Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 13ª Reunião da Comissão de Educação e Cultura da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza neste dia, 26 de maio de 2025. Comunicado. Com pesar, informo que faleceu ontem, em São Paulo, o ex-Deputado Estadual Marcos Martins, um grande parceiro do nosso mandato. Isso foi uma comunicação do Gilmar Tato.... (Pausa.) Do Nilto Tatto, que é o autor do projeto, e eu sou Relator. Então, devido a isso, o Deputado Nilto Tatto não está presente e desloca-se, neste momento, para o velório. Vamos para a nossa reunião. Objetivos e diretrizes da reunião. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de instruir o PL 4.752, de 2019, que institui o Dia de Luta da População em Situação de Rua, em atenção ao Requerimento nº 107, de 2024, de minha autoria. Convido, de imediato, para tomar assento à mesa, o Sr. Gabriel Sampaio, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. Seja bem-vindo, Gabriel, nos conhecemos de longa data. Convido também o Sr. Cleyton Luiz da Silva Rosa, Coordenador-Geral de Políticas para os Direitos da População em Situação de Rua, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Seja bem-vindo, Cleyton, representando o Ministério dos Direitos Humanos. Venham se sentar um de cada lado aqui, se puderem. (Pausa.) Já confirmou também, remotamente, o Sr. José Rubens Plates, Procurador da República e Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Adjunto, em São Paulo. Então, feita a leitura. São inúmeros convidados, outros estão chegando, outros entrarão à distância. Informo também que foi convidado o representante da Secretaria de Desenvolvimento Social do Governo do DF (Sedes/GDF), que não pôde comparecer por motivos justificados. Antes de passar a palavra aos nossos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por dez minutos. Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares que quiserem fazer perguntas ou eu farei perguntas pelo e-Cidadania, já tenho aqui algumas perguntas. |
| R | Antes de passar a palavra, eu faço a minha fala de abertura dos trabalhos. Em seguida, vou passar para o Sr. Gabriel. Audiência pública sobre o Dia da Luta da População em Situação de Rua. Senhoras e senhores, esta audiência pública da Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal, presidida pela nossa querida e grande Senadora Teresa Leitão, que me pediu que eu presidisse como autor do requerimento - desde já agradeço à Senadora Teresa Leitão -, tem como objetivo debater o Projeto de Lei nº 4.752, de 2019, que trata da instituição do Dia da Luta da População em Situação de Rua. Esse projeto é de autoria do Deputado Federal Nilto Tatto e tem este Senador que vos fala como Relator nesta Comissão. A proposta procura dar voz, abrir os olhos e fazer ouvir a luta de brasileiras e brasileiros que vivem em situação de rua, sujeitos a todo tipo de violência, maus-tratos, humilhação e outras violações de direitos, como a própria alimentação e o direito de viver com dignidade. São pessoas com direitos condicionais, direito ao respeito, à vida e à dignidade. Mesmo assim, a população em situação de rua se reúne em movimentos sociais, organizações e luta por seus direitos, como foi exemplo aqui este tema: Movimento Nacional de População em Situação de Rua. A maioria dessa população sobrevive como catador de materiais recicláveis, sendo responsável pela maior parte do material reciclado coletado no país, assim colaborando com a saúde, o meio ambiente e a própria vida de todos. Conforme o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), do Governo Federal, em março deste ano, o número de pessoas vivendo em situação de rua em todo o Brasil chegou a 335.151 pessoas. Se comparado ao registro de dezembro de 2024, quando havia 327.925 pessoas nessa situação, houve um aumento de 0,37% no primeiro trimestre deste ano. Esses dados que aqui citei são do informe técnico de abril do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais. O estudo foi feito com base nos dados disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) sobre o CadÚnico. Isso é apenas uma introdução que faço para aqueles que estão nos assistindo e nos acompanhando. A assessoria me lembra que chegou o Sr. Tiago Kalkmann, Defensor Público do Distrito Federal e membro da Comissão de População em Situação de Rua da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. |
| R | Convido-o para que venha à mesa, por gentileza. Chegou também a Sra. Alyne Alvarez Silva, Coordenadora de Projeto da Coordenação-Geral de Proteção Social Especial de Média Complexidade do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Também convido a Sra. Alyne Alvarez Silva, para que esteja à mesa. Chegou também a Sra. Julia Mezarobba Caetano Ferreira, Analista Sênior da Coordenação-Geral de Proteção Social Especial de Média Complexidade do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Convido a Sra. Julia para que venha também à mesa. De imediato, vamos ao primeiro convidado, que está pronto para usar da palavra. Passo de imediato a palavra ao Sr. Gabriel Sampaio, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. Quero só dizer que o Gabriel é calejado aqui no Senado, já foi assessor partidário de inúmeros Senadores e, com alegria, está agora nessa outra função e, quando o convidamos, ele se faz presente. É uma alegria revê-lo aqui mais uma vez, com toda a competência que V. Sa. tem. O SR. GABRIEL SAMPAIO (Para expor.) - Muito bom dia, Senador. Gostaria de agradecê-lo pelo convite e cumprimentar todas as pessoas que fazem parte deste debate, o público que nos acompanha. Senador, tenha sempre a certeza de que o chamado do Senado Federal, especialmente com a oportunidade de estar ao lado de V. Exa., é algo que me dignifica muito, e marca sempre a minha trajetória poder estar ao lado de uma figura parlamentar tão importante para a história do nosso país e da nossa população negra. Então, agradeço, mais uma vez, a oportunidade. Aqui, estamos tratando de um tema absolutamente meritório para todas as pessoas que atuam com os direitos humanos. É uma responsabilidade grande, enquanto representante de uma organização que, há mais de 20 anos, atua na defesa dos direitos humanos, na perspectiva de quem neste momento não atua diretamente nas políticas públicas, mas se sente na responsabilidade de atender a todos os chamados que digam respeito à valorização desse grupo populacional que é tão importante para a nossa democracia e para a realização dos direitos humanos. Estamos vivendo uma quadra histórica que nos gera profunda consternação, preocupação e mobilização. Lamentavelmente, vivemos um período - em nível nacional, mas também em nível global - de uma escalada contra os direitos humanos, contra os direitos e garantias fundamentais. V. Exa., Senador, acompanha isso no seu cotidiano, especialmente por ser tão ligado à pauta. |
| R | Estamos, lamentavelmente, num momento em que estamos perdendo a capacidade de diálogo, a capacidade de identificar, nos direitos humanos, aquele elemento essencial que é capaz de unir toda a sociedade. Isso é um ponto importante, isso independe daquilo que possa ser a preferência futebolística, político-partidária, as preferências ideológicas. Nós construímos, já há alguns séculos, essa dimensão de que é por meio da garantia institucional e de convivência social, pautada pelos direitos humanos, e dos direitos e das garantias fundamentais que é possível estabelecer o território fértil para que a sociedade disponha sobre aquilo que sejam seus principais interesses - de desenvolvimento, de cultura, de economia. Os direitos e as garantias fundamentais passam a ser uma base essencial para nos afastar, enquanto humanidade, das tragédias que, infelizmente, construímos ao longo da nossa história, tragédias associadas a toda sorte de genocídio, de etnocídio, a guerras em proporções incalculáveis, à perda de vidas humanas e, sobretudo, àquilo que diz respeito à dignidade. A redução da condição de dignidade de qualquer ser humano fez com que nós, enquanto humanidade, precisássemos estabelecer um sistema de direitos e garantias fundamentais que tivesse, como prisma fundamental, o reconhecimento da dignidade e, portanto, de uma série de direitos e garantias fundamentais que nos protegessem daquilo de pior que nós, enquanto seres humanos em sociedade, podemos produzir. Nós temos que lamentar que, nesta quadra histórica, lamentavelmente, Senador, nós estamos revivendo os momentos mais sombrios daquilo que as nossas sociedades e os grupos mais poderosos podem fazer contra a dignidade de determinados seres humanos. Não que isso tenha cessado, não é? Nós, especialmente, pessoas negras, sabemos, pela nossa trajetória em solo nacional e também em nível internacional, o quanto as ameaças e os abusos de direitos humanos nos afetam no nosso cotidiano. Essa luta sempre foi presente no nosso dia a dia. Os abusos e tudo aquilo que o poder pode gerar de opressão contra grupos vulnerabilizados nós experimentamos no nosso cotidiano, sem descanso. Mas nós estamos num ciclo histórico em que isso se torna mais agudo porque bases fundamentais para a sustentação dessa institucionalidade estão cada vez mais sitiadas e ameaçadas. Nós podemos identificar isso muito rapidamente, analisando o noticiário, analisando o histórico que nós estamos vivendo. E nós nos deparamos aqui com uma proposta legislativa que visa a reconhecer a luta da população em situação de rua. Nós temos aqui pessoas muito credenciadas para falar desse protagonismo. Eu, no meu lugar de fala, Senador, vou me recordar de muitas das lutas das quais participei na minha trajetória, muitas delas iniciando nesse contato com Diogo de Sant'Ana, que é uma figura com quem eu tive a oportunidade de conviver e que me demonstrou, à época em que atuei na administração pública, os reais compromissos que nós precisamos firmar em qualquer espaço que nós possamos ocupar - eu sou parte dessa geração do Diogo -, o quanto é importante nós termos lealdade aos compromissos históricos que nos fizeram estar aqui. |
| R | Muitas vezes, o processo político e social faz com que a gente tenha dificuldades de avançar em determinadas matérias, nós também vivemos uma série de dificuldades e ameaças na luta dos direitos humanos, mas nós não podemos perder o compromisso com aquelas pessoas que fazem com que nós sejamos não só quem nós somos do ponto de vista político, mas os seres humanos que somos. Toda vez que nós negamos um olhar, toda vez que nós negamos atenção a uma pessoa que vive numa condição de vulnerabilidade, a uma pessoa que luta pela sua dignidade, nós também perdemos um pouco da nossa dignidade. E, muitas vezes, o poder, os espaços com os quais nós convivemos, a disputa difícil do dia a dia, da luta dos direitos humanos, nos fazem, algumas vezes, cair nas armadilhas de responder mal às principais demandas e às demandas de uma população que demanda cada vez mais a unidade da atuação e do trabalho das pessoas que defendem direitos humanos. Uma pessoa que vem da cidade de São Paulo para Brasília sabe o quanto a maior economia do nosso país, para citar um exemplo, tem tratado com desprezo, com violência, com negação de direitos a população em situação de rua. O exemplo mais concreto, para além de tudo que possa ser dito no campo institucional, é dado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que recebe uma arguição de descumprimento de preceitos fundamentais para tratar daquilo que se chama de estado de coisas inconstitucional, que diz respeito às políticas públicas relativas à atuação da população em situação de rua, Senador. O Supremo Tribunal Federal, recebendo essa arguição, acabou, em caráter liminar, reconhecendo o quanto há de falência do Estado na efetivação desses direitos e garantias fundamentais. E é nesse ponto que eu gostaria de concluir, Senador. O Estado, quando reconhece que há essa quantidade tão absurda de bloqueios institucionais para a realização de direitos, está reconhecendo falhas que são das diversas esferas de atuação da institucionalidade. E aqui nós temos exemplos que são difíceis até de relatar para aquelas pessoas que começam a estudar a trajetória dos direitos... (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... como o Estado reconhecendo a necessidade de que se efetivem medidas para que as pessoas em situação de rua tenham direito de acesso a abrigos, tenham apoio da vigilância sanitária, que se proíba o recolhimento forçado de bens e pertences. É inaceitável que o Estado tenha esse tipo de prática, prática que não garante acesso mínimo à saúde, acesso mínimo à dignidade. Pessoas que têm seus pertences despojados porque não são reconhecidas na sua dignidade. E aqui eu gosto de dar o exemplo... Eu trato do exemplo da ADPF dialogando com esse projeto de lei, Sr. Senador, por quê? O projeto de lei é uma disputa fundamental para este Parlamento que é reconhecer a luta da população em situação de rua, escolhendo uma data, uma data importante, porque é a data em que o Estado, novamente o Estado de São Paulo, o estado de onde eu vim, pratica e é conivente com mais uma violência praticada contra pessoas em situação de rua, na Sé, que é um dos territórios mais originais da cidade de São Paulo. |
| R | Se esse dia de luta representa um desses abusos do estado, este projeto de lei e a aprovação desta proposta legislativa recuperam algo que o movimento e os defensores de direitos humanos querem resgatar aqui, que é o protagonismo dessa população, que precisa. Nós, como pessoas que vivemos em sociedade, precisamos reconhecer essa data, essa luta. (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - E nós, dentro da institucionalidade da luta dos direitos humanos, precisamos reconhecer esse protagonismo na construção das políticas públicas, e é isso que está endereçado para o estado hoje. Reconhecer a data é também reconhecer o protagonismo daqueles que contribuíram para a construção das políticas públicas. A ADPF trata de uma série de desorganizações na atuação institucional, descumprimento de decreto já editado desde 2009 e falta de efetivação de direitos. Que a data seja uma oportunidade para que nós pessoas em sociedade e toda a institucionalidade voltemos a atenção e o olhar para o protagonismo e a necessidade de exercer e de garantir as políticas públicas que reconhecem a dignidade da população em situação de rua no Brasil. Muito obrigado, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Meus cumprimentos a você, Gabriel Sampaio, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos, que, já na primeira fala, faz uma introdução sobre a importância das políticas humanitárias, neste caso, à população de rua. Permitam-me que, como o Tatto não pôde estar aqui, ler só o primeiro parágrafo da justificativa que você descreveu muito bem. Justificativa do projeto, só vou ler cinco linhas: Entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, na cidade de São Paulo, ocorreu a barbárie conhecida como a "Chacina da Praça da Sé", quando 15 pessoas em situação de rua foram cruelmente atingidas na cabeça por fortes golpes enquanto dormiam e sem possibilidade de defesa, levando a óbito sete delas. O caso teve repercussão internacional. Por isso, o Gabriel discorreu muito bem a data do Dia Nacional da Luta da População em Situação de Rua, que seria, sendo aprovado o projeto, porque esse é o objetivo também desta reunião, no dia 19 de agosto. É isso? Então, parabéns pela fala. Meus cumprimentos. De imediato, passo a palavra ao Deputado Federal Reimont, Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua e Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minoria e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados. Deve participar, pela informação que eu tenho aqui, de forma remota. Está ele aí. É com você, Deputado. Não estamos ouvindo. (Pausa.) |
| R | O SR. REIMONT (Bloco/PT - RJ. Para expor. Por videoconferência.) - Agora me ouvem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Perfeito! É com você. O SR. REIMONT (Bloco/PT - RJ. Por videoconferência.) - Muito obrigado. Senador Paulo Paim, quero cumprimentá-lo e deixar o meu abraço carinhoso ao senhor, que é nossa referência na luta política, na luta dos aposentados, na luta por um país de mais igualdade, por um país de mais justiça. Eu sou Reimont, Deputado Federal pelo PT do Rio de Janeiro e estou aqui à distância me apresentando. Farei minha audiodescrição: estou usando óculos, sou um homem branco, estou usando uma camisa vermelha com um detalhe preto por baixo. Estou à distância na cidade do Rio de Janeiro e quero agradecer muito este momento deste debate sobre o dia da luta da população em situação de rua. Ouvi atentamente o início dos trabalhos feitos por V. Exa. e também ouvi atentamente toda a fala do Gabriel, muito qualificada. Nós sabemos da importância de demarcar alguns momentos da luta que fazemos. O Deputado Nilto Tatto, que apresenta esse projeto para instituir o dia 19 de agosto, não celebrando, mas lembrando, fazendo memória daqueles dias em que irmãos e irmãs nossas foram assassinados na Praça da Sé e trazendo como marco o dia 19 de agosto para este momento, para ser esse o dia que marca a luta da população em situação de rua. Muito bem disse V. Exa., querido o Senador Paulo Paim, que a população em situação de rua no Brasil hoje chega à marca de mais de 300 mil pessoas, falamos em torno de 330 mil pessoas. Eu falo do Sudeste do país, eu falo do Estado do Rio de Janeiro. O Sudeste do país, os quatro estados - Rio, São Paulo, Minas e Espírito Santo - concentram, para se ter uma ideia, 67% da população em situação de rua do país. A cidade com o maior número de pessoas em situação de rua é a cidade de São Paulo, que chega a quase 90 mil pessoas. Na cidade do Rio de Janeiro, nós temos cerca de 21 mil pessoas em situação de rua. Essa é uma marca muito dolorosa na nossa história e na construção de nossa política porque há também um entendimento - a nossa luta política é para que esse entendimento seja modificado - de que existem cidadãos de segunda categoria, cidadãos e cidadãs que não têm direito àqueles que são os direitos sociais garantidos no art. 6º da nossa Carta Magna, da nossa Constituição Cidadã de 1988. Nós sabemos que desmistificar isso ou destruir esse mito de que há cidadãos de segunda categoria é um pouco tarefa nossa, tarefa da nossa política. Nós fizemos, na última sexta-feira, aqui no Rio de Janeiro, uma audiência pública da Comissão que eu presido na Câmara Federal, a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial e também da frente parlamentar em defesa da política pública para a população em situação de rua do Congresso, essa frente parlamentar mista que eu presido no Congresso Nacional. Fizemos uma audiência pública aqui no Rio de Janeiro, em que tivemos a participação da Secretária Municipal de Assistência Social e também da própria população em situação de rua e dos movimentos que a organizam no país. |
| R | Precisamos recordar que, lá no ano de 2009, o Presidente Lula editou um decreto, o Decreto 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que fala sobre a construção de um programa nacional de política pública para a população em situação de rua. Sabemos que esse programa nacional - embora seja instituído por um decreto federal, um decreto do Presidente Lula à época - precisa ter, nos municípios brasileiros, o que a gente chama de adesão à política, e essa tem sido uma luta constante para que as prefeituras adiram a esse decreto, a esta política, a este programa, para que a dignidade da pessoa humana seja respeitada nos homens e mulheres em situação de rua e para que a gente tenha menos violação de direitos humanos, que é o que essa população tem sofrido no Brasil, em todos os estados. Vimos aí acompanhando ações, atitudes da sociedade. Por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, a tentativa de tocar fogo num homem em situação de rua que dormia em uma calçada; vimos, em Santa Catarina, situações semelhantes; no Estado de Alagoas, a mesma coisa; no Estado de São Paulo, agora recentemente, aquilo que foi o espalhamento da população em situação de rua por uma política nefasta feita pela Prefeitura de São Paulo e pelo Governo de São Paulo. Então é celebrar; ou melhor, relembrar; ou melhor, fazer memória deste dia 19 de agosto, para que nunca mais aconteça, para que nunca mais aconteçam chacinas como a chacina da Sé. A gente criar um dia da luta da população em situação de rua, como propõe o Deputado Nilto Tatto - a quem eu cumprimento com um abraço afetuoso -, é fundamental, fundamental. Nossa Comissão, Senador Paim, nossa Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara Federal enviou a todas as prefeituras, a todas as prefeituras das capitais e a todos os Governadores de estado, um ofício dizendo a eles da importância, tentando movê-los a que eles adiram ao Decreto 7.053, que já vem desde 2009, de modo particular em um aspecto, que é a instituição do Ciampi, o Ciampi-Rua. Aproveito para cumprimentar o companheiro Anderson, nosso companheiro que eu vi que está aí no Plenário do Senado Federal, que é o Coordenador Nacional do Ciampi-Rua Nacional. O Ciampi é o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua. E por que a nossa Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial instou os Prefeitos das capitais e os Governadores dos estados para que eles adiram a esse decreto, a essa instituição do Ciampi? Porque o Ciampi é exatamente a possibilidade de a sociedade participar dos rumos da construção da política. Maria Lúcia Santos, uma companheira nossa, que viveu durante muitos anos nas ruas de Salvador, dizia para nós - a sua fala ficou uma marca da luta da população de situação de rua -: "Não falem de nós sem nós". Portanto, o Ciampi é a possibilidade de a população em situação de rua participar da construção da política pública que dirá qual é o seu destino, dirá qual é a sua possibilidade de adquirir esse status de cidadão pleno, porque é direito de todas as brasileiras e de todos os brasileiros. |
| R | Por fim, Senador Paulo Paim, quero agradecer-lhe muito por este debate, deixar o meu abraço ao senhor e também à Senadora que é Presidente da Comissão que faz este debate, a Senadora Teresa Leitão, nossa companheira querida, aguerrida, lutadora, comprometida, e a todos os membros do Senado Federal que participam desta Comissão. E lembro que nós protocolamos à Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial um pedido, e isso já está quase acertado, de uma solenidade na Câmara Federal, para a qual o senhor está convidado e todos os que participam deste debate também estão convidados, no dia 19 de agosto - 19 ou 20, não tenho a data precisa agora -, para a gente fazer a memória, uma sessão solene para lembrar o dia do Massacre da Sé, esse é um ponto. O segundo ponto é que, naquela semana de 19 a 23 de agosto, na Câmara Federal, no espaço que a gente tem ali de exposição, a gente vai ter uma exposição sobre a população em situação de rua, que é uma marca da nossa Comissão de Direitos Humanos, que completa agora 30 anos, foi instituída em 1995. Portanto, Senador Paulo Paim, deixo aqui meu agradecimento e meu compromisso, como homem que acredita que o Brasil pode ser para todo mundo, que nós não precisamos deixar do lado de fora das políticas públicas nenhum cidadão. Tem muitas coisas a serem feitas, mas nós estamos firmes caminhando juntos, para juntos construirmos essa possibilidade, para que ninguém fique para trás, para que todos possamos caminhar com a dignidade e a plenitude de vida que a Constituição Federal garante a todas as brasileiras e a todos os brasileiros. Deixo meu abraço carinhoso e a minha saudação franciscana de paz e bem a todos os que estão aí acompanhando este debate, tanto no Plenário do Senado quanto também à distância. Grande abraço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Meus cumprimentos. Esse foi o Deputado Federal Reimont, Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua e Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, que fez questão de participar, mesmo à distância, e dando um belíssimo depoimento, relembrando fatos lamentáveis que aconteceram no nosso país, quando pessoas em situação de rua foram covardemente assassinadas. Neste momento, é com muita, muita alegria... Nós todos aqui, não vou dizer que sou só eu, somos admiradores dele. Pode saber que é unanimidade, não só aqui, calculo que para grande parte do povo brasileiro. Eu perguntava para ele, Padre Júlio, "O senhor escolhe o momento", e ele disse "Não, você escolhe". Se depender de mim, ele fala logo, então, porque está todo mundo querendo ouvi-lo. Então, neste momento, é com enorme satisfação que presido a reunião aqui do Senado da República em que vamos ouvir esse líder, um líder dos direitos humanos, da vida, do meio ambiente, da qualidade de vida de cada cidadão, ele que é um lutador permanente. |
| R | Enfim, não se precisa de mais elogios; precisa-se dar a palavra para ele, né? Então, eu passo a palavra, neste momento, ao Padre Júlio Renato Lancellotti, pároco da Paróquia de São Miguel Arcanjo e vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo. Eu vou começar com uma salva de palmas para ele, antes de ele falar, pela história, pela vida e por tudo o que ele representa. (Palmas.) O SR. JÚLIO RENATO LANCELLOTTI (Para expor.) - Eu agradeço muito a oportunidade de estar aqui, no Senado Federal, saudando todos que estão aqui, na pessoa do Senador Paulo Paim. Antes de entrar no assunto, eu queria primeiro falar uma coisinha fora do assunto e queria aproveitar de estar no Senado Federal da República para manifestar a solidariedade ao povo palestino e pedir que o Governo brasileiro seja mais firme e incidente, rompendo relações com o Estado genocida de Israel. É inaceitável ver o genocídio, televisionado em tempo real, do povo palestino. Não se pode lutar pelo povo da rua, no Brasil, em São Paulo, e não ter sensibilidade para o que está acontecendo na Palestina. (Palmas.) Em relação à questão do dia 19 de agosto, o dia de luta da população em situação de rua, eu vivi esse dia e lembro muito como foi esse dia, a hora em que me avisaram do massacre e um segundo massacre, que aconteceu em seguida. O Anderson acompanhou tudo de perto; era Prefeita de São Paulo a Marta Suplicy, era Arcebispo de São Paulo o Dom Cláudio Hummes, in memoriam, que tem que ser homenageado; e nós vivemos aqueles dias, porque não foi só um dia, foram dias seguidos de massacre. E até hoje estão impunes - até hoje estão impunes. Nós vamos ter o dia nacional de luta da população em situação de rua na data de um massacre ainda impune. Eu acompanhei todo o processo junto à irmã Dra. Michael. Nós acompanhamos tudo. Eu acompanhei todos os depoimentos. E, mais, Senador e todos que estão aqui conosco, eu fiz o sepultamento de todos, pessoalmente. E nós tínhamos pedido à Prefeitura de São Paulo e foi aprovado pelo Deputado Estadual, quando era Vereador, Eduardo Suplicy, que se fizesse no Cemitério Dom Bosco, onde foi encontrada a vala dos desaparecidos, e ainda hoje é uma novela que não tem fim. Nesse cemitério foram sepultadas cinco das pessoas em situação de rua. E, para espanto nosso, elas foram exumados, estão nas caixas de exumação, no muro do Cemitério Dom Bosco, e uma das sepulturas não consta, que é a sepultura da mulher, da Maria Baixinha. Não consta no Cemitério Dom Bosco o sepultamento dela, sendo que eu a vi sendo sepultada, acompanhei o sepultamento, e, durante muito tempo, nós fazíamos ali a homenagem a esses irmãos que morreram. |
| R | Não que o massacre tenha terminado, o massacre continua, e ele tomou agora uma nova face que eu gostaria de colocar. Uma primeira questão para mim muito importante: se nós vamos ter um dia nacional da luta da população de rua, que é esse Projeto de Lei 4.752, não adianta ter o dia nacional da luta e não ter a luta. (Palmas.) Não adianta ter um dia nacional de luta e não ter ações, e algumas ações que estão muito fortemente presentes na esteira desse dia, que é de indignação e de coragem, como diz Santo Agostinho - agora lembrando e homenageando o Papa Leão -: "A esperança tem duas filhas [...], [uma é] a indignação e [outra é] a coragem". Então, nós temos que ter indignação do massacre que se fez contra a população em situação de rua, mas a coragem de que a ADPF 976 seja vivenciada no Brasil. Os municípios estão agindo frontalmente contra a ADPF 976, do Supremo Tribunal Federal. Nós estamos vivendo neste momento uma cruzada contra a população em situação de rua. No Sul e no Sudeste do Brasil, chega a ser vergonhoso, desde as campanhas "Não dê esmola, dê cidadania", porque quem dá esmola é o poder público, e muitas vezes as políticas públicas só são a manutenção da miséria. A população de rua cresce numa proporção assustadora: nós chegamos, no Brasil, a mais de 250 mil pessoas em situação de rua, e se pergunta, o Senado Federal deve ter se dado... Quantos municípios no Brasil têm mais de 250 mil habitantes? Termos, no Estado de São Paulo, oficialmente... O dado da prefeitura é de 32 mil pessoas, um dado que está já defasado, do censo. A Universidade Federal de Minas Gerais aponta quase 100 mil pessoas em situação rua, isso só na cidade de São Paulo, que, misteriosamente, diz que a cracolândia desapareceu da noite para o dia. Nós acompanhamos diariamente - está aqui também o Prof. Augusto, que é também da Pastoral de Rua na Arquidiocese de São Paulo - essas pessoas. Então, tem coisas muito importantes: o cumprimento da ADPF; e se a ADPF tem o compromisso de ser assumida pelos municípios ou não. É optativo? É livre? Eu sigo a ADPF se eu quiser? Ou a ADPF tem uma força normativa? Porque a retirada da documentação, de remédios, de roupas, de itens de sobrevivência, isso já é comum. Falar sobre isso é falar sobre o cotidiano da população em situação de rua, que vai ter dificuldade de festejar o dia nacional da população em situação de rua e ter suas roupas, seus documentos, os medicamentos retirados. |
| R | Em algumas prefeituras do Sul do Brasil, como na de Chapecó, estão construindo verdadeiros campos de concentração. O que está acontecendo no Balneário Camboriú, o que está acontecendo em algumas dessas cidades do Sul do Brasil, e que no Sudeste se repete - não saberia dizer exatamente no Norte e no Nordeste, mas no Sudeste e no Sul do Brasil -, é uma campanha de criminalização contínua, permanente, sistemática de um movimento neonazista de criminalização da população de rua. A população de rua é tratada sempre como suspeita, como criminosa. Então, a ADPF tem que ser vivenciada para que não se retirem os documentos. Nós temos ações do Conselho Nacional de Justiça, como tivemos agora em São Paulo, com várias entidades e vários grupos fazendo um mutirão de acesso à documentação. Isso não pode ser episódico. Eu acredito que, através do Senado Federal e do Congresso Nacional, nós teríamos que garantir - garantir - o acesso à documentação muito rápida. A gente tem um problema sério que é o acesso da população de rua ao Gov.br. Como é que a população de rua acessa o Gov.br? Eles têm direitos a benefícios, direitos a se inscrever em programas sociais. Mas a população de rua toda tem smartphone? A população toda tem acesso à internet? A população em situação de rua tem facilidade? Se os cidadãos, em geral, estão tendo dificuldade de acessar o Gov.br, o que dirá a população em situação de rua? Então, teríamos que ter uma proposta muito concreta de um acesso facilitado, vamos dizer assim, como uma cota, semelhante a uma cota. Como é que a população de rua pode ter esse acesso facilitado? Nós temos a experiência, lá no nosso Centro Santa Dulce dos Pobres, de uma agência de valorização do trabalhador e da trabalhadora, onde a população de rua está sendo atendida. Eles ficam surpresos, porque têm acesso ao computador, com fone, com orientação, podem ter acesso. Temos que ter um letramento digital para a população em situação de rua. Eu acho que um movimento nacional, uma frente parlamentar ou o próprio Senado deve propor a alguma dessas grandes empresas de comunicação um programa que facilitasse o acesso à população em situação de rua. Se não, não tem sentido festejar um dia nacional de luta sem garantir direitos básicos que hoje estão todos atrelados ao Gov, e eles não têm acesso. A certidão de nascimento deveria ser mais agilizada, mas também ter muito claro a ADPF, que proíbe a retirada de documentação e de itens de sobrevivência. Uma das coisas que tem chamado muito a nossa atenção é a questão da crise climática. Com a crise climática que nós estamos vivendo, os primeiros a serem atingidos são as pessoas em situação de rua, seja nas altas temperaturas, nas temperaturas atípicas, o sofrimento mental, o que sofre a população em situação de rua por ser exposta a altíssimas temperaturas ou, como agora, a frentes frias, principalmente no Sul e no Sudeste! |
| R | Então essas questões... Por exemplo, as cidades não têm bebedouros. A população de rua não tem acesso a água potável. Como pode não ter acesso à água potável? Então, há questões muito sérias. Eles não têm água, muitas vezes, para tomar o remédio. Muitos dos serviços, como os que existem em São Paulo, por exemplo, eles fecham num determinado horário, e quem não estiver dentro de abrigos não pode, não tem acesso à água, uma vez que todos os bebedouros foram fechados. Então, se tiver o 19 de agosto como dia de luta, tem que estar atrelado a esse 19 de agosto o acesso diferenciado como uma cota ao Gov, algumas providências de socorro imediato à população em situação de rua na crise climática, como, por exemplo, ter bebedouros. E eu pediria muito, pedi isto ao próprio Presidente da República, que a lei contra a aporofobia, que foi aprovada no Senado e, depois, na Câmara Federal e que foi vetada pelo ex-Presidente da República, mas o Congresso Nacional, num acordo, derrubou o veto em dois dias, e a lei foi promulgada, a lei que é conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe a arquitetura hostil, que continua, a arquitetura hostil continua... Nós teríamos que ter uma ação, e eu sugiro a V. Exa., Senador, que nós tivéssemos uma reunião com as grandes empresas, com as grandes construtoras, com as grandes empreiteiras e que fosse assinado um protocolo de cumprimento envolvendo o Ministério Público Federal, um ajuste de conduta, para não ter mais arquitetura hostil, que continua florescendo Brasil afora. Eu pedi ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República que tomasse uma providência, que mandasse todos os prédios públicos federais retirarem a arquitetura hostil. (Palmas.) Todos os prédios públicos federais. Isto poderia ser uma ação movida também pelo Senado da República. É um exemplo. É lei, está no Estatuto da Cidade, é uma emenda no Estatuto da Cidade. Então, que se retirasse toda arquitetura hostil que está nos prédios públicos federais e que isso, depois, pudesse ser multiplicado. Eu devo ter algum tempo ou já devo ter passado, mas há uma última coisa que eu queria dizer. É preciso que o Senado da República também, essa frente parlamentar e uma lei como a de 19 de agosto deixem muito claro o direito à moradia para a população em situação de rua, que, como em todos os programas de moradia do Governo Federal, e alguns já estão fazendo isso, que haja cota e que essas cotas sejam obedecidas, que, também, dentro das políticas de direitos humanos, tenha um capítulo especial para o grupo LGBT que está em situação de rua. As mulheres trans em situação de rua estão sendo dizimadas, assassinadas, torturadas, violentadas de maneira extremamente cruel, e todo o grupo LGBT. |
| R | Que vejam também os imigrantes, nós temos vários venezuelanos nas ruas de São Paulo, colombianos. Encontrei esses dias um rapaz egípcio nas ruas de São Paulo e não há um serviço adequado, que inclusive tenha intérpretes para... Como é que ele fala com o assistente social? Como é que ele é atendido, o egípcio, por exemplo? Eu já encontrei israelense nas ruas de São Paulo e tem os latino-americanos. E, por último, queria lembrar às GCMs (Guardas Civis Metropolitanas), a quem foi dado o poder de polícia, que não arranquem as coisas da população de rua. Que a zeladoria urbana seja disciplinada, que se tenha clareza - a ADPF já coloca isso, mas parece que a ADPF não está bastando. Nós temos sistematicamente, em todos os municípios do Brasil, essa operação, que é chamada pelo povo de Rapa, que retira tudo deles, que tira as carroças, a roupa, a medicação, o documento e que fere, machuca e causa revolta. Nós temos tido várias ações afirmativas de trabalho com o Sistema S, que têm sido muito boas no sentido de franquear os cursos e de fazer cursos com a população de rua. Estamos com ação com o MEC, com o Instituto Popular Paulo Freire, no letramento. Vamos ter, com o Sesi em São Paulo, o EJA, e vamos ter várias ações ligadas à saúde e ao esporte. Implantamos, em São Paulo, o Consultório do Papa Francisco e, junto com a Unifesp, a Santa Casa, a USP, estamos fazendo um pool e a Unifesp vai ajudar a administrar isso. Estamos agora nos últimos preparativos para um consultório só de oftalmologia, porque é uma demanda reprimida, da qual ninguém quer cuidar, não querem nem ver o olhar, nem os olhos da população de rua. Negam o seu olhar e também não cuidam dos seus olhos, e é criminalizada. Então, são várias questões. Imaginem que, em Jundiaí, em parceria com a Diocese de Jundiaí e com a Cáritas e com a Prefeitura de Jundiaí, nós vamos implantar proximamente um pet shop social para a própria população de rua cuidar dos seus pets, e também ser preparada para cuidar dos pets da população, como uma forma de mudar essa visão de criminalização... E, em Aparecida, vamos também implantar, junto com as Irmãs Mensageiras do Amor Divino, o Refeitório do Papa Francisco, por ser ali uma cidade de muitos andarilhos. E eu falei que era a última, mas tenho uma última ainda: que o IBGE assuma o compromisso de fazer o censo da população em situação de rua, porque as próprias prefeituras acabam importando modelos inadequados. O Anderson acompanhou isto, o Prof. Augusto acompanhou isto: muitas vezes, o censo não é verdadeiro e diferencia barracos de barracas e conta, na barraca, uma pessoa só. Então, há muitos problemas metodológicos. |
| R | Por isso, o IBGE não pode se furtar à obrigação constitucional de fazer o censo da população em situação de rua. A população em situação de rua é população brasileira também e, como população brasileira, deve ser recenseada, como todos os brasileiros o são. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Muito bem! Esse foi o Padre Júlio Renato Lancellotti, que nos deu aqui uma aula, digamos, e para todo o Brasil pela TV Senado, Rádio Senado, Agência Senado. Eu tenho ouvido muito do senhor. Tenho ouvido falar muito, e muito bem - porque ninguém tem coragem de falar mal do senhor. Para mim, não falam! (Risos.) Quer arrumar um inimigo? É falar mal do senhor. E ouvir o senhor falar aqui para todo o Brasil com essa clareza, com essa nitidez... E se vê que não é só o discurso fácil; é mostrando fatos: o que se está fazendo e o que podemos fazer, inclusive Executivo, Legislativo, Judiciário, de forma que a lei não seja só uma lei. Lei é para ser cumprida. E V. Exa., com toda a autoridade que tem, mostra o caminho. Eu vou pedir para a minha assessoria, que naturalmente tem acesso a todas as falas desta mesa, e aquilo que for possível nós vamos encaminhar, nesta Comissão ou mesmo em outras Comissões, se for o caso. o.k.? Assessoria... Então, parabéns, Padre Lancellotti. O Brasil todo está feliz. Eu tive a alegria de assinar um documento já para o senhor, viu? Procuraram-me aqui, eu disse: "Toca aí logo. Eu assino. Quantas vezes eu assino?". "Não, só uma chega, Paim." Eu queria assinar mais de uma vez, mas não deu. O SR. JÚLIO RENATO LANCELLOTTI - E está em andamento no Senado o projeto de lei do Senador (Fora do microfone.) ... que criminaliza a aporofobia, equiparando-a à homofobia e ao crime de racismo. É o Senador Randolfe... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Sim, o Randolfe. O SR. JÚLIO RENATO LANCELLOTTI - ... que está com esse projeto de lei, que seria muito bom. O projeto de lei que tornou proibida a aporofobia - o da arquitetura hostil - é do Senador Fabiano Contarato; e o do Randolfe é o projeto de lei que coloca a aporofobia como crime equiparado à homofobia e ao racismo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Parabéns pelo registro. Nós temos contato direto com esses dois Senadores e, com certeza, vamos trabalhar juntos. Muito obrigado, Padre Lancellotti, mais uma vez. Agora, passamos a palavra para o Sr. Tiago - é isso? (Pausa.) Muito bem - a assessoria aqui funciona, viu? Com a palavra o Sr. Tiago Kalkmann, Defensor Público do DF e membro da Comissão de População em Situação de Rua da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep). O SR. TIAGO KALKMANN (Para expor.) - Bom dia a todas as pessoas presentes aqui. É uma enorme satisfação poder participar desta audiência no dia de hoje. Gostaria de cumprimentar a mesa na pessoa do Senador Paulo Paim; agradecer pelo convite realizado à Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos do Brasil (Anadep). Eu sou membro da Comissão de População em Situação de Rua da Anadep e sou também Defensor Público aqui do Distrito Federal, do Núcleo de Direitos Humanos, no ofício de proteção da pessoa em situação de rua. Então, agradeço muito. É uma honra representar a Anadep aqui nesta mesa, e reforço o agradecimento pelo convite. |
| R | Gostaria também de registrar a minha enorme honra de poder estar sentado a esta mesa com o Reverendo Padre Júlio Lancellotti. Realmente, é muito difícil falar depois do senhor... (Risos.) a gente se sente até... (Intervenção fora do microfone.) O SR. TIAGO KALKMANN - É (Risos.). (Palmas.) O SR. TIAGO KALKMANN - Eu me sinto muito honrado, de verdade, de poder estar participando desta mesa com o reverendo. Vou tietá-lo depois da mesa, aqui, o senhor pode me aguardar. Eu gostaria apenas de deixar também o registro, Senador, da importância, como sugestão para as próximas audiências públicas envolvendo a pauta, de que sejam convidados os representantes dos movimentos nacionais da população em situação de rua, para que eles também possam passar a visão de quem tem essa vivência de rua. O Anderson está aqui com a experiência dele, mas eu creio que seria importante... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Em defesa da equipe que organizou... O Cleyton, quando chegou aqui, foi o primeiro a me falar desse assunto. O SR. TIAGO KALKMANN (Fora do microfone.) - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Eu, de pronto, fui falar com a assessoria, porque eu não barro ninguém, pelo contrário, seja quem for, todos serão bem-vindos, mas eles fizeram o maior esforço... Não foi isso que vocês me disseram? Muitos eles tentaram localizar, outros não podiam, mas houve essa vontade. Nem sempre estamos a uma mesa com todos que gostaríamos. Vou dar um exemplo aqui que a população me cobra muito: quantos homens tem nesta mesa e quantas mulheres? O SR. TIAGO KALKMANN - Hã-hã. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Uma. De quem é a culpa? A gente convida as entidades e elas não mandam mulheres, é uma dificuldade enorme, inclusive no movimento sindical, quando eu faço debate com eles - eu sou ex-sindicalista -, sempre tem alguém no Plenário para dizer: por que tem tão poucas mulheres? Mas aí é indicação, então a gente providenciou, fez toda a informação e pedimos que todos que pudessem, participassem. Vão ter outras audiências e pode ter certeza de que, de pronto, eles são convidados, mas temos que encontrá-los. Você tentou? A Ingrid está aqui. O.k.? Só para justificar que não foi falta de boa vontade. O SR. TIAGO KALKMANN - Claro, eu imagino que sim. Realmente, a gente sabe das dificuldades. Como defensoria pública, eu acho que é importante a gente trazer também alguns temas, algumas provocações aqui, então são os ossos do ofício, Senador, que a gente acaba... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Mas isso faz parte. Eu também sou um pequeno provocador. (Risos.) O SR. TIAGO KALKMANN - E essa data do dia 19 de agosto é, realmente, uma data muito triste, principalmente ouvindo os relatos do Padre Júlio, que esteve lá no momento, mas ela é o ápice de um processo que se arrasta há uns 400 anos no Brasil. A gente tem, historicamente, o tratamento da população em situação de rua por meio de repressão e controle. Esse tratamento perdurou desde a época da colônia com ordenações do reino, com a criminalização da vadiagem que veio com muita força durante o Brasil Império. Depois, o início da nossa República foi marcado por uma criminalização exacerbada do que eles chamavam de vadiagem, pessoas que não tinham ocupação lícita. E é importante também trazer aqui, do ponto de vista racial, a importância que isso tem, essa interseccionalidade com a raça porque, a partir do momento em que houve a abolição da escravização de pessoas no país, a vadiagem foi a resposta penal a ser trazida às pessoas que não tinham onde ficar e não tinham um trabalho considerado lícito. |
| R | Tanto é que nós tivemos inúmeros episódios, ao longo da história recente, de internações em casas correicionais de pessoas em situação de rua apenas pela situação de rua; pessoas que eram internadas, presas, não pela prática de nada, mas, sim, pela sua condição pessoal, pelo seu estado. Então, eu sou da academia também, e a gente tem inúmeros estudos. Inclusive, eu cito aqui o estudo do Fernando Afonso Salla e da Alessandra Teixeira sobre vadiagem e prisões correcionais em São Paulo, em que eles apontam a forma como esse movimento de repressão e controle só foi começar a arrefecer no final da década de 80 e na década de 90, quando, na década de 90, a gente tem a criação da primeira equipe de consultório na rua, a criação do primeiro centro de assistência social para pessoas em situação de rua, em Belo Horizonte. E esse processo, que se arrastava há 400 anos, culminou com o 19 de agosto de 2004, com o massacre da Sé. Então, não foi um episódio isolado, não foi uma coincidência, foi o resultado de uma evolução histórica, e é muito triste a gente apontar essa data aqui hoje, principalmente quando nós comparamos as datas das políticas e nós percebemos que precisou ocorrer o massacre da Sé para a aprovação de uma política nacional para a pessoa em situação de rua, em 2009, o que não existia antes. Precisou-se do massacre da Sé para que a atenção especializada à população em situação de rua fosse, de fato, inserida na Política Nacional de Assistência Social. E eu pergunto e deixo mais uma provocação aqui: o que mais será necessário para que essa política avance? Porque nós tivemos essas mudanças no final dos anos 2000, mas, de lá para cá, pouca coisa avançou também. Nós tivemos a aprovação de um decreto, em 2009, o Decreto 7.053, que trouxe a Política Nacional para a população em situação de rua, mas até hoje nós não temos uma lei que trate da política nacional da população em situação de rua. Nós temos um projeto de lei, Senador, que é o PL 1.635, de 2022, e esse PL está na CCJ do Senado, sem movimentação. Então, esse projeto de lei é extremamente relevante, porque ele trata de todo o estatuto jurídico, do acesso às políticas públicas pela população em situação de rua, e é necessária a sua aprovação, porque apenas um decreto, que depende da aprovação, da internalização por estados e municípios, não é suficiente, não está sendo suficiente. A gente observa isso como um movimento consistente no Brasil inteiro: como os ataques têm aumentado nos últimos anos. Nós tivemos a aprovação da lei da Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de Rua, mas também com uma - como eu posso dizer? - facilitação federativa de que os estados e municípios podem aderir se quiserem, se não quiserem, não precisam aderir. Então, mais uma vez, a gente fica numa situação em que todas essas políticas parecem não se reverter em efeitos práticos, que a gente observe, de efetiva melhoria das condições de vida dessas pessoas. |
| R | Eu cito um exemplo, aproveitando aqui que o reverendo Padre Júlio falou da questão da documentação. Nós, na Defensoria Pública do DF, apenas de janeiro até novembro do ano passado, tivemos que fazer aproximadamente 3 mil solicitações de certidão de nascimento ou casamento. Sendo que o último censo da população de rua do Distrito Federal diz que nós temos um pouco mais de 3 mil pessoas em situação de rua no Distrito Federal. Então, alguma coisa não está certa, porque, se os dados oficiais revelam 3 mil pessoas e 3 mil pessoas buscam a gente para conseguir documento... (Soa a campainha.) O SR. TIAGO KALKMANN - ... onde estão esses documentos? E de que forma a gente pode pensar, né? Já me encaminhando para o encerramento, a gente teve agora uma reportagem que teve bastante repercussão sobre espiões russos tendo uma facilidade em conseguir documentação. E aí, a gente observa a mídia trazendo críticas ao sistema de registro civil do Brasil, como: o sistema de registro civil é muito fragmentado, ele depende muito das ações de cada Tribunal de Justiça, da forma como cada cartório vai interpretar essa questão. E, agora, estão vendo os efeitos: as pessoas conseguindo essas certidões sem validade de maneira muito fácil. Mas eu pergunto: e essas pessoas em situação de rua, que têm essa dificuldade em acessar essa documentação há 400 anos? E precisou de uma outra situação para a gente começar a discutir essa fragmentação dos registros públicos. Então, eu acho que é importante anotar aqui a relevância da data, a relevância de trazer o reconhecimento à população em situação de rua, especialmente à luta da população em situação de rua, mas também é meu papel aqui cobrar esses avanços que são necessários: a aprovação da lei da Política Nacional da População em Situação de Rua, a modificação do regime de registro civil para que facilite o acesso à documentação civil básica à população em situação de rua. Enquanto isso não for resolvido, nenhuma política vai dar certo. Não adianta criar abrigo, criar pernoite, se a pessoa não tem o documento para entrar no pernoite. Então, eu acho que existem passos muito fundamentais e muito iniciais que ainda não foram tomados. E, aqui, falando em nome da Anadep, como representante, eu deixo essa provocação pelo avanço das mudanças, o avanço das políticas, para que a gente... (Soa a campainha.) O SR. TIAGO KALKMANN - ... consiga, realmente, concretizar uma política digna para essas pessoas. Agradeço a participação. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Tiago Kalkmann, Defensor Público do Distrito Federal e membro da Comissão de População em Situação de Rua da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. Eu não considero que V. Sa. fez alguma provocação, pelo contrário, V. Sa. deu belas sugestões, e que as suas sugestões sejam tomadas nota para que a gente, dentro do possível, possa cobrar, inclusive dos nossos pares. Eu sei que eu já relatei uns três projetos, mas eu relatei numa Comissão e eles vão para outras. Esse mesmo de que o padre falou aqui, a assessoria lembra que está com a minha relatoria. E ele dá aqui para mim uma contribuição para que eu diga a ele que, na Espanha, esse do Randolfe já existe. Há uma lei similar no Código Penal e seria de grande repercussão nacional e internacional aprovarmos esse como o do Contarato. E tem mais dois que eu relatei, mas... (Intervenções fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Isso. Está na CCJ agora. O.k.? Mas parabéns pela sua fala. São só elogios para V. Sa. O SR. TIAGO KALKMANN (Fora do microfone.) - Obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - E quanto mais... Aqui no Congresso eu estou aqui há 40 anos, entre Câmara e Senado vai dar 40 anos. Eu aprovei muita coisa: Estatuto do Idoso, Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Estatuto da Juventude, lei dos autistas, política do salário mínimo... Enfim, são em torno de cem leis que eu consegui aprovar. Mas quantas delas eu consegui aprovar sozinho? Nenhuma! Todas elas tinham... As leis de cotas que existem aqui: ou eu sou autor ou eu sou Relator, mas o movimento negro - você ajudou muito também na época - estava por trás, pressionando. Se não houver mobilização de fora para dentro, aqui também não acontece. Vocês sabem disso, e sabem que a maioria no Congresso Nacional não tem a visão que nós temos aqui em relação ao nosso povo trabalhador, de rua; enfim, ao combate aos preconceitos, mas todas as vezes... Inclusive, a CNBB me ajudou nos estatutos. Nos estatutos, a CNBB veio aqui para dentro: fazia reunião com o Presidente da Casa para aprovar os estatutos, que eu consegui aprovar. Eu dou esta lembrança para quem está nos ouvindo lá fora: não adianta ter meia dúzia aqui dentro, mas um dia, oxalá, tenhamos pelo menos meio a meio de pessoas negras e brancas; indígenas, mulheres, LGBT, como o V. Sa. falou muito bem, comprometidos com o povo brasileiro. Até lá, vai ser uma disputa muito grande. A gente aprova numa Comissão segurando a outra, e muitas vezes eles derrubam projetos que a gente já tinha encaminhado, porque o mercado é muito forte - querendo ou não, são os Poderes constituídos. Isso é uma verdade, mas eu prometi não falar muito, porque quem tem que falar são os convidados. Então, passo a palavra, agora, à Sra. Alyne Alvarez Silva, Coordenadora-Geral de Projeto da Coordenação de Proteção Social Especial de Média Complexidade do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento. A palavra é sua. A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA (Para expor.) - Um bom dia a todas as pessoas... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Ah! Tem um detalhe aqui; a nossa assessoria fez uma observação. A senhora vai dividir com a Sra. Julia Mezarobba Caetano Ferreira, Analista Sênior da Coordenação-Geral de Proteção Social Especial de Média Complexidade do Departamento de Proteção Social Especial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA (Fora do microfone.) - Isso. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Então, está assegurado... Vocês combinem aí. São dez, mas todos estão falando em torno de 15 minutos; então, dá para cada uma falar sete. A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA - Está ótimo. Muito obrigada. Bom dia a todas as pessoas aqui presentes e àquelas que assistem a nós em casa. Receber esse convite da Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal para participar desta audiência pública é uma honra e alegria imensa a nós, trabalhadores e trabalhadoras e gestores e gestoras da assistência social e do Sistema Único de Assistência Social. Eu aproveito o ensejo para saudar o Exmo. Deputado Federal Nilto Tatto, propositor do PL, e o Exmo. Senador Paulo Paim, a quem me honra muito ouvir e a cujo lado me honra muito estar sentada. Aproveito também para saudar os colegas que compõem a mesa, na pessoa do Padre Júlio Lancellotti. Pegando o gancho do que o padre trouxe, ainda há pouco, com relação à necessidade urgente de se instituir essa data do 19 de agosto para o reconhecimento da luta da população em situação de rua: devem caminhar, ao lado da importância de se instituir a data, as ações que vão, de fato, não só reconhecer essa luta como dar respostas efetivas do Governo para a efetivação de políticas públicas que garantam os direitos dessa população. Vou fazer uma fala mais institucional que exatamente traz as respostas que o Governo Lula, desde o seu primeiro mandato, vem instituindo para, então, efetivar a importância não só da data mas também da luta, bem como de essa população de fato existir como cidadãos e cidadãs brasileiros. |
| R | Então, a gente dividiu a fala em dois tópicos. Eu trago as normativas da assistência social voltadas à população em situação de rua, e o que essas normativas vêm instituir no âmbito dos Suas, no âmbito do Sistema Único da Assistência Social. Logo mais, a Julia vai trazer as ações atuais que temos instituído a partida do MDS, no âmbito da Secretaria Nacional da Assistência Social. Antes de continuar, preciso dizer que sou uma mulher branca, uma mulher cis, branca, de cabelos curtos pretos. Uso óculos, na verdade intercalo entre usá-los ou não, visto uma camisa estampada e carrego um crachá do MDS. Falo então como Coordenadora de Projetos da Coordenação de Proteção Social de Média Complexidade da Secretaria Nacional da Assistência Social. Pode passar. Então, vou dizer que, desde um pouco antes da nossa Política Nacional da Assistência Social, a Lei Orgânica da Assistência Social, quando ela dispôs sobre assistência, pode passar, ela já dizia o que é essa política - para que ela deve existir? Então, para aqueles que não estão familiarizados com a assistência social, é importante frisar seus principais três objetivos, que são os pilares dessa política. O primeiro é a proteção social, que visa à garantia da vida, a redução de danos e a prevenção de incidência de riscos. O segundo objetivo é a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos. E, por fim, a defesa intransigente dos direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. Então, a assistência social tem que garantir a vida, ela precisa aumentar a capacidade protetiva das famílias - e ela precisa garantir intransigentemente os direitos humanos. Pode passar. Um pouco mais de dez anos depois, a gente tem a instituição da Política Nacional da Assistência Social que, desde o seu princípio - pode passar - já inaugura essa política na perspectiva de análise, ao tornar visíveis aqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis, ou excluídos das estatísticas, nesse caso também a população em situação de rua. Pode passar. Então, a gente tem 2009, já depois da chacina, depois, inclusive é importante mencionar que em 2008 a gente tem o Movimento Nacional da População em Situação de Rua ocupando assento no Conselho Nacional da Assistência Social. E é importante que se diga que, se não há a sociedade civil organizada para de fato fazer frente a essa luta, os serviços, as políticas não se efetivam. Então, a importância da participação social. E aí a tipificação que vem trazer - pode passar - a estruturação do Suas, a partir da proteção social básica e da proteção social especial. A gente tem dispositivos, especialmente na proteção social especial de média complexidade, que são os serviços especializados em abordagem social e os serviços especializados para pessoas em situação de rua. E, na alta complexidade, os serviços de acolhimento institucional ou serviços de acolhimento em república. Na proteção social básica, também é importante dizer que a gente tem o Paif, Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, e quando as pessoas em situação de rua são de fato atendidas pelos serviços da proteção social especial, elas passam a também frequentar os serviços da básica para evitar que voltem à situação de rua. Pode passar. Entre as várias legislações, eu não vou mencionar, pode ir passando, mas só para citar, nós avançamos um bocado com relação às legislações, o Decreto Presidencial 7.053, de 2009; resoluções da Comissão Intergestores Tripartite do Suas também trouxeram vários avanços; portarias específicas na direção da expansão dos serviços do cofinanciamento da União, para os serviços que atendem essa população. Pode passar, por favor |
| R | E a gente vem culminar nas nossas orientações técnicas. O Ministério do Desenvolvimento Social se preocupa - pode passar - em trazer as diretrizes que vão orientar tecnicamente como os serviços devem atuar: quem são as suas equipes, onde devem se localizar, quais são os seus objetivos. E esse Caderno, de 2011, que está sendo já reformulado para uma reorientação desse serviço, que deve sair até o ano que vem, vem orientar em todo o território nacional a gestão do Centro Pop e a oferta qualificada do serviço. Pode passar. O Centro Pop, então, vai se voltar para o desenvolvimento das sociabilidades na perspectiva de fortalecimento dos vínculos interpessoais ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida. Então, é importante só frisar que os Centros Pop têm essa importante função de construção de redes socioafetivas e de vínculos, pois é partir, obviamente, dessas relações que se fortalece a possibilidade de novos projetos de vida. Então, a política pública precisa das relações para, de fato, se efetivar. A política pública em si, sem que as pessoas consigam construir vínculos entre si, não avança, porque as pessoas precisam desses afetos e desse suporte para, de fato, conseguirem avançar em novos projetos. Pode passar. Então, temos também o Caderno Seas 2013, que vai orientar e apoiar os estados, os municípios e o Distrito Federal no planejamento, implantação, coordenação e acompanhamento do Serviço Especializado em Abordagem Social - pode passar -, que vai funcionar nos espaços públicos, fazendo um trabalho social planejado de aproximação, escuta qualificada... (Soa a campainha.) A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA - ... e construção de vínculo da confiança. Esse trabalho social é voltado para transformação social, na medida em que parte desses dois pilares: a efetivação dos direitos e a partir dessa rede de sociabilidade. Pode passar. Então, hoje em dia, a gente tem um pouco mais do que isso, porque esse Censo Suas é de 2023. Já são 258 Centros Pop espalhados pelo Brasil. É claro que é uma cobertura muito pequena, não chega a 5% dos municípios brasileiros, o que é uma pena. A gente tem 786 Seas, que são os Serviços Especializados em Abordagem Social, que também não chega a 100%, e temos em torno de 725 abrigos institucionais e casas de passagem, que não chegam nem a 4% de cobertura no Brasil. Então, a gente estava falando ainda há pouco dessa luta, a importância do reconhecimento dessa luta e a importância de, pari passu, construir ações em resposta a toda essa luta. Então, sem fortalecer o Suas e os serviços da proteção social básica e da proteção social especial, dificilmente a gente consegue construir... (Soa a campainha.) A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA - ... uma saída qualificada dessas pessoas que estão em situação de rua. Daí a importância de, de fato, pensar em várias estratégias que consigam destinar recursos à assistência social. A gente tem um orçamento que é de 2013. O nosso repasse cofinanciamento para os serviços da assistência é de 2013 e nunca foi atualizado. Então, a gente passa para um Centro Pop de uma metrópole R$23 mil para atender, em média, 200 pessoas por dia. É um recurso que obviamente vai... Tem ainda recurso do estado e do município, mas é um recurso muito ínfimo. Então, a gente precisa, de fato, olhar para o Suas e entender a sua importância pela articulação que esse sistema vai fazer com os demais para a garantia de outros direitos, como moradia, renda, trabalho, cultura, esporte, lazer e todos os demais. Pode passar. Então, o serviço de acolhimento é transitório. É importante dizer que, quando as pessoas têm um lugar para ir e ficar... (Soa a campainha.) A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA - ... elas conseguem construir melhor novos projetos de vida e deixam de estreitar o seu vínculo com a rua. À medida que eu ofereço um lugar não só para o pernoite, mas, de fato, para outras garantias de outros direitos, a gente não permite a vinculação com a rua, que é o que inviabiliza a construção de novos projetos. Então, há a importância não só dos serviços de acolhimento, mas de outras políticas, como os benefícios eventuais de aluguel social e outras políticas que estão ali no MDHC e em outros ministérios, como provavelmente a gente vai escutar. |
| R | Pode passar. A Julia, então, agora assume. A SRA. JULIA MEZAROBBA CAETANO FERREIRA - Obrigada, Alyne. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Nossas palmas para a sua fala aí, que foi muito boa. (Palmas.) Discorreu, com muita competência, sobre inúmeros trabalhos que o Governo Lula, via seu ministério, está fazendo; e está surgindo efeito, claro. Sabemos que tem que ser a médio e a longo prazo, né? Então, eu passo a palavra, agora, à Sra. Julia Mezarobba Caetano Ferreira, Analista Sênior da Coordenação-Geral de Proteção Social Especial de Média Complexidade, do Departamento de Proteção Social Especial, do Ministério - continua aqui do outro lado -, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A SRA. JULIA MEZAROBBA CAETANO FERREIRA (Para expor.) - Muito obrigada, Senador. Obrigada, Alyne. Bom dia a todas as pessoas que estão nos acompanhando, de maneira presencial ou de maneira remota. Eu me chamo Julia Caetano Ferreira, sou uma mulher cis, branca; meus pronomes são "ela" ou "dela"; tenho cabelos loiros escuros cachados, que estão soltos; visto um vestido roxo e um casaquinho bege; e é uma honra participar deste debate. Então, gostaria de saudar todas as pessoas que nos acompanham, na pessoa do nosso Senador Paulo Paim, do nosso louvável Padre Júlio Lancellotti - quero dizer que é uma honra estar com o senhor nesta manhã - e da liderança de Anderson Lopes Miranda, importantíssimo companheiro, que possui trajetória de rua e que hoje em dia está coordenando o Ciamp-Rua Nacional (Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política para a População em Situação de Rua). Como a Alyne bem demonstrou, a realidade da população em situação de rua no Brasil é prioridade dentro da política da assistência social, desde a sua idealização. Desde a chacina da Sé, em agosto de 2004, muitos avanços foram galgados. E, com a organização política das pessoas que experimentam a situação de rua e a criação do Movimento Nacional da População de Rua, em 2005, diversas pautas entraram na agenda governamental, como forma de promover a superação da situação de rua e resguardar os direitos de quem enfrenta a dura realidade de dormir ao relento, nas calçadas, nas marquises e nos viadutos. Se hoje nós temos uma Política Nacional para a População em Situação de Rua e um serviço especializado para este público instituído no âmbito da política socioassistencial, é sem dúvidas graças à organização e luta política das pessoas que estão e já estiveram em situação de rua e que, com força e coragem, reivindicam seus direitos. Neste sentido, saudamos o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), o Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR) e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Nesta gestão do Governo Federal, pudemos avançar na promoção da assistência e proteção social às pessoas que estão em situação de rua. Citarei, em minha fala, algumas delas, ciente de que, em função da restrição de tempo, não será possível aprofundar muito, tampouco abordar todas as nossas ações. Bem, desde 2023, temos atuado e empenhado muitos esforços nas ações de aprimoramento e reordenamento do serviço especializado para as pessoas em situação de rua, executado na unidade pública e estatal de Centro POP e no serviço especializado em abordagem social. Reconhecemos que, embora a formalização desse serviço seja uma importante conquista, ainda hoje, mais de 15 anos depois de sua criação, seu funcionamento ainda não consegue contemplar todas as demandas da população em situação de rua. Por isso, ao longo do último ano, promovemos o I Ciclo Nacional de Oficina Centro POP, oportunidade em que escutamos mais de 60 unidades de todo o território nacional. |
| R | Temos trabalhado ativamente para que o serviço especializado para pessoas em situação de rua promova seguranças socioassistenciais de acolhida, convivência, autonomia, renda, apoio e auxílio em uma perspectiva de garantia de direitos e de proteção social. Neste sentido, as duas atividades, que estão elencadas aqui no card, estão disponíveis para o acesso do público no canal de YouTube da Secretaria Nacional de Assistência Social do MDS. Pode passar, por favor. Ainda, o MDS participou do processo de construção da portaria conjunta do Ministério das Cidades, do MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania) e do MDS, que dispõe e estabelece o acesso da população em situação de rua ao programa Minha Casa, Minha Vida. Para além dessa ação, o MDS participa do Acordo de Cooperação Técnica das Cozinhas Solidárias da Rua, iniciativa interministerial, que será executada pelos movimentos sociais e pessoas que estão em situação de rua ou que possuem essa trajetória. Participamos também da execução de alguns planos, programas e fóruns de controle social - obrigada -, que se relacionam diretamente com a pauta e com a luta da população em situação de rua, e estamos construindo estratégias para a efetivação da dignidade menstrual às mulheres em situação de rua e para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de rua no âmbito da política socioassistencial. Entretanto, reconhecemos que só é possível avançar, tanto nos casos individuais e concretos, quanto nas lutas coletivas pela efetivação de direitos, a partir de escuta qualificada, uma ferramenta primordial ao trabalho social, desenvolvido no âmbito da política socioassistencial, e por isso nós gostaríamos de registrar a ausência de representação de pessoas com trajetória de rua nesta mesa. Por fim, reiteramos que este Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, seguindo as diretrizes do Presidente Lula, está radicalmente comprometido com a luta das pessoas que estão em situação de rua e, neste sentido, saúda a iniciativa de instituição formal do Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. Sem dúvidas, fortalecer a luta das pessoas que estão em situação de rua, das que já experienciaram a situação de rua e dos movimentos sociais compostos por esse segmento é também fortalecer a luta pelo fortalecimento da política socioassistencial e do Sistema Único de Assistência Social. Sigamos! Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Sra. Julia Mezarobba Caetano Ferreira, Analista Sênior da Coordenação-Geral de Proteção Social, também ligada ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Parabéns a ambas pela qualidade da exposição, que é fundamental, quando se faz uma audiência pública, que tenhamos representantes também, permita-me que eu diga, do nosso Governo para expor também a sua atuação e o seu trabalho. Parabéns a todos. Concedo a palavra agora a quem está aqui ao meu lado - vai ser o sexto painelista -, o Sr. Cleyton Luiz da Silva Rosa, Coordenador-Geral de Políticas para os Direitos da População em Situação de Rua do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Parabéns ao ministério, que também mandou o seu representante. O SR. CLEYTON LUIZ DA SILVA ROSA (Para expor.) - Inicialmente, quase boa tarde a todas as pessoas aqui presentes. Faço uma saudação ao Paim. Muito me orgulho de estar aqui ao seu lado, um sindicalista, uma pessoa importante para a luta racial. E queria mencionar isso, falar sobre a população em situação de rua ao lado de uma mesa com três pessoas negras muito me orgulha. |
| R | Queria também fazer uma saudação especial ao querido Padre Lancellotti, que muito tem contribuído para uma mudança de perspectiva - quando nós estamos falando da população em situação de rua - antiaparofóbica. E, na figura do Anderson Lopes Miranda, que está aqui representando a Coordenação-Geral do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua, aproveito também para saudar as entidades não governamentais que fazem parte do Ciamp-Rua: a Associação Pastoral Nacional do Povo de Rua, o Fórum Nacional da População de Rua, o Pretas Ruas, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, o Movimento Nacional da População de Rua, o Fórum da Cidade de São Paulo em Defesa da População em Situação de Rua e o Movimento Nacional de Luta pelos Direitos da População em Situação de Rua. Nas figuras de todos esses movimentos, eu faço uma saudação a todas as pessoas que estão nos assistindo. Enquanto Ministério de Direitos Humanos, é uma dificuldade nós hoje falarmos após tantas exposições tão importantes e tão calorosas contribuições. E a gente não quis fazer uma apresentação, porque nós queríamos trazer em forma de relato aquilo que nós temos visto no dia a dia - uma realidade que muitas das pessoas que participaram aqui no e-Cidadania já colocaram - sobre o preconceito vinculado à população em situação de rua. Nós temos percebido uma violência, um aumento da violência vinculada à população em situação de rua, não somente pela nossa Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, mas também porque, a cada dia, a cada hora, nós estamos percebendo ações colocadas à população em situação de rua, nos municípios e também nos estados, pelo movimento extremamente conservador que tem pairado sobre o Brasil. E aí, Padre Júlio, a gente tem feito o movimento, enquanto Governo, mas é um movimento muito difícil, porque é um movimento que está na esfera do atitudinal, que é o de a gente realmente conseguir fazer entrar na cabeça de um gestor - Prefeitos, Prefeitas, Governadores e Governadoras - a necessidade de pensar na população em situação de rua, algo que nos parece óbvio, mas que não tem sido óbvio. A gente, enquanto Ministério dos Direitos Humanos, tem feito articulações. Nós temos mandado uma série de ofícios para que haja a adesão e, na verdade, a assinatura do termo de compromisso do Ruas Visíveis. Muitos municípios sequer respondem. E há aqueles que, pactuados, não cumprem o que está pactuado, descumprindo diretamente a ADPF 976. Então, nós estamos chegando a um cenário em que a gente tem entendido que não tem como fazermos uma política sem dialogar com os estados e com os municípios. Nós temos aumentado o diálogo - a Ministra Macaé tem reforçado isso em todas as conversas técnicas que nós temos tido - para que a gente realmente consiga melhorar esse relacionamento com os estados e municípios. Esse diálogo tem sido muito difícil, mas tem sido feito, não somente pelo Ciamp-Rua, que tem se manifestado diretamente sobre essas violências, como por nós também, enquanto Coordenação-Geral de Política, e pela Diretoria de Promoção da População em Situação de Rua, que tem também feito ações diretas em relação a isso. |
| R | Eu tenho uma questão técnica: eu acredito que não faltam somente leis, decretos e dispositivos legais, falta o cumprimento deles, porque, simplesmente, se fosse cumprido o que está na ADPF 976, se fossem cumpridas as outras legislações importantes que nós temos e a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a gente estaria falando aqui num nível de qualidade muito maior do que o da política que tem sido feita no território. Eu vou dar um exemplo: nós temos o Programa Dignidade Menstrual, em que pessoas que menstruam podem pegar, numa farmácia popular, absorventes, só que muitas das pessoas em situação de rua têm enfrentado o desafio de entrar dentro dessa farmácia para poder receber esse material. Então, não é a falta da política, é a ponta que tem feito uma ação de aporofobia em relação à população em situação de rua; é um temor em relação ao pobre. E não tem como nós não falarmos da perspectiva racial quando nós estamos falando da população em situação de rua, porque todos esses massacres, todas as chacinas que conhecemos, todas as violências que nós temos visto diariamente têm sido vinculadas principalmente à população em situação de rua negra, com ênfase em mulheres trans e travestis. Isso tem sido um desafio que a gente também tem tentado responder, e uma resposta que a gente tem colocado... Foi falado muito aqui hoje sobre hidratação, sobre a possibilidade de essa pessoa ter acesso à água. Nós, no Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional, temos uma meta muito importante, que são os pontos de apoio de rua, que têm sido hoje, talvez... É o assunto, não é, Anderson? É o equipamento de que mais se tem falado no âmbito dos direitos humanos, sobretudo da pasta que trata da população em situação de rua. Eles são um espaço em que a população em situação de rua vai ter acesso à água, à sombra, ao atendimento em direitos humanos, matriciado em relação aos outros equipamentos que nós temos na rede, como Centro Pop, Caps, Caps AD, unidades básicas de saúde, entre outros. Vai ser um importante equipamento, que cumpre o que está aqui no Plano de Ação e Monitoramento para Efetivação da Política Nacional. Inclusive, devo reforçar que a meta colocada... O que está sendo efetivado enquanto valor é muito maior do que o que está colocado aqui neste plano de ação. E por que isso acontece? Porque há um carinho e um zelo - que a gente precisa nomear - do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entender essas pessoas na sua perspectiva mais ampla, entender que essas pessoas têm que sair, que é um movimento de saída. Então, esperamos nós que todos esses equipamentos sejam realmente emergenciais e provisórios, porque nós obviamente queremos que aumentem aqueles equipamentos que estão vinculados... aqueles equipamentos, não; aquelas estratégias políticas que estão vinculadas à saída das ruas, a exemplo do Moradia Cidadã, que é uma outra política pública que tem sido coordenada por nós da Diretoria de Promoção dos Direitos da População em Situação de Rua, que oferta a moradia como um primeiro passo à saída das ruas, assim como o exemplo da portaria do Minha Casa, Minha Vida, uma portaria conjunta entre o Ministério das Cidades, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e o Ministério do Desenvolvimento Social. |
| R | Por que isso? São ações várias que têm sido colocadas na mesa, para que a gente realmente entenda e consiga a saída das ruas - esse é o nosso objetivo. Então, voltando ao PAR, nós tivemos agora aprovação, Senador Paim, de R$75 milhões, no FDD, Fundo de Direito Difuso, para esses equipamentos. O edital vai sair nas próximas semanas, vai ser um edital importante, que vai conectar o Governo Federal às OSCs que vão executar esses serviços para a população em situação de rua. (Soa a campainha.) O SR. CLEYTON LUIZ DA SILVA ROSA - Peço só mais um tempo para que realmente eu possa concluir. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - O mesmo tempo que os outros tiveram, 15 minutos. O SR. CLEYTON LUIZ DA SILVA ROSA - Tudo bem. Perfeito. Um outro ponto que a gente queria colocar, e até para a gente poder concluir a nossa fala, é o fortalecimento das políticas que nós temos. A gente precisa fazer um diálogo em relação ao financiamento, não somente nas políticas de assistência, mas também nas políticas das cidades, também nas políticas de todos os outros ministérios. E aí eu acho que é importante colocar o papel, que é o papel do Ministério dos Direitos Humanos, que por muitas vezes faz a articulação com esses demais ministérios. Eu queria fazer aqui, para concluir minha fala, um convite para que a gente realmente entenda que, quando nós estamos falando da população em situação de rua, nós temos de falar em todos os ministérios; na esfera municipal, em falar de todas as secretarias. Eu tenho reforçado muito, nas reuniões que tenho feito com os estados e municípios, de chamar não somente... Porque a gente chama às vezes para uma reunião, aí normalmente vem somente o Secretário de Direitos Humanos ou a Secretária de Direitos Humanos, a Secretária de Assistência, e da Segurança Pública não vem, sendo que os desafios vinculados à população em situação de rua hoje são vinculados à segurança pública também, assim como à saúde, por estarem nas ruas, o que já é um comprometimento da sua saúde. Um papel, obviamente, em que o Estado o colocou em algum grau. O Tiago bem reforçou aqui o papel da escravização no Brasil, que obviamente fazemos e tem eco até os dias de hoje. Um outro ponto para reforçar aqui é que foram feitas algumas perguntas vinculadas à solução, à visão. Nós, enquanto Governo Federal, especificamente o Ministério de Direitos Humanos, a gente precisa colocar aqui para vocês o nosso repúdio, esse repúdio em relação a essas ações violentas que têm ocorrido nos estados e municípios: é retirada de restaurante popular para a população em situação de rua, é população em situação de rua sendo negligenciada nos serviços que nós temos, é a população em situação de rua sendo morta nas ruas. Então, a gente realmente precisa e faz esse chamado a todos, inclusive aos Senadores que também estão aqui nos ouvindo, aos Deputados que também estão nesse processo de participação, para que a gente realmente consiga entender a necessidade de nós dialogarmos - não somente os Poderes, mas também enquanto sociedade. Para concluir de verdade, eu tive uma experiência agora: nós estivemos - não é, Alyne? - no Acre, em Rio Branco... (Soa a campainha.) O SR. CLEYTON LUIZ DA SILVA ROSA - ... e a gente tem visto que a política, os graus de que eu falei aqui, o grau da política como um todo existe, existe a política pública e ela é aplicada no território, e, quando a gente chega ao território, vê a população não querendo a população em situação de rua perto, cartazes e cartazes colocando que não querem o Centro Pop. E a justificativa colocada é que simplesmente não se quer aquela pessoa perto. Então, a gente precisa mudar essa perspectiva atitudinal numa perspectiva socioantropológica para que a gente realmente possa avançar nas políticas públicas relacionadas à população em situação de rua. |
| R | Muito agradeço aqui por esse espaço para poder fazer essas contribuições, e colocamos o Ministério dos Direitos Humanos à disposição para dialogarmos e avançarmos nessa pauta. Muito obrigado, Senador Paim, pelo espaço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Sr. Cleyton Luiz da Silva, Coordenador-Geral de Políticas para os Direitos da População em Situação de Rua, que representou aqui o Ministério dos Direitos Humanos. Parabéns pela sua síntese. Ficou dentro do tempo, ficou em 13 minutos e 50, nem chegou nos 15 minutos. Parabéns, viu? Um abraço para a Ministra lá. O SR. CLEYTON LUIZ DA SILVA ROSA (Fora do microfone.) - Pode deixar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Concedo a palavra neste momento ao Sr. Anderson Lopes Miranda, Coordenador-Geral do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (Ciamp-Rua/MDHC). Você quer vir para cá? Ele está disposto a trocar. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Não, aqui está bom, aqui está bom. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Fiquem à vontade. Vocês dois é que resolvem. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Alô, me ouvem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Ele, ele... O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Não, não. Aqui está bom, está bom. Está ótimo. Bom dia... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Estamos te ouvindo bem. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA (Para expor.) - Bom dia a todos, a todas e a "todes". Quero agradecer, Senador Paulo Paim, e acho que só fazer aqui uma menção: o senhor é o segundo Senador que trata essa pauta com o coração. Primeiro, é o Senador Eduardo Suplicy, que traz a Lei da Renda Básica de Cidadania, que já inclui essa população em situação de rua. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - As palmas não são para mim, são para o Suplicy, que realmente foi meu colega aqui e um grande Senador. (Palmas.) O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - E em segundo, o senhor. O primeiro projeto de lei para a população de rua no Senado é de autoria de V. Exa., que se reuniu com um grupo de população de rua lá no Rio Grande do Sul, o Movimento Aquarela - eu não estava lá, mas estava com esse grupo - e que fortaleceu esse projeto de lei aqui e que, em conversa com o Deputado Nilto Tatto, unificou esse projeto de lei. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Se me permite dizer... O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Sim, senhor. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Eu me lembro como se fosse hoje, foi muitos anos atrás, foi do encontro que vocês fizeram, e daí o Ivo Fiorotti, Frei Ivo Fiorotti me pediu para que eu apresentasse. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Isso mesmo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - E vocês foram lá conversar. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Isso mesmo. E depois da criação do Ciamp-Rua nacional o senhor sentou-se conosco - eu estava lá no comitê, no primeiro comitê, na primeira discussão - e o senhor falou: "Não, o que vocês quiserem podem incluir e fazer". Quero saudar o Padre Júlio, e saudar não é saudar... Eu vivi com o Padre Júlio 30 anos. Eu tenho 35 anos de trajetória de rua. (Palmas.) E quando eu vim - eu quero aqui fazer uma fala muito séria - assumir o cargo no Governo Federal eu fui conversar com o Padre Júlio, pedir a benção para o Padre Júlio e pedir instrução ao Padre Júlio. Fui na casa dele para falar: "Padre Júlio, o que que eu faço?". Porque governo é que nem feijão, só cozinha na panela de pressão - isso o Frei Beto disse para o Lula. Essa frase fica na minha cabeça, porque a gente aqui muitas vezes quando vem para o Governo esquece da base, esquece da luta e é engolido pelas situações. E o Padre Júlio falou: "Olha, faça lá, nos represente", e eu estou aqui até hoje - dois anos já - e com muita dificuldade, mas sempre retomando e lembrando. E todo dia eu assisto ao Padre Júlio no YouTube, a missa do Padre Júlio, a conversa com a rua, o diálogo com a rua. E quero aqui dizer, Padre Júlio, que eu sei que o senhor está sofrendo com o Vice-Prefeito de São Paulo. Meu abraço! E nós não vamos deixá-lo mandar nas ações que o senhor faz. Estamos juntos e conte conosco. Quero dizer isso muito bem claro para o senhor. Eu sei o que o senhor passa lá com o Vice-Prefeito comandante, querendo destruir as ações e as coisas e falando que acabou a cracolândia, e não acabou, ela foi jogada para Guarulhos, foi jogada... E a gente está com provas, e nós vamos entrar com ações, Senador. A gente tem fotos de caminhões chegando a bairros de Guarulhos, levando a população de rua do centro de São Paulo para longe. Nós temos prova, e nossa equipe aqui da rua mandando. |
| R | Eu só queria trazer isto: nós vamos entrar na Corte dos Direitos Humanos. No Conselho Nacional, já estamos abrindo processos também de averiguação disso. Quero saudar a mesa - Julia, Gabriel, Alyne e Tiago - e dizer da importância que é para nós. Eu venho da rua, vivi o massacre, e não só o massacre, vivi a 1ª Marcha Nacional da População em Situação de Rua, em 2001. Quando nós viemos marchar aqui em Brasília, com mais de 6 mil pessoas, a Pastoral nos ajudou com ônibus, com lanche, com estrutura. Quando Joãosinho Trinta fez aquele carnaval de botar o Cristo pobre, foi simplesmente ensacado, ensacaram o Cristo pobre, porque não queriam ver os pobres, e aí nós viemos aqui. O Joãosinho Trinta estava no caminhão conosco, não é, Padre Júlio? Infelizmente, o nosso Presidente da República, à época, não quis receber uma comissão da população de rua, e o Senador Eduardo Suplicy, de novo, desce a rampa do Senado para receber os documentos da população em situação de rua. Isso é fundamental. (Palmas.) Eu quero fazer uma retrospectiva. Lembro-me aqui da morte do nosso querido índio Galdino, que foi queimado aqui em Brasília. Por isso, a nossa luta; não é festa dia 19 de agosto. Como o Padre Júlio bem está dizendo, é luta, não é festa. Nós não queremos uma lei de festa, nós queremos relembrar o massacre e que ele seja extinto neste país. Lembramos o massacre da Candelária, que até hoje também está aí, no Rio de Janeiro, impune, e, depois do da Candelária, veio o massacre nosso. Eu estava lá. Eu estava com o Padre Júlio, estávamos lá. E foi através disso que nós conseguimos com o Padre Júlio reunir mais de 5 mil pessoas na Praça da Sé, mais de 5 mil num dia, aonde foi o nosso ex-Vice-Presidente da República José Alencar, aonde foi o Ministro da Justiça, aonde foi uma comissão de direitos humanos. Eu me lembro da delegada: "Não pode! Não vamos fazer! Não dá para fazer!", e nós e o Padre Júlio, lá na Casa de Oração: "Dá para fazer. Vamos fazer", e nós conseguimos, fomos. Para nós, foi importante a escuta nossa. Eu estava na rua nessa época. Eu não fui morto, porque eu estava... Mas a gente viu. Quando a polícia chegava a nós: "Abra a mão! Foram vocês que mataram?", e a gente: "Não, não fomos nós". E a gente procurava sempre lá a Casa de Oração e o Padre Júlio. Então, eu tinha acabado, há pouco tempo, de chegar da Bahia, e era inverno, estava frio. Já estava começando o inverno para nós, e era triste. E aí dali eu fui para o Arsenal. Através do Padre Júlio, a Casa de Oração conseguiu uma acolhida. Não tinha acolhida em São Paulo, já estava com problemas. Então, eu quero fazer esse resgate para a gente saber de onde nós viemos e onde nós estamos. Em 2004, nós criamos o primeiro movimento nacional de adultos em população de rua, dentro da Casa de Oração do Povo da Rua, com mil pessoas, com mil pessoas. Olha como é importante organizar isso. Então, a Igreja nos ajudou a organizar, porque a gente não tinha voz nem vez. Nós organizamos o movimento, fomos a Belo Horizonte, ao Festival Lixo e Cidadania, e conseguimos lançar o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, com muita dificuldade e com muito preconceito: "A rua fala, a rua é isso...". Foi quando nós pedimos ao Presidente Lula, e aí, em 2006, ele cria o primeiro decreto, uma portaria sem número, criando um grupo de trabalho interministerial, um GTI, um grupo de trabalho. E esse grupo de trabalho é para a nossa escuta. Eu estava nesse grupo de trabalho também. Então, eu participei de todos os processos aqui. |
| R | E é importante dizer que, hoje, eu não posso falar pelos movimentos. Eu quero pedir a V. Exa., Senador, que a sua equipe crie um cadastro - depois a gente manda - de todas as lideranças do Movimento da População de Rua. Nós temos isso e podemos apoiar, quando tiver audiência, para poder chamar; porque tem um ditado que a rua fala: "Não fale de nós sem nós; não fale da rua sem a rua". Hoje, eu estou falando como ex-morador de rua, no Governo, coordenando um comitê. Eu estou olhando o meu tempo e eu estou com medo do tempo, porque eu falo muito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Fica tranquilo, porque tu tens aquilo lá e mais cinco ainda. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Já vou botar os cinco logo. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Obrigado, Senador. Pela primeira vez, eu quero dizer aqui, pelo Governo Federal, mas não foi caridade nem assistencialismo, foi uma exigência das organizações, da pastoral, dos movimentos, para que tivesse uma pessoa com trajetória ou situação de rua trabalhando no Governo Federal. E eu fui contratado. Estou, há dois anos, dentro do comitê, coordenando o Ciamp-Rua, no Ministério dos Direitos Humanos. Comecei com o Ministro Silvio e estou hoje com a Ministra Macaé. Quero agradecer muito a ela, que tem me escutado muito. Na primeira vez em que a Ministra entrou lá dentro, ela me deu 15 minutos de conversa. "O que está acontecendo? O que nós podemos melhorar? O que nós podemos pautar e discutir?". E eu relatei para ela toda a situação. E ela foi a São Paulo, para ouvir o Padre Júlio; e ele disse para ela, e nós estamos ouvindo, e eu estou aqui como escuta: "O Ciamp-Rua não pode ficar só em Brasília; o Ciamp-Rua precisa ser regionalizado; o Ciamp-Rua precisa escutar as bases". E é isso que nós estamos fazendo. Nós visitamos as cinco Regiões deste Brasil - Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste - e vimos o que o Padre Júlio muito disse para a Ministra: a violação está na ponta. Quando o Ciamp chega aos estados, a gente vê a população de rua sendo morta, a população de rua sendo dizimada. Estivemos no pós-enchente no Rio Grande do Sul; não tinha comitê estadual, não tinha comitê municipal. Depois que nós fizemos a missão do Ciamp-Rua no Rio Grande do Sul, o estado criou o comitê estadual e Porto Alegre criou o comitê municipal. Mas não podemos só ter comitê de papelzinho; é comitê de diálogo, de discussão, de fiscalização e de monitoramento. Pegamos um desgoverno, Senador, um desgoverno passado, que acabou com o comitê, que quase acabou com o Decreto 7.053, destituiu. Então, nós temos hoje o Centro POP desvalorizado, porque fecha-se Centro POP, "não, não tem Centro POP" e municípios fechando Centro POP, mas ainda recebendo recursos. E, aí, precisamos de monitoramento, dialogando com o MDS e dialogando com as áreas. Então, assim, nós tivemos muito isso e estamos vendo isso, o fechamento dos serviços. Então, eu quero trazer aqui a importância não do dia de luta, mas da luta. Eu acho que a fala do Padre Júlio é fundamental e importante: nós temos que lutar. O projeto de lei que está aqui tramitando, de vossa autoria junto ao Nilto Tatto, ainda não virou lei e precisa virar lei. Para a gente ter política, nós precisamos ter lei, mas também orçamento. Hoje, nós temos emendas parlamentares, porque muitas vezes nós precisamos de emendas que olhem para a população em situação de rua, que invistam nessa população, que garantam... Nós temos vários serviços. Eu estou hoje... Amanhã, o Ciamp-Rua se reúne aqui, em Brasília - na terça, quarta e quinta -, para discutir todas as ações e as políticas. Nós temos membros dos movimentos, das organizações, hoje, participando do Ciamp-Rua. Vamos ter eleição, neste ano, do Ciamp Nacional; teremos eleição. Pegamos todo o processo do Ciamp. Não teve um documento; não tinha nada, nada. Tudo foi desmontado e acabado. Agora, nós estamos com documentação, organizando, temos um site, agora temos uma logo. Os conselheiros terão crachá, vão pautar, estão viajando - as representações do movimento vão pautar... |
| R | Nós estaremos na COP 30, o Ciamp estará lá discutindo clima junto com a população em situação de rua. Não adianta falar da rua sem a rua com as organizações. Nós levaremos uma comissão para a COP 30 para discutir e já falamos com a Ministra Macaé, já falamos com a Secretária-Executiva Janine, com a Lene, pautando... No mês de julho, o Ciamp-Rua estará, como o Padre Júlio bem colocou, em um dos estados e cidades mais criminalizadores da população em situação de rua - não tenho vergonha de dizer -, que é Santa Catarina. Em Florianópolis, agora, nós tivemos um Secretário Municipal que fica fazendo fake news na internet - Secretário Bruno, de assistência social -, indo lá e perguntando: "Você não quer trabalho? Eu vou lhe dar um emprego". Mas ele não oferta emprego, é só para aparecer nas mídias dele e criminalizar a população em situação de rua. Ele nos criminalizou agora, numa fake news, o Ciamp-Rua nacional e o Governo do Presidente Lula. E nós estivemos lá agora, numa audiência pública chamada pelo Conselho Nacional, em Florianópolis. Quando o Secretário viu que estava lá a Comissão de Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Assistência Social e o Ciamp-Rua, ele não entrou. Botou a cara na porta e picou a mula. Saiu fora, foi embora, ficou com medo. Não precisa ter medo da rua; respeite a rua, dialogue com a rua, crie políticas para a rua. Acabou de fechar o Restaurante Popular de Florianópolis, porque a população de rua estava com medo do Restaurante Popular. Siga a experiência, como a que nós tivemos em São Paulo. O Bom Prato fechou, nós fomos lá, fizemos movimentações, atuamos e abriu o Bom Prato para a população em situação de rua. A nova gestão de novo criminalizou - não é, Padre Júlio? -, e não abre de novo. Aí você precisa do Restaurante Popular, você precisa do Cozinha Solidária, você precisa dos serviços, hoje, que estão atendendo a população de rua. Isso é muito pelas organizações, porque, quando nós nos omitimos de fazer a política ou de cumprir a política, quando nós nos omitimos de criar a política pública, as organizações adentram e executam o que o Governo não faz. Isso é bem claro, e isso condiz muito com a fala do Padre Júlio Lancellotti, das falas de quem me antecedeu. Queria dizer da importância, da importância... Padre Júlio falou uma coisa que eu quero reforçar. A ADPF 976 não vê se eu quero ou não quero cumprir. Ela é judicializada. Estados e municípios que não cumprirem têm que ser judicializados. Tem que se fazer. É "cumpra-se" - é uma ADPF -, é "execute-se". O Decreto 7.053 está aí. Nós repassamos recursos, só que estados e municípios não querem fazer. Então, para nós, Senador, é importante estar aqui. É importante apoiar, sim, os projetos de lei, mas é muito mais fundamental dizer da importância dessa população. Municípios, criem comitê; estados, criem comitê e dialoguem com a população. Do que vocês precisam? O que nós temos que fazer? Chega de aporofobia! Chega de pessoas... Eu queria encerrar... É muito triste o que eu vou falar aqui. Sábado agora, nós tivemos um companheiro da rua - eu estou muito emocionado, porque a Joana me mandou o vídeo, eu chorei muito - com transtorno mental que esfaqueou outro companheiro da rua, aqui na Rodoviária do Plano Piloto. Prenderam mais um da rua. Não o levaram para um tratamento, um cuidado. Quem entrou foi a polícia, e prenderam esse cidadão com transtorno mental. (Soa a campainha.) O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA - Não se cuidou dele. Ele esfaqueou outro companheiro, que morreu aqui na Rodoviária do Plano. Então, eu quero pedir que parem de prender o povo da rua. Cuidem deles. A população de rua não é caso de polícia, é caso de política pública - saúde, assistência, trabalho, educação, cultura. |
| R | Eu saí da rua graças a dois pilares - o Padre Júlio sabe muito bem disso, porque ele me acompanhou -: a assistência social e a moradia. Eu hoje tenho uma casa em São Paulo, do CDHU, minha família está lá. Há 15 anos minha família está nessa casa, com toda a dificuldade de você ter que pagar condomínio, de você ter que... Se você não tem um apoio, um suporte, não adianta a gente garantir a casa se não dá condições. Essa é a estrutura que nós precisamos: do lar, da casa, da moradia e do trabalho. Obrigado, mais uma vez, por nos escutar. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, parabéns, o Sr. Anderson Lopes Miranda, Coordenador-Geral do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua, Ciamp-Rua, MDHC. Permita-me, porque você disse para mim e eu vou dizer para você: eu estou escrevendo um livro chamado Política com Alma, e eu vou pegar parte da sua fala e eu vou botar lá. Eu vejo que está fazendo, faz política com alma. É nessa que eu acredito, há 40 anos aqui e eu falarei sobre política com alma. Se eu tinha certeza de que esse seria o título do livro, com a sua fala, eu fiquei mais convencido. Você deu um show, me permita que eu lhe dê uma salva de palmas com muito carinho, viu? (Palmas.) Passo a palavra agora ao nosso último painelista. Com a palavra ao Sr. José Rubens Plates, Procurador da República e Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Adjunto em São Paulo. O SR. JOSÉ RUBENS PLATES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos. Bom dia, Senador Paulo Paim. Cumprimento os senhores e as senhoras que antecederam com suas falas brilhantes, alguns com tanta bagagem e conhecimento pela luta dos direitos humanos. Um cumprimento especial ao querido Anderson Lopes Miranda, aqui do Estado de São Paulo, um parceiro do MPF nessa luta, nessa pauta humanitária, e que está participando presencialmente com essa fala potente e forte que trouxe da sua trajetória. Eu só abro parênteses para fazer minha audiodescrição. Sou um rapaz moreno, de cabelos pretos. Eu uso um óculos preto. Estou vestindo uma camisa preta, gravata cinza, terno escuro. E, ao fundo, tem um plano de fundo de uma tela branca com alguns losangos de cor azul clara e azul um pouco mais escura. Também há o logo do MPF, do Ministério Público Federal, que é a instituição onde eu trabalho e que eu honroasamente venho representar, agradecendo o convite do Senado Federal, da Comissão de Educação e Cultura, por essa possibilidade de participar desse debate de grande relevância. Cumprimento os demais participantes e membros da sociedade civil que estão acompanhando. De início, eu ia lembrar o princípio do nada sobre a rua sem a rua, um princípio muito forte, como já falado aqui, e também de não ter alguém dos movimentos falando, mas isso hoje, graças a Deus, foi mitigado com a presença do Anderson. Embora ele não esteja falando pelos movimentos, faça parte do Ciamp-Rua e também do Governo Federal, ele traz uma trajetória muito dura da realidade das ruas e pôde trazer contribuições fortes da sua experiência, mas fica a sugestão para que, nos próximos atos dessa tramitação, iniciativas semelhantes por pessoas das organizações e movimentos das pessoas em situação de rua tenham voz e participem ativamente dessas escutas. |
| R | Quanto ao mérito dessa propositura, desse projeto de lei, venho salientar que o dia 19 de agosto não é uma data qualquer. É a lembrança de uma tragédia, marca o início do episódio conhecido como a Chacina da Sé, ocorrida em 2004, em que sete pessoas em situação de rua foram brutalmente assassinadas e outras gravemente feridas enquanto dormiam na Praça da Sé, aqui em São Paulo. Lembro, como disse o Padre Júlio Ancelotti, que essa injustiça brutal está até hoje impune. Essa data, portanto, é símbolo de uma luta contra a invisibilidade, a exclusão e a violência institucional. Como já dito, o Brasil hoje ultrapassa mais de 335 mil pessoas, segundo levantamentos do Polos de Cidadania da UFMG, e esse número representa rostos, histórias e vidas que têm sido sistematicamente negligenciadas pelo poder público e pela grande maioria da sociedade brasileira. Trata-se de um fenômeno que cresce de forma alarmante. Somente na última década, tivemos um aumento de mais de 200% de pessoas que passaram... (Falha no áudio.) ... nas ruas, alimentado por fatores como a pobreza extrema, o racismo estrutural, a perda de vínculos familiares, o desemprego, o despejo forçado e a ausência de políticas públicas de moradia efetiva. Para além da necessária visibilidade simbólica proporcionada pela data de 19 de agosto, é imprescindível destacar que o enfrentamento duradouro da situação de rua exige o fortalecimento de políticas públicas estruturantes: moradia digna, acesso à renda e à empregabilidade, educação inclusiva e formação cidadã, inclusive educação financeira, que são elementos indissociáveis para a construção ou recuperação da dignidade da pessoa humana. A experiência brasileira e internacional demonstra que modelos baseados na Moradia Primeiro (Housing First), aliados à capacitação profissional e ao apoio psicossocial, não só são mais eficazes, como também mais econômicos do que os atuais modelos de abrigos coletivos, pois reduzem a reincidência nas ruas e promovem uma reintegração social sustentável. Da minha trincheira aqui do MPF, eu destaco que a nossa instituição tem participado ativamente de ações concretas como os mutirões Pop Rua Jud, iniciativa do CNJ, que já teve mais de 170 edições por todo o Brasil. Temos nos empenhado em garantir o acesso à Justiça, à cidadania e à dignidade dessa população. Temos nos esforçado para nos comunicar adequadamente, trabalhando os seus documentos, inclusive em um formato inovador, com a utilização de uma linguagem mais simples e a prática da escuta ativa, com empatia às pessoas afetadas. Nesse contexto, voltando à questão do 19 de agosto, a institucionalização de uma data oficial de luta representa não apenas uma homenagem às vítimas do passado, mas o compromisso com o presente e o futuro. Trata-se de reconhecer que pessoas em situação de rua não são invisíveis, não são descartáveis e, sobretudo, são sujeitos de direitos. |
| R | A criação do dia nacional de luta da população em situação de rua fortalecerá a articulação de políticas públicas, impulsionará campanhas de conscientização e incentivará a formação de redes de apoio interinstitucional, que são fundamentais para transformar a realidade. Em sintonia com a política nacional do Decreto 7.053, de 2009, e com a Resolução 425, de 2021, do CNJ, estabelece diretrizes para o Poder Judiciário nesta temática. O projeto em análise nesta Comissão do Senado representa um avanço civilizatório. Como já bem pontuou o Padre Júlio Lancellotti, apesar da importância da decisão liminar do Supremo Tribunal Federal na ADPF 976, de julho de 2023, ao se determinar diversas medidas para todos os entes, União, estados-membros, Distrito Federal e municípios, no sentido de reconhecer direitos a essa população, nota-se um tímido ou escasso esforço governamental para se fazer efetivamente cumprido. Pelo contrário, são diárias e recorrentes as notícias que vemos sobre violações e abusos a essas pessoas em todo o país, que não têm sido tratadas como cidadãs, sem contar as dificuldades para acesso a documentos e exercer os seus direitos hoje no contexto digital. Portanto, senhores e senhoras, sobretudo Parlamentares, a aprovação desse projeto é um passo necessário para reafirmar que o Estado brasileiro não tolera a violência, a aporofobia, nem a indiferença. Ao reconhecer oficialmente essa data, enviaremos uma poderosa mensagem de que a dignidade da pessoa humana, princípio fundante da República Federativa do Brasil, não pode ser relativizada, nem mesmo quando se trata de pessoas que vivem nas periferias das nossas cidades, às margens da nossa sociedade. Desse modo, nos manifestamos pelo integral apoio à aprovação desse projeto de lei que institui o dia nacional de luta pela população em situação de rua e que, mais importante que isso, esse ato venha acompanhado de esforços coletivos e concretos no sentido de efetivar os direitos que já estão reconhecidos. Muito obrigado, Senador, e muito obrigado aos demais. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Meus cumprimentos ao Sr. José Rubens Plates, Procurador da República e Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Adjunto em São Paulo - PRDC-São Paulo. Parabéns pela sua síntese, que vem ilustrar o nosso debate. Agora são 12h10. É de praxe que eu tenha que ler as perguntas que chegaram. Nós temos horário para terminar aqui, que seria às 13h. Eu vou ler as perguntas, e, se vocês todos concordarem, o Padre Lancellotti faria uma fala final pelo tempo que ele achar necessário de todos os convidados. Pode ser? E, claro, se alguém entender que há uma pergunta fundamental que tenha que responder, eu também saberei ser flexível. Perguntas do e-Cidadania. Aeda, de Pernambuco: "A população em situação de rua tem sido ouvida na formulação de políticas públicas que lhes dizem respeito?". Acho que é importante que alguém responda dentro do possível. Alessandra, de São Paulo: Pessoas em situação de rua [muitas vezes não têm documentos] para serem acolhidas. [...] Como [...] desburocratizar [esse processo]?" |
| R | Carlos, do Rio de Janeiro: "De que forma esse reconhecimento pode ajudar a desconstruir a visão preconceituosa da sociedade sobre a população em situação de rua?". Aelton, do Rio de Janeiro: "Qual o planejamento [...] do Governo [...] para a população [em situação de rua que faz uso] de drogas [...] no Brasil?". Rubya, de São Paulo: "Como a instituição desta data pode contribuir concretamente para o enfrentamento das violações de direitos voltados a essa população?". Alexandre, de Minas Gerais: "Menos datas simbólicas, mais ações reais, acolhimento, capacitação e trabalho para tirar pessoas da rua com dignidade e autonomia". Almira, da Bahia: "[Reservar percentual do Minha Casa, Minha vida para pessoas em situação de rua, conforme suas necessidades]". Billie, do Acre: "[...] precisamos de leis que [garantam um plano de] reabilitação para essas pessoas, elas precisam de ajuda [com urgência]". Raquel, de Pernambuco: "Como o projeto garante a proteção integral e retira da miséria pessoas em situação de rua, além do reconhecimento da luta?". Ricardo, do Paraná: "Corrigir é mais difícil que prevenir. Quais ações preventivas podem ser implementadas?". Sabrina, do DF: "Por que o Legislativo não cria uma lei de obrigatoriedade de cuidados básicos de direitos humanos das prefeituras para a população em situação de rua?". Marileia, do Rio de Janeiro: "Quais são as obrigações do Centro de Referência Especializado de Assistência Social do território [...] para com o usuário quando a pessoa tem transtornos mentais e comorbidades?". Por fim, Mariana, de Pernambuco: "Garantir moradia digna, acesso à saúde, emprego e participação social efetiva, com orçamento específico e políticas intersetoriais". José, de São Paulo: "Criar comitês em todas as cidades, com coordenação das câmaras municipais, para organizar condições para a população de rua". Fábio, do Rio Grande do Sul: "O país deveria ter um local de acolhimento de pessoas em situação de rua em todos os municípios [...]". Essas são as perguntas e algumas afirmações. Eu pergunto se alguém da mesa gostaria de responder uma ou outra pergunta, com brevidade. (Pausa.) Então o Anderson vai ser um que vai responder, e o senhor fará uma fala final de encerramento em nome do Plenário, em meu nome e em nome dos convidados, o.k.? Então, o primeiro que pediu para responder, eu vou pedir que você fique - daí dá tempo tranquilo - em torno de três minutos. O SR. ANDERSON LOPES MIRANDA (Para expor.) - Obrigado, eu só vou responder a questão de que não é a Câmara Municipal que tem que criar Ciamp-Rua, é o Executivo que encaminha para a Câmara Municipal, mas com acompanhamento do Legislativo. E nós, enquanto Ciamp Nacional, já encaminhamos uma recomendação, a Recomendação 02, para todos os estados e municípios, de criarem os comitês municipais e estaduais, com participação das entidades, dos movimentos. Então isso está na ADPF, como o Padre Júlio bem colocou, na ADPF 976, que tem que criar os comitês municipais e estaduais, discutir o orçamento, discutir a política, participação, não adianta criar um comitê municipal e não haver participação da sociedade civil. E aí a participação da sociedade civil é importante, mas aí o Executivo não vai, só vai assistência à saúde. Não, é todas as secretarias, desde a secretaria do Sr. Prefeito ou Governador com as outras secretarias. Nós estamos fazendo isso. |
| R | Hoje nós temos 11 ministérios, Senador, 11 ministérios compondo o Ciamp-Rua, discutindo, dialogando, debatendo, organizando a política e vivendo o Plano Rua Visíveis para o nacional, para os estados e para o município. Foi criado o plano com cem metas. A gente sabia que não iriam executar as cem metas. Estamos diminuindo agora as metas para que executem, que cumpram e que façam. Isso é uma determinação da ADPF. Primeiramente, cria-se o comitê. Criou-se o comitê municipal e os estaduais, monitoramos e aí a política tem que ser executada. Esse é o nosso papel. Só queria responder a essa pergunta, porque é importante. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Não, foi muito bem. Este foi o Sr. Anderson Lopes Miranda. (Palmas.) Alguém mais quer responder a alguma pergunta? Fiquem bem à vontade. Temos um tempinho ainda, porque eu quero encerrar 1h e são 1h15. Então, Sra. Alyne Alvarez Silva, por favor, diga a pergunta e comente. A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA (Para expor.) - Tem várias perguntas aqui que caberiam à assistência social responder, então, acho que, se a Julia também quiser colocar... Tem uma da Marileia, do Rio de Janeiro, que fala: quais são as obrigações do Centro de Referência Especializado de Assistência Social - estou imaginando que está falando do Centro POP, em específico - para o usuário, quando a pessoa tem transtornos mentais e comorbidades? É importante falar da intersetorialidade e da necessidade de realizar interlocuções com a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) e com os serviços que fazem atendimento às pessoas que estão em sofrimento psíquico. O Centro POP tem a obrigação de acolher essa pessoa e de construir um plano individual de atendimento que vai entender quais são as necessidades imediatas dessa pessoa para que, de fato, essa política de assistência, mas também outras, possa responder às situações que ele está vivendo. Então, um acompanhamento, tanto do Centro POP quanto de um CAPS - um CAPS que, de fato, tenha uma estrutura que possa receber essa pessoa para acompanhá-la a partir de um projeto terapêutico singular, em parceria - pode, sim, construir uma ação muito efetiva para o cuidado dessa pessoa e a efetivação do seu direito. Para ser bem sintética, acho que respondendo à Marileia. Com relação à prevenção: quais ações preventivas podem ser implementadas? Acho que isso extrapola, claro, a assistência social, mas a gente também pode pensar... Inevitavelmente, tem que colocar que a gente vive num mundo em que as desigualdades sociais, como efeito desse modo de produção capitalista, pautado no neoliberalismo, que preza pela acumulação de riquezas e o aumento da desigualdade social, inviabilizam que todas as pessoas, de fato, tenham um lugar ao sol. A gente tem, de fato, um sistema que produz a miséria e que produz, portanto, pessoas que vão ficar à margem, vão ficar marginalizadas dos sistemas sociais, que deve, então, garantir que essas pessoas não sejam mortas, criminalizadas, etc., mas esses sistemas sociais só ficam de pé e só se constroem continuamente quando... (Soa a campainha.) A SRA. ALYNE ALVAREZ SILVA - ... de fato há uma participação social efetiva e o controle social dos movimentos que lutam por essas garantias, no caso, os movimentos da população em situação de rua. Então, a prevenção tem a ver com muitas coisas, mas é preciso sempre, o tempo inteiro, garantir a participação social para o controle e a efetivação das políticas públicas. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, esta foi a Sra. Alyne Alvarez Silva, que respondeu a duas perguntas. Alguém mais quer responder a alguma pergunta? A Sra. Julia Caetano Ferreira, por favor. A SRA. JULIA MEZAROBBA CAETANO FERREIRA (Para expor.) - Muito obrigada, Senador. Então, quero comentar brevemente algumas questões que tangenciam a questão da proteção social. A Alessandra pergunta das pessoas em situação de rua que não possuem documentação... (Soa a campainha.) (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Não, é pela outra, é do tempo dela. |
| R | A SRA. JULIA MEZAROBBA CAETANO FERREIRA - ... para o seu acolhimento e como desburocratizar esse processo. A orientação do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome é para que as pessoas em situação de rua não tenham acesso negado às unidades de acolhimento por não estarem em posse de seus documentos pessoais. E, para além disso, acabaram de entregar aqui para a gente uma cartilha do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania que fala justamente sobre o acesso da população em situação de rua à documentação civil. É importante dizer que essas pessoas, por serem hipossuficientes - de acordo com uma autodeclaração -, têm gratuidade na emissão de segunda via de documentos. Então, também é papel da assistência social encaminhá-las para esses postos de segunda via da documentação para que elas consigam acessar esse direito básico, que é o da documentação civil. E tem três perguntas que questionam sobre como essa proposta, esse projeto de lei pode desmantelar as visões preconceituosas sobre a população em situação de rua e, efetivamente, contribuir com o enfrentamento à discriminação, à aporofobia, que a população em situação de rua sofre. Bom, a população em situação de rua é um grupo populacional heterogêneo, é um recorte da população em geral. Por conta disso, a gente encontra na rua todos os demais segmentos sociais que a gente encontra em outros estratos da sociedade civil. E eu acredito que iniciativas que visem trazer à luz a realidade da população em situação de rua, a história de vida das pessoas que estão em situação de rua e as potencialidades que as pessoas em situação de rua carregam, por si só, já são iniciativas que efetivam direitos e desmantelam preconceitos sobre a população em situação de rua. Então, só o fato de a gente estar debatendo a instituição dessa data dentro do calendário formal de datas do Brasil já é uma importantíssima conquista para as pessoas em situação de rua. E o Ricardo, meu colega do Paraná - também sou paranaense -, diz: "Corrigir é mais difícil que prevenir. Quais [são as] ações preventivas [que] podem ser implementadas?". Aí, sim, a assistência social desempenha um importantíssimo papel dentro do diagnóstico das vulnerabilidades e riscos sociais que se apresentam nos diferentes territórios... (Soa a campainha.) A SRA. JULIA MEZAROBBA CAETANO FERREIRA - ... entendendo que, em diferentes territórios, a situação de rua também perpassa diferentes vulnerabilidades. Então, quero colocar a importância da assistência social nesse diagnóstico, porque a prevenção à situação de rua é promover segurança habitacional, é promover segurança alimentar e nutricional, acesso à renda, emprego, trabalho - todas essas são ações preventivas. A prevenção à situação de rua é dar condições de vida dignas para que as pessoas não precisem acabar caindo na situação de rua como a última forma possível de se manterem vivas. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Sra. Julia Caetano Ferreira. Alguém mais? O SR. JOSÉ RUBENS PLATES (Por videoconferência.) - Senador... Senador Paulo Paim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Tiago, por favor. O SR. JOSÉ RUBENS PLATES (Por videoconferência.) - Senador... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Onde? (Pausa.) Você está inscrito. A sua fala já garantiu a inscrição. Agora, eu vou passar para o Sr. Tiago Kalkmann - em seguida é você, viu? O SR. TIAGO KALKMANN (Para expor.) - Bom, apenas complementando a questão da documentação, que foi questionada pela Alessandra, esse realmente é um dos gargalos que nós temos no acesso às políticas públicas por uma série de fatores. Primeiro, há medidas concretas que deveriam ser adotadas, como as imediatas instalações de bagageiros, locais para a guarda dos documentos, porque isso evita a perda, que muitas vezes decorre até de chuva. A questão das certidões de nascimento, que são necessárias para emissão da carteira de identidade, ainda geram uma dificuldade muito grande porque são emitidas em vários locais do Brasil, e muitas vezes as pessoas em situação de rua circulam muito, o que acaba prejudicando a possibilidade de obter uma via da certidão de nascimento de forma gratuita. O Conselho Nacional de Justiça, por meio de um provimento, já regulamentou a obtenção gratuita, mas isso na prática não está sendo efetivo porque, ao mesmo tempo em que se diz que a emissão é gratuita, cartórios de outros estados cobram a emissão, o envio e taxas cartoriais para encaminhar a certidão para outros locais. Então, na prática, isso não vem sendo efetivado. |
| R | Além disso, sobre a questão da emissão da documentação, eu acho que nós precisamos avançar também para além da segunda via gratuita. A segunda via gratuita, que é garantida pela assistência, é um passo importante, mas, para a carteira de identidade nacional atualmente, a primeira emissão é gratuita, e a segunda via a pessoa consegue por meio da assistência social, mas, muitas vezes, esses documentos são perdidos novamente em razão de diversos fatores, como a criminalidade, as mudanças climáticas, a própria retirada forçada dos pertences. Então, é necessário avançar para a concessão de novas vias gratuitas de documentos, especialmente a identidade nacional, para além da segunda via. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o Sr. Tiago Kalkmann. Agora, vamos para, à distância, o senhor que pediu a palavra, o Sr. José Rubens Plates, de forma remota, por favor. O SR. JOSÉ RUBENS PLATES (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador. Só queria chamar a atenção... Foi mencionada ali no chat, sobre o percentual do Minha Casa, Minha Vida, uma questão de moradia. Teve uma portaria recente de três ministérios - portaria de maio de 2025 do Ministério das Cidades, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e do Ministério de Desenvolvimento Social - que regulamentou a destinação de 3% das moradias do Programa Minha Casa, Minha Vida a pessoas em situação ou com trajetória de rua. Eu lembro aqui que foram previstos recursos para todas as capitais do Brasil e também para aqueles municípios que registrem mais de mil pessoas vivendo nas ruas. Aqui em São Paulo nós já começamos a fiscalização do cumprimento dessa portaria e é importante compartilhar essa informação para que os movimentos, o Ministério Público e a Defensoria apurem a efetividade do cumprimento desse dispositivo e tenha o potencial de conceder moradia efetiva e definitiva para as pessoas que tiveram trajetória de rua. É só isso. Agradeço. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - José Rubens Plates... (Palmas.) ... meus cumprimentos. Alguém entre os painelistas quer ainda usar a palavra para comentar alguma pergunta ou comentário? Estão, com enorme satisfação, passamos a palavra... Queiramos ou não, todos nós somos admiradores dele, tenho certeza absoluta, milhões de pessoas neste país todo. Com a palavra o Padre Júlio Renato Lancellotti, para o pronunciamento de encerramento, pelo tempo que ele achar necessário. O SR. JÚLIO RENATO LANCELLOTTI (Para expor.) - Eu só queria dizer algumas coisinhas, não queria ser chato nem desagradável, mas muitas vezes quando a gente ouve a exposição das políticas chamadas públicas, quem está na base não percebe. Quem está lá na calçada não vê a incidência real de todos esses discursos oficiais. Acho que a gente deveria ter uma ouvidoria direta com a população de rua. A gente sugeriu que o Ciamp-Rua fizesse - nós estamos na era da inteligência artificial online - as reuniões não trazendo as pessoas para Brasília, mas levando as pessoas para os lugares e fazendo audiências públicas com a presença da população de rua, porque não dá mais para viver de representantes profissionais, que são sempre os mesmos representantes. |
| R | Então, eu acho que hoje nós temos tecnologia e espaço para fazer uma audiência pública com a população de rua lá no Chá do Padre; na Casa de Oração do Povo da Rua; lá no Recife; na Bahia; em Porto Alegre; em todos os lugares. Dá para fazer uma audiência pública direto de Florianópolis, pondo a população que está na rua, na praça. Nós propusemos, na COP 30, um almoço com a população de rua nas ruas de Belém, para chamar atenção das autoridades, inclusive internacionais. Os que mais poluem não virão, mas que os outros estejam lá e se faça uma COP 30 com a população em situação de rua. Uma das coisas... Nós temos o Ciamp, mas nós precisamos integrar mais as ações. Eu queria também partilhar com o Prof. Augusto, que está aqui, que tem algumas sugestões também em relação à questão da saúde, mas, muitas vezes, o pessoal da saúde, do consultório, que é feito em parceria, fica tão institucional - e os modelos são tão diferentes de um lugar para o outro - que acaba causando uma estranheza. O Caps fica de um lado, o Consultório de Rua fica do outro. Os dois são da saúde, mas quem é que atende a questão do sofrimento mental? Depois, o Consultório de Rua não pode agir em relação a acolher uma pessoa que está doente na rua, porque isso é da assistência social. E não tem como integrar. Como será feita essa integração? Porque senão as nossas políticas públicas acabam não tendo incidência no real. Eu estou todos os dias na calçada ouvindo os irmãos. Eles continuam descalços, com frio, sem roupa, esperando o atendimento da Secretaria Municipal de Assistência Social por três horas, quatro horas, cinco horas. Ficam lá na garoa, esperando. Quando chegam ao lugar para o qual foram encaminhados, ficam mais três horas esperando para entrar. O real é isso. Então, se se diz "Nada de nós sem a nossa presença", vamos fazer, ouvir diretamente. Hoje existe tecnologia para isso, de se fazer diretamente a chamada. Podia ter uma central de chamadas da população em situação de rua, que iria dizer... Como garantir que a população de rua tenha... Eu queria insistir nisto: o Gov.br sem tanta burocracia e sem... Terem os instrumentos. Ou, quem sabe, os ministérios poderiam fazer uma parceria com alguma dessas companhias de telefonia, que têm tanta força para garantir o acesso, o letramento e a inclusão digital. Nós estamos lá com alguns computadores, com fones, e eles estão inclusive achando a família pelo Facebook. Só que isso eles não podem fazer nos órgãos dos convênios e da chamada política pública. Eu vi um, tão feliz, dizer para mim: "Olha, padre! Encontrei a minha irmã; ela está respondendo para mim". Hoje é tudo digital. A gente tem que... |
| R | Eu sei que, para o Ciamp é um gasto enorme, e fica a discussão: "Vem o titular e vem o suplente", aí precisa ter passagem para todo mundo; eu, para vir aqui hoje, não ganhei passagem de ninguém, tive que garantir a minha própria passagem. E eu não queria fazer online, quis vir presencialmente pela importância, mas não é sempre possível isso. Então, como garantir canais de conversa com a população em situação de rua? Nós ficamos muito nesse institucional. Eu acho que a gente deveria dizer que o institucional tem que ser flexível; que o institucional não pode amarrar, criar amarras e cimentar a ação dos trabalhadores, dos técnicos. Deveria - é institucional - ser flexível. É institucional a criatividade. É institucional abrir espaços novos. Então, há pouca integração da parte da saúde com a assistência social. Essa, eu suponho - vocês, que são técnicos, historiadores e conhecem bem, - que essa divisão em ministérios, pastas e secretarias, eu acho, é um modelo de 1940. Aí fica: "Isso é da saúde. Isso aqui é da assistência social. Isso aqui é do trabalho. Isso aqui é da moradia" e é uma pessoa só! Essa pessoa tem necessidade de moradia, ela tem necessidade de saúde. Estar na rua já é sofrimento mental; não saber onde vai comer já é sofrimento mental; ter uma dor e uma necessidade de saúde; e não ter acesso imediato ao socorro já é um problema de sofrimento mental; esperar quatro horas para o Samu chegar é uma questão de sofrimento mental; não ter certeza... Receber alta e ser posto na rua... E aí fica aquela coisa: o paciente evadiu. É bonito isto: o paciente evadiu. Eu queria pedir licença para quebrar o protocolo e pedir ao Prof. Augusto que completasse essa questão que você falou dos Consultório de Rua, da importância do fortalecimento e dessas questões institucionais. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Aqui ele manda, ele não pede. Ele orientou você a falar, viu? O SR. MARCELO AUGUSTO DE SOUSA E SILVA (Para expor.) - Eu acompanho o Padre Júlio no dia a dia e acho uma coisa bem interessante - só para fazer essa pequena introdução e falar o que é importante - que ele, pela manhã, reúne-se com os moradores em situação de rua ali na Moca, dá o café, dá o pão; todos nós, os voluntários, todos que estão com o Padre Júlio são pessoas voluntárias. Aí, no final do dia, a gente está reunido com o secretário do gabinete do Prefeito e levamos propostas interessantes, e nada vai para a frente. Ele tem uma proposta muito interessante, que é a criação de uma espécie de Descomplica, que é o termo que se usa em São Paulo, para a Pop Rua, em que poderia ser feita muita coisa, como se faz nos Centros POP. Que, no caso, seria, por exemplo, providenciar a certidão de nascimento. Eu trabalhei um tempo no Consultório na Rua e, se um irmão que está em situação de rua tiver, por exemplo, um mandado de prisão por pensão alimentícia, e eu encaminhá-lo para o Poupatempo em São Paulo, ele é preso na hora. Quando ele chega lá, ele dá entrada no RG e fica detido. Então, são coisas que a gente precisa para garantir o direito dessa população. Essa situação do Consultório na Rua, que não se comunica com o sistema da assistência social, é muito, muito, muito forte. Então, a gente ficar atrelado a um sistema engessado, que não consegue andar, que não consegue ir para a frente. |
| R | Uma coisa muito importante que nós temos visto, por exemplo, é a questão da certidão de nascimento, principalmente. Tivemos que montar uma agência de empregabilidade com voluntários que fazem tudo aquilo que os assistentes sociais, nos albergues e abrigos, não fazem. Então, a gente às vezes tem que mentir o endereço de onde o irmão está, colocar o endereço lá do Centro Santa Dulce dos Pobres para garantir que ele consiga uma vaga de emprego - e, por incrível que pareça, está funcionando! O maior problema que a gente vê, que eu vi, quando estava no Consultório na Rua, é o problema do Gov. Isso é uma coisa muito séria. As pessoas que estão em situação de rua não têm telefone, não têm computador, não têm acesso à internet. São poucos os abrigos que têm computadores, um ou dois, e deixam os irmãos acessarem. Não podem acessar Facebook, não podem acessar mídia digital, e às vezes eles querem encontrar os familiares. São essas as coisas que a gente gostaria de colocar aqui, principalmente o fortalecimento das equipes do Consultório na Rua, porque existe uma diretriz nacional - a gente pode olhar isso no Ministério da Saúde -, mas cada município faz do seu jeito, e aí dificulta, engessa. As equipes dos Consultório na Rua... Por exemplo, onde eu trabalhei, a médica atendia no expurgo. A médica do Consultório na Rua de São Paulo, equipe Zona Norte, atende no expurgo da UBS. Não existe sala para uma equipe de 22 funcionários do Consultório na Rua, então ela... Às vezes eu presenciei isso de os irmãos de rua dizerem: "Nossa, doutora, a senhora atende aí?", aí a gente brincava chamando de "batcaverna", porque era uma coisa assim, mais ou menos deste tamanho, e tinha que entrar ali dentro para poder atender, só que a médica era uma pessoa muito humana, muito gentil, então ela ria, brincava e atendia... (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Vai, vai. Pode concluir, vai. O SR. MARCELO AUGUSTO DE SOUSA E SILVA - Era dessa forma. A experiência do Consultório na Rua, que eu posso trazer para contribuir com esta Comissão é que a gente precisa... Os agentes que estão nos Consultório na Rua - agente social, agente de saúde... Eu fui agente social; agente de saúde é o operacional de campo, é a linha de frente! Esse pessoal não tem fortalecimento, eles só vivem em cima de pancada, pancada, pancada, pancada, "não pode isso", "não pode aquilo"... Nas sextas-feiras, nós vamos para o território do terminal de cargas, em São Paulo, onde há muita vulnerabilidade social, crianças e adolescentes em situação de exploração infantil e exploração sexual - todo mundo sabe disso em São Paulo. Ali, a gente chama o Consultório na Rua, o consultório vem e o padre fala: "Sentem-se, vamos almoçar juntos". Eles falam: "Não podemos, padre". O padre pergunta: "Como não podem?". Eles respondem: "Não; é institucional. Não podemos almoçar juntos". Como é que eu vou oferecer almoço para a população em situação de rua... (Soa a campainha.) O SR. MARCELO AUGUSTO DE SOUSA E SILVA - ... se eu não posso comer junto com eles? É uma coisa muito séria, porque eu posso estar oferecendo comida envenenada - eu não vou comer? A gente sempre faz questão de comer junto, para provar que o alimento é bom, que o alimento é verdadeiro, e a gente tem feito isso. A proposta que a gente sempre faz e pela qual o Padre Júlio tem lutado muito nesses últimos tempos é o fortalecimento das equipes dos Consultório na Rua. Eu acredito que o Ministério da Saúde precisa dar uma diretriz maior para os estados e municípios, para que os municípios possam ter alguma forma... Gente, meu amigo estava, ano passado, no congresso do Consultório na Rua, e a gente vai trocando experiências. Tem equipes de Consultório na Rua, por aí Brasil afora, que não têm espaço para atender a população, que não têm uma base. Ninguém quer o Consultório na Rua, as UBSs não querem! Aí, quando chega um morador de rua, a UBS fala: "Ah, você tem que ir lá para o expurgo falar com a médica, porque é lá que atende". Eles segregam os pacientes! As pessoas em situação de rua, os irmãos de rua são segregados da maioria, do restante da população. E isso é muito sério. E a gente tem lutado, lutado... E o Padre Júlio tem propostas muito interessantes, ideias muito interessantes. |
| R | Rapidamente, nós estamos iniciando em agosto, com o Sistema S, uma casa que vai chamar-se Casa Nossa Senhora das Mercês; tudo por conta da Pastoral do Povo da Rua. Essa casa terá uma academia - eu sempre brinco - no padrão Smart Fit, uma academia boa, de boa qualidade, que será para os irmãos em situação de rua, que vão vir pelo Caps, que estão em aderência ao tratamento do Caps. Por que uma academia? Vai deixar... Como disse o pessoal de Belém, lá em São Paulo: "Vai deixar agora os mendigos bombadinhos?". Não, não é essa a ideia. A ideia é para que, através da musculação, da prática do exercício físico, a pessoa possa melhorar a autoestima, possa liberar hormônios que vão fazê-la produzir mais no seu dia a dia e, assim, aderir ao tratamento do Caps. É dessa forma que a gente vai conseguir fazer com que os irmãos em situação de rua possam aderir ao tratamento. Não é pegar um celular, ir para a rua e dizer: "Você, na minha rua, não vai ficar. Ou é emprego ou você vai para a sua cidade". Não é assim que se resolve! Não é dessa forma. O Cláudio foi um que veio da Cracolândia, apareceu lá no território, o padre o acolheu, e nós ali lutamos atrás de uma vaga para ele se internar, porque ele veio atrás de pedir. Conseguimos encaminhá-lo para uma clínica, para uma comunidade de terapêutica, e ele está lá. Mandou vídeo: está escrevendo, está pintando, cortou o cabelo, vai arrumar os dentes. E ele foi abordado pela Prefeitura de São Paulo, encaminhado para uma clínica que não existia, encaminhado para uma vaga de emprego que não existia. Esses Prefeitos não fazem a comunicação em rede, não preparam a rede, mandam todo mundo para as clínicas de reabilitação, e não tem vaga. Não tem vaga! Vi a apresentação que a colega fez das vagas que existem no Brasil. Em São Paulo, a gente pensa em 80 mil pessoas em situação de rua - dados do CadÚnico. Era isso. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Sr. Marcelo Augusto de Sousa e Silva, que faz um trabalho voluntário e mostrou que, na prática, esse é o mundo real. Então, parabéns a V. Exa. - posso chamá-lo de V. Exa.? Fez uma bela fala. E, como havia combinado, o Padre Lancellotti vai encerrar agora. O SR. JÚLIO RENATO LANCELLOTTI (Para expor.) - Então, para que algumas dessas propostas (Fora do microfone.) sejam concretizadas, eu sugeriria, eu pediria aos ministérios que estão aqui representados que, com o Ministério da Saúde, pudéssemos fazer um momento de revisão dos Consultório de Rua, para tornar, talvez, a estrutura mais democrática, torná-la uma estrutura mais participativa e mais assumida nas secretarias estaduais de saúde e municipais. Eu sei que é chato a gente repetir mais uma vez, mas vamos levar isto a sério: que o acesso ao Gov da população de rua seja feito como uma cota; que a população de rua tenha o acesso facilitado ao Gov. Que não seja... Até eu estou com dificuldade: eu tenho que pegar o meu certificado de vacina para ir para a Colômbia e estou com dificuldade de acessar o Gov. Então, imagine a população em situação de rua, que não tem smartphone, que não tem sinal de internet. Como eles vão acessar? Acho que a gente teria que ter, pela quantidade de pessoas em situação de rua, para facilitar o acesso a todos os outros programas, um Gov com uma cota de acesso facilitado para a população em situação de rua. |
| R | Acho que, se todos os grupos ajudassem nisso, facilitaria muito. E é uma coisa muito concreta, ter uma senha especial, ter... Eu não sei, eu não entendo bem de tudo isso, mas alguma coisa que facilitasse. E que a população em situação de rua, em qualquer lugar do Brasil, acessasse com algum instrumento. Garantir que as reuniões do Ciamp sejam online, com uma participação. Por quê? A população em situação de rua do Amazonas, de Roraima, é diferente da população em situação de rua de Porto Alegre, do Rio de Janeiro, da Bahia, de São Paulo. Então, a gente tem que ouvir, porque às vezes se faz a chamada política pública nacional, mas não se leva em conta a característica regional. Nós não podemos comparar a situação da população em situação de rua de Manaus com a de Porto Alegre; e ter respostas idênticas para Porto Alegre e para Manaus, para o Recife, para Salvador. A população em situação de rua do Rio de Janeiro tem especificidades, a população em situação de rua indígena tem outra especificidade. Nós temos em São Paulo pessoas em situação de rua que são imigrantes venezuelanos. A questão da população LGBT. A população em situação de rua negra, LGBT, em situação de rua, quantas vezes ela é penalizado por ser negro, por ser negra, por ser uma mulher trans, por estar em situação de rua? É uma criminalização e uma exclusão que se potencializam. Então, a gente tem que saber que essas especificidades estão presentes. E tem que ficar claro o papel das guardas civis metropolitanas na questão da zeladoria pública. O pacto é federativo, há que se respeitar a questão federativa, a questão dos municípios - mas a pessoa se sobrepõe a tudo isso. Há o art. 5º da Constituição, que garante a defesa da cidadania dessas pessoas. Então, acima do federativo, do município, das diferenças, há uma garantia constitucional para todas as pessoas que estão no território nacional. E a pessoa em situação de rua não pode ser despida dos seus direitos constitucionais. E os direitos constitucionais se sobrepõem às práticas municipais e estaduais, e tem que ser garantidos. Então, eu acredito que, se nós tivermos um Gov com uma cota especial, um acesso especial à população em situação de rua... Eu acredito que o Senado Federal, a Câmara Federal, o Congresso Nacional não vão se opor a isso; que o Governo Federal e os governos estadual e municipal não vão se opor ao que garante de imediato uma resposta. E essa questão da documentação facilitada para a população em situação de rua... E principalmente o Gov que dá acesso a todos os programas... |
| R | E fica o nosso apelo ao Ministério da Saúde. Nós nos colocamos à disposição, junto com todos os outros grupos, para estudar uma forma de, depois de tantos anos, reestruturar a questão dos consultórios de rua, mantê-los, mas reestruturá-los de uma forma mais eficaz, efetiva e que chegue de perto, sem tantas amarras institucionais, a todos e a todas. Eu termino até antes do tempo estabelecido, mas acredito que, se sairmos daqui com esses compromissos, valerá a pena ter vindo a Brasília e ao Senado Federal para chegarmos junto da população de rua e ter uma incidência, uma incidência real na vida deles. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, esse foi o Padre Júlio Renato Lancellotti, que fez a sua fala final. Assim, pessoal, esta Comissão cumpriu o seu objetivo. Fica aqui meu carinho, meu abraço à nossa querida Senadora Teresa Leitão, que preside esta Comissão. Quando solicitamos, ela, de imediato, marcou a data, o dia, a hora, e pediu que eu, inclusive, presidisse. E porque esse é também o ritual do projeto, não é? O projeto tinha que passar por um debate em uma audiência pública, e isso foi o que fizemos hoje, e no mais alto nível. Eu quero agradecer a todos que estiveram aqui e agradeço também ao Nilto, o nosso querido Nilto Tatto. Ele só não está aqui porque morreu um colega dele, ex-Deputado, lá em São Paulo - eu registrei na abertura. E assim está assegurada, na praxe regimental, esta audiência pública no mais alto nível. Acho que todos nós aprendemos um pouco mais hoje do que sabíamos da situação da população em situação de rua. E assim, com certeza, esta Comissão vai votar o projeto do Nilto Tatto - eu sou o Relator da proposta - que institui o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. Muito, muito obrigado a todos. Cumprimos todos os objetivos e assim encerramos a audiência pública de hoje. Palmas para todos, principalmente à população de rua. (Palmas.) (Iniciada às 10 horas, a reunião é encerrada às 12 horas e 50 minutos.) |

