22/04/2025 - 6ª - Comissão de Assuntos Econômicos

Horário
O texto a seguir, após ser revisado, fará parte da Ata da reunião.

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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 6ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 22 de abril de 2025.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública regular com o Presidente do Banco Central do Brasil para discutir as diretrizes, a implementação e as perspectivas da política monetária, nos termos do art. 99, inciso VII, §1º, do Regimento Interno do Senado Federal.
Em obediência à legislação pertinente, em especial a Lei Complementar 179, de 2021, e o Regimento Interno do Senado Federal, estamos reunidos nesta Comissão de Assuntos Econômicos para ouvir do eminente Presidente do Banco Central do Brasil, Dr. Gabriel Galípolo, relevantes informações sobre a economia do país.
Informo que esta audiência pública é transmitida pelo sistema de comunicação do Senado Federal, incluindo a TV Senado e suas redes sociais, e tem caráter interativo, facultando a participação popular por meio da Ouvidoria da Casa ou do Portal e-Cidadania.
Sras. e Srs. Senadores, hoje a temática mais relevante do nosso país figura entre as atribuições e competências da instituição conduzida pelo Dr. Galípolo e sua Diretoria Colegiada.
Com efeito, a política monetária constitui assunto da mais alta importância e seus impactos afetam todos os agentes da economia nacional: do consumidor, que enfrenta alta de preços, a carestia, ao empresário, que busca financiamento para os negócios, não esquecendo, evidentemente, o Estado, duramente afetado pelo aumento da dívida pública.
Enfrentamos incertezas no cenário internacional, com flutuações no câmbio e medidas tarifárias por parte do Governo americano, que ainda não permitem ver com clareza qual será a trajetória das commodities e de outros itens de exportação do Brasil.
A pressão externa influencia o preço dos alimentos dentro do país, considerado um dos vilões do aumento da inflação.
Segundo a Carta de Conjuntura mais recente do Ipea, a projeção do INPC passou de 4,7% para 4,9%. A esperada supersafra deste ano, sem dúvida, vai ajudar mais os preços dos alimentos, não devem regredir com velocidade.
Assim, Sras. e Srs. Senadores, temos uma situação peculiar.
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Vamos muito bem, segundo diversos indicadores macroeconômicos, a começar pelo crescimento do PIB, pelo aumento da renda média das famílias e pela taxa de desemprego muito baixa. No entanto, como um fantasma a nos assombrar, paira o perigo do descontrole inflacionário.
O Governo Federal, em um grande esforço fiscal, como fala, e contrariando as expectativas do mercado, atingiu a meta de superávit primário em 2024, após uma célere aprovação de medidas aqui, no Congresso Nacional, mas um processo inflacionário persistente, puxado, sobretudo, pelos alimentos, conduziu o Copom à utilização sistemática de um remédio amargo: o aumento da taxa básica de juros da economia - é, evidentemente, uma faca de dois gumes.
Espera-se a contenção das pressões inflacionárias, mas isso também pode levar ao desaquecimento da economia, com desemprego e queda no consumo.
Certamente, hoje, aqui, a autoridade monetária vai explicar suas escolhas e demonstrar a eficiência de suas políticas sobre a atividade econômica de longo prazo sobre o curso da inflação e nos dar detalhes acerca da política fiscal e monetária.
Todos sabemos que o aumento dos juros é uma ferramenta eficaz para conter a inflação. Apesar desse fato, é um remédio amargo para o cidadão comum e para empresas. Não podemos focar também em outras medidas menos dolorosas, não podemos diminuir a duração de medidas contracionistas e não podemos repensar sua própria dosimetria.
O Dr. Galípolo encontrou, neste Colegiado, um forte amparo, ao ter seu nome aprovado por unanimidade à Presidência do Banco Central do Brasil. Possui, indiscutivelmente, qualidades técnicas, políticas e administrativas para exercer a missão institucional do Banco Central nestes tempos difíceis, atuando para garantir a estabilidade da moeda, cuidar da estabilidade do sistema financeiro e fomentar o bem-estar econômico da sociedade, de modo que nenhum remédio possa, eventualmente, tornar-se um veneno.
Destaco, por fim, a importância desta audiência no âmbito dos eixos do planejamento estratégico desta Comissão de Assuntos Econômicos, dada a centralidade do papel institucional do Banco Central, neste momento, em que se busca aperfeiçoar a governança no mercado de capitais e no sistema financeiro.
O Presidente Galípolo tem o apoio de todos, do Ministério da Fazenda, do Presidente da República, e também conta com a confiança majoritária e apoiamento do Congresso Nacional e dos diversos mercados.
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Da minha parte, falando em nome deste Colegiado, desta Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, desde já, eu agradeço pela presença e pela presteza do Presidente Galípolo em nos atender, em sua observância estrita ao princípio da transparência na administração pública.
Eu tenho a satisfação de conceder a palavra, por um prazo inicial de 20 minutos - se V. Exa. precisar de um tempo maior, por favor, fique inteiramente à vontade -, ao Presidente do Banco Central, Gabriel Muricca Galípolo.
Com a palavra V. Exa.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - Este aqui ligou. Pronto.
Exmo. Sr. Senador Renan Calheiros, Presidente desta Comissão de Assuntos Econômicos, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, senhoras e senhores que estão aqui presentes, para mim é uma enorme satisfação poder voltar aqui, à Comissão de Assuntos Econômicos, para poder prestar contas.
Tenho sempre defendido que cabe à autoridade monetária explicar e dar, cada vez mais, transparência sobre o que faz e o porquê faz. E este é um fórum absolutamente privilegiado para eu ter esse tipo de oportunidade. Então, agradeço demais ao Presidente Renan Calheiros pela possibilidade de poder vir aqui explicar e também ouvir - não só falar, mas também ouvir -, o que é superimportante para todos nós.
O Senador, que já é, praticamente, um pós-doutorado em economia, já facilitou muito o meu trabalho aqui, ao fazer a apresentação dele, porque tocou em vários dos pontos pelos quais eu pretendia perpassar. Isso já facilita bastante aqui o meu trabalho.
Vou começar discutindo o cenário internacional, porque acho que esse tem sido - acho não, com certeza - o vetor principal na determinação da dinâmica dos preços de mercado hoje. E acho que a gente está entrando, hoje, numa terceira fase, vamos dizer assim, do que é a leitura do mercado sobre o Governo Trump.
E aí é importante ressaltar que ao Banco Central não cabe ou é menos relevante a opinião que os técnicos do Banco Central ou o Presidente do Banco Central têm sobre efetivamente alguma coisa, como um Governo ou uma política especificamente. A gente está sempre trabalhando, dentro do nosso mandato e da estabilidade monetária e financeira, em entender como é que os mercados e esses preços que refletem a estabilidade financeira e monetária estão interpretando essas ações. Então, aqui é muito mais uma leitura de como o mercado está lendo do que efetivamente uma leitura do Banco Central.
Eu vou tentar separar essas três fases meio que por trimestres, assim. Então, poderia dizer que, no último trimestre de 2024, existia uma interpretação, por parte do mercado, do Governo Trump mais benigna, no sentido de que seria uma gestão mais pró-mercado. Esta gestão mais pró-mercado tenderia a reduzir impostos e regulamentação sobre empresas, provavelmente tentando substituir parte dessa base de arrecadação do Governo norte-americano com tarifas, mas não se imaginava que seriam feitas de maneira drástica ou de uma vez só, imaginava-se mais gradual ou até que fosse de maneira mais errática, como foi no primeiro mandato do Presidente Trump. E isso impulsionou uma visão mais benigna para a economia norte-americana, impulsionando o valor dos ativos, especialmente do dólar e de ativos americanos como equities, como preços de ações, em função dessa perspectiva de menor tributação e de uma economia mais pujante, lembrando que a economia já vinha num cenário de bolsa americana crescendo bastante, num cenário de economia próxima ao pleno emprego, migrando ali para se aproximar da meta de inflação.
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Depois, ao longo do primeiro trimestre deste ano, aquilo que está presente no balanço de risco que o Copom comunicou na sua primeira decisão em janeiro, da possibilidade de o impacto tarifário produzir algum tipo de desaceleração na economia norte-americana e, por consequência, pelo tamanho da economia norte-americana, uma desaceleração na economia global, foi ganhando força. Aquilo que a gente fala em janeiro vai ganhando força, e vai-se tendo esse entendimento de uma possibilidade de que as tarifas possam desacelerar a economia, e, para além das tarifas, há a própria incerteza. O fato de você ter muita dúvida sobre o que vai acontecer... E essa é uma incerteza meio exponencializada, não é? Você tem uma incerteza sobre o que irá ocorrer, ou seja, quais são as tarifas que vão ser implementadas, dadas até as idas e vindas a que nós temos assistido, e, uma vez implementadas, quais são os desdobramentos que tem sobre as cadeias produtivas. Então, você tem dúvida sobre o que vai ocorrer e quais são os efeitos sobre aquilo que vai ocorrer.
Esse cenário foi ganhando força ao longo desse primeiro trimestre, o que sinalizou já uma ideia de um dólar mais fraco e uma atividade econômica mais fraca nos Estados Unidos. Essa foi a dinâmica que foi ganhando predominância ao longo do primeiro trimestre. E agora nós estamos meio no limite de uma interpretação que oscila entre essa que eu acabei de dizer, de alguma desaceleração em função da própria incerteza que foi gerada, que posterga consumo, posterga investimento, para um cenário de possível aversão a risco, ou seja, de que você teria uma escalada nessa disputa e nessa guerra tarifária e de que essa escalada pode trazer um cenário de uma desaceleração mais abrupta e mais forte em função disso.
Num cenário como esse, é comum que os investidores busquem se proteger com ativos mais líquidos e ativos que ofereçam menos risco, o que costuma já ser absolutamente desafiador para economias emergentes, quando isso acontece, e não é positivo do ponto de vista da dinâmica econômica, porém, agora, então, num cenário ainda mais complexo, porque nós estamos falando de um cenário de aversão a risco onde aquilo que é conhecido como o ativo de última instância, o ativo mais seguro da economia está sendo um pouco questionado. Ou seja, historicamente, quando você tem um cenário de aversão de risco, o que você costuma fazer é correr para o dólar ou correr para títulos soberanos norte-americanos. Como, desta vez, o epicentro da crise está vindo da própria economia norte-americana, há, é perceptível, entre os agentes econômicos, uma dúvida sobre para onde se deve procurar proteção no momento de aversão a risco. Esse é o cenário em que a gente está entrando, e por isso que a gente está vendo alguns cenários de arbitragem entre moedas de alguns países ou o próprio preço do ouro, como o ouro tem se valorizado e batido recordes, a gente tem assistido. Então, esse é um cenário de preocupação.
Prospectivamente, a gente tem algumas possibilidades, não é? Um cenário que eu acho que está mais forte na visão dos mercados é um cenário de desaceleração já em função da incerteza gerada com as idas e vindas tarifárias, independentemente de qual vai ser o modelo final de tarifa que vai ser praticado. Ou seja, a própria incerteza já deve provocar algum tipo de desaceleração. Vimos, hoje, pela manhã, o próprio FMI revendo a projeção de crescimento global para baixo, meio nessa linha de que a guerra tarifária deve, a incerteza acerca da guerra tarifária deve provocar algum tipo de desaceleração global.
A partir daí, você tem alguns desdobramentos para o resto do ano. Você pode entender que você vai desescalar, para usar uma tradução livre aqui, a disputa tarifária, e, a partir de você ter acordos que vão saindo entre os países, essa desaceleração vai se esvaindo, e você vai caminhando para a trajetória que já era mais ou menos aguardada, retomando a trajetória que era pensada. Esse é um cenário.
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Um outro cenário é um cenário em que você continua escalando essas tarifas, o que vai provocando desarticulações nas cadeias produtivas; e algo que não é simples para os economistas pensarem, porque a gente está falando de um movimento que não é um movimento, como a gente costuma dizer, "ao longo da curva", ou seja, que costuma produzir aquilo que a gente chama de trocas ou trade-offs tradicionais e, provavelmente, um deslocamento da curva de oferta para uma posição pior, em que você teria, para conseguir ofertar a mesma coisa, um custo mais elevado.
Então, o trade-off tradicional, a troca tradicional que você estava imaginando, entre preços e atividade econômica, talvez não responda da maneira como a gente foi treinado para pensar num cenário como esse. Você pode ter menos atividade econômica, e com preços mais elevados.
Um outro cenário é um cenário de você importar desinflação, em função de uma desaceleração global que tende a reduzir os preços de commodities, entre outros preços de ativos, e isso gera um processo mais desinflacionário.
E existe ainda uma perspectiva de você conseguir racionalizar, na qual os Estados Unidos possam chegar a um termo com a maior parte dos países que são historicamente seus parceiros e aliados, e em que, eventualmente, a disputa tarifária comercial entre Estados Unidos e China fique circunscrita a produtos que são entendidos como estratégicos - e, aí, pode-se entender desde veículos elétricos até microprocessadores, que seriam questões mais estratégicas, e a disputa ficaria restrita a isso. Então seria uma desarticulação mais contida, vamos dizer assim.
Mas tudo isso ainda está muito em discussão, e, como eu disse, estamos num ambiente de elevada incerteza, tanto sobre o que deve ocorrer quanto sobre quais são as consequências da aplicação das tarifas.
Quando a gente olha para a atividade econômica aqui do Brasil, o Brasil está crescendo pelo quarto ano consecutivo, a uma taxa superior a 3%, bem acima do que as projeções imaginavam no começo do ano e também acima daquilo que indicam os modelos ser o crescimento potencial do país. O PIB cresceu, em 2024, 3,4%, após ter crescido 3,2% em 2023 e 3% em 2022.
Quando a gente olha para esse crescimento, a gente percebe, nessa tendência, que ele é um crescimento que, sim, muitas vezes ele é explicado por essa grande produtividade e exuberância de safras, que foram excepcionais, do agro, mas não só.
A gente está próximo do que a gente pode entender do pleno emprego, até porque nós estamos com níveis de desemprego que estão na mínima da série histórica. Então, mesmo que a gente quebre ali em serviços, em comércio, em indústria e por vários outros indicadores, nós vamos conseguir encontrar ali indicadores que mostram que há um dinamismo bastante acentuado da economia brasileira. Vendas de veículos novos atingiram, em novembro de 2024, o maior nível em cerca de cinco anos, na média móvel trimestral; em fevereiro de 2025, o nível de utilização da capacidade instalada da construção civil atingiu o maior nível em dez anos; e o volume de serviço e comércio está próximo do maior nível registrado da série. Então, não está circunscrito a um setor especificamente, é algo que, como a gente pode perceber, está bastante disseminado na economia.
A gente está, como eu comentei, com a menor taxa de desemprego da série histórica e também observou a queda mais rápida e acentuada da taxa de desemprego da série histórica: ela caiu de 15%, em setembro de 2020, para 6,4%, em fevereiro de 2025. E a renda disponível das famílias também cresceu: 22%, de dezembro de 2021 a dezembro de 2024 - é a maior alta de três anos da série histórica. Então, por diversas métricas que você possa medir, seja relativas a mercado de trabalho, seja em nível de atividade dos diversos setores, o que a gente passa a assistir é a que a economia brasileira mostra um dinamismo excepcional e que ela está bastante aquecida.
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O crédito bancário também, como percentual do PIB, está próximo dos maiores valores da história: ao redor de 55% do PIB. O crédito às famílias, tanto livre quanto direcionado, aumentou de menos de 20% do PIB, em 2008, para cerca de 35%, recentemente. E o crédito ampliado às empresas, que envolve empréstimos, títulos da dívida interna e externa, também está próximo ao máximo histórico. A concessão de crédito livre para pessoa física, exceto cartão à vista, também teve crescimento de quase R$14 bilhões, de abril de 2023 para fevereiro de 2025.
Nesse cenário - e aí há um pouco do que o Presidente Senador Renan Calheiros estava comentando sobre o remédio ser amargo e os dois lados -, o primeiro ponto é, e não é por acaso que a comunidade de banqueiros centrais costuma ser unida: a vida do banqueiro central sempre é uma vida de estar meio no contrapé, porque o que o Banco Central tem de fazer, se conseguir fazer bem-feito, é estar numa política anticíclica ou contracíclica, ou seja... Eu usei já a metáfora do chato da festa algumas vezes, mas não é chato da festa porque tem algum tipo de satisfação em ser chato, é simplesmente porque o seu papel é, quando a economia está aquecida, você tentar fazer uma política anticíclica, ou seja, se mais aquecida do que ela poderia e gerando pressões inflacionárias, você deveria tentar segurar a economia, refrear um pouquinho a economia para que essa pressão inflacionária não virasse uma espiral e, a partir daí, como bem disse o Presidente Renan, não se perdesse o controle da estabilidade monetária.
Num caso contrário, quando você vê a economia perdendo dinamismo e desacelerando, é nesse momento que o Banco Central tende a flexibilizar a política monetária, justamente para permitir condições financeiras mais favoráveis ao investimento, ao consumo e à retomada do crescimento. Daí que eu disse que você costuma ser esse sujeito na festa que, quando a festa está ficando muito aquecida, o pessoal está subindo em cima da mesa, você tira a bebida da festa; mas também, quando o pessoal está querendo ir embora, você fala: "Fiquem, está chegando mais bebida, fiquem tranquilos, vai ter música, podem continuar na festa". Então, você já tem esse papel meio chato de ser o cara que está sempre na contramão, ou seja, quando está todo mundo contente que a economia está dinâmica, como a gente acabou de falar, você é o sujeito que está preocupado com a pressão em preços; e vice-versa, você deve ter um cenário mais de possibilitar flexibilizar a política monetária justamente no momento quando você tem uma desaceleração da economia.
Quando a gente olha para os preços, também a gente percebe que esses preços estão bastante... a inflação acima da meta está bastante disseminada, ela também não é algo pontual. Quando a gente olha para o IPCA, para os segmentos mais voláteis - administrados ou alimentação a domicílio -, a gente consegue enxergar uma inflação que está bastante acima da meta, fora inclusive da banda superior da meta, disseminada por diversos produtos, sejam bens industriais, sejam serviços, seja através do IPCA, ou administrados, ou alimentação a domicílio.
As expectativas de inflação passam, então, a sofrer uma desancoragem. Isto é um elemento muito importante na gestão da política monetária, o manejo das expectativas de inflação. Como vocês podem perceber, ela já vinha parcialmente desancorada ao longo de 2023, e essa desancoragem cresce para todos os vértices, tanto para 2025 quanto para 2026 e para 2027, estando, inclusive, acima da meta em todos os vértices que a gente acabou de colocar.
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Então, seja por qual teoria a gente goste de analisar a embocadura aqui sobre a questão de metas de inflação, você reuniu elementos e fatores para iniciar um ciclo de aperto mais acentuado de política monetária; seja porque você está olhando para as expectativas, seja porque você está olhando para a atividade corrente, seja porque você está próximo ou no pleno emprego, a partir da ideia de que está na taxa mais baixa de desemprego, seja também pelo cenário internacional. E aí entra um elemento de complexidade adicional, que vale eu mencionar aqui, quando você é autoridade monetária de um país emergente, vamos dizer assim, ou de uma economia que não tem uma moeda que é uma moeda internacional.
Aquilo que eu comentei agora há pouco, de que você tem essa... de que a autoridade monetária geralmente está no contraciclo, ou seja, está sempre tentando fazer algo na direção oposta da que está indo a economia - se a economia está andando rápido demais, gerando pressão inflacionária, e o consumo está muito acentuado para aquela capacidade de oferta, subir juros para tentar conter; e o inverso também é verdadeiro, se a gente tiver desemprego, aí tentar flexibilizar as condições monetárias -, essa é uma regra que é praticamente o livro-texto, vamos dizer assim, de um banqueiro central de uma economia avançada. E para uma economia emergente, ele teve de considerar isso mais o cenário internacional, ou seja, a política monetária do país que detém a moeda internacional também tende a afetar o valor da nossa moeda, a dinâmica da nossa economia e, a partir daí, muitas vezes, cabe ao Banco Central ter de responder, aumentando, por exemplo, o prêmio em função de um momento de aversão a risco. Para dar um exemplo hipotético, se eu tenho aqui uma aversão a risco aumentando e você entende que o papel de um país emergente é um papel que detém e apresenta maior risco, muitas vezes você vê autoridades monetárias de países emergentes, mesmo num momento de desaceleração econômica, tendo de manter a taxa de juros mais elevada para manter um prêmio, para oferecer um prêmio maior para quem decidir investir no país e aí conter um processo de desvalorização da sua própria moeda.
A gente costuma medir a atratividade de você estar apostando naquela moeda ou apostando contra a moeda do país pelo carry, por aquilo que a gente chama de carry trade, que é uma rentabilidade oferecida ao investidor que adquire essa moeda ao longo de um determinado período. E aí o que a gente pode comparar é como é que estava esse carry, ou seja, essa rentabilidade de quem estava investindo no real ao longo do ano de 2024. Percebam que vai ser só lá no final mesmo, em dezembro de 2024, que a atratividade de investir no real estava maior do que você investir, por exemplo, em peso mexicano. Esse ponto é relevante, porque neste processo de arbitragem entre moedas, se é percebido que essa atratividade que é paga, que vem de uma taxa de juros mais a variação da moeda, para quem está comprando o peso mexicano beneficia; e para quem está vendido, vamos dizer assim, apostando contra o real, também beneficia, o investidor pode somar essas duas posições e fazer essas duas coisas, ou seja, usar recursos que estão saindo do Brasil e se financiando no Brasil, investindo nessa moeda, como é o caso do peso mexicano, o que promove uma apreciação dessa moeda e uma desvalorização da nossa.
Então, o processo que foi feito no final do ano de elevação da taxa de juros, de estabilização da taxa de juros...
(Soa a campainha.)
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - ... direcionou para que você pudesse ultrapassar o prêmio para quem estava apostando, por exemplo, em moeda mexicana e tornar mais atrativo ou menos atrativo apostar contra a moeda brasileira.
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Eu vou passar aqui rapidamente, como o tempo está acabando. Só isso aqui acho que...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Fora do microfone.) - Fique à vontade.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Fico.
Aqui acho que tem um ponto que eu acho que era importante, Presidente, falar, que é o impacto que nós temos hoje de repasse cambial para a inflação de alimentos, por exemplo, mesmo quando você está falando de agricultura familiar ou de outras produções em que você fala: "Poxa, mas isso o Brasil não importa". As commodities, obviamente, são impactadas diretamente pelo preço internacional, independentemente de a gente exportar ou não, ou de importar ou não, mas, para além disso, o que é importante colocar aqui é o quanto os custos estão ligados ao câmbio. Ali a gente está vendo: mesmo na agricultura familiar, na agropecuária total, quantos por cento são diretamente ligados ao câmbio; quantos são parcialmente ligados ao câmbio; e não ligados ao câmbio a gente vai ter alguma coisa ali entre 30% e 40%. Então, estamos falando de 60% a 70% da produção de commodities e alimentos no país ligados diretamente ou com alguma correlação elevada com a taxa de câmbio. E ali um pouco do quanto que a gente vê esse repasse cambial para a inflação, o que se correlaciona com aquela conversa que a gente comentou, no eslaide anterior, sobre como são vistos esses prêmios comparativamente.
Isso é importante, porque a gente, muitas vezes, fica analisando simplesmente o diferencial do Brasil para os juros americanos ou alguma coisa desse tipo. A brincadeira que eu costumo fazer nesse processo é mais ou menos como aquela história do sujeito que está num safári e que começa a colocar um tênis quando vê o leão correndo, e o outro sujeito diz assim "Mas você acha que você vai correr mais que o leão?", e ele diz "Eu não preciso correr mais que o leão, eu preciso correr mais do que você". Quando você é um país emergente, geralmente os investidores estão olhando como pares esses países emergentes. Então, você vai ser comparado com esses pares, e é muito importante essa comparação entre pares para você entender se você vai ser um polo de atração de investimentos ou de retirada e fuga de capitais.
E isso vai, obviamente, também bater nesse repasse de câmbio para inflação. E, por isso, eu comecei falando tanto da economia internacional, porque a dinâmica que vem das incertezas da política econômica norte-americana, notadamente a política tarifária, tem sido determinante para o preço dos ativos.
Eu vou passar aqui rapidamente sobre o que é o objetivo fundamental do Banco Central, como está previsto na Lei Complementar 179: "Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o [...] [BC] também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego". É o Conselho Monetário Nacional que determina e fixa a meta de inflação, e ao BC cabe executar as políticas necessárias ao cumprimento da meta, ou seja, uma vez determinado qual é a meta de inflação, cabe à Diretoria do Banco Central, na formação do Comitê de Política Monetária, colocar a taxa de juros num patamar que viabilize o atendimento e o alcance daquela meta de inflação que foi determinada pelo Conselho Monetário Nacional.
Por fim, eu queria falar aqui - vou tomar mais cinco a sete minutinhos, mas eu acho que é importante eu falar - um pouquinho sobre o que eu entendo serem os eixos fundamentais aqui, pilares para o que a gente imagina como agenda da autoridade monetária pelos próximos anos.
Um primeiro ponto é o que eu estou chamando de normalização da política monetária. O que eu quero dizer com isso? Se a gente tomar um pouco a história econômica do Brasil, ela é bem destacada ali em três fases, como a gente pode chamar - tanto a história econômica quanto a literatura econômica do Brasil. A gente tem um primeiro momento, que é o momento de industrialização por processo de substituição de importações, que visa justamente superar a condição de ser um país dependente da exportação de uma monocultura, notadamente naquele momento o café. O Brasil era praticamente uma economia exclusivamente dependente da exportação de café e que tendia a importar todo o resto que precisava a partir das receitas que vinham da exportação de café.
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Foram 50 anos de processo de industrialização, o Brasil cresceu a 7% ao ano, dobrando o seu PIB a cada dez anos. Ao final dos anos 70, chegou a ser ali provavelmente a economia com um parque industrial dos mais densos e diversificados que a gente tinha na periferia do sistema econômico mundial. Mas, passado esse processo, o que a gente vai enfrentar, ao final dos anos 70 e início dos anos 80, é um processo de tentar superar a inflação.
(Soa a campainha.)
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - E aí quem lê qualquer tipo de texto sobre os anos 80 no Brasil vê que era impossível você ser economista e fazer mestrado, doutorado ou qualquer paper que não fosse para debater a inflação no Brasil.
O processo inflacionário do Brasil é um processo bastante peculiar que a gente viveu nesse período, existe um grande debate sobre o que é tecnicamente e como é que se define hiperinflação. Eu não vou aqui tomar o tempo das Senadoras e dos Senadores debatendo isso, mas basta dizer que esses processos com inflação acima de três dígitos, muitas vezes de quatro dígitos, quando a gente olha para outros casos históricos, são processos agudos e curtos, ou seja, você viu lá um ano, dois anos, três anos de uma inflação bastante elevada, mas que foi um período mais curto. O Brasil conviveu com essa inflação mais elevada por mais de 15 anos. Ela começa ali acima de 100% nos anos 80, e a gente vai chegar a uma inflação acima de 1.000%; se a gente pegar 12 meses ali no comecinho dos anos 90, chegamos a ter 6.700% de inflação num intervalo de 12 meses. Então, durante 15 anos, a gente teve um processo de uma inflação muito elevada, que foi duradouro, foi o mais duradouro que a gente encontra na história econômica. E aí, naquele momento, o grande debate econômico era como superar esse processo inflacionário, que foi superado a partir de 1994 com o Plano Real.
Obviamente, estamos todos no Banco Central bastante incomodados de não estarmos cumprindo a meta, estarmos fora da meta. Porém, estamos falando de um nível de patamar de inflação muito inferior ao que nós estávamos discutindo antes e muito mais próximo do que a gente vê com as economias avançadas e com as economias emergentes. O que eu acho que sobrou para a gente enquanto geração, neste momento de debate central na política econômica ou em política monetária ao menos, é esse incômodo que existe - e a gente entende e tem empatia com ele - de por que é que o Brasil sustenta durante tanto tempo taxas de juros que são mais elevadas comparativamente aos pares, ou seja, o Brasil tem apresentado taxas de juros que são mais elevadas quando comparado a outros países. Mas colocar a pergunta nestes termos eu acho que não esclarece totalmente a questão.
Quando a gente vai fazer boa parte das reuniões fora do Brasil, o questionamento que surge não é simplesmente por que você está com uma taxa de juros mais elevada comparativamente aos pares, seja uma taxa de juros real alta ou uma taxa de juros nominal alta, mas como é possível um país que sustenta uma taxa de juros que é para os outros países entendida como bastante restritiva ainda apresentar o dinamismo que nós comentamos aqui sobre a economia. Você está com uma taxa de juros que para uma outra economia deveria representar uma taxa de juros muito restritiva. E o que eu estou dizendo é que, com essas taxas de juros, o Brasil está convivendo com a menor taxa de desemprego da série histórica dele, com o maior nível de renda das famílias da série histórica dele e com diversos recordes do ponto de vista de atividade econômica quando eu perpasso vários tipos de indicadores sobre atividade econômica, o que sugere para a gente que talvez os mecanismos de transmissão da política monetária no Brasil não apresentem a mesma fluidez que a gente consegue observar em outros países.
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Talvez existam alguns canais entupidos de política monetária, o que acaba demandando que as doses do remédio sejam mais elevadas para que você consiga atingir o mesmo efeito. E aí é óbvio que é desejável que a gente consiga normalizar a política monetária no Brasil, para que a gente possa ter um nível de juros que seja mais semelhante ao que a gente pode enxergar nos nossos pares, mas de maneira que a potência da política monetária seja aumentada, ou seja, que com uma dose menor do remédio se consiga o mesmo efeito, para que o paciente não precise ficar convivendo durante muitos anos com uma dose muito elevada do remédio.
Diferente do caso da estabilidade monetária que foi conquistada com o Plano Real... E eu não quero de maneira nenhuma parecer que foi uma coisa que foi rápida ou simples, os primeiros textos da moeda indexada são discutidas ainda ali no final dos anos 70, começo dos anos 80, e o Plano Real vai ser colocado em prática só em 94. Mas foi perceptível em poucos meses a redução da inflação, a partir da implementação da URV e do Plano Real. Nesse caso, me parece que a normalização da política monetária vai demandar uma série de reformas contínuas, muitas vezes reformas que não estão simplesmente dentro da alçada do Banco Central, e que não vamos ter uma bala de prata disponível, né? Vai demandar bastante debate com a sociedade, discussão, para que a gente possa conquistar isso.
Uma segunda agenda que é bastante importante é a ampliação do acesso da população a um crédito de menor custo. O que eu quero dizer com isto? É um outro nome para a agenda do spread bancário que já está dentro do Banco Central há algum tempo, mas o porquê da alteração? O conceito é bem próximo ao que está sendo colocado lá já algum tempo. Quando a gente analisa, a maior parte das pessoas, muitas pessoas usam, por exemplo, o crédito rotativo como parte da sua renda disponível, para consumo, inclusive. E o crédito rotativo é aquele tipo de crédito que foi pensado para um momento absolutamente emergencial e por isso que ele tem, costuma ter taxas de juros mais elevadas. E ele foi praticamente incorporado por uma fatia da população como renda disponível. Essa fatia da população paga taxas de juros que são múltiplos da taxa Selic. Elas pagam muitas e muitas vezes mais do que a taxa Selic. Essa fatia da população tem uma sensibilidade baixa, inclusive, às alterações na política monetária. Dado que a taxa de juros que ela está pagando é tão elevada, há uma baixa sensibilidade nesse sentido e muitas vezes isso provoca um endividamento maior do que o necessário para essas famílias e afeta, inclusive, estabilidade.
Então, que a gente consiga fazer a substituição desses créditos de maior custo, que são de maior custo justamente porque a gente não tem garantias a serem oferecidas, tem uma baixa colateralização nesse tipo de crédito, para linhas de crédito que são mais planejadas, com garantias, com colaterais. E que se possa aproximar essa taxa de juros praticada para essas famílias da taxa de juros que é a taxa básica de juros absolutamente saudável, tanto para a potência da política monetária quanto para o acesso a crédito por parte das famílias.
Do ponto de vista da estabilidade financeira, eu acho que aí tem um tema de discussão que é global hoje, que basicamente divide ali as discussões sobre estabilidade. Há um consenso sobre o diagnóstico, ou seja, o mundo todo... Quando você fala com as demais autoridades monetárias, há um consenso de que boa parte da liquidez fluiu dos bancos para outros tipos de veículos e muitas vezes também se criaram novos tipos de possibilidades de atores no setor...
Tudo bem, Senador? Como é que vai? Tudo bem? (Pausa.)
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Novos tipos de atores que conseguem fazer funções que historicamente eram desempenhadas por bancos, através de algumas combinações. A partir deste diagnóstico, de um lado, você vai encontrar uma posição dizendo assim: "Bom, isso se deu por uma regulação que se ampliou e se elevou em cima dos bancos. O que deveria ser feito é reduzir a regulação em cima dos bancos". E, de um outro lado, vão dizer: "Não, isso se deu por uma possibilidade de arbitragem regulatória, em função do diferencial regulatório. O que se deveria fazer é ampliar a regulação de maneira mais homogênea, que deveria alcançar não só bancos, mas também outras instituições que conseguem desempenhar papéis análogos a bancos". Então, eu, pessoalmente, sou mais simpático à segunda alternativa: a de criar uma isonomia regulatória para se tentar retirar a arbitragem possível nessa isonomia, alcançando, de maneira mais homogênea e isonômica, os diversos agentes e atores.
Por fim, a questão da autoridade monetária e a comunicação. Sabe que esse negócio de comunicar, para o Banco Central, é algo relativamente novo. O Banco Central, até 30 anos atrás, não comunicava nem suas decisões de política monetária. Quando um jornalista queria saber se tinha tido uma decisão de política monetária, ele tinha que ligar para uma tesouraria de um banco e saber: "O Banco Central está pagando mais ou menos na compromissada?". E não era o Banco Central do Brasil, não; era o Banco Central dos Estados Unidos. Começou lá em 1995, só, a partir daí, a fazer comunicação. Então, o Banco Central está aprendendo este processo ainda de comunicar. Acho que a comunicação sobre política monetária virou uma ciência em si mesma. Como as Senadoras e Senadores sabem, hoje, a cada comunicado do Copom, a cada a cada ata do Copom, é estudada cada vírgula, cada palavra, sobre qual é o sentido, qual é o significado de cada uma daquelas palavras. Porém, o Banco Central tende a exercitar este processo de conseguir dialogar com um público mais amplo, não dialogar simplesmente com quem monitora e acompanha as decisões de política monetária. É uma demanda, é uma necessidade, seja por uma questão de prevenção a golpes, prevenção a fraudes, seja porque ele precisa informar sobre medidas que vão impactar a vida das pessoas no cotidiano. Alguns bancos centrais estão sendo mais ousados. Existem bancos centrais, inclusive, em que o Presidente do Banco Central está cantando jingles com atores. Eu prometo que os Senadores não vão precisar passar por isto de ver o Presidente do Banco Central cantando jingles ou coisas desse tipo. (Risos.)
Mas achar linguagens que são mais acessíveis e como é que a gente consegue comunicar com a população é um desafio, para permitir a gente poder explicar o que a gente está fazendo e por que a gente está fazendo.
Quanto ao avanço institucional em excelência, ele se correlaciona com o terceiro, ou seja, acho que ocorreram grandes transformações no sistema financeiro, muitas delas impulsionadas pela agenda de inovação e competição do Banco Central. Essas transformações e mudanças do mercado financeiro precisam de uma transformação proporcional nas ferramentas de que o Banco Central dispõe para poder fazer o processo de supervisão e fiscalização dos entes no mercado financeiro.
Eu vou só passar pelo Pix um segundo e aí eu encerro.
Aqui é um pouco da agenda evolutiva que a gente está programando para questão do Pix. O Pix por aproximação já está funcional, já está operando, a depender do tipo de tecnologia que o seu aparelho celular tem ou do modelo do seu aparelho celular, e ele possibilita essa realização de pagamento por meio de aproximação, aumentando a rapidez e a segurança na transação e melhorando a experiência do usuário. A gente vai ter também o Pix Automático, que vai permitir pagamento recorrente por meio do Pix, como conta de luz ou assinatura de streaming.
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Isso é interessante porque - só para dar dois exemplos aqui - a gente tem mais de 60 milhões de pessoas que não têm acesso a cartão de crédito, que hoje não têm cartão de crédito e que vão poder assinar serviços como esses sem precisar ter um cartão de crédito ou algo que muitos de nós já podem ter sofrido na vida, que é quando você tem o seu cartão de crédito clonado em alguma compra que você fez e é obrigado a cancelar tudo e refazer tudo. Se você tiver um Pix Automático, esse risco não existe, você está mais seguro.
O Pix Parcelado vai possibilitar o parcelamento de transação de Pix para compra, para o comprador, com o recebimento imediato para o vendedor, estimulando o uso do Pix no varejo para compra de bens e serviços, até de valor mais elevado, gerando novas alternativas mais competitivas para o mercado. Então, é a ideia de que você possa também parcelar pelo Pix. Você vai conseguir chegar ao varejo e poder parcelar pelo Pix, um instrumento bastante importante.
O MED (Mecanismo Especial de Devolução) vai permitir contestar transações de Pix que podem ter sido algum tipo de golpe que você sofreu. Então, você vai conseguir facilmente ali contestar pelo próprio aplicativo e você vai conseguir rastrear esse dinheiro por um número maior de contas para que você consiga ter a devolução desses recursos.
E, por fim, o Pix em Garantia, para quem muitas vezes não tem nenhum tipo de salário recorrente, é um autônomo, é um empreendedor, mas que tem um fluxo de recebíveis que é percebido através de uma chave Pix, e esse fluxo de recebíveis percebido pela chave Pix possa servir como um fluxo de garantias para um financiamento, né?
No crédito imobiliário, há também um desafio que é importante eu ressaltar aqui. A gente vem assistindo a uma queda do volume de recursos na poupança. A poupança é o mecanismo de financiamento, de funding para o crédito imobiliário. Há uma grande discussão se isso é conjuntural ou estrutural. Eu sou daqueles que entendem que é uma redução mais estrutural, e a gente vai precisar migrar para um novo modelo de funding. Isso não vai ser feito do dia para a noite, isso tem que ser gradual, e a gente vem discutindo já alternativas de funding se aproximando de captações de mercado, para que a gente possa financiar o crédito imobiliário.
O Open Finance, que já é bastante conhecido para priorizar a facilitação do processo de portabilidade de crédito e criação de um marketplace de crédito.
O Drex, como eu já tenho dito, não é exatamente uma moeda digital de Banco Central, como é pensado na Europa, por exemplo. Ele é uma infraestrutura que permite, através de contratos inteligentes e da tokenização, conseguir ampliar aquela ideia que eu comentei de colateralização, você ter a custódia do bem e do ativo numa única infraestrutura para aumentar a colateralização.
E, por fim, um fluxo padronizado de informações de transações financeiras, um birô de crédito, para que, através de acesso à informação, o crédito também possa ficar mais barato.
Peço desculpas por ter me estendido demais, Presidente.
Muito obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Nós agradecemos a intervenção inicial do Dr. Galípolo e passamos agora à fase das perguntas, da interpelação, na forma do Regimento.
Nós tínhamos dito que, dependendo do número de inscritos, até para garantir uma melhor evolução da audiência pública, do debate e, evidentemente, facilitando a participação de todos, nós faríamos blocos de três Senadores.
Cada Senador terá direito, na forma do Regimento, a fazer pergunta por cinco minutos. O Presidente do Banco Central terá tempo igual para responder a pergunta. O Senador, se desejar, terá direito à réplica e, em seguida, a tréplica.
Nós temos inscritos, pela ordem, o Senador Vanderlan Cardoso, Luis Carlos Heinze, Plínio Valério, Jaques Wagner, Zenaide Maia, Oriovisto Guimarães, Leila Barros e Cid Gomes.
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Eu tenho a satisfação de conceder a palavra ao Senador Vanderlan.
O SR. VANDERLAN CARDOSO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - GO. Para interpelar.) - Obrigado, Presidente Renan, a quem cumprimento.
Presidente Gabriel Galípolo, os meus cumprimentos, parabenizando pela condução à frente do Banco Central.
Colegas Senadores e Senadoras...
Presidente, como o senhor bem sabe, as taxas de juros no Brasil estão em 14,25% ao ano; a inflação medida pelo IPCA, em 0,56% em março, com um acumulado de 5,48% nos últimos 12 meses, e projeção do Boletim Focus divulgado hoje de 5,57% para o final deste ano. Temos, então, uma taxa de juros real de mais de 9% ao ano.
Nos Estados Unidos, Sr. Presidente, que V. Exa. já citou como exemplo, a taxa de juros está em 4,25% e 4,5%; e a inflação está em 2,4% no acumulado de 12 meses até março de 2025, com uma expectativa para o ano de 3,6% em março de 2025.
Conforme pesquisa da Universidade de Michigan, a taxa de juros real nos Estados Unidos é de cerca de 2% ao ano, podendo chegar a menos de 1% ao final deste ano.
Diante deste cenário, vimos que o Presidente Donald Trump está pressionando fortemente o Presidente do FED, o Banco Central dos Estados Unidos, a baixar a taxa de juros urgentemente - palavras do Presidente Trump.
Eu quero aqui também fazer um comparativo, Presidente Gabriel. Muito se falou dessa última fala do Presidente de querer trocar o Presidente do Banco Central americano, mas eu tenho uns dados aqui que pedi de um outro país que está em ascensão, crescendo até mais do que o Brasil, com muito mais exportações do que o Brasil, que é o Vietnã.
O Vietnã, em um dia desses, virou cinza, Esperidião Amin, com a guerra que houve com os Estados Unidos. Então, ele ressurgiu das cinzas. Era um exportador de arroz, de café, e hoje exporta valores agregados - tem valor agregado.
Nós temos ali, em 2024, uma exportação de US$405 bilhões, contra US$340 bilhões do Brasil; uma inflação de 3,63% em 2024 - no Brasil, 4,83% -; e a inflação para 2025 está projetada em 3,13% - no Brasil, 5,48%. Taxa de juros atual no Vietnã: 4,50% ao ano; ou seja, menos de 1% de juro real; e aqui no Brasil, 14,25%. A projeção da Selic para este ano - é uma projeção, e creio que pode não se concretizar - é de 15%. O PIB do Vietnã, 5% em 2024; o do Brasil, 3,4%. O PIB projetado para 2025: Vietnã, 6%; Brasil, 2%.
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Então, esse comparativo eu procurei fazer entre Estados Unidos e um país em crescimento, como está o nosso país, o Vietnã.
Então, eu gostaria aqui de saber de V. Exa., Presidente... Eu falava há pouco aqui com o meu Líder aqui, no Senado, Jaques Wagner. Eu venho do setor da indústria. Esse setor está padecendo muito. V. Exa. sabe - já conversamos sobre isso - como o setor de serviço, o setor do comércio, do agro têm sofrido bastante com essas taxas de juros. Falava ao Senador Jaques Wagner, graças a Deus, nas nossas empresas, é política nossa não dever, mas dos amigos que eu tenho - são inúmeros, em vários estados, inclusive Estado da Bahia, Estado de Goiás, Maranhão, Tocantins, Minas Gerais -, tem muitos deles que estão fechando, Presidente Renan, por condições. Alguns pegaram recursos dos fundos constitucionais - no caso nosso, do Centro-Oeste, o FCO - com uma taxa; com esses aumentos aí, estão se vendo numa condição de ter que leiloar, vender suas empresas, e muitos deles não estão nem conseguindo fazer isso.
Nós temos aí um crescimento previsto para o país, e o mercado está aquecido, não é? A nossa sorte é que o mercado está aquecido, mas até quando, não é?
Então, gostaria, só fazendo esse comparativo... Um país que foi destruído pela guerra, que virou pó realmente. Eu conheço aquele país que está construindo para todos os lados. Acredito que V. Exa. também conheça. Eu estive lá esse tempo atrás, visitando ali os países da Indochina, Presidente Renan. Todos eles estão num crescimento muito acelerado, uns pelo turismo, outros pela indústria, pelo comércio, pela área de serviço, que é o caso do Vietnã.
Com os cenários que V. Exa. mesmo já colocou aí, de cenário externo, essa questão desse tarifaço aí do Donald Trump, eu vejo, Presidente, que esse tarifaço vai beneficiar muito o país. Falava ali dentro para o nosso Presidente Renan, nós tínhamos fornecedor na China de produtos que a gente comprava para fazer promoção ali, na nossa empresa, e, em oito anos que nós deixamos de comprar, eles nunca ligaram para saber o que tinha acontecido. E agora já ligaram várias vezes. Inclusive tem...
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - BA. Fora do microfone.) - Não atendeu?
O SR. VANDERLAN CARDOSO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - GO) - Eu tanto atendi que mandei uma equipe nossa, Senador Jaques, lá para a China, na feira de Cantão, ali em Guangzhou, para visitar e para ver se realmente é o que eles estão falando, mas houve uma queda já brusca nos preços que estavam praticando, certo?
Então, a opinião de V. Exa. sobre essa questão... Porque eu acho que a pauta aqui hoje vai ser isto: a nossa choradeira, de todos aqui, é com relação aos juros mesmo e se há previsão aí realmente de a gente combater isso de outra forma, não é? Nós precisamos de uma luz, Presidente.
Obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Luis Carlos Heinze. Com a palavra a V. Exa.
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Nós temos agora dez inscritos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Não, o décimo é exatamente V. Exa. Estamos fazendo blocos de três Senadores para garantir uma participação mais efetiva de todos.
Com a palavra V. Exa., Senador Heinze.
O SR. LUIS CARLOS HEINZE (Bloco Parlamentar Aliança/PP - RS. Para interpelar.) - Sr. Presidente, colegas Senadoras, Senadores, primeiro quero cumprimentar o Presidente Galípolo por sua apresentação.
O meu assunto é um pouco diferente do Vanderlan, mas diz respeito ao meu estado. Nós estamos sofrendo um problema sério com a agricultura, que hoje é o carro-chefe da economia brasileira.
Em seis anos, tivemos quatro estiagens e uma enchente. Produtores... Inclusive, estão aqui agora a Luciane Agazzi, de Tapes, e a Vereadora Andressa, que representa Bagé, representando um grupo que tem uma audiência pública hoje à tarde, Deputado Afonso Hamm, tratando desse assunto. E esse assunto, Senador Hiran, virá também a esta Comissão.
A gente está propondo um tipo de securitização. Ao longo desses anos, para V. Exas. terem uma noção, nós perdemos praticamente um PIB do Estado da Bahia, Senador Jaques Wagner, mais de R$400 bilhões. Mais de 200 mil produtores, Senador Esperidião, estão hoje afetados pelas estiagens e também por essa enchente. Daí que a gente busca uma nova securitização.
No ano 2000, Malan era o Ministro da Fazenda; Pratini era o Ministro da Agricultura, e com eles nós ajustamos - com o Malan e com o Pratini - uma securitização dos débitos dos agricultores brasileiros. Era Brasil naquele momento, e hoje nós estamos precisando para o Rio Grande do Sul.
E aquele fato, Sr. Galípolo, foi fundamental. O Brasil ali, Renan, naquele momento, passou de 90 para 120 milhões de toneladas - Fernando Henrique plantou com 90 e Lula colheu com 120 -, aumentou quase 50%, e hoje nós estamos em 320 milhões de toneladas. Aquilo alavancou o crescimento da agricultura brasileira.
Vi V. Exa. falando sobre os preços, a inflação, alimentos, enfim. Imagine nós, do Rio Grande do Sul, que não temos produção. Então, esse é um problema sério, nós precisamos de uma ajuda do Banco Central. Já estamos conversando com o Ministro Fávaro, Paulo Teixeira e também com o próprio Ministro Haddad, a equipe dele, tratando desse assunto, porque nós precisamos de uma definição sobre esse tema, é uma nova securitização.
E, basicamente, o que nós fizemos naquela ocasião com Malan e com Pratini é possível fazer agora, de uma medida que não impacte praticamente nos custos da União, porque se paga numa modalidade de securitização que nós estamos propondo, e podemos usar até o Fundo Social, já foi usada uma parte para a enchente do Rio Grande do Sul ano passado e tem um recurso.
Essa é a forma como nós precisamos da sua ajuda para nós podermos trabalhar e resolver o impasse dos produtores, porque muita gente não planta mais a próxima safra. E quanto à nossa economia, para vocês terem uma ideia, com o tamanho desse PIB - e se pegar os últimos cinco anos, o Brasil está crescendo 2%, 3%, nós não estamos crescendo no Rio Grande do Sul em função desse problema -, o estado está perdendo, não apenas os produtores.
Portanto, é uma ajuda que a gente pede a V. Exa. Vamos conversar com a sua equipe lá para nos ajudar também a buscar solução e saída. As prorrogações que estão vindo para o ano que vem, para a outra safra, não resolvem o nosso problema. É uma questão muito mais ampla, que precisa ser resolvida.
Então, é a minha colocação.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Plínio Valério.
Com a palavra V. Exa.
O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - AM. Para interpelar.) - Presidente Sr. Galípolo, a primeira não é nem uma pergunta, mas eu preciso enfatizar a importância da autonomia de um Banco Central.
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A lei aprovada neste Senado, em 2021, rende frutos, por exemplo, a sua presença aqui, que é prevista no art. 11. Então, as leis que a gente faz aqui quase sempre colaboram muito para isso. E nós estamos agora com uma PEC de autoria do Senador Vanderlan, da qual eu sou o Relator. O relatório já foi colocado no sistema, e a gente notou que o Governo protela. Isso é normal no Parlamento; essa protelação é normal, é normalíssima. Com a mudança, saindo o Roberto Campos e entrando o senhor, a gente precisa acelerar se a gente vai votar ou não.
Quando eu conversei com o senhor antes da sabatina, o senhor me convenceu de que tem conhecimento da PEC e que é favorável a grande parte dela. Então, aqui vai um pedido para que nós possamos acelerar.
Eu já tenho recebido mensagens do Governo. O Senador Rogério Carvalho e o próprio Senador Jaques Wagner estão sinalizando que a gente pode avançar.
A pergunta seria esta: se a gente pode acelerar, o quanto antes, a PEC 65, porque aí a autonomia vai ser bem mais ampla e vai permitir, inclusive, aquela exposição de Pix, a diversificação do Pix, que a gente fala, mas o BC tem problema de pessoal, com poucas pessoas e pessoas saindo. Então, eu acho que essa autonomia financeira, fiscal e orçamentária vai proporcionar o avanço no Pix, que foi um avanço da gestão passada.
O Vanderlan falou dessas críticas do Presidente Trump ao BC. É claro que ele tem problemas, mas eu pergunto: até que ponto, não em números, não em fração, ele aumenta o custo para trazer a inflação para a meta? Eu acho que tem problemas aí. Eu não sou da área, embora seja o autor da lei que deu autonomia ao Banco Central, nem especialista, mas a gente nota que tem problema. Vai ser muito alto o custo dessas críticas do Trump ao BC americano ou a gente passa sem nenhum problema?
Eu ouvi - acho que eu talvez tenha escutado mal; no começo eu devia estar no telefone - que o senhor falou que nós estamos próximos ao pleno emprego. Eu ouvi isso então. Eu gostaria de uma exposição sobre isso para que eu pudesse entender, de uma forma bem didática, porque, como leigo, eu vejo isso muito longe, muito longe, para não dizer bem impossível, sim.
E, por último, quero enfatizar essa abertura do diálogo pelo BC. O BC faz parte da vida no dia a dia. Eu aprendi isso com a lei da qual a gente foi autor e, agora, com o relatório. Eu acho que é muito bom esse diálogo, essa coisa transparente. O que é o BC? É uma coisa de outro mundo? Não é de outro mundo e diz respeito a todos nós.
Então, como o senhor pode observar, seriam observações e só a curiosidade. E eu tenho certeza de que a gente vai, logo, logo, se encontrar, para que nós possamos levar adiante a PEC 65.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Com a palavra V. Exa.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - Eu vou começar tentando fazer um mix entre o que o Senador Vanderlan falou e o que o Senador Plínio comentou sobre a questão dos Estados Unidos.
De um lado, a questão do Vietnã é interessante, porque o que acabou acontecendo foi: desde o momento em que a China entra na OMC em 2001, a expectativa que existia - e foi o anúncio que o Clinton fez - é que as empresas americanas teriam acesso a um dos maiores mercados consumidores potenciais do mundo, dado o tamanho da população. E ao que a gente assistiu foi meio que a um processo inverso, ou seja, as empresas, a oferta se deslocou para lá, especialmente aquela oferta que é intensiva em manufatura para a China e para a periferia da China, lá no Sudeste Asiático, e de lá passaram a exportar para os Estados Unidos, para a Europa e para outros países essas manufaturas. Daí o crescimento que a gente vê vertiginoso. O Brasil exportava muito mais do que a China nos anos 80, por exemplo. E hoje a China exporta muitas vezes o PIB do Brasil.
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O que começa a acontecer, a partir da primeira vitória do Trump, do início da guerra tarifária, é que essa articulação das cadeias produtivas que havia sido criada começa a sofrer algum tipo de desgaste, que vai se acentuar com dois eventos que são choques de oferta: a pandemia e a invasão da Ucrânia. Esses dois eventos vão acentuar a desarticulação dessas cadeias produtivas que haviam sido montadas numa ideia de que a manufatura estava intensiva lá, nós exportávamos commodities e o consumo continuava vindo da Europa Ocidental e dos Estados Unidos para fazer uma redução aqui empobrecedora.
E aí a gente começa a assistir que alguns países passam a ter elevação na participação das exportações para os Estados Unidos. O Vietnã é um deles, o México é outro, assim como outros países - países, inclusive, que são hoje acusados pelo Governo americano de serem um lugar onde o produto que sai da China passa para sofrer algum pedaço dessa manufatura, antes de chegar até os Estados Unidos. No caso do México, as acusações costumam ser mais graves até, por parte do Governo americano, ao dizer que existem regiões em que se faz só colocar na embalagem, eles chegam a dizer publicamente.
Mas o tema, que é curioso, até o final do ano passado, o que se imaginava era o seguinte: bom, como essas economias, como é o caso do Vietnã ou do México, têm uma articulação muito maior com a economia norte-americana - e o que se esperava é que a economia norte-americana ia manter essa sua exuberância, essa pujança que a gente estava assistindo -, se imaginava que o Brasil não está tão articulado, tão lincado com a economia norte-americana, logo é melhor apostar em México ou é melhor apostar em uma economia como essa. Agora, dada a guerra tarifária, a coisa se inverteu, ou seja, a diversificação que o Brasil tem do ponto de vista da sua pauta comercial e o fato de que o Brasil tem um mercado doméstico que é bastante relevante para sua atividade econômica - o fato de o comércio internacional ter um peso que não é tão grande quanto nessas economias, por seu dinamismo na economia - passaram a apresentar o Brasil como um potencial local de proteção, vamos dizer assim.
A ideia não é que fica melhor com a guerra tarifária, mas voltamos àquela ideia da relatividade. Na comparação com os pares, o Brasil pode ser uma economia que sofra menos, comparativamente com os pares, e por isso se destaque positivamente pela sua diversificação na pauta comercial, nas relações comerciais e pela relevância do mercado doméstico do ponto de vista de dinamismo.
Existe inclusive uma pesquisa, um research como a gente costuma chamar aqui, um centro de pesquisa de mercado privado que costuma fazer análises e que recentemente publicou, inclusive, assim: "olha, se você for comprar algum tipo de título público, evite Europa ou Estados Unidos, compre do Brasil". É uma coisa que seria inimaginável, alguns anos atrás, você ver uma recomendação nesse sentido, mas essa recomendação vem dessa ideia de que a diversificação e o mercado doméstico podem oferecer algum tipo de proteção adicional.
O que linca com a questão do Powell, também, que eu gostaria de falar. O Powell passa por essas duas crises, por esses dois choques de oferta, ou seja, o choque da pandemia e o choque da invasão da Ucrânia, e estava conseguindo entregar algo que é raro de a gente ver na prática - que é conhecido em livro e texto, mas é raro de a gente ver na prática -, que é uma aterrissagem suave que a gente chama. Ele tem ali o duplo mandato, então ele estava conseguindo entregar uma inflação que vinha convergindo gradativamente para a meta, com uma economia aquecida, em pleno emprego e com a exuberância que a gente vinha vendo em todos os mercados, tanto no mercado de dívida, quanto no mercado de ações americano.
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E, agora, esse terceiro choque tarifário vem bagunçar um pouquinho o que ele vinha fazendo e, provavelmente, criar pressões, de um lado, inflacionárias, pela tarifa, e pressões do ponto de vista de atividade econômica, e o quanto cada uma dessas coisas vai se sobrepor é que está todo mundo meio analisando. É um cenário onde a desaceleração é mais forte, e isso provoca desinflação, exporta desinflação para o mundo todo, ou é um cenário de uma desaceleração mais acentuada, que vai provocar a necessidade de uma aversão a risco e uma corrida para ativos mais seguros? Essa é um pouco a discussão que está sendo colocada e o quanto... E você vai ver as falas dos diretores do Banco Central americano olhando para os dois lados. Tem gente que diz assim: "olha, você deve migrar para uma posição de combinação de oferta e cadeia produtiva menos eficiente a partir das tarifas. Logo, você deve conviver com preços mais elevados". E tem gente que vai dizer: "não, vai ser um impacto de uma vez só, como se fosse um degrau que acontece uma vez só, e, uma vez acontecido isso, você não continua tendo inflação, porque a inflação é a aceleração, não é o nível. Então, você não vai continuar mais tendo inflação". Então, tem um pouco dessa discussão de o quanto - a gente está assistindo como é que o Banco Central americano vai reagir - é possível esperar passar o choque de oferta ou o quanto o Banco Central tem que ter uma função de reação para o choque de oferta. Mas o Powell tem sido, tem reiterado que o mandato é um mandato de estabilidade monetária, e eles têm esse comprometimento com a persecução da estabilidade monetária.
Do ponto de vista do pleno emprego, Senador, o que a gente mostrou aqui foi qual era o nível que a gente está, olhando para a série histórica. Então, a gente está no nível mais baixo de desemprego da série histórica. Sabe que nós economistas costumamos ter problemas de falhar pelos dois extremos. O senhor vai encontrar economistas que acham que o Brasil nunca está em pleno emprego, logo, nunca deveria o Banco Central reagir subindo os juros; e o senhor também vai encontrar economistas que defendem que o Brasil está sempre em pleno emprego. É um desemprego de 11%? É o pleno emprego do Brasil. É um desemprego de 13%? É um pleno emprego do Brasil. Eu costumo tentar fugir dessas duas caudas extremas.
Então, o que a gente pode assegurar é: a gente nunca teve um nível de desemprego tão baixo na série histórica. E, para além disso, ela nunca caiu tão rápido, ou seja, o desemprego nunca teve uma com uma queda tão acentuada. E, do outro lado, a renda também, ela sofreu uma elevação bastante acentuada, dos maiores dos níveis históricos, atingindo também um nível bastante elevado. Essas duas composições... Eu ousaria dizer que, independentemente da matiz econômica a que a pessoa possa estar afiliada - isso não é desejável que seja uma influência do ponto de vista do Banco Central, assim como no caso, para dar um exemplo aqui, um paralelismo judiciário, o que o juiz leu ou deixou de ler não deveria influenciar a sentença -, quanto mais o Banco Central conseguir ser objetivo, como o senhor falou, transparente e técnico nas suas decisões, melhor para a estabilidade monetária do país.
Mas, neste processo de você analisar razões para você ter um aperto do ponto de vista da política monetária, quando você vai somando todos esses indicadores que mostram que a atividade econômica está para níveis, olhando para a série histórica, em patamares bastante acelerados, foi isso que levou o Banco Central a migrar para um patamar de taxa de juros que possa estar restritivo com alguma segurança. Aí, os economistas costumam utilizar essa definição de taxa de juros neutra, que é para entender aquela taxa de juros que, numa redução empobrecedora, nem acelera, nem freia a economia. Então, como você quer, agora, frear a economia, você tem que botar essa taxa de juros num patamar acima da neutra. Então, o que o Banco Central está fazendo é migrando para um patamar em que ele tenha alguma segurança de que está num patamar restritivo. E a gente está tateando agora, nesse ajuste, se a gente está num patamar restritivo suficiente, qual é esse patamar restritivo suficiente, ao longo desse ciclo de alta que nós ainda estamos fazendo.
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Relativo à PEC, eu acho que é muito importante eu fazer esse diálogo com os servidores que eu venho fazendo, ao longo do processo.
O senhor sabe, Senador, que eu sou relativamente novo nesse processo do debate público, e eu aprendi que existem algumas palavras, às vezes, ou algumas terminologias que, em vez de ajudar, atrapalham. Às vezes você está discutindo alguma coisa com a pessoa de uma maneira absolutamente civilizada, aí você usa uma terminologia e aquilo provoca um gatilho em que as coisas, as posições se cristalizam de maneira antagônica, e a gente não consegue mais dialogar.
Conversando com os servidores - e não quero aqui falar em nome deles. Eles têm todo o direito de se manifestar, e peço até que eles que se manifestem sobre isso -, o meu sentimento é de que não há... Há uma unanimidade na casa sobre a necessidade de haver uma modernização e uma atualização sobre o arcabouço orçamentário, financeiro e legal da autoridade monetária, para que ela possa responder às suas atribuições.
Há, sim, uma discussão - que ainda não está pacificada - relativa a questões do regime trabalhista dos servidores do Banco Central, e isso, sim, tem uma divisão.
Eu não tenho a pretensão de chegar a um consenso dentro da casa, após tantos diálogos que eu já produzi ali dentro, mas o que eu acho que é importante é que a gente consiga escapar de uma polarização dentro, genérica, que usa uma terminologia e, a partir dessa terminologia, cinde a casa, e a gente conseguir confinar para quais são as divisões e quais são os pontos de divergência existentes, porque às vezes acontece mesmo. Você pode conversar, conversar, conversar, e chegar ao final e dizer "bom, eu entendo que eu prefiro esse modelo", e o outro vai dizer "eu entendo que eu prefiro esse modelo".
Mas eu diria que há, sim, um elevado consenso da necessidade de atualização do arcabouço financeiro, orçamentário e institucional do Banco Central, para que ele possa responder aos desafios e manter a excelência nos serviços que ele já presta e nos que ele vai precisar ainda prestar, adicionais.
Sobre o tema da questão dos impactos climáticos e, efetivamente, dessa política - a ser desenvolvida - de securitização, primeiro, o tema dos impactos climáticos é um tema que tem tomado o tempo e a atenção de todas as autoridades monetárias. Eles têm ocorrido de maneira cada vez mais disseminada. Diferentemente do que costumava acontecer antes, em que você tinha um impacto que era pontual, esses impactos, hoje, como acontecem de maneira disseminada, tendem a afetar e ter um choque de preços maior - no mundo como um todo isso -, e isso gera uma combinação bastante perversa para países emergentes de baixa renda, porque, se a gente olhar, o esforço financeiro que foi feito por países de alta renda, os países avançados, foi muito maior do que o dos emergentes e, especialmente, de baixa renda. Eles se endividaram muito mais para responder, por exemplo, à covid.
Esse endividamento maior impôs a esses países uma necessidade de financiamento e rolagem de dívida ainda maior. Essa oferta maior de títulos públicos por parte deles impõe um custo de rolagem de dívida mais alto, juros mais altos. Como os juros dos países emergentes e de baixa renda é o deles mais alguma coisa, via de regra, isso impõe um custo mais elevado para esses países. E, quando a gente olha para países de baixa renda e boa parte dos emergentes, muitos deles dependem da exportação de commodities, especialmente de produtos agrícolas, para terem acesso a recursos internacionais.
Então, você está tendo esses países pagando juros mais altos para acessar esse recurso e com mais dificuldade para exportar os seus bens, em função de uma mudança climática pela qual a maior parte desses países não é responsável. Eles não são os principais emissores de poluentes. Então, esse é um tema que vai demandar cada vez mais de a gente estar atualizando as políticas e entendendo como enfrentar isso.
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Como o senhor sabe, as políticas públicas não são desenhadas pelo Banco Central. O Banco Central tem dentro do seu mandato a estabilidade financeira e a estabilidade monetária, mas, sempre, o Banco Central vai estar sempre à disposição para dar todo o apoio técnico na formulação, no desenvolvimento, no subsídio técnico e depois na implementação das políticas públicas que os Poderes desenharem.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Consulto aos Senadores Vanderlan, Plínio Valério e Luis Carlos Heinze se desejam adicionalmente fazer alguma pergunta ou alguma colocação.
O SR. VANDERLAN CARDOSO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - GO. Para interpelar.) - É só uma observação, Presidente.
Ainda nesse comparativo dos Estados Unidos com o Brasil, Presidente Gabriel Galípolo, são dois Presidentes com ideologias diferentes, totalmente diferentes, mas os dois querem que os juros baixem nos seus países, o Presidente Lula aqui no Brasil - foi assim com o Presidente anterior, Bolsonaro - e o Presidente Trump, que, até de uma forma truculenta, tem manifestado ali palavras até de ódio contra o Presidente do Banco Central americano. Era só essa observação. São dois Presidentes com ideologias distintas, totalmente diferentes, mas neste ponto convergem: a queda de juros. É só essa observação.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Senador Plínio Valério. Com a palavra, Senador.
O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - AM. Para interpelar.) - A título de informação, no dia em que nós estávamos prestes a votar aqui o relatório, que tinha manifestantes a favor e contra lá, eu fui a um dos que eram contra, dos trabalhadores. E eu lembro que eu peguei o relatório e falei: "está aqui, se vocês me mostrarem que tem uma vírgula prejudicando o servidor, eu mudo na hora. Levem e digam o que vocês querem, porque a gente tem que blindar o servidor de A e B". E a questão não era essa: "Não, a questão não é essa. A questão é se é empresa pública, privada ou mista". Aí já foge disso, aí não compete a mim discutir isso com o servidor que está satisfeito, porque, se eu pedi que eles fizessem a observação, se eu entreguei o capítulo ao servidor para que eles fizessem as mudanças necessárias e não fizeram, há de se supor que concordam. E a unanimidade nós sabemos que não se consegue, não é, Presidente? Era só a observação.
Obrigado, Presidente Renan.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Senador Luis Carlos Heinze...
Concedo a palavra ao Senador Jaques Wagner. Com a palavra V. Exa.
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - BA. Para interpelar.) - Bom dia ao Presidente Renan. Bom dia ao Gabriel Galípolo, Presidente do Banco Central, a todos os colegas Senadoras e Senadores que estão aqui nesta sessão, que eu acho extremamente importante.
Primeiro eu quero, evidentemente, elogiar o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Presidente Galípolo, algumas vezes até mal compreendido ou mal transmitido por aqueles que fizeram a transmissão, como aquele episódio do Pix, que virou uma grande... um susto, que na verdade não tinha nada de susto; era uma tentativa de alcançar o uso indevido das fintechs ou de outros para a circulação de dinheiro dos traficantes. Então, como o Governo Central mudou os orientadores da sua comunicação, espero que também no Banco Central vocês mudem para a gente não pagar um preço afora aqueles que temos que pagar.
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Dito isso, eu queria voltar ao tema dos juros, até porque recentemente tivemos uma conversa - eu, o Presidente Renan e o Ministro da Fazenda, Haddad - e estávamos discutindo essa questão.
Em 2004, eu fui o condutor do chamado conselhão, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, à época, com 90 membros que iam desde a área bancária, dos grandes bancos, até o movimento social, era um caleidoscópio da nossa sociedade. E a primeira missão que me foi dada foi buscar uma agenda nacional de desenvolvimento que pudesse ser perene e, portanto, representasse efetivamente um desenvolvimento com musculatura. Depois de um ano de debate com 90 pessoas, como eu já disse, de vários setores, por unanimidade - foram debates em São Paulo, no Rio -, a pergunta era: qual é o maior obstáculo para o desenvolvimento pleno do Brasil? E, para mim foi até uma surpresa, todos apontaram as discrepâncias sociais e regionais como elemento fundamental, ou seja, o excesso de concentração de renda e uma massa sem acesso a quase nada. Eu não vou repetir aqui números que todos os Senadores sabem de quantos ganham acima, por exemplo, de R$5 mil, e tudo isso que nós já sabemos. O nosso país tem uma desigualdade que, na minha opinião, está na raiz do problema de desenvolvimento, porque acaba que você fala e pensa o país para 10%, 15%, 20%, ou seja, 40 milhões de pessoas, um belo mercado, mas nós temos 80% fora, pelo menos, de uma forma mais segura. Então, eu acho que a gente não pode abandonar o debate sobre os juros.
E eu queria aproveitar uma fala sua há pouco que diz que, estranhamente, no Brasil, diferentemente de outros lugares, o processo agudo de inflação altíssima, que poderia durar um, dois anos em qualquer país, aqui durou quinze. Aí é de se perguntar: por que as pessoas se acomodaram naquela quadra até que chegasse o Governo do Presidente Fernando Henrique e tivéssemos uma elaboração, com o real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que pudesse conter esse processo que eu entendo que vivemos até hoje? A pergunta que eu faço é: não está na hora de lançarmos um desafio a nós mesmos, Senadores? E aí eu falo fora da ideologia, porque esse é um problema para todo mundo, independentemente se o cidadão é liberal, se é conservador, se é progressista, seja o que for.
O problema dos juros foi relatado aqui por um empresário e é relatado por um agente do endividamento das famílias também. Aí eu pergunto: V. Exa. mostrou aquele gráfico de quanto é a atratividade de um país. E, para mim, me chamou a atenção, porque tudo bem que a gente precisasse fazer alguma oferta, e nós não temos só juros para pagar, porque nós temos uma mão de obra que eu considero excepcional, uma natureza que eu considero excepcional. Então, para a atratividade daqui, com estabilidade jurídica, com toda a dificuldade que agora eu espero que diminua com a reforma tributária, nós não temos só isso. E quando o senhor mostra aquele gráfico, o gap entre Colômbia, México e Brasil vai de zero a 100, é muito grande. Então, eu fico me perguntando: nós estamos utilizando inteligentemente essa busca de competitividade ou a gente está, desculpe o termo, dando de barato o que a gente tem de atratividade?
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Eu tenho um irmão que trabalhava em multinacional, e ele disse que, na reunião que ele tinha com os colegas empresários, diziam: "Olhe, eu não entendo nada que acontece no seu país. Eu tomo dinheiro aqui no banco da Inglaterra - é óbvio que eu corro o risco do real -, aplico lá, pego o dinheiro, volto aqui, pago o que eu tomei e ainda me sobra um trocado - um bom trocado". Então, ele dizia assim: "Como é que vai funcionar isso? Como é que vai respirar uma economia?".
Apesar de V. Exa. ter dito que, mesmo com esses juros, estamos com muitos indicadores, eu sei que hoje o chamado mercado sempre aponta: "Não, mas as expectativas não são boas". Quer dizer, é uma luta contra a realidade. Você tem uma realidade, mas o futuro provavelmente está comprometido com isso e com aquilo. Então, na verdade, é mais do que uma pergunta para um comentário seu.
E aproveito, Presidente Renan... Eu acho que a CAE é o espaço para a gente fazer um debate oxigenado. Não precisa fazer um debate entrincheirado porque, se for entrincheirado, nós não vamos para lugar nenhum. Por que o Brasil tem que, com todas as condições de desenvolvimento, pagar fora... O Senador Vanderlan falou aqui. É óbvio que o sistema, o regime do Vietnã é outro, não é o nosso. Eu me lembro de que, quando eu era Ministro do Trabalho, alguns empresários me procuravam e diziam assim: "Mas nós estamos com o custo de mão de obra muito alto. Na China...". E eu brincava e perguntava: "Você quer importar só o custo de mão de obra ou o modelo completo?". Porque as coisas funcionam com o modelo que é de partido único. E eu não vou questionar, porque até agora está dando sucesso. Eu perguntei, quando eu fui visitar a Huawei, a um jovem de trinta e poucos anos... Quando o Xi Jinping tinha acabado de mudar a regra para poder ser reconduzido, eu perguntei, achando que ia ter uma resposta típica nossa ocidental, a ele: "E como é que vocês viram essa mudança de regra para beneficiar o Xi Jinping?". Ele falou com a maior naturalidade: "Enquanto ele estiver fazendo bem para a China e para o chinês, por mim ele pode ficar aí o tempo que quiser".
Então, eu acho que a gente está deixando os juros altos no Brasil virarem quase que um vício. Assim que funciona, apesar de que a gente já teve um momento... Então, eu queria só lançar e aprofundar esse debate. Parece que o Presidente Renan vai querer fazer um debate sobre essa matéria. E aí eu estou dizendo para todos nós - estou olhando aqui para pessoas que pensam diferente de mim - que nós temos um problema no Brasil que a gente precisa enfrentar para achar um caminho.
Era só o que eu queria comentar.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Senadora Zenaide, com a palavra V. Exa.
O Senador Wagner colocou a questão aqui de que os últimos dias do Senado Federal, especialmente desta Comissão, demonstraram que, em temas econômicos, nós poderemos produzir consensos aqui nesta Comissão. Como ela tem uma previsão constitucional, pode garantir celeridade na discussão e na apreciação de alguns temas. O que aconteceu aqui, na semana que passou, com a Lei da Reciprocidade, votada por unanimidade nesta Comissão e por unanimidade também no Plenário do Senado Federal e votada no Congresso num curtíssimo espaço de tempo, demonstra que nós poderemos obter os mesmos resultados em outros temas de interesse público comum que podem se colocar acima da própria polarização.
Senadora Zenaide.
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A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Para interpelar.) - Bom dia, Sr. Presidente Renan Calheiros, Sr. Gabriel Galípolo.
A minha formação é médica. E durante a pandemia da covid, eu não conseguia entender, porque quando a gente aprovou a PEC de 1,2 trilhão, que era para o Banco Central irrigar os bancos e oferecer recursos para as micro e pequenas empresas poderem tomar emprestado e manter seus servidores ou investir nos seus trabalhadores, chamava a minha atenção que, mesmo com o fundo garantidor, essas empresas não conseguiam esses empréstimos. Então, mesmo como médica de formação, eu fui saber. Aí cheguei - aí eu vou fazer a pergunta ao senhor - aos famosos depósitos compromissados. Na verdade, tem essa parte, mas é a remuneração de sobras de caixas de banco, que em 2006 era de 1% da dívida bruta do Governo brasileiro; e, em 2024, passou, gente, para 1,7 trilhão.
Então, o que me chama a atenção? Nós temos um sistema financeiro, que eu sei que é administrado e que já fica com quase 50% do orçamento deste país, porque eu saí há pouco tempo da CMO. E, na verdade, neste Congresso - eu queria a união de todos -, a gente passa o ano na CMO discutindo sem a presença, Presidente Renan, de quem fica com a maior parte do orçamento deste país: juros e serviços de uma dívida. Eu não estou falando aqui de calote, de passar dívida, mas que fica com isso aí.
Eu queria dizer ao senhor o seguinte: até quando nós vamos manter, pelo que eu sei, esses depósitos compromissados no Brasil? É o único que tem esse volume todo. E isso, gente, interfere em como vamos crescer nosso comércio e nossa indústria, se o sistema financeiro não vai ter interesse em emprestar o dinheiro, porque ele já tem a garantia de no mínimo a taxa Selic. E o setor produtivo, que gera emprego e renda? Então, com isso, vão dizer: "Zenaide, médica, dona de casa". Eu digo que ninguém entende mais de economia do que dona de casa.
Então, o que eu queria dizer é o seguinte, a primeira pergunta é esta: nós vamos manter esses depósitos compromissados? A sobra de caixa de banco, gente, para a dona de casa que está ouvindo. Se chega às 16h, não emprestou, aí já tem a remuneração do Tesouro Nacional com no mínimo a taxa Selic. Não vai ter. Eu já falei isso com o Vice-Presidente Alckmin. Nunca vamos ter incentivo do sistema financeiro para financiar quem gera emprego e renda, seja nos commodities...
Gente, para quem está me ouvindo, commodity é aquele produto - porque a gente fala uns nomes difíceis - que não agrega valor e exporta sem agregação de valor. Então, um é isso aí. Nós temos um prazo para isso, ou pelo menos para diminuir, fortalecendo o setor produtivo. Mas, segundo, Presidente, do jeito que meu colega pediu apoio aí para essa PEC sobre o Banco Central, eu tenho uma PEC, junto com mais 32 Senadores, de 2019, a 79, que limita os juros dos cartões de crédito, cheques especiais, a no máximo três vezes a taxa Selic. Nós não engessamos a política monetária. Agora, a gente vê toda a sociedade brasileira ser extorquida, literalmente, por juros até de 400% ao ano. Isso dói, porque cartão de crédito não é só para quem tem dinheiro - pelo contrário, quem tem dinheiro nem usa. É para dona de casa, o pai de família que, principalmente durante a pandemia, transformou aquilo no orçamento para comprar alimento, para comprar medicamento. Faz parte do orçamento. Até 400% ao ano, gente! Isso é assustador! Com isso, qualquer brasileiro que financiar um celular desse pagando o mínimo do cartão de crédito pagará pelo menos mais quatro celulares desse. Isso prejudica o comércio, sim, a indústria, sim, porque, em vez de se comprar mais, não se vai comprar, porque tudo fica para o sistema financeiro.
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E quero dizer o seguinte, Presidente: como esta Casa é muito jurista e econômica, eu tenho que me debruçar... As dívidas públicas maiores do mundo são do Japão e dos Estados Unidos - os senhores sabem disso -, mas o Estado chama o sistema financeiro e diz: "Nós vamos pagar tantos por cento, porque eu não vou deixar de investir nos gastos primários, como saúde, educação, segurança pública e no investimento de rodovias, ferrovias, em que a gente precisa do investimento". Eu não tenho dúvida de que esse sistema financeiro não vai encontrar algo que não seja o Estado, que é garantido para eles.
Agora, era isto que eu queria saber: o senhor é a favor da PEC 79, de 2019, que tira essa espada, a verdadeira sanguessuga, das famílias brasileiras ou o senhor acha que vai interferir na economia, na autonomia do Banco Central? Nada, porque são três vezes a taxa Selic - e os senhores quem dizem isso. Agora, esta Casa se calar diante dessa extorsão dos pais e mães de família deste país, mesmo assistindo a isso aí, vendo eles serem extorquidos com juros de 400% ao ano, é difícil de acreditar.
A pergunta é esta sobre a adesão final desses depósitos compromissados de mais de 1 trilhão, 1,7 trilhão, e também sobre a redução dos juros, mantendo a autonomia do Banco Central.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Oriovisto Guimarães.
Com a palavra V. Exa.
O SR. ORIOVISTO GUIMARÃES (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - PR. Para interpelar.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quero cumprimentar o Presidente Galípolo. Eu me lembro da nossa última conversa, ainda quando o senhor estava aqui como candidato à Presidência do Banco Central, em que me garantiu que teria total autonomia na gestão do Banco Central. E quero cumprimentá-lo, porque o vejo exercer essa autonomia.
Sr. Presidente, eu sou daqueles que não vejo juros como o grande problema da nação. O juro é a consequência de um outro problema, que são os gastos públicos sem cobertura. Alguns economistas têm feito comparações dizendo que o Brasil dança à beira do abismo. Eu diria que, a cada ano que passa, ele dança alcoolizado à beira do abismo. O senhor sabe do que eu estou falando. Sabe, tenho certeza, muito melhor do que eu.
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Nós falamos sempre em déficit primário, como se o déficit nominal não existisse. O problema do Brasil é sobretudo o déficit nominal. O crescimento disso, quando nós estamos com um juro de 14,25% sobre uma dívida bruta de 9 trilhões, ou de uma dívida líquida de 7,2 trilhões, é catastrófico. É coisa de mais de 1 trilhão por ano que essa dívida vai aumentar.
E não é à toa que agora o próprio Ministério da Economia, quando teve que fazer a LDO, teve que apontar três anos para a frente. E aí não se trata, Jaques, de dizer que o presente está bom e que o futuro está ruim. Não, não é isso. Pensar um pouquinho no futuro é tão essencial como quando você está dirigindo, a estrada está ótima, mas, se vier um aviso no Waze de que ali na frente tem um buraco, você vai desviar ou vai frear um pouco para evitar isso. Então, um olho no futuro é fundamental, no caminho que as coisas estão tomando.
O senhor vai ser Presidente do Banco Central em 2009... Em 2029, perdoe-me. É, 2009 não tem mais como ser, não é? É 2029. Em 2029, este país vai estar numa situação maluca. Vão faltar mais de 200 bilhões para pagar as despesas obrigatórias, com previdência, educação e outras coisas. Não sou eu que estou dizendo isso; é o Ministério da Fazenda na LDO. Estão lá os números para quem quiser ver.
O Presidente Renan Calheiros veio com uma ideia outro dia que eu aplaudi muito, propondo que nós estudássemos aqui um limite para a dívida pública brasileira. Eu entendo e vejo que, quando o senhor está lá, aumentando a taxa de juros - o senhor não, o Colegiado do Banco Central -, suas medidas não são isoladas. O senhor não é um ditador, tem um conselho todo de experts que entendem muito de economia e que decidem a taxa de juro.
Por outro lado, eu vejo o Presidente Lula fazendo o papel contrário. Enquanto o senhor está jogando o juro para as alturas para segurar a inflação, o Presidente Lula insiste em jogar dinheiro no mercado para manter o crescimento. Um busca o crescimento, outro busca a estabilidade monetária. Joga-se dinheiro, não sempre gastando, mas criando problemas, por exemplo, como crédito consignado na iniciativa privada; quantos bilhões a mais entraram? Quer dizer, é lenha na fogueira do consumo. Isso é bom? Isso é maravilhoso, sobretudo para quem vai disputar uma eleição daqui a pouco.
Enfrentar o problema do déficit, o problema da dívida, é totalmente inconveniente para quem vai disputar uma eleição daqui a pouco. Como é que, em 2026, este Governo, que vai ser candidato à reeleição, vai enfrentar o problema de um déficit que já em 2027 vai faltar dinheiro para as despesas básicas. Vamos deixar para resolver o problema da dívida em 2027? Não vamos fazer nada? É mais ou menos, de novo, Jaques, quando o próprio Governo diz que em 2027 vai faltar dinheiro para as coisas básicas, continuar dirigindo o carro com o Waze avisando que tem uma barreira, que tem um buraco logo ali, mas dizer: "Não, mas agora não posso diminuir a marcha porque eu tenho que ser reeleito. Depois eu vejo o que eu faço".
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O senhor tem tido uma relação maravilhosa com o Presidente Lula e com o Governo, e eu o elogio por isso, porque isso é bom para o Brasil. Presidente que fica xingando o Presidente do Banco Central ou Presidente do Banco Central que fica criticando o Presidente não contribui para a paz e para o encontro das soluções. Nós estamos vendo o exemplo dos Estados Unidos, já vimos exemplos aqui no Brasil mesmo, quando o Presidente Lula criticava fortemente seu antecessor, não é? Não vi que aquelas críticas trouxessem qualquer benefício ao país. Ele parou de criticar, embora a taxa de juro hoje seja muito mais alta. Ele passou a entender, de alguma maneira o senhor conseguiu ter o dom de explicar a ele que precisava fazer isso. Ele explicou como sendo, como é que chama, um giro de 180 graus, um cavalo de pau que o senhor não podia dar. A coisa é mais complicada do que um cavalo de pau, muito mais complicada.
Mas eu lhe peço alguns comentários. Sei que o senhor não é responsável pela dívida pública, sei que o senhor não é responsável pelo superávit primário ou superávit nominal do Governo central; sei que o senhor tem que reagir a essas coisas que o Governo faz, e a sua reação segue a cartilha que todos os bancos centrais do mundo estão seguindo, ou seja, se o senhor estiver errado, o resto do mundo também está. Mas vai estar aqui em 2029: como Presidente do Banco Central, como é que o senhor acha que essa coisa vai ficar, essa fogueira em que um joga álcool na fogueira e outro tenta jogar água? Embora o relacionamento de vocês seja bom, o coitado do trabalhador brasileiro é incentivado a tomar empréstimo consignado, numa economia que tem um dos maiores juros reais do mundo, e vai continuar assim, se não ficar muito maior. Essa visão mais global da economia, dos fundamentos da economia, com relação à dívida brasileira, o reflexo disso sobre os juros, como é que, por que é que ninguém comenta o déficit nominal?
Eu fiz algumas projeções simples. Se o Brasil crescer 2% ao ano e nós continuarmos com essa taxa de juro, com relação à dívida bruta, em 2027, a dívida já vai ser 108% do PIB, e com relação à dívida líquida vai ser 86%. Como é que fica isso? Nós vamos continuar ignorando? O Banco Central, também não é a sua obrigação, o senhor não tem poder para isso, mas o senhor sofre as consequências disso. Qual é a sua visão dessa trajetória?
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Com a palavra V. Exa.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - Primeiro, quero dizer que o Banco Central e até o processo dos mandatos visa a justamente estar mais alinhado com o que é o horizonte, vamos dizer assim, que o Banco Central está olhando. O Banco Central costuma olhar vários anos para frente e também olhando vários anos para trás, aí pegando a fala do Senador Jaques. O tema de a gente estar convivendo com patamares de juros que são comparativamente elevados, quando comparado com os pares, não é um tema novo, é um debate, como eu disse, que há algumas décadas tem ocupado o debate acadêmico e a literatura econômica brasileira. E aí, essa relação sobre os caminhos, que são a fluidez, vamos dizer assim, do mecanismo de transmissão da política monetária é relevante para a gente poder analisar, porque o que eu acho que acaba acontecendo é que, a cada momento que a gente tem, ou a gente aprendeu a conviver, como o senhor comentou, Senador, assim, aprendemos a conviver com uma inflação mais alta, aprendemos a conviver com juros que têm um patamar mais elevado, o que eu acho, sendo muito franco aqui, é que o que acaba acontecendo é que a maneira como se aprendeu a conviver foi criando algumas vacinas para alguns setores para poderem eles conviver com juros mais elevados. O problema é que, quando você cria essas vacinas, você protegeu algum setor específico, porque você fala "bom, dado que o juro está mais alto, qual é a solução para que esse setor não sofra com isso?" Cria uma exceção. É uma coisa que acontece muito também no regime tributário. Cria uma exceção aqui. Só que, como está sendo comentado, tem alguém que não tem vacina, que é o Tesouro Nacional. O Tesouro Nacional não tem vacina para isso.
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Então, a normalização da política monetária, e eu fico muito contente de ouvir a proposta do Senador Jaques aqui para que a gente possa tentar enfrentar isso de uma maneira mais ampla e escapando das diferenças que podem ser de mais curto prazo, de divergências políticas, eu acho que é essencial para que a gente possa conseguir fornecer um horizonte para quem vai investir aqui e produzir ganho de produtividade, um crescimento sustentável ao longo do tempo, é essencial.
E o que eu acho, a minha modesta contribuição é achar que a gente foi aprendendo a conviver criando algumas exceções. Então, é muito comum, quando a gente vai conversar fora do Brasil, tentar explicar algumas regras de financiamento, alguns papéis que... Às vezes, um sujeito consegue pagar, uma empresa consegue pagar juros abaixo dos juros que é a taxa livre de risco, que é o título soberano. Por que tem empresas que conseguem pagar a taxa? Qualquer manual de custo de capital médio ponderado e que qualquer aluno de economia está fazendo, e não precisa nem ser aluno de economia, vai ver que essa é taxa livre de risco do país, do risco soberano. Por que tem empresas que conseguem se financiar abaixo disso? E por que, de outro lado, vão existir famílias que estão pagando taxas que são muitas e muitas vezes a taxa Selic? Para eles, não faz a menor diferença se está em 14,25 ou está num outro patamar, porque ele está pagando um múltiplo disso. E, como bem falou a Senadora, acabou-se incorporando como uma fatia da renda da população disponível, fenômeno esse que não aconteceu só no Brasil. É verdade que ele foi um fenômeno meio global a partir da pandemia, quando se passa a medir o número de relações que as pessoas passaram a ter com o cartão de crédito. Mas, como a Senadora bem colocou, o crédito rotativo não deveria ser um crédito utilizado de maneira cotidiana e frequente. O crédito rotativo é um crédito pensado para que você possa usar numa situação de emergência, e essas pessoas estão pagando uma taxa de juros que não guarda correlação com a Selic. É uma taxa de juros muito mais elevada que a Selic.
Daí, pensar em instrumentos que você possa oferecer mais garantias para que o custo de capital possa cair, ou seja, que você possa migrar do crédito que tem alto custo para o crédito de baixo custo, de uma maneira estrutural, ou seja, porque se está oferecendo garantias, está aumentando o que a gente chama de colateralização, na minha posição, na minha visão, do ponto de vista estrutural, é bem-vindo por isto, porque eu consigo sair daquele crédito que está sendo utilizado de maneira equivocada, muitas vezes, como um pedaço da renda disponível, e, através de estruturas de garantias, quem concede o crédito tem uma percepção de redução de risco e as famílias que estão tomando o crédito têm uma percepção de redução de custo. O risco que a gente corre das alternativas de você tentar, seja através dos juros que o Governo paga, o Tesouro paga, ou seja, nos juros que as famílias pagam, tentar algum tipo de tabelamento de juros...
Eu estou tendo a oportunidade, agora, aos 60 anos do Banco Central, de fazer uma série de diálogos e conversas com os ex-Presidentes de Banco Central, e está sendo muito rico isto para mim. E a grande discussão no momento da Constituinte ali era se ia ter um tabelamento de juros ou não. Esse era um dos grandes temas relativos ao Banco Central, se iria ter um teto para a taxa de juros.
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Na economia que a gente tem hoje, que é tão lincada e tão globalizada, o risco que a gente corre quando a gente põe algum tipo de limitante, nesse sentido, é que aquele que está ali, financiando, aquele que está oferecendo crédito para você vá considerar uma outra alternativa e possa faltar aquele crédito para você. Por isso que pensar numa alternativa, antes de retirar, é importante.
Se a gente conseguir oferecer alternativas, como a gente tentou propor ali na Agenda Evolutiva e como eu acho que outras medidas que estão sendo tomadas vão nesse sentido, de oferecer alternativas com mais colateral, com mais garantia, para que a percepção de risco reduza e o cidadão possa ter acesso a uma linha que é mais competitiva para ele e quem está concedendo crédito possa ter uma percepção de risco menor, eu acho que isso é bem-vindo, e a gente tenta mitigar esse risco, que vem sempre quando a gente tem um tabelamento.
O risco do tabelamento, talvez, dadas as alternativas de quem está oferecendo crédito, seja comprando títulos públicos, seja oferecendo um crédito para rotativo, é de que talvez ele simplesmente restrinja a oferta, e, aí, você coloca o cidadão numa situação ainda pior, porque, se ele está utilizando, ele precisa daquela renda.
A gente tem uma máxima de que o pior dinheiro que você tem é aquele a que você não consegue ter acesso. Essa é uma máxima em economia, que funciona sempre. Então, se a pessoa está usando aquele crédito, eu realmente acredito que ela precisa daquele crédito. Eu não acho que a pessoa está usando porque ela é perdulária ou desse tipo. Acho que ela precisa. Ainda mais quando a gente vê a pessoa utilizando num supermercado, alguma coisa desse tipo. Ela está precisando daquele crédito.
Então, a gente criar alternativas, para que quem concede o crédito possa enxergar um risco menor e para quem toma ter um custo menor, eu acho super bem-vindo.
A Senadora também me dá uma grande oportunidade aqui de explicar o que é que são as operações compromissadas, e agradeço.
Ainda hoje, no senso comum - vamos chamar assim - ou no imaginário, existe uma ideia de que a inflação está relacionada com a quantidade de moedas que o governo emite. Ainda, muitas vezes, a gente vê as pessoas conversando, na conversa, que tem uma relação com isso. Isso foi abandonado por todos os bancos centrais nos anos 80.
A partir dos anos 80, tinha-se uma grande discussão, em teoria econômica, ali - não quero ser chato -, de - chamava-se de moeda endógena ou exógena - se quem emite moeda de verdade é o governo ou se são os bancos que emitem moeda. A que conclusão se chegou? Que, por uma mesma quantidade de moedas que pode ser emitida por governo, os bancos podem colocar em circulação cem ou mil, porque o banco é um concessionário deste bem que encerra essa contradição, porque ele é um bem público, que é a moeda, mas ele é uma riqueza privada.
Então, o banco, como concessionário - por isso que se chama intermediação -, é ele que tem a relação com o cliente e é ele quem concede o crédito, e, na concessão de crédito, ele colocou liquidez no sistema, ele gerou riqueza nova, porque você tinha um depósito, e aquele depósito virou crédito para alguém, e, a partir do pagamento daquele crédito, você vai repor aquele crédito que foi feito. Então, os bancos são que geram crédito no sistema.
A partir daí, o último banco que passou a controlar a quantidade de moeda ali emitida mesmo, a base monetária, nesse sentido, foi em 1981, e, a partir daí, todos os bancos centrais funcionam com operações compromissadas ou depósitos remunerados. Todos.
O que é que você faz? Exatamente o que a Senadora descreveu. A intenção da política monetária e o mandato da política monetária são exatamente o que a Senadora descreveu. Você vai dizer: "Vocês, que têm liquidez disponível, não emprestem ou não precisam emprestar para nada abaixo dessa taxa Selic, porque até essa taxa Selic não precisa correr risco de crédito, porque eu sou o risco soberano. Você não precisa correr risco de crédito.
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Para que se faz isso? Justamente para reduzir a injeção de liquidez que os bancos fazem na economia e, com isso, arrefecer a atividade econômica e controlar a demanda. Como generosamente lembrou o Senador Oriovisto, isto é a política monetária que todos os bancos centrais do mundo... Tem alguns bancos centrais que têm política de meta de câmbio, por exemplo, porque tem um câmbio fixo ou tem algum tipo de âncora cambial, mas todos os bancos que têm taxa de juros controlando meta de inflação funcionam por meio dessa política. O que existe é, em vez de você dar um título, que é o que faz a compromissada, dar um título para você enxugar a liquidez e em troca disso você ter o compromisso de pagar essa taxa básica de juros para o período determinado, às vezes existe o tal do depósito remunerado, que é falar: "O banco pode depositar no Banco Central e ele recebe essa remuneração, o que dispensa a necessidade de eu entregar um título para você em troca dos recursos".
O tema remete àquela discussão anterior que eu fiz sobre regulação. O que acontece é, aqui no Brasil - aquele fenômeno que eu comentei, que é a liquidez hoje fluiu dos bancos para outros agentes -, hoje, quando vou olhar as operações compromissadas, os doadores de recursos são majoritariamente fundos, não bancos. Os fundos não têm a sua infraestrutura lincada com o Banco Central. O Banco Central não irriga diretamente, não tem uma infraestrutura diretamente lincada com os fundos, só os bancos. Por isso que quem enxuga são os bancos. O banco, para enxugar, precisa de um título público, porque não tem risco de crédito, para fazer uma operação compromissada. Então, ele fala: "Está aqui, eu lhe entrego esse título e você me dá o dinheiro para que eu possa enxugar a liquidez que está sendo injetada na economia e, através disso, tentar controlar".
Aí, entra só esse último tema, que é o tema das condições financeiras para além daquilo que é a taxa de juros que o Banco Central determina. Perceba, as condições financeiras nos Estados Unidos apertaram bastante nos últimos meses, sem que o Banco Central tenha subido taxa de juros. Por quê? Porque, um, o preço das ações caiu, então a riqueza e a poupança despencaram, em oito, dez dias se perdeu ali próximo a US$8 trilhões. Além disso, você tem os títulos que são negociados no momento em que o Tesouro faz um leilão. Então, essas taxas de juros, que a gente chama de médio e longo prazo, que são as que os títulos públicos pagam, decorrem da oferta e demanda que o mercado tem pelos títulos do Tesouro.
Os Estados Unidos não têm aquilo que a gente chama de yield curve control, que é um controle da sua taxa de juros ao longo de toda a curva. O Japão teve - a senhora tem razão -, mas o Japão não tem mais, ele já abandonou também isso. Então, essas condições - que são essas taxas de juros de mais dois anos, três anos, dez anos, trinta anos, que muitas vezes são elas que têm uma correlação maior com a taxa de juros de financiamento - decorrem justamente dessa oferta e demanda. Por isso que um dos pontos principais que surgiram de receio e crítica ao que aconteceu com o impacto tarifário do Governo Trump foi a elevação do custo de financiamento por parte do Tesouro americano, ou seja, o Tesouro americano passou a ter que pagar mais e passou a ter uma elevação. Você está tendo uma elevação do patamar, que é essa taxa de juros do Tesouro, e uma elevação do gap, como a gente chama, que é o diferencial de spread de risco entre esses diversos papéis. Então, esse não é controlado pelo Banco Central e raramente é controlado pelo Governo; ele decorre da oferta e demanda por títulos públicos.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Eu consulto o Senador Jaques Wagner, a Senadora Zenaide Maia e o Senador Oriovisto Guimarães se adicionalmente desejam fazer alguma colocação.
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O SR. ORIOVISTO GUIMARÃES (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - PR. Para interpelar.) - Presidente, eu só pediria ao Presidente Galípolo que dissesse pelo menos uma palavra sobre a evolução da nossa dívida interna e sobre as consequências disso, sobre a dança à beira do abismo.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Com a palavra V. Exa.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - Não, o que eu estava comentando justamente sobre criar algum tipo de limitação ou teto para você ter na questão da dívida era sobre isto: o risco que se corre é, ao você criar algum tipo de limitação nesse sentido, que o sujeito vá procurar financiar num outro lugar, porque hoje a livre mobilidade de capitais é elevada e você corre esse risco.
A discussão sobre você poder conviver com taxas de juros mais baixas, o que colabora para que aquilo que é o juro que onera o Tesouro seja mais baixo, passa um pouco por aquela discussão que eu acho que o Senador Jaques colocou, ou seja, acho que é um desafio geracional. Por que é que o Brasil, quando a gente compara com os pares, convive com taxas de juros relativamente mais elevadas e, ainda assim, mesmo com taxas de juros relativamente mais elevadas, como a gente mostrou aqui, nós estamos com uma inflação fora da meta e próximo ao pleno emprego?
Do ponto de vista fiscal, para o Banco Central interessa menos ou importa menos ter uma opinião dele sobre o que está sendo feito. O Banco Central sempre tem que analisar como se fosse o tal do concurso de miss que um grande economista do século passado colocou: me interessa analisar como que os outros estão julgando e como é que isso está precificando os ativos.
Quando eu olho para as evoluções que nós tivemos ao longo de quatro décadas, falando do cenário de inflação que a gente teve ao longo dos anos 80 até o começo dos anos 90, falando do fato de que a gente tinha um país que tinha moratória, excluído do circuito financeiro internacional, como a gente teve nos anos 80, falando de um país que não tinha democracia naquele momento, entre outras tantas coisas, a gente olha para um país hoje que está incomodado com uma inflação acima da meta, mas num patamar de 5%, muito inferior ao patamar de que a gente falava antes, um país que tem 330 bilhões de reservas internacionais, é credor líquido internacional e tem uma das maiores democracias do mundo. Eu tenho convicção de que talvez a maior parte dos agentes econômicos e até nós mesmos achamos que a evolução não é tão linear e rápida quanto nós gostaríamos. Porém, eu acho que isso faz parte do processo dos pesos e contrapesos de um processo democrático e eu prefiro as dores do processo democrático a qualquer outra alternativa.
Então, o Banco Central não comenta política fiscal. Obviamente não é papel do Banco Central comentar política fiscal, mas eu tenho consciência de que a discussão sobre por que é que nós temos uma taxa de juros estruturalmente alta e ainda assim temos uma economia dinâmica e por que é que nós temos uma dificuldade em enfrentar indexações de arrecadação com receita ou níveis de engessamento por parte do orçamento vai demandar um grande debate público e amplo com a sociedade, que não vai ser feito do dia para a noite, mas que acho que são dores da democracia e eu prefiro mil vezes estar passando pelas dores que a democracia impõe.
O SR. ORIOVISTO GUIMARÃES (Bloco Parlamentar Democracia/PSDB - PR) - Para terminar, Sr. Presidente, eu quero só agradecer ao Presidente Galípolo. Uma frase sua respondeu à minha pergunta: "O Banco Central não comenta a política fiscal". Eu entendi por que é que o senhor não respondeu à minha pergunta: porque o Banco Central não comenta o déficit fiscal.
Muito obrigado.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Imagine, Senador.
Acho que é importante esclarecer isto. A gente sempre comenta, se o senhor vê nos comunicados e na ata, como é que os agentes estão vendo, porque, nessa história do concurso de miss, que quem escreve é o Keynes, ele está dizendo o seguinte: para quem está olhando para o mercado não importa você votar naquele concorrente que você acha mais bonito ou bonita.
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Se você quer apostar no vencedor, você tem que apostar naquele que você acha que os juízes vão votar como sendo a mais bonita e o mais bonito. Então, a opinião pessoal, como o meu mandato é estabilidade monetária e financeira, importa menos.
Eu tenho acompanhado o esforço que esta Casa tem feito, que o Ministro Haddad tem feito, que a Simone tem feito, a Ministra Simone tem feito, todo mundo tem feito para tentar a gente enfrentar temas que são temas de muito tempo já que a gente tem aqui para enfrentar. Acho que todos esses temas vão demandar um grande debate e em economia toda decisão tem trade-off. Toda decisão que você mexer tem algum tipo de... Toda escolha é uma renúncia. Esses debates vão acontecer na velocidade que o regime democrático permitir.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Senadora Zenaide.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Para interpelar.) - Sr. Gabriel, queria dizer ao senhor que de cara eu já sei que o senhor não apoia essa PEC 79, se eu entendi. Agora eu queria deixar claro que o que existia na Constituição, com limite de juros, engessava a política monetária. E essa aqui, não. E dizer: quais são as alternativas fora um cartão de crédito? Isso. E insisto no senhor, porque eu conheço empresários que me procuraram e disseram: "Chega no banco, se você tiver 6 milhões e quiser investir numa empresa, o gerente já vai dizendo: 'Pô, cara, por que é que você vai investir, se você já tem, mesmo que fosse 1%, R$1 milhão por mês sem investir em nenhuma geração de emprego e renda?'".
O que eu quero dizer... E o senhor já deixou claro que chama aqui as operações compromissadas. O senhor está me dizendo que no mundo todo tem esse valor de operações compromissadas. O Brasil não é o único que é isso. Então, eu acho que é totalmente diferente a PEC 79, porque ela não engessa. De repente, vamos debater isso. Acha que três vezes a taxa Selic é pouco? Vamos aumentar. Porque tudo que o senhor falou tem razão, mas existe algo, concentração de renda, recurso para os gastos essenciais, como saúde, educação, segurança pública.
Sabe quanto é que está destinado aí para segurança pública deste país? Menos de meio porcento. Pode olhar o Orçamento. A saúde vai ser 4%, a educação 4%. E a gente sabe que, quando aumenta essa taxa, que é considerada a maior do mundo, a gente sabe... Eu não acredito muito, porque, quando se controla a compra, você... o Governo deixa de arrecadar. E quando se fala aqui em responsabilidade fiscal, eu sempre digo, a responsabilidade fiscal não é só do Poder Executivo, mas de todos os Poderes. E algo que a gente tem que sentar aqui e discutir são as renúncias fiscais bilionárias, Renan, que passam por esta Casa.
Ao mesmo tempo, como nós vamos sair desse ajuste fiscal, se o Governo não arrecadar? E a arrecadação é investindo no setor que gera emprego e renda - comércio, micro e pequenas empresas. E com essa operação aqui, esses compromissados, já pagando no mínimo a taxa Selic, eu acho que vai ser difícil... A gente pode ajustar a um nível que eu acho que a gente não vai sair mais dessa cadeira com esse ajuste fiscal e a desigualdade campeando, e o sistema financeiro...
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Porque eu acho que um sistema financeiro saudável é aquele que quer vir investir no setor que produz e que gera emprego e renda, e não só para ter esses juros exorbitantes. E a gente tem essa prova, porque eles não têm interesse, mesmo com o fundo garantidor, de emprestar para as pessoas.
Era só isso que eu tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Fora do microfone.) - Com a palavra V. Exa.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - Só um ponto, se eu me expressei mal, para não ficar nenhuma dúvida: o mecanismo que é utilizado, de você usar depósito remunerado ou compromissada, pode até alterar de acordo com cada país - qual é o mecanismo -, mas, em todos os casos, o que você faz é enxugar a liquidez do sistema, pagando exatamente a taxa que foi determinada pelo Comitê de Política Monetária ou o equivalente em cada um dos países. Então, sempre todos os países vão pagar isso.
Agora, para além disso, também é importante dizer que, por exemplo, a gente tem emissões de títulos públicos... Vou dar um exemplo: uma NTN-B pode estar pagando IPCA mais 7,5% para um título de 10, 15, 20, 30 anos; uma NTN-F pode estar pagando 14,5%, 15%. Essa taxa guarda correlação com a política monetária do Banco Central? Não é o Banco Central que determina essa taxa. Se você olhar para o manual de política monetária, geralmente o que acaba acontecendo é: se o mercado entende que o Banco Central está com uma taxa de juros bastante restritiva, a ponto de que ele vai provocar uma desaceleração excessiva na economia, ocorre o que a gente chama de uma inversão da curva, que é o juro de curto prazo, que é o que eu determino no Banco Central, que nós, do Comitê de Política Monetária, determinamos no Banco Central, fica mais alto do que o juro futuro. Ele inverte, porque você acha que no futuro a economia vai perder dinamismo e com isso vai cair o juro no futuro. A gente não enxerga essa inversão de curva nos títulos que são emitidos pelo Tesouro e pagos, ou seja, você continua pagando IPCA mais 7,5%, ou 14%, 15% nessas NTN-Fs.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Nós registramos, com muita satisfação, a honrosa presença entre nós do Deputado Mauro Filho nesta audiência pública com o Presidente do Banco Central.
E passamos ao próximo bloco. Eu tenho a satisfação de conceder a palavra à Senadora Leila Barros.
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF. Para interpelar.) - Obrigada, Presidente desta Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Renan Calheiros.
Cumprimento também o Presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
Bom, só dando continuidade a esse questionamento da Senadora Zenaide, eu sou signatária da PEC 79. E aí você apresentou um contexto geral de uma visão do porquê das taxas, do porquê dos juros. Mas eu pergunto: que tipo de mecanismos nós poderíamos adotar para barrar, para estabelecer um teto na cobrança desses juros, Presidente? Porque foi falado muito, mas não se trouxe uma solução. E aí eu te questiono: sendo Presidente e entendendo tão bem como funciona, como é estabelecido esse percentual, esse juro tão elevado, que tipo de mecanismo nós poderíamos aqui, na discussão desta PEC, adotar para, enfim, estabelecermos esse teto? Gostaria de ouvi-lo como técnico, com todo o seu conhecimento.
A outra coisa: eu me sinto absolutamente contemplada pelas falas dos meus colegas com relação a juros, à autonomia do Banco Central, enfim, a todo o seu trabalho à frente do Banco Central. Mas, como Senadora do Distrito Federal, eu acho que não tem como passar por esta sessão, entendendo o objeto da sua vinda a esta Comissão, sem tratar da compra do Banco Master pelo Banco regional de Brasília (BRB).
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A gente tem aqui alguns requerimentos, Presidente Galípolo - requerimento para instalação de CPI -, requerimentos para audiência pública, mas eu acho que seria importante a gente aproveitar este momento em que você está aqui, para gente entender um pouquinho desse processo e qual que é a visão do Banco Central com relação à compra, não é?
Então, eu vou ser... eu vou ler muito da sugestão da minha equipe técnica, porque eu não quero depois que cortem, porque na internet a gente tem muito isto: tiram de contexto, te põem no fogo. Agora eu estou mais inteligente, estou mais esperta. Então, eu vou pegar aqui, as perguntas. Não é nem inteligente, eu estou mais esperta.
Então, considerando as recentes notícias, sobre o Banco Master, que possui uma carteira significativa de ativos de alto risco, como precatórios, empréstimos a empresas em recuperação judicial, e a sua captação depende fortemente de CDBs com remuneração elevada, como o Bacen avalia o potencial de risco sistêmico a uma eventual insolvência do grupo Master?
E dado o elevado volume de distribuição de títulos de renda fixa de bancos pequenos e médios por meio de plataformas com grande incentivo a vender títulos de maior risco com garantia do Fundo Garantidor de Créditos, eu gostaria de saber se o Banco Central já possui um raio-X de casos similares ao do Banco Master, que representem elevado percentual do Fundo Garantidor e que possam, num contexto de elevação de riscos, representar risco sistêmico por dificuldades de captação.
No caso do BRB, havendo insolvência da carteira do Banco Master, após aquisição pelo BRB, qual seria a exposição do Fundo Garantidor? E essa insolvência poderia levar à falência o BRB?
Eu pergunto isso porque é um patrimônio da cidade, e existe uma preocupação muito grande sobre essa transação. A aquisição do Banco Master pelo BRB foi aprovada? Os colegas estão vendo aí, em várias entrevistas que nós estamos acompanhando nas últimas semanas, que a aquisição foi feita sem aprovação, sem consulta prévia aos acionistas minoritários ou à Assembleia Geral. Não foi, ninguém foi consultado. Considerando que o BRB é um banco público, controlado pelo Governo do Distrito Federal, como o Bacen avalia - e eu já até sei sua resposta, mas, mas enfim, tenho que questionar, não é? - esse processo decisório à luz das melhores práticas de governança, governança corporativa e transparência?
Era isso que eu gostaria de saber.
Obrigada, Gabriel.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Concedo a palavra ao Senador Cid Gomes. Com a palavra V. Exa.
O SR. CID GOMES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - CE. Para interpelar.) - Senador Renan, Presidente desta Comissão, Presidente Galípolo...
Bom, eu quero, Presidente Renan, cumprimentá-lo pela iniciativa de promover este debate. Eu estou absolutamente incomodado com a ausência de debate sobre a política monetária no nosso país. Até aqueles resistentes, como era Zé Alencar, Vice-Presidente do Lula durante os seus dois primeiros mandatos, e o próprio Presidente Lula, que era uma voz que criticava a política de juro, silenciaram-se, não é? Silenciaram-se. E a gente vê o Senador Oriovisto, um empresário, empreendedor, dizer que o juro não é o maior problema do Brasil.
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Então, a ausência de debate é algo que precisa ser revertido, e não há espaço mais nobre, mais adequado, do que esta Comissão e esta Casa, o Senado Federal, que é o responsável pela aprovação do nome, não só como membro da diretoria, mas, já sabido, renovando como Presidente do Banco Central.
Então, o debate tem que existir, e ele não pode ser, não deve ser o debate de economistas e um debate de acadêmicos, um debate que usa termos que não chegam à compreensão popular, que acaba fugindo, acaba desistindo de entender.
Sr. Presidente, eu vou procurar traduzir o problema brasileiro na linguagem mais simples possível.
O Brasil tem uma dívida pública de R$9 trilhões, a uma taxa de juro projetada de 14,5%, média, para este ano, porque já está em 14,25 e já está anunciado que vai para 14,75 e que, depois, passará de 15 - olhe onde é que nós estamos, Sr. Presidente -, para combater uma inflação de 5. Isso dá uma margem de lucratividade, de ganho, para a gente botar no bolso, de 10%.
Qual é a atividade econômica, neste país, que dá, com segurança, uma remuneração de 10%? Talvez vender cocaína, lembra-me aqui o Senador Rogerio, mas com muito mais risco, com muito mais risco... Sem risco nenhum, 10% livres? Isso é, Sr. Presidente, uma mamata! É uma mamata das grandes, que a elite brasileira teima em arrumar termos bonitos, em arrumar argumentos sofisticados, para justificar.
Quando nós tínhamos uma inflação, lembrada aqui pelo Presidente Galípolo, que chegou a 6.000% ao ano, a elite brasileira não tinha nenhuma preocupação, por um motivo: havia a famigerada correção monetária, e os seus patrimônios financeiros estavam assegurados.
A inflação prejudicava o pobre. Um trabalhador começava ganhando R$100, ou cem dinheiros de antigamente, num mês, e houve mês em que, ao final do mês, ele recebia 30. O salário nominal era 100, com a inflação de 70% ao mês, que aconteceu, ele recebia, ao final do mês, 30. Os investidores, o famoso mercado e as instituições financeiras estavam protegidos pela correção monetária.
Por isso é que o Brasil conviveu década ou década e meia com inflação, porque, se a elite estivesse perdendo, isso não teria durado dois meses. Teria caído Presidente, teria caído Congresso, teria acontecido o que acontecesse, mas eles não perderiam dinheiro.
Nós finalmente conquistamos, a partir de uma coisa criativa, que foi o real, vinculando ao dólar, a estabilidade financeira, e acabou-se a correção monetária. Daí para cá, o que se tenta fazer é descolar essa taxa de juro básica... Eu não estou falando da de 400% não, Zenaide, porque, sobre isso aí, era para estar preso por usura quem cobra de uma pessoa 400% de juros ao ano. Era para estar preso! Se este fosse um país sério, era para estar preso. Eu estou falando é do Governo Federal, do próprio Governo, ou do instrumento do Governo, que é o Banco Central - com a autonomia que eu fui contra e que hoje deixa essas pessoas na liberdade de servirem com exclusividade, perdoem-me a minha opinião, ao mercado, e não ao Brasil. Eles dão satisfação ao mercado. O Banco Central dá satisfação ao mercado financeiro, porque dali vieram boa parte dos seus integrantes, da sua diretoria, e para ali vão. E, tanto melhor sirvam ao mercado financeiro, maiores serão os seus salários ou até as suas sociedades em futuras fintechs, agências, fundos, etc., etc. É só olhar para trás! Eu não estou projetando o futuro, não, olhem para trás. Onde é que estão os ex-diretores, os ex-presidentes do Banco Central brasileiro? Onde é que eles estão? Estão no mercado, sócios dessa mamata; sócios dessa mamata que se comete no Brasil.
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Sr. Presidente, nós estamos falando, voltando aqui para os números frios, nós estamos falando de R$9 trilhões de dívida, R$7,5 trilhões se for líquida, pouco importa - R$9 trilhões, vamos ficar no número absoluto. A uma taxa média de 14,5%, isso dá um R$1,3 trilhão ao ano. Some o que se investe, o que se aplica em educação, saúde, infraestrutura, e não se chega à metade disso. "Ah, mas isso é o famoso déficit nominal, né? Nós temos que olhar é para o déficit primário." Inventaram até isso, déficit primário; esse é o déficit... Olha, isso é uma bola de neve, Presidente; isso é uma bola de neve, que vem descendo ladeira abaixo e vem se multiplicando de uma forma exorbitante. Nós estamos falando de chegar ao final do ano que vem a mais de R$10 trilhões de dívida pública, e de um percentual do PIB aumentando significativamente.
Presidente Renan, quem é que ganha com isso? Há ganhador nisso? Eu sei que perdem os empreendedores, eu sei que perdem os brasileiros que acreditam neste país, eu sei que perde o investimento, quem se dispõe a investir, eu sei que perde quem se dispõe a trabalhar, né? Mas ganham. Há quem ganhe, e há quem ganhe muito com isso. O sistema financeiro ganha muito com isso. Os fundos de investimentos, que remontam ao sistema financeiro, ganham muito com isso. Os fundos de pensão ganham muito com isso, e, a meu juízo, é uma elite deste país, é a elite quem tem fundos de pensão. Investidores estrangeiros ganham muito com isso. E isso responde por mais de 90% dos ganhadores. Então, esse público é que tem que ser objeto de uma discussão, de uma análise, de um aprofundamento nesta Casa.
Sr. Presidente, não é razoável, não é inteligente que o Banco Central, que tem o dever de proteger a moeda, a estabilidade da moeda, tenha monotematicamente e mediocremente, ou, se a gente imaginar uma outra coisa a partir de quem ganha, por intenção - né? - de ajudar alguém, de fazer alguém aumentar os seus lucros, adote como único instrumento de combate à inflação a elevação de taxa de juro. Não é razoável.
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Sr. Presidente, no fim do ano passado, eu estive com o Presidente Lula numa oportunidade, fui convidado para uma festa, uma homenagem ao único Prefeito eleito do PT, e eu modestamente procurei ajudar a sua eleição lá em Fortaleza, e pensei: "Eu vou aproveitar essa oportunidade, porque eu acho que o Presidente Lula está sendo enganado, porque ele fica falando da política alta de juro, dizem para ele que é isso mesmo, que tem que ser assim, todos os bancos centrais do mundo adotam essa política. Eu vou levar para ele uns dados". E levei.
Eu peguei os dados do dólar de janeiro - era outubro, final de outubro -, de janeiro a outubro, e a sua elevação nesse período - não tinha chegado ao pico, chegou logo depois, passou de R$6; nessa época, salvo engano, estava cinco e oitenta e alguma coisa, R$5,83. E levei a evolução, no mesmo período, das reservas cambiais do Brasil. Pasmem! Senador Rogerio Marinho, V. Exa., que é um cuidadoso com essas coisas, as reservas cambiais... O dólar subiu 15%, depois passou, parece-me, a 25% de subida. E as reservas cambiais, no mesmo período, subiram também - reservas cambiais mantidas pelo Banco Central.
Onde é que já se viu isso, meu Deus? Se o dólar estava subindo, qual era o cuidado para proteger a moeda? Porque V. Exa. disse, V. Sa. disse aqui que 70% dos preços, 60% a 70% dos preços são impactados pelo dólar. Ora, se o dólar estava subindo e a subida do dólar impacta os preços, e o Banco Central, a meu juízo, não devia ser tão medíocre de ter só taxa de juro como combate à inflação, como estabilização da moeda, ele devia ter vendido dólar, porque, se o dólar está subindo, qual é o instrumento? Quando a banana sobe, se você tem um mercado regulador, um estoque de banana, e quer proteger o bolso do consumidor, você desova as bananas que tem em casa para que o preço volte ao normal. Alta procura, alta de preço. Isso é uma lei máxima da economia.
Pois o Banco Central estava comprando dólar, Sr. Presidente, nesse período - comprando dólar. E eu fiz essa denúncia aqui; dias após, eles começaram a vender dólar. Obviamente - e isso é uma outra questão que eu, ao final, quero colocar -, não conseguiu, à época, resolver essa questão.
Então, como essa questão de compra e venda de dólar, Sr. Presidente, é uma questão, assim, que fica meio na zona cinzenta, eu queria aproveitar essa oportunidade para pedir aqui ao Presidente do Banco Central que envie a esta Comissão um relatório. E aí, para que a gente não fique, assim, colocando sob suspeita ninguém individualmente, vamos estabelecer um período aqui de dois anos, dois anos para trás. Um relatório de venda de dólar por período, o preço médio, e compra de dólar por período, o preço médio.
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Há uma máxima aí que diz que, em alguns países - e o Brasil é vezeiro em fazer isso -, socializa-se o prejuízo e privatiza-se o lucro. Muita gente, Sr. Presidente, pode estar ganhando dinheiro e isso ser mais uma mamata. Além da mamata pública do juro alto, que só favorece a quem tem capital, a quem tem dinheiro aplicado, a quem tem dinheiro na especulação e prejudica... Isso está a tal ponto que os empresários brasileiros vivem agora uma esquizofrenia: eles não sabem mais se empreendem ou se vão investir, porque, para investir, eles têm todas as dificuldades de um investimento e, para especular, para aplicar no mercado financeiro, eles têm todas as facilidades. Então, não faltam empresários, empreendedores tradicionalmente que defendam essa coisa maluca, porque resolveram desistir dos negócios da indústria, do comércio, da agricultura e resolveram colocar todo o seu dinheiro aplicado e viver de renda - viver de renda.
Então, é importante que, para além dessa mamata, que é pública, a gente possa também ter acesso a esses relatórios. Quem comprou? A quanto? Aliás, eu não vou querer quebrar sigilo bancário de ninguém. Não precisa dizer quem comprou. Eu quero saber... Que o Banco Central, que é um órgão público e que deve satisfações a esta Casa, mande um relatório, nos últimos dois anos: quanto vendeu, em média, por períodos, a que preço e quanto comprou, em média, por períodos, a que preço, para que a gente, pelo menos, ponha fora de suspeita a questão do "socializa-se o prejuízo e privatiza-se o lucro".
Sr. Presidente, o Brasil precisa sair desse círculo vicioso. Eu não sei até quando o povo brasileiro, talvez pela ausência de debate, vai suportar um Governo cumprindo um papel de Robin Hood ao contrário, porque, no final das contas, o Banco Central é Governo e é o Banco Central quem tira dos pobres, dos trabalhadores, dos que empreendem para dar aos especuladores. Isso, certamente, tem que ter um fim.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Agradecemos ao Senador Cid Gomes e concedo a palavra ao Senador Rogerio Marinho.
Tem a palavra V. Exa.
O SR. ROGERIO MARINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RN. Para interpelar.) - Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, em especial aos meus colegas Parlamentares, eu tive a oportunidade de ouvir dez Parlamentares que me antecederam, com visões diversas a respeito de um tema controverso, mas muito importante para a saúde financeira do país, para a questão da economia do país, que é a política monetária, que está sendo conduzida agora pelo eminente Presidente que aqui está, Gabriel Galípolo.
Permitam-me também contextualizar um pouco o que eu gostaria de falar - o que falarei, aliás -, diante das doutas explicações que me antecederam - até me deram uma responsabilidade muito maior - e visões díspares aqui, algumas delas na contramão do que eu imagino que seja o ideal, o adequado para o país, o que é bom, porque mostra a pluralidade que esta Casa tem.
Eu quero começar dizendo a V. Exas. que uma das grandes ações do Governo que nos antecedeu, que antecedeu este Governo - aliás, o Governo de que participei - foi justamente a independência do Banco Central. E essa independência permitiu que tivéssemos, ao longo desses dois anos e três meses, a possibilidade de respirarmos algum ambiente de sanidade num Governo absolutamente controverso.
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Eu farei aqui uma figura de linguagem para me fazer entender. Imaginem os senhores um barco com oito remadores, como esses barcos de competição, no meio de um corpo d'água; quatro remadores fazem força numa direção e quatro, na direção contrária. Esse barco não sai do lugar, eminente Presidente. E é mais ou menos o que acontece com o nosso país. Nós temos, de um lado, um Governo com a política fiscal extremamente expansionista, que tem tentado sustentar um crescimento econômico em bases movediças, não há sustentabilidade claramente a médio e a longo prazo... Aliás, a lei de diretrizes orçamentárias foi apresentada semana passada, sem pompa nem circunstância, porque nem sequer tiveram a dignidade de estarem presentes nesse velório, nesse enterro da economia brasileira, os responsáveis por ela - a eminente Ministra do Planejamento e o eminente Ministro da Fazenda. Lá foram representados pelo terceiro escalão dos seus respectivos ministérios, num desapreço enorme ao Legislativo e à sociedade brasileira, porque deveriam estar lá para explicar o descompasso, a catástrofe a que estão precipitando o país, da qual nós todos somos signatários.
E vejam, isso é - como é que a gente poderia falar? - o samba de uma morte anunciada, ou a crônica de uma morte anunciada, o célebre livro lá do Gabriel García Márquez. Em 2022, por ocasião da transição, já se plantou o que nós chamamos de pecado original, que foi a PEC da transição, na qual se plantou R$200 bilhões a mais de despesas sem a contrapartida de receita. Então, literalmente, nós nos transformamos no cachorro correndo atrás do próprio rabo; ou seja, o Governo buscando receitas, muitas dessas receitas não são recorrentes, não se repetem nos anos subsequentes, para tentar tapar os buracos que foram apresentados dentro da nossa política fiscal.
Eu gostaria de ler para os senhores aqui o Relatório Focus, feito pelo órgão do Estado brasileiro que é o Banco Central, não um aparelho de um partido político, como muitas repartições do Governo se transformaram - ruim para a democracia, né? Mas o relatório, no final de 2022, dizia o seguinte: que a inflação, ao final de 2024, seria em torno de 3,5%, e, ao final de 2025, em torno de 3% - nós estamos acima de 5% -; que a taxa Selic, ao final de 2024, seria em torno de 8%, e em torno de 7,75% ao final de 2025 - nós estamos com, conforme anunciado aqui pelos senhores, 14,25%, com possibilidade de chegar a 15%.
Eu vou fazer aqui uma conta de padaria para a gente entender de que forma este Governo temerário, irresponsável e populista está levando o nosso país. Se pegar o dado colocado aqui da nossa dívida, de R$9 trilhões, a dívida pública nominal, absoluta, e levarmos em consideração uma Selic de 14%, R$1,2 trilhão - mas a composição dessa dívida vai variar, porque alguma parte dessa dívida foi contraída com uma taxa de juro menor, então bota aí uma taxa média de 10%, R$900 bilhões de reais por ano -, se ela fosse a metade, como o Relatório Focus preconizava, nós estamos falando aí de quase R$500 bilhões pagos a mais de juros em função da temeridade, em função da má condução da política fiscal por este Governo populista, que não tem projeto de país - e isso está cada vez mais claro. Eu quero dizer a V. Sa., Presidente Galípolo, que eu sou solidário a V. Exa. Eu imagino as dificuldades que V. Exa. tem na condução de uma política monetária que tem que levar em consideração pressupostos básicos de dar estabilidade e sanidade ao nosso sistema econômico e financeiro, e fazer isso na contramão do que o Governo, durante dois anos, colocou, como se o Banco Central fosse o grande vilão desse processo. Só que o Banco Central mudou. V. Exa. foi indicado pelo Governo que aí está e a maioria daqueles que fazem parte, com V. Sa., da diretoria também, e nem por isso mudou a forma como o Banco Central tem se comportado; uma forma, eu quero aqui deixar consignado, responsável, na contramão das diatribes que são faladas praticamente diariamente por aqueles que comandam o Governo - à exceção de V. Exa., viu, Senador Jaques Wagner? V. Exa. até que é bastante sóbrio. Mas o Líder do PT na Câmara, o Sr. Lindbergh, meu Deus do céu! Ele e a ex-Presidente do PT, a Sra. Gleisi Hoffmann, que hoje é Ministra de Estado, passaram dois anos e meio dizendo o seguinte: "Tudo que está errado no país foi o Banco Central e aqueles que nos antecederam", olhando sempre pelo retrovisor.
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Mudaram os elementos do Banco Central e o Banco Central continua com a mesma política monetária responsável. Então, se nós estamos hoje a 14,25% não é por acaso, senhores. Ninguém muda nada com a caneta, muda-se com atitudes; muda-se tendo responsabilidade; muda-se gastando apenas o que se arrecada - ou, aliás, economizando -; muda-se mostrando que há segurança jurídica, que há previsibilidade, que há respeito às leis, aos marcos regulatórios, que não se quer mudar o que está dando certo.
Nós temos quase R$1 trilhão contratado nos quatro anos do Presidente Bolsonaro nas concessões que foram feitas, nas privatizações, em que se atraiu o capital privado para ser sócio do Brasil. E o que é que nós temos agora? Nós temos uma economia tracionada em função do que foi feito e nós temos um legado sob ataque permanente de um Governo revisionista, que não saiu do muro de Berlim da década de 80, que continua pensando com a cabeça no passado.
Vejam, por exemplo, a questão do pleno emprego, de que V. Exa. falou na demonstração que fez. Nós somos um país que tem uma deformação clara. Qual é o número de desalentados que existem no Brasil, que sequer procuram emprego, mas deveriam estar na PEA e que estão sendo contemplados por programas sociais? Se você pegar outro país e comparar conosco, com o Brasil nas mesmas condições, você vai ver que há uma distorção evidente no nosso mercado de trabalho.
E hoje, o que nós vemos é uma situação em que o estímulo ao crédito de forma artificial e a apropriação de receitas que não são recorrentes, e as ações populistas deste Governo já têm um prazo para sucumbir, para naufragar. Está aí o que foi dito pelo Governo quando apresentou o projeto de lei de diretrizes orçamentárias.
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Em 2027, nós estamos em shutdown, nós estamos impactados, nós estamos mortos, do ponto de vista orçamentário. E o que é que o Governo diz, através da sua Ministra do Planejamento? “A gente resolve em 2027.”
Ou seja, quem sair por último apague a luz e feche a porta, porque não há projeto de país, há projeto de perpetuação no poder.
Eu acredito, Sr. Presidente, que nós estamos vivendo um momento no país - e aqui o Senador Oriovisto falou que o problema não era o juro, mas a consequência dos juros. Eu quero reiterar o que ele falou, porque tudo isso é efeito do problema que está sendo gestado. A má condução da política fiscal no país é o que está gerando todo esse desequilíbrio.
Nós tivemos, há 14 anos, uma catástrofe do ponto de vista econômico, e eu quero lembrar aos senhores: desde 1948, não se tem no Brasil uma referência de uma crise econômica tão grave à qual o Brasil foi exposto em 2015, 2016, fruto das mesmas políticas que estão sendo implementadas por este Governo, que não esqueceu nada, mas não aprendeu coisa nenhuma. É o DNA do Partido dos Trabalhadores.
Então, nós estamos vendo, por exemplo, um governo cujo ministro da Fazenda, ao apresentar as contas públicas de 2023 e 2024, afirma o seguinte: "Olha, nós tivemos a herança maldita dos precatórios."
Ele se esquece de dizer que os R$90 bilhões que foram pagos em 2023 - porque ele acusa o governo anterior de ter dado um drible na questão fiscal - foram recursos que só R$30 bilhões eram oriundos do governo anterior; R$60 bilhões foram antecipação do Governo do Presidente Lula. E eu não estou dizendo que são recursos que foram gestados e planejados pelo Governo do Presidente Lula, até porque precatórios são ações judiciais até de governos anteriores.
Houve um aumento de 85%, de 2021 para 2022, nos precatórios apresentados no orçamento do ano subsequente. E o que é que o governo daquela época fez? “Eu vou estabelecer um teto de R$60 bilhões; o que passar daqui eu vou diferir, vou transformar em moeda do ponto de vista de se 'bidar' eventuais privatizações ou concessões públicas, e posso transformar também em moeda para bater imposto pelo valor de face”. O.k. E o que é que o Governo atual faz? Acusa de que se está dando um drible no orçamento e se tem anuência do Supremo Tribunal Federal de se colocar tudo que está acima de R$60 bilhões fora do Orçamento - fora do Orçamento, Senador Renan - ou seja, é exatamente o que ele acusou o governo anterior de fazer, com uma diferença: desta feita, está sendo pago fora dos parâmetros fiscais. Mas entra no déficit nominal, aumenta a dívida pública, gera insegurança no mercado.
Nós estamos falando de um governo que está driblando o arcabouço que ele fez oito vezes. Posso ler aqui para os senhores: oito vezes. E eu disse aqui, na CAE: “Não vou colocar minha digital nesse projeto, porque este Governo não vai manter a higidez desse instrumento nem por um ano.” Eu estava enganado. Não demorou três meses! Não demorou três meses, o Governo transgrediu o que apresentou aqui como se fosse uma peça de higidez fiscal.
Então, nós estamos vivendo um momento em que V. Exa. literalmente está remando para um lado e o Governo remando para o outro.
V. Exa. tenta enxugar a liquidez da economia, tenta segurar a inflação, tenta manter o câmbio sob controle, porque V. Exa. sabe - ao contrário do Presidente Lula - que o pobre de verdade não come dólar, mas come as consequências do aumento da moeda. Então, por favor, vamos parar de enganar a população brasileira.
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Mas o mais grave, que me causa uma certa perplexidade e eu diria até uma confusão, porque todos nós que estamos aqui temos a vontade de ajudar o país, mesmo pensando diferente... E eu quero que V. Exa. tenha um grande, um exitoso mandato à frente do Banco Central; eu quero que o país saia forte no final. Nós temos aqui as nossas diferenças, mas V. Sa. vai verificar que todos nós nos tratamos aqui de uma forma bastante cordial. Eu acho que a política é feita, como disse o Senador Cid anteriormente, com mais debate. É importante que tanto o posicionamento que ele externou aqui, como o que eu estou externando agora, possam ser cotejados pela opinião pública.
Eu não acredito em golpe de caneta, eu não acredito em jactâncias, eu não acredito em populismo. Eu acredito em trabalho sério, porque a consequência do trabalho sério é o que faz com que o país cresça.
Então, V. Exa. hoje está literalmente como aquela figura de linguagem que eu coloquei, no centro do rio, liderando remadores numa direção, e o Excelentíssimo Senhor Presidente da República lidera remadores na direção contrária, e esse barco, essa canoa é o Brasil. Por isso que nós estamos numa situação muito séria!
E eu pergunto a V. Exa., ao final... A V. Sa., porque aqui a gente se acostuma com excelência, mas com V. Sa.: esse colapso das contas públicas, como é que espera o Banco Central que a dívida pública se comporte nos próximos dois anos, principalmente após a apresentação da Lei de Diretrizes Orçamentárias?
O que vai acontecer com a dívida pública se sair totalmente do controle? Porque essa apresentação da LDO disse que depois de 2027, 2028, é que vai declinar a questão da dívida pública. Deve ser por mágica, não é? Porque o Governo está dizendo que não tem nada a fazer. Então, deve ser por inércia, não é? Suponho que o Governo deve ter alguma varinha de condão para imaginar o futuro sem fazer a parte dele para que as coisas aconteçam.
E quais medidas que o Banco Central identifica como mais importante para a estabilidade da dívida pública nos próximos anos?
E digo isso porque eu vou ler aqui um pedaço, rapidamente, porque eu já falei muito, do trecho que V. Exas. produziram por ocasião do último Copom. E V. Exa. afirmou, há pouco, que não comenta a política fiscal, apenas reverbera o que os agentes econômicos, de uma maneira geral, pensam a respeito.
"O Comitê manteve a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas".
Tudo o que este Governo não faz.
"Em particular, o debate do Comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas".
Como eu coloquei anteriormente, é evidente que estão em desacordo. Aliás, eu diria antagônicas.
No período recente, a percepção dos agentes econômicos sobre o regime fiscal e a sustentabilidade da dívida seguiu impactando, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm um potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo da desinflação em termos de atividade.
Isso aqui foi transcrito por V. Exa. após a reunião da Selic. Ou seja: V. Exa. faz uma crítica contundente à política fiscal - V. Exa. não; o Comitê, claro. Desculpe-me - conduzida pelo Governo.
E eu quero dizer a V. Exa. que eu me somo a V. Exa. e a todos aqueles que têm bom senso neste país.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Antes de concedermos a palavra ao Presidente do Banco Central, eu vou conceder a...
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Eu vou incluir neste bloco o Senador Rogério Carvalho e, em seguida, eu também me permito, em homenagem ao Deputado Mauro Filho, fazer uma pergunta sobre projeto da limitação da dívida consolidada da União.
Com a palavra V. Exa.; Senador Fernando em seguida.
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE. Para interpelar.) - Presidente, muito obrigado.
Eu queria cumprimentar o Presidente Galípolo, do Banco Central.
Em primeiro lugar, eu acho que um debate dessa natureza enseja uma certa polidez ao nos referirmos a governos de uma maneira geral. Então, eu quero dizer que este Governo é um governo que ganhou pela eleição. Este Presidente foi eleito, reeleito e eleito novamente pelas urnas e nunca atentou contra a democracia. É importante deixar isso muito claro.
Mesmo a Presidente Dilma, que também foi eleita e reeleita, quando foi retirada, a partir de um crime inventado de pedaladas fiscais, respeitou as instituições, e o nosso partido - é importante que se diga - não quebrou, nem invadiu, nem destruiu nenhum símbolo da República brasileira.
Então, essa é uma questão que a gente precisa sempre pontuar, para não deixar passar que nós estamos falando de um governo democraticamente eleito, de um governo que já foi eleito e reeleito em outros dois governos.
E, neste período, eu estava vendo uma comparação: o Brasil, na década de 60, era responsável por 26% do PIB de toda a América Latina, de toda a América do Sul; em 2025, o Brasil é responsável por 51% do PIB da América do Sul. Então, nós estamos falando de um país que saiu da 13ª posição, beirando a 14ª posição, em comparação com outras economias em termos de tamanho, para um país que está entre as dez maiores economias e a sexta maior economia em transação comercial.
Então, nós estamos falando não é de uma catástrofe, não é do fim do mundo, porque esse sentimento que a gente passa para o povo brasileiro, para fazer política, de que estamos sempre no fim do mundo é sempre o velho complexo de vira-lata que a gente vai buscar para poder quebrar a autoestima do brasileiro, quebrar a expectativa de um futuro e de estímulo para que as pessoas possam investir e fazer este país acontecer, e isso eu vi entre 2011 e 2015, e depois o golpe, e depois o 2013, e depois não éramos capazes de fazer a Copa, não éramos capazes de organizar uma Olimpíada... Perdemos a oportunidade de mostrar este país com grandiosidade para toda a população mundial, ganhar, do ponto de vista do turismo, e mostrar o que é o Brasil para o mundo, porque ficamos numa disputa interna entre o complexo de vira-lata e a perspectiva de consolidar a nossa autoestima.
Venceu, naquele momento, em 2013, o complexo de vira-lata. Quebrou a nossa espinha dorsal quando derrotou a nossa autoestima.
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Porque um povo só é derrotado ou primeiro é derrotado quando a sua autoestima é abatida. E eu me recuso a abater a autoestima do nosso país no momento em que a gente tem menor desemprego; no momento em que a gente está crescendo a uma taxa, nesses dois anos, de aproximadamente 3% - na média, 3% - ao ano; no momento em que o país sai da 14ª economia do mundo para a décima, para a sexta em transações comerciais; no momento em que a gente sai de um déficit de R$240 bilhões, em 2023, e cai para R$0,09 bilhão em 2024; no momento em que este país, ao contrário de outros países, tem respeitado - e este Governo tem respeitado - aquilo que de forma soberana este Congresso tem definido, como, por exemplo, a autonomia do Banco Central.
Então, enquanto isso, aqueles que acusam a gente não conseguem falar nada sobre o que está acontecendo no mundo, neste momento que gera instabilidade para todo o mundo. E gera instabilidade e vai atingir, pode atingir todos nós, mas foi colocado o chapéu na cabeça do Maga - é Maga ou Mega? Mega, não é? Eu nem sei porque acho um absurdo.
O SR. CID GOMES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - CE. Fora do microfone.) - Maga.
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Maga, certo? Bota o chapéu na cabeça. E essa tragédia traz instabilidade cambial, essa tragédia traz instabilidade para toda a humanidade e quebra todo um esquema construído no pós-guerra, que estabelece regras contratuais de comércio internacional, de convivência, de contenção do excesso de força de uma nação sobre outra.
Eu quero saber: o que está sendo dito aqui sobre isso? Absolutamente nada. Este, que era o farol desses ideólogos, está querendo acabar com a autonomia do Banco Central - mas era o farol desses ideólogos. O trumpismo era a outra face do bolsonarismo no Brasil. Como é que se convive com tanta contradição?
Eu acho que a gente tem tarefas a cumprir. Muitas! Uma delas é como o Brasil deixa de ter uma dívida pública bruta distante da dívida pública líquida. Porque isso é um R$1,7 trilhão aproximadamente, que eleva a nossa dívida líquida, que é a que vale, mas, para fins de relação dívida-PIB, é a bruta, não é a líquida. Quando a gente resolver isso... E, para resolver isso, precisamos discutir qual é o papel do Banco Central em relação aos fundos, porque neste país quem tem 75% da liquidez não são mais os bancos; são os bancos através de fundos, sobre os quais o Banco Central não tem autonomia. Eu quero saber se esta Casa vai conceder de fato autonomia para a gestão monetária, para lidar com esses fundos que têm 75% do dinheiro. Isso é fundamental, e não o blá-blá-blá de muita conversa ideológica sobre um tema tão profundo quanto este é profundo.
Outra coisa: quem define o valor do dólar não é o Governo de plantão. Quem define o valor do dólar são, por exemplo, as maluquices e a dependência do mundo de uma única moeda para fazer comércio exterior e para alimentar o déficit trilionário em dólar dos Estados Unidos.
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"Como é que nós vamos...", "A gente não pode fazer muita coisa..." Mas pode!
Nós lideramos, junto com outros países, um bloco econômico que tem 40% de toda a riqueza do mundo. E se a gente tiver uma moeda para negociar entre esses países, o dólar já vai se enfraquecer e já vai interferir muito menos na vida de outras nações em desenvolvimento, como a nossa! Então, quando a gente vê um ataque especulativo, como foi feito no final do ano - aquilo é criminoso, aquilo tem uma intenção clara! -, a gente precisa discutir essas coisas. E o nosso mercado e os nossos agentes de mercado apostaram contra a nossa moeda, apostaram contra a nossa moeda, e o Banco Central agiu e tinha que reverter essa situação e não premiar quem estava apostando na moeda brasileira, estava apostando no dólar. Isso aconteceu. Agora nós temos que ver como é que o dólar vai chegar num patamar para que possamos pensar e para que possamos rapidamente fazer essa desaceleração ou essa diminuição da taxa de juros no país.
Então, eu quero dizer, Presidente, que eu acho que esses debates são fundamentais. Acho que, sobre a questão do arcabouço fiscal, nenhum país europeu saiu da crise com austeridade! A austeridade lançou a Grécia num buraco sem fim, quase destrói a economia da França, quase destrói a economia espanhola e a economia portuguesa, a tal da austeridade, como diz o autor americano, essa ideia perigosa chamada austeridade. Foi quando a Europa mudou o seu arcabouço fiscal que criou um arcabouço mais flexível que tem uma capacidade de se movimentar quando a economia está em baixa, quando a economia está em alta, em momentos de pandemia, em momentos de crise, para poder fazer intervenções anticíclicas.
Esse arcabouço fiscal nosso não é uma jabuticaba, como foi o teto de gastos, que contraiu e contorceu, tirando riqueza da população mais pobre do Brasil, levando 30 milhões à fome e à miséria! Ou a gente não se lembra disso? É porque a gente tem uma memória muito curta! Ou a gente não lembra que a gente tinha um Bolsa Família estruturado, que foi desestruturado, que depois veio o Renda Brasil, que depois virou esse Bolsa Família que a gente está vivendo hoje? Porque não era um programa para resolver criança na escola, para poder tirar as pessoas da fome... Era para poder ganhar as eleições de 2022! E perderam. Mesmo com isso, perderam! Mas ficou um legado que a gente precisa remodelar, não é diminuir a renda, mas remodelar, reempacotar, redefinir como vai se dar esse novo programa que, no Brasil, não é mais uma bolsa, é um programa de renda básica, de renda familiar mínima. Ou seja, nós estamos falando de uma outra coisa, é quase um BPC que foi introduzido através do novo Bolsa Família.
Então, a gente precisa rediscutir todas essas questões e definir, dos lugares certos, para que a gente saiba qual é o tamanho deste país, e dizer que este país é, de fato, o país que - vou concluir - mais transfere renda para pobres, muito pobres e para muito ricos. Porque ninguém nesta Casa, com exceção de poucos, foi contra acabar com as desonerações fiscais.
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Aqui nesta Casa, quando se trata de tirar dinheiro dos mais ricos, todo mundo é contra. Quando se trata de garantir renda e direito dos mais pobres, que está na Constituição, uma grande parte é contra. Então a gente precisa ter um equilíbrio.
Por que a gente não retirou os... Esses setores, o Amin todo dia diz que quer rever esses setores que vão receber subsídios ou que vão receber... Se isso não tivesse, quanto a gente teria hoje? A gente teria tido superávit no ano passado? Nós teríamos superávit este ano? Nós não teríamos problemas nas contas públicas.
Quando agora a gente vai entrar na discussão do Imposto de Renda, para concluir, Presidente, eu quero ver como é que nós vamos nos posicionar, porque vão querer tirar das desonerações. As desonerações são passageiras, vão acabar. O Imposto de Renda é o que vai trazer justiça tributária e progressividade na cobrança do imposto sobre a renda, que é um tabu neste país. Só paga quem é pobre ou quem é assalariado, rico não paga imposto neste país, paga a pessoa jurídica, mas dividendo, onde está a renda dos ricos, ninguém cobra imposto sobre isso.
Eu quero saber como é que a gente vai fazer para enfrentar a crise fiscal que todos os países vão viver se não resolverem questões dessa natureza que estão imbricadas nos interesses de uma parte da sociedade, cuja representação é majoritária nessas duas Casas, ou seja, os interesses majoritários na Câmara e no Senado, infelizmente, é importante dizer isso ao povo brasileiro, representam geralmente os mais ricos. Os mais pobres, Senador Cid Gomes, têm poucos representantes que ficam aqui lutando, labutando para evitar que retirem o direito de comer, de vestir, de ter saúde e de ter educação.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Senador Fernando Farias, com a palavra V. Exa.
O SR. FERNANDO FARIAS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Para interpelar.) - Obrigado, Presidente.
Quero parabenizar vocês dois por nos proporcionar esse debate e dizer o seguinte, eu acho que você ouviu aqui que não temos partido e todos estão com uma grande preocupação nas taxas de juros. Acredito que você vá se debruçar com a sua equipe, como o Malan falou com você em sua entrevista, tem que usar a equipe para chegar a uma conclusão.
Em cima disso, eu já sugiro ao Presidente Renan um outro debate disso, marcar uma outra data para a gente rebater isso.
Mas eu tenho uma curiosidade, Presidente.
Recentemente o BRB, pegando um gancho na Leila, anunciou a aquisição do capital do Banco Master, uma operação que chamou a atenção pelo volume de recursos públicos e um banco que aparece na mídia envolvendo situações delicadas. Ano passado, uma tentativa de compra de 500 milhões em letras financeiras da mesma instituição pela Caixa Federal acabou barrada por gerentes que identificaram riscos excessivos.
Já que o Banco Central tem como diretriz zelar pela estabilidade financeira e eficiência, diante desse episódio, como o Banco Central atua? No momento, o Banco Central atua para intervir ou não pode intervir para evitar esses riscos excessivos do mercado financeiro?
Muito obrigado, Presidente.
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O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Antes de conceder a palavra ao Presidente Galípolo, eu gostaria de dizer que nós recebemos, por meio do nosso portal, algumas manifestações que gostaria de passar a V. Exa.
Do Lilean, de Goiás: "Como o Banco Central concilia controle da inflação com crédito acessível e geração de empregos, especialmente para pequenos empreendedores?".
Da Raíssa, do Mato Grosso: "As ações do Banco Central estão alinhadas com os interesses da população ou priorizam apenas o mercado financeiro e seus lucros?".
Do Erivelton, da Bahia: "Quais são os critérios objetivos usados pelo Banco Central para definir a taxa Selic, especialmente em um cenário de queda na inflação?".
Finalmente, do Lucas, do Rio Grande do Sul: "Como manter a efetividade da política monetária em meio ao descompasso gerado por uma política fiscal expansionista?".
Atendendo, sobretudo, a presença do Deputado Mauro Filho aqui nesta audiência pública, eu gostaria de fazer também uma pergunta que considero atual e pertinente.
Na última ata do Copom, de março de 2025, na parte citada aqui pelo Senador Rogerio Marinho, o Banco Central apresenta argumentos importantes sobre o descontrole de preços. Abro aspas: "O Comitê segue acompanhando com atenção como os desenvolvimentos da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o regime fiscal e a sustentabilidade da dívida segue impactando, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes". De acordo com o próprio Banco Central, é de extrema importância garantir níveis sustentáveis de dívida pública.
Nesse mesmo diapasão, na quinta reunião desta Comissão, ocorrida no dia 8 de abril deste ano, nós apresentamos um projeto de resolução do Senado que dispõe sobre o limite global para o montante da dívida consolidada da União, em atendimento ao disposto no art. 52, VI, da Constituição Federal, e no art. 30, I, da Lei Complementar nº 101, de 2000.
Em 2000, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso mandou, para tramitar no Congresso Nacional, um projeto de lei complementar que limitava as dívidas consolidadas da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios. O Congresso, ao final da tramitação e da apreciação, limitou as dívidas consolidadas de estados e de municípios, e até hoje nós não limitamos a da União, como manda que nós façamos, repito, o art. 52, VI, da Constituição Federal.
Eu queria, em função desses fatos, perguntar, sobretudo, duas coisas a V. Exa. Primeiro, se o Banco Central já tem uma posição sobre a regulamentação do art. 52, inciso VI, da Constituição Federal, e, consequentemente, sobre esse projeto e como pode, verdadeiramente, ajudar no combate à inflação, reduzindo a rigidez da taxa de juros no Brasil e as dificuldades encontradas para redução dessas taxas. E é importante incluir, na medida do possível, na sua resposta, uma avaliação de um problema essencial que o país vivencia devido à elevada taxa de juros básica: o custo de uma elevada taxa de juros sobre a evolução da dívida e como isso drena recursos para o pagamento de juros, os quais, de outro modo, poderiam ser usados para o desenvolvimento do país.
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Eu, com muita satisfação, concedo a palavra ao Presidente Gabriel Galípolo, do Banco Central, para as perguntas formuladas aqui pela Senadora Leila, pelo Senador Cid Gomes, pelo Senador Rogerio Marinho, pelo Senador Rogério Carvalho, pelo Senador Fernando Farias e, modestamente, por mim, ao final.
Com a palavra, V. Exa.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - Obrigado, Presidente.
Começando aqui, por ordem, com o que a Senadora Leila perguntou sobre o que a gente pode fazer para reduzir o custo de capital para as pessoas, o custo de juros. Está entre os cinco pilares principais que a gente está colocando aqui como objetivos centrais para os próximos anos do Banco Central, justamente.
As medidas que estão sendo apresentadas envolvem desde mudanças legais que permitem a gente aumentar processos de garantia e colateralização até inovações tecnológicas, como é o caso do Pix em garantia, ou o Pix parcelado, ou até o Drex. Eu realmente acredito que a melhor solução que a gente tem para apresentar sempre, ao invés de privar o cidadão de algo que ele já está utilizando hoje, que vai causar dor, é você tentar oferecer alternativas mais competitivas. Se a gente pegar o que aconteceu, por exemplo... Falamos aqui tanto - não é? - do processo de estabilização monetária... A URV foi uma moeda que, por si só, por conseguir reunir uma série de atributos mais vantajosos, produziu uma migração das pessoas para aquela moeda.
Então, a gente conseguir oferecer mais alternativas que são mais competitivas me parece ser o caminho mais inteligente. E aí o que acaba acontecendo é que, quando eu estou utilizando uma linha de crédito que não foi pensada para que a pessoa tenha um financiamento de longo prazo com aquela linha, ela é uma linha de rotativo, ela foi pensada para uma situação emergencial, para quando você precisa de um dinheiro para algo que você não tinha planejado e você precisa daquele dinheiro rapidamente, não tem condição de oferecer garantia, nem nada disso, se isso for utilizado como uma fatia da sua renda de maneira recorrente, é óbvio que essa é uma linha pensada para cobrar a taxa de juros mais alta possível, porque eu tenho o maior risco possível. Ela não tem garantias.
Se a gente conseguir inserir alternativas para que para o cidadão seja mais fácil fazer isso no aplicativo dele, para que quem está concedendo o crédito consiga ter mais higidez no sistema que concede créditos para que toda a infraestrutura utilizada e disponível consiga ter alternativas para que a gente amplie o crédito com garantia... Se a gente pegar no resto do mundo, a maior parte dos financiamentos tem como colateral o mercado imobiliário. O Brasil usa muito pouco os ativos imobiliários que a gente tem como colateral para redução de crédito. Assim como você pode usar seus recebíveis. Cada vez menos as pessoas estão trabalhando simplesmente recebendo salário; nós temos empreendedores que têm outras fontes de receita.
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Como é que a gente consegue segregar essas fontes de receita? Através de inovações, novos produtos, novos serviços que vão ser prestados pelo mercado. Mas como é que o Banco Central facilita que o mercado ofereça esse tipo de serviço e que a população consiga ter acesso a esse tipo de serviço para que a gente tenha uma redução estrutural da taxa de juros que chega para as pessoas? Porque realmente houve uma redução de risco. Eu saí de uma linha que historicamente é chamada de linha de alto custo para uma linha de menor custo, porque oferece colaterais e garantias.
Então, isso permeia e perpassa praticamente todas as políticas de que a gente falou ali, desde o Pix parcelado, desde o Pix em garantia, o Drex, as novas modalidades de funding para mercado imobiliário. São essas medidas que a gente tem tentado implementar, e, em discussão, há várias outras, com o Legislativo, com o Poder Executivo, para a gente poder fazer melhorias também do ponto de vista legal e infralegal para que isso possa acontecer.
Eu podia fazer uma longa leitura aqui do material que a Procuradoria me mandou para responder o porquê que a gente não pode comentar casos específicos de fusão e aquisição - a autoridade monetária -, mas acho que talvez, para a boa utilização do tempo, seja mais produtivo eu dar a resposta relativa à fusão e aquisição do BRB e Master, eu explicar mais ou menos o que o Banco Central faz.
O Banco Central não julga, em qualquer processo de fusão e aquisição, a conveniência da venda ou da compra. A decisão e a conveniência de comprar ou vender qualquer tipo de ativo, parcialmente, integralmente, é uma decisão de quem está comprando e quem está vendendo. A obrigação do mandato do Banco Central é julgar a viabilidade econômica da aquisição, ou seja, quem está adquirindo um ativo, tem viabilidade econômica para comprar?
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF. Fora do microfone.) - E os riscos da viabilidade?
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Os riscos da viabilidade estão dentro. Agora, se você está analisando enquanto acionista, assim: "Poxa, estou vendendo um ativo e acho que esse ativo eu não deveria vender, deveria ficar com ele"... Ou o inverso: "Estou comprando um ativo e acho que não devia comprar", essa conveniência de compra e venda, o Banco Central não...
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Mesmo sendo um banco estatal?
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Mesmo sendo um banco estatal. Perfeita essa sua pergunta. Os órgãos de controle, para você julgar a conveniência, no caso de um banco privado, será o Conselho de Administração, no caso de um banco estatal, serão os próprios órgãos que vão julgar a conveniência da compra. Não é esse o mandato do Banco Central. O mandato do Banco Central é julgar e avaliar a viabilidade da aquisição, ou seja, se a fatia que está sendo comprada, seja integral ou parcial, pode ser absorvida e como é que isso impacta o plano de negócio de quem está adquirindo, e se o que vai sobrar, se você não vender integralmente, também tem viabilidade econômica. Então, a função do Banco Central, o mandato do Banco Central é esse, e, do ponto de vista da supervisão, vai ter uma série de indicadores que ele vai estar analisando.
O Brasil é um dos países mais alinhados às regras de Basileia, que são regras internacionais do ponto de vista de como é que você analisa e acompanha as exposições de risco e apetite de risco de cada uma das instituições. Então, acho que esta é a resposta do que está dentro do quadrado do Banco Central: a gente não analisa conveniência, a gente analisa sempre a...
O SR. FERNANDO FARIAS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Mas imediatamente à compra, ao negócio fechado, o banco já pode intervir em alguma coisa?
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Que banco intervir?
O SR. FERNANDO FARIAS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Logo no...
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - A aprovação de qualquer fusão e aquisição depende de uma aprovação do Banco Central. Então o Banco Central... Como é que costuma...
O SR. FERNANDO FARIAS (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Isso demora muito?
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - A gente tem um prazo legal que é elástico, passa de 360 dias, mas este processo costuma... Eu não queria me alongar aqui muito, mas são duas coisas. A primeira coisa... Geralmente o que acontece - isto acontece com grande frequência, existir esses tipos de transações no mercado financeiro -, quem está pensando em comprar ou está pensando em vender, pode pedir uma reunião, marcar uma reunião ou com o diretor da área ou até com o Presidente do Banco Central. O Banco Central não se manifesta prévia e informalmente sobre nada, ele recebe a documentação. Uma vez recebida a documentação e definido o perímetro da transação, é a partir da definição do perímetro da transação que pode ser feita a análise do Banco Central sobre a viabilidade da compra e da venda. E é em cima disso que vai sair a aprovação ou não dessa aquisição.
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Sobre o debate a respeito de política monetária. Eu queria dizer que eu sublinho e concordo plenamente com o Senador Cid Gomes sobre a importância de a gente fazer o debate sobre política monetária. A autonomia, de maneira nenhuma... Pelo contrário, a autonomia impõe que o Banco Central fique cada vez mais disponível para explicar o que está fazendo e o porquê que está fazendo. Isso é absolutamente essencial. Cenários como este e oportunidades como esta que a gente está tendo aqui são absolutamente essenciais para que a gente possa fazer as explicações. Existe uma brincadeira que se faz nos Estados Unidos de que quando o Presidente do Banco Central dos Estados Unidos está falando ele é a segunda pessoa mais importante. As pessoas mais importantes são as pessoas da imprensa que estão dando os piscas ali e os headlines sobre o que ele está dizendo. Cenários como este em que a gente tem a possibilidade de falar ao vivo e com a imprensa nos acompanhando são muito importantes porque eliminam, muitas vezes, algum ruído que pode ser gerado. Porque, como o senhor sabe, Senador, existe um grande campeonato de interpretação de textos sobre tudo o que o Banco Central fala e, às vezes, têm pessoas que querem achar uma terceira, uma quarta camada daquilo que foi dito. Para evitar que a utilização de uma terceira, quarta camada, daquilo que foi dito possa desviar e provocar algum tipo de distúrbio no mercado, poder ter essa oportunidade de falar de maneira ampla e clara é bastante útil.
Então, sobre o tema cambial, por exemplo, o primeiro ponto a reforçar é que o câmbio é flutuante, no Brasil, que o regime do Brasil é de câmbio flutuante. E a todo momento, quando a gente apresentou... É até por isso que a gente colocou primeiro um eslaide sobre o impacto do câmbio na inflação, especialmente na inflação de alimentos, depois passou a discutir as questões de qual era o impacto do carry e de valorização. Ele sempre se dá olhando para um mandato, que é um mandato de inflação. Então, o mandato do Banco Central do Brasil é a meta de inflação e o câmbio vai ter um impacto a partir do pass-through que ele tem para a inflação - é isso o que a gente vai estar sempre analisando - e o câmbio flutuante é um amortecedor. Acho que ficou bastante claro para todo mundo, que está aqui na sala, quando eu falei aqui.
Isso se junta com o que o senhor colocou, Senador, sobre a necessidade da transparência sobre os dados. O Banco Central, hoje, já deixa todos os dados transparentes no portal que a gente tem lá, do Banco Central, da transparência, com todos os dados desde 1999 sobre as aquisições que a gente faz, sobre o que a gente deixa de fazer, não deixa de fazer. Mas, ainda assim, como o Senador comentou aqui, muitas vezes o dado pode não ser simples de compreender. Como o senhor colocou bem, às vezes a linguagem do Banco Central é muito hermética e é necessário esclarecer numa linguagem que seja mais acessível. O caso, por exemplo, das reservas. O Brasil não compra reserva, o Banco Central não compra reservas, desde abril de 2012. Em 27 de abril, de 2012, foi a última vez que a gente comprou reservas. A confusão ali surgiu claramente porque essas reservas sofrem marcação ao mercado. O que é isso, para gente poder explicar para as pessoas? Os valores dos ativos são marcados a mercado. Eles sofrem uma valorização ou desvalorização em função do que acontece com o preço no mercado. Isso está lá disponível. Se o senhor abrir, o senhor vai ver que 3 bilhões que aconteceram... As reservas cresceram 13 bilhões, nesse período que o senhor está colocando: 3 bilhões é a valorização do ouro e 10 bilhões são fechamento da taxa. Porque como a gente compra reservas, a gente compra títulos americanos, por exemplo, treasures. Se a taxa caiu, a taxa de juros fechou, futura, o valor do título subiu, porque você, na verdade, para tentar fazer uma explicação aqui... Se, por acaso, você tem um título que está pagando dez e agora tem um título no mercado que paga 20, ninguém vai topar comprar o seu título pagando 10. Então, você vai ter que dar um desconto no valor do seu título, para equiparar a taxa que está disponível no mercado para um título com uma duração parecida. O inverso é verdadeiro. Se, por acaso, as taxas fecharem, você tem uma oportunidade de poder vender mais caro. Então, ali, o que está colocado foi um processo de valorização que gerou a confusão de parecer, quem está comprando, mas a última vez, que está lá nos dados do portal da transparência dos dados abertos do Banco Central, mas queria só reforçar.
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Todas as vezes, e o Senador Mauro sabe disso bem, que tiver alguma questão de dúvida nesse sentido, alguma coisa que está mal explicada, por favor, Senador, não é mais que a nossa obrigação, mas nós estamos sempre à disposição para esclarecer, ou numa reunião, e depois até esclarecer de novo, se for necessário, publicamente, a gente entende perfeitamente, porque às vezes é necessário fazer essas duas colocações - e nós estamos à disposição para fazer esse esclarecimento.
Só para reforçar, as reservas, então, variaram em função da marcação a mercado e, obviamente, o Brasil funciona com um regime de câmbio flutuante. Todas as vezes, quando nós discutimos carry, ou qualquer questão relativa à política internacional, nós estamos pensando sempre como é que isso se dá com o mecanismo de transmissão para a inflação, como eu acho que ficou claro para todos que estão acompanhando aqui a fala.
Quanto ao custo da dívida e à questão do limite para a dívida, eu acho que tem um tema bastante interessante aí a ser colocado.
Perceba que, no Brasil, quando o custo da dívida começa a ficar mais correlacionado com a taxa básica de juros, é porque o Tesouro passou a emitir mais LFT. O LFT é um título para uma letra, um título público que paga taxas que vão variar de acordo com a taxa básica de juros, o que é uma coisa estranha, porque, pelo mecanismo que eu acabei de falar de marcação a mercado, o que acaba acontecendo nos mecanismos de transmissão de política monetária é: quando o juro sobe, geralmente o estoque de riqueza cai. Pela razão que eu acabei de explicar, se você tem um título que pagava dez e amanhã os juros passaram a ser 20, quem detém o título vai ser obrigado a vender esse título com desconto, com deságio, para conseguir achar um comprador.
Então, elevações na taxa de juros geralmente implicam uma desvalorização do estoque de riqueza existente, porém, se você tem um título como esse, você não perde valor, porque você vai receber mais juros. O seu papel está indexado com mais juros. Aí a pergunta é, por que é que o Tesouro, então, emite esse título? Ou, por que ele concentra mais, em um dado momento, nesse título? Provavelmente, porque ele está entendendo que esse é o título que melhor lhe serve naquele momento, comparativamente a outros títulos que vão pagar IPCA mais alguma coisa, ou vão pagar uma taxa de juros nominal fechada, como é o caso do NTN-F.
Portanto, essa taxa de juros que está lincada à taxa básica de juros está se apresentando como a taxa mais competitiva e acessível para o Tesouro se financiar. A alternativa seria mais cara do que esta. Esse é um ponto relevante a ser colocado. Se ele concentrou em LFT, por que ele não emitiu NTN-B ou uma NTN-F? Porque ele está apresentando para ele que a LFT está pagando, ou ele espera que vá pagar com aquilo um custo inferior da dívida do que ele pagaria com outro tipo de papel.
Nessa lógica, o que a gente precisa entender é: ao restringir o financiamento do Tesouro...
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (Bloco/PDT - CE. Fora do microfone.) - Mas aí, Galípolo, pode não conseguir vender, se não tiver a Selic...
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Quem não conseguir vender?
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (Bloco/PDT - CE. Fora do microfone.) - O Tesouro...
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Se não tiver a LFT, você está dizendo? Isso, perfeito. Nós estamos concordando. O que eu estou dizendo para o senhor é o seguinte, se o senhor criar uma limitação sobre os instrumentos do Tesouro para se financiar, a gente corre um risco muito maior, muito, infinitamente maior. Então, a gente não deveria criar limitações para o Tesouro se financiar, porque, se você criar limitações para o Tesouro se financiar, você vai dizer que o Tesouro não vai acessar dinheiro.
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De outro lado, se se criar... E foi uma discussão que foi feita agora recentemente pelo Powell, inclusive. Alguém perguntou se o Powell devia considerar limites para a taxa de juros em função do tamanho da dívida. Ele foi bastante claro - só vou terminar e passo para o senhor, Deputado - em dizer o seguinte: "Olha, a minha meta é a meta de estabilidade monetária. Eu tenho meta de estabilidade monetária". Se se criar algum tipo de limitação para que o Tesouro não possa emitir acima de uma certa taxa de juros, ele não vai conseguir acessar o mercado de capitais para se financiar. Se ele não conseguir se financiar, aí sim nós estamos num problema.
Por isso é que eu volto ao que eu falei para a Senadora Zenaide: o dinheiro mais caro que existe é o dinheiro que eu não consigo acessar - esse é o mais caro que existe. Os títulos que o Tesouro está negociando são títulos decorrentes de leilões que ocorrem toda terça e quinta. Os credores que compram esses títulos têm alternativas a esses títulos, eles podem comprar em outro lugar. Hoje a livre mobilidade de capital garante que eles possam comprar em qualquer outro lugar. Restringir a disponibilidade de acesso a recursos ao Tesouro é que me parece ser temerário. Por isso é que eu acho que, sempre, quando se vai acessar qualquer coisa nesse sentido, é precisa entender... Eu acho que atacar o efeito não me parece ser a solução mais adequada. É dizer: "Bom, então vamos acabar com a maioridade penal e eu acabo com a delinquência juvenil". Não adianta eu tentar olhar por esse lado, porque eu acho que a gente vai criar um problema para o Tesouro. O Tesouro está pagando a taxa porque ele consegue rolar a sua dívida. Ele está rolando a sua dívida com leilões, toda terça e quinta. Se limitar, talvez, provavelmente, quem está financiando vá buscar uma alternativa.
Diga.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (Bloco/PDT - CE. Fora do microfone.) - O que está sendo proposto não é limitar a taxa de juros. É isso, não? O que está sendo proposto...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL. Fora do microfone.) - É limitar a dívida.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (Bloco/PDT - CE. Fora do microfone.) - É a dívida. É a dívida consolidada ali que só precisa de um projeto de lei. Aí o Banco Central vai ter um mix, o Tesouro vai ter o mix, para decidir o que fazer.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Então...
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (Bloco/PDT - CE. Fora do microfone.) - Os Estados Unidos têm isso, a Alemanha tem isso, tem outros países que têm isso. Todo ano, a Lei Orçamentária Americana vê lá... E tem o shutdown de que o Senador Rogério acabou de falar.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Isso. E quando chega nesse limite, geralmente...
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - E é de longo prazo.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO (Bloco/PDT - CE. Fora do microfone.) - É de longo prazo.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - A minha sugestão... É lógico, é uma discussão que o Legislativo deve fazer, mas como me foi perguntado, estou tomando a liberdade de falar aqui. A minha sugestão é: restringir instrumentos de emissão por parte do Tesouro. Não me parece que o Tesouro, hoje, paga a taxa de juros que ele paga pela ausência de um teto, parece-me que é por outras razões. É a minha posição. Mas eu acho que é uma questão que o Banco Central está totalmente disponível para discutir. Eu só alerto para esse ponto específico aqui que eu acho que valeria a pena eu falar.
Não sei se deixei para trás alguma coisa aqui ou se eu consegui responder a tudo. Ah, o Senador Rogério Carvalho falou sobre um tema que ele já tinha comentado antes e que eu acho muito importante, que é: hoje existe uma discussão global sobre onde se deve fazer o nivelamento, numa tradução livre aqui, do ambiente regulatória de supervisão. Eu acho que o Banco Central tem uma oportunidade de fazer uma atualização e um catching-up para que a gente possa ter um nível de supervisão mais disseminado, considerando que, hoje, sim, surgiram novos agentes e boa parte da liquidez fluiu dos bancos para outras instituições.
Obrigado, Presidente. Desculpa se eu falei demais.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Senadora Leila.
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A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF. Para interpelar.) - Rapidinho, Presidente Galípolo, só para entender.
Quando se fala de risco sistêmico, a gente escuta muito isso na imprensa, dos especialistas. Você pode falar um pouquinho desse risco sistêmico? Porque está se falando muito sobre o risco, o tal risco sistêmico dessa compra. Claro que você não vai... Você está aqui analisando só a viabilidade da compra, que eu já acho assim estranho, porque nós estamos falando de um banco estatal, mas já entendi todos os argumentos. Mas e essa questão dos tais riscos sistêmicos?
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO (Para expor.) - O Banco Central...
Primeiro, assim, a questão que a Senadora colocou. É muito importante, eu disse aquele dia lá no tema da...
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Inclusive quero agradecer, porque você atendeu prontamente...
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - Imagina.
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - ... os três Senadores...
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - É minha obrigação, é minha obrigação.
A SRA. LEILA BARROS (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - ... e, em nome dos três Senadores, eu já agradeço, Presidente.
O SR. GABRIEL MURICCA GALÍPOLO - É minha obrigação.
É muito importante que o Banco Central não deixe as suas prerrogativas serem invadidas e que ele também não invada as prerrogativas de outros órgãos.
A questão do porquê você não analisa a conveniência, para não também me alongar aqui muito, mas toda vez que a gente tem um processo de compra e venda de qualquer coisa, pode ser de uma ação listada em bolsa, aquela compra e venda numa ação listada em bolsa só ocorre porque existem percepções contrárias sobre o futuro daquele preço daquele ativo. Quem comprou achou que estava fazendo um bom negócio comprando, porque provavelmente entende que vai valorizar; quem vendeu acha o contrário.
Então, no mercado, o mercado funciona de percepções contrárias. Todo o processo que existe de valuation, como a gente chama, de calcular, são balizas para que a gente possa restringir o diferencial e chegar num valor que no final vai ter uma dimensão negocial e consensual.
Por isso que não cabe... No Banco Central, eu posso estar com o Presidente, duas instituições privadas, um decidiu comprar e o outro falou assim: "Não, eu não venderia se fosse eu". Ou o outro diria: "Não, em vez de pegar esse dinheiro, eu iria me aposentar". Não é a função do Banco Central. A função do Banco Central é analisar se há viabilidade para o comprador. É esse o nosso quadradinho que a gente não pode, pelo bem da institucionalidade do Banco Central, ultrapassar.
E, essa é uma fusão, é uma questão que está absolutamente confinada, está confinada ali entre essas instituições e a gente está analisando ali dentro disso. Não temos nenhum tipo de questão que ultrapasse as instituições que são a compradora e a vendedora.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - AL) - Nada mais havendo a tratar, mais uma vez agradecemos ao Presidente Galípolo, do Banco Central, pela presteza com que esteve aqui durante esta manhã toda neste debate, nesta Comissão.
Obrigado a todos.
(Iniciada às 10 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 43 minutos.)
(Em execução.)