que gostaríamos até de fazer este debate de forma ampla, mas, dentro das nossas limitações, os dez minutos... Objetivamente, foi por esta razão que pedi a você para que fosse o primeiro apresentador: exatamente para que o projeto de lei complementar pudesse ser posto da forma como é pretendido. O propósito é exatamente o de defendê-lo como um projeto que demarca, compartimentaliza cada uma das ações, diferenciando, de forma cabal e inequívoca, aqueles que agem com o propósito único e doloso de prejudicar não apenas na concorrência, mas com repercussões as mais variadas, daqueles que são não os devedores contumazes, mas eventuais. A sua fala vai diretamente, é objetiva, e o fez assim a esse sentido do PLP 164.
Eu convidaria, de imediato, o amigo Renato Cabral, que responde pela Diretoria do Departamento de Combustíveis Derivados do Petróleo da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Renato, seja bem-vindo mais uma vez. Você dispõe disporá de dez minutos.
O SR. RENATO CABRAL DIAS DUTRA (Para expor.) - Perfeito.
Bom dia a todos. Cumprimento o Senador Veneziano Vital do Rêgo, na pessoa de quem cumprimento os demais Senadores presentes, membros da Mesa.
Agradeço aqui o convite em nome do Ministério de Minas e Energia, especialmente da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Esse é um tema afeto ao ministério, e, historicamente, a gente tem se manifestado sempre favoravelmente às tramitações de projetos de lei que tratam do tema do devedor contumaz, o que não difere do caso dos dois projetos de lei aqui em destaque.
Vou pedir só um apoio para a gente passar.
Obrigado.
A gente trouxe aqui quatro pontos para rápida exposição.
Primeiro, quero trazer alguns números importantes do mercado de combustíveis no Brasil, dados de 2024; listar alguns dos principais ilícitos praticados no mercado que têm relação direta e indireta com o devedor contumaz nesse mercado; trazer alguns comentários sobre essa caracterização do devedor contumaz e algumas ações governamentais de resposta.
Iniciando com alguns grandes números, uma primeira informação importante é que a cadeia de combustíveis é uma cadeia que tem grande complexidade. A própria complexidade dessa cadeia traz, digamos, entre aspas, oportunidades para atuação de agentes que se enquadram em cada um desses elos praticarem ilicitudes que prejudicam o consumidor e o ambiente concorrencial.
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Então, desde o suprimento primário, que a gente coloca como a produção ou a importação dos combustíveis, isso passa pelo transporte, que a gente chama de logística primária, para a distribuição desses combustíveis e, na ponta, para os revendedores, transportadores revendedores retalhistas ou grandes consumidores desses produtos.
Essa cadeia, na prática, também se traduz em um grande número de agentes, e essa pulverização ao longo dessa cadeia também demonstra, numericamente, essa complexidade do mercado.
Então, se a gente pegar os quatro elos principais, que foram trazidos no eslaide anterior, o elo do suprimento primário tem cerca de 1,5 mil agentes; o da logística primária, de transporte que leva a distribuição, 150, aproximadamente; o elo seguinte, que é o da distribuição, 250 agentes; e o elo final, 135 mil agentes, em ordem de grandeza.
Então, a complexidade da cadeia, a diversidade de agentes e o grande número que demonstra essa pulverização também trazem, digamos, o retrato dessas "oportunidades", entre aspas, que quem quer praticar ilicitude enxerga nesse mercado.
Em termos de números importantes, 2024 foi um ano ímpar para o mercado de combustíveis, foi um ano em que a gente teve os números recordes de consumo de óleo diesel pelo consumidor final e de gás liquefeito de petróleo.
Esse crescimento de todo o mercado de combustíveis foi ao redor de 3,9%, acompanha normalmente, de forma procíclica, o crescimento do PIB, e a gente teve destaques, com o mercado de óleo diesel a 1,7%, o de gás liquefeito de petróleo a 2,2%, o de querosene de aviação a quase 7%, e, no Ciclo Otto, combinando a gasolina com o etanol hidratado, o etanol teve uma alta, com uma queda compensatória da gasolina C.
Esse mercado, que cresce em volume, teve, em 2024, também uma arrecadação recorde de tributos - R$105 bilhões em tributos federais e cerca de R$116 bilhões em tributos estaduais.
Se for retratada no âmbito dos preços dos principais combustíveis, essa composição de preços com dados recentes, da última semana, demonstra - para gasolina, diesel e GLP, que são os principais combustíveis comercializados - que, para quem pratica uma ilicitude e também para um devedor contumaz, oportunidades se encontram em cada um desses componentes, seja na operação logística com o derivado de petróleo ou biocombustíveis, seja na sonegação do próprio tributo federal e estadual, seja na adoção de práticas que atacam esses componentes e que, se superam as próprias margens dos agentes que trabalham na licitude, fazem, digamos, o crime valer a pena.
Então, por que esse diagnóstico é importante? O problema do devedor contumaz não é um problema sozinho. Em geral, os agentes que trabalham na ilicitude não praticam uma só ilicitude. Existe um conjunto que a gente mapeia como os oito principais ilícitos praticados no mercado de combustíveis, e em geral é comum que os agentes pratiquem um ou mais.
Então, apenas para citar, a gente tem a lavagem de dinheiro; as fraudes metrológicas, que são as quantitativas, como, por exemplo, bomba baixa ou entregar menor volume ao consumidor final; os furtos de combustíveis, que têm sido frequentes - o próprio Congresso tem projetos de lei contra furto, roubo, receptação de combustíveis, que para nós do ministério são extremamente importantes -; vender combustível fora de especificação, em tese, alterando o volume de biodiesel ou de etanol na gasolina, e essa alteração do uso do biocombustíveis pode gerar vantagens competitivas aos agentes; nós também temos, na parte societária, o uso de sócios ocultos ou de laranjas, o que tem também relação direta com a ideia do devedor contumaz; a prática de empresas barrigas de aluguel, que permite que agentes que operam em algum elo da cadeia acumulem dívidas e depois se desfaçam daquele CNPJ, criando um novo, esse também é um problema diretamente ligado ao devedor contumaz; o roubo de carga e a própria sonegação fiscal. . É esse combo de oito ilícitos que, em geral, andam uma ou mais vezes juntos. Então aqui, apenas para ilustrar, alguns exemplos. Esses oito ilícitos estão na mídia sempre, o tempo inteiro. Em cima, a gente tem o problema da importação; no meio, a questão da barriga de aluguel; na direita, a gente tem aí as questões da associação criminosa para venda de combustíveis; embaixo alguns exemplos de ação no âmbito estadual, e a própria ANP, recentemente, revogando um grande agente desse setor. Aqui nós temos também a questão da bomba baixa, na reportagem da esquerda; na reportagem do meio, da adulteração de combustíveis; e, na da direita, exemplos de fraude metrológica. Então aqueles oito ilícitos se manifestam no nosso dia a dia de consumidores finais desses produtos.
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Quanto ao devedor contumaz - entrando na terceira parte, já para ir para o encaminhamento final -, para o Ministério de Minas e Energia, como eu mencionei no início, a gente tem apoiado sempre tecnicamente, mandando notas técnicas de posicionamento ministerial favoráveis à tramitação desses projetos de lei, como o próprio representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mencionou. Esse é um tema que carece de tipificação do ilícito, da sua conduta e da sanção. Esse passo legislativo é fundamental para que a gente avance no combate a esses ilícitos que foram mencionados anteriormente.
Então, apenas para ilustrar, aqui algumas mensagens que vêm dos eslaides anteriores, que estão sintetizadas nestes três pontos: o alto volume comercializado dos produtos; a capilaridade da rede logística; a carga tributária que se pratica em nível federal e estadual para os diferentes produtos. Embaixo, as limitações que existem à fiscalização do Estado - e aí a gente inclui a importância desse PL, porque cria uma conduta tipificada, com sanções previstas, à altura que se espera do combate neste mercado. Esses elementos precisam ser combatidos para se garantir não só a isonomia competitiva, que afeta a sustentabilidade a longo prazo de empresas que atuam licitamente nesse mercado no âmbito concorrencial, mas também porque prejudicam em última instância o próprio consumidor, que acaba pagando mais caro pelos produtos.
E a gente pode citar, como algumas ações de resposta no âmbito do Ministério de Minas e Energia, que, especificamente na questão tributária, o Ministério de Minas e Energia, no ano passado, foi talvez um dos únicos que se manifestou individualmente, realizando diversas reuniões com os agentes do mercado, para coletar contribuições específicas para o processo de reforma tributária. Então, o ministério se empenhou bastante...
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO CABRAL DIAS DUTRA - ... em contribuir e levar ao Ministério da Fazenda essas contribuições.
Com apoios às tramitações dos projetos de lei que tratam do tema, principalmente do devedor contumaz, a gente tem se manifestado favoravelmente. Trago aqui também a importância do projeto de lei que tipifica furto e roubo de combustíveis. Como eu mencionei, essas fraudes e esses ilícitos não andam desalinhadamente.
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O Conselho Nacional de Política Energética tem se manifestado recorrentemente favorável à adoção de medidas que ampliem as condições competitivas do mercado. Então, especificamente, no âmbito do combate à sonegação e à adulteração, o CNPE já determinou que os órgãos relacionados atuem de maneira proativa no combate a essas práticas e de maneira coordenada. Apenas para citar um exemplo recente, a gente tem atuado aí bastante junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública no âmbito do núcleo de combate ao crime organizado, instaurado desde janeiro deste ano.
São esses os recados principais, Presidente Veneziano, que o Ministério de Minas e Energia tinha para trazer para a Comissão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Renato, pela sua sucinta, mas eficiente exposição.
Eu queria apenas combinar com o Senador Omar, com o Senador Laércio, presentes, e com outros companheiros que possam estar a nos acompanhar remotamente: nós teríamos a exposição dos cinco convidados; em seguida, colocaríamos e abriríamos para questionamentos que, porventura, fossem do desejo dos senhores; e, logo em seguida, chamaríamos os últimos cinco expositores. Pode ser assim a dinâmica? (Pausa.)
Convido o Sr. Rodrigo Senne Capone, que é Especialista em Políticas e Indústria, representando a Confederação Nacional da Indústria.
Desde já, quero agradecer a gentileza ao nosso Ministro Alexandre Silveira por ter disponibilizado para esta reunião você, Renato, como Diretor do Departamento de Combustíveis Derivados da Secretaria Nacional de Petróleo. Agradeço ao Ministro Alexandre a deferência.
Querido Rodrigo, por gentileza, você disporá de dez minutos para a sua exposição.
O SR. RODRIGO SENNE CAPONE (Para expor.) - Bom dia.
Cumprimento o Senador Veneziano Vital do Rêgo, já lhe agradecendo, em nome da CNI, a oportunidade de participar desta audiência pública para debater um tema de grande relevância para o país e para a economia do país. Estendo meus cumprimentos aos demais Parlamentares presentes, aos colegas de mesa, a todas e a todos que nos acompanham virtual e presencialmente.
Chamo-me Rodrigo Capone. Eu trabalho na CNI com política tributária, na Superintendência de Economia. Há alguns anos, temos debatido bastante essa temática do devedor contumaz. É um tema que para nós é muito caro. Diante disso, criar essa política com normas claras, que permitam identificar corretamente aquele que se utiliza do não pagamento de tributos como modus operandi e puni-lo de forma adequada, é algo que para nós é de extrema relevância.
Aqui eu coloco - acho que está um pouco pequeno - que a legislação que identifica e pune o devedor contumaz, se ela trouxer uma definição adequada de quem é esse devedor contumaz para não o confundir com o mero inadimplente, vai representar um importantíssimo instrumento de combate à concorrência desleal no país.
E, para ilustrar o custo que o não pagamento de tributos gera, eu cito o estudo Brasil Ilegal em Números, elaborado pela CNI, Firjan e Fiesp, que nos mostra que o mercado ilegal ocasionou, apenas no ano de 2022, um ônus ou uma perda de R$453,5 bilhões. Desse montante, a maior parcela está relacionada ao não pagamento de tributos, correspondendo ali a mais de R$130 bilhões. Então, o devedor contumaz é um importante agente que eleva esse custo, que, no fim das contas, impacta a todos nós.
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O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Perdoe-me, Rodrigo. Só uma dúvida.
O SR. RODRIGO SENNE CAPONE - Claro.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB. Para interpelar.) - Eu já estou a descumprir o que a gente...
Quando você fala sobre a responsabilidade dos devedores contumazes, a cifra de R$136 bilhões refere-se a eles? Ou ali, nos R$136 bilhões, estão os contumazes e não contumazes?
O SR. RODRIGO SENNE CAPONE (Para expor.) - Sim, os contumazes e não contumazes. Se a gente seguir a classificação, a caracterização que a gente está adotando, imagino que nem todos serão contumazes, porque os critérios ainda estão em aberto, estão em construção, não é, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB. Fora do microfone.) - Perfeito.
O SR. RODRIGO SENNE CAPONE - Então, não necessariamente isso se refere aos contumazes, a serem todos contumazes, mas é uma cifra importante, que ilustra para nós o tamanho do problema.
E para nós, na CNI, é muito importante que essa legislação seja criada, que as balizas sejam bem definidas, porque uma das nossas grandes preocupações é que o mero inadimplente caia nessa malha e venha a ser caracterizado como devedor contumaz. As sanções são gravosas, e devem ser, contanto que o devedor contumaz seja corretamente identificado.
O colega Sr. Gustavo Henrique trouxe muito bem os requisitos teóricos que são adotados para a correta caracterização do devedor contumaz, citando o que a OCDE entende como devedor contumaz, e estamos de acordo com essa classificação.
Há um tripé teórico doutrinário que vai nos apontar três requisitos que devem estar presentes no caso concreto: o contribuinte tem que ter uma inadimplência substancial, em um valor elevado; ele deve ter uma conduta reiterada, ou seja, ele adota um não pagamento reiterado, constante, frequente de tributos como estratégia de negócios para ter vantagens competitivas; e não há uma razão que justifique esse não pagamento, e aí a gente tem a injustificação. Então, há uma intenção em não pagar esses tributos.
Então, o projeto de lei, quando traz esses três critérios de forma assertiva, dá maior segurança a todas as partes envolvidas de que apenas aqueles que são, de fato, devedores contumazes serão punidos.
Quais são os critérios que devem nortear essa definição adequada de devedor contumaz?
Isso dialoga muito com esse tripé teórico. Então, a gente tem que ter ali débitos elevados, reiteração do inadimplemento, e é preciso que se identifique no caso concreto que há um dolo, que há uma intenção em não pagar esses tributos. Não pode ser uma crise econômica que resultou no não pagamento eventual. É preciso olhar o histórico de pagamento de tributos desse contribuinte para verificar se é uma situação pontual ou se é uma constante. E, com isso, a gente busca evitar que uma empresa que passa por dificuldades financeiras transitórias venha a ser indevidamente punida pela legislação. Então, a combinação de critérios objetivos com a identificação de uma intenção torna a identificação do devedor contumaz assertiva.
Principais pontos positivos do Substitutivo do PLP 164.
Entendemos que o texto cumpre com esse tripé teórico. Ele prevê normas objetivas; ele permite identificar a intenção da empresa em não pagar os seus tributos, então, com isso, ele cumpre esse papel.
E a gente tem um foco no projeto, na redação do substitutivo, em três setores que são muito afetados pela competição desleal, pela atuação do devedor contumaz, que são: o setor dos cigarros ou tabaco; o das bebidas alcoólicas; e o dos combustíveis.
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E a gente tem um foco, no projeto, na redação do substitutivo, em três setores que são muito afetados pela competição desleal, pela atuação do devedor contumaz, que são: o setor dos cigarros, com tabaco; o das bebidas alcoólicas; e o dos combustíveis. Então, para nós, a nossa visão é de que esta é uma decisão, num primeiro momento, acertada: focar nesses setores para que sejam retirados do mercado esses devedores contumazes.
Faço um alerta de que, no próprio texto do PLP, há a possibilidade de novos setores virem a ser inseridos e serem alcançados pela norma, contanto que existam evidências de que há uma competição desleal naquele mercado. Então, não são apenas esses três setores. Por enquanto, são esses três setores, havendo a possibilidade de que, posteriormente, novos setores venham a ser enquadrados no alcance da norma.
Valor proporcional ao faturamento.
Necessidade de evidências de práticas lesivas: não é qualquer empresa, são algumas empresas que praticam esses atos prejudiciais ao mercado de forma intencional.
E há aqui um ponto que, para nós, é muito importante, que foi contemplado pela redação do substitutivo: o fato de que os débitos dos contribuintes com exigibilidade suspensa não serão considerados para caracterizar a empresa como devedora contumaz. Esse é um ponto muito relevante, porque é preciso recordar que, quando os débitos se encontram com a exigibilidade suspensa, não há nada que o Estado possa fazer contra eles. Eles precisam esperar que essa situação temporária passe para que o tributo possa vir a ser cobrado ou não, posteriormente. Então, a nosso ver, é muito acertada essa decisão de incluir no texto que esses débitos não serão contabilizados. Cito, como exemplo, os processos que correm no Carf: quando o contribuinte apresenta uma impugnação, esse débito que está sendo debatido é mantido com a sua exigibilidade suspensa até o final do processo, podendo, ao final, ser retomada a cobrança, ou, se o contribuinte sair vitorioso, ser extinto. Nessas hipóteses, como consta do texto do substitutivo, esses débitos não serão contabilizados para que a empresa venha a ser caracterizada como devedora contumaz, um ponto que, a nosso ver, é positivo.
Por fim - é uma apresentação breve, mas trazendo os pontos que entendemos ser relevantes -, entendemos que o texto cumpre com o papel, ele identifica de forma assertiva quem é o devedor contumaz, mas, de modo a contribuir com o debate, de modo a contribuir com a construção de um texto que entendemos ser mais adequado para a correta caracterização do devedor contumaz, excluindo o risco de alcançar empresas que não devem ser caracterizadas como devedoras contumazes, trazemos algumas sugestões de aperfeiçoamento.
Entendemos que os critérios devem ser cumulativos entre si.
Quando a gente fala de um débito...
(Soa a campainha.)
O SR. RODRIGO SENNE CAPONE - ... de valor substancial, injustificado e reiterado, é preciso que esse valor seja igual ou superior a R$15 milhões - como já consta no projeto, na redação do substitutivo -, mas que esse valor também, ao mesmo tempo, represente mais do que 30% do faturamento daquela empresa. Então, atualmente, no texto substitutivo, são critérios alternativos, e entendemos que esses critérios devem ser lidos em conjunto: valor igual ou superior a R$15 milhões que represente mais do que 30% do faturamento da empresa.
Há a reiteração, que diz respeito ao não pagamento dos tributos por três meses consecutivos, ou seja, o contribuinte tem um valor elevado de débito, ele mantém esse valor em situação irregular por mais de um ano e, ainda existindo aquele débito, ele continua não pagando os tributos mês a mês. Isso configuraria uma reiteração da conduta, porque, se pensarmos em um contribuinte que tem um só débito, que cumpre com esses requisitos, mas que mês a mês continua pagando os seus outros tributos, não haveria uma reiteração. Então, é preciso conjugar esses critérios.
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E, por fim, o projeto já traz essa exigência, que é existir a comprovação de que há uma conduta delitiva por parte da empresa: ela não paga, porque não quer e não vai pagar. Essa é a postura dela e adota essa postura como um instrumento para se destacar no mercado concorrencial.
E, encaminhando - o meu tempo já se esgotou, mas, Senador, só um minutinho para concluir, por gentileza -, entendemos que o valor a ser considerado deve corresponder apenas ao principal do débito. Nós sabemos que - vou citar como exemplo o âmbito federal - existem multas tributárias que ultrapassam o valor do principal do débito. Então, às vezes, o contribuinte, por conta de uma multa, pode vir a ser classificado ou enquadrado como devedor contumaz, porque essa multa pode ultrapassar o valor do débito principal. Então, entendemos que deveria ser considerado nesses R$15 milhões ou mais apenas o valor principal do tributo, excluídas multas e juros.
Há três pontos que para nós são muito importantes.
É preciso olhar o histórico do contribuinte. Então, analisar apenas uma foto, aquele momento estático, para nós parece insuficiente, é preciso olhar o filme. Como esse contribuinte tem se comportado nos últimos anos? Ele paga os seus tributos corretamente? Ele é um contribuinte que tem um bom histórico de pagamento? Então, com isso, é possível verificar se ele adota essa postura com constância ou se é uma eventualidade. E, se é uma eventualidade, esse contribuinte não deveria ser caracterizado como devedor contumaz.
Devemos ver se o contribuinte demonstra capacidade de pagamento. A capacidade de pagamento já é um instrumento muito utilizado hoje pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nas transações tributárias. Então, já existem critérios para verificar se a empresa tem condições de pagar os seus tributos ou não. Se uma empresa possui capacidade de pagamento, ela não deveria ser caracterizada como devedora contumaz, pois existem outros instrumentos por meio dos quais o Estado pode cobrar esses tributos. Cito como exemplo a execução fiscal.
E, por fim, há a questão da empresa que estiver em recuperação judicial. A nossa sugestão é que ela não deveria ser caracterizada como devedora contumaz, porque é muito provável que essa empresa já se encontre numa situação econômica, financeira e contábil desbalanceada. Então, essa empresa, que passa por um rigoroso processo de requerimento de recuperação judicial, não deveria ser caracterizada como devedora contumaz, ainda que cumpra com algum dos requisitos, para que ela possa, então, tentar recuperar o seu fôlego e se manter no mercado.
E, por fim, Senador, sugerimos também a supressão de dois incisos que estão em outro capítulo do PLP, que trata dos critérios especiais de fiscalização. Um deles diz respeito à possibilidade de a empresa ser obrigada a instalar equipamentos de controle de produção. Entendemos que isso gera o risco de que as empresas tenham... As empresas desses três setores, fumo, bebidas e combustíveis, já têm diversas obrigações acessórias. Temos aí como exemplo o Bloco K. Então, se a gente criar mais uma obrigatoriedade, isso gera um custo, gera uma burocracia, e já são setores altamente fiscalizados e controlados. E há a questão da possibilidade de adotar alíquota específica para esses setores. Entendemos que isso é prejudicial, que isso pode gerar efeitos não desejados.
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Agradeço imensamente pela oportunidade de contribuir com o debate.
Fico à disposição. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Nós é que agradecemos, Rodrigo, a sua presença e as sugestões tidas, havidas e acolhidas como valiosas, não apenas pela Presidência, pela relatoria, mas decerto pelo conjunto de companheiros e companheiras que se debruçarão à votação do PLP 164. Eu lhe agradeço muito, como também me reservo aqui o registro à atenção dispensada pela Presidência da Confederação Nacional da Indústria, na pessoa do seu Presidente, Ricardo Alban. Faça-me o favor de transmitir-lhe esse agradecimento pessoal.
Convido, de imediato, o estimado amigo e Professor Emerson Kapaz, Presidente do Instituto Combustível Legal, para as suas palavras em exposição a respeito do tema.
Seja bem-vindo, Emerson!
O SR. EMERSON KAPAZ (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Veneziano Vital do Rêgo, pela oportunidade. Tenho acompanhado o seu trabalho ao longo desses últimos dois anos aqui, nesta Comissão especificamente, e a luta para conseguir realizar uma audiência pública sobre um projeto de tamanha relevância. Pela exposição feita antes de mim pelos que já me antecederam, dá para ver o tamanho e a dimensão do que este problema significa na economia.
Nós estávamos falando de combustíveis, mas o Instituto Combustível Legal é um dos elos que mais sofre no meio dessa luta hoje contra a sonegação, adulteração e fraude operacional. Só no setor de combustíveis, em sonegação, em adulteração e em fraude operacional, são R$30 bilhões por ano que o Governo Federal e os governos estaduais perdem. São R$30 bilhões por ano.
E não sei se tiveram a oportunidade de ver, mas, sete dias atrás, o Fórum nacional de Segurança Pública fez e publicou um estudo relevante sobre como o crime organizado atua nas cadeias produtivas no Brasil. O crime organizado no Brasil, Senador Veneziano, já tem na sua dimensão, na sua entrada nas cadeias produtivas, mais lucro do que vendendo cocaína. As cadeias que hoje sustentavam o crime organizado - PCC, Comando Vermelho e mais de 80 facções que existem no Brasil hoje - perceberam que eles podem também ser empresários, podem também empreender. Só que eles vão empreender de que forma nos nossos setores? Vão empreender sonegando, adulterando, falsificando, praticando pirataria. Esse é o mecanismo, porque competir de verdade, pagando o tributo, como todos os empresários sérios de todas as cadeias produtivas fazem, não é para eles. Para eles é competir com sonegação. Nós temos insistido, ao longo desses últimos dois anos em que eu estou à frente do instituto, na importância para o Brasil de combater o crime organizado, não só em combustíveis, mas em vários setores em que ele está entrando: entra na vida pública, financia campanhas, elege Prefeitos, elege Vereadores, bota dinheiro por fora nas campanhas.
Há uma concorrência que foi descoberta em São Paulo de duas empresas de ônibus que tinham como chefes lá o PCC, ou seja, nós aqui no Congresso teríamos a chance de dar um passo fundamental para esse combate, inclusive na segurança pública, de que todo mundo fala hoje. Qual é a sensação de insegurança que todos nós temos em todas as grandes capitais? O que está acontecendo na Bahia, o que está acontecendo no Ceará, o que está acontecendo em São Paulo, por trás disso, está o crime organizado. É o dinheiro que eles conseguem ter para financiar esse roubo a todos nós, cidadãos, que nos sentimos praticamente inviabilizados de poder andar na rua.
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Enquanto nós não entendermos que a segurança pública está conectada com o crime organizado, isso não será resolvido. E enquanto não entendermos que crime organizado está conectado com devedor contumaz, com empresas que sonegam para competir, que fazem da sonegação seu modo de vida... E com todas as exceções, Senador Veneziano, que já foram colocadas aqui, substitutivos que foram feitos, situações colocadas pelo Gustavo, pelo Renato, pela CNI...
Mas este projeto precisa ser aprovado. Nós precisamos avançar nesta Casa nisso. Desde 2018 ele está aqui tramitando; são oito anos de tramitação. Era para ser aprovado no final da Senadora Ana Amélia. Tinha passado por todas as Comissões, estava a ponto de entrar em votação. O Senador Rodrigo Pacheco, Presidente da Casa, ia colocar em votação, e recebeu um recado: "Não, não vamos colocar. Tira. Não vamos colocar em votação". Ia cair da Mesa das Comissões e o Senador ex-Presidente da Petrobras fez um substitutivo, que se transformou no 164; melhorou o projeto com o substitutivo. O projeto ficou a ponto de ficar melhor do que estava, e está tramitando todo esse tempo sem se conseguir marcar aqui uma audiência pública, como esta a que hoje temos a satisfação de estar presentes.
Qual é o interesse de não andar? Onde está o interesse de que esse projeto não ande? É possível aperfeiçoar? Claro que é possível aperfeiçoar! Sempre a Casa aperfeiçoa. Vai daqui, depois, para a Câmara, a Câmara ainda pode fazer modificações...
E, para a gente avançar, nós precisamos entender que, neste momento que o país enfrenta, o ótimo é inimigo do bom. "Não, eu quero um projeto que, só se isso estiver lá, ele pode ser aprovado..." Não! Vamos ver o que é possível fazer, entre acordos de vários setores; vamos colocar em votação e vamos avançar.
Nós precisamos dar um sinal para sociedade de que nós queremos combater. O Ministério da Justiça criou o Núcleo de Combate ao Crime Organizado na cadeia de combustível, exatamente porque está percebendo a importância da luta contra o crime organizado. É muito significativo isso.
Dentro do nosso setor, ele vai do poço ao posto. Não está no posto. Está nas distribuidoras, está nos postos de gasolina, está nas empresas de transporte, está nas empresas fintechs, que criam um mercado paralelo por fora da Coaf. Você não consegue controlar, porque eles têm a sua própria fintech, e essa fintech fatura por fora do sistema; ou seja, nós precisamos dar um basta nisso.
E o Senado hoje tem a chance de colocar claramente para sociedade: nós vamos lutar contra o empresário que é bandido, empresário que entra com a perspectiva de combater com banditismo. Não é aquele que escapa. Nós sabemos, tem muitas empresas com dívida, negociando, conseguindo voltar ao mercado. Agora, pelo que foi colocado aqui pelos que me antecederam, está claríssimo que este projeto não atinge essas empresas. Atinge exatamente os devedores contumazes.
Vários setores, junto com o ICL, têm trabalhado nisso. A gente tem o Dr. Hugo aqui, que provavelmente vai falar depois, que tem boas observações, é de um grande mérito também. Muitas contribuições foram feitas a pedido nosso, do próprio Dr. Hugo, em nome do Sindicom; ou seja, nós estamos no momento certo.
Eu queria parabenizar o Senador Veneziano Vital do Rêgo por ter conseguido convocar esta audiência pública. Agora é o momento, Senador. Vamos avançar. Vamos colocar em votação isso. Chegou o momento de a gente tirar as dúvidas, aperfeiçoar, mas votar.
Vamos sair daqui para o Plenário, vamos do Plenário para a Câmara e vamos avançar neste projeto. Nós vamos dar uma grande contribuição ao país e a cada um de nós que sente que a segurança pública está se perdendo no Brasil. Eu não quero ficar prestando contas, daqui há alguns anos, sobre o que eu recolho de imposto não para o Estado, mas para o Comando Vermelho, para o PCC, para o crime organizado. Eu não, eu não quero ficar como um méxico aqui no Brasil, e é para onde nós estamos caminhando. Nós vamos ter uma situação aqui em que nós vamos perder o controle, nós não vamos saber quem é que está do nosso lado ali mais. Não vai ser mais o Estado que vai coordenar isso, vai ser o crime organizado, podem ter a certeza disso. Obrigado, Senador.
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O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Muito obrigado ao Sr. Emerson Kapaz. Feliz ao revê-lo. Agradeço-lhe as oportunidades que V.Sa. tem nos permitido no ambiente da Frente de Recursos Naturais, convidado quase sempre para que contribuições sejam prestadas, sempre com a sua lucidez, sempre com a sua firmeza e sempre com o seu reconhecido comprometimento com causas que mereçam e merecem as nossas atenções. Sua presença muito nos envaidece.
Eu quero saudar as presenças e as chegadas de S. Exas., Senadora Margareth Buzetti - seja muito bem-vinda -; e nosso Líder, Senador Eduardo Braga, Líder do MDB. A ambos as nossas saudações, até porque, há duas semanas, eles seguiram na linha de quem se preocupa e, de fato, está antenado com essa situação que, postergada ao longo dos últimos anos, se constata e, fundamentalmente, é preciso, como bem disse - renovando aquilo que é óbvio no processo legislativo, mas nunca por demais salientar -, que nós enfrentemos, debatamos, discutamos e votemos e que as melhores teses sejam aquelas que venham a ter a prosperidade com o voto favorável, mas jamais permitir que projetos dessa magnitude, Senador Eduardo, continuem ou continuassem a dormitar sem quaisquer justificativas que pudessem sustentar essa postergação.
O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AM) - V. Exa. me permite pela ordem?
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Pois não.
O SR. EDUARDO BRAGA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AM. Pela ordem.) - Apenas para poder manifestar, eu creio, a posição do MDB com relação a esta matéria.
Logo quando ela iniciou a sua tramitação, havia muitas dúvidas entre como definir o devedor contumaz versus aquele empresário que, circunstancialmente, em função de alguma crise econômica, estrutural ou conjuntural que aconteça, esteja inadimplente com pagamentos de tributos e que buscam os parcelamentos, buscam negociar com o Estado para que possam restabelecer a sua condição apta junto às fazendas públicas federal, estadual e municipal, diferentemente de um outro que usa esse instrumento como fraude, como sonegação permanente, como objetivo de ganhos e de margens e, muitas vezes, lamentavelmente, até como lavagem de dinheiro. Portanto, ao longo desses anos de debate e pela evolução que esse projeto veio sofrendo, essas dúvidas foram se dissipando.
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Eu gostaria de me manifestar nesta audiência pública favorável à definição no voto, já que não há acordo para que se vote, portanto, vamos ao voto, para que a gente possa, de uma vez por todas, pela maioria do Senado da República, definir essa questão do devedor contumaz. A sociedade brasileira não pode mais conviver com essa situação, enquanto o Parlamento, já há alguns anos, como disse o Kapaz ainda há pouco, se debruça sobre essa matéria.
Portanto, quero louvar a iniciativa do Senador Veneziano, com o nosso apoio, porque traz, finalmente, o ponto de que não há mais o que postergar, para que a Comissão de Constituição e Justiça possa deliberar sobre essa matéria, essa matéria possa ir ao Plenário do Senado, para ser deliberada, e, finalmente, o Senado possa se manifestar com relação a essa matéria do devedor contumaz.
Uma coisa é aquele que frauda, uma coisa é aquele que sonega e que faz disso o objetivo do seu negócio; outra coisa são empresários que, por questões estruturais ou por questões conjunturais, passam por circunstâncias de inadimplência tributária, mas que buscam se regularizar, fazer o pagamento do imposto e manter as atividades empresariais.
Com essas duas questões estando bem claras, não vejo por que não votarmos, não deliberarmos, porque a segurança jurídica dos bem-intencionados está assegurada. E vamos, então, combater aqueles que tornam da atividade empresarial uma fraude permanente e constante. É isso que se traduz como devedor contumaz.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Senador Eduardo Braga.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM. Fora do microfone.) - Eu estava aguardando o horário para falar...
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Pois não, Senador Omar.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM. Pela ordem.) - ... mas eu vou ter que ir (Fora do microfone.) para a Comissão de Assuntos Econômicos.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Sim.
Então, nós vamos antecipar as falas, se os senhores...
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Não, eu só queria dizer aqui uma coisa: o PSD ainda não tomou uma decisão e vou discutir com a bancada, está certo?
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Perfeito.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Não sou favorável, de forma nenhuma, a nenhum tipo de ilícito. E, para quem foi Governador - eu fui, o Eduardo foi -, a gente sabe muito bem como funciona esse sistema. Agora, tem duas coisas: essa lei e o narcotráfico.
O crime organizado não atua somente aqui, ele atua na prostituição, no jogo, em uma série de coisas. O crime organizado não atua só em um posto de combustível ou em uma empresa de ônibus, ele tem várias outras atividades para fazer esse tipo de lavagem; quer dizer, isso não é o papel de uma lei dessa só. O argumento...
Inclusive, quando essa lei foi proposta pela Ana Amélia, o PCC não tinha nenhuma empresa de ônibus em São Paulo e muito menos posto de gasolina. Isso foi proposto lá atrás e eles não estavam ainda envolvidos nisso; envolveram-se, porque viram uma oportunidade de, dali - você está me entendendo? -, lavar dinheiro e regularizar, essas coisas. Então, quanto à discussão, eu acho que nós vamos discutir isso amanhã, vamos votar amanhã.
Todas as falas que foram feitas até agora, para mim, são muito satisfatórias. Eu acho que os argumentos trazidos aqui são argumentos muito factíveis ao momento que nós vivemos. Nenhum de nós pode admitir que o cara seja um devedor contumaz. Muitas vezes você é empresário, tem um lucro em uma empresa, quer montar um outro tipo de negócio, se dá mal naquele outro tipo de negócio e acaba quebrando uma empresa e a outra. E a gente não pode chamar esse cara de devedor contumaz.
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Esses devedores contumazes que nós já temos - o Governo deve saber -, quantos empregos geram esses devedores contumazes? Nós vamos fechar essas empresas. Essa é uma preocupação. A Lava Jato gerou um problema muito sério no Brasil de quebrar empresa e desempregar muita gente. Então, essa preocupação é grande também. Não que eu seja a favor, Veneziano, não sou mesmo a favor de nenhum tipo de devedor, muito menos numa região, como é a minha, onde o tráfico de drogas é muito forte, você está me entendendo? A gente vê isso, não é em São Paulo só, isso é no Brasil todo.
Mas quero dizer que amanhã a gente deve debater esse assunto na Comissão de Constituição e Justiça. Eu não sei se vai ser pedida vista ou não. Na quinta-feira, a gente tem uma reunião de Líderes e marca a votação em Plenário, porque, como não tem acordo, dificilmente nós sairemos daqui pedindo urgência para votar em Plenário amanhã à tarde. Mas é um debate que nós vamos ter.
Quero aqui parabenizar a todos vocês e a você, Veneziano, por dar a ideia de a gente debater esse assunto aqui.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Senador Omar.
Evidentemente sei eu, e sabemos todos nós, da sua integral disposição em poder, como em outros variados temas trazidos a debate no Senado, colaborar. Todos nós bem conhecemos o seu perfil e o que o caracteriza, e não difere no instante em que se permite estar aqui acompanhando os expositores num dia, e os senhores bem o sabem, que é um dia - terças e quartas - mais recheado de compromissos nossos nas diversas Comissões temáticas, para as quais todos temos o dever de nos fazermos presentes. Então, quero agradecer a sua participação, igualmente a do nosso Líder Eduardo Braga.
Senador Izalci faz menção, gesto pedindo a palavra pela ordem. Pois não, Senador.
O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - DF. Pela ordem.) - Presidente, é um assunto com que a gente tem certa familiaridade, porque, como contador que sou, acompanho muito isso.
Na reforma tributária, nós... Aliás, não foi nem na reforma tributária. No Perse, na discussão do Perse, quando se falou em extinguir os incentivos, uma das alternativas que tínhamos, exatamente para compensar aquela questão do Perse, era realmente a fiscalização sobre a questão do etanol. Nós já tínhamos estudo, entregue ainda no Governo passado, na legislatura passada, um estudo da Fundação Getulio Vargas que dizia isso, que, só nos Estados do Rio e de São Paulo, a sonegação com relação ao etanol ultrapassava R$22 bilhões, R$26 bilhões. Então, se o Governo cuidasse disso, seria a fonte de recurso para garantir a continuidade do Perse. Isso já vai fazer ano, não é?
Eu participei, junto com o Senador Efraim - eu fui o Presidente da Comissão, e ele, o Relator -, daquelas dez leis, projetos de lei. E tem uma inclusive que está no Plenário, parece que está na pauta já de hoje ou de amanhã, que trata também do devedor contumaz.
Então, de fato, é um assunto que precisa ser votado de qualquer forma. Se não tiver consenso nesse ou no outro, a gente vai para o voto, porque realmente esse assunto é importante.
É evidente que há uma preocupação de dar um poder excessivo à Receita Federal, porque a gente sabe: você tira da Justiça essa competência e dá à Receita praticamente a autonomia para acabar, fechar empresa, vamos dizer assim. Então, são esses cuidados que a gente tem que ter.
Eu acho que o Senador Omar Aziz falou muito bem: dá para você fiscalizar, dá para você autuar, dá para você acompanhar sem realmente extrapolar essa questão, porque tem muita empresa devendo.
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Neste país, não é fácil ser empresário. Neste país, a gente tem um sócio que só participa do lucro e não participa de prejuízo, que é o Governo. E vai avançando, cada vez mais ele quer a sua parte maior ainda. Então, as empresas correm, sentem uma certa dificuldade, a carga tributária aumentando todo dia, a inflação agora aumentando também.
Mas é o que foi dito aqui: eu acho que a gente tem que ir para o Plenário e votar. Não dá mais para adiar essa matéria, porque precisamos tomar providências com relação a esses devedores contumazes, principalmente essas pessoas ligadas ao tráfico. Realmente, estão tomando conta do transporte, do combustível, de tudo. E aí é que a gente precisa reforçar a legislação.
O Supremo também dá uma amenizada, porque, se isso está acontecendo no Rio e aqui mesmo, em Brasília, algumas coisas, isto se deve às decisões do Supremo Tribunal Federal, que tem, também, interferido muito nessa questão da segurança pública.
Mas parabéns a V. Exa., e vamos para o voto. Acho que é importante.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Senador Izalci.
Como dissemos nós na semana retrasada, no momento em que realizávamos o debate, não o debate propriamente dito, mas tivemos a oportunidade de fazer a leitura do nosso relatório: inconfundível, inquestionável e indissociável do presente momento, que é um momento em que nós estamos a nos debruçar, mais uma vez... E a gente usa muito esse verbo, debruçados estamos há oito anos. Desde o início da proposta trazida à Casa pela Senadora Ana Amélia, indiscutível tem sido a sua participação, como do grupo que, no Senado, se propôs a debater este e outros temas, correlatos ou não.
O fundamental, eu dizia aos companheiros, é que de bom, se não de muito bom, é que a provocação efetiva a essa realidade atual trouxe a nós, Sras. e Srs. Senadores, a constatação, que já era anterior, de não mais nos permitirmos dar a impressão de estarmos com os braços cruzados. Se o 164 ou se o 125, enfim, qual seja, que nós, definitivamente, não nos permitamos mais travar. Não há explicações, não há razões, pelo menos aquelas que estão à frente dos nossos olhos - quais seriam os motivos e quais seriam, quem seriam os motivadores -, para que nós nos arrastássemos a este debate infindo.
Então, eu quero, pessoalmente, e na condição, também, como V. Exa., de colaborador dessa temática, reconhecer os seus valiosos préstimos.
A Senadora Margareth deseja falar. Logo em seguida, eu convidarei o querido amigo Enrico Severini para a sua exposição.
Querida Senadora.
A SRA. MARGARETH BUZETTI (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MT) - Obrigada, Presidente.
O nome do projeto já diz: devedor contumaz. É aquele que deve sempre, que não paga nunca. Ele está sempre em débito com a Receita, com a União, com o estado, com o município... Ele não paga. Eles até escrituram o imposto, entram com Adin e não pagam. Não pagam. Esse é o devedor contumaz. Aí, quem paga tem que pagar mais. Esse é o problema, entendeu? Então, eu não entendo... E também acho que a preocupação do Senador Omar Aziz é razoável, porque a gente não pode dar à Receita o poder de fechar uma empresa simplesmente porque acha que o cara deve e pronto, mas existem, sim, os devedores, e aí eu fiz essa pergunta no passado. A gente, que paga em dia, se sente otário, porque você pagar imposto no Brasil e ser empresário no Brasil é matar uns três leões por dia, é muita coisa. Então, eu não entendo por que a resistência nesse tema, sabe, Presidente? Eu já vim a várias audiências públicas sobre esse tema, várias, a gente já discutiu, e voltamos sempre à mesma coisa, ao mesmo assunto. E quem paga não quer isso. Quem paga, quem não é o devedor, o cara do Combustível Legal, estou vendo aqui, não pode ser a favor disso, de jeito nenhum, só se estou enganada.
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Mas é isso, nós temos todos que pagar igual. Nós sabemos que tem importadores, que importam um tipo de matéria-prima, que só misturam no caminhão e ficam vendendo gasolina, ficam vendendo gasolina, gente. Isso é um absurdo! E o Governo tem que começar a olhar isso, sim, tem que ter olhos para isso. A Receita realmente não tem olhos para tudo, mas aí nós podemos dar luz aos olhos da Receita.
Obrigada, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, querida Senadora Margareth Buzetti. V. Exa., eu quero aqui deixar este registro, por ser justo, é uma das mais ávidas defensoras, desde o início, de que nós tratemos de forma consumativa essa matéria.
Convido o Sr. Enrico Severini Andriolo, que é o Gerente Jurídico e Tributário do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). Por gentileza, Enrico.
O SR. ENRICO SEVERINI ANDRIOLO (Para expor.) - Bom dia, Senador Veneziano, na pessoa de quem saúdo os demais Senadores e autoridades presentes.
Uma apresentação breve, prometo que serei breve também na minha exposição.
Já começo aqui agradecendo...
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Enrico, só me perdoe, eu não sou tão deselegante como estou parecendo ser, eu quero apenas tranquilizar e dar a conhecer aos meus companheiros, e pedir a liberdade de saber se os materiais que estão sendo expostos e trazidos a esta reunião podem ser divididos e compartilhados com... Perfeito, obrigado pela atenção.
O SR. ENRICO SEVERINI ANDRIOLO - Bom, nós que agradecemos aqui, Senador Veneziano, pelo convite e oportunidade de estarmos presentes aqui como IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), para debater esse tema que é tão caro para o setor de combustíveis, mas também para toda a sociedade.
O IBP representa toda a cadeia, desde a exploração até a comercialização, do poço ao posto. São mais de 200 associados, e a isonomia competitiva é um tema central do trabalho que o IBP faz, realiza, assim como das demais entidades do setor, muitas das quais presentes aqui. E a gente pode perceber aqui pequenos dados, que eu trouxe só para demonstrar a relevância do setor para a nossa economia, a composição da matriz energética dos derivados de petróleo e, no PIB industrial, o setor de óleo e gás representa cerca de 17% do nosso PIB. Isso representa um enorme impacto na geração de emprego e renda e também na arrecadação.
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E, trazendo para o ponto da arrecadação, só do ICMS, que é um tema caro aos estados, os quais esta Casa representa principalmente, a gente tem uma arrecadação do setor de combustíveis na casa de R$116 bilhões em 2023. Então, é possível perceber que o impacto do sonegador, do devedor contumaz, gira em torno - dados que a gente já teve no passado - de cerca de R$15 bilhões, em relação a fraudes nesse setor.
E aqui eu queria chamar a atenção dos senhores. Já foi apresentada a composição do preço do combustível, mas observem a diferença que existe entre a carga tributária e a margem que o empresário recebe. Vejam que a margem ali é tanto da distribuidora quanto da revenda, ou seja, tanto a empresa que distribui quanto o posto têm uma média da margem do preço final de 15%, e a média do tributo - ali nós temos os tributos federais e estaduais - é da ordem de 27%, ou seja, estamos falando de quase o dobro do impacto que a carga tributária tem em relação à margem do empresário.
Observem que, mesmo que o empresário vendesse a zero, que zerasse toda a margem que ele tem, que ele vendesse e simplesmente repassasse o preço do produto e do tributo, ele não conseguiria competir porque aquele que sonega conseguiria ter toda a margem, mais um pouco e ainda ter um preço mais baixo. Ora, qual é o efeito disso? É fácil saber: se ele não consegue competir, ele vai sair do mercado. Então, nós vamos ter os bons empresários saindo do mercado, deixando o mercado, que vai acabar sendo dominado pelos sonegadores, os devedores contumazes.
E, como já foi exposto aqui pelos demais colegas, o problema é que o sonegador acaba praticando outros ilícitos, e a gente já viu também - o Emerson trouxe muito bem a visão do ICL - que o crime organizado se apropria dessa situação, vê nisso uma grande fonte de receita. A questão é que o sonegador, o devedor acaba sendo também agente de outros ilícitos, e outros agentes também se atraem por esse mercado em busca dessa facilidade gerada.
Então, é importante a gente ter em mente essa questão da competitividade porque ela retira do mercado os bons agentes e permite que fiquem só os agentes sonegadores, que praticam diversas fraudes do crime organizado em geral.
Aqui falando um pouquinho mais da isonomia competitiva, que eu acho que é o tema principal para o qual a gente tem que olhar quando pensa nesse tema do devedor contumaz, tanto a tributação quanto a concorrência são meios, não são fins em si mesmas; elas existem para que, no fim do dia, a sociedade e o consumidor possam ter o melhor produto pelos melhores preços. Quando você tira os agentes honestos do setor e deixa os agentes inescrupulosos, você começa a ter problemas de preço. A gente pode dar um exemplo, uma clássica situação aqui de preço predatório, em que, uma vez que os agentes honestos saem do setor e só resta o devedor contumaz, este vai poder cobrar o preço de monopólio. Então, você pode ter pressão inflacionária, você pode ter perda de qualidade, e a gente está falando de combustível. A Lei 9.847 diz que o combustível é utilidade pública, então há uma questão de segurança, não só do produto, mas do abastecimento da sociedade.
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Então o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás apoia o tema, apoia o projeto, o PLP 164, o trabalho do Senador Veneziano. Entendemos que deve ser uma lei complementar, porque assim ela vai abranger todos os tributos.
Existem alguns pequenos ajustes que a gente pode comentar com relação ao projeto, principalmente deixando a garantia a mais ampla possível, o crédito garantido, que ele possa, de fato, descaracterizar a contumácia. Então prever outros casos na lei, além do CTN.
E, com relação aos dispositivos da Lei do Petróleo e da Lei de Penalidades, a 9.478 e a 9.847, também a gente entende que são temas extremamente relevantes para o setor. Demandariam uma reflexão sistêmica desses dispositivos. E o nosso comentário é que a parte da regularidade fiscal deve ser bem analisada, para que ela não gere... porque existem problemas de irregularidade fiscal ou trabalhista que nem sempre estão associados ao devedor contumaz. Então esse é um ponto a que a gente gostaria de chamar a atenção com relação ao projeto.
Mas o projeto é essencial, porque traz a devida qualificação, demonstra o dolo, demonstra a diferença dos casos dos devedores eventuais ou mesmo reiterados, mas que não são os devedores contumazes. O Dr. Gustavo, aqui da Fazenda, comentou do ditado do devedor, "devo, não nego, pago quando puder". A gente pode dizer que o devedor contumaz é aquele que é "devo, não pago, nego enquanto puder", não é? Então a gente pode perceber a diferença de uma conduta para outra, e isso, o projeto deixa claro. Isso, para a gente, é essencial.
E, para terminar, a gente entende também que, na lei, a monofasia, por exemplo, foi um grande avanço. Esta Casa participou ativamente, melhorou substancialmente a questão dos problemas tributários no setor. Mas ainda assim, existem outros problemas. A gente sabe também da criatividade dos agentes ilícitos, vão buscar outras saídas. Então a gente entende que essa lei também tem um efeito pedagógico, ela também ajuda a demonstrar que o Congresso, o Estado brasileiro não admite esse tipo de prática, considera esse tipo de prática nefasta para a economia. Então, além da questão operacional que a lei vai trazer para os estados, municípios, a União combaterem esse problema, ela também tem um efeito pedagógico.
Por isso, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás apoia esse projeto, parabeniza novamente o Senador Veneziano pelo seu trabalho.
E seguimos à disposição para o que for preciso. Conte conosco.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Gratíssimo, Enrico, pela sua presença entre nós. Igualmente, como assim fiz esse pedido ao nosso Rodrigo, que fizesse dar a conhecer o nosso agradecimento ao Presidente da CNI, Ricardo Alban, também gostaria que você, Enrico, dividisse com o nosso Presidente Roberto Ardenghy as nossas considerações. Ele é um contumaz participante das nossas reuniões da Frente de Recursos Naturais e uma figura que muito colabora com os nossos debates. Muito agradecido.
Eu tenho algumas observações feitas em indagações pelos nossos amigos e amigas - Senadora, muito obrigado pela sua atenção e pela sua presença -, mas as farei ao término das exposições. Não quero jamais, jamais passar aqui por, repito, deselegante, mas quero pedir a V. Sas. que pudessem abrir a oportunidade para que os nossos...
Minha amada, um beijo carinhoso para a senhora.
Gostaria de convidar os últimos quatro expositores. Se os senhores pudessem permanecer entre nós, sentados evidentemente, nas poltronas da nossa CCJ, eu agradeceria.
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Querido, obrigado, meu irmão.
Esse é um convite apenas para que os senhores possam acompanhar, não é para que os senhores nos abandonem, nos deixem não, viu?
Eu convido o Sr. Hugo Funaro. Fiquei muito feliz ao conhecê-lo, Hugo, e ao saber que você é um dos responsáveis, ao lado da nossa Senadora Ana Amélia, na construção e elaboração da proposta inicial. Seja muito bem-vindo, viu! Por gentileza, sente-se aqui ao meu lado direito.
Eu convido o Sr. Ricardo Medeiros de Castro, que é o Chefe da Assessoria Técnica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Querido, obrigado pela presença! Ricardo, ao lado do nosso Hugo.
Convido o Sr. Igor Nascimento de Souza - olá, meu Deputado Edinho Bez! O Igor é membro da Diretoria Jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sócio do Escritório SouzaOkawa Advogados e Vice-Presidente do Comitê de Investimento. Ó querido, seja muito bem-vindo entre nós!
E por fim convido o Sr. Ivo Teixeira Júnior, Doutor em Economia e especialista em Direito Comercial e Econômico. Muitíssimo bem-vindo e gratíssimo pela atenção dispensada à CCJ!
Para que nós passemos a essa parte final da nossa audiência com os últimos quatro expositores, peço, por gentileza, que faça uso do microfone o Sr. Hugo Funaro, pelo tempo de dez minutos. Mais uma vez registrando aqui a alegria em poder conhecê-lo e em poder saber da sua colaboração a este debate - colaboração efetiva porque, afinal, nasceu a primeira ideia através da sua presença, ladeando a nossa competente ex-Senadora Ana Amélia.
Seja bem-vindo e bom dia!
O SR. HUGO FUNARO (Para expor.) - Bom dia, Sr. Presidente, muito obrigado pelas palavras. É com alegria que retorno a esta Casa para falar de um projeto que tanto nos é caro, porque estamos aí desde 2017 nessa discussão. Também participamos de outras audiências e também estivemos com outros Senadores colegas de V. Exa. discutindo esse tema. Com satisfação, temos V. Exa. liderando este Projeto 164 agora, com o substitutivo apresentado, com esta audiência e com todo esse esforço para que o projeto, enfim, chegue a bom termo aqui nesta Casa.
Então, cumprimentando todos os demais Senadores, Parlamentares, assessores e todos que nos ouvem, eu gostaria aqui de iniciar a minha fala, dizendo que, pelo tudo que nós vimos aqui nas exposições anteriores, nos parece que o projeto está de fato maduro. Tivemos aqui representantes da Fazenda, representantes do setor privado, a CNI, e também do setor de combustíveis. E nos parece que há, inclusive relembrando a fala aqui dos Senadores Eduardo Braga e Omar Aziz, enfim, de todos que já usaram da palavra, que todos estão de acordo: os devedores contumazes precisam, de fato, ser controlados e ter sanções diferentes dos devedores comuns.
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Parece que não há mais divergências, não é? Então nos parece já uma questão madura, não é?
O que nos traz aqui, e eu estou aqui no lugar do meu querido amigo Mozart Rodrigues, do Sindicom, e falo, pelo Sindicom, que o projeto tem todo o nosso apoio, assim como das demais entidades do setor de combustíveis. Também temos, aí nessa jornada, que só foi possível, até aqui, graças à insistência, à persistência do setor, o Combustível Legal, presidido pelo Dr. Emerson Kapaz, enfim, todo esse esforço para realmente demonstrar a existência do devedor contumaz e tudo o que ele causa para a sociedade brasileira e que merece, enfim, essa atenção pelo Congresso Nacional.
Então, nesse sentido, eu quero aqui reforçar o apoio e parabenizá-lo novamente por essa liderança do Projeto 164, para que ele chegue a bom termo.
E de minha parte, eu, como advogado também, eu que tenho algumas poucas observações e, uma vez que nós estamos na CCJ, que é o fórum adequado aqui da Casa para tratar também das questões constitucionais, o que eu gostaria de chamar a atenção, Excelência, é para os conceitos. E aqui todos falaram do tripé que caracteriza os devedores contumazes: a reiteração, a questão do substancial, a substância do débito e a falta de justificativa. Então esse tripé, todos, todos falaram, e não há dúvida quanto a isso. A questão é conceitual; portanto, está bem posta.
O que poderia haver aqui, que eu só chamo a atenção aqui para contribuir com o avanço do projeto, é que esses conceitos, na verdade, já foram bem definidos pelo Supremo Tribunal Federal à luz da Constituição. Então o Supremo, e essa é a minha fala basicamente, o Supremo tem vários julgados já que buscam separar - e foi a preocupação que muitos Senadores aqui já externaram - o devedor contumaz do devedor comum. E por que eu chamo a atenção para isso? Porque todo esse esforço, em muitos anos, o empenho de V. Exa. para fazer um projeto, para aprovar nesta Casa, etc., no Congresso, nós não podemos correr o risco de dar para esses devedores contumazes a chance de questionar isso no Supremo Tribunal Federal e, com boas chances de afastar a aplicação dessa legislação, baseada na jurisprudência do próprio tribunal.
Então o que eu gostaria de chamar a atenção, Excelências, são algumas ponderações que já foram feitas no âmbito do Supremo, para dizer o seguinte: o devedor comum, que é aquele que pode acumular débitos por qualquer razão, qualquer razão, inclusive porque, muitas vezes, o devedor não paga porque acha que a legislação é inconstitucional ou ele acha que foi autuado de forma ilegal. Há discussões no mercado que são bilionárias, e nós, todo dia, recebemos até notícias. Hoje em dia há publicações especializadas para ver o que acontece no Carf, na Justiça. Então todo dia, temos notícias aí de autuações bilionárias, que muitas vezes, são derrubadas no Carf, inclusive de empresas públicas.
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Empresas públicas que têm débitos bilionários, elas podem ser acusadas de devedoras contumazes só porque têm um débito bilionário? Com certeza não. Empresa pública, a princípio - e é uma presunção muito forte -, não age de forma irregular no mercado, né? Então, o que o Supremo diz? São três súmulas de décadas e alguns julgamentos, dizendo o seguinte, "Olhe, devedor contumaz é aquele que faz do não recolhimento do tributo o seu negócio". A reiteração, nesse sentido que o Supremo diz, seria não recolher o tributo por vários períodos, vários períodos de não recolhimento, porque ele justamente vive de não recolher tributo. Isso, o projeto original, inclusive, dava já alguns critérios, que seriam quatro vezes seguidas em um ano ou seis vezes alternadas. Esses critérios, embora estejam só no projeto hoje, são aderidos pela jurisprudência do STJ, do Supremo, que, quando falam em reiteração, estão olhando em quantos períodos não houve o recolhimento, principalmente em matéria de ICMS. Isso também foi usado num recurso, em habeas corpus, no qual foi criminalizada a conduta do devedor contumaz que se apropria do tributo.
Então, o Supremo, tanto em âmbito tributário quanto penal, já definiu o que é o devedor contumaz. E o que eu sugiro é que essa definição do Supremo seja incorporada, para que amanhã não se diga que o critério tenha ficado muito amplo e, por isso, a legislação seria inconstitucional. Então, esse seria o primeiro ponto.
Segundo ponto que eu quero louvar do projeto é que ele dá um tratamento único para definir o que é devedor contumaz. Isso é fundamental, porque não podemos ter alguém que é devedor contumaz de forma diferente em 5.560 municípios, mais 26 estados, mais Distrito Federal e mais União. Essa matéria tem implicação tributária e criminal. Não pode ter alguém que é criminoso na cidade de São Paulo e não é no Rio de Janeiro pelo mesmo volume de débito que ele não recolheu, pela mesma conduta. Então, essa uniformidade do projeto está em total acordo com a jurisprudência e com a Constituição, embora, eu esteja falando isso porque tem alguns projetos que tentam colocar uma competência absoluta dos outros entes para fixar valores, o que nos parece inadequado. E o projeto está muito aderente à jurisprudência.
E eu gostaria também de colocar que há uma questão que seria: o que é um recolhimento injustificado? E de novo, estou me valendo da jurisprudência do Supremo, em Plenário, em mais de uma manifestação. A injustificação não seria apenas quando o devedor passasse por alguma questão econômica ou houvesse uma calamidade. Também seriam situações, que eu comentei, em que há um motivo para ele não recolher, por exemplo, de inconstitucionalidade. Isso o Supremo já fixou por mais de uma vez.
Então, isso é uma coisa que pode ser subjetiva, mas temos como objetivar isso. Por exemplo, se já existia uma jurisprudência sobre o tema, seria um critério objetivo. Temos também... E aí, Excelência, esse é um ponto que muitas empresas... Agora eu estou falando aqui como advogado, não só do Sindicom, mas tributário.
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO FUNARO - E já vou finalizar.
Tem situações, Excelência, em que as empresas hoje, porque elas têm capacidade de pagamento - e, por exemplo, tem uma discussão no Carf que termina empatada e vale o voto de qualidade a favor do Fisco -, têm a dispensa de garantias pela própria lei federal. Então, veja V. Exa., a lei diz que aquele contribuinte, para ir a juízo, não precisa dar garantia. Mas se o débito dele for maior que 15 milhões, por esse projeto, ele seria um devedor contumaz.
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Então, há uma questão: ele não é obrigado a dar garantia, mas ele é devedor contumaz. Há uma justificativa para não recolher, qual seja a própria legislação o dispensa de oferecer garantia ou qualquer depósito. Essa situação, em particular, nós entendemos que deveria ser considerada.
E um último ponto - e aí nos valendo também da jurisprudência -: o devedor contumaz não recolhe o tributo para ganhar mercado ou para se apropriar desse tributo. Há muitos autos de infração, e eu tenho experiência aqui de autos bilionários, Excelência, por multas que são aplicadas em função do valor da operação. Pode não ter nenhum recolhimento de tributo, mas teve uma questão de nota fiscal, e isso tanto no estado quanto na União. Nesses casos, não há um problema de mercado nem dos consumidores. Por quê? Porque não é uma falta de recolhimento tributário, é uma multa por descumprimento de obrigação acessória. E ele poderia, então, se enquadrar como devedor contumaz? Parece-nos que não. Por isso, nós entendemos que não só o valor deve ser levado em conta, mas também qual a origem do débito. É de tributo ou é de uma multa por obrigação acessória?
Veja, eu só estou aqui sugerindo aperfeiçoamentos ao projeto, mas nos parece que hoje a questão está madura, não há divergência conceitual, e temos aqui de reforçar o total apoio à aprovação do projeto. Quanto aos critérios especiais de tributação, quase nem foram comentados, só houve aqui algumas pequenas observações pela CNI, mas acho que estão todos de acordo. E que o devedor contumaz deve ser tratado, regulado, disciplinado, punido, impedido de funcionar também para nós é pacífico.
Eu agradeço novamente pela palavra, pela oportunidade de estar aqui junto com V. Exa. e me coloco totalmente à disposição para o que for aqui conveniente para contribuir para que esse projeto avance. Desejamos muito êxito na condução.
Muito obrigado, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Deputado Hugo, muito grato mais uma vez pela sua presença.
De fato, a razão da existência, como instituto do Legislativo, das audiências públicas é exatamente a de nos permitirmos conhecer sugestões que aprimorem as peças que serão elaboradas por cada uma das Casas. E aqui atentamente, não apenas este Relator, mas todos os companheiros e aqueles que, mesmo não estando presencialmente por justificadas razões já expendidas ao conhecimento dos senhores e das senhoras, se fazem através das suas assessorias, com certeza...
Muito grato, mais uma vez.
Eu convido o Sr. Ricardo Medeiros, Chefe da Assessoria Técnica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, (Cade), a fazer uso dos nossos microfones.
Por gentileza, Ricardo.
O SR. RICARDO MEDEIROS DE CASTRO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Veneziano.
Na sua pessoa, aqui agradeço o convite ao Cade para participar desse debate e saúdo todos os membros desta Casa e também os membros dessa mesa.
Fomos chamados aqui a debater esse conceito de devedor contumaz, e esse não foi um tema que foi levado ao conhecimento ou debatido no âmbito do plenário do Cade. Então, eu trago aqui uma opinião prima facie a respeito dessas discussões, mas acredito que a gente pode auxiliar aqui em alguns debates.
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Eu trago, inicialmente, esta primeira hipótese. Vamos debater a hipótese de um mercado onde você tem um incumbente com 90% de market share e ele tem uma dívida... E aqui eu estou usando os parâmetros do texto original; não estou pegando nenhum parâmetro das emendas. Aqui é só para demonstrar a hipótese que merece a nossa atenção. Imagine que esse grande agente, com 90% do mercado, tem uma dívida de R$150 milhões, um patrimônio de R$510 milhões, isso significa 29% do patrimônio dele. Ele não seria devedor contumaz, por mais que ele tenha uma dívida de R$150 milhões. Para o entrante, que está tentando colocar os preços mais baixos, que tem 10% de mercado e precisa ainda construir capital, e que ainda não tem um patrimônio muito grande, só tem R$40 milhões, tem uma dívida muito pequena, que representa 10% da dívida do incumbente, mas, nesse caso, tem 37% do seu patrimônio comprometido; ou seja, ele seria, de acordo aqui com o art. 6º do Projeto de Lei Complementar 164, definido como tendo mais de 30% do seu patrimônio comprometido, o que significaria também um devedor contumaz. O grande agente, que já está no mercado, que já está estabelecido, seria um devedor simples; o entrante, que está tentando colocar os preços para baixo e trazer uma dinâmica concorrencial mais assertiva para o mercado, poderia ser entendido como devedor contumaz e, eventualmente, ter que sair do mercado em relação a isso. Aqui, de novo, eu só estou colocando a hipótese de isso acontecer, dependendo de como a gente configura o devedor contumaz.
Gostaria de trazer aqui que esse não é um debate da competência do Cade. O Cade é formado pela Lei 12.529, de 2011, e nós aqui analisamos tanto condutas anticompetitivas, atos de concentração, mas também atuamos do ponto de vista da prevenção e da educação. Então, temos a discussão de advocacia da concorrência. Quando nós olhamos, por exemplo, para a Comissão Europeia, lá se debatem tributos dentro da autoridade de defesa da concorrência, muito porque se tem uma autoridade supranacional que tem diferentes sistemas tributários e, eventualmente, um desequilíbrio entre eles.
Trago aqui também ao conhecimento a Consulta 0038/99 do Cade, já muito antiga, em que o Cade debatia a questão da guerra fiscal e dizia que se podia ter um desnivelamento do campo, ou seja, é contra um princípio concorrencial jogar futebol em uma ladeira. E aqui foi dito, nessa consulta, que isso poderia, eventualmente, trazer uma alocação ineficiente de recursos para a economia, considerando que agentes mais eficientes poderiam estar em posições distintas e talvez não muito racionalmente alocados.
Aqui eu trago outros casos em que o Cade debateu questões tributárias, por exemplo, o caso Sesi, e se verificou que o Sesi não ia predar restaurantes, por mais que tivesse uma política de trazer alimentação barata, e ele tinha benefícios fiscais. O mesmo nós analisamos com cursos de inglês. Houve um debate no caso LG, que tinha diferentes sistemas tributários, um com mais prazo e menos desconto, outro mais desconto e menos prazo, e o Cade entendeu que incentivos fiscais poderiam ser utilizados para possibilitar a entrada de agentes econômicos em mercados concentrados, com elevadas barreiras à entrada, e poderia, eventualmente, ser pró-competitiva essa diferenciação.
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Também fizemos aí, em termos de advocacia da concorrência, um disclaimer em que se verificava, por exemplo, a cobrança de ICMS por meio do PMPF, e isso estava previsto, inclusive, no art. 2º desse projeto de lei complementar, a possibilidade de, eventualmente, se cobrar com base em uma tabela em que você vê os preços de mercado e, posteriormente, busca uma compensação, se foi a mais ou a menos. O problema é que isso aí pode virar um ponto focal, essa tabela, e daí eu questiono por que o Estado busca fazer uma tabela para eventualmente cobrar um imposto e talvez virar um ponto focal.
Igualmente, o art. 2º abre a possibilidade de se cobrar imposto ad rem, enquanto que o imposto ad rem pode colocar de novo e desbalancear o campo. Por exemplo, uma empresa que cobra pouco pode ter 91% de imposto, enquanto que numa empresa que cobra muito o imposto pode representar só 33% do preço dela.
Existe também uma discussão tributária, trazida na Câmara, extremamente importante, do PLP nº 523, de 2018 - e saúdo aqui o Deputado Hugo Leal -, que permitiria ao Cade ter mais acesso a dados de notas fiscais eletrônicas e, por exemplo, auxiliar a regulação, a ANP, os preços. Quando a gente fala no preço de uma cidade, em termos de gasolina, etc., há muitas cidades que não têm uma amostragem adequada.
Eu trago, além disso, esse processo em que o Cade debateu, justamente, a discussão de devedor contumaz. O processo foi arquivado, na Superintendência-Geral, mas teve um despacho para avocação desse processo. A Paula Farani defendia a tese, que foi vencida, de que a inadimplência fiscal reiterada poderia ser um modelo de negócios que, talvez, pudesse ser visto como uma prática anticompetitiva, e se deveriam analisar três empresas, no setor de combustíveis, que estavam devendo e que poderiam ser consideradas devedoras contumazes. E aqui eu trago esse caso para demonstrar, para ilustrar, os riscos que tem, eventualmente, a caracterização do devedor contumaz.
Já o voto vencedor - e aqui eu trago o voto da Conselheira Lenisa Prado - menciona que você não tem aqui uma análise finalística sobre se esse debate está sendo feito, se os agentes fiscais permaneceram inertes em face dessa ilegalidade. Há efeitos negativos quando você não paga os seus tributos e você precisa ter uma análise de todos os agentes, de todas as etapas da cadeia tributária, porque eventualmente você pode estar tratando agentes de maneira diferenciada, de maneira desproporcional.
Esse debate sobre o que era devedor contumaz chegou a ser trazido no PLS 284, talvez não com a mesma clareza que se tem no PLC 164, mas aqui eu trago alguns questionamentos. Por exemplo: e se houver erro? E se alguém caracterizar o que é devedor contumaz de maneira errada? Essa empresa vai sair do mercado, se declara a morte da empresa. Agora, e se esse erro for reconhecido muito tempo depois pelo Judiciário? E se houver concentração de mercado derivada da retirada de uma empresa do mercado, com a elevação de preços no mercado? E por que nós não usamos ferramentas usuais para a cobrança rápida e efetiva do imposto em vez de, eventualmente, retirar essas empresas do mercado?
E aqui eu subscrevo todos os importantes apontamentos da Exma. Ministra Regina Helena Costa e do Dr. Luís Inácio Adams. Deixo aqui os links do YouTube onde eles debateram esses temas e os riscos de, eventualmente, se ter um conceito equivocado sobre o que é o devedor contumaz.
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Aqui havia algumas discussões que poderiam ser melhoradas no antigo projeto de lei, mas, de novo, eu acredito que possa ter um debate sobre qual o efeito, justamente, de se retirar essa empresa do mercado, entre outras discussões.
Trago também o fato de que, dos 500 maiores devedores em 2019, Petrobras era uma das maiores devedoras...
(Soa a campainha.)
O SR. RICARDO MEDEIROS DE CASTRO - ... Raízen, Manguinhos, entre outras. E nenhuma das empresas que estavam sendo julgadas pelo Cade aparecia nessa lista dos 500 maiores devedores da União. Isso significa que, eventualmente... E eu não estou dizendo que não possa ter talvez algum tipo de conceito, mas existe um risco de, eventualmente, o conceito de devedor contumaz acabar com uma empresa que está trazendo benefícios para o país, tem riscos de eventualmente você classificá-la como devedora contumaz e talvez trazer desemprego e outras questões não necessariamente antecipadas quando se pensa... E, de novo, de forma alguma aqui a gente está dizendo que tributos não devem ser pagos, que deve haver sonegação, de maneira alguma se defende esse tipo de ótica, mas simplesmente aqui trazendo algumas questões e ponderações de cautela que talvez possa ter, já que nós estamos num diálogo público, a respeito de efeitos não necessariamente desejados ou antecipados quando se debate essa questão.
Eu peço desculpas por me alargar um pouco no tempo aqui, mas agradeço muito e acho que a aproximação com o Senado é extremamente importante para o Cade, já que não tem apenas esse, mas tem uma série de outros projetos de lei, uma agenda que eventualmente pode melhorar e trazer empresas e o sistema para uma discussão mais pró-concorrencial.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Não há de que se desculpar, querido amigo Ricardo Medeiros, que representa o Cade. São boas e interessantes as observações. As nossas preocupações se dão quando, expostas algumas dúvidas, há necessidade de que também nos sejam apresentadas possíveis soluções.
Naquele primeiro quadro que V. Sa. nos trouxe, sobre possibilidades, como grandes empresas que não têm o percentual sugerido de 30% e outras empresas que, em tese, à sua ótica, estão se estabelecendo, que possam incorrer na figura típica de devedores contumazes. Foi por essa razão - e aí, de certa forma, sem desconhecer o representante da Confederação Nacional da Indústria, o Rodrigo, que falava sobre a sugestão de não "e/ou", mas "e", que ambas essas condições sejam reconhecidas -, foi por força desse primeiro quadro que nós colocamos ou uma ou outra das situações. Só não podemos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Pois não, Rodrigo.
O SR. RODRIGO SENNE CAPONE - Senador, obrigado pela palavra.
Muito boa a apresentação. Eu estava aqui assistindo e refletindo, e ver os exemplos numéricos é muito importante para a gente conseguir enxergar quais os pontos positivos e eventuais pontos negativos. E aí eu pensava que isso reforça a ideia de que é preciso que haja uma intenção comprovada, porque - e aí refletindo em voz alta -, ainda que seja uma empresa entrante, mas ficando claro que ela atua de forma intencional para não pagar tributos, a gente tem que refletir se realmente essa empresa deve ser protegida ou não.
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Então, o elemento intenção ou dolo entra em cena nesse cenário e vai alcançar a empresa entrante, no exemplo numérico que foi trazido, mas contanto que esses elementos fiquem claros no processo, para que eventualmente ela seja punida. A gente analisa os elementos objetivos numéricos, mas a intenção é muito importante para que isso não aconteça, para que essa empresa que está só passando por dificuldades econômicas nesse início de operação não venha a ser indevidamente caracterizada como devedora contumaz. E aí reforço a intenção: ela entra nesse ponto para eu separar a empresa entrante que quer pagar os seus tributos, mas se encontra numa circunstância na qual ela não consegue honrar com esses débitos naquele momento, das empresas que estão entrando no mercado e não querem pagar os seus tributos. Aí, sim, essa empresa, cumpridos os critérios objetivos e comprovada a intenção dela de não pagar os seus tributos, será alcançada pela lei e será retirada de operação tão logo ela comece a operar, e talvez seja - e aí deixo para o pessoal do concorrencial comentar - o momento adequado de retirá-la, não a deixar causar um prejuízo tão grande.
Senador, muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Rodrigo.
Enfim, são valiosíssimas as colocações trazidas pelo Cade a respeito de que possamos nós também colaborar para que dirimamos algumas dúvidas que, porventura e muito provavelmente, ainda existam no transcorrer das apreciações.
Obrigado, Ricardo.
Igor, por gentileza. Igor Nascimento é membro da Diretoria Jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nós agradecemos a você e, evidentemente, à federação, que se permite entre nós estar com a sua presença.
Em seguida, nós teremos a palavra derradeira do nosso convidado Ivo Teixeira Júnior, também a fala do nosso querido Senador Laércio Oliveira e algumas colocações que nos foram trazidas por aqueles que estão conosco acompanhando as exposições.
Igor, obrigado.
O SR. IGOR NASCIMENTO DE SOUZA (Para expor.) - Bom dia a todos. Queria, primeiro, agradecer pelo convite; agradecer ao Senado Federal, na pessoa do Senador Veneziano Vital do Rêgo.
Quero dizer que, como já foi dito aqui, dá para ver a importância do que esse tema significa para o Brasil como um todo. Eu acho que muito do que foi dito aqui já está de acordo com o que nós falamos.
Também queria fazer uma observação. É um prazer estar aqui, uma alegria enorme, com o Hugo ao lado. O Hugo é um grande colega e amigo lá de São Paulo, tributarista de renome, que eu respeito muito. Enfim, a gente sempre teve bons embates nas questões tributárias. E o Ivo aqui, um grande Professor de Brasília também. É muito bom estar com vocês, enfim, aqui, por coincidência.
Em relação à questão do devedor contumaz, me parece que está havendo um certo, Senador Veneziano, conflito aqui, porque eu acho que toda a ótica do devedor contumaz está sendo olhada pelo olhar dos tributaristas, e eu sou um membro dessa classe. A gente viu aqui Procurador da Fazenda Nacional, enfim... Mas a questão de fundo, que fundamenta, inclusive, o projeto de lei que está em discussão aqui, que é o art. 146-A, não é necessariamente um artigo de direito tributário da Constituição. Ele é tributário e econômico. Eu acho que uma das primeiras pessoas que eu ouvi falar desse tema no Brasil foi o Hamilton Dias de Souza, grande advogado também, sócio do Hugo aqui, que é uma das pessoas que mais conhece o tema.
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A gente circula nas duas linhas do direito, que é a questão do direito econômico e do direito tributário. E o que está lá na Constituição? Para precaver os desequilíbrios concorrenciais, é possível se estabelecerem sistemas ou formas de tributação diferenciada para cada contribuinte. Então, eu acho que a gente não pode nunca perder de cena esse debate, esse mandamento constitucional exatamente para evitar o que o Hugo vem falando - e falou muito bem aqui - sobre discussões infindáveis no Judiciário que podem acontecer em torno da aplicação desse artigo.
O que a gente tem que verificar... Se o objetivo da lei que está sendo criada é o desequilíbrio de concorrência, a meu ver, não é a Receita Federal, não é a Procuradoria da Fazenda Nacional, não são as secretarias de arrecadação da Fazenda municipais e estaduais os órgãos competentes para verificar isso. Existe um órgão no Brasil - ele é único - que vê desequilíbrio de concorrência, e esse órgão se chama Cade.
Então, é um risco muito grande - é um pouco sobre isso que nós vamos falar aqui - deixar na mão dos auditores fiscais, ou dos procuradores da Fazenda, ou de qualquer órgão de arrecadação a definição ou a aplicação de uma definição do que está sendo feito em termos de desequilíbrio da concorrência, porque eles não têm competência funcional e, eu penso, nem capacidade técnica para verificar isso, porque, para ver desequilíbrio de concorrência, você tem que analisar a inserção daquela determinada empresa, o que ela está praticando dentro de uma cadeia. E quem vê isso e vê muito bem é o Cade, não é?
Então, sem prejuízo de considerar o projeto muito bom e as consequências para o devedor contumaz que estão no projeto boas, eu acho que falta uma etapa. E esta é a sugestão de que nós vamos falar aqui: após ouvido o órgão de defesa econômica no caso concreto, a Receita Federal pode até verificar a existência de indícios da prática de desequilíbrio concorrencial por determinada empresa, em função de sonegação, dolo, conluio; ela reporta isso para o Cade, que define se, naquele caso concreto, aquela empresa de fato está desequilibrando a concorrência; e, a partir daí, se aplicam as consequências de ordem tributária em cima daquele determinado contribuinte.
Já é assim na questão da representação criminal para fins penais, não é? A Receita Federal não tem capacidade técnica nem competência funcional para dizer se um determinado contribuinte está ou não praticando crime. Ela pode dizer que há indícios da prática de crime. Ela jamais pode dizer que há prática de crime. Não é a Receita quem define a prática de crime, mas ela faz uma representação criminal para fins penais e manda para o Ministério Público; e os órgãos - Ministério Público, Polícia Federal ou no caso das polícias estaduais - vão fazer a investigação e verificar se aquela conduta praticada por aquele contribuinte naquele caso concreto constitui ou não prática criminosa.
A nossa sugestão, para evitar que não só a Receita, mas qualquer órgão de arrecadação acabem entrando numa seara que não é da competência técnica e funcional deles, é que tudo que está no projeto é perfeito, mas que a Receita ou os órgãos de arrecadação, identificando o problema ou o risco da conduta que pode tipificar uma prática de uma concorrência desleal, mandem para o Cade, para que o Cade apure. E, se tipificado e o Cade entender que houve a concorrência desleal, que aí, sim, sejam aplicadas as penalidades para esse devedor, que seria o tal do devedor contumaz, porque a contumácia só estaria tipificada ou caracterizada após a verificação do órgão responsável por verificar isso, partindo do pressuposto de que a fundamentação de validade dessa norma é o art. 146-A, que fala de precaver desequilíbrios da concorrência.
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Isso é bastante relevante porque já teve um exemplo aqui, que foi colocado pelo colega, de duas situações. Pode ser que a empresa grande exclua o pequeno e não permita esse pequeno entrar no mercado. O desequilíbrio da concorrência vai se dar nesse modelo, nesse momento; ou seja, a pretexto de se querer mais equilíbrio, você vai gerar menos equilíbrio, ou mais desequilíbrio, porque o grande pode engolir o pequeno. Tudo que o Cade não quer é isso. Então, a nosso ver aqui, por tudo que se verifica, esse deveria ser o critério que deveria ser utilizado pela legislação.
Em outros casos também, isso já acontece, não é? Tem casos que estão sendo avaliados pelo Cade; para vir aqui, a gente pesquisou muita coisa. A gente viu os casos de sham litigation. O que é isso? Uma empresa entra na Justiça contra outra empresa, com um objetivo que não é propriamente aquele que está no processo, mas é para desequilibrar a concorrência e gerar prejuízo para o concorrente dela. Isso é comum no Brasil, é comum nos Estados Unidos, é comum no mundo todo. Nem o Judiciário se atreve a falar se essa empresa fez isso ou não fez. O que ele faz nesses casos? Representa para o Cade, o Cade verifica, o Cade analisa, o Cade decide se está havendo sham litigation, esse litígio falso, e, a partir das decisões do Cade, o Judiciário toma as providências necessárias para punir aquela empresa que adotou esse procedimento.
Por que no caso de conduta tributária não pode ser assim? Nós já temos todos os instrumentos de arrecadação e cobrança, diversos, na legislação.
Eu queria colocar aqui, eu trouxe vários dados; acho que isso vai ficar para os Senadores também, a importância disso. A caracterização do devedor contumaz é relevante, tem que ser feita, urge isso, não é?
No setor de combustíveis, a gente está vendo aí o tamanho do problema; a gente tem lá uma dívida tributária de R$179 bilhões no setor de combustíveis, dívida impagável de R$155 bilhões: R$90 bilhões para os estados, R$88 bilhões para a União Federal. Muitos desses talvez sejam devedores contumazes, não é? A gente sabe do problema. São muitas situações. A gente sabe da importância da carga tributária também nessa questão da concorrência, não é?
Peguei um exemplo aqui do Fiat Mobi; ele custa R$77.990. Nesse preço do Fiat, R$29 mil, R$30 mil são impostos. Então, quanto à sonegação, é muito provável - a gente sabe disso - que ela possa causar desequilíbrio da concorrência. E não é disso que nós estamos falando. Tem que ser apurado, tem que ser verificado, mas tem que ser apurado e verificado pela autoridade competente, que, com certeza, não são os órgãos de arrecadação. Os órgãos de arrecadação são treinados e capacitados para arrecadar imposto e não para verificar desequilíbrio de concorrência. Essa análise é uma análise técnica econômica, profunda, que demanda toda a análise de um setor para saber se há ou não desequilíbrio de concorrência.
A administração possui diversos meios de cobrança que são eficazes: impedimento de emissão de CND; responsabilização de sócios, diretores; penhoras; cobrança judicial; declaração de inaptidão de CNPJ das pessoas jurídicas; arrolamento de bens; medidas cautelares fiscais...
(Soa a campainha.)
O SR. IGOR NASCIMENTO DE SOUZA - Todos esses meios de cobrança vêm sendo utilizados pela arrecadação para cobrar o tributo, tipificação de fraude e tudo isso, mas não são suficientes para dizer se há ou não desequilíbrio da concorrência. Só pode ser caracterizado o desequilíbrio de concorrência - e aí a imputação daquele contribuinte à qualidade de devedor contumaz - após se analisar o cenário, a prática dentro de um caso concreto e dentro de uma cadeia econômica, dentro de toda a cadeia de produção e olhando isso.
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Pode acontecer, por exemplo, de um determinado contribuinte não pagar o imposto, por algum motivo justificado ou não justificado, mas ele não reduziu o preço, ele não utilizou aquele imposto que ele deixou de arrecadar para ele; ele pode estar com prejuízo, ele não conseguiu pagar. Ele não está causando desequilíbrio da concorrência, ele está causando prejuízo ao Fisco, mas não é desequilíbrio da concorrência, porque o preço continua o mesmo, ele não está se apropriando daquele recurso. O Fisco deixou de arrecadar, mas a concorrência não foi desequilibrada, não foi lesada.
Então, se o fundamento é o art. 146-A, que é para prevenir desequilíbrio de concorrência, esse tipo de situação não pode caracterizar uma situação de contumácia, de devedor contumaz. É diferente a situação - já foi dito aqui - do devedor contumaz para o grande devedor.
A gente trouxe mais dados, mas, devido ao tempo, eu queria reforçar mais uma vez o que disse o Hugo. Toda essa fala minha aqui está sendo no sentido de tentar contribuir para evitar discussões judiciais. O fundamento é constitucional, está na Constituição. Nós não estamos mudando o art. 146 da Constituição. Se ele diz que é para precaver desequilíbrio de concorrência, o órgão que analisa desequilíbrio de concorrência deveria analisar o caso concreto.
Eu vou fazer uma brincadeira aqui - não é uma brincadeira -, para entender bem como é que pode ser trazido para linguagem simples, não técnica; é uma metáfora. Da forma como está sendo colocado, é mais ou menos o seguinte: vamos imaginar que nós temos um jogo de futebol, onde a gente tem um juiz, esse juiz se chama Cade. É ele que conhece todas as regras do jogo de concorrência, é ele que sabe aplicar as penalidades, é ele que sabe avaliar o cumprimento ou não daqueles jogadores que estão dentro daquele campo, daquele gramado. E nós temos outros juízes, que são os juízes do VAR, que são árbitros auxiliares, e esses juízes do VAR não pautam a análise com base nas mesmas regras do juiz do jogo.
Então, o juiz do jogo tem uma lei, que é a lei do Cade, que diz como se deve analisar a questão de equilíbrio de concorrência. Então, é em função dessa lei que ele está aplicando as regras do jogo. Os juízes do VAR, que são os órgãos de arrecadação, têm uma outra lei, que fala: "Não, desequilíbrio de concorrência é sonegar, é dever mais que 15 milhões, ter mais que 30% do seu patrimônio em dívida tributária". Isso não tem nada a ver com equilíbrio de concorrência, isso tem a ver com sonegação, que também tem formas de ser coibida, mas não tem a ver com o desequilíbrio de concorrência.
Então, aquele juiz do jogo que é a autoridade no assunto, que é quem no final do dia decide, julga com uma regra; os juízes do VAR estão jogando com outra. A gente vira um manicômio. Tem que ser dado ao juiz... E não quer dizer que o juiz do jogo não possa se utilizar da competência do juiz do VAR para olhar o detalhe, para olhar "pô, ele está na frente ou não dos últimos zagueiros, então é impedimento", tem que ser feito isso. O juiz vai se utilizar das informações, técnicas que a Receita vai fornecer, que os órgãos de arrecadação vão fornecer, as verificações, inclusive, eventualmente, pressões criminais que os órgãos de apuração, Ministério Público, enfim, possam fornecer e demais outros órgãos, para que aquele juiz possa, analisando a regra de concorrência, decidir se há ou não o desequilíbrio da concorrência, se há ou não a caracterização do devedor contumaz. Se ficar um juiz com uma regra e o outro com outra, vai gerar realmente um problema muito sério de desencontro, de falta de uniformidade e riscos de mais, e mais, e mais discussões judiciais, que eu acho que é tudo que a gente visa proibir, porque, no final do dia, essas discussões também acabam facilitando esses sonegadores - a gente vê isso na prática.
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E nunca é demais lembrar - se a gente quiser acrescentar mais uma questão importante - que o juiz do VAR, que é aquele que está julgando contra a regra, tem um nítido interesse: o arrecadatório, não é?
A gente viu... O Ministro Haddad é uma pessoa que eu respeito, confio, um grande Ministro, um cara sério, um ótimo profissional, a gente confia nele, mas, quando teve a discussão da questão do voto de qualidade no Carf - depois foi aprovada aqui no Senado e aprovada lá na Câmara a questão do desempate -, o Ministro falou: "Eu não concordo com esse voto de qualidade em favor dos contribuintes, porque é a mesma coisa que colocar três delegados e três membros da facção criminosa para decidir um determinado assunto, e, num empate, os membros da facção criminosa vão liberar o bandido". Você vê... O Ministro Haddad, que é uma pessoa equilibrada, que é uma pessoa que sabe o que fala, que é bem informada, se colocou na posição de Ministro da Fazenda, defendendo o quê? O cunho arrecadatório. A gente sabe que julgador do Carf, que representa contribuinte, não é bandido. Quando ele dá a decisão dele, ele não está dando porque ele acha que tem que livrar o bandido da cadeia - é uma interpretação -, mas foi essa fala que ele fez. Se o juiz do VAR tiver esse mesmo pensamento, o risco que nós vamos correr é muito sério para a sociedade.
Então, mais uma vez, eu gostaria de agradecer, pedir desculpas por estender meu tempo, Senador Veneziano, e ficar à disposição para qualquer esclarecimento que se faça necessário.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Somos nós que agradecemos a sua valiosa presença, Igor.
Eu tenho algumas reservas, afinal de contas, primeiro, não é crime que o Estado se faça presente, cobrando de nós, contribuintes, aquilo que é devido por nós. A fala do Ministro não foi em outro sentido, a meu ver, ao meu constatar e ao meu convencer. Absolutamente, o Estado tem que cumprir as suas obrigações, mesmo cientes todos de que nós, enquanto contribuintes, não nos sentimos muito à vontade de poder fazê-lo. Pagar imposto nunca foi, desde os primórdios, séculos e milênios, o que mais nós desejamos fazer, mas é a nossa obrigação.
E eu pergunto: o Cade tem acesso às informações como a Receita tem? Ou seja, se nós vivemos em meio a processos que são burocráticos e que se fazem cada vez mais burocratizantes, o Cade fatalmente haveria, para constatar uma possível ou não tipificação de conduta, de requerer a quem? À Receita, evidentemente. E, quando V. Sa. fala que cabe também à Receita identificar a tipificação, é isso que nós estamos a fazer. Então, eu tenho minhas reservas, é claro e evidente.
Esse é um bom debate. Nada melhor do que você trazer... O fundamento da realização desta audiência é exatamente fazer com que as questões possam ser apresentadas.
Tem uma discordância: quando nós tratamos dessa sonegação feita objetivamente, criteriosamente, rigorosamente, separando quem é o devedor não contumaz, portanto, eventual, daquele que é mau cidadão, mau empresário, daquele que, às vezes, tem se tornado - desculpe a expressão dura, mas vou utilizá-la, Emerson - bandido, bandido... Porque nós estamos a enxergar o banditismo que identificou um nicho muito alvissareiro, ou seja, muito profícuo para essas atividades.
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Então, quando nós falamos sobre a questão que envolve a contumácia, quando nós falamos sobre a desigualdade concorrencial, ela é senão a consequência do ponto fulcral. Eu não vejo inconstitucionalidade, ao nos determos no 146, para que nós o regulamentemos, quando V. Sa... Perdoe-me, afinal de contas, me dá uma inveja tremenda porque há 30 anos estou envolvido com os mandatos que a Paraíba me concedeu, como Vereador, Prefeito, Deputado e Senador, eu não tenho tido a competência de poder estudar. Então, estou usando aqui... Posso até estar fazendo algumas divagações, quiçá, de indolências imperdoáveis - são perdoáveis porque também estou confessando a ausência de uma dedicação -, mas eu não vejo inconstitucionalidade, porque o que nós queremos, o que nós estamos a propor é exatamente falar sobre sonegações que terminam por levar a concorrências desleais; nós não estamos tratando o tema como fulcral, primeiro, concorrências desleais, o que sugeriria transferir para o Cade essa observação, inclusive a definir. E, se eu não estiver enganado, Emerson e meu querido Hugo, vocês falarão, claro que sim, num dos eslaides - como é que se fala? Exposições?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Eslaide, é atual eslaide, fala-se eslaide mesmo? É do nosso tempo, viu, Laércio? Enfim, Ricardo falou sobre o voto de uma senhora integrante a dizer que não caberia ao Cade, voto vencido. Concorda?
O SR. RICARDO MEDEIROS DE CASTRO (Fora do microfone.) - Caberia...
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Não, mas no voto dela, que foi um voto vencido, a mim me parece que o voto vencedor disse que não caberia ao Cade essa...
O SR. RICARDO MEDEIROS DE CASTRO - Era um caso concreto, houve um despacho de avocação do processo em que, quem pediu para avocar, entendia que naquele caso havia indícios de que as empresas em questão eram devedoras contumazes, mas a opinião que prevaleceu sequer focou tanto na discussão de competência ou não, mas era que não havia indícios de que, porque se precisaria olhar para o mercado inteiro, para o mercado como um todo, e havia outras empresas que eventualmente poderiam estar numa situação de contumácia ainda superior e poderia, ou seja, não se descartou totalmente a tese de que isso poderia ser uma estratégia predatória, mas, naquele caso concreto, se entendeu que não havia indícios para suportar a continuidade das investigações. Esse foi a o entendimento majoritário.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Perfeito.
Vocês me permitiriam, Hugo e Emerson, que nós ouçamos aqui o nosso convidado último, nosso Ivo Teixeira Júnior? Sr. Ivo Teixeira Júnior, a gente termina incorrendo num certo informalismo - eu peço desculpas. A gente tem que ter a formalidade como regra, vez por outra, eu termino fugindo. Mas, enfim, ao término de Ivo, nós abriremos, Senador Laércio, e evidentemente, Kapaz e Hugo, ou quaisquer outros companheiros, terão toda a liberdade para fazer as suas considerações.
Ivo, por gentileza, sinta-se à vontade.
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR (Para expor.) - Senador Veneziano, muito bom dia novamente. Muito obrigado pelo convite, agradeço a oportunidade de estar aqui.
O esforço que eu fiz foi, como acadêmico com doutorado em economia e com doutorado em direito: como eu poderia preservar e melhorar o projeto. Essa foi a minha ideia.
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Então, a minha ideia foi tentar investigar qual é a relação entre devedor contumaz e direito concorrencial. E eu começo com os pressupostos que foram levantados aqui um pouco antes sobre a viabilidade constitucional, no sentido de proteger o projeto e não termos discussões futuras.
Eu começo chamando a atenção para a literalidade do 146-A, que é a possibilidade de criar critérios de tributação especial para prevenir desequilíbrios da concorrência. É um artigo que permite o uso do Direito Tributário para fins parafiscais, ou seja, não é para arrecadar, é para proteger a concorrência, ou seja, se a gente estiver usando o 146-A. Esse é o meu primeiro pressuposto.
O segundo pressuposto é o de que a Constituição proíbe sanção política para cobrar imposto. Quando a função é arrecadar, não se pode ter sanção política, inclusive, é proibida a prisão por dívida, ou seja, dever não é ilegal.
E aí eu queria chamar a atenção de V. Exas. para um ponto, porque quase todo mundo repetiu isso e, como professor, preciso chamar a atenção. Em lugar nenhum do projeto, eu vi uma distinção que é fundamental para o nosso debate: o debate do devedor contumaz não inclui o sonegador. O sonegador não é um devedor contumaz, o sonegador é um sonegador. Existe uma diferença brutal entre quem sonega e quem declarou a dívida, mas não paga. Esse é um dos pontos para o qual eu gostaria de chamar a atenção no projeto, porque o projeto não distingue. Por quê? O sonegador já pratica um crime. E por que é crime sonegar? Porque se você sonega, a Receita não tem capacidade de cobrar, não tem conhecimento daquilo. Então, a sonegação é um ato extremamente grave, por isso sonegar é crime, já é crime; sonegação é ilícito, ponto e acabou. Não tem essa distinção no projeto. Dever não é crime. Eu declaro que eu devo: "Receita, olha, houve o fato gerador, eu tenho uma dívida. Eu declarei, reconheço que sou o devedor". A Receita tem os meios judiciais de cobrar. Então, ser devedor não é igual a ser sonegador. Quase todo mundo igualou as duas coisas. E não pode ser. Esse é um dos pontos para o qual eu mais chamo a atenção no projeto, porque ele não distingue sonegação de dever.
E por que isso é importante? Uma das falas anteriores foi sobre a discussão da viabilidade do projeto, de uma vez aprovado, sobreviver ao escrutínio do Supremo. A distinção está justamente neste ponto: a não utilização da lei parafiscal para fins de cobrança de algo que foi declarado, porque isso seria sanção política, o que é diferente de usar o direito tributário para fins parafiscais para proteger a concorrência.
Então, vamos lá. O que o STF já decidiu mais de uma vez? Decidiu: 1) que não basta a existência de dívida tributária, ainda que repetitiva, ou seja, não pode ser usado como mecanismo de mera cobrança; 2) tem que ter a necessidade de configuração de uma infração à ordem econômica, porque a finalidade é parafiscal; 3) é inconstitucional o uso de meio indireto coercitivo para pagamento de tributos, chamado sanção política.
Só um exemplo: na decisão do recurso em habeas corpus, não é um devedor contumaz quem, por exemplo, não pratica preço predatório, e preço predatório é um conceito técnico do direito concorrencial e da economia, que tem requisitos, e eu gostaria de chamar a atenção para isso. Essa é a posição já consolidada na jurisprudência do STF.
O que a gente quer dizer com proibição de sanção política? O entendimento do STF já foi consolidado, inclusive, em várias súmulas, dizendo que é inadmissível a interdição do estabelecimento como meio coercitivo para cobrança; é inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para pagamento; não é lícito a autoridade proibir o contribuinte que, em débito, adquira estampilhas etc., ou seja, toda e qualquer vez que a Receita estiver usando, para meros fins de cobrança, qualquer medida que não seja ir ao Judiciário e cobrar, isso é considerado sanção política, portanto, inconstitucional.
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A minha intenção é tentar empurrar o projeto no sentido de que essa discussão não apareça. Então, essa já foi a tese definida.
Temos aqui mais um julgado do Ministro Marco Aurélio sobre a proibição de sanção política. Essa é a minha maior preocupação.
Então, qual é o requisito para que medidas tributárias não sejam consideradas sanções políticas? Bastam duas: um, não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes - então, essas coisas esquisitas do tipo "ele não pode funcionar", "vai fechar a empresa", esse tipo de coisa -; e, dois, que, como professor de direito concorrencial, para mim é mais importante, a conduta deve configurar uma infração à ordem econômica, porque, se a conduta é uma infração à ordem econômica, ela é um ilícito separado. Aí eu estou atendendo a função parafiscal da Constituição, que é usar o Direito Tributário para impedir o ilícito, que é uma infração à ordem econômica. Maravilha.
Se a gente está pensando em preço predatório, eu já tenho lei sobre isso que diz o que é.
Outro ponto para que eu queria chamar a atenção... V. Exa. perguntou como é que a gente poderia melhorar para resolver o problema levantado pelo Dr. Ricardo, do Cade. A minha sugestão é a que está na Lei de Defesa da Concorrência. Na Lei de Defesa da Concorrência, tem condutas que, se praticadas por pessoas que não têm poder de mercado, são irrelevantes; e tem condutas que você consideraria normais, mas que, se praticadas por quem tem poder de mercado, são consideradas infrações à ordem econômica. E acho que esse é o critério que resolve todos os problemas que o Dr. Ricardo levantou e que também está faltando no projeto, que é o poder de mercado. Por quê? Porque, veja, não pagar em si não é ilícito, não é um problema, mas, se você não paga e tem poder de mercado, isso pode ser uma infração à ordem econômica. E no direito concorrencial é assim, a gente já está consolidado, a gente já passou pelo Judiciário, não tem problema nenhum com isso. Por quê? Porque é o poder de mercado que torna abusiva uma conduta que, de outra forma, seria legítima e ordinária. Então, esse é o segundo elemento que eu acho muito importante. Está na própria lei, a própria lei já diz, como uma presunção, que, se você tem mais de 20% de participação do mercado, pressupõe-se que você tem poder de mercado.
Então, uma das sugestões que eu faço, a minha ousadia, é de que a gente colocasse o critério de poder de mercado na definição de devedor contumaz. Por quê? Porque aí eu estou me afastando da discussão de sanção política. E eu estou 100% baseado no direito concorrencial, já consolidado. Aí eu vou me livrar dessa discussão no Supremo Tribunal Federal. Então, esse era um ponto que eu queria trazer.
E tanto preço predatório é uma coisa clássica no direito concorrencial que o Ministério da Fazenda, pela Seae, tem um guia de análise de preço predatório, com todos os requisitos, passo a passo. Todo mundo que faz direito concorrencial já está acostumado com isso, a gente já sabe. E eu trouxe aqui só um exemplo: que preço predatório se verifica quando uma firma reduz o preço de venda de seu produto abaixo do seu custo, incorrendo em perdas no curto prazo, objetivando eliminar rivais do mercado - aí é o efeito anticompetitivo, porque elimina rivais -, ou possíveis entrantes, que foi a hipótese que o Dr. Ricardo levantou, para, posteriormente, quando os rivais saírem do mercado, elevar novamente os preços, obtendo, assim, ganhos no longo prazo. Então, essa é uma ideia já consolidada tanto na literatura econômica quanto no direito concorrencial, e isso evita discussão de sanção política que poderia cair no Supremo Tribunal Federal.
Aqui uns gráficos, só para a gente parecer inteligente, porque o pessoal do direito concorrencial gosta de parecer inteligente, então a gente bota umas figuras que o pessoal do direito não entende nada.
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O que é o preço predatório? O preço predatório é o cara que vende abaixo do custo dele por um período de tempo. Aí você pode ver que naquele gráfico está "perdas". Aí, depois que ele excluiu os concorrentes, ele joga o preço lá para cima para ganhar poder de monopólio e ganhar muito dinheiro. Isso é preço predatório, ou seja, ele afetou a concorrência.
Então, quando eu coloquei os óculos do 146-A para pensar, do ponto de vista parafiscal, defesa da concorrência e devedor contumaz, imediatamente é isso que me veio à mente. E isso está de acordo com a jurisprudência do STF, porque eles falam o tempo inteiro de preço predatório. E esse é o critério tradicional. Então, eu tomei a liberdade de trazer um trecho do meu livro, em que eu apresento os requisitos para a configuração do preço predatório. Quais são? Primeiro, definição do mercado relevante. Tem que saber de que mercado você está falando, não é de qualquer mercado.
(Soa a campainha.)
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - Segundo, tem que ter poder de mercado, porque a lei já diz: pelo menos 20% de participação. Terceiro, possibilidade de recuperação dos custos incorridos.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Professor, me perdoe: 20% de participação?
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - No mercado relevante.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Um exemplo.
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - "Eu sou pequenininho, aí eu não estou pagando."
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Mas que pequeno?
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - Menos de 20% de participação.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Num projeto, um empresário que se recusa a cumprir as suas obrigações e tenha chegado a R$15 milhões, que foi o paradigma que nós... Isso é pequenininho?
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - Depende. Como no exemplo que o Dr. Ricardo trouxe, se o tamanho do mercado é 1 bilhão...
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Não, pronto, vamos lá. Nos três que estão sendo mais citados, R$15 milhões no setor de combustível seria pequenininho, a gente deixaria de lado.
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - Depende. Se é posto de gasolina, provavelmente o mercado relevante é uma região pequena, o faturamento naquela região provavelmente é uma coisa pequena, R$15 milhões vai ser enorme. Se eu estou falando de distribuição de gasolina, cujo mercado já é regional, Centro-Oeste, R$15 milhões não é nada.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Certo, é por isso que eu estou perguntando ao senhor: qual é essa área da qual nós vamos extrair esse poder de mercado?
O SR. IVO TEIXEIRA GICO JÚNIOR - Maravilha. A definição de mercado relevante tem duas dimensões: a dimensão produto e a dimensão geográfica. A dimensão produto são todos aqueles produtos que o consumidor entende substituíveis um pelo outro. Então, você tem duas dimensões: um, produto - quais são os produtos que são substituíveis -, e dois, geográfico. Exemplo, o mercado geográfico de cimento é 300km. Nenhuma fábrica de cimento consegue vender cimento a preços competitivos além de 300km, porque o transporte torna inviável. Então, a gente diz que o mercado relevante de cimento é 300km do raio da fábrica. E isso vai depender de produto para produto, que é uma análise que o Cade faz normalmente com todos os casos, mas que a gente... Por isso que eu começo definindo o mercado relevante. Porque eu só consigo dizer se aquela conduta tem impacto concorrencial se eu souber de que mercado que eu estou falando.
Então, R$15 milhões no mercado de posto de gasolina. Posto de gasolina pode ser uma rua. Por quê? Porque ninguém vai sair para outro bairro para abastecer. Às vezes, uma rua de ida e volta é um espaço geográfico de um mercado relevante. Às vezes é nacional e às vezes é mundial. Então, depende.
Portanto, eu tenho também de ter o poder de mercado naquele mercado relevante. Depois, eu tenho que conseguir mostrar a racionalidade econômica, ou seja, o que os outros colegas estavam falando de dolo, para nós, economistas, é racionalidade econômica: tem que ser racional a minha conduta predatória para eu ganhar dinheiro depois e eu tenho que ter capacidade ociosa suficiente para atender o mercado, porque a ideia racional da conduta é: "eu vou excluir todo mundo, eu vou vender mais barato para todo mundo, atendendo o mercado". Se eu não consigo atender o mercado, eu não consigo excluir os concorrentes, aí não tem racionalidade econômica. E aí, por fim, eu vou cotejar os preços e custos com o custo variável médio para ver se há, aí sim, o preço predatório.
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Então, normalmente, nós do direito concorrencial olharemos o preço predatório olhando esses critérios. E a literatura econômica vai toda nesse sentido.
Normalmente, eu diria que investigar preço predatório é competência exclusiva do Cade, por quê? Porque é o Cade que tem expertise na definição de mercado relevante sobre a análise econômica da possibilidade de recuperação de custos, a avaliação de capacidade ociosa, que é uma questão econômica, e presença de preços abaixo do custo médio variável. Essa é a razão pela qual, em geral, para não configurar sanção econômica, eu proponho que a existência de dívida tributária deve estar acompanhada de uma infração à ordem econômica, e isso elimina a discussão do STF total. Aí você tira todo o argumento de quem vai contra o projeto.
E, obviamente, na minha opinião, o órgão competente com a expertise suficiente para fazer esse tipo de avaliação é o Cade e não a Receita Federal. E a analogia que eu faço sobre isso é justamente: por que a gente não usa o Exército para fazer policiamento? Porque polícia é treinada para proteger e, excepcionalmente, para dar tiro. Militar não é treinado para proteger; militar é treinado para matar e, excepcionalmente, proteger. Essa é a razão pela qual a gente evita usar o Exército no policiamento e até por uma proteção, por quê? Porque um tende mais a ter o interesse do outro.
Então, só para eu encerrar, a configuração de dívida contumaz exige prova objetiva no caso concreto, não pode ser uma presunção, porque, senão, vai cair na jurisprudência do STF. O reconhecimento de débito declarado exclui o dolo de apropriação indébita, que é a distinção entre o sonegador - que é crime, não tenho nenhuma dúvida - e o cara que declara, mas não paga, o que eu acho que é uma discussão interessante, importante. E o direito penal e tributário não devem ser instrumentalizados para cobrança de tributos, justamente para evitar a discussão no STF.
Por isso, o projeto, em que pese fundamental e urgente, na minha opinião, não pode ser usado como um mecanismo para fugir do Judiciário, que ele é lerdíssimo para a Receita e para todos nós. Essa é a grande verdade.
Era isso que eu queria dizer, Excelência.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Professor, pela sua participação, que muito nos honra e que traduz exatamente aquilo que nós temos querido produzir com este debate.
Pela ordem - até porque, gentilmente, do início até esses últimos instantes presente esteve -, o nosso querido Senador Laércio Oliveira. Depois, o Senador Ciro Nogueira e os nossos companheiros que pediram a palavra.
Senador Laércio, seja muito bem-vindo, irmão.
O SR. LAÉRCIO OLIVEIRA (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SE. Para interpelar.) - Meu querido, S. Exa. Senador Veneziano Vital do Rêgo, nobre Presidente em exercício desta Comissão, eu fiquei aqui esse tempo todo para reconhecer o esforço que o senhor tem feito em tratar esse tema.
Quando fui Deputado Federal, eu trabalhei também nesse projeto lá dentro da Câmara dos Deputados. E percebo que, durante a tramitação aqui no Senado, esse projeto foi aperfeiçoado por várias mãos, pessoas contribuíram para que a gente chegasse ao ponto em que nós estamos hoje.
Eu quero cumprimentar V. Exa. porque V. Exa. tem feito um trabalho brilhante.
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A minha presença aqui, do primeiro momento até agora, é tão somente para reconhecer o esforço que V. Exa. tem feito para entregar à sociedade definitivamente uma solução para esse assunto que é tão grave para a sociedade brasileira. Quem mais perde com isso é a sociedade brasileira.
E o senhor resolve, desde a reunião passada, abrir uma audiência pública para que se tragam mais informações, mais conhecimento, um enriquecimento de que o texto precisa, para que a gente não tenha nenhum problema mais à frente, após a luta incansável que V. Exa. tem conduzido até aqui.
E eu percebi, na fala de todos, que existe uma disposição. A todos que aqui vieram eu quero parabenizar e agradecer, porque a contribuição de todos certamente será muito importante para o relatório que o senhor vai aperfeiçoar, para discutir amanhã, para que o projeto siga a tramitação que está definida pela Mesa Diretora e chegue ao Plenário para que a gente consiga votar.
Muito do que foi discutido acabou entrando em sintonia, uns com os outros. Eu queria destacar aqui quatro pontos: a preocupação e a proteção do consumidor em contraponto com o risco da elevação do preço dos produtos, especialmente nós estamos trabalhando nesse projeto, o combustível, o cigarro e bebidas; uma melhor compreensão do perfil do contribuinte, que nós estamos trabalhando nesse assunto; e uma diferenciação importante entre crime organizado, que é muito diferente do empresário inadimplente. Eu quero louvar aqui as falas do Ricardo e do Igor, que colocaram muito bem essa preocupação que a gente precisa ter no texto.
Eu quero dizer, Sr. Presidente, que nós estamos no caminho certo e o senhor tem sido o grande condutor desse tema.
Por dever de justiça, sem querer fazer nenhuma discussão e com os meus mais profundos respeitos, só gostaria de fazer uma correção na fala do Emerson Kapaz, que felizmente ainda está aqui. Eu gosto de falar daquilo que eu quero fazer os ajustes com a pessoa presente. Teve um momento na fala dele em que ele disse que o projeto andou, andou, andou, quando chegou, o Presidente Rodrigo não colocou o projeto para votar. V. Exa. foi Vice-Presidente do Presidente Rodrigo Pacheco. Só para esclarecer, o Presidente Rodrigo Pacheco segue a pauta definida pelo Colégio de Líderes. Quando o projeto não vai para a pauta, Emerson, é porque o Colégio de Líderes não acolheu a indicação daquele projeto para ser votado. É apenas para tirar... Não foi culpa do Presidente Rodrigo que não colocou. Não foi. Não foi porque o trâmite aqui, o Regimento aqui é diferente.
E com referência ao pedido de audiência, que foi outra fala que o Emerson também fez, de que o Relator Veneziano teve muita dificuldade de pedido de audiência, eu, pelo menos, não enxerguei nenhuma dificuldade. Pela qualidade, pelo prestígio que V. Exa. tem aqui dentro, pelo bom relacionamento - eu estou aqui há dois anos, fomos Deputados; estou há dois anos aqui, V. Exa. já está mais tempo -, eu nunca vi nenhum pedido seu não ser pelo menos levado para se dialogar com todo mundo.
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Então, eu desconheço qualquer dificuldade que V. Exa. tenha tido para promover qualquer encontro, seja audiência, seja colocação de um projeto seu em uma das Comissões para ser votado. É apenas para a gente colocar as coisas nos seus devidos lugares e trazer luz a uma fala que, na minha opinião, precisava desses reparos. Mas, assim, volto a dizer mais uma vez, Emerson, com muito respeito e agradecendo a sua participação, que apenas é o nosso métier aqui, não é? Então, a gente sabe muito bem a regimentalidade da Casa.
Às vezes, é preciso trazer clareza para a sociedade como um todo. E os senhores todos - todos - que participaram aqui trouxeram uma contribuição muito importante para o texto. Vocês, como grandes brasileiros, certamente ajudaram o Senado Federal a produzir uma peça que perfeita jamais será, mas que pelo menos condiz com aquilo que a sociedade espera, através da inteligência de cada um de vocês. Eu não quero nominar nenhum, porque eu acho que todos têm uma participação efetiva neste momento.
Mais uma vez, Presidente Veneziano, meus cumprimentos e meu respeito ao trabalho que V. Exa. tem feito.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Querido amigo Senador Laércio Oliveira, amigo e irmão. Eu tive e tenho a felicidade de poder estar me esforçando a cada dia para melhorar e saber cultivar essa amizade que vem da Câmara Federal e que é estreitada ainda mais nesses dois anos particularmente especiais de convivência com uma figura diferenciada, amigo afável e partícipe de chamados como os que nos foram feitos para a gente conduzir, tocar adiante a Frente de Recursos Naturais. Eu fico muito lisonjeado com a sua confiança. Para mim é motivo de lisonja poder ter de V. Exa., como de outros parceiros e parceiras, demonstrações que nos dão e nos trazem responsabilidade maior, mas também com o sentimento de que a gente pode entregar o melhor nosso. Muito grato.
Senador Ciro, V. Exa. foi um dos responsáveis, um dos três autores de requerimento para que nós pudéssemos aqui hoje estar a fazer e realizar esta audiência pública. Portanto, V. Exa. sinta-se à vontade para fazer o uso da palavra e tecer os comentários desejáveis.
O SR. CIRO NOGUEIRA (Bloco Parlamentar Aliança/PP - PI. Para interpelar.) - Perfeito, Sr. Presidente.
Primeiro, quero referendar todas as palavras do Senador Laércio, esse esclarecimento que ele fez sobre o trâmite das matérias aqui na Casa e louvar, Presidente, o seu trabalho e a sua dedicação. Eu fiquei muito feliz de ter uma pessoa correta e séria como o senhor perante esse tema, que é muito importante para o Brasil.
Eu não poderei ficar porque estou na reunião sobre a questão do Imposto de Renda que está sendo debatida na Câmara, mas os progressistas devem entregar hoje ao Presidente Hugo Motta e ao Relator que está sendo escolhido uma proposta alternativa no que diz respeito à compensação que permita aos brasileiros ter essa isenção de até R$5 mil. Então, nós queremos entregar isso. Por isso é que eu fui para outra reunião, mas já pedi a assessoria, porque hoje, no final do dia, eu vou assistir a todas as exposições, que eu acho que são muito relevantes para o debate que deve acontecer amanhã.
Mas finalizou com o Dr. Ivo aqui, e parece que outros autores tocaram nesse tema, que é fruto de uma emenda que eu apresentei ao senhor, que diz respeito... O parágrafo é basicamente este: "Caberá ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinar, avaliar o caso concreto, a ocorrência de condutas, inclusive de natureza tributária, que gere" - isso é o mais importante - "ou que tenha o potencial de gerar desequilíbrio à concorrência".
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Esse é o apelo que eu faço a V. Exa. Eu tenho todo o respeito à Receita Federal do nosso país, um órgão que cumpre o seu papel, com pessoas sérias, comprometidas, mas o foco da Receita Federal é arrecadar. A Receita não se preocupa com concorrência. Ela não se preocupa se um ato que ela vai fazer contra uma empresa vai prejudicar o consumidor, no final das contas, que não vai ter direito àquele produto. E não tenha dúvida de que grandes empresas do nosso país hoje estão focadas nesse projeto para evitar concorrência. Isso é uma coisa com que esta Casa tem que tomar muito cuidado ao votar esse projeto. Por mais bem-intencionado que o projeto seja, ele pode causar um efeito grave para o consumidor, principalmente em setores em que existe praticamente um cartel no país, com poucas opções, está certo?
Eu acho que o campo adequado para essa discussão é o Cade. E eu não estou aqui, nem vou aqui, de forma nenhuma, proteger empresas que sejam ligadas à questão de PCC, dessa situação... Isso nós temos que eliminar. Eu tenho até um projeto para cassar o registro dessas empresas, se tiverem algum tipo de ligação com o crime organizado. Mas aquilo que o Dr. Ivo falou é verdade: tem que separar o que é sonegação do que é dívida tributária, da pessoa que deve. Isso aí é fundamental.
Então, eu peço muito que o senhor avalie até o dia de amanhã essa nossa emenda. Eu confio plenamente na sua experiência do que aconteceu, o senhor está aqui desde o início, se dedicou... Acho que esta audiência é muito importante para o debate amanhã, e nós vamos nos dedicar... Eu tenho certeza de que as assessorias vão nos passar um relatório do que foi dito aqui, para que a gente possa fazer algo que não só proteja a arrecadação do país, que é muito importante - temos de nos focar nisso -, mas principalmente o consumidor brasileiro. Esse não pode sair prejudicado por um projeto, por mais bem-intencionado que ele seja.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Senador Ciro, V. Exa. bem sabe, pública e particularmente, da estima, do carinho pessoal que tenho pelo trabalho e pelo seu histórico. Ao chegar aqui, tive a oportunidade de receber de V. Exa., logo nos primeiros momentos, gestos de muita confiança, e V. Exa. sabe bem a que eu me refiro, que é exatamente - para que todos os que estejam aqui não pensem em outro assunto - o fato de que eu pedi voto ao Senador Ciro para estar na Mesa Diretora na condição de Vice-Presidente, e carinhosamente recebi esse gesto.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, meu irmão. Então, nós temos e nutrimos... E o bom é que este Colegiado, de fato - são raríssimas as exceções -, se mantém de uma forma muito equilibrada, sempre muito ponderado nas relações entre os seus integrantes; não diferente da nossa relação, que, muito além da política, é pessoal, de amigos que somos.
Então, eu haverei... Nós haveremos de nos deter nas sugestões, dentre as quais a sua emenda apresentada anteriormente.
Nós concluímos as participações dos meus estimados companheiros, diligentes Senadores.
Para que nós encerremos, eu ouço Hugo e ouvirei Emerson.
Só faço aqui algumas abordagens que foram trazidas. Em respeito aos que estiveram conosco nos acompanhando, eu farei essas observações. Se os senhores acharem ser conveniente algum comentário, por gentileza, é só se dirigirem a esta Presidência.
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Foram perguntas e comentários.
Virgílio, do Ceará, faz esta indagação: "Essas regulamentações atingem as empresas importadoras?".
Diogo, do Rio Grande do Sul: "Como crimes fiscais frequentemente envolvem fraude [...] [em notas fiscais], quais [seriam as] medidas [...] tomadas para [...] [que melhorássemos o registro] dessas ocorrências?".
Manoel, de São Paulo: "Quais [...] [as providências estão sendo adotadas pela] Receita Federal [...] para [...] [que evitemos a] sonegação de tributos [...] [por] empresas [...]?".
Fabrício, de Minas: "Aumento da fiscalização e redução de impostos poderiam ser estratégias para que as empresas cumprissem com suas obrigações fiscais?".
Deninson, de São Paulo: "Pequenas e microempresas têm sabidamente maiores dificuldades de manter suas finanças. Seria possível criar incentivos para bons pagadores?".
Júlia, do Rio Grande: "Quais medidas os projetos preveem para [...] [que evitemos] abusos e [...] [protejamos] empresas que enfrentam dificuldades legítimas?".
Valdinei fez um comentário: "É necessário que se criem mecanismos que impeçam uma empresa desse tipo de [entre aspas] 'mudar de CNPJ' para escapar do Fisco".
Fábio, de Pernambuco: "Qualquer dívida deveria ser extinta automaticamente após cinco anos do seu protesto [...]".
São algumas considerações feitas. V. Sas. fiquem à vontade se desejarem comentá-las.
Hugo, por gentileza.
E, logo em seguida, Emerson.
O SR. HUGO FUNARO (Para expor.) - Excelência, obrigado pela palavra.
O ponto que foi trazido aqui pelos meus colegas sobre a concorrência, de fato, é muito relevante, uma vez que o art. 146-A condiciona a adoção de critérios especiais de tributação a prevenir desequilíbrios concorrenciais, só que aqui eu preciso fazer um histórico e lembrar um pouquinho o que aconteceu e por que a questão enveredou para definição dos devedores contumazes, de uma forma pouco dissociada do art. 146-A.
Nós, como disse, desde 2017, acompanhamos este projeto. E, em certo momento, até o Senador Rodrigo Pacheco foi o Relator do PL 284, e tivemos aqui um evento em Brasília para discuti-lo - foi logo que ele assumiu a relatoria, um pouco antes de ele até se tornar Presidente desta Casa. E, na época, houve a presença aqui de várias pessoas ligadas a secretarias de fazenda. E, se não me falha a memória, alguém da Secretaria da Fazenda de Goiás disse o seguinte: "Olhem, aqui o projeto, baseado no art. 146-A, está fixando critérios especiais de tributação e inclusive prevê aqui a cassação de inscrição estadual de alguns contribuintes, mas eles têm que estar ligados a estes setores, combustíveis, cigarros, bebidas, ou seja, limita muito a atuação aqui do Fisco". E o que ele ponderou? Ele falou: "Olhem, essas empresas que são devedoras contumazes - porque não pagam por vários períodos de apuração um tributo, declaram e não pagam - geram prejuízos também. Talvez elas não vão afetar o mercado, mas estão ali, primeiro, fazendo algo que é ilícito; segundo, estimulando outros a fazerem; terceiro, ou lesando a concorrência ou lesando o consumidor". Então, foi colocado até que se deveria destacar essa questão do art. 146-A. E assim acabou que, em outras emendas e outras discussões... Inclusive, no projeto original apresentado pelo Senador Jean Paul, se nós pegarmos a justificação dele, ele explica isso, lembra esse episódio e inclusive diz que, em relação aos devedores contumazes, a questão foi, de certa forma, dissociada da concorrência do art. 146-A, dos critérios especiais, porque se precisava disciplinar justamente essa figura nacionalmente, pois, veja, hoje, já existe devedor contumaz.
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Se você pegar a legislação, em São Paulo, Goiás, Bahia, enfim, pelo Brasil afora já existem devedores contumazes. Só que o devedor contumaz baiano não é o paulista; o paulista não é o goiano. E assim vai, é uma loucura. Então, assim, devedor contumaz hoje é quem o estado acha que é devedor contumaz.
Então, se precisava uniformizar isso. Essa uniformização não é baseada no 146-A necessariamente. Ela se baseia no 146, III, da Constituição Federal, que fala de normas gerais e fala que a lei complementar poderá definir normas gerais em matéria tributária, em matéria de contribuintes, ou seja, sujeito passivo, obrigação, etc. O Supremo entende que esse dispositivo 146, III, é exemplificativo, ou seja, toda matéria que tenha relação com a tributação e que deva ser regulado de uma forma uniforme no Brasil é sujeita à lei complementar. Isso é entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Então, o Senador Jean-Paul, inclusive, no relatório dele, colocou que uma parte desse projeto é baseado no 146-A, que são os critérios especiais, e que a parte dos devedores contumazes tem amparo no 146, III, "b". Então, nós não precisamos entrar na questão concorrencial para dizer que alguém é devedor contumaz. O que se precisa só é que seja alguém qualificado como tal, porque atua de forma ilícita no mercado.
A questão não é necessariamente a livre concorrência, mas a livre iniciativa. A Constituição protege a livre iniciativa de quem monta uma empresa para sonegar tributo? Não vou falar em sonegar - declarou, talvez não seja sonegar -, mas em não pagar tributo. Não pagar tributo é um objeto social lícito? Certamente não é.
O Supremo Tribunal Federal, no Recurso em Habeas Corpus 163.334, que foi mencionado há pouco... Pasmem, a dívida era de R$30 mil; R$30 mil não machucam mercado nenhum. Até o Ministro Gilmar Mendes falou: "Ó, aqui não está em discussão um grande devedor; aqui a companhia, enfim, atuava em ramo de comércio de para bebês". Enfim, falou que até era insignificante, mas não por isso o Supremo deixou de considerar que se tratava, sim, de um devedor contumaz. E disse: "Considera-se criminosa a inadimplência sistemática contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades".
Então, vejam, o Supremo, quando definiu o devedor contumaz, não necessariamente precisou o impacto na concorrência. Ele diz: "Devedor contumaz é quem atua de forma ilícita no mercado". E aqui eram R$30 mil? Eram R$30 mil, mas até o Ministro Barroso falou: "Olhe, ele ficou vários períodos de apuração sem recolher o tributo". Ele faz do não recolhimento tributo seu próprio negócio. E mais: ele pode até não praticar o apreço, mas ele, ele mantém o preço dos concorrentes, mas ele se apropria do consumidor, ele cobra do consumidor, fica com o dinheiro - isso também não pode.
Então, o que o projeto está regulando aqui são duas questões. Senador Veneziano, até acho que como sugestão, aqui os colegas têm razão, porque, na ementa e no art. 1º aqui do projeto - isso já vinha desde o projeto original -, está se falando que iam se regular os devedores contumazes com o objetivo de prevenir desequilíbrios.
Então, cria-se esta celeuma: mas, então, preciso do Cade para falar que tem desequilíbrio. Data venia, se o fisco mandar para o Cade, até o Cade decidir, o cara já acabou com o mercado, não é?
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Então, por que também foi feita essa... Inicialmente, vejam, a questão dos devedores foi um pouco ampliada, a gente sabe que a Receita Federal, enfim, está se empenhando em aumentar a arrecadação, mas, se vocês pegarem a origem da questão, o que se pretendia era cassar a inscrição estadual, principalmente em matéria de ICMS, de quem adotava essas condutas ilícitas, por quê? Por exemplo, em setores altamente tributados, se a empresa ficar seis meses, por exemplo, trabalhando, ela já causa um rombo enorme, não é? Então, não dá para esperar o Cade, a secretaria, enfim, por anos, até que ele seja reconhecido como um devedor contumaz e tirado do mercado, porque aí já fez o estrago.
Então, daí por que nos parece que o projeto também comporta um aperfeiçoamento no sentido de deixar claro que a definição dos devedores contumazes se fundamenta em outro dispositivo constitucional, que é o 146, III, e que a atividade ilícita também seja o controle, a punição, inclusive e principalmente, como está no projeto. No substitutivo, inclusive, está bem claro que, se tiver também condutas ilícitas - e esses ilícitos podem ser ampliados, o rol dos ilícitos pode ser ampliado com certeza -, aí, sim, vai cassar a inscrição desses contribuintes.
Então, eu gostaria de fazer esse esclarecimento - de fato, aqui eu estou contando um pouquinho da história -, trazendo o porquê de os devedores contumazes se descolaram um pouco da questão concorrencial. A meu ver, sim, cabe essa regulação na lei complementar, com fundamento em outro dispositivo, que é o 146, III. O Supremo, como eu disse, já reconheceu até numa questão de R$30 mil que havia, sim, a contumácia, devedor contumaz, que era ilícito e que não pode.
Obrigado, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Muitíssimo obrigado, mais uma vez, Sr. Hugo Funaro.
Emerson, por gentileza, você.
O SR. EMERSON KAPAZ (Para expor.) - É bem rápido.
Primeiro, quero pedir licença e concordar com o Senador que corrigiu alguns exageros na minha fala, provavelmente pelo entusiasmo com que eu trato desse tema. Ficaram desnecessárias as minhas observações depois do que o Hugo colocou com brilhantismo - muito bem - sobre a concorrência no setor.
No nosso setor, necessariamente - você tem 160 distribuidoras e 43 mil postos -, não há como dizer que, aqui no setor de combustíveis, você tem cartel. Não há como dizer cartel no setor de combustíveis, porque as distribuidoras com bandeira ocupam quase 50% a 51%; as sem bandeira ocupam 49% do mercado. Então, como é que você vai dizer que este é um mercado onde você tem que tomar cuidado com o cartel? Não há cartel no mercado de combustíveis no Brasil. Há, sim, uma concorrência forte e que pode ser predatória.
Na hora em que eu deixo de recolher 35% de imposto e continuo operando no mercado, como falou muito bem o Dr. Hugo, por três meses, quatro meses, cinco meses, seis meses, um ano, dois anos, eu ganho uma fatia de mercado incalculável. Como eu vou competir com 35% de diferença quando a margem das distribuidoras sérias que recolhem está entre 3% e 5%? Essa é a margem da distribuidora. Imaginem 30% de diferença para poder competir. É só esse critério que eu queria deixar esclarecido.
Quero parabenizá-lo mais uma vez, Senador Veneziano, por ter insistido nesse tema ao longo desse tempo todo, desses dois anos. Se Deus quiser, vai conseguir colocá-lo em votação para que a gente possa ter essa diferenciação do devedor contumaz.
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Como falou muito bem o Dr. Hugo, já existem devedores contumazes nos estados, só que o do Rio não é o de São Paulo, o de São Paulo não é o do Ceará, e o do Ceará não é o de Minas Gerais. Nós temos que ter um guarda-chuva, como foi a Política Nacional de Resíduos, que eu tive a oportunidade de relatar aqui nesta Casa. Você tinha políticas estaduais de resíduos, mas só quando teve a Política Nacional de Resíduos Sólidos que nós começamos a ter critérios de diferenciação de resíduos ou não.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Gratíssimo, Emerson.
O Dr. Igor pede a palavra.
Por gentileza.
O SR. IGOR NASCIMENTO DE SOUZA (Para expor.) - Obrigado, Senador Veneziano.
Eu só acho que o Hugo está repleto de razão no que ele fala. Se nós retirarmos a fundamentação do 146-A, a gente sai da questão da necessidade de levar para o Cade ou de atender esses requisitos todos que o Dr. Ivo colocou aqui, mas corre-se o risco de entrar no problema da sanção política, que é o problema que o Supremo reiteradamente já julgou, ou seja, eu não posso usar o tributo como finalidade, enfim, ou qualquer tipo de sanção como finalidade para obrigar a pessoa a pagar o tributo, que é a questão de parar caminhão na estrada.
Então, assim, o que não dá o problema da sanção política é a questão do direito à concorrência. E, lembrando, se nós tirarmos isso, que é o fundamento do 146-A, ele permite, a Constituição permite isso. Então, a gente teria que atender essas regras de concorrência. Mas, se nós fizermos, se essa lei for editada sem ter fundamento no 146-A e for só lá para o inciso que o Hugo falou, existe o risco de o Supremo entender que a lei é inconstitucional, porque seria o típico caso de sanção política.
E mais uma observação, o Deputado Emerson Kapaz falou bastante do setor de combustíveis, mas essa lei não está sendo feita para o setor de combustíveis, essa lei está sendo feita para todas as empresas brasileiras, vai ser aplicada a todos. Então, a gente sabe das dificuldades do setor, é reconhecido, até coloquei aqui na minha apresentação, não só os combustíveis, bebidas, cigarro, enfim, tudo isso, mas a lei vai ser aplicável a todos. A gente precisa ter uma lei que atenda as demandas de todos os setores.
Então, são essas as observações que eu gostaria de fazer porque eu acho que são relevantes, é o cerne da discussão da validade dessa lei. Eu acho que a gente chegou ao ponto que precisava chegar.
Parabéns, mais uma vez, Senador Veneziano, pela sua condução. É um prazer enorme estar aqui.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Pois não, Gustavo.
O SR. GUSTAVO HENRIQUE FORMOLO (Para expor.) - Mais uma vez eu gostaria de parabenizar pela tramitação do projeto, que é muito bom e que trata desse tema caro do devedor contumaz.
Só para acrescentar e a gente poder ir almoçar e finalizar a nossa audiência, eu vejo que muito tem se falado sobre os meios ordinários de cobrança como suficientes para combater os devedores ou aqueles meros sonegadores de tributos e também sobre a invalidação de sanções políticas pelo Supremo Tribunal Federal.
Vale lembrar, como o Hugo mesmo disse, e como o Emerson trouxe, que existem regimes estaduais já vigentes e já analisados pelo Supremo Tribunal Federal. Não há uma jurisprudência consolidada ainda, mas se afastou o conceito de sanção política quando o devedor é contumaz. Então, seria outra escala de devedor. A um mero devedor é possível aplicar sanções políticas? Não é possível. Nesse caso, é sanção política para o devedor contumaz? Não é sanção política.
Então, só para acrescentar mais esse fato. Eu acho que o Supremo ainda vai ter que revisitar esse ponto, necessariamente. E eu brindo mais uma vez a fixação de critérios objetivos, que é uma das vantagens do projeto de lei, e mais uma vez nos colocamos aqui à disposição.
Só era essa última colaboração que nós gostaríamos de fazer.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Gratíssimo, Gustavo.
Enrico, por gentileza.
O SR. ENRICO SEVERINI ANDRIOLO (Para expor.) - Senador Veneziano, obrigado.
Vou ser bem breve também, mas acho que é um ponto importante. Eu já tinha colocado na minha fala, mas acho que os colegas, o Prof. Ivo, trouxeram, do concorrencial. De fato, a competitividade é um conceito mais amplo, não fica só no tributário, mas também não fica só no concorrencial, tem o regulatório. Então, abrange uma série de áreas.
Parece-nos que o devedor contumaz vai pegar um problema em que, talvez, a Lei de Defesa da Concorrência (12.529) não consiga atuar. Talvez o preço predatório não consiga ser a ferramenta necessária para atuar nesse tipo de problema. E aí, assim, eu comentei, ali na minha fala, que se você pensar que são 30% tributo e que a margem do distribuidor e do revendedor juntos é de 15%... Vamos tentar pensar aqui num exemplo rápido. Eu fiz aqui uns números para a gente poder visualizar.
Se o município é pequeno, de 5 mil habitantes - porque o Cade já definiu que o mercado relevante seria do município, nesse cenário - e tem dois postos de gasolina, um tem 90% e outro tem 10%. Se esse que tem 10% começar a adotar uma prática sistemática de sonegação, ou seja, se tornar um devedor contumaz, ele conseguiria, economizando 30% do tributo - o que talvez nem entre no conceito de custo dele, porque não tem aquele custo -, conseguiria vender a R$3,50. Se o preço de mercado fosse R$5, conseguiria a vender a R$3,50. O outro posto, que tem 90%, se tirar toda a margem dele, zerar, vai conseguir vender, no máximo, a R$4,25. São números redondos para facilitar. Olha, a diferença é de R$3,50 para R$4,25 no litro do combustível. Então, assim, em pouco tempo, é fácil perceber que aquela população ali vai começar a abastecer no posto que tem um preço muito mais barato. E aí, assim, mesmo tendo essa diferença, o outro vai começar a ganhar o mercado, como o Emerson Kapaz falou. Provavelmente ele vai acabar quebrando, no fim do dia, o outro posto. Mesmo tendo, inicialmente, 90%, ele vai acabar quebrando. E ele não se enquadraria, talvez, no conceito de preço predatório porque não tinha poder de mercado, tinha menos de 20%, não tinha, talvez, capacidade de recuperar o custo, talvez não tivesse capacidade ociosa, mas usa a questão tributária para afetar a concorrência.
Então, na nossa visão, a gente entende que o direito à concorrência é extremamente relevante para a questão, mas que, talvez, falte, justamente, uma lei, algum ajuste no nosso ordenamento, para poder trazer esse tipo de situação que nos parece que a Lei de Defesa da Concorrência ainda não consiga atender plenamente e que, no fim do dia, gera um desequilíbrio concorrencial, como diz o 146-A.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Dr. Enrico.
Eu queria me despedir dos senhores e das senhoras e de todos os que nos acompanharam pessoalmente, na condição de ter presidido esta reunião na ausência justificada do Senador Presidente da CCJ, Senador Otto Alencar. Eu fiquei extremamente agradecido pela atenção que os senhores, dez expositores, se deram e se permitiram trazer. É um respeito não para com a Presidência, é um respeito para com o colegiado, respeito intelectual, honestidade intelectual, o que nós estamos a propor aqui. Afinal, o que nós pretendemos é apresentar, se não aquilo que é idealmente desejável, aquilo que é possível. Esta é a nossa obrigação: buscar, quanto mais possamos, sugerir construções legislativas que atendam a essas expectativas.
A CCJ, de fato, quando realiza uma audiência tão rica em termos de sugestões, com as presenças altamente capazes dos senhores que conosco participaram, contribui para esse debate.
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Eu quero agradecer a Renato Cabral Dias Dutra, a Gustavo Henrique Formolo, a Rodrigo Senne Capone, a Emerson Kapaz, a Enrico Severini Andriolo, a Hugo Funaro, ao Prof. Ivo Teixeira Gico Júnior, a Igor Nascimento de Souza e, por fim, a Ricardo Medeiros de Castro, que atenderam a esse chamamento.
Agradeço às Sras. Senadoras e aos Srs. Senadores que participaram presencialmente, em especial, ao Senador Laércio Oliveira e ao Senador Ciro, que, do início ao fim, prestigiaram este momento; e a todos senhores e senhoras brasileiros que também tiveram, pelas presenças que mencionei nas observações e perguntas dos amigos e amigas, a participação no Senado Federal.
Um grande abraço a todos.
Amanhã, nós nos reuniremos. É provável que não concluamos, porque é de praxe que pedido de vista seja apresentado, mas será mais uma etapa superada. Nós haveremos de ter um deslinde a respeito da matéria.
Muito grato a todos.
Bom dia.
(Iniciada às 9 horas e 19 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 21 minutos.)