19/08/2025 - 20ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 20ª Reunião da Comissão do Meio Ambiente da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nessa data, 19 de agosto de 2025.
Comunico que foram apresentados à Comissão os seguintes documentos:
Ofício Circular 901, do MMA, que convida os membros desta Comissão a participarem do seminário Agenda Legislativa e Impactos da Crise Climática no Semiárido, a realizar-se no dia 28 de agosto de 2025, das 14h às 17h, durante o Semiárido Show 2025, em Petrolina, Pernambuco.
Ofício 230, Anatel, do Conselho Diretor da Anatel, do Conselheiro-Diretor da Anatel, Alexandre Freire, que convida os membros desta Comissão a participar do Seminário Pré-COP 30, Anatel-BID, sobre o papel das comunicações digitais no enfrentamento das mudanças climáticas. O evento será realizado no dia 26 de agosto, das 9h às 18h, no Espaço Cultural Renato Guerreiro, na sede da Anatel, em Brasília, e contará com a presença de renomados especialistas e representantes de destaque nas áreas de clima e comunicações digitais.
Reforço o comunicado, já encaminhado, de que a Secretaria receberá dos membros da CMA sugestões de emendas ao PLDO 2026 até sexta-feira, dia 22, às 14h. Foi designada Relatora a Senadora Leila Barros, e a deliberação acontecerá na reunião de terça-feira, dia 26.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater a exportação de animais vivos por via marítima, impactos e riscos, em atenção ao Requerimento 10-CMA, de minha autoria.
Convido, para tomarem lugar à mesa, os seguintes convidados: Sr. George Sturaro, Diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas; a Sra. Leticia Filpi, Coordenadora do Grupo de Advogadas Animalistas Voluntárias e Consultora Jurídica da Agência de Notícias de Direitos Animais; a Sra. Maira Luiza Spanholi, Professora da Universidade do Estado do Mato Grosso; Vania Plaza Nunes, Diretora Técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal; Vanessa Negrini, Diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Antes de passar a palavra aos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211.
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O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que foram utilizadas pelos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos. Eu pediria aos convidados que, como eu tenho outras Comissões de que participo e tenho outras agendas, cumpríssemos rigorosamente esse prazo.
Existe um painel ali que vai ficar acionado com o tempo que o convidado terá para falar. Então, à medida que vai expondo suas ideias, vai analisando o tempo, porque aí você verifica se tem que acelerar ou não com sua apresentação.
Por gentileza, faço esse apelo, porque, se avançar no horário, eu vou ter que reduzir o tempo do convidado subsequente, porque eu não tenho como participar de outras audiências se não se cumprir o período aqui estabelecido.
Conto, humildemente, com a compreensão e perdoem-me por dar ênfase a essa fala. Por isso, eu tento restringir ao máximo o número de convidados para que eles possam ter um tempo maior para expor sua ideia.
Obviamente, eu sempre clamo - e a minha equipe da Comissão do Meio Ambiente sabe disso - e gostaria que tivesse, depois, uma reunião técnica, se possível, com os convidados, para só apresentarem sugestões que, aí sim, seriam o fruto daquela audiência pública. E a gente passaria isso para uma sugestão ou um projeto de lei.
Muito obrigado pelas considerações.
Agradeço o comparecimento de todos.
Bem-vindos ao Senado Federal. Bem-vindos à Comissão do Meio Ambiente, que eu tenho grande orgulho de presidir, pela segunda vez.
Antes de conceder a palavra, este assunto, para mim, é muito caro. Nós sabemos que o transporte de animais vivos pelo sistema marítimo viola alguns dispositivos tanto da nossa Constituição Federal, no art. 225:
Art. 225. .........................................................................................
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
.........................................................................................................
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécie ou [conjunção alternativa] submetam os animais à crueldade.
Nós temos também a Lei de Crimes Ambientais, que é a Lei 9.605, que, no art. 32, estabelece como crime "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". Quer dizer, você tem um mandamento constitucional que trata sobre isso, que fala sobre submeter os animais à crueldade - está no art. 225, inciso VII, da Constituição, desde o dia 5 de outubro de 1988 -, e nós temos uma lei infraconstitucional que é a Lei de Proteção Ambiental (Lei 9.605), que estabelece uma conduta criminosa. E olhem que eu estou falando só da responsabilidade criminal, além da responsabilidade civil ou administrativa pelo ato praticado.
Tenho orgulho também de dizer que eu fui, aqui no Senado, Relator da lei que aumentou a pena para maus-tratos de cães e gatos. Mas aprendi, aqui no Senado, que o ótimo é inimigo do bom. Eu queria que o aumento de pena fosse para todos e quaisquer maus-tratos a animais, mas nós sabemos que, para avançar, temos que ceder. Foi o que era possível construir para aprovação, e hoje é uma realidade. Hoje, na lei de proteção ambiental, no crime de maus-tratos aos animais, nós aumentamos a pena para os maus-tratos de cães e gatos.
Neste momento, eu concedo a palavra...
Desculpe... (Pausa.)
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Com a palavra a Sra. Vania Plaza Nunes, Diretora Técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, para, no prazo máximo de dez minutos, fazer a sua apresentação.
Solicito à Mesa que acione o prazo, por gentileza.
A SRA. VANIA PLAZA NUNES (Para expor.) - Bom dia a todos.
Eu vou pular a minha apresentação. Sou médica veterinária há 42 anos, formada pela Unesp de Botucatu, e vou trazer aqui para os senhores um pouco da realidade, porque, enquanto médicos veterinários, nós não podemos fechar os olhos para o que acontece com esses animais no transporte.
Inicialmente, eu queria trazer para os senhores os princípios da ciência do bem-estar animal, que vai falar sobre os aspectos físicos, o funcionamento biológico, as emoções, as sensações, a capacidade de cognição e o comportamento dos animais; ou seja, toda vez em que eu estiver falando em bem-estar animal, eu tenho que levar em conta essa tríade para que, de fato, a ciência do bem-estar animal seja aplicada em qualquer prática em que os animais são utilizados.
Quando a gente pensa no transporte marítimo de animais vivos, nesse caso, os bovinos, a gente tem que entender que a gente está falando de uma situação bastante complexa em que, na verdade, os animais são retirados do pasto, passam por viagens terrestres e, finalmente, chegam a um porto. Lembro que no Brasil a gente tem pouquíssimos portos que fazem esse tipo de transporte, o que obriga que os animais façam viagens terrestres muito longas. Chegando ao destino final, eles são embarcados, então, em viagens marítimas que duram de 15 a 30 dias, dependendo das condições climáticas a que esse navio estará submetido.
Eu queria pedir para o Marcos, se puder, colocar o vídeo. Acho que ele é importante, porque vai fazer um resumo do que é a vida desses animais dentro dos navios. Ele tem falas, é um vídeo de três minutos. Acho que é importante todos o observarem.
São duas cenas: uma feita no Porto de Santos, e a outra feita na África do Sul, no ano passado.
Foi, Marcos?
Por favor, desconte meu tempo.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Essa tarjeta não sai, Marcos? Ah, o.k.
Essa é a parte do transporte terrestre, quando os animais chegam para serem embarcados nos navios para começar a viagem marítima. Eles são animais que viajam uma média de 250km até 1.000km, dependendo da distância da fazenda que produz esses animais para essa finalidade. São animais jovens, animais ao redor de um ano e meio, dois anos de idade.
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Aqui, são os animais já no navio. Essas imagens são de Santos, quando os animais estavam, há quatro dias, dentro desse navio ainda. O navio não tinha zarpado.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Essas imagens foram feitas através de uma perícia realizada por uma médica veterinária, a Dra. Magda Regina.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Essa é a condição de bem-estar a que os animais são submetidos durante a viagem.
Gostaria de deixar uma pergunta para os senhores: os senhores enxergam alguma condição de bem-estar nesses animais?
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Então, dá para a gente perceber a quantidade de animais por recinto e a situação deles.
E, agora, um pouquinho do que a gente viu no ano passado. A primeira imagem é de 2018, e, agora, de 2024. Esses animais foram filmados em um navio que embarcou todos esses animais aqui, no Brasil, e esses registros foram feitos na África do Sul, por técnicos de organizações não governamentais locais que foram autorizados a entrar no ambiente e verificar a condição desses animais.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Essa é a condição normal, natural dos animais durante todos os dias de viagem.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Essa foi uma pequena amostra de imagens que a gente produziu nesse vídeo, justamente para outras finalidades, em audiências públicas que já foram realizadas em alguns locais em que a exportação existe, em especial no Estado de São Paulo, em que eu resido, em uma audiência em São Sebastião.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - Marcos, se você puder voltar para a apresentação, eu agradeço. (Pausa.)
Aqui é um resumo bem rápido, só com os pontos principais - acho que ela está tendo um pouco de vida própria - que a gente pode fazer como uma média nas viagens. São necessários, para transportar aproximadamente 25 mil animais, 675 veículos, que transportam 40 animais em cada um deles; e aí está tudo a que esses animais são submetidos.
A gente tem uma série de fatores durante o transporte que precisam ser considerados e não são considerados na imensa maioria das vezes; e o que se argumenta, em relação ao bem-estar dos animais, em geral, está ligado apenas a esse transporte terrestre.
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Aqui, é um acidente recente que aconteceu em Belo Horizonte, com animais sendo transportados para essa finalidade. A gente tem centenas desses relatos. Se os senhores derem um Google e procurarem, vocês vão encontrar inúmeros animais que são vítimas desses acidentes, principalmente agora que os veículos são de dois andares, o que cria uma instabilidade muito maior.
No início do ano passado, nós tivemos um acidente bastante grave na chegada a São Sebastião, onde muitos animais morreram e outros tantos ficaram perdidos na mata, porque não existia estrutura para fazer o resgate desses animais, nem pela polícia rodoviária, nem pelas empresas responsáveis pelo transporte, seja marítimo, seja terrestre.
Eu acho que isso aqui não está...
Aí é uma série de questões: ventos costeiros, instabilidade marítima... Os animais caem uns sobre os outros, como os senhores viram, causando fraturas, danos, lesões. No vídeo, inclusive, a gente mostra um pouquinho isso. Então, existe uma série de problemas para que esses animais, que nunca fizeram viagens desse tamanho, possam viajar.
Aqui, é um pouquinho das imagens do que constitui um transporte de animais - só para vocês entenderem o que eu estou dizendo. Essa imagem de baixo, da esquerda, mostra que são andares e que os animais vão viajar daquela forma que os senhores estão vendo, uns em cima dos outros. Lembro-os de que, para dentro do casco do navio, existem vários pisos no subsolo, e os animais também viajam nessas condições. A gente já teve problema com esse sistema de ventilação não funcionar e centenas de animais morrerem nessas viagens, e não foi uma única vez.
A gente tem poucos relatos sobre o que acontece exatamente nesses locais, porque a gente não tem acesso aos relatórios, não tem um protocolo que diz como esses animais deveriam viajar. E quais são os problemas que acontecem durante essa viagem? A gente tem risco de intoxicação; uma grande quantidade de fezes e urina aumentada ali naquele local; uma depleção; uma diminuição do oxigênio disponível para que esses animais, na verdade, possam ter uma boa troca gasosa, no mínimo. E os problemas mais graves que a gente encontra diante dessa situação, por exemplo, da baixa do oxigênio, vital para a respiração de qualquer ser vivo, são: comprometimento de habilidades motoras e cognitivas, baixíssimo grau ou ausência de bem-estar animal, com sofrimento físico, mental e comportamental, pois eles não podem se mexer. Quero lembrar que a expressão de comportamento natural, dentro da ciência do bem-estar animal, é fundamental. Há pânico, desmaios, animais em estado de coma e frequente alteração do equilíbrio corporal.
As informações que a gente tem sobre isso são de uma médica veterinária que trabalhou durante anos na Austrália fazendo essas viagens com ovinos, em especial, e ela tinha os relatórios produzidos. Um dia, ela falou: "Chega, não quero mais", depois de oito anos de trabalho, e ela passou a emitir relatórios, a dizer exatamente como era. Eu queria muito agradecer o fato de ela ter trazido isso para todos nós.
Além disso, senhores, queria - já encaminhando aqui para o final - deixar para os senhores a notícia de que nós não podemos esquecer que as zoonoses, que são doenças comuns que ocorrem entre os seres humanos e os animais, podem estar presentes nessas populações de animais. Por quê? Porque, pela legislação brasileira e pela Organização Internacional de Epizootias, no caso dos bovinos, só algumas doenças precisam ser pesquisadas previamente ao embarque para evitar risco. Mas todas essas enfermidades estão relacionadas a casos e ocorrências que podem acontecer nesse sistema, sejam casos que já foram registrados em animais de transporte terrestre de longa distância, seja em outros países.
Então, quero deixar aqui para os senhores essa informação que eu acho bastante importante.
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Aqui, estão algumas zoonoses nos últimos 20 anos. O outro eslaide anterior a esse é a mesma constituição, ou seja, o que faz com que os animais possam ter algumas doenças manifestas e que foram relatadas nos últimos 20 anos. Então, eu deixei marcado ali principalmente aquelas que incluem...
(Soa a campainha.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - ... os bovinos.
Vamos ver se vai...
As principais que nós temos tratado: a gripe aviária, a gripe suína e o coronavírus. A gente não vai poder se esquecer do caso da covid. Sabe-se que a origem dessas doenças são as péssimas condições de higiene e manipulação que se fazem em relação a diferentes animais, com alegações culturais que, muitas vezes, já não se justificam, senhores, se nós já estamos no 25º ano do século XXI.
Sobre os pontos críticos, eu gostaria de lembrar que a gente não tem notícia de qual é o número de médicos veterinários que deveriam acompanhar essas viagens e a gente sabe que... Será que tem veterinário? Será que o número de veterinários é qual? O que a gente sabe, nos poucos ambientes em que a gente conseguiu essas informações, é que ele era extremamente insuficiente: 1, 2, 3 médicos veterinários para uma média de 25 ou 27 mil animais. Então, vale a gente pensar se está fazendo a coisa certa em relação a tudo isso.
Eu acho que é claro e injustificável o conjunto de práticas de maus-tratos, ausência de ética e respeito para seres sencientes, com animais de alta capacidade cognitiva - e isso não sou eu que estou dizendo, a ciência tem milhares de trabalhos que mostram isso, inclusive nos bovinos. Esses animais têm sistemas de elaboração subjetiva que são singulares, característicos daquela espécie, uma altíssima percepção sensorial do mundo comparável ao observado a nossa espécie, e a gente tem claros descumprimentos legais que a Dra. Letícia, com certeza, vai trazer para os senhores com muita propriedade. Isso traz um conjunto que qualifica atividades citadas como evidentes maus-tratos cometidos contra seres vulneráveis. E, como o Senador trouxe para nós, a gente não pode aceitar que isso continue acontecendo no nosso país.
Eu gostaria aqui de fazer uma homenagem ao Dr. Mateus Paranhos, que faleceu recentemente, que é reconhecido como uma autoridade no assunto comportamento animal no mundo todo, em que ele dizia já há muitos anos que o Brasil perde muito recurso econômico na geração de emprego, na geração de renda, e ele não foi escutado. Então, em outros países, ele foi muito mais ouvido, infelizmente, do que aqui no nosso país.
Acho que é o último agora. É isso, gente.
Muito obrigada.
Senador, obrigada por suportar o tempo.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado pela exposição, Sra. Vania Plaza.
Eu quero registrar aqui, com alegria, a presença do Senador Jaime Bagattoli.
O SR. JAIME BAGATTOLI (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RO. Fora do microfone.) - Bagattoli.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Bagattoli, perdão, Senador. Ele está aqui prestigiando esta audiência pública.
Na sequência, eu concedo a palavra ao Sr. George Sturaro, que é Diretor das Relações Governamentais e Políticas Públicas da Mercy for Animals do Brasil.
O SR. GEORGE STURARO (Para expor.) - Alô? Ouvem-me bem?
Bom dia a todas as pessoas presentes e também a quem nos acompanha virtualmente. Eu gostaria de iniciar minha fala agradecendo à Comissão de Meio Ambiente do Senado, na pessoa do Sr. Presidente, o Senador Fabiano Contarato, por organizar esta audiência pública, dando-nos a oportunidade de expor ao Parlamento aspectos das exportações de animais vivos que são problemáticos e extremamente preocupantes.
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O sofrimento animal, durante as travessias marítimas, tema da fala da Dra. Vania, é motivo suficiente para proibir a exportação de animais vivos, porém não é o único, há também razões de ordem ambiental e econômica para nos opormos a essa terrível atividade. Em minha fala, abordarei os riscos e impactos ambientais associados às operações de exportação de animais vivos por mar.
Da perspectiva ambiental, o principal problema está relacionado ao transporte marítimo. O transporte de animais vivos de longa distância depende de navios que, em sua ampla maioria, são bastante antigos, apresentam baixíssimo padrão de manutenção e não foram projetados originalmente para essa finalidade. Uma análise realizada pela Mercy for Animals do perfil da frota de 44 navios que embarcou animais vivos no Brasil, entre janeiro de 2015 e setembro de 2021, revelou que a idade média das embarcações era de 39 anos e que cerca de 80% delas tinha mais de 30 anos, idade em que navios mercantes costumam ser descomissionados e vendidos para sucateamento. A análise revelou também que 85% das embarcações que operaram em portos brasileiros nesse período eram embarcações convertidas. Trata-se de navios construídos originalmente para transportar contêineres, veículos ou carga geral e que foram adaptados para transportar animais vivos.
Isso é um problema por ao menos duas razões. A primeira é que tais navios, em geral, possuem cascos estreitos, que oferecem estabilidade transversal significativamente menor quando comparados a navios com cascos largos, como graneleiros e petroleiros. A segunda razão é que o acréscimo de decks de carga sobre o casco, para acomodar mais animais, inevitavelmente aumenta a área sob ação do vento, comprometendo ainda mais a estabilidade transversal da embarcação.
Outro ponto preocupante revelado pela análise da Mercy for Animals é que apenas 22,7% desses 44 navios navegavam sob bandeiras da lista branca da organização do Memorando de Entendimento de Paris, a principal referência internacional em controle estatal portuário. A lista branca compreende bandeiras de países com elevada performance em matéria de segurança marítima e, por isso, é sinônimo de risco baixo. Por sua vez, as listas cinza e negra compreendem bandeiras associadas a riscos médio e alto, respectivamente. Das 508 viagens realizadas por esses 44 navios no período analisado, apenas 10% ocorreram sob a bandeira da lista branca. Outro dado inquietante é que 21 desses 44 navios foram detidos, ao menos uma vez, em portos de países membros da organização do Memorando de Entendimento de Paris, por apresentarem numerosas e graves deficiências. As detenções alcançaram o montante de 72, com navios convertidos representando 93% do total.
A precariedade da frota que transporta animais vivos ao redor do mundo é um problema grave. Em 2020, com base em dados da Seguradora Allianz e da Organização Marítima Internacional, o periódico The Guardian estimou que a probabilidade de um navio transportador de animais vivos protagonizar um acidente marítimo é duas vezes maior do que qualquer outro tipo de navio mercante.
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O Brasil já foi palco de um desses acidentes. Em outubro de 2015, o navio Haidar perdeu a estabilidade, adernou e afundou enquanto embarcava bovinos vivos no Porto de Vila do Conde, no Pará. Milhares de animais ficaram presos dentro da embarcação e morreram afogados. Suas carcaças e o óleo que vazou do Haidar deixaram um rastro de contaminação que alcançou a cidade de Belém, cerca de 60km rio abaixo - esse foi um dos maiores desastres ambientais da história do Pará.
Dez anos depois, o navio ainda não foi removido e apenas uma pequena parcela das indenizações pedidas pelas comunidades afetadas foram pagas. O Porto de Vila do Conde, o mais movimentado da Região Norte, foi e continua sendo significativamente prejudicado: um dos seus oito berços de atracação foi completamente inutilizado e outros dois berços adjacentes tiveram sua capacidade operacional reduzida, não podendo mais receber navios de grande porte.
Em fevereiro de 2020, por pouco o porto e a região de Barcarena escaparam de um novo desastre. Outro navio transportador de animais vivos perdeu a estabilidade e só não veio a tombar por ação rápida da administração portuária.
Cabe observar que acidentes semelhantes ao do Haidar em Vila do Conde já ocorreram em outros países. Em 2019, o Queen Hind naufragou no Porto de Midia, na Romênia, pouco após zarpar carregado com milhares de ovinos vivos. Em 2022, o Badr 1, também carregado, adernou e afundou em um berço de atracação no Porto de Suakin, no Sudão. O navio que afundou no porto romeno, o Queen Hind, esteve no Brasil apenas alguns meses antes do acidente. Investigações subsequentes indicaram diversas irregularidades, inclusive a existência de compartimentos de carga ocultos. Tanto o Haidar quanto o Queen Hind e o Badr 1 eram navios convertidos.
Os riscos associados ao transporte marítimo de animais vivos ensejaram respostas regulatórias ao redor do mundo. Em 2019, a Autoridade Australiana de Segurança Marítima emitiu a Ordem Marinha 43, que elevou substancialmente os requisitos a serem atendidos pelas embarcações que transportam animais vivos, estabelecendo, assim, um mecanismo de triagem que impede que as embarcações mais antigas, com baixo padrão de manutenção e longo histórico de detenções, operem em portos australianos.
Como resultado, o número de embarcações aptas foi reduzido drasticamente. Em 2022, dos 125 navios transportadores de animais vivos em operação ao redor do mundo, apenas 25 podiam embarcar animais na Austrália. A idade média dos navios autorizados a operar no país também foi reduzida significativamente: caiu para 19 anos, aproximadamente a metade da idade média da frota mundial de navios transportadores de animais vivos. Além disso, 100% da frota operante em águas australianas passou a ser constituída de navios que navegavam sob bandeiras classificadas como de baixo risco e o percentual de embarcações convertidas foi reduzido para menos da metade.
Na Irlanda, uma regulamentação comparável à da Austrália em nível de exigência determina ainda que navios transportadores de animais vivos devem ser inspecionados no exterior para fins de obtenção de autorização para operar em águas territoriais.
Em suma, o Brasil está exposto a riscos que outros países envolvidos no comércio marítimo de animais vivos não toleram e procuram mitigar por meio de regulamentações de segurança marítima mais exigentes.
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Termino minha fala ressaltando a elevada importância do Projeto de Lei 3.093, de 2021, nascido de uma sugestão legislativa para o Senado, de 2018. Sua aprovação colocará fim ao imenso sofrimento a que são submetidos os animais importados vivos por mar, ao mesmo tempo em que tornará mais seguras as águas territoriais brasileiras, os nossos portos e os nossos ecossistemas marinhos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Obrigado, Sr. George Sturaro. Obrigado a todos.
Antes de conceder a palavra à próxima convidada, eu quero conceder a palavra ao Senador Jaime Bagattoli, a quem, mais uma vez, eu agradeço, Senador, pelo comparecimento a esta importante audiência pública, sobre um tema que eu sei que V. Exa. tem interesse em debater e se manifestar.
Com a palavra o Senador Jaime Bagattoli.
O SR. JAIME BAGATTOLI (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RO) - Obrigado. Cumprimento aqui nosso Presidente desta Comissão, da CMA, Fabiano Contarato, a Letícia, o George, a Vania, a Maira Luiza, a Vanessa, não é? Vanessa.
Primeiramente eu quero dizer para vocês que eu não vou falar como Senador, eu vou falar como uma pessoa que conhece. Não conheço a situação do navio, mas eu tenho confinamento, nós temos confinamento de larga escala. Nós começamos essas operações, antes era só gado criado em pasto extensivo. O Brasil, faz 30 anos, 25, 30 anos que nós começamos a confinar boi no Brasil realmente, e os Estados Unidos estão aí há 50, 60 anos.
Portanto, os Estados Unidos têm menos da metade do rebanho do Brasil e têm mais produção de carne que o nosso país, com mais do que nós, hoje nós temos um pouquinho mais de 200 milhões de cabeças.
Então eu quero dizer para vocês que eu não conheço a situação do navio. Concordo, deve ser vistoriado, tudo da forma. Mas isso aí é um confinamento em cima do mar. Ele tem que obedecer, simplesmente ele vai ter que ter as mesmas regras do confinamento fechado em terra. Não muda muito.
Eu já vendi, nós já vendemos gado, pouca coisa, mas já vendi para esse sistema aí, inclusive foi embarcado no Porto de Santos. Até onde eu sei, eu não sou exportador, nós não somos exportadores, até onde eu tenho conversado com os exportadores, isso aí, tem que dar uma quarentena. Por exemplo, esse gado chega, você não pode embarcar um gado que chega e colocar para dentro do navio. Não tem como. É a mesma coisa de um gado que entra num confinamento. Muitas vezes, você tem que fazer, aquele gado nem tem preparo, ele não está habituado à alimentação de confinamento, então você faz um preparo nele de sete, oito, dez dias, mesmo num confinamento, antes de ele entrar para ser fechado.
Agora, eu quero que vocês entendam: o Marrocos, a Argélia, o Egito, o Iraque, a Turquia, esses países são os países que mais importam boi vivo. São os países que mais importam, porque eles têm aquela crença, aquele negócio do abate halal. Os Estados Unidos, não importa, a maioria dos países da Europa não importa boi vivo.
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E aí nós temos um grande fator que eu quero que vocês entendam - quem está nos acompanhando. A partir do momento que um gado desses entra dentro de um navio, até onde eu sei - e eu quero, eu gostaria muito, eu quero ir conhecer, porque eu não conheço, nunca vi um embarque desses aí, de 25 mil, 27 mil; dizem que tem navio que leva 27 mil, 28 mil animais -, isso é um confinamento em larga escala dentro de um navio.
Agora, a partir do momento que esse animal estiver dentro do navio, vocês podem ter certeza de que quem fará esse acompanhamento, dali para frente, não são pessoas do Brasil, é o comprador de lá. Ora, se esses animais entraram aqui com um peso, eles têm que chegar lá, porque quem vai tomar o prejuízo são eles, do lado de lá, quer dizer, é quem está comprando esses animais. É isso o que eu quero que vocês entendam, que a responsabilidade dos exportadores - isso eu perguntei, são palavras dos exportadores -, a responsabilidade deles é até chegar e colocar esse gado, esse animal, no navio; dali para a frente, a responsabilidade é do importador, até por que ele tem que ter realmente uma quantidade dessas de gado, de vinte e poucos mil animais, tem que ter um rigor muito grande da vigilância sanitária - entendeu? -, tem que ter os médicos veterinários ali dentro. É claro, entendeu? Então a gente tem noção disso.
E vou dizer para vocês que tanto o transporte terrestre quanto o transporte marítimo têm que ser adequados. Isso que eu ouvi falar aqui, o que a Vania falou... Hoje as carretas já realmente são todas carretas de dois andares, até o ônibus antigamente era de um andar e hoje tem dois. Entendeu? Acidentes acontecem no ônibus, acontecem no trem, acontecem no avião e também nos caminhões e nos automóveis. Em tudo você tem risco na situação do transporte. O transporte a longa distância, infelizmente, para transportar... É diferente dos Estados Unidos, que transporta boi do México. Eu já fui lá, levam boi do México para os Estados Unidos no trem. Nós não temos ferrovia. Claro, se tivéssemos um transporte ferroviário, poderíamos fazer transporte de animal também pela ferrovia, mas a nossa discussão é o navio. A grande discussão é o navio.
E esses países - assim eu sinto - estão hoje no Brasil, estão ali, estão em todas as regiões: estão em Rondônia - eles estão comprando gado em Rondônia -, estão comprando no Pará, no Mato Grosso, no Goiás, em todos os lugares. E aí eu quero que vocês entendam outra coisa. Nós temos o maior rebanho. Se nós fizermos... Se, daqui a pouco, nós barrarmos essa exportação de animais, os frigoríficos estão concentrados em três dentro do Brasil, é o maior cartel que já aconteceu, e ninguém discute nada; o maior cartel que nós temos é o de frigorífico no Brasil: JBS, Marfrig e Minerva contêm mais de 60% do mercado. Houve, inclusive, uma fusão de 80% da Marfrig com a Minerva agora, faz menos de um ano, uns seis meses atrás.
Então, eu quero dizer para vocês o seguinte, e eu estou falando na condição de produtor: nós precisamos, sim, verificar essa situação. Agora, nós não podemos também ser responsáveis, o Brasil ser responsável, porque quem está comprando, quem está contratando esse navio para transportar esse gado, não é o exportador e, sim, o importador. Por quê? Porque, se esses animais perderem peso, se não chegarem lá, quem vai perder é o importador, não é mais o exportador. Entendeu? A partir do momento que embarcou, dali para frente, é o importador com a empresa de transporte marítimo.
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Então, eu queria deixar o meu ponto de esclarecimento. Acho viável, acho plausível a gente... Eu quero conhecer, eu não conheço. Eu nunca vi. Entendeu? Mas eu quero. A hora que um navio desse estiver fazendo o embarque, eu quero conhecer, porque eu não quero acreditar que eles possam causar maus-tratos a esses animais. Eles têm que cuidar desses animais. Isso é um confinamento, meu Deus, é um confinamento ali dentro. Esses países que importam esses animais querem fazer o abate lá. Então, são esses países que eu citei: Marrocos, Argélia, Egito, Iraque, Turquia, enfim.
Eu acho que nós temos que dar uma segurança, ter uma vigilância maior, o controle no embarque desses animais, mas nós também não podemos chegar - talvez por causa de um ou outro caso - ao ponto de proibir a exportação de animal vivo, porque, se nós compararmos, muitos anos atrás vieram muitos animais de lá para cá, por isso o Brasil, hoje... O Brasil não tinha animais. Então, como nós importamos, hoje nós estamos exportando o boi vivo, que não era um objetivo nosso, para o Brasil, para a economia do Brasil. Nós tínhamos que exportar, pelo menos, 95%, 98% industrializados.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado, pelas considerações, Senador.
Eu só queria fazer aqui uma ressalva, Senador. Eu que fui o proponente desta audiência pública. Como chegou uma demanda de maus-tratos a animais nesse transporte marítimo, é nossa obrigação, como legisladores, ficarmos atentos a isso. Porque nós iniciamos esse trabalho aqui falando que tudo parte da Constituição Federal quando o art. 225, taxativamente, fala sobre submeter animais à crueldade.
Nós temos também que ter a plena convicção de que não basta, simplesmente, o Brasil ter uma postura de que não tem responsabilidade ou de que a responsabilidade é apenas até o embarque. Eu trago isso, com todo o respeito, como professor de Direito Penal e de Processo Penal que fui por muitos anos. A regra é clara, no art. 29 do Código Penal, quando diz: "Quem de qualquer forma concorre para o crime, incide nas mesmas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade". Então, não tem como o Brasil simplesmente fechar os olhos e falar: "Olha, eu não tenho responsabilidade da forma como vai ocorrer esse confinamento daí para frente". São navios convertidos, não são navios que foram construídos para transporte marítimo. Nós temos também... Eu fui delegado de trânsito, com todo o respeito, não tem como comparar um ônibus com capacidade, com dois andares, para um transporte de animal bovino. Nós temos aí a pesagem, as toneladas, a instabilidade, o sistema de transporte, o sistema de carreta, a topografia das estradas. São todos elementos de fundamental importância para que esses crimes, esses acidentes ocorram. E nós temos que ter interesse na mitigação deles.
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Esta audiência, também, não objetiva, em nenhum momento aqui, ninguém vai falar ou está falando, por exemplo, em proibição. Nós estamos jogando luz num assunto que diz que transporte marítimo de animal vivo em condições degradantes e cruéis é crime previsto na lei de proteção ambiental, que é a Lei 9.605, especificamente no art. 32. E o crime é de ação penal pública incondicionada, quer dizer, incondicionada, prefixo "in", que independe de condição. O poder público, no caso, o Ministério Público, que é titular da ação penal, tomando conhecimento desse tipo de crime, tem, obrigatoriamente, o poder de instaurar a devida ação penal. Nós queremos, efetivamente, que sejam dados vida, vez, voz e garantia a esse mandamento constitucional, que eu volto a frisar que está no art. 225, item VII, da Constituição Federal, e que foi ratificado como uma prática criminosa prevista no art..32.
Então, eu só estou fazendo essas considerações, porque nós aqui não estamos falando em proibição. Nós só estamos jogando luz no assunto que é transporte de animal vivo pelo sistema marítimo em condições degradantes e que ocasiona, sim, cozimento interno por estresse, afogamento, contato direto com fezes e urinas, transmissão de zoonoses, alimentação insuficiente e crueldade para todos esses animais.
Então, o objetivo é tão somente esse e eu espero que nós tenhamos aqui uma audiência pública produtiva e sempre - sempre - caminhando com bom senso, com equilíbrio, convergindo com as diferenças, mas com o que a gente pode caminhar. Ninguém aqui está querendo impedir ou falar: "Olha, não vai ser". Não, nós temos, efetivamente, que dar condições para que a gente possa, inclusive, não ter nenhuma responsabilidade no campo penal, administrativo ou civil.
Com a palavra a Sra. Maira Luiza Spanholi pelo prazo de dez minutos.
O SR. JAIME BAGATTOLI (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RO) - Presidente, só um minuto. Um minuto. Pela ordem.
Eu concordo com V. Exa... Por isso que eu quero conhecer como funciona o embarque de um navio desse. Mas eu tenho, assim... O que eu não quero acreditar é que eles vão fazer maus-tratos. Não é possível que eles vão fazer isso dentro de um confinamento, até esses animais chegarem ao local, porque o comprador vai ter prejuízo com isso. Entendeu? Não é só a questão de maus-tratos aos animais, mas tem a questão do prejuízo financeiro.
Mas eu quero conhecer um navio desse no embarque.
A SRA. MAIRA LUIZA SPANHOLI (Para expor.) - Bom dia.
Olá, bom dia a todos.
Eu me chamo Maira Luiza Spanholi. Eu sou economista, Doutora em Ciências Ambientais. Sou Professora na Universidade do Estado do Mato Grosso.
Antes de iniciar a minha apresentação, eu só gostaria de falar para o Senador aqui presente que, caso ele queira ter uma maior proximidade em conhecer essa situação, a gente tem os óculos de realidade virtual disponíveis aí.
Então, assim se consegue ver, em 3D, um pouquinho mais dessa realidade. É só falar com o pessoal aqui da Mercy for Animals.
Bom, dando sequência aqui na minha apresentação, esse é um estudo econômico, social, sobre a análise dos impactos da proibição dos animais, dos bovinos vivos no Brasil.
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Essa proibição é no sentido de, caso a gente pare de exportar bovino vivo, o que aconteceria economicamente e socialmente falando, né? Então, é nesse sentido a palavra "proibição", de quais seriam os impactos econômicos e sociais principais que nós teríamos.
Antes de iniciar, de fato, os resultados, eu gostaria de explicar qual foi a metodologia utilizada para esses cálculos. Esse estudo foi realizado por mim e pelo Prof. Carlos Eduardo Young, da Universidade do Rio de Janeiro, também economista. Então, o nosso foco aqui é econômico para trabalhar esses resultados.
Então, a gente analisou principalmente dois cenários. A exportação de bovinos vivos seria paralisada, e esses bovinos agora seriam exportados em forma de carnes e subprodutos. Então, seria uma transferência de exportação de bovinos vivos para exportação de carnes e subprodutos para outros países. Ou, caso essa proibição acontecesse, dos bovinos vivos, todo esse produto seria consumido internamente. Então, a gente tem resposta para esses dois cenários.
A metodologia que a gente utilizou é bastante antiga nas ciências econômicas; foi desenvolvida por Leontief. Ela é chamada de matriz insumo-produto. Por isso que ela está abreviada como MIP. Nos resultados, eu trago as simulações em MIP tradicional - que eu vou explicar daqui a pouquinho - e MIP estendida, mas MIP, basicamente, é a referência para a metodologia utilizada, matriz insumo-produto, que é uma metodologia utilizada também pelo IBGE. Então, a gente utilizou apenas fontes oficiais - IBGE, Ministério da Economia -, e os dados são de exportação, do ano de 2023.
Então, o que seria a MIP? A MIP é uma ferramenta estatística que mostra de maneira organizada os setores da economia. Seria como se a gente estivesse olhando um raio-X da economia, traduzindo tudo que acontece dentro da nossa economia. Ela tem, de um lado, linhas, e, nessas linhas, a gente tem todos os setores da economia, e colunas - nessas colunas, todos esses mesmos setores. Então, a gente vai ter interação de setor a setor sendo observada dentro dessa matriz.
Então, olhando por linha, a gente vai ter a identificação de como cada setor vende a sua produção e, por coluna, a identificação de como cada setor compra os seus produtos. Então, por exemplo, se a gente estiver falando de pecuária e olhar por linha, a gente vai ver para onde a pecuária vende os seus produtos. Então, para indústria de carne, para o transporte, para o consumo interno. E quando a gente olhar por coluna, a gente vai ter a identificação de como que o setor da pecuária compra os seus produtos. Por exemplo, compra de ração, compra de insumos veterinários. Olhando a MIP, a matriz insumo-produto, a gente consegue ver toda essa interação entre os setores da economia.
Então, quando a gente simula essa transição de exportações de bois vivos para carne processada, a gente está causando um choque de demanda nessa matriz. A gente vai ter uma modificação de linhas e colunas, e é a partir dessa modificação, desse choque de demanda, que a gente consegue observar como a gente vai afetar o consumo das famílias, o Governo, as exportações e os investimentos.
Então, quando a gente está falando de impactos sobre o produtor, sobre o seu fornecedor, a gente está falando de impactos diretos, ou seja, diretamente ali na cadeia. Quando a gente fala sobre o consumo das famílias, a renda, a gente está falando de um impacto além, um impacto que está saindo, um impacto externo a essa cadeia. Por isso que a gente chamou aí de MIP estendida, porque são os impactos induzidos por essa alteração na matriz insumo-produto. Então a gente vai ter MIP tradicional, em que a gente tem os impactos diretos e indiretos, ou seja, ali do setor mesmo, e a MIP estendida, onde a gente tem diretos, indiretos e induzidos, ou seja, afeta também a renda e o consumo das famílias.
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Então, falando primeiramente do primeiro cenário, se a gente parasse de exportar bovinos vivos, essa exportação seria apenas de carne e subprodutos. Quando a gente observa os resultados desse cálculo, levando em consideração... Claro, foi feita toda uma busca teórica sobre como seria essa exportação; não é todo o bovino vivo que vai ser transformado em carne, em subprodutos. Então a gente fez toda uma proporcionalidade de produto, de acordo com o que a gente tem de conceituado na teoria, e a gente identificou que, em valor agregado, em valor adicional, o impacto estaria entre 1,46 bilhão, quando a gente fala dessa MIP tradicional, ou seja, apenas efeitos diretos e indiretos, e de 1,91 bilhão, se a gente adiciona também o impacto do consumo e da renda das famílias - isso apenas em valor agregado. Se a gente for falar de empregos adicionais que forem gerados, a gente tem uma expansão entre 5 mil e 7 mil postos de trabalhos sendo gerados; 5 mil, caso a gente considere apenas os impactos diretos e indiretos no setor, e, quando a gente fala desse impacto induzido, a gente chega a 7.239 ocupações formais sendo geradas. Além disso, a gente tem também impactos nas questões tributárias. Então, uma arrecadação tributária entre 543 milhões e 610 milhões adicionais.
Então, a gente vê que esse maior valor agregado reflete o ganho econômico do processamento interno em vez da exportação de bovinos vivos, gerando mais empregos, maior arrecadação tributária, com menor impacto animal. Então, a gente está exportando o bovino vivo, e esse bovino está gerando emprego, renda e arrecadação tributária para o outro país. Se a gente fizer o abate local desse bovino, neste cenário, a gente vai gerar todos esses benefícios econômicos aqui dentro do nosso país.
E se a carne for consumida internamente? A gente pensou nesta hipótese: não se vai mandar nada para fora, e essa carne será toda consumida aqui no Brasil. Logicamente que, se a gente pensar no curto prazo, pode haver uma redução do preço da carne, em função dessa maior oferta que vai ter no mercado - é a lógica de oferta e demanda da economia -, mas no médio e longo prazos, o setor tende a se organizar. Então, a gente vai ter maior transporte, maior comércio. Então, a gente vai ter uma margem de transporte girando entre 69 milhões e 87 milhões; a margem de comércio entre 821 milhões e 854 milhões, gerando, consequentemente, mais empregos também. Então, empregos adicionais: 7 mil a 8,4 mil empregos; e arrecadação tributária de 51 milhões a 109 milhões. Então, esse consumo interno fortalece a atividade econômica, gera benefícios sociais e amplia a receita pública.
Isso funcionaria? A gente está falando de estimativas e não de um mercado que existe, não de uma situação que existe no Brasil, mas a gente tem exemplos internacionais em que a gente viu que funcionou. Por exemplo, o caso da Índia: a Índia, em 2018, proibiu essa exportação de bovinos vivos, e era um país que atendia boa parte desse mercado também do Oriente Médio. Então, as exportações de carne bovina refrigerada na Índia eram de US$760 milhões em 2018, e esse valor praticamente dobrou em 2022. Então, lá em 2018 eles tinham um valor menor de exportação de carne; em 2022, a partir da proibição da exportação de bovinos vivos, a gente vai chegar a um valor que praticamente dobra. Então, a gente consegue observar que funcionou, na Índia funcionou.
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(Soa a campainha.)
A SRA. MAIRA LUIZA SPANHOLI - Inclusive, a Índia ultrapassou o Brasil e se tornou o maior exportador de carne bovina refrigerada para o Oriente Médio e para o norte da África, que é o mercado principal do Brasil de bovinos vivos.
O que a gente consegue observar é que, se a gente processar a carne aqui internamente, como consequência a gente vai gerar mais valor, mais empregos, do que ao exportar os bois vivos; a gente estará exportando um produto de maior valor agregado, a gente não estará exportando matéria-prima, a gente estará exportando produto de maior valor agregado. A gente consegue fortalecer os estados produtores e a economia regional, e a Índia prova: agregar valor é ganhar mercado. Além disso, a gente melhora o bem-estar animal, e o Brasil pode se destacar aí como um líder sustentável.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Zequinha Marinho. Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA) - Bom dia!
Queremos agradecer à Dra. Maria Luiza Spanholi...
A SRA. MAIRA LUIZA SPANHOLI (Fora do microfone.) - Maira.
O SR. PRESIDENTE (Zequinha Marinho. Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA) - Maira, desculpe. É quase espanhola mesmo, né? (Risos.) Obrigado pela exposição.
Quero convidar neste momento a Sra. Leticia Filpi para trazer a sua exposição.
A SRA. LETICIA FILPI (Para expor.) - Bom dia a todos. Dá para me ouvir? Bom dia a todos.
Eu queria agradecer a esta Comissão pelo espaço que nos tem dado para falar sobre esse assunto. Gostaria de agradecer ao Senador.
Meu nome é Leticia Filpi, eu sou advogada ambiental, formada pela PUC-SP, sou Coordenadora do Gaav, que é o Grupo de Advocacia Animalista Voluntária, sou Diretora Jurídica da Anda e sou Presidente da ONG Gaia Libertas.
Eu vou falar para vocês sobre a constitucionalidade de leis que proíbem a prática da exportação de animais vivos.
Nós temos que pensar a exportação de animais vivos com dois problemas paralelos. É uma atividade, como os colegas falaram, que é inconstitucional por afrontar o art. 225 na sua parte do caput, que é a parte que garante para as pessoas - eu vou até passar aqui já na introdução -, garante para a coletividade a sadia qualidade de vida. A sadia qualidade de vida, gente, é a garantia da dignidade e do direito à vida. O art. 5º da Constituição Federal garante o direito à vida, mas essa vida não é biológica apenas, ela é uma vida que precisa ter dignidade, porque a dignidade está prevista nos fundamentos da República: no art. 1º da Constituição Federal, inciso III, você tem a dignidade da vida, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da Constituição, como um dos fundamentos deste país.
Se você não garante o meio ambiente equilibrado, você não garante a dignidade da vida. Quando temos uma atividade que coloca o meio ambiente em alto risco ambiental, nós temos aí uma atividade que afronta todos os princípios constitucionais de meio ambiente. Eu vou citar três aqui, mas nós temos até mais.
Eu vou colocar aqui primeiramente... Já foi para o final. (Pausa.)
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Princípios. Eu coloquei aqui o princípio da prevenção e precaução. O princípio da prevenção e precaução diz o seguinte: uma atividade que causa risco ambiental não pode ser permitida, seja esse risco conhecido ou desconhecido. No caso da exportação de animais vivos, você tem um risco que é comprovadamente concreto. O risco ambiental é concreto na exportação de animais vivos. Então, você tem aí uma atividade que não poderia ser permitida no Brasil, porque os riscos ambientais de danos irreversíveis e imprevisíveis é muito alto. Além disso, a gente tem também o princípio do in dubio pro natura: na dúvida, a natureza, o meio ambiente deve ser preservado. Por quê? Porque, se você causa um dano ambiental, em geral, os danos ambientais são irreversíveis e imprevisíveis. No caso da exportação de animais vivos, como a gente viu no Porto de Barcarena, por exemplo, até hoje os danos ambientais não foram recuperados, o meio ambiente não foi recuperado. Faz 10 anos e até hoje não foi recuperado aquele meio ambiente.
Um terceiro princípio que eu gostaria de citar aqui é o princípio do não retrocesso ambiental. Se você tem uma atividade claramente insustentável, você não pode permitir... um Estado ambiental não pode permitir uma atividade que seja insustentável, porque isso é retroceder no meio ambiente, na proteção ambiental. Então, quando você tem uma atividade insustentável, novas atividades, o desenvolvimento de novas atividades insustentáveis é uma afronta ao princípio do não retrocesso ambiental. Daqui para frente, nós precisamos ter atividades econômicas sustentáveis.
Então, a intervenção do Estado em atividades econômicas que sejam insustentáveis é plenamente possível, primeiro, por causa da afronta ao art. 225, que inclusive impõe ao Estado o dever de proteger o meio ambiente. Nós temos o art. 170 da Constituição Federal, inciso VI, que submete toda e qualquer atividade econômica ao respeito ao meio ambiente, ou seja, no Brasil, toda e qualquer atividade econômica precisa antes respeitar o meio ambiente, coisa que não está acontecendo com a exportação de animais vivos.
Nós temos outros exemplos, na legislação infraconstitucional, como, por exemplo - deixe-me ver aqui -, o Código de Defesa do Empreendedor paulista, que submete essa defesa do empreendedorismo ao respeito ao meio ambiente, e nós temos a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, que também submete esta defesa da atividade econômica ao respeito ao meio ambiente, ou seja, o Brasil é um Estado ambiental, inclusive nas palavras do Prof. Canotilho, que é um dos maiores juristas da modernidade. Ele diz que hoje o Brasil é um Estado ambiental, ou seja, é um Estado onde as normas e princípios ambientais devem ser o fio condutor da atividade econômica.
Além disso, nós temos aí também uma quarta geração de direitos. O direito ambiental é a terceira geração de direitos. Nós temos a quarta geração agora que está surgindo - e nós precisamos caminhar para frente -, que são os direitos animais. Eu tenho aqui... Eu não estou mudando os eslaides
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Nós temos aqui a Declaração de Cambridge. A Declaração de Cambridge é de 2012. Ela foi uma declaração científica da senciência animal, ou seja, essa declaração provou cientificamente que os animais são seres sencientes, são seres que têm uma capacidade de escolha e, portanto, se eles têm uma capacidade de escolha, os animais têm direitos, porque o direito nasce do interesse. Se eles têm interesse nas escolhas deles, nós precisamos reconhecer essa capacidade de escolha e reconhecer que, se um ser tem capacidade de escolha, é porque ele é um fim em si mesmo; ele não é um objeto a serviço de outra espécie. Então, a partir do momento que a gente tem a consciência dessa realidade, proteger os direitos animais se torna um imperativo moral. Portanto, a legislação precisa seguir esse imperativo moral, que decorre de uma descoberta científica.
E nós temos aqui o art. 225, §1º, inciso VII, pelo qual, mesmo antes da Declaração de Cambridge, o Brasil já reconhecia a senciência animal, quando ele reconheceu que os animais são passíveis de sofrer com atos cruéis. Então, o art. 225, §1º, inciso VII, proíbe a crueldade em todas as suas formas contra qualquer animal: seja doméstico, seja silvestre, seja animal de produção, toda e qualquer crueldade no Brasil é proibida por Constituição Federal.
Nós temos, nas atividades que exploram animais aqui no Brasil, as normas técnicas, mas, no caso da exportação de animais vivos, as normas técnicas não são capazes de poupar esses animais de sofrimento, porque a logística que envolve a exportação de animais vivos é cruel contra qualquer ser que sente e sofre. É uma logística que só serviria para seres inanimados, porque qualquer ser que tem vida não consegue ser privado do sofrimento de estar em confinamento intensivo, sentindo fome, sede, em pé, no meio dos dejetos, sentindo medo, sentindo terror, sentindo solidão, sentindo depressão. A gente precisa pensar que o bem-estar animal não é só físico, é um bem-estar psíquico, porque a Declaração de Cambridge é clara: eles têm um estado psíquico muito parecido com o estado dos humanos.
(Soa a campainha.)
A SRA. LETICIA FILPI - Então, eu gostaria de terminar a minha fala com uma frase que foi dita mais de 200 anos atrás.
Primeiramente, eu queria dizer que leis que proíbem a exportação de animais vivos não só são possíveis como são um dever do Estado.
E eu gostaria de terminar falando a frase de Jeremy Bentham, que foi um filósofo...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. LETICIA FILPI - Exatamente.
... que, mais de 200 anos atrás, disse o seguinte: "Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos dos quais jamais poderiam ter sido privados, a não ser pela mão da tirania. [...] A questão não é saber se os animais são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas se são passíveis de sofrimento". Não importa a forma física, não importa o modo de comunicação; se um ser sente e sofre e tem interesse, ele deve ser respeitado.
Muito obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Com a palavra, a Sra. Vanessa Negrini, que é Diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Climática.
A SRA. VANESSA NEGRINI (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Gostaria de cumprimentar a mesa na pessoa do nosso Senador Fabiano Contarato, neste mandato que nos emociona a todos, seja pela atuação no âmbito do meio ambiente - no âmbito ambiental -, no âmbito social e, sobretudo, no âmbito dos direitos animais e, especialmente como capixaba, também é um mandato que me orgulha muito. Muito obrigada por sua atuação aqui.
O Governo do Presidente Lula, em 2023, criou o Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, num reconhecimento a essa grande reivindicação da população. Nove a cada dez brasileiros acreditam que a causa animal importa, tanto quanto saúde, educação, moradia, alimentação. E, para que atuasse como um órgão de articulação entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e sociedade civil, foi criado, então, o Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais, no bojo do qual essa matéria é acompanhada com grande proximidade.
Cumprimento o público, destacando aqui a presença do Dr. Guilherme Leonardi, que é Conselheiro de Direitos Animais, junto ao Conselho de Participação Social da Presidência da República, onde recentemente, inclusive, foi aprovada uma moção de apoio a esse projeto de lei que tramita aqui na Casa, Senador, cuja relatoria o senhor fez e foi irretocável, o PL 3.093, de 2021, que inclusive é um projeto de lei que versa sobre a exportação de animais vivos e que nasceu no âmbito de uma sugestão legislativa, ou seja, já nasce de um amplo anseio popular, fruto de milhares de assinaturas para que realmente uma proposição dessa comece a tramitar aqui na Casa.
Bom, a exportação de gado vivo é um comércio global, marcado pela invisibilidade, que ocorre aí nos porões dos navios, onde as Comissões de direitos animais não têm acesso. Essas imagens - como as trazidas aqui pela Dra. Vania, e está disponível aí nesses óculos 3D - são uma exceção, porque em geral a gente não tem acesso ao que acontece nesses porões. É um comércio global invisível, sustentado por contradições éticas, religiosas, políticas e econômicas, como bem demonstrado aqui pela Dra. Maira Spanholi.
Hoje o Brasil é o maior exportador de gado vivo no mundo, de animais vivos, pelo mar, mas ele não está sozinho nisso, né? O grande feito desta audiência seria talvez a gente dar visibilidade e - por que não? - lançar um grande movimento aí para um pacto global pelo fim da exportação de gado vivo, porque não é um problema só do Brasil. Se existe o maior exportador de animais vivos nessas situações que foram tão bem retratadas aqui, é porque o Brasil não opera sozinho, tem toda uma cadeia de corresponsáveis: você tem os mercados importadores, os países, você tem as empresas compradoras.
E, assim, quero destacar aqui a fala do Senador Jaime Bagattoli, no início, é muito importante e é muito interessante quando a gente consegue fazer coincidir o interesse da proteção animal, da sociedade civil e também dos protetores.
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será mais lucrativo para os produtores brasileiros se a gente puder produzir esses animais aqui no Brasil, gerando mais empregos e poupando, tirando dessa equação o transporte desses animais, causando tanto sofrimento, uma vez que serão mortos de qualquer forma, seja no Brasil ou em outros países.
Eu quero destacar - e aqui foi colocado também pelo Senador Jaime - que grande parte dessa importação desses animais, dessa exportação dos animais é realizada para atender um mercado do abate halal ou kosher, né? Para quem não sabe, o termo halal significa aquilo que é permitido, aquilo que é lícito, só que, na verdade, por tudo que foi exposto e tudo que é documentado cientificamente e pelos peritos técnicos, na verdade, ele não tem nada de halal. Essa exportação de gado vivo é haram, que é o contrário de halal. Ela é proibida, ela é pecado.
Então, assim, a jornada até o abate é um dos maiores sofrimentos possíveis. Isso por si só já inabilitava o consumo desses animais dentro do princípio halal ou kosher, né? Então, isso também é um chamado para que as lideranças religiosas reflitam sobre o que está sendo feito: será que é halal mesmo? Será que a gente não está falando, na verdade, de uma atividade que é haram e que não atenderia os princípios da religião?
Então, já foi falado aqui sobre os múltiplos impactos dessa atividade, seja no bem-estar animal... E é muito importante que a gente tenha uma resolução da ONU, do órgão ambiental da ONU, que é o Pnuma, que é a Resolução Nexus, em que pela primeira vez foi reconhecido o nexo entre bem-estar animal, saúde ambiental e saúde humana. Então, tem regramentos internacionais aí que impõem ao Brasil essa necessidade de refletir sobre essa atividade.
Sobre as questões econômicas, a gente está, na verdade, exportando animais vivos, mas também estamos exportando empregos, valor agregado desses animais que são exportados in natura e estamos exportando impostos - né? -, que deveriam ser gerados e fomentar a cadeia produtiva aqui dentro do Brasil.
Então, eu gostaria de deixar aqui, dessa minha reflexão, que a gente possa pensar junto com os órgãos do Governo - isso é uma coisa que perpassa vários ministérios... E é importante destacar, Senador, que o fim da exportação de gado vivo, embora não seja o objeto desta audiência, a gente está tratando da atividade, mas o fim da exportação de gado vivo foi a política pública mais votada no PPA Participativo do Ministério de Portos e Aeroportos. E o PPA não é uma peça figurativa, ele impõe deveres e responsabilidades para o Governo brasileiro. Então, talvez a gente pudesse perguntar e dialogar junto com os ministérios envolvidos sobre o que está sendo feito com essa política pública mais votada, quais foram os andamentos, quais foram as providências que foram adotadas? Talvez a gente chamar aí, com a liderança do senhor - estou vendo aqui também no público a Coordenadora do GT Animal lá na Câmara dos Deputados, a Antoniana -, fazer uma Comissão juntando o Senado, a Câmara dos Deputados, os Parlamentares das duas casas, mais o Ministério do Meio Ambiente, Mapa, Ministério de Portos e Aeroportos, para a gente fazer essa grande discussão talvez de pensar num período aí de transição, estudar essas transições e formas de a gente compensar essa atividade, inclusive tornando-a mais vantajosa para o produtor aqui dentro.
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Então, eu encerro aqui as minhas palavras, considerando que o mundo que busca reduzir emissões - é uma atividade com grande impacto ambiental -, o mundo que tem preocupação... Oitenta e oito por cento da população brasileira, incluindo as pessoas que comem carne, mesmo as que comem carne, não querem que esse alimento chegue fruto de um sofrimento desnecessário. Então as pessoas se preocupam com o bem-estar animal, né? A gente está buscando aí eliminar o sofrimento animal dessa equação, garantir uma justiça ambiental. A gente não pode mais tolerar essa atividade da exportação de gado vivo. A gente realmente acredita que um novo pacto é necessário entre as nações, entre as lideranças religiosas, os produtores, os consumidores, e a gente realmente acredita que o sofrimento não pode seguir navegando impune pelos mares do mundo.
Então fica aí essa reflexão e esse convite para, sob a sua liderança, Senador, que a gente possa constituir essa comissão com múltiplos órgãos - sociedade civil, Senado, Câmara dos Deputados, os órgãos ministeriais -, para a gente pensar em caminhos possíveis para essa transição.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Eu quero agradecer a participação e a colaboração de todos os expositores, e falar para vocês da minha admiração e respeito por todos vocês que aqui estão. Eu acho que isso transcende o mandato.
Quero agradecer também a participação da sociedade civil, porque o projeto que eu apresentei surge de uma SUG, que é uma sugestão legislativa; quer dizer, a própria sociedade está instando o Parlamento, que o representa, para que legisle. Então, isso não é simplesmente... Eu sempre falo aqui que passou da hora do político, de nós políticos, entre aspas, simbolicamente, "derrubarmos os muros" do Parlamento e interagirmos com o principal destinatário, que é a população. Então, eu estou aqui no Senado, com muito orgulho, representando o Estado do Espírito Santo, em defesa do Brasil como um todo, mas também com a percepção do que me motivou a estar na política, de que todo poder emana do povo. Então, quando vem a população à porta do Parlamento e fala: "Olha, eu quero que se legisle sobre esse assunto", a gente tem que parar, observar e ver se tem procedência; e vai, analisa.
Agora, a questão para mim aqui é muito clara - ela é muito clara. Eu tenho minha convicção pessoal e eu sou radicalmente contra - eu sou radicalmente contra - o transporte de animal vivo nessa circunstância. Não tem razão para ser. Primeiro, porque ele fere a Constituição no art. 225. Segundo, porque tem uma responsabilidade criminal. Mas não tem... A colega citou Jeremy Bentham, que foi um utilitarista, mas o que eu sempre falo é que não tem nenhum ordenamento jurídico, nem mesmo a Constituição se sobrepõe, se não for em cima de um comportamento ético e moral. E quando você analisa direitos humanos e faz uma retrospectiva do que vem a ser direitos humanos, que é o conjunto de direitos naturais que toda pessoa tem, e quando você vê que um animal é um ser que sente e sofre, isso tem que ser levado em consideração. Quando você vê... Eu acho que foi o próprio Leonardo da Vinci que falou que haverá um dia em que, quando o homem conhecer o íntimo do animal, um crime contra um animal será considerado um crime contra a humanidade.
Veja, será que nós, enquanto seres humanos... Eu sempre me faço essa pergunta, falo assim: "Será que eu estou me aperfeiçoando enquanto ser humano?". Porque é isso. Eu acho que a gente tem que viver numa sociedade que preserva o meio ambiente, mas como um todo. Não basta a Constituição Federal estabelecer que todos temos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O que o Estado está fazendo para isso? Daí a importância de a gente refletir sobre isso e falar, jogar luz nesse assunto.
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Agora, eu faço uma convocação a toda a população, a quem tem adesão a essa pauta: que efetivamente cobre, lute, exercite seu direito. Eu sempre falo que ser cidadão para mim, gente, não é só viver em sociedade, mas é transformar essa sociedade. Você tem que bater à porta do Parlamento. Você tem que buscar o seu Parlamentar, o seu Deputado Federal, o seu Senador, e falar assim: "Olha, passou da hora, nós temos que legislar sobre isso".
Eu sempre gosto da frase de Victor Hugo. Victor Hugo foi fenomenal quando ele disse que não há nada mais poderoso do que uma ideia quando o seu tempo chega. Se chega o tempo da ideia, no momento adequado, esse é o momento ideal, é uma junção perfeita. Eu lembro que precisou vir uma pandemia matar 700 mil pessoas para a gente aprovar o piso da enfermagem. Era uma luta de 40 anos. Ora, a ideia chegou no tempo adequado, e houve um terreno fértil para aprovar.
Talvez este seja o momento da ideia chegando no tempo adequado. E nós temos argumentos totalmente plausíveis, tanto no aspecto econômico, tanto no aspecto da ética, tanto no aspecto legal e tanto no aspecto constitucional. A Constituição Federal é a espinha dorsal do Estado democrático de direito: todos os ramos do direito saem da Constituição. A Lei 9.605, que é a lei de proteção ambiental, ela sai dali como um desdobramento da proteção ambiental. Então, se nós temos uma responsabilidade penal; se nós temos a consciência de que o animal é um ser senciente; se nós temos uma consciência de que ele é um ser que sente e sofre; se nós temos a consciência de que a Constituição diz que é proibido qualquer tratamento desumano, cruel; se nós temos uma previsão de um crime em que a ação penal é pública e incondicionada; e, se nós temos uma mola propulsora, que é um comportamento ético e moral que temos que impor, não há espaço para meio-termo.
Para mim, eu acho que isso tem que ser visto, debatido, tudo analisado. Se fosse necessário, caso houvesse qualquer prejuízo, que houvesse compensação, mas transportar animais nessas circunstâncias, vivos, pela via marítima com a forma como está aí estabelecida, com navios totalmente adaptados, com condições deploráveis, cruéis e degradantes, eu acho que a falta é só de sensibilidade. Eu acho que o que me motiva a estar na política é a empatia, é a possibilidade de se colocar na dor do outro, né? Kant falava... Eu acho que eu sou meio radical quando eu cito Kant quando ele fala no imperativo categórico, né? Ele fala assim: aja de tal forma que seu comportamento se torne uma lei universal.
Isso tudo eu levo para a minha vida pessoal. Eu falo assim: "O que eu vou fazer? Se fosse se tornar uma lei universal, seria positivo?". Se for, eu faço; se não, eu vou me reservar no direito de não ter aquele tipo de comportamento. Não há meios-termos para isso.
Em uma ocasião, eu estava subindo a Terceira Ponte, no meu Estado Espírito Santo, que é uma ponte que liga Vitória a Vila Velha, e um motorista na minha frente, literalmente, jogou uma lata de Coca-Cola pelo carro, na pista, ali em movimento. Eu corri, tentei pegar a lata, porque eu ia chegar... Mas eu não consegui abordá-lo. Eu iria falar: "O senhor esqueceu, o senhor deixou cair a lata".
Eu acho que você tem que efetivamente ir nas pequenas coisas. Olha, perdoe-me o desabafo, mas é nas pequenas coisas. Eu tenho dois filhos que são a razão da minha vida. Você tem feminicídio, você tem coisas com a sociedade sexista... Hoje, eu tenho toda a... Eu posso estar sendo extremamente radical, mas eu tenho uma filha e um filho, Gabriel e Mariana, e, hoje, quando alguém vem dar um presente para Mariana que é um fogãozinho ou uma geladeira, eu não quero! Não quero fogão e geladeira, com todo o respeito, porque eu estou reforçando este comportamento do local, efetivamente, onde a mulher está. Eu não tenho como... Eu não tenho... Não há espaço numa sociedade que ainda é racista. Eu tenho dúvida, eu tenho medo, porque, quando eu vejo... Por exemplo, eu fui utilizado pelo Estado de forma contundente como delegado de polícia por 27 anos para agir de forma contundente contra pobres e pretos. Meus filhos são negros e são a razão da minha vida. Eu tenho medo de onde eles vão estar, porque eu sei que o Estado criminaliza a pobreza. Eu sei a forma como o Estado criminaliza a cor da pele ou os bolsões de pobreza. Então, essa é uma luta constante. É uma luta constante de preservar o meio ambiente em toda a sua amplitude. Eu finalizo aqui, pois eu já me alonguei e avancei até, mas é para que vocês não tenham dúvida de que o que me move estar nesta Comissão e nesta pauta é a certeza de que defender o meio ambiente é defender toda e qualquer forma de vida que há por vir. E eu estarei aqui sempre com força, coragem, determinação, porque para mim, na política, não há espaço para covardes, nós temos que ter lado. E eu tenho plena convicção do lado que escolhi e não quero mudar de lado.
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Muito obrigado. (Palmas.)
Eu queria registrar aqui a participação do e-Cidadania: Joelma, do Distrito Federal, fez um questionamento; Maria, de Pernambuco; Lucas, do Rio de Janeiro; Guilherme, de São Paulo; Cláudia, de Santa Catarina; Alex, do Rio de Janeiro; Cibele, de São Paulo. Eu agradeço a todos vocês que participaram, exercendo esse direito de cidadania. Parabéns pelas suas colocações!
Eu pediria aos convidados, agora, por gentileza, para encaminhar para o encerramento, quando vocês terão dois, três minutos para fazer suas considerações finais, que, se vocês acharem pertinente, claro - obviamente, depois, eu pediria aos convidados que respondessem essas perguntas para a gente fazer a devolutiva para quem manifestou -, escolham algumas delas e já respondam nas suas considerações. Eu agradeço.
E, mais uma vez, eu estou muito feliz com esta audiência e espero que a equipe da Comissão de Meio Ambiente abstraia todas as sugestões que estão aqui para que a gente possa ter cada vez mais fundamentação, saia da doxa, que é aquela manifestação por opinião, e possa falar efetivamente dos fatos com verdade, com sustentação, tanto jurídica como ética, para um tema que para mim é de fundamental importância.
Vou começar com a Sra. Vania Plaza para suas considerações. E, se quiser escolher uma delas, faça aí a homenagem a este brasileiro ou esta brasileira que deu a sua manifestação. Muito obrigado.
A SRA. VANIA PLAZA NUNES (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Queria mais uma vez agradecer a oportunidade que o senhor nos deu.
Eu fiquei emocionada de ouvir suas palavras, não posso deixar de dizer, porque elas também me tocam muito... Peço até desculpa pelas lágrimas, mas a gente vai ficando velha e vai percebendo o valor que as coisas têm na vida.
Eu queria lembrar que, em 2024, a gente tem uma segunda determinação, como a Declaração de Cambridge, que é a Declaração de Nova York, que reconheceu várias outras espécies estando mesmo nesse bojo. Queria deixar claro que não é simplesmente a senciência que foi reconhecida mundialmente, mas, sim, a consciência dos animais, a capacidade de tomar decisão, de entender que ele está exposto a uma situação crítica e entender a impossibilidade, muitas vezes, de tomar uma decisão para salvar a própria vida. Eles têm essa consciência.
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A ciência mundial tem trazido, em todos os países, muito conhecimento nesse sentido. Eu entendo que uma Casa Legislativa, como é o caso do Senado e da Câmara dos Deputados, precisa se debruçar sobre isso, porque, como o senhor diz, não adianta a gente formar tantos doutores, mestres, e não levar em conta tudo isso que a ciência nos traz. Eles estão absolutamente querendo defender o direito à vida de todos nós e, principalmente, das milhões de espécies e bilhões, trilhões, sextilhões de seres vivos que existem.
A gente está falando sobre a questão - aí eu já vou responder uma das questões -, uma das pessoas aqui nos pergunta, o Guilherme, de São Paulo: "Como [...] [o] transporte impacta o ecossistema [...] [marinho] da costa brasileira?". A gente não tem ideia, porque não se permitem estudos. Nós mesmos, representantes da sociedade civil - e há várias entidades que têm lutado por esse tema -, temos tentado, sobre todos os esforços, mobilizar pesquisadores, mas precisamos de recursos financeiros para que eles possam trazer essas informações detalhadamente. A gente está destruindo, não só pelo transporte marítimo de gado vivo, mas, por outras práticas, tudo aquilo que os nossos rios e oceanos podem trazer de positivo.
Com relação a uma pergunta da Joelma, se o senhor me permite: "E como fica a propagação de doenças com essa prática, tanto para os animais quanto [para] os seres humanos? [...]". Eu trouxe aqui dados bem pontuais; eu fico à disposição caso ela precise dessas informações.
Por último, a Maria, de Pernambuco, pergunta: "[...] [quais são os fatores que causam] estresse [e] como [eles] são medidos [...]?". Infelizmente, Maria, eles não são medidos, porque a gente não tem a oportunidade de ter acesso a relatórios, de participar dessas viagens marítimas.
Aí, eu quero fazer uma consideração: o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, quando daquele momento, em 2018, em Santos, conseguiu a suspensão por quatro dias, no território brasileiro, do transporte marítimo de gado vivo, isso gerou um grande processo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Entre os acordos que estavam estabelecidos ali, era a possibilidade de profissionais da sociedade civil...
(Soa a campainha.)
A SRA. VANIA PLAZA NUNES - ... juntamente com profissionais do Mapa fazerem essas viagens para poder, de fato, dirimir essas dúvidas e produzir pontos positivos para o avanço. Infelizmente, isso não andou, isso a gente precisa retomar.
Por último, eu queria agradecer mais uma vez essa possibilidade de estar com vocês aqui e, nessa altura da vida, poder continuar defendendo aquilo que eu mais amo, como médica veterinária e como pessoa, que é a vida de todo e qualquer animal onde ele estiver.
Muito obrigada, Senador Contarato, e obrigada a todos que nos acompanham também nas redes sociais. Muito obrigada! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado. Quero parabenizá-la pela forma didática, objetiva, por ter respondido vários dos questionamentos.
Agora, concedo a palavra ao Sr. George Sturaro.
O SR. GEORGE STURARO (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Bom, eu vou aproveitar a minha fala de encerramento para endereçar um comentário da Cibele, de São Paulo. A Cibele diz: "O Brasil avança nas políticas de proteção a outras espécies [...] animais [...], mas não impede tamanha crueldade". Cibele, eu acredito que nós estamos caminhando para mudar essa situação. Inclusive, eu resgato a citação, feita pelo Senador, do Victor Hugo: "Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou". Eu acredito que o fim da exportação de animais vivos está chegando - nós estamos trabalhando para isso - e há diversos indícios.
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Em 2019, o Instituto Ipsos realizou uma pesquisa de opinião e revelou que 84% das pessoas entrevistadas se manifestaram contra a exportação de animais vivos, ou seja, uma parcela significativa da população brasileira não apoia essa atividade. Um outro indício, um indicador, na verdade, é a movimentação, são as manifestações nacionais que ocorreram, em 2024 e novamente 2025, organizadas pelo movimento Não Exporte Vidas, que alcançaram 20 estados do Brasil. As pessoas foram às ruas protestar contra a exportação de animais vivos em 20 estados do nosso país. Um terceiro indicador de que esse tempo está chegando, o tempo do fim da exportação de animais vivos, é o próprio projeto de lei, o Projeto de Lei 3.093, de 2018, nascido de uma sugestão legislativa. Esse projeto de lei carrega o DNA da participação social.
Então, eu gostaria de trazer essas considerações como encerramento.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado.
Concedo a palavra à Sra. Maira Luiza Spanholi - agora eu falei certo.
A SRA. MAIRA LUIZA SPANHOLI (Para expor.) - Olá! Agradeço novamente a possibilidade de participar, a possibilidade de trazer um pouco mais desse olhar econômico, de mostrar que a gente não está falando apenas de problemas éticos, mas também de problemas econômicos. A gente está deixando de gerar valor para o nosso país.
Então, aproveitando a minha fala, vou responder aqui a um comentário da Cláudia, de Santa Catarina, em que ela diz que "Além de ser cruel exportar animais vivos, a exportação deles processados gera maior valor agregado e mais empregos para os brasileiros". É justamente isso, a gente está tendo um desperdício da nossa própria economia, a gente está deixando de movimentar a nossa própria economia. Quando a gente exporta animais vivos, essa economia que está recebendo o animal é que vai ter esse benefício, e não a gente. Então, além de ser uma escolha ética a gente parar de exportar bovinos vivos, também é uma escolha inteligente para o nosso próprio desenvolvimento.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Parabéns!
Concedo a palavra à Sra. Leticia Filpi, para as suas considerações.
A SRA. LETICIA FILPI (Para expor.) - Bom, gostaria de agradecer e manifestar a minha admiração pelo Senador. Compactuo com as suas ideias e me sinto muito feliz de que o Senador tenha essa fala, que foi muito emocionante - também fiquei muito emocionada. Muito obrigada.
Na minha fala final, primeiramente, eu gostaria de responder não a um questionamento aqui, mas a um questionamento que o Senador colocou aqui. Ele falou que a responsabilidade pelos animais durante o trajeto do navio até o destino não é do Brasil. Na verdade, pela Instrução Normativa 46, de 2018, ele é responsável pelos animais até chegar ao destino. Então, de fato, o Brasil é responsável por esses animais até a chegada deles ao destino.
Aí eu queria aqui falar sobre a fala do Alex, do Rio de Janeiro, dizendo o seguinte... Ele falou o seguinte: "É muita crueldade com esses animais! [São transportados] em pé, amontoados e no meio das fezes! Vários deles morrem e são jogados ao mar". Eu queria dizer que proibir uma atividade que comete esse tipo de crueldade não é proibir direitos, mas, sim, dar oportunidade para esses empresários se reinventarem, de participarem de um novo ciclo da humanidade, porque esse ciclo de a gente escravizar, explorar outros seres da terra tem que acabar.
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Nós estamos numa outra fase agora; nós estamos evoluindo, nós não podemos mais tratar outros seres da terra como objetos, como instrumentos a nosso favor.
(Soa a campainha.)
A SRA. LETICIA FILPI - É importante a gente entender que nós não somos seres que estão acima do bem e do mal. Nós precisamos agir como seres morais, seres éticos. E, enquanto sociedade humana, nós precisamos evoluir. Então, é uma oportunidade para o empresário criar coisas boas, criar coisas novas. Não é uma proibição de direitos.
É isso que eu queria dizer.
Muito obrigada a todo mundo que veio. Obrigada ao pessoal da internet e mais uma vez muito obrigada, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Agora eu concedo a palavra à minha colega capixaba Vanessa Negrini. Para mim é uma alegria estar recebendo você. Saiba que eu agradeço a população capixaba e espero que ela entenda que eu tenho feito o meu melhor no mandato. Mesmo, às vezes, não agradando todo mundo, ninguém agrada todo mundo, eu tenho a plena convicção do mandato que eu tenho feito na certeza intransigente da defesa da democracia, da saúde pública, do meio ambiente, da educação pública de qualidade, da geração de emprego e renda, de uma tributação verde, enfim, da defesa dos direitos humanos na sua amplitude, porque, quando se fala em direitos humanos, é tão amplo, né? Quando a colega fala das gerações de direitos humanos - primeira, segunda, terceira, e há quem sustenta a quarta geração de direitos -, eu falo assim: "Meu Deus, vale a pena!". Eu acho que vale a pena; mesmo pagando um preço, às vezes, muito, muito cruel, vale a pena!
Então, bem-vinda ao Senado! Parabéns! E que alegria saber que você é uma capixaba do meu Estado do Espírito Santo. Suas considerações.
A SRA. VANESSA NEGRINI (Para expor.) - Senador, muito obrigada.
Eu acho que eu falo em nome de boa parte das capixabas. Tem três coisas de que a gente se orgulha demais da nossa terra: da moqueca de banana, da moqueca capixaba de banana, essa é vegana; do cuscuz, que o cuscuz nosso é diferente, é de coco, é doce, uma delícia; e do nosso Senador Fabiano Contarato. (Risos.) (Palmas.)
Eu queria aqui comentar a fala da Cibele, de São Paulo, que comenta: "O Brasil avança nas políticas de proteção a outras espécies [...] animais [...], mas não impede tamanha crueldade". E eu queria concordar com a Cibele. No Brasil, no Governo do Presidente Lula, a gente tem feito avanços extraordinários na pauta animal, a partir da construção e da implementação do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais. Aprovamos, recentemente, o fim dos testes cosméticos em animais e, depois, uma lei que tramitou durante 13 anos no Senado e na Câmara - foram 13 anos, e foi aprovada agora no Governo do Presidente Lula. Aprovamos o rito sumário da proteção animal, garantindo recursos para a fauna atingida e potencialmente atingida em emergências ambientais - isso é importantíssimo, uma vez que as emergências ambientais, cada vez mais, são o novo comum, infelizmente. O Presidente Lula publicou um decreto instituindo o ProPatinhas e o SinPatinhas - estamos dando início ao maior programa de castração, microchipagem e controle ético da população de cães e gatos. Somente este ano estamos executando 86 milhões de ações nesse programa. Tivemos aí, em articulação do Executivo junto ao STF, a proibição do abate de animais resgatados, vítimas de maus-tratos. Olha só, você resgata os animais vítimas de maus-tratos, e o grande prêmio deles é serem abatidos! Isso era uma incompatibilidade, e a gente conseguiu reverter isso no Supremo.
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(Soa a campainha.)
A SRA. VANESSA NEGRINI - Queria falar, Senador, que neste momento... O senhor comentou da relatoria do senhor sobre o projeto de maus-tratos - fundamental, importantíssimo. Na época, a gente só conseguiu estender isso para cães e gatos, mas quero dizer que neste momento, na reunião de Líderes na Câmara dos Deputados, está em pauta o PL 347, de 2023, que aumenta as penas para crimes cometidos contra a fauna silvestre. É um projeto que está tramitando há 30 anos, nesta Casa. Tem acordo da composição aí, Liderança do Governo, Presidência da Câmara dos Deputados, para votar esse projeto o quanto antes, e depois ele vem para o Senado. Quem sabe aqui, no Senado, o senhor possa liderar esse movimento também para os silvestres - e quem sabe em tempo recorde, a tempo da COP 30.
Da mesma forma como estamos avançando em todas essas frentes, Cibele, eu tenho certeza de que o tempo virá também para essa frente do fim da exportação de animais vivos. É uma semente que se planta, é uma semente que a gente vem discutindo, trilhando, e chegará a hora de essa ideia extravasar e não ocupar só o bojo dessa discussão, mas tomar o bojo da sociedade e realmente passar a ser a regra.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Mais uma vez, eu quero agradecer a todos e todas. Volto a falar, eu estou aqui de uma forma muito prazerosa; para mim, é isso que dignifica o Parlamento.
Quem me conhece sabe que a minha formação é no Direito, mas eu... Às vezes eu fico me perguntando, falo: "Meu Deus, o senhor foi me colocar no Direito; depois eu fui fazer concurso para delegado, que é uma profissão às vezes tão... aquele poder punitivo, coercitivo; eu sou professor no Direito, que é aquele positivismo napoleônico, regras, tratados, títulos de doutores, excelências, uma vaidade, uma vaidade... e agora eu sou político". Eu falo: "Meu Deus, o que mais?". (Risos.) Mas quando a Vania falou: "Me perdoe porque eu estou emotiva", eu me vi nela. Porque eu falei assim: "Meu Deus, às vezes eu também estou assim", mas eu acho que isso é maturidade.
E aí eu tomo a liberdade aqui... Quem me conhece sabe que eu amo literatura. Tem um poema... Não sei se é um poema, se eu posso atribuir esse rótulo, mas passa isso para mim, e eu tento sempre falar ou sempre exercitar... E, por favor, não se sintam ofendidos, mas eu quero dedicar a todos vocês, em especial a você, Vania, porque às vezes eu acho que eu estou ficando maduro ou experiente, e não, eu também me sinto assim. Então, a todos que se sentem assim, eu quero dedicar isso. Ele fala assim:
Eu contei meus anos. E descobri que tenho menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora. Eu tenho muito mais passado do que futuro. Então já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Eu não quero reuniões em que desfilam egos inflamados.
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Inquieto-me com invejosos cobiçando lugar de quem eles admiram. Eu já não tenho tempo para conversas inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Eu já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas idosas, mas ainda imaturas. Eu detesto pessoas que não debatem conteúdos, mas apenas rótulos. Eu quero viver ao lado de gente que sabe rir, sabe rir de seus tropeços. Não se encanta com triunfos. Não se considera eleita antes da hora. Não foge de sua mortalidade. Eu quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. Apenas o essencial faz a vida valer a pena, e, para mim, basta o essencial.
Olhem que lindo! Isso é lindo, né? (Palmas.)
Eu acho que às vezes vocês falam... Sempre que eu leio esse poema, eu falo assim: "Meu Deus, eu contei meus anos! Eu vou fazer 60 anos; eu tenho mais passado do que futuro". Perdoem-me, mas não é só a expectativa de vida que a gente vai ter, mas é a qualidade. Como você vai estar daqui a cinco anos?
Então, eu quero agradecer a toda a equipe da CMA, ao meu colega - eu esqueci seu nome... (Pausa.) Robert, que é terceirizado, com carinho, um querido. Eu, aqui, fico defendendo os terceirizados mais que tudo, porque esta Casa também criminaliza determinados servidores e faz um tratamento para um efetivo, um comissionado, mas com o terceirizado é de outra forma. E, por favor, os efetivos e os comissionados não se sintam ofendidos, mas eu queria que fosse o tratamento como todos; afinal, todos somos iguais perante a lei, independentemente de raça, cor, etnia, religião, origem e orientação sexual; essa é a premissa constitucional do art. 5º. Desculpem, porque eu acho que hoje eu estou extremamente mais emotivo do que o normal, mas é porque vocês me fizeram sentir assim.
E eu quero, Airton, na sua pessoa, agradecer a toda a equipe e falar que eu tenho muito orgulho da equipe da CMA e muito orgulho de todos vocês que, de qualquer forma, estão contribuindo para uma pauta de tamanha relevância, para que a gente possa deixar para os nossos filhos, nossos netos e quem sabe para as futuras gerações, na certeza de que nós estamos lutando, sim, por aquilo que eu sempre falo: ser cidadão, para mim, não é apenas viver em sociedade, mas transformar essa sociedade. E o que você, eu, nós estamos fazendo para transformar esta sociedade? Fica aqui a reflexão.
Agradeço a todos pela participação.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e declaro encerrada a reunião. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 21 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 06 minutos.)