Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 17ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A presente reunião atende aos Requerimentos n°s 27 e 52, de 2025-CAS, de minha autoria, para a realização de audiência pública destinada a debater os impactos da pejotização no Brasil. Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão: Ouvidoria, através do telefone 0800 0612211; e e-Cidadania, por meio do portal www.senado.leg.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet. Muito obrigado a todos que já estão aqui presentes e aos outros que estão a caminho. Como é praxe, eu farei um pequeno pronunciamento de abertura para situar os telespectadores no tema que vamos hoje aqui debater e que nos preocupa muito, muito. Eu falava agora para a imprensa ali fora que a pejotização, os chamados PJ já estão chegando aos supermercados. Eu li na tribuna um documento muito bem formulado por um especialista da área. Ele perguntou se eu leria. Eu disse: "Vou ler, sim". Já foi lido e está nos Anais. Senhoras e senhores, esta audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais tem como objetivo debater os impactos da pejotização no Brasil, seus efeitos nas condições de trabalho, nos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras e na segurança jurídica, além de analisar o posicionamento do Judiciário sobre o tema, mediante, claro, a última decisão do Supremo, que nos preocupou. O avanço da pejotização é alarmante e representa uma ameaça direta aos direitos trabalhistas, configurando, na minha avaliação, um ataque frontal à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Eu digo que participei de atos nos 80 anos da CLT, e eu o fiz com muito carinho, com muita segurança, porque eu sei da importância que é a CLT para o povo brasileiro. |
| R | Enfim, essa prática que vamos tratar compromete a proteção social e econômica de milhões de trabalhadores e trabalhadoras do país. A pejotização ocorre quando o empregador contrata um trabalhador como pessoa jurídica - o popular PJ - em vez de estabelecer um vínculo formal regido pela CLT. Apesar de frequentemente utilizada para reduzir encargos trabalhistas e tributários, essa prática se configura como fraude quando oculta uma relação empregatícia tradicional. Em muitos casos, o contratante mantém características típicas do vínculo empregatício, até com jornada definida, subordinação, pessoalidade, salário fixo e trabalho presencial, mas nega os direitos fundamentais garantidos, ao longo da história, pela nossa querida CLT. Poderia citar, como exemplo: férias remuneradas, décimo terceiro, FGTS, seguro-desemprego e por aí vai. Quando caracterizada como fraude, a pejotização pode resultar em condenações ao contratante, que é obrigado a pagar os direitos não quitados, além de arcar com multas e outras penalidades legais. O juiz Luis Eduardo Fontenelle, do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo, alerta: "Estamos caminhando para um desmonte das condições mínimas e civilizatórias de trabalho". Foi um documento dele e de um outro especialista que eu li na tribuna. Ele, então, repete aqui: "Estamos atingindo até salário mínimo, horas extras, descanso remunerado, férias com adicional, licença-maternidade, auxílio-doença, [e ele diz] entre outros direitos fundamentais. Tudo isso está ameaçado, vai passar a valer o vale-tudo", fecho aspas. Fortalecer a Justiça do Trabalho é imprescindível para enfrentar essas ameaças. Durante a tramitação da reforma trabalhista, alertamos sobre os perigos da terceirização irrestrita, que, infelizmente, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, ampliou a possibilidade da terceirização, inclusive em atividade-fim. Eu lamentei muito e fui à tribuna mostrando a indignação dos trabalhadores. Embora distintas, a pejotização e a terceirização compartilham o efeito de precarizar as relações de trabalho. Podem ver, eu tenho ido a diversas regiões do país, vendo a realidade do trabalho escravo. Infelizmente, eu digo que, se me disser um único estado no Brasil que não tenha trabalho escravo, eu mudo o meu pronunciamento, mas me diga um onde realmente não tenha trabalho escravo no nosso país. Enfim, dados do Dieese e do Ipea mostram que a pejotização passou de 8,5% em 2015 para 14,1% em 2023, afetando cerca de 18 milhões de trabalhadores. Além disso, segundo a Fundação Getulio Vargas, esse modelo de contratação já causou uma perda de pelo menos R$89 bilhões aos cofres públicos desde a reforma trabalhista, comprometendo, inclusive, a sustentabilidade da previdência social. Essa prática fragiliza o pacto social brasileiro e demanda uma resposta firme e efetiva. Por isso, estamos aqui reunidos nesta audiência pública, para aprofundar esse debate e buscar soluções. Muito mais do que só denunciar, nós queremos achar caminhos e soluções para não permitir que o sofrido povo brasileiro perca o instrumento, para mim, mais sagrado para a sua vida - é claro que tem que ter educação, tem que ter segurança, tem que ter habitação -, que é a CLT, pela sua importância na asseguração dos direitos básicos da nossa gente. |
| R | De imediato, vamos para a formação da mesa. Chamamos, com muita satisfação, dos que acertaram que vinham, foram convidados e já estão presentes: o Dr. Augusto César Leite de Carvalho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ele está em videoconferência, mas vai receber as nossas palmas. (Palmas.) Em seguida, ele vai ser chamado. Convidamos para a mesa o Dr. Clóvis Fernando Schuch Santos, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. (Palmas.) Eu não a estou vendo, mas está aqui. Deve ser videoconferência: Dra. Magda Barros Biavaschi, Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas. Ela vai entrar por videoconferência. Convidamos o Dr. Marco Aurélio Marsiglia Treviso, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). (Palmas.) Convido Renato Bignami, Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). (Palmas.) Por fim, para esta mesa, convidamos o Dr. Ricardo Carneiro, Assessor Jurídico da Central Única dos Trabalhadores. (Palmas.) Se os senhores concordarem, nós vamos iniciar com o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, que pediu para ser o primeiro por motivo de outras agendas. Então, com enorme satisfação, passamos a palavra por 10 minutos, com mais 5, se necessário - dá para cada um imaginar 15 minutos já - ao Dr. Augusto César Leite de Carvalho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O SR. AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO (Para expor. Por videoconferência.) - Senador Paulo Paim, espero que estejam a me ver e ouvir. Quero saudá-lo e quero agradecer, não apenas o convite, que agradeço em meu nome, em nome do Tribunal Superior do Trabalho, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, Presidente do TST e do Conselho Superior, que me pediu que expressasse este seu agradecimento. Quero agradecer também, Senador Paulo Paim, por este seu compromisso institucional, seu compromisso com a promoção dos direitos sociais e direitos humanos, que se revela tão claramente nessa sua fala introdutória. Como o tempo me cobra uma certa objetividade, saúdo inclusive todos os que compõem a mesa e também a minha Profa. querida Magna Biavaschi, que compartilha comigo a videoconferência. O nosso tema é pejotização. Eu inicio dizendo, Senador Paim, que nenhuma lei regula a pejotização. Na verdade, pejotização não é e nunca foi um conceito jurídico. "Pejotização" na verdade é uma palavra que nasceu com sentido depreciativo, com sentido crítico, com sentido pejorativo. Nasceu, como disse há pouco V. Exa., para designar uma fraude, a fraude de um empregador que, ao contratar um típico empregado ou uma típica empregada, exige que ele constitua uma MEI, uma microempresa, uma PJ, uma pessoa jurídica, e faz essa exigência com o claro objetivo de reduzir as obrigações fiscais e as obrigações previdenciárias, o que não raro é um convite não apenas para que essa fraude se dissemine no setor empresarial, mas para o próprio trabalhador que tem a visão imediatista de que vai ter um desconto menor, sem perceber todas as consequências drásticas de não ser regido pela nossa octogenária Consolidação das Leis do Trabalho. |
| R | O Direito do Trabalho no Brasil e em todo o mundo civilizado - esta é uma afirmação que me parece significativa - é regido pelo princípio da primazia da realidade, basta ler a última diretiva da União Europeia, do final do ano passado, aprovada em abril de 2024, a respeito do trabalho plataformizado, e nós vemos como, no sistema europeu, foi sublimado, foi enaltecido, foi exaltado o princípio de que a realidade vale mais do que a forma. Se nós lermos o art. 167 do Código Civil brasileiro, nós vamos perceber que, se o princípio da primazia da realidade não valer nas relações de trabalho, o trabalhador e a trabalhadora brasileiros vão estar menos protegidos, menos tutelados do que se eles estivessem regidos pelo direito civil, o que significa evidentemente um retrocesso muito significativo, mas a esse propósito, Senador Paim, ilustres convidados, seleta audiência, eu devo dizer que a Justiça do Trabalho sempre entendeu que é possível contratar uma pessoa jurídica quando é de fato uma pessoa jurídica que está sendo contratada. A Justiça do Trabalho sempre entendeu que há outras formas de relação jurídica envolvendo o trabalho humano, inclusive outras formas de relação de trabalho que não necessariamente se confundem com a relação de emprego e portanto não são regidas pelo direito do trabalho. Eu devo dizer ainda, Senador Paim, que a Justiça do Trabalho sempre entendeu que, se há um contrato, um instrumento contratual, um documento indicando que aquele trabalho está se desenvolvendo no âmbito de uma relação jurídica de outra natureza, o trabalhador tem o direito, mas cabe a ele este ônus de fazer a prova de que prestava serviço subordinado, oneroso, não eventual, pessoal. Haveria ali, naquela relação, uma relação de emprego e, por conseguinte, ele tem todos os direitos assegurados, os direitos inerentes à relação de emprego. Parece-me também importante dizer que a Justiça do Trabalho está e sempre esteve atenta às transformações tecnológicas que modificam a nossa vida, a nossa existência em todas as suas dimensões. A Justiça do Trabalho sempre esteve atenta às transformações tecnológicas e está em sintonia com a jurisdição social que, em todo o mundo, reconhece o valor e a utilidade dessas novas tecnologias, mas impede que essas novas tecnologias subvertam a ordem social, subvertam a proteção jurídica assegurada às pessoas ou grupos que estão evidentemente em condição de vulnerabilidade, inclusive vulnerabilidade econômica. |
| R | "Pejotização" portanto, meus amigos, é um termo conotativo de uma fraude, é uma prática que conduz ao adoecimento de todo o sistema de proteção ao trabalho humano. O Senador Paim lembrava, com muita propriedade, que nós estamos tratando aqui de limitação de jornada, salário mínimo, acidente de trabalho, maternidade, trabalho infantil, trabalho doméstico, tráfico e escravização de pessoas, nós estamos tratando de representação sindical. Tudo isso se esvazia quando nós autorizamos que a forma pejotização prevaleça sobre a realidade do trabalho quando essa realidade nos leva à percepção de que há ali, naquela situação concreta, um vínculo de emprego. Eu devo dizer, porque a motivação para esta audiência me parece clara e o Senador Paim falou sobre ela no início da audiência, que o Supremo Tribunal Federal na verdade institucionalizou esse tema, essa palavra, esse termo "pejotização", constitucionalizou esse debate. Ao converter o Tema 1339 e sua repercussão geral em um tema de envergadura constitucional, o Supremo Tribunal Federal avocou para si a responsabilidade de decidir substancialmente se o empresário brasileiro, diferentemente dos empresários em todo o mundo civilizado, poderá optar entre respeitar os tratados internacionais, a Constituição, as leis da República, inserindo-se esse empresário brasileiro em um sistema de proteção trabalhista que assegura direitos fundamentais aos trabalhadores e trabalhadoras, um sistema de proteção social que pacifica as relações sociais, ou se há para esse empresário brasileiro a alternativa de forjar uma denominação diferente para a relação de emprego que tem com os seus empregados. Eu tenho a firme convicção, Senador Paim, de que o Supremo Tribunal Federal não transformará o direito do trabalho em uma mera opção do empresariado brasileiro. A Fundação Getulio Vargas emitiu, como disse há pouco V. Exa., uma nota técnica ponderando que, se o estímulo a essa falsa pejotização - eu estou falando da falsa pejotização -, se esse estímulo perseverar e o setor empresarial optar pela conversão de apenas metade dos seus empregados em PJ, em pessoa jurídica, uma projeção otimista, mas que confia na consciência empresarial - a consciência empresarial existe no Brasil -, essa projeção otimista ainda assim faria com que nos próximos anos nós tivéssemos uma perda arrecadatória de R$382 bilhões, o que significaria 16,6% da arrecadação tributária de 2023. Eu penso que esse rombo fiscal é mesmo uma ameaça séria, uma consequência prática a ser considerada, mas, com todas as vênias, esse rombo fiscal não nos remete a um valor moral preeminente. Ainda, ao dar repercussão geral ao Tema 1389, o Supremo anunciou que também irá definir se a Justiça do Trabalho continuará tendo competência com base no art. 114 da Constituição, no art. 43 do CPC e no art. 651 da CLT, se todos esses dispositivos continuarão prevalecendo e, portanto, a Justiça do Trabalho continuaria tendo competência para decidir, em cada caso, se estão ou não presentes os requisitos da relação de emprego. De novo, eu tenho a firme convicção de que o Supremo Tribunal Federal não trairá a sua história, não irá legitimar algum preconceito contra a escolha constitucional, essa eleição, essa opção do Constituinte brasileiro, de termos um ramo do Poder Judiciário especializado nos temas que envolvem o trabalho humano e envolvem todas as formas de vulnerabilidade, formas de vulnerabilidade que estão interseccionadas, como bem sabemos, e que estão presentes no mundo do trabalho. |
| R | Mas o esvaziamento, o desprestígio da Justiça do Trabalho, de sua competência, historicamente reconhecida, eu penso que apenas consolidaria o desmonte da rede de proteção social no Brasil. Que função - eu pergunto e me pergunto, inclusive, Senador Paim e caros convidados - terá a Justiça do Trabalho se o respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros passar a ser uma mera opção do empresariado brasileiro? A que servirá? Que função social será essa da Justiça do Trabalho? O que justificará a sua existência? Eu penso que, à semelhança dessa ameaça de rombo fiscal, a competência da Justiça do Trabalho não é o tema principal. O que está em debate, a meu ver, e eu quero compartilhar este sentimento, é a possibilidade de o Brasil experimentar um retrocesso social que validará a contratação meramente formal com pessoa jurídica de empregados precarizados, de garis do sul da Bahia, de cortadores de cana no meu estado, em outras regiões do Nordeste, de colhedores de uva e de maçã no sul, de entregadores de alimentos, de outras utilidades, como todos nós sabemos, por aplicativos, de professores, de bancários, de motoristas, de manicures, de trabalhadores domésticos. É isto que está em discussão, se essa pejotização desse pessoal que já faz parte dessa massa de trabalhadores precarizados será validada. Mas há outra nuance que está em perspectiva e que me parece muito séria também que deve ser considerada. O que está em debate, igualmente, é a possibilidade de o Brasil experimentar um retrocesso social que validará a opção imediatista, como eu disse há pouco, de retirar dos empregos com melhor salário, daqueles trabalhadores que têm um salário mais elevado, de retirar, de autorizar desses trabalhadores, onde emprego há propriamente, essa responsabilidade que todos temos, inclusive esses trabalhadores que têm um salário maior, de contribuir para essa rede de proteção social que sustenta a licença-maternidade, auxílio-doença em casos de enfermidade, auxílio-doença em casos de doenças ocupacionais, de acidentes de trabalho de uma forma geral, esse sistema de proteção social, que financia o direito à moradia popular pelo FGTS, que sustenta o Sistema Único de Saúde, o direito a uma velhice em condições dignas. Parece-me que o que está em debate é essa autorização para que empregados com melhor salário possam aceitar essa falsa pejotização e, com ela, o direito de não financiarem a proteção social constitucionalmente garantida a todos os trabalhadores em condição de vulnerabilidade. Eu penso que nós teríamos aí um esgarçamento, um esvaziamento desse compromisso constitucional que está no art. 3º, no inciso I, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, esse compromisso assumido pela sociedade brasileira de nós construirmos e preservarmos uma sociedade livre, uma sociedade justa, uma sociedade solidária. Eu acho que eu represento... Eu não sou... Aqui, eu vejo o Treviso, que estará na representação dos juízes do trabalho do Brasil, mas eu ouso dizer que eu represento o pensamento majoritário dos juízes brasileiros quando eu reconheço que está no Congresso Nacional a expressão da vontade popular, a prerrogativa de assumir protagonismo, Senador Paim, nesse debate sobre a regulação jurídica das formas de trabalho, nesse debate sobre o modo como tornar digna a condição de trabalho, o trabalho humano. É do Congresso Nacional, evidentemente contando com a expectativa sempre positiva de uma sanção presidencial, mas é do Congresso Nacional a prerrogativa última de afirmar ou de reafirmar por lei a defesa e a promoção do trabalho decente no território brasileiro. |
| R | Eu agradeço muito esta oportunidade, Senador Paulo Paim, mas lamento, pois gostaria de estar presente presencialmente mesmo na sessão, e não estou porque há um choque de horários, há uma sessão de uniformização da jurisprudência que me aguarda desde as 9h da manhã, com uma pauta muito extensa, que tomará, certamente, todo o dia, mas combinamos, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga e eu, que estaríamos aqui para prestigiar essa sua iniciativa e, de alguma forma, contribuir para este debate que me parece um debate dos mais relevantes hoje para a sociedade brasileira. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Nós que agradecemos, Dr. Augusto César Leite de Carvalho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho - TST. Nossos cumprimentos. V. Exa. abriu com muita competência este evento, mostrando a realidade do povo brasileiro, que pode ser piorada, muito mais, se rasgarem a nossa CLT, porque é isto que eles estão querendo. Eu participei de outros eventos em que eu mostro que é nesse sentido. Eu fui Constituinte. Aqui, no Congresso Nacional, nós temos, ainda, quatro Constituintes. Aqui, no Senado, eu e o Renan. E lá nós tínhamos essa preocupação. Por isso, naquele artigo que trata da ordem social, nós já colocamos muita coisa que... Diziam para mim "tu quer transformar a Constituição numa CLT, Paim?", como uma forma de me afrontar. Eu dizia "se eu puder... Eu gosto tanto da CLT que eu coloco ela dentro da Constituição para vocês não a desmontarem no futuro". Não coloquei tudo, mas algumas partes eu coloquei lá, né? Bom, vamos em frente! Eu tenho que me cuidar para não falar demais. Se não, eu começo a contar história e os painelistas não têm espaço para falar. Mas o senhor vai ser chamado também na segunda mesa. Agora, intercalando um à distância e um presencial, eu passo a palavra ao Dr. Clóvis Fernando Schuch Santos, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS (Para expor.) - Bom dia a todos! Quero cumprimentar V. Exa., Senador Paulo Paim, por trazer este debate da pejotização ao Senado, um debate importante deste momento difícil que estamos vivendo. Quero cumprimentar também a minha colega Desembargadora do Trabalho aposentada, pesquisadora do trabalho da Unicamp, especialista em direito do trabalho, com vasta experiência também nessa questão... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Só para ela ficar lá preparada, que ela é a próxima a ser chamada, depois do nosso Dr. Clóvis. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - Quero também cumprimentar aqui o Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Juiz Treviso, o Juiz Leonardo, que é Diretor Legislativo da Anamatra, Presidente da Amatra da Bahia, e os demais aqui ilustres convidados da mesa, também o Marcelo, o Dr. Ricardo, da CUT. Este tema, esta semana ainda, conversando com o Vice-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ele referiu que é uma verdadeira catástrofe, porque, como realçou o Ministro Augusto César, a pejotização já tem um caráter pejorativo de fraude, como é a uberização, também a precarização do trabalho do trabalhador plataformizado, que é explorado em jornadas extenuantes sem qualquer direito, qualquer direito trabalhista. Vejam o caso lá do motoboy, que são dezenas de milhares que morrem, fora os que se acidentam, sem direito algum. Fica a viúva, ficam os filhos sem qualquer tipo de proteção. É isto que está acontecendo com a pejotização. |
| R | Após a reforma trabalhista de 2017, em que se autorizou a terceirização da atividade-fim, cresceram as fraudes. As fraudes, que eram 8%, passaram a 15%, de 2015 a 2022. E hoje temos essas PJs em torno de 17 milhões de trabalhadores. Nem toda PJ, pessoa jurídica, microempresa individual, é fraude. A fraude acontece quando se quer mascarar o trabalho do empregado tal como definido no art. 3º da CLT, que é o trabalhador que trabalha com pessoalidade, não eventualidade, remuneração e subordinação jurídica ou dependência hierárquica, econômica, técnica, profissional. Aí é que entra a fraude. E, lamentavelmente, nós, agora, fomos surpreendidos com a suspensão dos processos na Justiça do Trabalho e a modulação da afetação no Tema 1389, que trata da terceirização. Ora, terceirização é diferente de pejotização. Terceirização é aquele que é, contratado por uma empresa interposta e tem alguns direitos trabalhistas. Agora, na pejotização, não há direito trabalhista nenhum. E, se for validada aqui a possibilidade de haver a faculdade de ser celetista ou pejotizado, acaba com a CLT. Quem é que vai contratar um trabalhador com todos os direitos trabalhistas se pode fazê-lo através de uma PJ, sem direito algum, apenas com a remuneração? Isto é o fim da CLT, é o fim dos direitos sociais consagrados pela Constituição Federal no art. 7º. Sob pretexto da liberdade contratual econômica ou modernidade, vamos acabar com os direitos, vamos retroceder ao século XIX. Eu tenho acompanhado os pronunciamentos de V. Exa. no Senado e quero dizer que concordo. A questão da escravidão. A escravidão sempre acompanhou a história da humanidade, Senador - sempre -, desde a antiguidade até os dias de hoje, como V. Exa. destacou. Temos até algumas leis trabalhistas lá na antiga Babilônia, no Código de Hamurabi, temos, lá no Digesto, no Direito Romano, mas a escravidão teve, inclusive no Brasil, de 500 anos... Apenas nos últimos 137 anos é que não há escravidão formal, mas há escravidão de fato, condições análogas à escravidão, que só não são maiores porque os auditores do trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho... (Palmas.) ... com o auxílio da Polícia Federal, têm resgatado trabalhadores em todo o Brasil. Lá no Rio Grande do Sul, vergonhosamente, nós temos, neste ano, trabalho escravo na colheita da uva, na colheita da maçã, na indústria têxtil, nas relações domésticas; pessoas tratadas como familiares, mas exploradas à exaustão, sem direito de ganhar sequer alguma remuneração, sem ter liberdade. Então, essa é a questão fundamental. |
| R | E a Constituição Federal é clara em não admitir nenhum retrocesso social porque a modernidade é o avanço civilizatório, com mais proteção inclusive aos trabalhadores plataformizados, que hoje são em torno de 3 milhões. Temos, no Brasil, de 210 milhões de habitantes, 103 milhões de trabalhadores, já tivemos 80 milhões com carteira assinada, Senador Paim, hoje temos 55, não temos 60 milhões. Então, a informalidade hoje é algo gigantesco, é quase 40%. Esse é o problema. Precisamos avançar em dar mais proteção. Diz o caput do art. 7º, que trata dos direitos trabalhistas: são direitos dos trabalhadores, entre outros, que visem à melhoria da condição social, ou seja, é um princípio do não retrocesso, isso é princípio constitucional. E a própria Constituição, no art. 1º, é clara em que a valorização do trabalho é finalidade da República do Brasil. No próprio capítulo, que nós temos também, da questão econômica, tem a questão do pleno emprego, que é defendido também pela ONU, pela Organização Internacional do Trabalho, o pleno emprego, o desenvolvimento, a melhoria do padrão civilizatório. Isso é finalidade de todos, está consagrado em todos os textos, nacional ou internacional. Então retroceder não é modernidade, retroceder à época da escravidão; nós vamos deixar de lado, vamos acabar com a previdência, porque, se acabarmos com os empregos, a previdência, que já é deficitária, vai acabar. Nós vamos trocar o princípio da solidariedade pelo princípio do egoísmo, pelo princípio da maldade. Vamos abandonar milhões de trabalhadores. Já são um número muito grande de trabalhadores sem direitos e agora teremos muito mais, é uma legião. E como é que vai se dar isso? Isso vai, evidentemente, aumentar a violência, os problemas, a miséria, que já são grandes. E a Justiça do Trabalho, como o direito do trabalho, a CLT, tem servido, nas últimas oito décadas, exatamente 82 anos, pacificando as relações do trabalho, garantindo direitos mínimos de subsistência, um ambiente saudável, preocupado com a saúde do trabalhador, preocupado com o ambiente do trabalho, com os seus direitos. Agora, na pejotização, não tem nada mais disso, não tem mais isso, não tem mais assédio moral, sexual, principalmente contra a mulher, o que inclusive nas relações do trabalho é algo realmente muito preocupante porque a mulher é desrespeitada em todo lugar. Até aqui no Senado, nós vimos uma ex-Senadora, Ministra de Estado sendo desrespeitada. (Palmas.) Imagina aquela operária, trabalhadora lá, ela é desrespeitada. E o direito do trabalho, a Justiça do Trabalho está aqui para proteger, para fazer o equilíbrio nessas relações. Agora, PJ não tem pessoa humana, não tem direito trabalhista, não tem nada mais disso. Quer dizer, vai ser um total abandono, vai ser um retrocesso inadmissível pela Constituição, pela civilidade. |
| R | Então, além da questão da previdência, também o Fundo de Garantia, que financia obras públicas, que financia a casa própria, também vai deixar de existir. E, deixando de existir o empregado, vai também perder a finalidade da Justiça do Trabalho, o próprio Ministério do Trabalho. Quer dizer, vai ser uma barbárie, um retrocesso e isso vai ser uma indignação internacional. Nós vamos nos colocar entre os piores países do mundo, países asiáticos, onde a exploração é vergonhosa mundialmente. E é isso que nós queremos para o nosso país, para o nosso povo? E mais, vai afetar todos os setores. Imagina, se PJ não tem direito a descanso remunerado, não tem direito a férias, não tem direito a décimo terceiro, não tem direito a nada. A questão, por exemplo, do turismo. Quem não tem férias, com certeza, vai afetar a questão do turismo na economia também. A questão do décimo terceiro, das compras, do comércio, ou seja, toda a economia vai ser afetada porque a miséria vai aumentar e, não havendo renda, não há consumo. Então, são essas questões que nós temos que olhar, que Brasil queremos. Há uma preocupação muito grande e a pejotização, como se diz, já é uma forma pejorativa de exploração do trabalho. O que é moderno realmente hoje no mundo do trabalho é avançar na proteção, é avançar na civilização. Posso aqui dar um exemplo: jornada de 36 horas. Isso é moderno, isso é nos colocar junto aos patamares dos países mais desenvolvidos. E não nos colocar, como, aliás, temos o caso Lochner, na Suprema Corte dos Estados Unidos. Em 1905, uma lei de Nova York concedeu aos padeiros 60 horas semanais e 10 por dia. Aí, a excelsa corte de lá entendeu que era inconstitucional porque violava a liberdade contratual e econômica. Claro que isso depois acabou sendo superado, mas, veja, nós hoje estamos também nessa discussão junto com a nossa Suprema Corte, né? Quanto à questão da CLT, das fraudes, nós temos bem clara a competência da Justiça do Trabalho, no art. 114 da Constituição Federal, com a emenda de 2004 que ampliou o julgamento das controvérsias, não somente entre empregadores e empregados, mas em todas as relações de trabalho. Mas, lamentavelmente, o Supremo nos tirou também a competência, entendeu que não estava ali, dos trabalhadores do serviço público, os servidores estatutários. E até mesmo as questões da previdência, que, a meu juízo, deveriam ser da competência da Justiça do Trabalho. Na questão das fraudes, vou dar um exemplo aqui de como a fraude da terceirização da atividade-fim acontece, dou um exemplo do banco. O banco sempre teve terceirizada a vigilância, o serviço de limpeza, de cafezinho, de conservação, isso sem nenhuma fraude, trabalho temporário. A fraude se dá quando o banco cria uma empresa, que é o próprio banco, dizendo-se terceirizada, para contratar trabalhadores para trabalhar no banco sem serem bancários e sem terem os direitos bancários, como jornada de seis horas, gratificação semestral, participação nos lucros, etc., tudo que está tanto na lei como nos dissídios coletivos. E são bancários. Então hoje o escriturário, o caixa, o tesoureiro já não são mais bancários; são terceirizados que têm alguns direitos trabalhistas. |
| R | Então, veja, a fraude começou, a partir de 2017, a aumentar e muito, e a gente vê bastante, né? E, infelizmente, essa reforma da era Temer, que veio para trazer modernidade, é sempre a modernidade a trazer, gerar milhões de empregos, ao contrário, diminuiu empregos, precarizou o trabalho. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Nessa sala aqui, num debate sobre essa reforma, um dos que vieram defender a reforma usou exatamente o termo, disse: "Olha, vai criar aqui, Paim, 10 milhões de empregos". Eu digo: "É uma piada que você está me contando, né?". Houve mais desemprego. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - Nós tínhamos 80 milhões de empregados; hoje temos menos de 60 milhões. Então, essa reforma, que foi inspirada numa reforma na Espanha, precarizadora, inclusive lá já foi revogada, o melhor seria aqui revogar, porque ela trouxe insegurança jurídica, trouxe precarização, não trouxe nenhum benefício nem para os trabalhadores nem para o Brasil. E agora a tragédia que nós estamos vivendo: a suspensão dos processos na Justiça do Trabalho, o Supremo sinalizando pela pejotização como válida, inclusive como alternativa aos empregados, já tem aumentado a fraude de forma assustadora. Nós temos hoje, como V. Exa. já disse, os garis de Porto Alegre, os lixeiros são PJ, os trabalhadores no mercado, supermercados, são PJ, as maiores construtoras do Rio Grande do Sul estão contratando pedreiros, serventes, carpinteiros como PJ. E assim por diante, domésticas como PJ. Então, hoje a fraude já está de forma generalizada. E o Supremo está tornando inválidas decisões da Justiça de primeiro grau, do Tribunal Regional e até do TST, apenas pelo nome. Há um contrato verbal de PJ, então não é emprego, tornando insubsistentes, inclusive, as nossas decisões e nos impedindo de dar seguimento aos processos, pelo art. 9º da CLT, que diz que são nulos de pleno direito todos os atos para impedir, desvirtuar ou fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas, consagrando o princípio da realidade. O que importa não é o nome que se dê ao contrato de trabalho, mas, sim, a forma como é prestada. Se for com pessoalidade, com horário, com subordinação, é um contrato de emprego. (Soa a campainha.) O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - A pejotização pode haver, de forma autônoma, agora, confundir esses trabalhos aqui, isso está gerando essa fraude enorme, isso está destruindo a CLT, o direito do trabalho e várias outras questões, como já foi referido, a previdência, o fundo de garantia, 5S e a própria economia, né, contra. Há um livro aqui, muito importante, de dois professores de universidades do Rio de Janeiro que são membros do Ministério Público do Trabalho, Cássio Casagrande e Rodrigo Carelli, um livro interessantíssimo, analisando a reforma de 2017: A Suprema Corte contra os trabalhadores: como o STF está destruindo o direito do trabalho para proteger as grandes corporações. Isso é uma obra, nem analisou a questão aqui da pejotização, mas que está dentro dessa linha. Então, é lamentável que a gente esteja vivendo isso. Eu só quero aqui concluir para não me alongar, com uma manifestação de um padre que foi Deputado na França, em 1848. Ele dizia: "Entre os fortes e os fracos, entre os ricos e os pobres, entre o senhor e o servo, é a liberdade que oprime, é a lei que liberta". E nós, na democracia, como membros da Justiça, temos que não só aplicar as leis, mas garantir o respeito aos direitos fundamentais. E, quando se fala em direitos de trabalhadores, estamos falando, sim, em direitos fundamentais, estamos falando em direitos sociais e em direitos humanos, que não podem ser relegados a algo sem valor, sem prestígio. |
| R | Lamentavelmente, parece, pelo que a gente vê das manifestações da magistratura trabalhista, do Ministério Público do Trabalho, da... (Soa a campainha.) O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - ... advocacia trabalhista, dos auditores também do trabalho, que o Supremo não nutre simpatia nem pela classe trabalhadora e muito menos pela Justiça do Trabalho, que tanto tem servido, porque nós, lá, Senador, como julgamos, mediamos as greves, todos esses momentos, estamos contribuindo, inclusive, para um ambiente de paz, de tranquilidade para toda a sociedade. Se não tivermos mais atuantes, quem fará esse papel? Será a polícia? Serão as forças de segurança? Lá, no século XIX, não conseguiram conter a insatisfação dos trabalhadores. Muito obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito, muito bem. Muito bem. Parabéns, Dr. Clóvis Fernando Schuch Santos, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho, que fez uma exposição brilhante também, como este momento exige. Como temos muitos convidados e todos já estão confirmados, à distância ou presentes, eu vou pedir para a minha assessoria, pelo nível desta audiência pública, que para mim está top, top, top, top e vai continuar top até o fim, que entre em contato com a Presidência dos trabalhos no Senado... O projeto número um de hoje é de minha autoria, é um projeto que trata das pessoas com deficiência, muito importante para eles também, mas de forma tal... Como eu estou presidindo aqui - a Senadora Damares é a Relatora e fez um parecer favorável magnífico -, eles podem votar, porque foi aprovado em todas as Comissões, e no Plenário é, afinal, só um carimbo mesmo do projeto. Eu gostaria de estar lá, mas não tem como eu deixar... Eu não quero perder este debate. Como quem está assistindo em casa - tenho certeza, uma grande quantidade de brasileiros e brasileiras -, eu também não vou poder sair daqui. E esse projeto pode ser votado sem a minha presença. O importante não é a minha presença, mas, sim, a aprovação do projeto, o.k.? Vocês conversem lá, por favor. Então, vamos em frente. Como havia anunciado, Dra. Magda Barros Biavaschi, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas. Fui companheiro de trabalho dela quando eu era Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas, e ela já nos ajudava lá muito, no espaço que ela tinha naturalmente, como uma especialista Doutora em juízo. Por favor, Dra. Magda, é uma alegria recebê-la aqui no Senado. A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. A satisfação é minha inteiramente não só pelo convite do Senador Paim, que aliás foi o responsável pelo arquivamento do projeto em 2003, no Senado, do negociado sobre o legislar. Senador Paim... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Permita-me que eu diga - permita-me que eu diga - que eu não estava me lembrando disso. |
| R | Eu era Deputado Federal, e eles queriam aprovar o que valia, não o legislado e, sim, o negociado. E nós sabemos quem é a parte fraca nesse jogo entre empregado e empregador. Perdi por um voto. Fui à tribuna - virei Senador por causa disso - e disse: "Vou ser candidato ao Senado, porque eu vou derrubar lá no Senado". Felizmente me elegi, numa bela votação, defendendo essa visão. E o Presidente Lula e o Jaques Wagner, na época, mandaram arquivar o projeto. A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - Exatamente, era a promessa da campanha. Sabe o que é, Senador Paim? É que, quando a gente vai adentrando em anos, a memória presente vai se consumindo, mas a antiga se reafirma. E é por isso até que as pessoas mais avançadas em anos têm que compor os conselhos - os conselhos de anciãos, enfim, os conselhos - que são fundamentais para a gente recuperar a memória, ressignificar o presente e caminhar para o futuro. Muito obrigada, Senador Paim, pelo convite, para mim, muito honroso e muito satisfatório, de poder estar aqui novamente, contribuindo com V. Exa., esse gaúcho, lanceiro do Rio Grande do Sul, a quem eu faço votos para que continue por muito tempo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - De lanceiro negro, eu sou herói da pátria agora. Um projeto de minha autoria também, viu? É que eu tenho tantos anos no Congresso, que, em cada assunto que falam, eu acabo dando uma pitada, viu? Continue, por favor. A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - E é muito bom, porque o povo que não tem memória não tem história, e o povo não consegue reconstruir o futuro. E eu acho que o nosso desejo também é, metaforicamente, voltar a colocar o cavalo no Obelisco, não é, Senador Paim? Num bom sentido, no sentido humanizador e no sentido igualador. Enfim, muito obrigada por estar aqui. Muito obrigada também pela possibilidade de representar aqui o GT Mundos do Trabalho, do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho), do Instituto de Economia da Unicamp. Integro também a Secretaria do Trabalho da ABJD, Executiva da ABJD, que vai estar representada pelo nosso querido colega Gustavo, e componho a mesa de esperança do Ministro, que é o regente da orquestra, Augusto César, e do meu colega Clóvis Schuch, maravilhoso colega, que veio aqui representar também o Tribunal Regional do Trabalho dos Desembargadores do Rio Grande do Sul, com essa fala correta, política e forte e que mostra que, na política, ou no campo da política - vamos dizer, do ponto de vista nobre da palavra -, o que nos é demandado é reunirmos forças suficientes para atravessarmos grossas vigas de madeira, mas é o único caminho possível para que não sucumbamos ao naufrágio de todas as nossas esperanças, que é o que nos alimenta. Muito obrigada. Obrigada, companheiros de mesa. E um abraço muito grande àqueles que nos ouvem também online. Então, a partir desses agradecimentos, eu também quero fazer um registro de que hoje eu recebi uma incumbência de representar aqui a Frente Nacional contra o Tema 1389, que é uma frente ampla, com várias entidades de representação do mundo do trabalho, academia, militantes, representantes sindicais, trabalhadores, estudiosos do trabalho. Enfim, é uma frente que se arma também e se move no sentido da defesa do sistema público de proteção social ao trabalho, sobre o qual o Ministro Augusto César e o Clóvis Schuch também já dissertaram e explicaram os sentidos e os significados da sua destruição. |
| R | Eu vou começar lendo uma epígrafe de Evaristo de Moraes, retirada de um livro muito importante do Evaristo de Moraes, o pai, que foi escrito em 1905. Então, vocês vejam, eu gosto muito de trazer essa reflexão, porque ela é muito atual e ela se ajusta ao que está acontecendo hoje em relação àqueles que entendem que a liberação, a liberalização de todas as forças é um movimento natural e irreversível rumo à autonomia do indivíduo. Essa é uma falsa ideia, eu diria, é uma falsa ideia de liberdade, e eu diria que ela significa, como o Clóvis também pontuou, na realidade, os grilhões da liberdade. Então, dizia ele, em 1905 - vocês vejam como isso é atual -: Os economistas clássicos mantêm ainda, contra [toda] a evidência dos fatos, no interesse do capitalismo moderno, a crença nas virtudes da liberdade [para o] [...] trabalho, não admitindo regras, nem normas legais, que fixem as bases do contrato entre o empregador e o empregado, ou (como se diz na linguagem jurídica brasileira) entre locatário e o locador de serviços. [Faço um pequeno parêntese, porque era 1905 e o contrato de trabalho era entendido como um contrato de locação. Fecho parêntese]. O homem é livre [diz ele] - argumentam [todos]; [O homem] tem o direito de vender o seu trabalho pelo preço e [pelas] [...] condições que [ele] quiser. [Porém] [...] essa liberdade de trabalho [e esse é o alerta do Evaristo] só tem gerado a opressão e a miséria, a exploração do operariado e seu rebaixamento progressivo. [Mas essa liberdade de trabalho, que assim gera] Hoje, [...] ninguém [mais] contesta quanto influi [...] [para ampliar a] concorrência na remuneração do trabalho operário. [E aí ele diz: refletir] isso basta para desfazer o encanto ilusório da [abrem-se aspas] 'liberdade do trabalho' [fecham-se aspas]. Estamos aqui, pelas mãos novamente do Senador Paim, mais precisamente para discutir os impactos de certas decisões do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, e nas reclamações constitucionais, que apostam na falsa ideia do empreendedorismo como sendo a mola propulsora da dinamização da economia. Falsa ideia, até porque essas promessas não têm sido e não podem ser cumpridas, onde quer que esse sistema tenha sido implementado. |
| R | O Supremo, com base nesse tipo de argumentação, tem, em decisões majoritárias e, agora, no Tema 1389 da Repercussão Geral, negado competência à Justiça do Trabalho para reconhecer vínculos de emprego fraudados sob os véus de dissimulados contratos de natureza civil, negando, portanto, a própria razão de ser do direito do trabalho e da Justiça do Trabalho, ou seja, mais amplamente ou para além do direito trabalhista, negando o sistema público de proteção social e ao trabalho, lutado e construído a ferro e fogo neste país de mil e tantas misérias, e, finalmente, num cenário de avanços e recuos, constitucionalizado, em 1988, pela nossa Constituição cidadã, construída em berço análogo ao da Constituição de Weimar, de 1919. Portanto, não é uma Constituição liberal, como foi a Constituição de 1891, mas um pacto social que coloca e condiciona a livre iniciativa, não como direito absoluto, mas condicionada ao valor social do trabalho, e à ordem econômica e financeira, condicionada à dignidade humana e a esse mesmo valor social; daí por que essa Constituição, que não assegura a liberdade negativa, nem a igualdade negativa, mas a liberdade e a igualdade positivas, está fundada em princípios que estão sendo colocados em xeque, em especial aqueles princípios que fundamentam o direito do trabalho; direito do trabalho esse que, como o Senador Paim bem referiu, foi incorporado pela Constituição de 1988 - e que bom que foi - e elevado à condição de social fundamental, em que não é a vontade individual das partes que prevalecem, mas um estatuto geral, universal, impessoal, normativo, baseado em princípios, sobretudo, como aqui já referido pelo Ministro Augusto César, o princípio da primazia da realidade. Ou seja, a realidade, para esse sistema, tem força jurígena, e ela não pode ser escondida, ela não pode ser burlada, ela não pode ser escamoteada em falsos ou por falsos rótulos ou frágeis fórmulas: ela é o que ela é. |
| R | E as instituições que compõem esse sistema público de proteção social ao trabalho são: a Justiça do Trabalho brasileira, os dois sistemas de fiscalização e as organizações sindicais que compõem esse sistema, integrado, portanto, pelas normas de proteção social ao trabalho, constitucionais, infraconstitucionais e convencionais, e pelas instituições do mundo do trabalho encarregadas a concretizá-las no mundo da vida, a fiscalizar a sua aplicação e a sua concretização e a ampliar o seu escopo, as organizações sindicais, sistema esse que está em xeque e se constitui como um problema e um desafio quando os interesses privados ameaçam subjugar o sentido do público e, portanto, ameaçam atingir uma sociedade constituída na equidade e na justiça social. E o STF, que tem sido fundamental - e isso precisa ser registrado - para afirmar a democracia formal, assegurar a lisura do pleito, assegurar a democracia formal neste país, os direitos das subjetividades, o direito à vida, inclusive, por meio da vacina que nos salvou, com essas decisões no campo do sistema público de proteção social e ao trabalho, retira a força normativa dessa Constituição, que elevou, repito, esse lutar do sistema público de proteção social à condição de social fundamental e condicionou, isso tem que ser repetido, em seus fundamentos, a livre iniciativa ao valor social do trabalho, colocando, na dignidade humana e na igualdade substantiva, os fundamentos da ordem social nos arts. 5º, depois 6º e seguintes da ordem social e na ordem econômica e financeira, nos arts. 170 e seguintes. |
| R | São pilares que estruturam o nosso sistema constitucional e a nossa vida em sociedade e, assim decidindo, reconhecendo a importância do Supremo Tribunal Federal nos aspectos que antes referi, na defesa da democracia. Assim decidindo agora, neste tema que aqui estamos focando, o Supremo Tribunal Federal, contraditoriamente ao seu próprio desejo e ao desejo de todos nós de afirmar a democracia, sobre o ilusório e não evidenciado argumento da dinamização da economia e da geração de empregos - porque ele é ilusório onde quer que tenha sido implementado, e o exemplo aí está, inclusive, na Espanha, como o Clóvis também apontou -, impacta negativamente, mas impacta negativamente não só a classe trabalhadora, o que já é muito, que busca, na Justiça do Trabalho, a reparação dos seus direitos lesados, mas impacta, sobretudo, os fundos públicos, notadamente a Previdência Social e o FGTS, o fundo de garantia que foi constituído lá atrás, quando a estabilidade no emprego foi retirada e, como compensação, foi criado um fundo de garantia por tempo de serviço, mas que é o garantidor das políticas públicas de transferência de renda, que são essenciais para a sociedade brasileira, que é profundamente desigual; tão desigual, estruturalmente desigual, que vários Presidentes deste país, do século XX e do século XXI, por meio de políticas públicas, procuraram reduzir essas desigualdades e conseguiram reduzir essas desigualdades na base da pirâmide social, e isso foi suficiente para que um processo de suicídio fosse, finalmente e infelizmente, exitoso, para que se levasse também a um golpe de Estado militar, civil e empresarial que destituiu um Presidente que caminhava nesse sentido sob o argumento de fundação de uma sociedade comunista-sindicalista, que impitimou a primeira mulher eleita Presidente deste país, sem nenhum crime, hoje absolvida em todos os processos e Presidente do Banco do Brics, que, aliás, se coloca no mundo, também em xeque em relação à própria economia - eu estou finalizando - e à própria possibilidade de vida no planeta, como um dos espaços possíveis para a constituição da caminhada do futuro rumo às sociedades menos desiguais, justas, como todos os estudos e as pesquisas evidenciam. Quero reproduzir novamente aqui a nota técnica que a FGV constituiu para mostrar os impactos deletérios dessa pejotização que, na realidade, é nada mais e nada menos do que a uberização elevada à enésima consequência. Se aprovado este Tema 1389, tal como pensado e tal como projetado, o que vai acontecer? Nós teremos uma sociedade composta por um mundo do trabalho com um exército de excluídos e de desiguais, sem direitos e sem demandas, e uma sociedade que assim se constitui é uma sociedade em que o tecido social, que já é desigual, mais se fragmenta e, ao mais se fragmentar, impactando os fundos públicos, impedindo as políticas de transferência e de renda e as políticas que buscam igualar, dá a senha, dá espaço a que grupos que... (Soa a campainha.) A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - ... apostam na violência das armas, como formas de vida em sociedade, tenham voz e vez. Ao fazer isso, afirmo a supremacia dos valores do empreendedorismo e da liberdade econômica, acabando por incorporar os pressupostos de um modelo de sociedade, que não cumpre e não pode cumprir o que prometeu, onde quer que esse modelo tenha sido implementado, impactando o sistema público de proteção social - para finalizar -, que atua como diques ou como obstáculos ao livre trânsito de um desejo insaciável de acumulação de riqueza abstrata, hegemonizado pelos interesses da finança, que move o capitalismo, essencialmente mercantilizador de todas as relações sociais e concentrador da renda e da riqueza em mãos de cada vez menos pessoas e, portanto, do poder político, onde não há diques suficientes para contê-lo. |
| R | O sistema público de proteção social, que está em xeque, por meio de decisão de alguns ministros, que, na realidade, concretizam esse desejo privado, que quer se tornar hegemônico na sociedade, afirma e dá a senha para que graves danos à democracia, que todos desejamos construir, sejam colocados. E, assim, uma sociedade sem direitos é uma sociedade de excluídos sociais, em que a democracia padece. Francisco de Oliveira, em 1994, já dizia que, quando se retiram do mesmo espaço semântico aqueles que dissentem, os invisibilizados, enfim, os pejotizados, a sociedade se desdemocratiza, correndo o grave risco de se totalizar. E nesse cenário, em que há forte presença da ideia da desnecessidade do Estado, em que uma grande onda conservadora... (Soa a campainha.) A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - ... quer tomar conta do imaginário popular, são as vozes dos grupos que apostam na violência que têm voz e vez. Certamente não é esse o futuro que desejamos para nossos netos. Certamente não é essa a senha que o Supremo Tribunal Federal dará à sociedade brasileira, porque todos desejamos construir e caminhar rumo a uma sociedade em que a desigualdade não tenha seu efeito fundante e onde um estatuto universal e impessoal assegure direitos e garantias a todas as pessoas que trabalham, independentemente da natureza dos serviços prestados. Muito obrigada. Não aprofundaremos e acreditamos que o Supremo não aprofundará, com suas decisões, as históricas desigualdades que tecem o nosso tecido social. É um alerta. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dra. Magda Barros Biavaschi, Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho, da Universidade de Campinas, que enfatizou o que a gente tem falado aqui, quase uma fala que unifica. O Supremo tem se postado, e eu tenho elogiado, como um grande defensor da democracia; mas nos preocupa muito quando chega aos direitos dos trabalhadores, em relação à Justiça do Trabalho. Eu tenho falado isso da tribuna, com toda essa clareza, e é aquilo em que eu acredito: democracia em primeiro lugar. Agora, direitos sociais, justiça, direito mínimo do que a CLT nos assegura e do que a CLT aponta, isso é inadmissível. A terceirização da atividade-fim vem de lá também. Aqui não passou. Nós brigamos, brigamos, não passou. Aí, eles apelaram, o Supremo definiu que é possível também terceirizar a atividade-fim. Mas parabéns, Dra. Magda! Vamos em frente. Passo a palavra, neste momento, ao Dr. Marco Aurélio Marsiglia Treviso, Vice-Presidente da Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). |
| R | O SR. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO (Para expor.) - Bom dia a todos, bom dia a todas. Gostaria, em nome da Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho, de agradecer o convite que foi realizado pelo Senador Paim, na pessoa de quem cumprimento todos os integrantes desta mesa, utilizando-me aqui do linguajar simples. Faço aqui apenas um registro especial de que nós estamos também com o nosso mais novo Diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra, o colega Leonardo, lá da Bahia; o Dr. Gustavo, que é um advogado que inclusive, Senador Paim, compõe a banca do escritório contratado pela Anamatra para o ingresso no Tema 1389, no Supremo Tribunal Federal, na condição de amigo da corte; a colega Alessandra Camarano e o colega Tiago Ranieri, que fazem parte da ANPT e da Abrat. Em conjunto com a Anamatra, fizemos um movimento, um ato solene, uma manifestação, aqui no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, contando aqui inclusive com a presença do amigo Cristiano, na defesa da competência da Justiça do Trabalho. Prometo não me estender. A minha fala será uma fala breve. E eu vou tentar, Senador Paim, até porque eu estou na presença, como o próprio Senador disse, de um Constituinte. E nada melhor do que estar na presença de um Constituinte e nós falarmos daquilo que nós entendemos, pelo menos no âmbito da Justiça do Trabalho, da magistratura do Trabalho, do que seria, entre aspas, uma interpretação autêntica da nossa Constituição da República. E por que é que eu falo isso? Porque não é à toa que a nossa Constituição Federal, quando trata da liberdade econômica, faz referência ao primado social do trabalho. Não é à toa que o art. 7º da Constituição Federal prevê, como direito e garantia fundamental de todo e qualquer cidadão, o rol de direitos trabalhistas que estão ali previstos. Não é à toa que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as questões que envolvem os requisitos da relação de emprego, posteriormente alterada pela Emenda 45. E também não é à toa que a Constituição Federal da República estipula, em seus dispositivos, as questões que envolvem a proteção social, em especial no campo previdenciário. E o que acontece então com o fenômeno da pejotização? Ele simplesmente traz uma hecatombe, digamos assim, ele acaba com toda a estrutura basilar que foi criada com a Constituição Federal de 1988. E o que eu quero dizer e o que eu vou procurar expor, de forma breve, na minha fala são justamente estes parâmetros relacionados, em especial, às questões previdenciárias, à questão da proteção social e aquilo que pessoalmente denomino de matriz processual constitucional, no que diz respeito à competência da Justiça do Trabalho. Vamos lá. |
| R | Como já foi dito aqui, e aí também não vou me alongar nessas questões, a pejotização nada mais é - sempre foi reconhecida - do que um fenômeno no qual um determinado trabalhador que preenche os requisitos necessários para o reconhecimento da existência do vínculo de emprego é formalmente contratado sob o rótulo de uma pessoa jurídica. O que a Justiça do Trabalho sempre fez foi nada mais, nada menos que, diante da existência de uma fraude, evidentemente constatada em um processo, reconhecer que, na verdade, ali se está diante de uma relação de emprego, e não de uma contratação envolvendo pessoas jurídicas. Como bem dito aqui pelo Ministro Augusto César, em falas anteriores, a Justiça do Trabalho nunca foi contra a possibilidade de contratações mediante pessoas jurídicas, mas faz a análise daquele caso em concreto, para saber se há ou não há uma fraude constatada. Quando se fala na possibilidade de uma ampla pejotização, nós temos primeiramente, no campo dos fatos, a situação de que bastaria um simples papel assinado entre duas pessoas - uma das quais, aquela que precisa do trabalho que vai ser desenvolvido, precisa daquele trabalho como fonte de renda - para simplesmente se afastar toda a aplicação de uma norma constitucional de direitos e garantias fundamentais. Como sempre foi dito, a Constituição da República não é uma simples folha de papel que pode ser rasgada por simples pactuação envolvendo duas pessoas. Na verdade, estando presentes os requisitos da relação de emprego, a relação de emprego se impõe, e, como consequência, os direitos e garantias que estão previstos no artigo 7º da Constituição Federal. Entretanto, quando falamos em pejotização, nós temos outros problemas que são problemas de natureza constitucional. Vamos, por exemplo, falar do problema de natureza tributária, de natureza previdenciária. Veja, até a Emenda 20, de 1998, todo o sistema previdenciário brasileiro se baseava no tempo de serviço prestado. A partir do advento da Emenda 20, de 1998, o sistema previdenciário brasileiro se baseia num sistema chamado contributivo retributivo, o que significa dizer que, para que eu possa me aposentar, eu preciso recolher aos cofres da Previdência Social. Quando eu estou pejotizado, eu deixo de recolher aos cofres da Previdência Social. Se eu deixo de recolher aos cofres da Previdência Social, eu não tenho benefício previdenciário. E qual benefício previdenciário? Bem, se eu estiver falando, por exemplo, de mulheres que estão na ativa, eu posso falar de licença-maternidade; eu posso falar, para um pai, de licença-paternidade; eu posso falar de auxílio-doença comum ou, em situações mais graves, de auxílio-doença decorrente de acidente do trabalho. Eu retiro essa proteção do pejotizado, porque ele não tem esses benefícios previdenciários nessa condição. Vou mais. Quando eu estou falando de um trabalhador pejotizado, veja o que recentemente foi feito pelo atual Governo: lançou uma nova etapa do programa Minha Casa, Minha Vida. Para quais trabalhadores? Aqueles que possuem renda até R$12 mil, que podem financiar imóveis de até R$500 mil, com uma taxa de juro de até 10%, a depender da sua renda, cujos valores são integralmente provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. O trabalhador pejotizado não tem fundo de garantia por tempo de serviço. Portanto, se ele receber uma renda que se enquadre nesse conceito, muito provavelmente ele não terá como financiar o seu imóvel próprio. |
| R | E eu estou falando aqui é de habitação, moradia, que é o direito fundamental mais básico que qualquer pessoa precisa ter. Eu estou falando aqui de todo um programa que foi instituído pelo Governo, todo um sistema para garantir a moradia às pessoas com menor grau de renda, justamente para lhes dar a dignidade de ter o seu próprio teto. Quando eu pejotizo, eu retiro isso. Não só retiro: quando eu pejotizo, eu faço com que a possibilidade de financiamentos habitacionais caia de forma assustadora, porque nós não teremos o Fundo de Garantia, que é a base do sistema de financiamento habitacional do Brasil. E lembro que o Fundo de Garantia também é utilizado para saneamento básico. Não basta eu morar, eu tenho que morar bem, e morar bem significa eu ter uma estrutura básica de saneamento, que é feita com o Fundo de Garantia e que deixará de ser feita se os trabalhadores forem todos pejotizados. Nós acabaremos, nós vamos destruir o sistema social brasileiro se a pejotização ampla for aprovada. Para se ter uma ideia - como já até foi dito pelo nosso Ministro do Tribunal Superior do Trabalho -, um levantamento da FGV nos dá um número de que, se 50% dos nossos atuais trabalhadores celetistas forem pejotizados, a perda arrecadatória chegará à casa de R$386 bilhões. E qual acaba sendo essa consequência? Os colegas aqui podem se recordar: nós tivemos, em termos de reformas previdenciárias, a Emenda 20, de 1998, depois nós tivemos a 41, a 47, a 103. Nós temos uma reforma previdenciária que ocorre em média a cada sete a dez anos. Se a pejotização for ampliada, tal como alguns defendem, em dois anos nós teremos que ter uma nova reforma previdenciária, porque o sistema previdenciário brasileiro simplesmente será falido. Novas reformas previdenciárias significam maior tempo de contribuição - hoje já são praticamente 40 anos ininterruptos -, ou seja, quem vai se aposentar? Se o trabalhador pejotizado não tiver a contribuição, muito provavelmente lá na frente, em seu estágio de vida em que não tem mais condições de se manter ativo, vai ficar na dependência de benefícios sociais, de benefícios sociais que são concedidos às pessoas de baixa rentabilidade, um da Loas, por exemplo, cujo benefício é concedido tomando por base esse princípio de solidariedade. Se nós deixamos de contribuir, não temos como ter benefícios previdenciários futuros. No que diz respeito às questões de natureza processual, aqui - e aí o Senador me corrija se eu estiver equivocado - a visão que eu tenho da Constituição Federal é no sentido de que o legislador foi muito inteligente ao criar Justiças especializadas e depois falar da Justiça comum. O que isso significa no campo processual constitucional? Esta é a doutrina, digamos, unânime: quando nós temos um processo, a primeira coisa a se analisar é se aquele processo deve ser apreciado por uma Justiça especializada. E aí nós não temos apenas a Justiça do Trabalho; nós temos a Justiça Federal, nós temos a Justiça Militar, nós temos a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho. O que vai para a Justiça comum é aquilo que nós denominamos de competência residual, o que significa dizer que são aqueles processos que não serão analisados por nenhuma das especializadas, mas, se o processo tem como base uma alegação que deve ser analisada por uma Justiça especializada, é esta a competente, constitucionalmente falando, para apreciar aquele litígio. |
| R | Com a Constituição Federal de 1988, a discussão de fraude entre a suposta pejotização e uma relação de emprego sempre foi dirimida, sempre foi... Quer dizer, com a Constituição Federal de 1988, a Justiça do Trabalho foi a escolhida para julgar essas matérias, escolha essa... (Soa a campainha.) O SR. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO - ... que foi ratificada com a Emenda Constitucional 45, que ampliou o escopo de atuação da Justiça do Trabalho. E nós temos agora, portanto, uma possibilidade de que essa escolha constitucional deixe de existir, porque, ao prevalecer - pelo menos por algumas vozes - eventual alegação de fraude, passaria a ser de competência da Justiça comum. E vejam que estranho: iria para a Justiça comum, e, se a comum reconhecesse a fraude, mandaria para a Justiça do Trabalho analisar os pedidos decorrentes. É um mesmo processo sendo julgado por dois ramos distintos do Poder Judiciário. É algo que, na nossa modesta opinião, não há razão de existir, porque a Constituição Federal de 1988 elegeu a Justiça do Trabalho para esse papel. Para finalizar, Senador, olhe que incongruência: todo magistrado tem o poder, tem a possibilidade de declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma. Quando veio a reforma trabalhista, várias decisões da Justiça do Trabalho reconheciam, de forma incidental, a inconstitucionalidade de alguns dispositivos, inconstitucionalidade essa que inclusive foi ratificada por decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal. Vamos lembrar a ADI 5766, que foi a ADI que tratou dos parâmetros da justiça gratuita. Eu, na condição de Juiz do Trabalho, teria, portanto, possibilidade de declarar inconstitucional uma norma, mas eu não teria competência para declarar a fraude de um contrato firmado entre dois particulares de natureza fraudulenta. É um paradoxo absolutamente inaceitável... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO - ... para quem vive no mundo do trabalho. Com essas palavras, gostaria de, mais uma vez, agradecer. E, Senador, gostaria aqui de, em mãos, entregar a V. Exa. a nota técnica sobre os impactos da decisão do STF sobre a pejotização - Tema 1389 - que foi elaborada pela Anamatra, em conjunto com a ANPT e em conjunto com a Abrat. É uma nota técnica que traz os nossos argumentos técnicos a respeito da situação, e gostaria de, neste momento, fazer a entrega formal desse documento a V. Exa. Muito obrigado a todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito obrigado, eu agradeço. Já fica aqui o compromisso de eu lê-la na tribuna do Senado. O SR. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO - Muito obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Esse foi o Dr. Marco Aurélio Marsiglia Treviso, Vice-Presidente da Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Eu quero só fazer uma correção. Na fala dele, ele falou o seguinte: "E o Constituinte aqui do lado pode me corrigir". Eu quero dizer que posso lhe aplaudir, não é corrigir. (Risos.) Parabéns, Doutor! Parabéns a todos os nossos convidados! Agora passamos a palavra para o Dr. Renato Bignami, Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. O SR. RENATO BIGNAMI (Para expor.) - Bom dia a todas e a todos, agradecendo já, imediatamente, o convite, a oportunidade formulada ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, entidade representativa das auditoras e dos auditores-fiscais do trabalho de todo o Brasil. Cumprimento, portanto, a mesa, na pessoa de S. Exa. o Senador Paulo Paim, a quem sempre agradecemos pelo apoio que dá ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho. Em várias ocasiões, o Sinait correu para o auxílio do Senador Paim; e, gostaria de registrar, por todas essas ocasiões, a oportunidade que foi construída pelo Sinait, juntamente com o apoio do Senador e do Ministro Marinho, para conseguirmos a contratação, o concurso público e a contratação de 900 auditores-fiscais do trabalho. (Palmas.) Estão próximos de conseguirem a nomeação e serem investidos no serviço. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Permita-me só um... O SR. RENATO BIGNAMI - Claro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - É só uma lasquinha, só uma cutucadinha, mas positiva - e triste também. A gente conseguiu aprovar aqui que, do massacre de Unaí - por iniciativa de vocês, mas trouxeram para mim -, as vítimas fossem consideradas heróis da pátria. Eu aprovei no Senado, só falta agora a Câmara bater o martelo. (Palmas.) O SR. RENATO BIGNAMI - Obrigado, Senador. Isso é um gesto fundamental, importantíssimo que marca, enfim, o compromisso do Senador com uma situação realmente inaceitável, que foi a chacina de Unaí, uma situação que acabou tirando a vida de três colegas nossos, auditores, e mais um motorista do Ministério do Trabalho. |
| R | Enfim, cumprimento também os meus colegas da autoridade nacional em matéria de inspeção do trabalho, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, na pessoa da Dra. Dercylete, Coordenadora de Fiscalização. Estão aqui presentes e irão também compartilhar a mesa, esse tema central, como já foi dito aqui para os debates da nação. Iniciando, então, a minha fala, gostaria de trazer alguns antecedentes, algumas frases que eu reputo bastante marcantes para o que a gente está debatendo. Tem aquela já bastante conhecida de todos: "Tudo o que era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar friamente sua posição social e suas relações mútuas", uma frase de Marx, bastante antiga já, de 1848, que foi revisitada por Marshall Berman e no celebrado Modernidade Líquida, de 1999, que nos traz, obviamente, a perspectiva da inafastabilidade do tempo. O tempo atualiza tudo e, obviamente, precisa ser reconhecido por esse caráter inexorável que traz, não é? Então, essa é uma frase bastante marcante. Então, eu já trago outra frase bastante interessante, mas, partindo da frase de Marx, nem tudo o que é apresentado é necessariamente novo, e também nem tudo que é novo é necessariamente positivo para a sociedade. É importante que tenhamos também a capacidade, como civilização, de, enfim, refletir sobre o novo e, obviamente, absorver o que é importante para o avanço da sociedade e rejeitar aquilo que não nos faz bem. Vejam, então, que estamos aí diante da discussão, do debate sobre a pejotização, algo tratado como novidade. No entanto, observem a fala, em documentos parlamentares: o veto do Vice-Presidente Manuel Vitorino Pereira, em 1899. Para vetar um projeto de lei que traria alguns direitos na locação de mão de obra agrícola, o Vice-Presidente, então, disse: Intervir o Estado na formação dos contratos é restringir a liberdade dos contratantes. O papel do Estado dos regimes livres é assistir como mero espectador à formação dos contratos e só intervir para assegurar os efeitos e consequências. Uma frase de 1899. Não é, portanto, nenhuma grande novidade o debate que se apresenta correntemente em relação à pejotização. Trago mais duas frases bastante importantes, de seis anos depois, frases de Evaristo de Moraes em Apontamentos de Direito Operário, talvez um dos fundadores do Direito do Trabalho nacional, em sentido, justamente, oposto à frase do Vice-Presidente Manuel Vitorino. Só a intervenção enérgica do Estado, mediante providências legislativas, pode estabelecer justas condições para o contrato de trabalho. [...] A ação do Estado não é de simples tutela, é de integração e organização das várias classes sociais. Então, vejam, essa já é uma frase de 1905 que traz, com grande representatividade, o intenso debate que se estabelecia no final do século XIX, começo do século XX, em relação à regulação do trabalho no país. |
| R | Na sequência, trago outra frase também bastante renomada, bastante conhecida, de Mario de la Cueva. É talvez um dos grandes pais do direito do trabalho no México. É uma frase de 1938: o direito do trabalho "não protege os acordos como tais [ou seja, o caráter formal dos acordos] e sim a energia do trabalho do homem". Este é que é o foco da regulação trabalhista: proteger a energia do trabalho humano. Então, vejam, essas frases são lapidares e trazem, com bastante clareza, os desafios que se encontram até hoje na sociedade brasileira: debater, enfim, a possibilidade de uma pejotização em massa da mão de obra brasileira - regular, desregular. E aí eu trago esse contexto. Não é desconhecido de nenhum operador do direito, principalmente do direito do trabalho, o contexto produtivo desafiador em que estamos no mundo pós-fordista. Temos aí, segundo Harvey, a decadência, o declínio do modelo fordista de produção. Já há signos desse declínio nos anos 60, 70, com o aumento marcado de concorrência entre as empresas. Esse aumento, enfim, esse incremento da concorrência, vai ser bastante pronunciado a partir dos anos 80 e 90, principalmente a partir da globalização. Obviamente, conhecemos todos os efeitos de todo esse cenário pós-fordista: mais pressão por flexibilidade nas relações de trabalho, mais pressão por redução de custos, decréscimo nos coeficientes de responsabilidade jurídica também dos diversos atores das cadeias de fornecimento, além de uma, obviamente, uma fragmentação intensa do ambiente de trabalho, numa reestruturação produtiva sem precedentes, o que acaba, nos dias de hoje, inserindo as figuras disseminadas das pessoas jurídicas individuais, do microempreendedor individual, das EPPs, das MEs. Há uma desindustrialização também bastante marcada nos países centrais do planeta e uma reindustrialização de países em desenvolvimento, e aí o efeito race to the bottom. Estamos diante, portanto, de um cenário de terceirização bastante desenfreado. Todo esse cenário é desafiador para todos os operadores do direito, principalmente para aqueles que trabalham, que operam no direito do trabalho. Não preciso também me delongar nos efeitos desafiadores da reforma trabalhista de 2017, que trouxe, obviamente, um substancial impacto nas condições de trabalho, na organização sindical e, principalmente, talvez, nas negociações coletivas, na organização sindical/negociações coletivas. (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - Trago, em específico, a introdução do art. 442-B: " A contratação do autônomo, cumpridas[...] todas as formalidades [...], afasta a qualidade de empregado". No entanto, a reforma de 2017 não revogou o art. 9º. Ele traz, obviamente, a obrigação de sempre se observar a incidência de fraudes. O mercado de trabalho pós-reforma, portanto, traz - já foi também bastante dito aqui, bastante trabalhada essa questão - um aumento exponencial da pejotização. Faço referência aos estudos do Ipea, da FGV - que já foi trazido aqui -, com indicativos de sonegação de mais de R$150 bilhões desde 2018, intensificação dos riscos ocupacionais, prevenção menos estruturada, quando não inexistente, no local de trabalho, trazendo inúmeros desafios também para a segurança e a saúde do trabalhador, que fica alijado, portanto, de treinamentos, cursos, benefícios diversos - esse trabalhador pejotizado e, muitas vezes, também terceirizado. |
| R | Por fim, não é por demais recordar a pressão econômica que existe sob esses diversos elos e que acaba trazendo implicações também para a saúde mental desses trabalhadores. Estamos diante, portanto, de uma epidemia, inclusive, de sérios problemas de saúde mental. Lembro a frase do Ministro, de S. Exa. o Ministro Alexandre de Moraes, trazendo obviamente este notável esforço sumular das cortes superiores.... Esse é um serviço público que o Poder Judiciário oferece para a sociedade, da mais alta relevância - é importante que se reconheça -, e a súmula é, portanto, uma manifestação jurisprudencial consolidada que visa a uniformizar a interpretação hermenêutica do direito, garantindo segurança jurídica e previsibilidade. Esse é um serviço público, talvez, da mais alta relevância prestado pelas cortes superiores. É importante que se reconheça. No entanto, não podemos, enfim, imaginar que a súmula resolva todos os problemas da sociedade, não é? Precisamos também lembrar a lição, sempre magistral, do Prof. Pietro Perlingieri que traz a noção de que o "O Código Civil [...] perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicística, é [hoje em dia] desempenhado [...] cada vez mais [...] pelo Texto Constitucional". Portanto, é fundamental que a hermenêutica do texto constitucional se dê da forma mais abrangente, mais completa e mais próxima da necessidade da sociedade possível. Lembro, portanto, a lição também do art. 421 do Código Civil. O art. 421 traz a noção de que a liberdade contratual deve ser exercida nos limites da função social do contrato. Obviamente, também, lembro que nas relações contratuais privadas prevalece o princípio da intervenção mínima. É óbvio que os operadores do direito estão completamente limitados por esses comandos legislativos. No entanto, é importante que se reconheça que há também uma vasta jurisprudência constitucional reconhecendo a função social do contrato, que mereceria, inclusive, talvez, quiçá - não é, Senador? -, a edição de uma súmula também, do próprio Supremo, que reafirmasse esse tema, por ser tão relevante e tão central na sociedade brasileira. Então, já me encaminhando aqui para a finalização, eu queria trazer algumas questões que ficaram bastante sensíveis e, talvez, em aberto no mercado de trabalho pós-reforma. Quem é esse empregador, portanto, após a reforma de 2017? É importante que reconheçamos que há definições comuns nos sistemas nacionais, nos diversos sistemas nacionais. E é importante que se reconheça que os sistemas nacionais, em geral, principalmente dos países mais desenvolvidos do planeta, aqueles que talvez integram a OCDE, há uma generalização da adoção do princípio da realidade dos fatos como princípio universal. Não é por outro motivo que a Organização Internacional do Trabalho acaba absorvendo este princípio em uma de suas recomendações. |
| R | (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - Cada vez mais, também, se observa a necessidade do avançar para a doutrina da alteridade, para que reconheçamos quem é o sujeito economicamente relevante em determinadas relações triangulares ou em cadeia. A questão também do poder diretivo, que acaba sendo exercido cada vez mais remotamente. E, por fim, a ampla adoção do método, do méthode du faisceau d'indices, o método de feixe de indícios, que foi adotado pela jurisdição francesa, mas que vem sendo amplamente praticado no sentido de se observar quando há uma verdadeira relação de emprego e quando há fraude. Também precisamos lembrar quem é o empregado. Em diversas jurisdições, já se reconhece essa figura terceira do quasi, do autônomo economicamente dependente, do parassubordinado. A jurisdição brasileira trouxe a noção do hipersuficiente, que também é um trabalhador com maior autonomia individual, com capacidade de exercício de autonomia individual de forma superior, talvez, aos demais trabalhadores. É importante que observemos também uma migração bastante acentuada do direito do trabalho para o direito civil, num fenômeno que se trata como tráfico jurídico, e, muito frequentemente, uma tendência à precarização do trabalho para esses trabalhadores atípicos que vêm se formando cada vez mais nas diversas jurisdições. E aí eu termino, lembrando a Recomendação 198 da OIT. Obviamente, ela não é vinculante. No entanto... (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - ... ela influencia na formulação de normas e práticas e deve ser vista como referência por todos os atores sociais e institucionais. A Recomendação 198 traz, expressamente, que, para fins da proteção ao trabalhador em relação de emprego, a determinação da existência de tal relação deve ser orientada principalmente pelos fatos relativos à execução do trabalho e à remuneração do trabalhador, levando, portanto, à categoria de padrão internacional o princípio da primazia da realidade dos fatos. Portanto, um princípio universal. Por fim, ofereço às senhoras e aos senhores esta aplicação que eu tive a oportunidade de desenvolver na Organização Internacional do Trabalho que estudou vários modelos de inspeção do trabalho do mundo, dos principais países desenvolvidos e como esses sistemas abordam a questão da proteção da relação de emprego, a identificação da fraude e a determinação da correção. Ali eu deixo para vocês o link por meio do qual esta obra pode ser acessada. (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - Infelizmente, ela não foi traduzida para o português, mas fica aí como uma sugestão. É isso, Senador. Agradeço mais uma vez pela oportunidade do debate. Grande oportunidade que V. Exa. teve de fazer este chamado às autoridades para que possamos debater este tema central para a nação. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Renato Bignami, Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. |
| R | Meus cumprimentos aqui aos auditores-fiscais do trabalho, que são aqueles que vão lá para a ponta. Quando é preciso, têm que ir lá, fiscalizar e, muitas vezes, participar do enfrentamento. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS (Fora do microfone.) - Importantíssimo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Passo a palavra agora ao Dr. Ricardo Carneiro, Assessor Jurídico da Central Única dos Trabalhadores, que está aqui representando a CUT. O SR. RICARDO CARNEIRO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador. Bom dia a todos e a todas, companheiros e companheiras. Eu saúdo os integrantes desta audiência pública de altíssimo nível. Saúdo os integrantes na pessoa de V. Exa., Senador, companheiro Paim, Senador que bem compreende e entende a urgência deste debate que é aqui travado sobre as influências nefastas desse modelo de ultraexploração do trabalho pelo capital, representado pelo termo, já posto aqui como pejorativo, da pejotização. Como aqui já muito ressaltado, nós vivemos um momento decisivo para os direitos da classe trabalhadora brasileira. O Supremo Tribunal Federal está prestes a julgar o ARE 1.532.603, que trata do Tema 1389 de repercussão geral, que é uma questão que vai muito além da tecnicidade jurídica. Estamos diante de um debate que poderá, de forma direta, afetar a estrutura do mercado de trabalho, a dignidade da pessoa humana e a própria função social do trabalho consagrada na Constituição de 1988, Senador. O que está em jogo aqui não é apenas a legalidade de uma contratação específica, como no caso do corretor de seguros contratado sob forma de franquia. O que está em jogo é a permissão ou não de uma ampla precarização do trabalho por meio da chamada pejotização, quando empresas deixam de contratar trabalhadores e trabalhadoras como empregados e passam a firmar contratos civis ou comerciais com pessoas físicas ou jurídicas, mascarando, muitas vezes, uma verdadeira relação de emprego. É aqui que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) ergue a sua voz. A Consolidação das Leis do Trabalho, conquistada com muita luta e aprimorada ao longo de décadas, não é uma relíquia do passado: ela é uma expressão viva da nossa civilização social. Cada direito ali garantido - jornada limitada, salário mínimo, férias, 13º, Fundo de Garantia, licenças, estabilidades, segurança no trabalho - foi resultado de intensa mobilização popular e social. Nenhum deles foi dado: todos foram conquistados. A pejotização, essa prática generalizada de se disfarçar o vínculo empregatício por contrato de natureza civil, subtrai um a um esses direitos. Trata-se de um caminho de desmonte das garantias trabalhistas que transfere todo o risco da atividade econômica ao trabalhador e promove uma concorrência desleal entre os próprios profissionais. Há quem diga que essas contratações são livres, que o trabalhador autônomo aceitou as condições. Mas que liberdade existe quando um trabalhador, muitas vezes sem alternativa de sustento, é obrigado a abrir uma microempresa individual ou a assinar um contrato de prestação de serviço para manter o seu trabalho, ou seja, para manter a sua própria subsistência? Essa falsa autonomia serve apenas para livrar o empregador de obrigações legais, previdenciárias, trabalhistas. O que se vê na prática é o uso de contratos civis para camuflar relações subordinadas, contínuas, pessoais e onerosas, exatamente como é definido na CLT o vínculo de emprego. |
| R | Sabemos que o STF, no julgamento da ADPF 324 do RE 958.252, correspondente ao Tema 725 de repercussão geral, reconheceu a licitude da terceirização, inclusive na atividade-fim. À época, a corte já alertava para os riscos de desagregação da organização da classe trabalhadora e do próprio direito do trabalho que esses julgamentos representavam. Agora, com o Tema 1389, o STF pode, mais uma vez, seguir um caminho que fragiliza ainda mais os trabalhadores. A CUT também observa com enorme preocupação a tentativa de se transferirem esses casos para a Justiça comum, esvaziando-se a competência da Justiça do Trabalho. Isso seria uma negação da história e da razão de existir de um sistema especializado, criado justamente para equilibrar a desigualdade estrutural entre o capital e o trabalho. A Justiça do Trabalho é o foro constitucional de solução dos litígios entre o capital e o trabalho. É nela que a realidade das relações laborais pode ser analisada com profundidade, com base na primazia da realidade sobre a forma. E, mais, é nela que a atuação sindical encontra amparo institucional para defender os direitos coletivos e individuais das pessoas trabalhadoras. A Central Única dos Trabalhadores nasceu em 1983 em plena luta por democracia, por liberdade sindical e pela valorização do trabalho humano. Defendemos um projeto de desenvolvimento com inclusão, com justiça social, com distribuição de renda. Não aceitamos um modelo de relações de trabalho fundado na lógica do descarte, da desproteção e da submissão. A pejotização, além de precarizar a vida do trabalhador, representa um duro golpe contra a sustentabilidade da Previdência Social e do FGTS, como reiteradamente o Ministro Flávio Dino vem apontando no próprio Supremo Tribunal Federal. E isso já foi aqui muitas vezes referido em todas as falas dos nobres colegas de mesa. Vale lembrar que o trabalhador pejotizado, em sua maioria, contribui de forma intermitente em alíquotas mínimas e com vínculos frágeis para a Previdência Social, quando assim o faz. Isso compromete seu acesso a benefícios como aposentadoria por tempo de contribuição, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, ou seja, a pejotização afeta não só o presente do trabalhador, mas também destrói o seu futuro. Essa é uma conta que recai, cedo ou tarde, sobre toda a sociedade, pois gera informalidade, vulnerabilidade e aumenta a demanda por assistência pública. Nosso povo quer trabalho decente, quer estabilidade, quer proteção, quer poder se aposentar com dignidade, e, para isso, é indispensável que se reconheça o vínculo de emprego sempre que presentes os requisitos legais, independentemente do nome dado ao contrato. Isso não é novidade, é direito de todos os trabalhadores e trabalhadoras, urbanos ou rurais, conforme escrito no art. 7º da Constituição Federal. |
| R | É importante lembrar que o enfraquecimento da proteção trabalhista vai de mãos dadas com o enfraquecimento da organização sindical. Um trabalhador contratado como PJ ou MEI não pode se sindicalizar sequer na categoria que integra. Não participa de acordos, não se beneficia de convenções coletivas, não tem representação nas negociações. Essa fragmentação do trabalho serve apenas ao capital. Para nós, da CUT, ela é inadmissível. A organização coletiva é o principal instrumento de defesa do trabalho, e, para que ela exista com força, é preciso que haja reconhecimento de vínculos formais e regulares. Diante disso tudo, a CUT aproveita esta audiência pública, Senador, para apelar ao Supremo Tribunal Federal que, ao julgar o ARE 1.532.603, preserve os fundamentos constitucionais da dignidade do trabalho, da valorização do emprego formal, da função social da empresa, da proteção contra fraudes e do respeito à organização sindical. O STF não pode permitir que a pejotização se torne regra; não pode chancelar um modelo que transforma trabalhadores em empreendedores forçados. Isso significa uma regressão civilizatória. A Constituição de 1988 não é compatível... (Soa a campainha.) O SR. RICARDO CARNEIRO - ... com um mercado de trabalho pautado na lógica do cada um por si. O pacto democrático exige solidariedade, justiça e proteção aos mais vulneráveis. Não estamos aqui, portanto, apenas para falar de um processo judicial: estamos aqui para defender a história de luta da classe trabalhadora brasileira. Estamos aqui para dizer que não aceitaremos, calados, a destruição do que foi conquistado com suor, resistência e sangue. Este é um chamado à mobilização, um chamado à unidade, um chamado à dignidade e à decência. A CUT seguirá vigilante, combativa e firme na defesa do trabalho decente e da organização sindical. Quando a Justiça falha com os trabalhadores, a luta precisa gritar mais alto. Muito obrigado, Excelências. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Ricardo Carneiro, Assessor Jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Eu tenho uma relação excelente com todas as centrais sindicais, mas não posso negar a história, né? Eu estava lá em 2003, em São Bernardo, e fui eleito Secretário-Geral. Depois, como eu virei Constituinte, passei a ser Vice-Presidente da CUT nacional. Mas, mostrando que a minha relação é com todas as centrais, está confirmado que, hoje, às 14h, o Presidente do Congresso e da Câmara, o Senador Davi Alcolumbre, a meu pedido, se reunirá com todas as centrais sindicais. Todas as centrais sindicais estarão na residência oficial, hoje, às 14h, e eu estarei lá com eles, por esse vínculo que eu tenho com o movimento sindical. Você fala muito bem: é um equívoco daqueles que querem destruir o movimento sindical. Destruir o movimento sindical é destruir o principal instrumento que, no dia a dia, ali, no local de trabalho, está para defender os interesses dos trabalhadores, nos acordos, nos dissídios coletivos. Todos os senhores cumprem um papel fundamental. Mas querer destruir o movimento sindical... Como há setores aqui dentro - e eu tenho embate com eles quase toda semana - que são loucos para que eu saia logo daqui, para eles... (Risos.) Mas vão ter que sofrer mais um ano e meio, ainda, até eu terminar o mandato. |
| R | Mas parabéns! Meus amigos dessa mesa, eu convido, se quiserem, a retornar ao plenário, e se puderem. E eu chamaria agora a segunda mesa e uma salva de palmas para esta mesa. (Palmas.) Está bem. Eles só estão pedindo uma foto com esta mesa e vamos para a segunda mesa. (Pausa.) O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS (Para expor.) - Eu só vou fazer um comentário, Senador Paim. Quando eu era Juiz no Vale do Sinos, centenas de trabalhadores foram despedidos por justa causa por estarem fazendo greve, mas o mais grave: porque estavam do lado do então Deputado Paulo Paim. E eu, como Juiz disse: bom, primeiramente, greve é um direito dos trabalhadores, e tirar foto ao lado de um Parlamentar tão ilustre não é uma coisa grave, é uma honra para nós. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Eu agradeço a vocês, viu? Doutor... O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - Parabéns! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Manda um abraço para a turma toda lá. Obrigado a esta mesa brilhante, que fez com que eu abandonasse o meu discurso diário no Plenário do Senado para ficar aqui; e o fiz isso com muito orgulho e muita satisfação. Vamos para a segunda mesa. Eu registro, primeiramente, a presença no plenário do Juiz Cristiano Siqueira de Abreu e Lima, Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Seja bem-vindo! Vamos à segunda mesa. Dercylete Lisboa Loureiro, por favor... Dra. Dercylete Lisboa Loureiro - está aqui -, Coordenadora-Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente, no Ministério do Trabalho e Emprego, que está aqui representando o Ministro Marinho. Seja bem-vinda, Doutora! Um abraço e leva um abração para o Marinho. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO (Fora do microfone.) - Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Renan Bernardi Kalil, Coordenador Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho. Seja bem-vindo, Dr. Renan Bernardi Kalil! - ainda mais neste momento de combate às fraudes por parte de alguns espertalhões, infelizmente, junto à Previdência Social. Que eles sejam punidos - e eu tenho dito por um projeto que eu apresentei -, e que devolvam em dobro tudo aquilo que roubaram. Eu sei que vocês têm um papel fundamental nesse sentido. Parabéns! Tiago Ranieri, Diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT). Dr. Tiago, por favor. V. Exa. já é conhecido aqui da Casa, como vocês também são. Por fim, chamo Alessandra Camarano, representante da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista. E, por fim mesmo, chamo o Dr. Gustavo Ramos, representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. (Pausa.) Cabe, sim. Pode vir se sentando, que eles botam mais uma cadeira. Pode chegar mais pertinho de mim que não tem problema, viu? E botamos mais uma cadeira. (Pausa.) |
| R | Opa, parabéns! Bom revê-la... (Pausa.) O.k. Então, vamos de imediato, porque nós temos que terminar esta audiência de hoje. Claro, pela importância dela, nós levaremos, no limite, até as 13h. É possível, porque agora são 11h. Até as 13h, nós terminamos. Então, pediu a palavra, por ter um compromisso em seguida, a Dra. Alessandra Camarano, representante da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat). O tempo é seu. São dez minutos para cada um; se necessário, mais cinco. O SR. ALESSANDRA CAMARANO (Para expor.) - Obrigada, Senador. Bom dia a todos, bom dia a todas. Eu estou aqui na representação da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat), em substituição à Presidente Elise Correia, que está em Maceió, Senador, no Encontro de Direito Sindical - do qual V. Exa., inclusive, já participou algumas vezes - pela Abrat. Então, em nome da Presidente Elise, eu agradeço o convite para que a Abrat estivesse aqui, para que estivesse falando sobre os efeitos dessa decisão do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Então, eu cumprimento a mesa, na pessoa do Senador, e peço licença para poder cumprimentar as pessoas que estão participando, na pessoa da Sra. Tânia Tavares, Auditora-Fiscal do Trabalho - ela é Delegada Sindical do Sinait. E eu faço esse registro da presença da Sra. Tânia Tavares aqui e cumprimento, na presença de todos, porque, na mesa anterior - em todos os lugares a que eu vou, Senador, não deixo de registrar isto, até porque a abordagem que eu farei será em relação à questão da mulher -, brilhante, com pessoas que se manifestaram, nós tivemos apenas a Profa. Magda Biavaschi como mulher a falar sobre estes efeitos nefastos das decisões, e nós precisamos de mais mulheres nos espaços de poder, de mais mulheres nos espaços da política, de mais mulheres falando, porque muitas coisas nos atingem, e muitas coisas fazem parte da nossa realidade. Então, é por isso que eu faço esse registro, e eu, justamente, por fazer esse registro... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Só um apartezinho, pequenininho… Posso fazer? Bem rápido. Em todos os eventos que a gente realiza, eu faço um apelo para que mandem mulheres também, não só homens, né? Mas, nem sempre isso acontece. Mas a orientação que a gente tem é essa, tanto que eu tentei passar um projeto em que qualquer audiência pública tivesse que ter, no mínimo, 50% de mulheres e 50% de homens. Aqui, não tem, mas vocês já avançaram. Já tem três mulheres na mesa... Três com a Doutora, né? (Pausa.) A Magda. É com você. Toca lá, vou dar mais do seu tempo lá. O SR. ALESSANDRA CAMARANO - Eu compreendo, Excelência. E a minha crítica não foi a V. Exa. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Eu sei, eu sei. Claro. O SR. ALESSANDRA CAMARANO - Foi justamente ao conjunto, inclusive, de instituições. E eu faço esse registro, e faço questão de fazê-lo em todos os eventos de que eu participo, Senador, e neste em especial, porque eu gostaria de mostrar os impactos dessa decisão do Ministro Gilmar Mendes, com esse deslocamento de competência da Justiça do Trabalho - uma Justiça especializada - para a Justiça comum, os impactos que isso poderá ter na realidade das mulheres brasileiras. |
| R | O Marco Aurélio Treviso falou aqui sobre o impacto no FGTS, o impacto no Minha Casa, Minha Vida, e eu trago números - eu trago números em relação a essa situação. O Governo Federal, ao tratar do Minha Casa, Minha Vida, que é oriundo do FGTS - e FGTS, por óbvio, é só para trabalhadores registrados, com carteira e com vínculo de emprego reconhecido -, prioriza mulheres: o Minha Casa, Minha Vida prioriza mulheres chefes de família e vítimas de violência. Hoje, 60% das pessoas que fazem parte das estatísticas do déficit habitacional são mulheres, e 40% dessas mulheres são negras. Então, haverá um impacto ao se retirar o fundo do FGTS para o Minha Casa, Minha Vida; isso impactará fortemente a realidade brasileira dessas mulheres que recebem. Há ainda um outro dado do Governo Federal, Senador: 85% das unidades habitacionais que são subsidiadas pelo Governo, pelo Minha Casa, Minha Vida, são assinadas por mulheres. Então, haverá esse impacto social para as mulheres, para as mulheres negras e também para programas do Governo Federal, o que impacta também o Ministério das Mulheres, o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério do Trabalho. Esse deslocamento de competência, para além de tudo o que já foi falado aqui, pelas pessoas que me antecederam, em relação à pejotização... Há esse impacto, e eu gostaria de fazer apenas esse recorte, até porque eu tenho pouco tempo, e até porque também, Senador, há dados de que as mulheres são as maiorias nas terceirizações e em cargos menores, em cargos com salários menores - não menores em termos de importância, porque todos os trabalhos são importantes, mas eu falo em termos de poderes, de decisões e também de salários. Se nós verificarmos aqui, dentro desta sala, as terceirizadas são o quê? Mulheres. Que trabalham onde? Na limpeza, que trabalham em lanchonetes, em qualquer outro serviço que o valha dentro da terceirização. E o que se trata dentro do Supremo Tribunal Federal é em relação à ampliação dessa possibilidade de terceirização. Eu trago mais quando eu falo sobre esse deslocamento, porque haverá um impacto na organização da política judiciária: hoje, representa esse deslocamento de competência anunciado pelo Ministro Gilmar Mendes... Essa suspensão; desculpem-me. Parece-me que essa suspensão dos processos representa, hoje, em torno de 40% dos processos em trâmite na Justiça do Trabalho, que são processos que tratam da existência ou não de vínculo de emprego, da fraude ou não de vínculo de emprego. Vejam bem: o que é que se vai tratar no Tema 1389? Competência. Se não é a Justiça do Trabalho, o deslocamento irá para onde? Para a Justiça comum. Isso vai impactar o quê? A quantidade de processos na Justiça comum e a celeridade dos processos em trâmite na Justiça comum - e aí vêm as mulheres, mais uma vez, sendo prejudicadas. Por quê? |
| R | De acordo com o painel da violência contra a mulher, do CNJ, que foi apresentado agora em março pelo CNJ, foram julgados 10.991 feminicídios no Brasil. Medidas protetivas e descumprimento de medidas protetivas - está lá no painel do CNJ -: foram julgados 596.309 processos; entraram 966.785 processos; estão pendentes de julgamento, até o final de 2024 - vejam, repito, são processos de violência doméstica e descumprimento de medidas protetivas -, 1.297.147 processos; ou seja, eu desloco 40% dos processos da Justiça do Trabalho, uma Justiça especializada, com magistrados e magistradas especializados, com temas que estão absolutamente desvinculados da Justiça comum, e jogo esse quantitativo de processos na Justiça comum, incho o sistema e prejudico vários segmentos, mas eu quis fazer o recorte, em especial, da questão da mulher dentro da sociedade brasileira. Com isso, eu atraso os processos de medida protetiva, e isto é uma questão lógica: se eu atraso o julgamento de processos de medida protetiva, o que vai acontecer, com isso? Aumentar o número de feminicídios; aumentar o tempo de julgamento em relação aos feminicídios. Por quê? Porque o juiz, como juiz da Justiça comum, estará envolto com um contrato - se é de natureza civil, se é de natureza trabalhista -, que não é a expertise da Justiça comum. Além disso, nós teremos um impacto muito significativo em relação à busca por pensão alimentícia dessas mulheres que são mães solo, ou que têm... Existe o pai, um pai fictício, que não paga nem pensão, mas às vezes paga R$200 e acha muito, porque acha que a mulher está usando, talvez, para poder fazer as unhas, o botox e o cabelo - com R$200. Então, isso também sofrerá um impacto. Hoje é célere: se você entra com um processo de pensão alimentícia, imediatamente são dados os alimentos provisórios, porque é o quê? Alimento, comida! Aí, agora, eu pego 40% dos processos da Justiça do Trabalho e coloco nas mãos desses julgadores. Eu fiz um recorte em relação à questão da mulher porque eu acho extremamente importante e até porque ele dialoga com a questão do FGTS, com a questão do programa do Governo Federal em relação ao Minha Casa, Minha Vida, mas haverá impacto também para outros tipos de julgamento... (Soa a campainha.) A SRA. ALESSANDRA CAMARANO - ... para as próprias empresas. Quantos processos não há na Justiça comum, por exemplo, de recuperação judicial; de falências e recuperações judiciais? Quantos processos não há do sistema do semiempresarial em relação a contratos de natureza civil, efetivamente, e não essa tentativa de usurpar a Constituição - tão bem elaborada, de cuja elaboração V. Exa. participou -, dentro de um sistema em que apenas um único ministro paralisa todos os processos em relação a vínculo de emprego na Justiça do Trabalho, oficiando todos os TRTs, oficiando o TST para que sejam paralisados esses processos? |
| R | Talvez o Ministro, que é um vanguardista dentro da questão da defesa da democracia, e o próprio Supremo Tribunal Federal se mostra disso... Aqui não é uma crítica ao Supremo Tribunal Federal, mas à decisão, porque, talvez, ainda que em tese, não haja esse alcance do que se está tratando aqui nesta audiência pública. Eu agradeço mais uma vez, Excelência. Espero que nós possamos avançar nesta audiência pública e que a gente consiga conscientizar e sensibilizar o Supremo Tribunal Federal. Eu agradeço e eu vou pedir licença para me retirar, porque eu tenho uma audiência daqui a pouquinho. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Dra. Alessandra Camarano, representante da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista. Eu já posso adiantar, doutora, que eu entrei com um requerimento para nós fazermos este mesmo debate - e todos serão convidados - no Plenário do Senado, porque a repercussão, no meu entendimento, será muito maior. Está previsto ainda para este semestre, se possível; se não, no máximo em agosto. O.k., doutora? A SRA. ALESSANDRA CAMARANO (Fora do microfone.) - Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Valeu... A SRA. ALESSANDRA CAMARANO (Fora do microfone.) - Peço licença. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Valeu. (Palmas.) Passo a palavra, de imediato, ao Dr. Gustavo Ramos, representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. O SR. GUSTAVO RAMOS (Para expor.) - Muito bom dia a todos e a todas, ao Exmo. Senador Paulo Paim, a quem eu presto minhas homenagens, inicialmente, em primeiro lugar, pela deflagração desta audiência pública, por sua realização - é um tema fundamental para o país -, mas especialmente por ser historicamente um combatente incansável na defesa do trabalho decente, do trabalho digno em nosso país. Então, é sempre não um convite, mas uma convocação quando S. Exa. nos convida para aqui estarmos, debatermos qualquer assunto. Queremos dizer que é uma honra e uma alegria enorme poder dividir aqui esta tribuna - com a perspectiva de alcançar também virtualmente inúmeras pessoas que nos acompanham aqui nesta audiência pública - com as autoridades aqui presentes de alto nível: representante aqui do TRT da 4ª Região, Dr. Clóvis Schuch, com a fala eloquente; representantes da CUT; meus colegas da Anamatra e do Sinait, que falaram tão bem, com tanta técnica; o Ministro Augusto César, pelo Tribunal Superior do Trabalho, também deu um show aqui em sua apresentação, acentuando os aspectos mais importantes. Eu tenho certeza de que os colegas oradores que falarão em sequência aqui também abrilhantarão esta circunstância. Sob a perspectiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e sua Secretaria do Trabalho, a qual eu tenho a honra de representar, nós queremos denunciar que a chamada pejotização constitui um estratagema jurídico, uma estratégia jurídica alarmante que está em crescimento, em expansão no Brasil e que tem o condão de destituir os direitos, em sua totalidade: trabalhistas, previdenciários, sejam eles constitucionalizados, sejam eles dispostos na CLT ou em legislação infraconstitucional. Cuida-se, portanto, de um tema de grande alcance, mas a questão subjacente maior diz respeito a que sociedade, a que modelo de sociedade nós queremos construir, como foi enunciado aqui também nas falas todas que me antecederam. |
| R | Então, se o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1389, não barrar esse movimento e, além disso, mantiver a perspectiva de restrição e de usurpação, como foi dito aqui pela Dra. Alessandra, da competência do Justiça do Trabalho, em breve nós nos constituiremos numa nação de trabalhadores pejotizados. E o exemplo mais eloquente disso, que foi citado aqui já pelo Dr. Clóvis Schuch, é a situação existente no Estado originário de sua excelência, em que os trabalhadores do setor de limpeza pública já estão sendo contratados como PJ, ou seja, os catadores de lixo estão sendo contratados como pessoas jurídicas. E assim, sucessivamente, tem acontecido com professores, e as mais diversas profissões. Dados do Ipea e do Dieese revelam que hoje nós já temos no Brasil um número de cerca de 18 milhões de trabalhadores pejotizados. E todas as profissões estão caminhando para se tornarem, se não totalmente, pelo menos majoritariamente pejotizadas. Nesse cenário, excelências e autoridades presentes, ilustres Senadores e Senadoras que ouvirão posteriormente esta audiência pública, ministros da Suprema Corte, algumas questões precisam ser respondidas. Em primeiro lugar, a quem interessa verdadeiramente a existência de trabalhadores sem direitos? Todos os trabalhadores podem se tornar empresários? É isso que se imagina para o Brasil? É essa construção? Interessa ao Estado brasileiro que os trabalhadores sejam todos pejotizados? E a arrecadação? Como se alimentarem as políticas públicas? Isso tudo foi apresentado em números aqui muito significativos e são perguntas que precisam ser respondidas. O Senador Paim, em sua fala introdutória, mencionou o aspecto da democracia, que não diz respeito apenas a eleições livres. A democracia dialoga também com trabalhadores com direitos. Democracia é também dignidade e trabalho decente. E esse é um aspecto fundamental que precisa ser respondido, quando nos deparamos com institutos e vias como terceirização em atividades finalísticas, pejotização, trabalhadores em plataformas contratados por via de plataformas. Se avançamos para uma sociedade, uma nação de trabalhadores pejotizados, estamos promovendo o progresso social ou o retrocesso? As normas trabalhistas e os direitos sociais, de uma forma em geral, são normas de ordem pública ou são meramente facultativas? O Supremo Tribunal Federal, que seja, poderá ele dizer que se tratam de normas facultativas, quando há todo um sistema existente e com albergue na Constituição? Então, é preciso ficar claro que - quando nós falamos em trabalhadores pejotizados, e a expressão correta é essa, não é pejotização, são trabalhadores que estão sendo pejotizados - nós não estamos aqui discutindo, como disse o colega Ricardo Carneiro, uma opção legítima, livre e consciente por me tornar PJ. Há um contexto de realidade social que precisa ser analisado e que leva esse trabalhador a se constituir como PJ para conseguir trabalhar. Eles estão sendo tornados compulsoriamente CNPJs e assim eles deixam de ser sujeitos de direitos, e passam a ser simplesmente prestadores de serviços mercantilizados - é essa que é a verdade. Para a ABJD, quem eu represento aqui nesta tribuna, não é possível falar em democracia se o trabalho é precarizado a ponto de excluir da proteção social o contingente da maioria da população brasileira, que é a maioria de trabalhadores e trabalhadoras. |
| R | A pejotização, metaforicamente falando, é uma doença autoimune que é inoculada no Estado democrático de direito, e que tem a condição de minar as suas bases, que é a pirâmide social dos trabalhadores; mas, ao mesmo tempo, mina todo o sistema de financiamento público, políticas públicas, previdência social, como foi dito aqui, assistência social - e até mesmo o SUS é afetado com a ampliação absurda da pejotização. Igualmente grave também, já foi aqui denunciada, é a perspectiva teórica ainda, esperamos que o Supremo Tribunal Federal a rechace, de afastar a competência da Justiça do Trabalho para examinar os casos de fraude, quando se identificam os requisitos do vínculo de emprego numa situação fraudulenta de pejotização; e, com isso, transferir essa análise para um juiz que é leigo no assunto, que seria o juiz da Justiça comum. Isso seria como, metaforicamente, nós determinarmos que determinado paciente com câncer no coração fosse encaminhado para um oftalmologista, pelo simples fato de ele ter juntado um exame de vista no seu prontuário médico. É algo absolutamente irracional, na medida em que nós temos uma Justiça especializada, e é uma Justiça Especializada que foi constituída na Constituição de 1946, e que até hoje permanece como uma Justiça especializada, sob a égide da vigência da atual Constituição de 1988, com a sua competência ampliada já na Emenda Constitucional de 2004. Então, se o trabalho não conferir cidadania - é um aspecto importante esse -, não apenas sobrevivência diária, que tipo de sociedade estamos construindo? É a questão central que eu quero retomar aqui. Estamos constituindo o quê? Estamos querendo construir uma sociedade do cansaço, em que todos estejam trabalhando até a morte? Queremos discutir o quê? É uma sociedade em que nós vamos estabelecer um retorno ao estado selvagem e natural? Há um documentário que vai ser lançado agora, segunda-feira, na Globo News, que tem um viés ideológico muito forte, e que precisa ser enfrentado. É a "viração", ou seja, é um culto àquele trabalhador que sai dia a dia, se constitui como uma pessoa jurídica, para tentar fazer o dinheiro da sobrevivência naquele dia. Então, isso pode ser traduzido no retorno ao estado selvagem, ao estado natural, em que eu preciso matar um leão por dia para sobreviver. É esse modelo de sociedade que nós queremos? A essa altura, no âmbito de um Estado democrático de direito? Não estamos mais sob a égide do Estado liberal de direito do século XIX, aqui mencionado - que fracassou. (Soa a campainha.) O SR. GUSTAVO RAMOS - Estamos já sob a égide do Estado social e democrático de direito. Se quisermos acelerar, caminhando para a minha conclusão, a volta do fascismo, um caminho seguro e eficaz é justamente a extinção do direito do trabalho, pois a democracia não convive com trabalhadores sem direitos. Como diz Alain Supiot, para terminar aqui, um grande e importante jurista francês, o direito não pode ser apenas um conjunto de regras que nós não podemos transgredir; ele precisa ser também um horizonte, ele precisa ser metas e objetivos que precisam ser alcançados. E a dignidade no trabalho, o trabalho decente, como tem sido defendido aqui por todas as instituições que aqui se apresentaram, sob a condução magistral do Senador Paulo Paim, é a premissa fundamental, é um pilar fundamental de uma sociedade que queira verdadeiramente progredir. É falsa a dicotomia de que trabalho decente, trabalho digno seja incompatível com modernidade. Modernidade e tecnologia podem conviver, sim, perfeitamente, com uma sociedade humana, justa e solidária. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Gustavo Ramos, representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. |
| R | Como no meio da sua fala eu falei sobre um evento que teremos no Plenário, a assessoria já me passou, já foi acertado com o Presidente Davi, o debate no Plenário - e todos estão já convidados, botem nas agendas, pela qualidade de todos os oradores que aqui falaram - vai ser no dia 29 de setembro, porque até julho estão todos lotados os espaços no Plenário. Dia 29 de setembro será o novo momento do debate sobre um tema tão importante como esse, que é a questão, como você disse, dos PJs. Passamos a palavra agora à Dra. Dercylete Lisboa Loureiro, Coordenadora Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e do Emprego - que é quem representa o meu amigo o Ministro Marinho. E eu fui esses dias a um debate, e ele me deu uma dica, dica que é para o pessoal que é contra a redução de jornada. E o Ministro Marinho me informou: "Diga que, aqui em São Bernardo, quando eu era sindicalista ainda, eu já tinha conquistado as 40 horas". E hoje eles não admitem diminuir uma hora. Os projetos que nós todos defendemos são contra a jornada 6x1, e defendemos 40 horas no primeiramente momento, e depois vai diminuindo, uma hora por semana até chegar num horário mais adequado, que seriam as 36 horas. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Isso é modernidade, Dr. Gustavo também aí, que falou do trabalho decente. Um abraço para o Dr. Luiz Marinho, Ministro, meu amigo - gosto muito dele. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO (Para expor.) - Muito obrigada. Bom dia a todas as pessoas presentes. Saúdo a todos na pessoa do Senador Paim. Eu sou Dercylete Lisboa, Auditora-Fiscal do Trabalho. E eu gosto sempre de afirmar isso, porque - se na condição de mulher preta eu não tenho privilégios, não teria privilégios na sociedade brasileira, uma igualdade de oportunidades - na condição de Auditora-Fiscal do Trabalho, neste momento eu posso estar aqui, e especialmente na condição de Coordenadora-Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente. Sob a minha Coordenação-Geral, eu tenho sete temas, que são: o combate à discriminação, ao assédio e à violência no trabalho; igualdade de oportunidades; o combate ao trabalho infantil; a inclusão de pessoas com deficiência; inserção de aprendizes; o combate à informalidade e à fraude ao vínculo de emprego; e ainda o combate à fraude em salários e jornada. Então, quando nós estamos aqui, neste momento, tratando da questão do vínculo de emprego, diretamente todos esses assuntos estão incluídos e estão sob ameaça. Quando nós falamos da inclusão de pessoas com deficiência, não podemos esquecer que as cotas são calculadas diretamente em relação ao número de empregados que existem nos estabelecimentos, nas empresas e nos estabelecimentos para inserção de aprendizes, que é a garantia de qualificação profissional, especialmente para a população mais vulnerabilizada na nossa sociedade. Quando nós estamos falando de fraude ao vínculo, nós estamos também tratando de todos esses assunto; e a questão da jornada acaba sendo um não assunto, porque se nós não tivermos mais empregados para garantir a jornada de trabalho, a jornada 6x1 se torna um não assunto. Então, em razão de todos esses meus temas, eu quero fazer minha audiodescrição. Eu sou uma mulher preta, uso óculos em razão do tempo de serviço, gosto sempre de deixar isso registrado, tenho os cabelos trançados na altura dos ombros, estou com uma camisa preta e, ao meu lado de esquerdo, eu tenho a honra de ter o Senador Paim. Eu vou começar aqui a minha apresentação que vai versar... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Senador Paim, preto também. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Só ela aqui que é preta? A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - Sim... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Eu também. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - O.k.! (Risos.) Mas é sempre autodeclaração, não posso falar pelos outros. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Mas eu estou aqui fazendo uma média com a senhora. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - Sim, sim. (Risos.) Então, esse nosso encontro aqui versa principalmente sobre o Tema 1.389, que é o que está tirando o sono de todos que estão aqui. O problema central já foi brilhantemente exposto por todos que me antecederam. Trata-se da "CNPJotização" irrestrita, da fraude trabalhista, da derrogação da legislação trabalhista, ou seja, a possibilidade, a perspectiva de a CLT ter um caráter facultativo, de as relações de trabalho passarem a ter natureza civil e da terceirização geral e irrestrita. E aí eu quero registrar que, no fundo, nós estamos aqui com uma questão de princípio básico da vida, não só do direito, que é um princípio que eu sempre uso, que é: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. É simples assim, né? Nós não podemos confundir. O combate à fraude é justamente colocar as coisas nos seus devidos lugares, é só isso. Uma pessoa jurídica, historicamente, todos nós sabemos que existe simplesmente por uma questão de proteção patrimonial. Pessoa jurídica existe para salvaguardar o patrimônio daquelas pessoas que resolvem praticar atos de comércio, atos de indústria, atos de serviço; ou seja, é uma ficção jurídica para desassociar a pessoa natural do seu patrimônio e, assim, ela ter mais tranquilidade de, efetivamente, realmente, pela conjunção dos fatores de produção, empreender. Só que, Senador Paim, o "João MEI" ou o "Zé PJ" são pessoas naturais e o único patrimônio que eles têm é a sua força de trabalho. Como é que se pode desassociar uma coisa da outra? Então, a gente já tem um problema existencial. É uma crise existencial que a gente está colocando para essas pessoas, porque elas não têm como fazer essa desassociação. Quando eu tenho a pejotização, a "CNPJotização", por conta dos MEIs, e esses trabalhadores estão lá, e, como o advogado que me antecedeu falou muito bem, nós estamos criando uma situação quase que esquizofrênica em relação a essa pessoa. E aí, com esse privilégio que eu falei inicialmente, que é ser auditora fiscal do trabalho, no Estado brasileiro, que colocou como instituições de proteção ao trabalho uma santíssima trindade, que é a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a inspeção do trabalho, nesse triunvirato, eu tenho a possibilidade e o privilégio de estar lá vendo as situações in loco, em primeira pessoa, olhando nos olhos dos trabalhadores e dos empregadores, que, em razão da nossa atuação - a gente chega lá de surpresa, desarmados - a gente consegue sentir efetivamente o que acontece. Eu sou auditora fiscal há 26 anos, e quando eu entrei na fiscalização, o grande problema eram as cooperativas. E aí eu tive a oportunidade, no interior de São Paulo, de fazer uma entrevista com um trabalhador e, perguntando qual era a situação dele, ele me falou: "Não, eu estou aqui porque o dono da cooperativa falou para eu estar aqui", e ele era supostamente um cooperativado. Então, as pessoas não têm essa vontade de empreender necessariamente nesse aspecto de fraude que nós estamos falando; elas têm essa como a única oportunidade de exercer uma atividade que garanta a sua subsistência. Elas não estão tendo alternativas - eu estou falando de um fato real de 26 anos atrás. Então, nós começamos lá muito atrás essa situação, e é esse retrato que eu trago aqui. Não estamos diante de uma novidade. A própria legislação foi alterada na CLT para dizer que qualquer que fosse o ramo da atividade da sociedade cooperativa, não existiria vínculo de emprego entre seus associados, nem entre esses e os tomadores de serviços daquela. Para que houve essa alteração na CLT para dizer o óbvio? Se efetivamente é um cooperativado, é óbvio que não vai haver vínculo entre ele e a cooperativa, nem com o tomador de serviço. Então, lá atrás, já houve uma tentativa de fraudar, por meio legislativo, a realidade dos fatos. Mas isso intimidou esse sistema de proteção ao trabalhador? Não! A inspeção do trabalho nunca se quedou diante de uma situação como essa, como o Ministério Público do Trabalho também não, e a Justiça do Trabalho também não. |
| R | Em 2017, como já foi apresentado aqui, também o formalismo foi evocado novamente, dizendo que a contratação de autônomo, cumpridas todas as "formalidades legais..." Formalidade? Quer dizer que a gente vive no metaverso e agora só vale aquilo que está no papel, e eu não vou mais olhar nos olhos dos trabalhadores como eu olho, e eu vou fazer de conta que ele é uma outra coisa diferente do que ele é? Não tem condição, não dou conta disso. Não dá para mim. Então, é para isso que a nossa legislação vem ao longo dos anos nos direcionando e, em 2017, com a terceirização irrestrita, foi a pá de cal, o início para tentar realmente fazer com que nada do que é continue realmente sendo, com a terceirização irrestrita. Só que, como também já foi dito aqui, a CLT se mantém ali firme na resistência com todos nós aqui na comissão de frente para segurar a onda, para tentar fazer com que gerações não pensem que ser um celetista é algo menor, porque a onda agora é essa. Ser empregado virou palavrão, e esse é um problema. Também, em 2008, quando eu fazia fiscalização de fraude ao vínculo em hospital, eu tinha a possibilidade - era clássico... eu tinha uma pessoa que era uma empregada, que foi demitida e que depois era contratada como uma pessoa jurídica. Então, era muito fácil a gente fazer esse mapa. Hoje em dia, nós já temos gerações de pessoas que nunca foram empregados... (Soa a campainha.) A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - ... que não sabem o que é a proteção social de verdade. E é esse retrato que nos aflige enormemente, em razão da disseminação dessa lógica. Eu quero aproveitar a sua tolerância para dizer o seguinte: nós fizemos um estudo dentro da inspeção do trabalho, especialmente por meio de dois auditores fiscais, e é importante registrar o nome deles, Naldenis Martins da Silva e Larissa Abreu, que construíram toda a questão jurídica e de dados, porque há muitos números que são estimativas por conta de pesquisa, mas nós temos a oportunidade de dar dados concretos, reais. Então, nós fizemos um estudo, de 2022 a 2024, com todos os trabalhadores que deixaram de... que foram demitidos, que saíram dos seus empregos, então que foram dispensados, e quais desses empregados se tornaram pessoas jurídicas, seja pessoa jurídica - pessoa jurídica mesmo - ou MEI. Dessas pessoas, 56,25% ganhavam até R$2 mil; e 93%, até R$6 mil. É esse empreendedor, essa pessoa que está exercendo a livre iniciativa de que a gente está tratando. Pessoas que ganham até R$2 mil. |
| R | Nessas comparações, quais são as principais funções que foram pejotizadas? Vendedores, assistentes administrativos, faxineiros, serventes de obra, pedreiros, porteiros, empregadas domésticas e garçons. Estão lá no início. E abriram quais CNAEs de atividades econômicas? Publicidade, serviço de escritório, transporte rodoviário, atividades de malote de entrega, comércio varejista, restaurante. Dados: é importante a gente não esquecer que os trabalhadores terceirizados são os que mais se acidentam, são os que mais morrem. Por quê? Não há uma questão relativa à segurança e saúde de quem é uma pessoa jurídica, não se importam, ainda que seja um ser humaninho, porque na hora de morrer, no enterro, a vela é a mesma. Então, nós tivemos, pelo Dieese, de 2009 a 2015, 80% do setor elétrico com acidentes fatais de pessoas terceirizadas. E nós não podemos esquecer que essas pessoas terceirizadas, muitas vezes, estão nesse recorte social mais vulnerabilizado. Então, nós estamos diante de sacramentar discriminação indireta pela decisão do Supremo. Nós estamos criando um peso maior, um sacrifício maior para uma população que já é excluída socialmente, é disso que se trata. Essa investida é para isto: para manter, para arraigar as desigualdades sociais neste país, porque é essa população que vai ser mais atingida. Além da fraude tributária, que nós sabemos - para os tributaristas pode-se chamar de elisão fiscal - que muitas vezes é isso, a gente observa que as empresas estão trocando os seus departamentos pessoal e de recursos humanos por um serviço de despachante. Por quê? Agora, a pessoa, para acessar o posto de trabalho tem que virar MEI. "Então, está aqui como é que você faz para virar MEI, está aqui como você faz para virar uma pessoa jurídica". Então, é isso que está acontecendo. As empresas têm essa pessoa lá para dar essa orientação, senão não se consegue trabalho. Nós temos a situação desse déficit previdenciário, nós temos os números reais, vou repetir: números reais. Nós fizemos essa conta: quem era empregado e se tornou pessoa jurídica; qual era a média salarial dela de 2022 a 2024; o quanto ela arrecadava de contribuição previdenciária e de fundo de garantia; e, como pessoa jurídica, quanto está sendo arrecadado. Então, isso não é uma pesquisa, são dados reais, e dados reais mínimos, porque, como eu disse, já temos uma geração de trabalhadores que nunca foram empregados. Então, a gente não tem condição de fazer esse rastreamento. A perda efetiva nesses anos é de R$61 bilhões. Isso é número real - repito, é número real mínimo -, considerando aquilo que seria contribuição do empregado e aquilo que é contribuição patronal - Ih, caramba, apertei alguma coisa errada! A pessoa se empolga... (Pausa.) Pronto. Eu quero aqui só trazer dois casos concretos da inspeção do trabalho... (Soa a campainha.) A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - ... com relação à limpeza urbana, como foi dito aqui, e esse caso é um auto de infração - não trouxe o nome da empresa, obviamente - de que essa empresa contratou com o poder público. |
| R | Então, atenção à responsabilidade do poder público que, em razão da Lei das Licitações e de ter um menor custo, acha que vai acontecer um milagre daquele número que está sendo apresentado. E o milagre é essa empresa que contratou quase 3 mil pessoas nessas atividades de limpeza e conservação de vias públicas, e não tinha um empregado registrado. E aí quem está contratando não acha isso esquisito. Como o poder público contrata uma empresa que não tem um empregado, dizendo que vai fornecer 3 mil pessoas - e não tem um empregado?! O SR. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO (Fora do microfone.) - Só aqui um adendo. Mas no valor da licitação já é computado o valor como se os trabalhadores fossem empregados. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - Exato. O SR. MARCO AURÉLIO MARSIGLIA TREVISO (Fora do microfone.) - Contratando, de forma autônoma, é muito menor e há uma fraude inclusive para o órgão público. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - Então, assim, é muita intenção de não ver o óbvio, de não fazer a leitura adequada. E com o setor de saúde é a mesma coisa, que já é um clássico. Mas nessa ação especificamente os médicos contratados sequer sabiam quem eram os sócios deles. E aí, infelizmente, a tendência que a gente está observando é que eu tenho que chegar lá, ouço isso do médico, pois ele não está sabendo qual é o rolê dele ou qualquer outra pessoa, e eu tenho que achar que ele é uma pessoa jurídica e que está usando a livre iniciativa dele. Para concluir, é reafirmar que nenhum desses princípios, seja o da livre iniciativa, seja o da liberdade de organização, como nenhum outro princípio constitucional, é absoluto. Nós temos que fazer a ponderação de todos esses princípios. Nós temos que entender o que é diversidade... (Soa a campainha.) A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - ... pluralidade, dignidade da pessoa humana, que foi estabelecido na nossa Constituição. E ainda que infelizmente pareça que as interpretações dos humanistas tenham ficado piegas, ultrapassadas, é disso que se trata, enquanto essa Constituição for vigente, inclusive por conta dos grandes prejuízos, especialmente com o FGTS, além da previdência, que ficou, nesse mesmo estudo, no montante de R$24 bilhões. Então quero aqui, como inspeção do trabalho, reafirmar o nosso compromisso na defesa desses trabalhadores, porque nós compreendemos que não há outra alternativa colocada na nossa Constituição. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dercylete Lisboa Loureiro, Coordenadora Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego. Parabéns pela forma descontraída, dinâmica e num linguajar que até eu entendo. Todo mundo está entendendo, viu? Eu gostei, me identifiquei muito. (Palmas.) Passo a palavra agora para o Dr. Renan Bernardi Kalil, Coordenador Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT). O SR. RENAN BERNARDI KALIL (Para expor.) - Bom dia, Senador Paulo Paim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Bom dia! O SR. RENAN BERNARDI KALIL - Bom dia a todos os presentes. Eu gostaria de iniciar a minha exposição, Senador, agradecendo o convite para o Ministério Público do Trabalho participar deste debate, que é central para o futuro do trabalho no Brasil e também de deixar registrado aqui o nosso reconhecimento em relação ao compromisso do Senador, enfim, com todas essas questões relacionados com o direito do trabalho. |
| R | Eu, pessoalmente, pelo Ministério Público do Trabalho, venho participando de debates aqui nesta Casa desde a reforma trabalhista. O Senador sempre foi um grande parceiro nesses debates, para tentar trazer uma perspectiva sobre as preocupações que os trabalhadores têm nesses debates legislativos. Então, faço questão de deixar o registro aqui, Senador. Para iniciar a minha exposição - enfim, falar depois de tantas excelentes arguições aqui não é uma tarefa muito simples, Senador -, eu queria deixar registrado e retomar algo que está desde a fala do Ministro Augusto César aqui, mas que é fundamental e me parece ser uma premissa central para o debate que a gente faz. Enfim, retomando a premissa também que a Dercylete trouxe, que para mim é fundamental, de que uma coisa é outra coisa, outra coisa, outra coisa, é a gente fazer as distinções conceituais dos temas de que a gente está tratando aqui: que pejotização e terceirização são fenômenos completamente distintos. A pejotização, enfim, como já foi muito falado aqui, é uma simulação com o objetivo de desvirtuar uma relação de trabalho, ou seja, de se utilizar de um contrato de natureza civil para se deixar de pagar direitos trabalhistas; e terceirização é um fenômeno que a legislação brasileira consagrou como prestação de serviços a terceiros. Mas estou relembrando esse tema inicial porque me parece que, para o debate que a gente está fazendo e pela perspectiva sob que o STF vem lidando com o tema, é fundamental, Senador, relembrar como a gente chegou até aqui, como a gente chega enquanto atores que estão dentro do sistema da Justiça do Trabalho, como a gente chega no Tema 1389. E não dá para a gente começar a debater isso sem a gente recordar o que foram as decisões do Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 e no Recurso Extraordinário que levou ao Tema 725, que reconheceram a constitucionalidade da terceirização na atividade-fim. E por que eu digo isso, Senador? Porque em ambos os julgamentos o Supremo lidou, na ADPF 324, com uma ação que uma confederação patronal apresentou no STF, questionando decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo de emprego em casos de terceirização na atividade-fim das empresas, e o Recurso Extraordinário tratava de uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho, ajuizada em Minas Gerais, que questionava a terceirização numa empresa de atividade de reflorestamento. Bom, os casos foram julgados, e o Supremo fixou ali suas teses a respeito desse tema. E se a gente vai levar a sério, Senador, um sistema de precedentes que tem o objetivo de garantir segurança jurídica para toda a sociedade, como é o caso dessas decisões que o Supremo proferiu em 2018, a gente tem que lembrar que, depois dessas decisões que o Supremo profere, a Procuradoria-Geral da República apresentou embargos de declaração com alguns objetivos - eu não vou tratar de todos aqui porque não é o caso -, em face dessas duas decisões, buscando que o Supremo expusesse o alcance da decisão que ele estava proferindo, para que o Supremo deixasse expressamente dito na decisão de que a ADPF e o Recurso Extraordinário não tratavam de cooperativas, que eles não tratavam de pejotização, que não tratavam de trabalho autônomo e que não tratavam de terceirização na administração pública. |
| R | O Supremo decide os embargos de declaração dizendo que não havia necessidade dele se manifestar, porque o caso concreto, o caso que foi decidido, não abrangia essas situações. Então, o Supremo, em face dos embargos de declaração, nesses dois casos, que são os precedentes geralmente utilizados para cassar decisões da Justiça do Trabalho, que reconhecem o vínculo empregatício, o Supremo já tinha falado que não tratava de pejotização. Pejotização não estava abrangida nesses dois casos. Então me parece importante a gente relembrar esse tema. O segundo tema é que, bom, a gente está falando aqui de direito do trabalho. Várias falas que me antecederam falaram de todas as peculiaridades do direito do trabalho, mas me parece que é fundamental a gente também lembrar porque direito do trabalho existe, Senador. Direito do trabalho existe porque, num dado momento, diante da realidade social que se colocava na frente de todas as pessoas que atuavam no mundo do trabalho, como os operadores do direito, enfim, os políticos, e toda a sociedade, ficou insustentável dizer que aquela relação entre o trabalhador e o empregador era uma relação entre iguais. Ficou insustentável manter esse posicionamento e se reconheceu que o direito do trabalho tinha que intervir nessa relação, porque existe uma desigualdade econômica brutal, que o direito tem intervir para tentar diminuir essa assimetria. Se o direito do trabalho existe para isso, a análise pela qual a fraude se dá nessas relações tem que acompanhar esse raciocínio. Por isso que quando a Dercylete traz toda essa análise sobre as fraudes e como é importante atuar em face disso, é porque as fraudes no direito do trabalho têm que ser olhadas de uma forma objetiva. Não importa se o empregador tem consciência ou não do que ele está fazendo, se isso está sendo feito de uma maneira organizada, estruturada ou não. Não importa se o trabalhador anuiu com ele ser pejotizado. O que importa é olhar para aquela relação e ver se os requisitos da relação de emprego estão ali presentes. Se a gente está diante de uma pessoa realizando um trabalho com subordinação, onerosidade, pessoalidade e não eventualidade, aplica-se a legislação trabalhista. O artigo 9º da CLT diz isso. Então é fundamental a gente ter essa premissa e olhar para a fraude, na relação de trabalho, com esse olhar objetivo, retirando toda a subjetividade que eventualmente possam tentar colocar aqui. E veja, Senador, que quando a gente fala sobre isso, a gente está falando aqui de alguns princípios, de algumas particularidades do direito do trabalho que já foram mencionadas: o princípio da primazia da realidade, ou o contrato realidade, que alguns autores dizem. Mas não são só os autores do direito do trabalho que dizem isso, Senador. O Ministro Alexandre de Moraes, no voto dele na ADPF 324 e no Recurso Extraordinário que leva ao Tema 725, diz que o direito não pode se limitar à mera análise formal dos contratos, que é necessário olhar para o que na realidade está acontecendo atrás dele. Então, a gente tem que fazer esse exercício, sob o risco de o direito do trabalho, Senador, se tornar algo opcional, como já foi falado diversas vezes aqui. E o direito do trabalho se tornando algo opcional, não tenhamos dúvida do que vai acontecer, até porque a gente tem uma lição histórica para ser trazida a este debate do que acontece com normas trabalhistas que são colocadas à discricionariedade da observância pelos empregadores. |
| R | Os senhores devem se recordar muito bem de que a estabilidade decenal não foi extirpada do ordenamento jurídico de uma vez só no Brasil. Colocou-se a opção de você ser contratado, em 1966, pelo regime do FGTS ou pela estabilidade decenal. (Soa a campainha.) O SR. RENAN BERNARDI KALIL - Qual foi a consequência disso? Ninguém mais no Brasil, a partir dali, foi contratado pelo regime da estabilidade decenal, porque não existe essa escolha, porque essa liberdade que é tão mencionada nas relações entre desiguais fica completamente mitigada. Então, se o direito do trabalho, se a normativa trabalhista for colocada como uma opção para os empregadores, não resta dúvida de que seremos, como o Dr. Gustavo mencionou, uma nação de pejotizados. E os impactos trabalhistas foram mencionados, e os fiscais, nesse estudo que a Dercylete menciona e que foi realizado pelo Naldenis e pela Larissa, estudo esse fundamental para informar o nosso debate, porque ele traz essa relevância do que vai acontecer com a previdência, com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. É importante a gente lembrar momentos recentes da história do país, Senador, em que o direito do trabalho, ainda que não de forma direta, teve um papel fundamental nisso. Eu estou falo isso pensando nas últimas eleições, em que a gente teve situações em que diversos empregadores atuaram de forma a influenciar os votos dos seus empregados, numa atuação que o Ministério Público do Trabalho denominou como "assédio eleitoral". Se a gente só tiver pejotizados nas empresas, veja, Senador, a pessoa jurídica não vota. Pessoa jurídica não tem capacidade eleitoral. São essas as consequências, para além das mais óbvias como falta de limitação de jornada, salário, décimo terceiro, essas questões de igualdade salarial, que a gente precisa também vislumbrar. O próprio Tribunal Superior Eleitoral tratou dessa situação com preocupação em face das atitudes que os empregadores estavam tomando à época e da importância da atuação para assegurar com que os trabalhadores pudessem exercer o seu direito a voto de forma livre. São questões como essas que são importantes de mencionar. Recentemente, Senador, para ilustrar também, eu acho que todos nós estamos trazendo alguns casos que mostram como essa pejotização está completamente distante desses princípios abstratos que querem trazer para o debate, como esse da liberdade e organização produtiva dos cidadãos, teve um caso que foi cassado, por meio de uma reclamação constitucional, de uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho ajuizada no Paraná, em que uma empresa de transporte decidiu tornar pessoas jurídicas todos os trabalhadores que atuavam no seu setor administrativo. Então, ela mandou todos esses trabalhadores embora no dia 10. E, no dia 11, eles chegaram na empresa, continuaram fazendo a mesma coisa. Só que, magicamente, eles deixaram de ser trabalhadores celetistas e tiveram o seu TRCT apresentado no dia 10; no dia 11, foram contratados todos como pessoas jurídicas. |
| R | E a gente está falando de um grupo de trabalhadores que são centrais à empresa, porque, enfim, todos continuaram prestando serviço. A gente está falando de trabalhadores que não têm uma média salarial alta, a gente está falando de trabalhadores que não tiveram a opção de falar: "Quero continuar como empregado registrado por meio da CLT". Era isso ou perder o trabalho, porque a realidade que se coloca nessa opção é esta: ou você não ser contratado no momento da admissão ou, então, ser dispensado, ter o contrato finalizado. É esta a opção que existe: aceite ou deixe de trabalhar para mim. E a consequência de "deixar de trabalhar para mim" é: "Vou deixar de ter meu meio de subsistência, porque a minha força de trabalho é tudo que eu tenho para poder sobreviver". Tem outros pontos também, Senador, que eu queria só mencionar, mas estou vendo que meu tempo já está chegando no final. O Brasil, consagrando uma situação de ampla, irrestrita e total pejotização, nós vamos estar desafiando precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e expondo o Brasil à possibilidade de ser demandado no Sistema Regional de Direitos Humanos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Parecer Consultivo 27, coloca que o acesso à Justiça, em termos de direitos trabalhistas, tem como elemento fundamental existir uma jurisdição especializada com competência exclusiva para lidar com matéria trabalhista e que o ônus da prova, que também é uma das questões controvertidas... (Soa a campainha.) O SR. RENAN BERNARDI KALIL - ... que vão ser tratadas no Tema 389, deve ser analisado tendo em vista todas as peculiaridades das relações de trabalho. Nós temos um leque razoável de direitos trabalhistas previstos na Convenção Interamericana de Direitos Humanos que vão ser impedidos de ser gozados pelos trabalhadores se a gente consagrar esse modelo de pejotização ampla, total e irrestrita. Então, me parece que estamos, e finalizo com isso a minha fala, num momento de definir o futuro do trabalho no Brasil, Senador. De: ou a gente relembrar, reforçar e retomar a importância da primazia da realidade, das peculiaridades do direito do trabalho, para que as normas trabalhistas sejam aplicadas independentemente do que se diga o que elas são; ou a gente consagrar um belíssimo modelo de faz de conta em que o direito não vai servir para absolutamente mais nada do que senão legitimar esse tipo de fraude. Agradeço novamente o convite. E vamos conversando, Senador. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Renan Bernardi Kalil, Coordenador Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Meus parabéns, Dr. Renan. Nós estamos debatendo, aqui no Congresso - acho que o senhor já participou; a Anamatra, com certeza; e outras entidades também -, o que nós chamamos de "Estatuto do Trabalho" ou "Nova CLT", mas com todo um cuidado para avançar e não retroceder. Por que estou há cinco com o Estatuto? Eu sou o Relator. Se eu botar para votar, piora o que nós temos hoje aqui. Então, estou discutindo com a sociedade, inúmeros setores estão trabalhando juntos, e vamos construindo. Eu soube que, essa semana, a Câmara também criou um grupo de trabalho para discutir o mundo do trabalho. Nós temos que nos preparar para essa linha que V. Sa. retratou muito bem. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Ah... Das plataformas. Enquanto nós estamos indo para trás, eles estão avançando. O SR. RENAN BERNARDI KALIL (Fora do microfone.) - Eles estão avançando. Pois é. Nós estamos na contramão do processo civilizatório, lamentavelmente. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Mas vamos avançar, vamos resistir. Resistir é preciso, né? O SR. RENAN BERNARDI KALIL (Fora do microfone.) - Estamos aqui resistindo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Isso. Como nosso último painelista, como se fosse o primeiro, porque o debate está muito firme, Dr. Tiago Ranieri, Diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT). O SR. TIAGO RANIERI (Para expor.) - Bom dia a todas as pessoas presentes. Cumprimento toda a mesa na pessoa do Senador Paulo Paim, que é um grande aliado, parceiro, como já foi dito por todos os outros colegas que me antecederam, Constituinte. Falar depois de todo mundo, de todos esses especialistas, Senador, é difícil, porventura terei que trazer alguma coisa para acrescentar, mas, ao mesmo tempo, fácil, porque muita coisa importante já foi falada. Inicio a minha fala, citando uma frase de Foucault, um filósofo francês que é a minha base acadêmica, vamos assim dizer, que falava que "o saber não é feito para compreender; o saber é feito para cortar". Então, não se justifica uma guerra, não se justifica uma pejotização, uma terceirização, uma precarização. Essas informações que foram trazidas pelos colegas que me antecederam não são para nossa compreensão apenas. Tem que trazer um corte, um corte físico, nesta Casa Legislativa, um corte físico nas instituições, porque está havendo um corte físico na vida de cada trabalhador e trabalhadora. E um corte ontológico também na construção desse ser, desse trabalhador, desse homem-empresa, desse empresariamento humano. Isso é um psicopoder que, na realidade, faz parte de uma estrutura neoliberal capitalista, que tem construído sujeitos. À medida que o Supremo traz essa interpretação, fazendo uma pseudoconfusão entre terceirização e pejotização, não deixa de ser também um saber poder que constrói sujeitos, que constrói empresários que acham que, a partir desse saber poder, podem imprimir um contrato de terceirização pautado numa pseudopejotização. Então, é importante, nesta minha fala, trazer essa reflexão crítica para esta Casa, para os participantes aqui deste evento e também uma crítica ao Supremo Tribunal Federal nesse aspecto específico, obviamente, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal que temos. Na condição de representante de uma Associação Nacional de Procuradores, eu tenho um pouco mais de liberdade de fazer essa crítica do que o colega Renan Kalil, que representa a nossa instituição. Então, é importante que tenhamos essa crítica consciente, que a sociedade tenha essa crítica consciente sobre esse saber poder que tem criado subjetividades. Há necessidade de que os Ministros e também os Parlamentares tenham consciência de qual sujeito, de qual país estamos construindo a partir desse saber poder. Recordo também aqui um outro filósofo que é Roberto Esposito, que fala sobre o paradoxo imunitário, quando se usa a imunidade de forma paradoxal, quando se usa um direito individual pautado ou pseudopautado numa coletividade. É o que vemos a partir das interpretações da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, que não é uma interpretação de uma Constituição cidadã, de uma Constituição social; é uma interpretação de uma Constituição econômico-constitucional ou de uma Constituição constitucional-financeirista. Recordo a fala do colega Gustavo, que abordou muito bem esta questão da sociedade do cansaço, citando Byung-Chul Han. E fala muito bem. É muito claro, Dr. Gustavo, esse acoplamento que temos, desde a década de 70, entre a sociedade disciplinar de Foucault, a sociedade de controle de Deleuze e, agora, a sociedade do desempenho, de Byung-Chul Han, que é uma releitura de tudo isso, de Michel Foucault, em que esse empresariamento humano tem transformado pessoas físicas em empresas. E, como bem disse a Dercylete aqui, empresas não têm férias, não têm 13º e não podem ficar doentes. |
| R | Essa sociedade do desempenho tem acarretado um impacto na saúde emocional e psíquica de cada trabalhador pejotizado. Está aí a NR-01, que foi agora atualizada, e mais uma vez foi adiada para o ano que vem. É necessário que este debate também entre junto à pejotização e terceirização, porque esse impacto emocional, na saúde mental, é uma das maiores causas acidentárias, embora haja uma grande subnotificação desse tema. Então, Senador Paulo Paim, a minha fala é muito simples, muito rápida, mas eu trago a preocupação ética de todos os Procuradores e Procuradoras do país. Em nome da nossa Presidente Adriana Augusta, deixo essas simples palavras, esses simples apontamentos, mas apontamentos desconfortáveis, para que a minha fala não seja apenas uma informação, mas gere um desconforto em quem está nos ouvindo, gere um desconforto em quem está sentado aqui, porque tem que haver esse corte. Não estou falando de grandes empresários, de pessoas hipersuficientes, que vão deixar de pagar o Imposto de Renda - e isso, inclusive, tem impacto na Previdência e tem impacto tributário -, estou falando da grande massa populacional, que está sendo precarizada, que não tem o seu patamar civilizatório mínimo garantido. Então, essas são as minhas falas e, mais uma vez, agradeço o senhor pela deferência na aprovação do nosso requerimento, de última hora, por podermos trazer algumas informações aqui para este debate tão importante, nesta Casa. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Tiago Ranieri, Diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho. Como é de praxe, tenho que fazer a seguinte leitura do e-Cidadania, de pessoas que estão acompanhando - algumas são selecionadas para encaminhar à Presidência dos trabalhos. Wendyo, de Pernambuco: "Como a redução dos encargos trabalhistas com PJs afeta o equilíbrio fiscal e o [...] [financeiro] de políticas sociais?" Praticamente isso foi respondido pelo conjunto de falas que foram feitas. Ana, de São Paulo: "Como podemos estruturar um sistema eficaz de monitoramento e fiscalização das condições de trabalho dos profissionais pejotizados?" Aqui já, também, na fiscalização, todos apontaram qual é o caminho. Júlia, do Rio Grande do Sul: "Como o Judiciário tem se posicionado diante da crescente pejotização no Brasil?" O Supremo Tribunal Federal é o maior exemplo. Na minha avaliação, um exemplo negativo, mas ele apontou caminhos trancando tudo - não é? - quando tínhamos que decidir de uma vez por todas. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS (Fora do microfone.) - Colaborando com a fraude. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Com a fraude, quando deveríamos deixar a Justiça do Trabalho decidir. Ana, do Paraná: "A pejotização precariza o acesso a direitos como FGTS, INSS e licença-maternidade. Como garantir que esses direitos sejam respeitados?" Não permitindo a pejotização, onde não corresponde a ela. Márcia, de Minas Gerais: "Como garantir direitos trabalhistas e condições adequadas de trabalho com defasagem de auditores-fiscais do trabalho?" Auditores-fiscais do trabalho, falou aqui, recentemente, o Ministério do Trabalho, com o apoio - naturalmente, investindo junto ao Governo do Lula -, que contratou 900 novos fiscais do trabalho. Esse é um dado positivo - claro que precisaria mais ainda. André do DF: "Que medidas podem garantir direitos na pejotização?" |
| R | Foi o palco do debate. Glaucia, de Minas Gerais: "Em um País com poucas vagas de trabalho, como evitar a coação para abrir uma PJ e conseguir [...] [um] emprego?" Forçando a barra, naturalmente. Ou o cara tem que optar entre um e outro - ou o emprego ou aceitar. É isso que nós temos que combater. Raquel, do Rio de Janeiro: "Quais são os impactos da pejotização?" Foi colocado aqui, com números, inclusive, do prejuízo que o país tem, não só a Previdência, mas a própria arrecadação do Governo. Jedaias, de São Paulo: "O cooperativismo será considerado no debate, já que também impacta direitos, condições de trabalho e segurança [...] [pública]?" Foi discutido aqui, o cooperativismo. Você inclusive falou sobre como funcionam as cooperativas. Leonardo, de São Paulo: "Ao apoiarmos essa prática, estamos criando um problema maior, a descaracterização funcional do trabalhador." Podem ver que aqui 100% são contra esse sistema de PJ. Mônica, do Ceará: "Vínculos com pessoas jurídicas [...] [geram] um risco de precarização do trabalho [...] [dificultando o] acesso a direitos básicos assegurados pela CLT." Aqui é comentário que mandaram para cá. Gustavo, do Paraná: "Com a pejotização quem perde é o funcionário, pois é uma forma de camuflar os direitos trabalhistas conquistados com muito esforço!" Ainda, Anderson de Minas Gerais - a maioria é comentário: "Direitos trabalhistas serão perdidos, as empresas terão seu custo reduzido, e a Previdência perde uma de suas principais fonte de [...] recursos." Valdinei, de São Paulo: "Desde que se iniciou este processo [...] [da pejotização] não houve melhora nenhuma aos trabalhadores. Apenas precarização do que já era precário." Vitor, do Rio de Janeiro: "Acredito que uma solução seria um imposto gradativo, isentando nos primeiros três meses de experiência os custos de contratação e encargos." É um comentário. Nós estamos com um problema de horário, mas assim mesmo, àqueles que resistiram até agora e que falaram, eu daria dois minutos para cada um, para uma saudação final do nosso evento de hoje, que para mim foi um sucesso, viu? Mas, na fala de dois minutos - que podia ser minha, eu podia falar 20 daí -, mas dois, três minutos cada um, eu me darei contemplado, e aí eu encerro os trabalhos. Começamos com quem? Eu acho que eu olhei para o senhor, não é? Deixa-me ver aqui. Vou ver lista aqui. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - Parabéns... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Para ter um critério, só um minutinho. Eu vou pela lista, para ver quem está presente. Vamos ver. Augusto César Leite de Carvalho. (Pausa.) Está virtual. É o Ministro. Ele teve que sair. Clóvis Fernando Schuch Santos. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS (Para expor.) - Parabéns, mais uma vez, Senador Paulo Paim, por trazer este debate ao Senado, tão importante, pelo presente e pelo futuro, para todos os trabalhadores e para a sociedade. Nós já vimos que o maior problema dessa falsa modernização é um retrocesso histórico e a institucionalização da fraude, com o que não podemos compactuar de forma nenhuma. Precisamos avançar no processo civilizatório. Mais proteção, como agora estamos vendo nos países da Europa, onde os trabalhadores plataformizados estão sendo reconhecidos como empregados. |
| R | Aqui também temos que reconhecer direitos. Não podemos fazer esse retrocesso. É inadmissível. Então, acho que é essa força e essa resistência que fará a mudança. E que o Supremo deixe a Justiça do Trabalho trabalhar... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - ... que nos deixe fazer o nosso papel dentro da Constituição Federal e das leis e deixe o Congresso fazer as leis, porque ele hoje está se arvorando, fazendo muito mais do que deveria. (Soa a campainha.) O SR. CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS - Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. De imediato, Magda Barros Biavaschi. Está à distância? A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Por videoconferência.) - Estou aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Está aqui. Dra. Magda, por favor. A SRA. MAGDA BARROS BIAVASCHI (Para expor. Por videoconferência.) - Agradeço profundamente esta possibilidade de estarmos aqui nesta audiência pública essencial, fundamental, e estamos confiantes, Senador Paim, de que, com esta audiência pública, com os elementos que ela traz, inclusive com as pesquisas científicas que ela invocou, o Supremo, guardião da Constituição Cidadã, que condiciona o exercício da livre iniciativa ao valor social do trabalho, instituição essa que se tem mostrado essencial à democracia brasileira e à lisura do pleito, não ficará alheio à caminhada que aqui foi relatada. E, nesse processo, não adotará, confiamos, a via regressiva dos direitos e das garantias às pessoas que trabalham, contribuindo para que a pejotização se espraie e, de exceção, se torne a regra por meio de uma justificação pseudocientífica, altamente ideológica e que não resiste à uma análise prática e muito menos teórica, como as evidências desnudam aqui, lá e acolá. Cenário em que, como o meu orientador Belluzzo querido apontou, difunde-se a ideia de que a liberação das forças que impulsionam a acumulação do capital seria um "movimento irreversível", entre aspas, em direção ao progresso e à realização da autonomia do indivíduo, cantos de sereia que subjugam coração e mentes e o Supremo, nesse canto, não se aprofundará. Lembremos com Francisco de Oliveira, que quando se retira do mesmo espaço semântico aqueles que dissentem, os invisibilizados, os ditos pejotizados, por um modelo excludente, as sociedades se "desdemocratizam" e correm o risco de se totalizarem. É um alerta. E confiamos, Senador Paim, que o Supremo ouvirá esse brado. Muito obrigada por sua iniciativa e estamos atentos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Obrigado, Dra. Magda. Dr. Marco Aurélio Marsiglia Treviso. (Pausa.) Acho que já saiu, não é? Porque tinha outro compromisso. Renato Bignami. Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Está aqui. O SR. RENATO BIGNAMI (Para expor.) - Quero, uma vez mais, Senador, agradecer a oportunidade, enaltecer, enfim, à medida que foi proposta por V. Exa. de trazer este debate, uma vez mais, para a sociedade - uma oportunidade única. Enfim, extremamente feliz de uma vez mais propiciar que todas as autoridades que estiveram presentes acrescentassem diversos argumentos, diversos dados, diversas informações que podem ser oferecidas para a sociedade brasileira. Então, pensar que, obviamente, o momento é desafiador, mas a oportunidade é extremamente positiva de trazer esse debate à tona. |
| R | Eu termino a minha fala da maneira como eu comecei, invocando a frase de Karl Marx, de 1848, no sentido da inafastabilidade do tempo e da necessidade, obviamente, de todos nós nos atualizarmos sempre... (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - ... mas de dizer que nem toda novidade o é de verdade, não é? Há casos que já vêm sendo discutidos há muito, muito, muito, muito tempo e nem tudo que é novo, efetivamente novo, é necessariamente positivo e vai nos trazer progresso para a nação. Então, é com esse espírito que o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho conclama toda a sociedade e, principalmente, as autoridades judiciárias de nosso país. Muito obrigado e bom dia a todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Dr. Renato Bignami. Como eu estou acelerando aqui agora, seguindo a lista da Mesa, Dercylete Lisboa Loureiro. O tempo é sempre três minutos. A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO (Para expor.) - Então, Senador Paim, quero mais uma vez agradecer. A inspeção do trabalho está a postos, atenta, vigilante, perplexa, mas com esperança de que as coisas voltem ao lugar de onde nunca deveriam ter sido retiradas. Nós estamos hoje no eSocial, que é o grande repositório dos empregados do país, com 44.773.117 trabalhadores e trabalhadoras empregados. A prosperar esta visão, nós estaremos precarizando a vida de 44 milhões de trabalhadores, porque, como foi dito aqui, no dia seguinte a essa decisão, que não acontecerá, aconteceria, tenho fé nisso, essas pessoas seriam convidadas ou impostas a se tornarem MEIs, pessoas jurídicas, ou seja, a fraude se estabeleceria. (Soa a campainha.) A SRA. DERCYLETE LISBOA LOUREIRO - Então, muito obrigada por essa oportunidade. Estamos à disposição para novos encontros. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dra. Dercylete. Dr. Renan Bernardi Kalil, por favor. O Presidente do Senado me avisa que o meu projeto talvez eu consiga votar ainda se eu chegar lá, no máximo, em dez minutos. Eu acho que vai dar, vai dar, vai lá. Então, os seus três minutos. O SR. RENAN BERNARDI KALIL (Para expor.) - Vou fazer mais rápido, Senador. Queria deixar registrado o agradecimento também, Senador, e colocar que o Ministério Público do Trabalho, desde o início em que foi reconhecida a repercussão geral do tema e que foi determinada a suspensão nacional dos processos, expressou a sua preocupação. Foi emitida uma nota do MPT logo no dia 16 de abril a respeito desse tema, trazendo os problemas que a gente via e expressando a nossa esperança de que o tema fosse tratado da melhor forma possível pelo Supremo. Esse tema da pejotização vem sendo uma realidade nossa. A gente fez um levantamento de dados, Senador, entre 2014 e 2024, que a quantidade de denúncias recebidas por ano pelo MPT quintuplicou; então, é um problema que vem aumentando e eu acho que a expressão desse aumento das denúncias que a gente vem recebendo demonstra isso. |
| R | Quero parabenizar a realização desta audiência, porque... (Soa a campainha.) O SR. RENAN BERNARDI KALIL - ... é importantíssimo que o Legislativo brasileiro, o Senado Federal em específico, entre nesse assunto, debata, porque, quanto mais atores, enfim, estejam se apropriando desse tema e colocando o seu posicionamento, suas preocupações, parece-me que contribuiremos mais para que o STF tome a melhor decisão possível e preserve o elementar do direito do trabalho nesse caso. Obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Renan Bernardi Kalil. Dr. Tiago Ranieri, por favor. O SR. TIAGO RANIERI (Para expor.) - Bem rápido também, Senador, agradeço a oportunidade em nome da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho. É importante fazer o registro de que, de cada dez anos do nosso país, sete são de escravidão. Em prevalecendo a precarização, a pejotização, tendemos a aumentar, a ampliar essa quantidade de escravidão, de "precariado" na história do nosso país. E a ANPT está atenta, atuando não somente aqui, na Casa Legislativa, mas também junto ao Executivo, junto ao sistema de Justiça, ao STF. Quero parabenizá-lo pela iniciativa de sempre estar nos ouvindo. Acho que V. Exa. é o Senador que mais proporciona audiências públicas aqui, nesta Casa. E, como vivemos num mundo da "desescutação", quando temos de uma autoridade pública essa possibilidade de nos escutar, isso é algo muito nobre e de muita honra. Parabéns, e muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Sou eu que agradeço ao Dr. Tiago. Por fim, Gustavo Ramos, representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. O SR. GUSTAVO RAMOS (Para expor.) - Pois não, Senador Paulo Paim. Também em nome da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, gostaria de agradecer enormemente a oportunidade, louvar a realização desta audiência pública fundamental e, em uma mensagem muito simples, numa frase única, dizer que é impossível que a democracia coexista com o universo gritante de trabalhadores excluídos do sistema de proteção social previsto na Constituição de 1988. Estimamos que o Supremo Tribunal Federal vai se sensibilizar e analisar, até mesmo racionalmente, esses aspectos todos que foram apresentados aqui, nas inúmeras falas relevantes, a afetação e o prejuízo ao Estado democrático de direito e, sobretudo, que não podemos transformar trabalhadores em CNPJs. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Passo a palavra agora, para o encerramento, ao Dr. Ricardo Carneiro. O SR. RICARDO CARNEIRO (Para expor.) - Muito brevemente, Excelência, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e este advogado aqui, como cidadão, agradecem a iniciativa e o convite feito para participação neste marco histórico neste debate. E, já aceitando o convite de setembro, digo que estaremos sempre à disposição do diálogo social franco, democrático sobre esse tema, não só em todos os órgãos, em todos os ambientes possíveis, mas também dentro do Supremo Tribunal Federal. A CUT já se habilitou nos autos como amiga da corte e teve a sua habilitação deferida agora, nesta semana. Então, nós estaremos lá e vamos levar, neste processo também, a voz dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Ricardo Carneiro. Aproveitando o seu gancho, no dia 29 de setembro nós nos encontraremos no Plenário do Senado. Nada mais havendo a tratar - esta audiência pública atingiu todos os seus objetivos -, declaro encerrada a presente reunião. (Iniciada às 9 horas e 01 minuto, a reunião é encerrada às 12 horas e 27 minutos.) |

