Notas Taquigráficas
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| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todas e a todos. Sejam muito bem-vindos à nossa Comissão de Assuntos Sociais! Havendo número regimental, eu declaro aberta a 40ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A presente reunião atende aos Requerimentos nºs 14 e 76, de 2025 - CAS, de minha autoria e de autoria do Senador Flávio Arns e da Senadora Damares Alves, para a realização de audiência pública destinada a debater sobre o aumento do consumo abusivo de bebidas alcoólicas entre as mulheres. Informo que esta audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão, na Ouvidoria, através do telefone 0800 0612211, e pelo Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores, via internet. Nós já temos algumas perguntas aqui interessantes; nós vamos aguardar as nossas debatedoras aqui para tratarmos. Sras. Senadoras, Srs. Senadores, convidados e convidadas, especialistas e demais participantes, declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, convocada para debater uma questão que exige nossa atenção e compromisso, que é o aumento do consumo abusivo de bebidas alcoólicas entre as mulheres. Este debate é fruto do requerimento feito por mim, pela Senadora Damares e pelo Senador Flávio Arns, aprovado por esta Comissão, e tem como objetivo chamar a atenção do Parlamento e da sociedade para uma realidade cada vez mais preocupante. O consumo abusivo de álcool é responsável por inúmeros impactos sociais, econômicos e de saúde pública. Segundo estudo realizado pela Fiocruz, o custo do consumo de bebidas alcoólicas para o Brasil foi de R$18,8 bilhões em 2019, somando despesas diretas e indiretas. Dados do Vigitel revelam que, entre 2006 e 2023, a frequência do consumo abusivo de bebidas alcoólicas subiu de 7,8% para 15,2% entre as mulheres, enquanto se manteve praticamente estável entre os homens; ou seja, o que antes era visto como um problema predominantemente masculino, hoje atinge, de forma crescente e acelerada, o público feminino. |
| R | No recorte por capitais brasileiras, os números impressionam. Em Salvador, mais de 21% das mulheres relataram consumo abusivo em 2023. Aqui no Distrito Federal, nossa capital, esse índice chegou a 20,5%. É preciso ressaltar que não existe nível seguro de consumo de álcool para a saúde. A Organização Mundial de Saúde alerta que mesmo doses leves aumentam o risco de câncer, em especial o de mama. As mulheres ainda apresentam maior vulnerabilidade biológica, atingem níveis mais altos de alcoolemia e desenvolvem doenças com menor quantidade e em menor tempo do que os homens. Além disso, enfrentam o peso do estigma social e, muitas vezes, perdem rapidamente suas redes de apoio quando o problema se instala. Durante a gravidez, o alerta é ainda mais forte. Não existe consumo seguro de álcool na gestação. Mesmo pequenas doses podem causar abortamento, prematuridade ou a síndrome alcoólica fetal. Diante desses dados, torna-se evidente a importância de reconhecermos o alcoolismo feminino como um problema de saúde pública que demanda políticas específicas, ações de prevenção, tratamento e, sobretudo, informação clara à população. O Brasil já assumiu metas internacionais, como o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis, que prevê a redução em 10% da prevalência do consumo abusivo até 2030. Para alcançar esse objetivo, precisamos enfrentar as causas, combater a publicidade, que é abusiva, direcionada às mulheres e adotar medidas eficazes, como as do pacote Safer da OMS, que envolve tributação, restrição de marketing e acesso ampliado ao tratamento. Nesse sentido, não poderia deixar de registrar a aprovação, na semana passada, nesta mesma Comissão, do parecer favorável da Senadora Damares Alves ao PL 2.880, de 2023, que altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para dispor sobre a criação de estratégia de saúde direcionada à mulher alcoolista. Espero, o quanto antes, que possamos aprovar a matéria em Plenário e enviar para sanção presidencial. Nós vamos tratar disso e vamos colocar, não só a Senadora Damares como Relatora, eu agora, como requerente dessa iniciativa, mas, mais do que isso, é uma prioridade da nossa Bancada Feminina, já deixo registrado aqui a todas. Por fim, eu quero agradecer às convidadas e aos convidados que aceitaram estar conosco hoje, representantes de associações, da sociedade civil, da academia e do poder público, todos com experiências e visões que enriquecerão este debate. Esta audiência é um passo fundamental para compreendermos melhor o fenômeno do alcoolismo entre as mulheres e, principalmente, para avançarmos na construção de respostas legislativas e de políticas públicas que protejam a saúde, a dignidade e, claro, o futuro de todas nós brasileiras. Declaro, portanto, iniciados os trabalhos desta audiência pública e convido os presentes a contribuírem com suas análises e reflexões, para que possamos avançar juntos nessa luta tão necessária. Muito obrigada. (Palmas.) |
| R | Perdão, são tantas pastas, de tantas reuniões, de tantas Comissões, que às vezes eu me embolo um pouquinho aqui. Eu vou convidar, inicialmente, para sentar-se aqui comigo no dispositivo, para fazer o uso da palavra: a Sra. Graziella Santoro, que é Presidente da Associação Alcoolismo Feminino (AAF); (Palmas.) A Sra. Helena Ferreira Moura, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas; (Palmas.) A Sra. Juliana Ferreira, Assessora de Advocacy da ACT Promoção da Saúde; (Palmas.) A Sra. Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha, que é Diretora-Adjunta de Doenças Crônicas Não Transmissíveis da Vital Strategies; (Palmas.) E o Sr. Marcelo Dias, Diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde. (Palmas.) Dr. Marcelo, vou pedir para o senhor ficar para a próxima mesa. Perdão. Fui orientada agora. Obrigada. Gostaria de registrar a presença também da D. Nara de Araújo, Diretora de Prevenção e Reinserção Social da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça, que fará parte da próxima mesa, e do Sr. José Mauro Braz de Lima, neurocientista e professor associado de Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Sejam todos muito bem-vindos. O Dr. Mauro, o José Mauro vai estar por videoconferência. Eu vou passar a palavra agora - já primeiramente agradecendo a esta mesa aqui brindada, uma mesa toda feminina; sejam todas muito bem-vindas - para a Dra. Graziella Santoro, que é Presidente da Associação Alcoolismo Feminino. Seja muito bem-vinda, Dra. Graziella. A SRA. GRAZIELLA SANTORO (Para expor.) - Boa tarde. Boa tarde a todas e a todos. É uma honra estar aqui. Agradeço imensamente à Senadora Leila e ao seu assessor, Yoram, que ajudou tanto a gente. Eu sou Graziella, eu sou Presidente, estou Presidente da Associação Alcoolismo Feminino, uma associação... Eu vou falar um pouco sobre a associação, mas, antes de mais nada, eu quero dizer que eu sou uma alcoolista, eu sou uma mulher que tem transtorno por uso de álcool. É uma condição mental, assim como é a depressão, assim como é o transtorno de ansiedade, o transtorno afetivo bipolar. O transtorno por uso de álcool tem tratamento. E esta é a primeira coisa que eu gostaria de falar: que eu não tenho vergonha de dizer que eu sou uma alcoolista, que eu tenho um transtorno por uso de álcool, porque esse estigma precisa ser rompido na nossa sociedade. A segunda coisa de que eu queria falar, como mulher, é que eu sofri violência sexual estando alcoolizada. Eu não lembro. Eu acordei e, quando eu acordei, eu me dei conta de que eu tinha sido abusada sexualmente, estando alcoolizada. |
| R | E eu falo essas duas coisas, porque a grande maioria das mulheres - espero que muitas estejam assistindo e ouvindo aqui, que esta audiência chegue a muitas mulheres - se culpam porque estão doentes com um transtorno mental e comportamental e se culpam por terem sido violentadas estando alcoolizadas, e a gente precisa muito falar sobre a violência associada ao consumo de álcool. Então, dito isso, eu vou apresentar rapidamente um pouquinho do trabalho que a gente realiza e vou deixar a parte mais técnica para as minhas colegas. Antes, eu coloquei ali o uso da tecnologia no tratamento, porque o trabalho que a gente realiza é 100% virtual. Inclusive, a gente está disponível para todo o Governo brasileiro para "parceirar" no modelo de atuação que a gente realiza, que é 100% virtual. Pode passar, por favor. Estou nervosa, gente. Desculpe. Nós já acolhemos mais de 2,3 mil mulheres de todo o Brasil. Nós já acolhemos brasileiras que hoje residem na Europa, Estados Unidos, Canadá, Irlanda, Europa, enfim. E nós chegamos e estamos acolhendo mulheres de Portugal e de Angola. Isto é um orgulho: poder alcançar outros países e levar tratamento num modelo nosso, brasileiro, para fora do país. Só para mostrar para vocês, das 2,3 mil mulheres, mais ou menos - já deve estar em 2,5 mil -, todas essas que vocês estão vendo ali no mapinha são alcoolistas em recuperação na nossa associação e são alcoolistas não anônimas. Elas resolveram sair do anonimato para falar e para romper esse estigma, "Eu não posso ter vergonha de falar do meu transtorno. Eu não posso ter vergonha de pedir ajuda pelo alcoolismo, por estar doente". Infelizmente, são só 50 mulheres, mas já são 50 mulheres! E elas vão para as redes sociais e elas falam do transtorno, de como afetou a família delas, os filhos, e isso é muito potente, porque é isso que engaja outras mulheres a buscarem ajuda também. A gente trabalha com uma metodologia humanizada, científica e apoiada em tecnologias, como eu já falei. E a primeira frase que a mulher recebe, ouve, quando ela chega para a gente, é: "Deixe-nos amá-la enquanto você não consegue", porque realmente elas chegam muito, muito, muito destruídas. Aqui é um pouquinho do nosso site, para quem for buscar ajuda. Eu não vou me estender aqui, mas é só para mostrar que a porta de entrada é o nosso site ou é o nosso Instagram. A gente trabalha com esse guia para a sobriedade e, em breve, estaremos lançando um livro, que é o guia comentado para a sobriedade, explicando cada passo que está ali, que é baseado em ciência, o que uma mulher que tem o transtorno por uso de álcool, que acha que tem, precisa fazer para poder alcançar a sobriedade, que é uma coisa tão bacana. Eu estou sóbria há 17 anos, e a minha vida hoje é maravilhosa, é muito melhor do que eu jamais sonhei. Então, esse guia é o norteador do nosso trabalho. |
| R | O nosso trabalho é isso aí que vocês estão vendo; é tudo virtual. A gente tem mais de 11 terapias em grupo. E o que é legal nesse modelo é que ele foi construído com todas as alcoolistas. A gente não criou nada; a gente construiu a partir das demandas. "Grazi, olha, eu fui abusada. Dá pra a gente falar sobre sexualidade ou sobre violência contra a mulher?" Criamos terapias em grupo para falar sobre isso. Dependência emocional, dependência financeira... Então, a gente tem grupo de empoderamento, a gente tem grupo para falar de dependência emocional. Perdas e luto: muitas mulheres são mães e cuidadoras de seus pais. A grande maioria das mulheres são cuidadoras de seus pais, e elas passam por essa situação do luto, da perda da sua própria autonomia, porque ela está ali vivendo o cuidado com os filhos, o cuidado com os pais, então a gente fala... E o próprio luto de ter que parar de consumir bebidas alcoólicas, né? Que para elas, inicialmente, é - para mim também foi - muito difícil. Então, a gente tem todo um modelo: são mais de 11 terapias em grupo; a gente tem parceria com a clínica Evolução, que é da Selene Barreto, esposa do Dr. José Mauro; a Dra. Julia Pascoal; uma equipe de psicólogas, terapeutas, educadora financeira; até professora de inglês a gente tem - elas vão pedindo, a gente vai criando para elas, né? Tudo de forma virtual. E esse trabalho, gente, eu tenho certeza de que - eu vou me emocionar... Eu tenho certeza de que muitas estão assistindo agora, mas ele é realizado por mais de 50 voluntárias, todas alcoolistas, todas em recuperação na nossa associação. Nosso trabalho só funciona porque essas voluntárias existem. Então, eu sou muito grata, muito grata por não estar sozinha nessa luta. E a gente tem reuniões de Troca. O Troca é o Tempo Reservado para Olhar com Carinho e Atenção para mim, para a minha sobriedade, para minha vida. Porque normalmente as mulheres não param para ter... Elas não separam um tempo para elas. Elas têm tempo para cuidar de todo mundo, menos delas. Então, a gente reserva esse tempo de duas horinhas para elas poderem falar das dificuldades, não só relacionadas ao consumo de álcool, mas da vida, enfim. Aqui são as terapias de que eu já falei; aqui, as profissionais, sendo que todas têm especialização em dependência química. A gente tem um grupo dedicado só a mulheres negras; a gente está voltando, retomando um grupo para a comunidade LGBTQIAPN+; tem grupo para familiares, de que eu não falei. Enfim... E nós já ganhamos, já fomos premiadas duas vezes por fazermos um trabalho baseado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU - Objetivos 3, 5 e 18: saúde e bem-estar; empoderamento de meninas e mulheres; e equidade racial. Então, esse é o nosso segundo selo de reconhecimento. E ali é uma agenda. A gente tem uma comunidade virtual pelo WhatsApp, e ali a gente vai colocando todas as informações. Hoje são mais de 350 mulheres acolhidas em todo o Brasil e fora do país. Aqui é o perfil, né? Quando a mulher chega à nossa associação, ela preenche um cadastro. E aí a gente consegue, através dessa análise, ir melhorando o acolhimento, a recuperação, o tratamento. |
| R | Hoje a grande maioria é heterossexual. Um detalhe muito importante ali: mais de 80% têm histórico de alcoolismo na família - acredito que talvez a Abead vá falar. O transtorno por uso de álcool tem uma predisposição genética. Eu sou filha de alcoolista. Minha mãe era alcoolista. Então, eu já vim ao mundo... Isso é uma coisa que eu falo muito para as mulheres que chegam: eu já vim ao mundo com a predisposição genética. Não tenho nem culpa de ter vindo com a predisposição, né? Porque culpa, eu vou falar sempre, é o carro chefe da dor de todas essas mulheres que têm esse transtorno. (Soa a campainha.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF. Fora do microfone.) - Fique à vontade. A SRA. GRAZIELLA SANTORO - Vou falar mais rápido, gente. A cirurgia bariátrica... Eu acho que esse é um ponto fundamental também. Não sei se minhas colegas vão falar, mas isso é assustador, assim, sabe? Assustador. Trinta e seis por cento - 36% - das mulheres que estão em tratamento com a gente fizeram cirurgia bariátrica. É assustador isso. Pior: tiveram reganho de peso. Pior: são as que mais têm ideação suicida. Das cinco mulheres que nós perdemos para essa doença, quatro tinham feito cirurgia bariátrica. Aqui são as organizações internacionais que nos apoiam. A Organização Pan-Americana da Saúde nos apoia desde o início. Eu tive a oportunidade de falar ali com grandes feras - o presidente mundial do AA, a Dra. Maristela Monteiro -, num webinar, falando do trabalho que a gente fala que é pioneiro aqui no Brasil, é inovador. A gente agora representa a Issup aqui no Brasil também, e a Movendi. A parceria com várias universidades para a gente é muito importante - universidades, faculdades; doutorados, mestrados. Quanto mais pessoas quiserem estudar e falar sobre isso, a gente está superdisponível a colaborar. E há outras organizações. E aqui um pouquinho do que a gente faz presencialmente. Isso são alguns encontros. Vocês podem ver que tem muitas sem máscara, tem outras com máscaras. Todas são alcoolistas - todas. A gente faz, agora em outubro... Em 3, 4 e 5 de outubro, a gente vai ter a nossa convenção com quase cem mulheres, num final de semana inteiro reunidas. Vai ser muito legal. Aqui é o que a gente faz: a gente visita comunidades terapêuticas, a gente visita clínicas, a gente faz café da manhã, a gente faz almoço, a gente faz jantar, faz festa de Natal. Então, a gente está sempre aqui. A PUC Rio sempre nos convida para falar para as suas alunas de Psicologia. E é isso. A gente tem essa frase que vai nos direcionar em 2026, da Clarice Lispector, que é: "Depois do medo vem o mundo", porque falar sobre alcoolismo, falar sobre esse transtorno por uso de álcool, ajudar mulheres a perderem o medo, a não serem oprimidas, pela própria família muitas vezes, no trabalho... Elas têm muito medo, como eu já tive, mas, depois que elas perdem o medo, com certeza vem o mundo e vem uma vida muito, muito, muito melhor para elas. E eu sou muito grata por esse pontapé inicial. Eu tenho certeza de que a gente vai conseguir colocar, fazer o Brasil ser referência no tratamento de mulheres alcoolistas. E eu conto demais com todos vocês e com a senhora, Senadora. Enfim, muito obrigada. Muito obrigada por me ouvirem. (Palmas.) |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Somos nós que agradecemos, Grazi. Seu relato aqui, seu depoimento, sua história de vida e essa sua força. É inspirador mesmo ver esse trabalho lindo que a AAF tem feito. A sede é no Rio? A SRA. GRAZIELLA SANTORO (Fora do microfone.) - A sede é em BH. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Ah, é em BH - perdão. A SRA. GRAZIELLA SANTORO - Mas a gente tem filial no Rio. É porque, como é tudo virtual... A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Certo. A SRA. GRAZIELLA SANTORO - ... a gente fundou só para ter o CNPJ, mas não tem... A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Entendi. A SRA. GRAZIELLA SANTORO - Ainda não temos um espaço físico, mas a sede... A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - E qualquer uma pode entrar? A SRA. GRAZIELLA SANTORO - Qualquer pessoa. Qualquer mulher, né? A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Então, que bom que nós estamos promovendo esta audiência pública. Como você falou, certamente inúmeras mulheres agora estão olhando esse seu depoimento, a apresentação do trabalho da Associação Alcoolismo Feminino, e, enfim, é uma porta, uma janela, aliás, que se abre para todas vocês que estão nos acompanhando aqui. Obrigada pela participação, Grazi. A SRA. GRAZIELLA SANTORO - Obrigada a você. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Bom, eu vou passar a palavra agora para a Helena Ferreira Moura, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Estudos em Álcool e Drogas (Abead). Seja bem-vinda, Helena. A SRA. HELENA FERREIRA MOURA (Para expor.) - Boa tarde. Muito obrigada pelo convite, obrigada por promover este debate tão importante. Eu queria começar... Eu aponto para onde? Para cá? Ótimo! Eu queria começar falando desse manual que foi lançado pela nossa associação, que é "Nada sobre nós, sem nós!", que é um relato importante sobre vários aspectos de fatores de risco para o desenvolvimento do alcoolismo em mulheres, de fatores de como prevenir, como tratar, algumas diretrizes para a formação de políticas públicas, itens que não podem faltar. Então, é um manual bem completo. E eu sugiro muito; fica como uma sugestão de literatura. Muito do que eu vou falar aqui, inclusive, eu tirei desse material. Nós temos a questão do contexto, que já foi trazido aqui pela Senadora Leila no início da nossa audiência, de que a gente tem percebido um aumento do consumo. A gente não está falando aqui do aumento de alcoolismo, e sim de um aumento de consumo, mas isso por si só fala como um fator de risco, porque, quanto mais mulheres há bebendo, maior o risco, maior o valor, a quantidade de mulheres que depois podem acabar desenvolvendo o transtorno. E, aí, o que eu queria ressaltar aqui para vocês é como as mulheres têm uma série de especificidades que vão exigir estratégias de prevenção, de tratamento. O cuidado precisa ter uma série de especificidades para que as necessidades delas sejam atendidas. É sempre importante falar que o álcool tem múltiplos rostos, desde a cantora pop famosa, do mundo do rock, alternativa e tudo mais, até a dona de casa, mãe de família, a D. Nenê. Ela não era... Cito porque eu acho que é uma boa representação de uma mãe de família. Não me lembro de ter alcoolismo nela na série, mas é para vocês verem que às vezes é a pessoa que a gente menos imagina. E é justamente um dos casos mais difíceis, muitas vezes, de a gente tratar, porque é aquela mãe de família, preocupada com seus filhos, preocupada com o marido e que não tem um comportamento assim, que chame a atenção, no sentido de não corresponder ao que a sociedade espera dela, mas é uma mulher que muitas vezes bebe escondido, sente muita vergonha disso e não se sente à vontade de procurar um atendimento exatamente por conta disso, por conta dessa vergonha, e por uma característica muito feminina de sempre achar que "Não; dos meus problemas eu cuido. Eu vou conseguir enfrentar isso sozinha". E há a pobre menina rica, que está todo mundo acompanhando aí na novela. Então, atinge diferentes classes sociais, diferentes etnias, diferentes perfis de comportamento. |
| R | E o que a gente tem de especificidade? É muito comum ter muita vergonha de procurar tratamento, porque se sentem julgadas. É muito comum: "Não, eu não posso ir para o tratamento porque eu preciso cuidar dos meus filhos". E é interessante porque, sempre que nós falamos em saúde, as mulheres sempre tendem a adoecer mais, tendem a ter uma melhor adesão ao tratamento, as mulheres procuram mais os postos de saúde do que os homens, mas não é o que a gente vê no caso do alcoolismo, em razão de todas essas peculiaridades e, também, porque sempre que a gente fala do acompanhamento de um transtorno que é crônico, que vai precisar de muitas idas ao atendimento, que vai precisar de um acompanhamento que, pelo menos no início, costuma ser mais intensivo, as mulheres, muitas vezes, têm essa dificuldade porque: "Nossa, mas com quem eu vou deixar meu filho? Como é que eu vou deixar de cuidar da casa?" - querem assumir todas essas responsabilidades. Há um medo muito grande de perder a guarda das crianças. A gente não vê isso acontecer com os homens; às vezes, tem um caso de alcoolismo, de violência doméstica, mas ainda assim não se tira, não se separa esse pai da família, mas, com as mães, não. E as mulheres costumam ter uma rede de apoio mais frágil que a dos homens, no sentido de que é muito comum chegar para nós no atendimento no consultório, no Capes, um homem alcoolista com três gerações diferentes de mulheres da família: vai a filha, vai a esposa, vai a mãe, todas elas oferecendo esse cuidado. As mulheres, geralmente, não têm esse tipo de apoio, mas eu gostei muito da apresentação da AAF porque mostra um aspecto importante, uma peculiaridade importante do tratamento da mulher, que merece investimento: oferecer um local em que seja possível você ter uma formação de um grupo, uma formação de um vínculo social novo - isso é superimportante, mais para mulheres do que para homens. E, falando do organismo das mulheres, tem aquilo que nós chamamos de efeito telescópio. O que é isso? Mesmo uma quantidade menor da substância, por um período de consumo menor... Por exemplo, às vezes, um homem precisa de 10 ou 15 anos para desenvolver um alcoolismo mais grave. Na mulher, esse percurso é muito mais curto e, mesmo em doses menores, os danos para o organismo e o risco de se desenvolver o transtorno por uso de álcool é maior. E aí eu aproveito aqui para falar da questão da bariátrica, que eu não tinha incluído na apresentação, mas que, de fato, é um tópico importante. A cirurgia bariátrica, principalmente a que usa aquela técnica do bypass, muda a forma de o álcool ser absorvido e metabolizado. O efeito do álcool é como se se virasse uma chave: a mulher está bebendo e, de uma hora para outra, é como se ela ficasse muito intoxicada, muito alcoolizada, perdendo o controle sobre o consumo. Então, muitas reportam que, mesmo com uma quantidade menor de álcool, elas têm um resultado que é totalmente imprevisível. Antes era: "Não, eu sei que eu não posso passar de duas doses, que eu já começo a passar vergonha"; depois da bariátrica, esse parâmetro se perde e a chance de isso acabar acarretando, depois, outros transtornos é maior. Tem também a questão, claro, da preocupação que a gente tem que ter com os efeitos do consumo da substância para lactação e gestação, a síndrome alcoólica fetal - em seguida vai ser abordado esse tema aqui também -, e algumas vulnerabilidades adicionais: é muito comum que as mulheres que desenvolvem algum tipo de adição, seja por álcool, até mesmo por outras substâncias, venham de um histórico de violência doméstica, tenham sofrido violência na infância, tenham sofrido ou estejam sofrendo violência do marido em casa; é muito comum a gente ver uma associação com transtorno de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, muitas vezes em razão desses abusos. Isso exige que o tratamento seja integrado, que aquele tratamento, além de tratar o alcoolismo, tenha que abordar o trauma, tenha que abordar a ansiedade, a depressão. E isso, infelizmente, é uma coisa que... Nós ainda não temos muitos serviços que oferecem isso. Se nós formos ver os Caps (Centros de Atenção Psicossocial), eles são separados em Caps Transtorno Mental e Caps AD, quando o ideal é que nos dois ambientes se tenha habilidade técnica para tratar tanto de um transtorno, quanto de outro. |
| R | E o que é que as mulheres falam? Isto aqui já é um outro estudo que eu peguei. O que é que as mulheres reportam como sendo dificuldade? Então, a responsabilidade familiar, o medo de perder a guarda, a questão de terem pouco apoio dos maridos. Sentem-se muito desconfortáveis de ter outros homens junto, participando do tratamento. Por que é que isso acontece? Muitas vezes, os homens que chegam ao tratamento estão ali, às vezes, até por um pedido da Justiça, porque, por exemplo, foram enquadrados na Lei Maria da Penha. Então são homens que, em casa, cometem a violência doméstica. São homens que, às vezes, já cometeram violência sexual contra outras mulheres. E aí, eu vou reunir ali, numa terapia de grupo, com as pessoas tratando, falando dos seus traumas, das suas situações, uma pessoa que foi abusada ao lado de um abusador. Então elas, em geral, não se sentem à vontade para isso. Então o ideal, assim como a gente tem falado até do vagão do metrô, de ter um só para mulheres, o tratamento do alcoolismo em mulheres também é importante de a gente pensar em modelos como esse. A questão do estigma mais forte e o fato de ter uma prevalência maior, é mais frequente a gente achar uma comorbidade psiquiátrica numa mulher do que num homem. E isso exige esse tratamento integrado, que é um recurso mais complexo de tratamento. E o que é que acontece hoje? A gente fala de alcoolismo de um modo geral. Até então, de fato, a gente só via o alcoolismo muito mais nos homens, agora a gente está vendo que o consumo de álcool está aumentando nas mulheres. E que desde sempre, houve um percentual dessas mulheres que já sofriam com alcoolismo, mas que ficavam escondidas em casa, em razão de tudo isso que eu estou explicando. Então precisa levar em conta que elas têm filhos, que elas estão gestantes. E a própria equipe que vai prestar esse atendimento precisa estar preparada para isso, porque é difícil para nós, isso é importante ser muito franco consigo mesmo, mas é difícil você, por exemplo, estar num serviço, você ver uma mãe com uma barriga de nove meses e estar alcoolizada, não é? É difícil presenciar isso, é difícil lidar com isso, mas é importante que essa pessoa também seja acolhida, também seja ouvida, e não estigmatizada e rechaçada ainda mais. Então os programas de prevenção precisam ser amplos, porque a gente, no caso, falando aqui de mulheres, vai ter toda a questão da mídia, porque a mídia, às vezes, começa a se direcionar mais para as mulheres. Então tem todo esse cuidado também. Mas tem também uma questão de que a gente tem que pensar tudo aquilo que previne abuso, tudo aquilo que previne misoginia, tudo aquilo que pode levar, pode fazer com que uma mulher sofra agressões e abusos ao longo da vida. Então, quando a gente fala em políticas de gênero, quando a gente fala em proteção, a segurança, a saúde da mulher, eu também estou falando de prevenção de transtorno por uso de álcool em mulheres. Então a necessidade de adaptação dos tratamentos. Isso inclui ter leito em hospital geral. Alcoolismo, em geral, costuma ser muito... A síndrome de abstinência do álcool, quando grave, requer hospitalização, porque a mortalidade pode chegar a 25%. É muito alta. A gente não pode tratar isso em casa, a gente não pode tratar isso num centro de saúde, tá? Tem que ser hospital. Pensando que, às vezes, essa mulher pode estar gestante, pode estar no período puerperal, então precisa ter uma maternidade integrada, então precisa ter um serviço ginecológico integrado também, porque a mulher já está ali gastando o tempo dela longe dos filhos para um atendimento psicológico, ainda vai ter que depois pegar outra fila, outra ficha para ir ao atendimento ginecológico. Isso pode acabar fazendo com que ela tenha que escolher entre um e outro. Então, quanto mais eu integrar isso, maior a chance de participação e adesão. |
| R | E começar a treinar já desde a faculdade, psicologia, todos os profissionais que serão futuramente profissionais de saúde precisam ter esse treinamento, para depois, quando chegarem à ponta, não terem esse olhar do preconceito, esse olhar estigmatizante. Era isso. Muito obrigada pela atenção. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Obrigada, Dra. Helena. Grata pelas suas exposições e esclarecimentos aqui. O e-Cidadania está, pessoal, bombando. Nós temos algumas mensagens aqui, perguntas, enfim, e comentários, mas eu vou deixar mais entre a primeira e a segunda mesa. Eu vou passar agora a palavra para Juliana Ferreira, que é Assessora de Advocacy da ACT Promoção da Saúde. A SRA. JULIANA FERREIRA (Para expor.) - Boa tarde a todas as pessoas aqui presentes, a quem nos acompanha na transmissão online. Na pessoa da Senadora Leila Barros, gostaria de cumprimentar toda a mesa. Eu sou Juliana Ferreira. Atualmente eu sou Assessora de Advocacy para o Projeto do Álcool na ACT Promoção da Saúde, que é uma organização não governamental que atua, já há 18 anos, na prevenção dos fatores de risco das doenças crônicas não transmissíveis. De forma mais específica, a gente atua no controle do tabaco e do álcool, na promoção da alimentação saudável e, de forma mais lateralizada, com a promoção da atividade física e tentar diminuir a poluição do ar, que são os fatores de risco hoje reconhecidos pelo Ministério da Saúde e pela OMS. Nossa atuação é baseada em ações de advocacy. Então, nessa incidência política dentro do poder público, para a aprovação de políticas públicas efetivas. Também ações de comunicação em mídias sociais e mídias de massa e em produção de conhecimento para trazer sempre um arcabouço científico e acadêmico para a nossa atuação aqui dentro. Hoje eu vou trazer um pouco a respeito das estratégias de marketing direcionado ao público feminino e o papel da regulação da publicidade e a relação dele com esse aumento de consumo que temos identificado entre o público feminino. Para contextualizar, eu trago aqui o Pacote Safer, que foi introduzido pela Senadora na abertura da nossa audiência pública, que é um pacote técnico da OMS para apoiar governos na redução do uso do álcool e também reduzir os seus impactos, tanto sanitários, quanto sociais e econômicos. Cada letrinha desta representa uma ação. Então a gente tem desde restrição à publicidade, medidas contra a direção sob efeito de álcool, a facilitação na triagem, intervenção breve e o tratamento. E é nos dois últimos que eu acredito que é onde o Brasil tem uma janela de oportunidade muito significativa neste momento, que é aplicar proibições e restrições abrangentes à publicidade, ao patrocínio e à promoção de bebidas alcoólicas e aumentar o preço do álcool por meio de impostos específicos e políticas de preço, como a gente está aí em vias de ter uma reforma tributária já efetiva nos próximos anos. Por outro lado, a gente encara um aumento do gender washing, ou, em uma tradução livre, o feminismo de fachada, que é manifestado quando a organização aparenta uma preocupação com a igualdade de gênero, mas não adota medidas efetivas para corrigir as lacunas dessa questão. O autor aqui citado também traz uma ilustração em que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, que é de equidade de gênero, vai num sentido oposto desse gender washing, porque não foca em medidas realmente efetivas. A gente fica ali traçando alguns movimentos para maquiar essa tentativa de uma equidade de gênero, mas não está focando em medidas realmente efetivas para reduzir essa iniquidade. |
| R | Por outro lado, também, isso se tornou uma prática de marketing para essas empresas, essas instituições, essas indústrias, com a qual visam promover a venda desses produtos e serviços e também uma gestão de reputação, tentando moldar essa legitimidade e credibilidade da empresa no ambiente em que ela se encontra para melhorar a imagem corporativa, principalmente nesse contexto de ESG que a gente tem observado no meio corporativo. Agora, já afunilando a nossa temática para o consumo de álcool entre mulheres, eu trouxe aqui alguns dados gerais. A gente já tem dado de que o álcool é a principal causa de morte e invalidez entre pessoas de 15 a 49 anos. Ele mata duas pessoas por hora e, anualmente, chegam-se a 105 mil mortes atribuíveis ao álcool. E, na parte financeira, o impacto para o país é de cerca de R$20,6 bilhões por ano e, desse total, R$1,1 bilhão se refere aos custos diretos com o SUS. A nossa sociedade já está entendendo a problemática do álcool. Então, sete a cada dez brasileiros, de acordo com o último Datafolha encomendado pela ACT, concordam com a restrição de propaganda de cerveja na televisão, nas redes sociais e em eventos. Todos os entrevistados eram maiores de 18 anos. Ainda sobre a restrição de publicidade, também é preciso proteger as crianças e os adolescentes. Na PeNSE de 2019, 34,6% dos entrevistados já tinham experimentado a primeira dose de álcool antes dos 14 anos de idade. Trazendo o recorte de gênero agora para esses dados, dessas 105 mil mortes que foram atribuídas ao álcool, 14% delas ocorreram entre mulheres e, em mais de 60% dessas mortes de mulheres causadas pelo álcool, os registros fatais estão relacionados a doenças cardiovasculares e a vários tipos de cânceres. O consumo de álcool entre mulheres dobrou em menos de duas décadas: saiu de 7,7%, em 2006, para 15,2%, em 2023. Essa foi uma pesquisa da UFMG. E, ainda, quando as mulheres não estão sentindo as consequências diretas do consumo, quando são elas mesmas que estão consumindo, elas ainda sofrem com as consequências indiretas. Então, o Instituto Sou da Paz trouxe que a arma de fogo se mantém como o principal meio utilizado no assassinato de mulheres no Brasil há quase uma década. Cerca de 2 mil mulheres são mortas no país a cada ano e, em metade dessas mortes, ou seja, cerca de mil, as mulheres foram mortas por parceiros íntimos que usavam bebidas alcoólicas. Então, o problema é muito maior do que o que a gente consegue imaginar, sem falar que parte desses dados ainda podem ser subnotificados, passando pela questão da vergonha em buscar tratamento, em buscar ajuda. E agora a gente se volta para as estratégias de marketing que a indústria do álcool, durante anos, teve, usando as mulheres num lugar de sexualização, num lugar ali de serventia, visto que o público-alvo desses produtos era o público masculino. Então, elas estavam ali para servirem de atração, para que esses homens se sentissem instigados a comprar essas bebidas alcoólicas. A gente pode pensar que aquelas propagandas são muito antigas, mas, dez anos atrás, a gente teve uma propaganda da cerveja Skol durante o Carnaval, que trazia a seguinte frase: "Esqueci o não em casa", fazendo alusão a que não se negassem investidas sexuais, que podem acontecer durante os festejos carnavalescos, a ponto de a própria Conar - isso também é algo que a gente precisa destacar, porque a indústria é autorregulada no que tange à publicidade de álcool - pedir, decretar a retirada dessa propaganda do ar, e eles reverteram para "Não deu jogo? Tira o time de campo. Neste carnaval, respeite", mas foi preciso toda uma mobilização nacional, foi preciso que não pegasse tão bem para que eles refizessem essa propaganda. Ali tem também, "Você está esperando o que para ter a primeira vez com uma devassa?". Uma brincadeira. Quem é a devassa? É a cerveja ou é a mulher que está ali fotografada? E para piorar, em 2010, 2011, "É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra". Então aqui ainda tem a intersecção do recorte de gênero e raça, sexualizando a mulher negra em prol da publicidade e do lucro dessas indústrias. |
| R | Mas, obviamente, a discussão social a respeito do feminismo foi avançando e a indústria, que não é boba nem nada, também foi avançando nesse sentido. Então, depois de vários anos trazendo uma imagem estereotipada feminina, as marcas começaram a se desconstruir e colocar propagandas para esse público que antes era sexualizado, agora, no lugar de consumidor direto. Então, elas saíram, as mulheres saíram do papel de objeto para um papel de igualdade de compra com os homens, né? Então, a gente já vê aí que, em vez do Johnnie Walker, tem a Jane Walker; my body, my rules - meu corpo, minhas regras -, no bolso do short do desenho, e que a gente passa por essa mudança no diálogo com essas mulheres. Agora, a publicidade de álcool ultrapassa o limite dos outdoors, dos comerciais televisivos e chega à palma das nossas mãos. E a chegada do marketing de bebidas alcoólicas nas redes sociais revela uma preocupação também com o controle, pois o algoritmo pode exibir esses anúncios para menores de idade. Estão frequentemente associadas ao esporte, como é ali o S.A.B., que é uma brincadeira com... (Soa a campainha.) A SRA. JULIANA FERREIRA - Ai, vou tentar terminar. ... Sociedade Anônima da Brahma, uma brincadeira aí com alguns times que têm se tornado sociedade anônima de futebol. Então, traz esse apelo para o torcedor de que, você comprando essa Brahma, parte desse dinheiro vai ser revertido para o seu time do coração. As marcas emergentes... Quando eles não estão fazendo marketing para as próprias marcas, estão trazendo o Zé Delivery, por exemplo, que é um aplicativo exclusivo de entrega de bebidas alcoólicas. Há também a associação ao lifestyle agora, desses garotos-propagandas. Antes a gente só via os garotos-propagandas nos próprios comerciais. Agora a marca está integrada no estilo de vida deles. E o marketing vai tomando essas novas proporções. Também trago aqui um exemplo do remake de Vale Tudo, que está no ar. A gente, como a Dra. Helena trouxe, tem a personagem emblemática da Heleninha Roitman, que, tanto na primeira versão quanto nessa, sofre com as consequências do alcoolismo. Só que, ao mesmo tempo, os espectadores são surpreendidos com a propaganda do Zé Delivery na mesma novela. Então, no dia 26/08/2025, a gente tem o Cauã Reymond ali fazendo, numa cena com a Débora Bloch, que interpreta a Odete Roitman, uma propaganda ali do Zé Delivery. Três dias depois, uma cena superemocionante da Heleninha Roitman no A.A. E o que devemos fazer a partir desse cenário? Regular para que esses ambientes se tornem mais saudáveis, para que a nossa população tenha decisões mais saudáveis. A gente tem a Lei 9.294, de 1996, que regula as restrições de propaganda de diversos produtos e também do álcool. Mas para essa lei, só são reconhecidas como bebida alcoólica aquelas que estão acima de 13% de teor alcoólico, deixando de fora dessa restrição cerca de 90% do mercado, porque inclui cervejas que estão abaixo dessa gradação alcoólica, algumas ICEs, champanhes, alguns vinhos. |
| R | E essa lei está prestes a fazer 30 anos, então também não inclui mídias sociais, por exemplo, por isso que a gente é bombardeado de propaganda de bebida alcoólica o tempo todo nas nossas mídias sociais. Então, é urgente fazer uma atualização dessa lei, porque já mudaram muito as propagandas e a publicidade desses produtos que estavam previstos. E, nesse sentido, o que o Senado Federal pode fazer? Aqui na Casa, a gente tem o Projeto de Lei 2.502, de 2023, de autoria do Senador Styvenson Valentim, que visa trazer essa correção da lei de 1996. Então, pela proposta do texto sai dos 13% de teor alcoólico para 0,5% de teor alcoólico. Com isso, praticamente todas as bebidas - eu acredito que não tenha nenhuma abaixo desse teor alcoólico - teriam as mesmas restrições que as bebidas hoje mais alcoólicas têm, que é a questão de horário e outras mais. E também o mesmo projeto de lei tem algumas sugestões de advertência em rótulo, que também é uma iniciativa interessante. Qual é o problema? Esse PL está parado na CTFC desde o dia 18 de março de 2025 aguardando relatoria. É a primeira Comissão, então ele ainda não tramitou, não passou por nenhuma outra, não temos nenhum parecer, seja ele favorável ou contrário ao PL, e em seguida, saindo da CTFC, ele passa pela CCT e finaliza aqui na CAS, nessa referida Comissão na qual estamos falando hoje. Então, acredito que essa é uma oportunidade que o Senado Federal tem para fazer a diferença nesse cenário de consumo entre mulheres. E, por fim, sobre a reforma tributária, a gente já tem um Imposto Seletivo aprovado, que prevê maior taxação para produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Atualmente o texto está sendo finalizado pelo Poder Executivo, o texto que vai prever as alíquotas desse Imposto Seletivo. E é importante que sejam aprovadas aqui nesta Casa alíquotas realmente efetivas a ponto de reduzir o consumo de bebidas alcoólicas e também reverter esse cenário de consumo por mulheres. Para finalizar, eu trago alguns pontos aqui. As propagandas atualmente têm enxergado as mulheres como um público em potencial. Comparado aos homens, o consumo ainda é menor entre mulheres, mas está em crescimento, então é um mercado a ser atingido. É um lugar onde eles podem aumentar sua margem de lucro. As mulheres, como já bem citado, concentram o cuidado de também quem sofre suas consequências pelo uso do álcool, então até quando não são elas que estão em tratamento, são elas que estão dando apoio ao tratamento de seus maridos, de seus pais, de seus filhos. Aí a importância da regulação, tributação majorada e restrição de publicidade compõem as práticas mais custo-efetivas para reduzir o consumo de produtos nocivos. É necessário impedir a normalização do álcool, porque assim a gente olha para a saúde dessas mulheres também. E a gente não pode deixar que a indústria se utilize de uma pauta tão louvável para lucrar em cima da saúde dessas mulheres, porque consumo não significa emancipação e a gente precisa trazer isso. Muito obrigada. É isso. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Nós que agradecemos a sua participação, Juliana, que trouxe dados, enfim, todas as anteriores também, a Dra. Graziella, a Helena. Assim, é muito interessante, porque vocês estão abrindo um leque de oportunidades. Saber que o Senador Styvenson já apresentou um projeto... Eu estava olhando aqui para a minha assessora, eu falei: "Olha, vamos apresentar um projeto". Mas, se já temos esse projeto e já está na CTFC, então a gente tem que tratar com o Presidente da Comissão para ver se a gente, enfim, começa a dar o start logo no processo de apreciação desse PL 2.502, de 2023, do Senador aqui na Casa. Obrigada pela sugestão e por essa informação importante. |
| R | Eu vou passar a palavra agora para a Luciana Sardinha, Diretora-Adjunta de Doenças Crônicas Não Transmissíveis da Vital Strategies. Seja muito bem-vinda, Luciana! Obrigada. A SRA. LUCIANA MONTEIRO VASCONCELOS SARDINHA (Para expor.) - Boa tarde a todos e a todas. Obrigada, Senadora. Eu acho de extrema importância reunir pessoas de tantas vozes diferentes no mesmo lugar, para que a gente possa discutir um problema que já é um problema de saúde pública. Além de ser uma questão social, é um problema de saúde pública. Na Vital, a gente trabalha com informação para poder agir. Agir de que forma? Em políticas públicas estruturadas, para que a gente tenha bons resultados na área da saúde e em questões sociais, porque uma coisa está absolutamente ligada à outra. Aqui há algumas informações. A gente já foi aqui discutindo nas outras falas, e o álcool é responsável por mais de 200 doenças e lesões. E aqui a gente tem doenças de todos os tipos. A gente fala muito em doenças do fígado, cirrose, porque está muito evidente, mas tem inúmeras doenças. Além disso, tem as questões das lesões, dos sinistros de trânsito, das violências. Então a gente não está falando só de doenças; a gente está falando também de problemas que estão para além das doenças, que causam doenças. E tem a questão do impacto na saúde mental. A Graziella começou falando sobre isso. É um impacto que se agrava ainda mais quando a gente pensa em pessoas, e aí tanto homens quanto mulheres, que já têm uma predisposição a problemas de saúde mental. Isso é muito potencializado com a questão do consumo abusivo do álcool e mesmo com o consumo do álcool. E é um fator de risco; é um fator de risco para tantas doenças, como a gente já falou aqui, mas ele é um fator de risco negligenciado. E por quê? Porque, no Brasil, a gente vê o álcool como socialmente aceito. Então é o bar no final do dia para relaxar, são as festas, são os agrupamentos, e sempre se pensa no álcool para o benefício disso. Eu vou chegar mais ao fim falando da questão da reforma tributária. A gente vem escutando, inclusive na imprensa, que a gente vai tirar a diversão do brasileiro, que vai aumentar a cervejinha do brasileiro, que a gente não quer mais que o brasileiro tenha essas distrações ou que ele se junte a outros, e a ideia não é essa. É um fator de risco. Ele é um fator de risco importante para as doenças crônicas não transmissíveis, assim como as doenças transmissíveis. A gente vê a questão das violências domésticas, as questões das violências sexuais e o quanto que isso aumenta a questão do HIV positivo; das doenças transmitidas por pessoas, como por exemplo, a tuberculose, entre outras. Tudo isso está muito relacionado a esse fator de risco que hoje é tão socialmente aceito. Então eu acho que o nosso trabalho, enquanto sociedade civil, enquanto Governo, enquanto Legislativo, é trabalhar para mostrar os problemas advindos deste fator de risco. Como a Juliana já mencionou antes, a gente tem aí pelo menos 105 mil mortes por ano atribuíveis diretamente ao álcool. E mais de 80% dessas doenças estão relacionadas a doenças cardiovasculares, digestivas, a alguns tipos de câncer e às lesões, como eu falei, tanto de sinistros de trânsito como de violências em geral. De quatro em cada dez, ou seja, 40% dessas mortes estão relacionadas a essas lesões, como eu mencionei. Há outros impactos importantes, como o impacto econômico, tanto na área da saúde quanto de assistência social. A gente pensa, por exemplo, naquela pessoa que se alcoolizou e no dia seguinte vai trabalhar, o que a gente chama aí de presenteísmo. Ela está lá, mas ela não está fazendo aquilo que deveria ou como ela faria sem estar com a ressaca, como é muito normalizado. "Ah, está só com ressaca, se divertiu ontem." Então, parte-se da diversão e por isso ela tem um trabalho a menos ou ela não flui como deveria. E isso custa para os cofres públicos. A gente tem aí quase 20 bilhões diretamente relacionados. A gente pode mudar o foco para a atenção à saúde, a promoção da saúde, a mais equipamentos na área da saúde. Então, o custo disso, direto e indireto, é muito alto. E a população mais afetada sempre é aquele público mais vulnerável, tanto dos mais jovens quanto das mulheres. E aí é como já foi colocado aqui, quanto à mulher, tanto pelo fato de ela estar alcoolizada quanto por ela sofrer violências daqueles que estão alcoolizados. |
| R | Voltando ao que eu não mencionei, a gente realizou um estudo de mortes em 2019 e a gente observou que houve um aumento ali depois da pandemia de quase 20% nas mortes diretamente relacionadas - e aí tem os CIDs relacionados - ao consumo do álcool. Isso vinha numa curva estável por décadas e, de repente, da pandemia em diante, a gente tem esse aumento. Para chegar à morte, a essa questão final aí, a gente tem um processo. São essas pessoas que estão sofrendo, são famílias que estão sofrendo, é o gasto público, são muitas coisas envolvidas. Então, a gente realmente precisa prestar atenção nisso. Aqui um dado do inquérito que a gente realizou em 2023, só para a gente ter uma noção de como está isso no Brasil. Em torno de 41% costuma consumir bebida alcoólica, que fala que no último ano consumiu, praticamente metade da população acima de 18 anos; 22% tiveram pelo menos um episódio de consumo abusivo - a mulher, quatro doses num único episódio e o homem, cinco doses -; 7% beberam em três dias ou mais numa mesma semana nos últimos seis meses. Então, a gente já tem aí um em cada dez já fazendo consumo de pelo menos três vezes por semana. E 4% já apresentam, a partir de um diagnóstico que a gente faz de uma escala, um consumo tão presente que já se mostra como um provável dependente. Então a gente já tem aí 4% da população adulta brasileira. Aqui dados que a gente já mencionou antes aqui na mesa, já foram abordados. O consumo das mulheres continua em ascensão, a gente pode olhar aí nesse gráfico que os homens, de 2006 a 2023, praticamente não mudam, é uma curva, é uma linha estável, e as mulheres dobram, de 2006 a 2023, simplesmente dobram. Então, as mulheres ainda têm um consumo menor? Têm, mas nesse crescimento aí a gente vai chegar a passar muito rapidamente, infelizmente, se a gente não agir também com muita rapidez. Se a gente observar essas informações por idade, elas se concentram ali entre 18 e 44 anos - é a idade economicamente ativa. Então, são pessoas que estão saindo do mercado, já estão instáveis dentro do mercado de trabalho, já deixam de produzir dentro do Brasil. Então, existe um impacto econômico aí. E a gente observa que é a partir de nove anos de escolaridade, seria aí o ensino médio. Então a gente não está concentrado em pessoas de 12 anos ou mais, que já estão ali na faculdade, se a gente relacionar à idade, 25 anos ou um pouco mais, a gente já começa desde aquelas mulheres que estão ali no ensino médio. A gente precisa de estratégias, cada lugar é um lugar, né? Então aqui a gente tem aí, como a Senadora começou dizendo, que o Distrito Federal é o quinto que mais consome, Salvador, Maceió, são os que mais consomem, outros menos, mas, mesmo os que estão com menor prevalência, como Manaus, já são 17%. Então, ou seja, praticamente duas mulheres em cada dez já estão consumindo de forma abusiva. |
| R | E do que a gente precisa para atuar aí nesse cenário? A gente precisa de dados sempre oportunos, estratificados; de diferentes entes trabalhando juntos, que eu acho que é o que estamos fazendo aqui hoje, acredito que essa é uma iniciativa muito importante, e de agendas de enfrentamento, principalmente dos determinantes sociais. Então a questão da vulnerabilidade, questão de renda, de escolaridade, de local de moradia e de interiorização do alcoolismo, isso está muito evidente. Então a gente precisa focar onde a gente mais precisa, inverter essa prioridade. Porque... (Soa a campainha.) A SRA. LUCIANA MONTEIRO VASCONCELOS SARDINHA - ... a gente começou a pensar nisso quando veio da pandemia. A gente precisa ter um foco naqueles que são mais vulneráveis. E em que a gente pode agir efetivamente e muito rapidamente? A adoção do Imposto Seletivo já está dada, mas agora a gente precisa de alíquotas que sejam suficientes, porque quanto maior o valor, menor o consumo. Então ele é diretamente relacionado, a gente precisa ter alíquotas que realmente aumentem esse preço ali da loja para o consumo. Políticas regulatórias, sem interferência da indústria, isso é muito importante, sem o interesse comercial. Não permitir, de maneira alguma, a participação da indústria, como a gente viu aí em muitos casos que a Juliana expôs, que estão diretamente dizendo que estão fazendo uma autorregulação e que a gente está vendo que não funciona. Então a gente precisa de uma política que seja transparente. E aqui, para finalizar, eu acho importante, porque sempre tem uma fala da indústria dizendo que: "Nossa, vamos perder vendas, esse consumo... tem trabalhadores nas fábricas, vai beber, vai todo mundo para a rua e tudo". O que eu quero deixar é que o desenvolvimento econômico não deve, em hipótese alguma, se sobrepor à saúde e ao bem-estar da população brasileira. Por isso a importância das informações baseadas em evidências para indução de políticas públicas consistentes, eficazes no combate desse importante problema de saúde pública. Eu agradeço. Obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - A Dra. Juliana é o lobby, o lobby é forte aqui dentro desta Casa. Está até minha assessoria ali olhando, porque a gente falar de autorregulação, desculpa, é uma piada, né? É uma piada, assim, é um tapa na cara da sociedade. E vou te falar que aqui dentro desta Casa nós somos muito coniventes, nós deixamos muitas vezes passar a boiada. E eu tenho vergonha disso, não tem minha digital, eu falo isso com muita tranquilidade. Tanto que teve projetos aqui que trataram do tabaco. Eu enfrentei o lobby, nós aprovamos aqui um projeto muito importante do Senador José Serra sobre mais restrições de publicidade, de apresentação do produto em estabelecimentos. E nós enfrentamos um lobby forte aqui dentro da Casa, mas, enfim, conseguimos aprovar. Está lá na Câmara parado, claro, né? Mas aqui a gente tem trabalhado muito nesse sentido. |
| R | E assim, os dados são estarrecedores. Eu vou mais longe, Dra. Juliana. Quando a senhora fala do ensino médio, não é, são os últimos anos do ensino fundamental. Falo isso com muita tranquilidade, porque eu tenho um filho já nos últimos anos do ensino fundamental. Em festas - festas de 15 anos, festas de 14 anos -, os jovens, tanto meninas quanto meninos, já estão provando, experimentando álcool. Entendeu? É muito sério o que vocês estão passando de dados aqui. Inclusive, nós vamos fazer uma fala, fruto desta audiência, já na próxima sessão. Amanhã, quero ir para o púlpito para falar um pouquinho do que vocês trouxeram de números, alertar e falar do projeto do Styvenson. Acho que nós temos que começar a fazer um trabalho mesmo, um movimento mesmo, de fora, já trazendo vocês para dentro da Casa, para tentar conscientizar cada Senador e Senadora da importância de tratarmos desse tema aqui dentro da Casa. Obrigada pela participação, Dra. Juliana. Eu gostaria de encerrar essa primeira parte aqui, essa primeira mesa, já agradecendo à Dra. Graziella Santoro, Helena Ferreira Moura, Juliana Ferreira - está faltando mais alguém, gente? (Intervenção fora do microfone.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - A Luciana, claro! Desculpa, mas não está aqui, gente. A Luciana não coloquei, Dra. Luciana Sardinha. Desculpa, doutora. Meninas, muito obrigada! Gratidão mesmo. Agora vamos para a segunda mesa, já agradecendo a participação aqui das quatro mulheres incríveis, que trouxeram muitos números, dados e inúmeros alertas com relação às causas dos danos do álcool à saúde pública dos nossos jovens, das meninas e das nossas mulheres. Agora vou chamar aqui para compor a segunda mesa o Marcelo Dias, que é Diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde; Nara de Araújo, Diretora de Prevenção e Reinserção Social da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça; e o Prof. José Mauro Braz de Lima, Neurocientista e Professor Associado de Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ, por videoconferência. Sejam bem-vindos, por favor. (Palmas.) Antes de passar a palavra, vou citar aqui algumas perguntas. Ao final da fala dos nossos expositores, vou dar pelo menos dois a três minutos para todos que estiveram aqui compondo as mesas, para finalizarem sua participação. Eu vou passar as perguntas aqui, caso queiram dar resposta, ao final. Amanda, do Ceará: "Quais são as motivações que levam as mulheres ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas?", já foi falado aqui também. Ana, de Goiás: "Quais as consequências do abuso do álcool durante a adolescência para o desenvolvimento psicossocial da mulher?". Bruna, de Mato Grosso: "Como a rede de atenção básica de saúde pode ser fortalecida para identificar casos precocemente?". Felipe, de São Paulo: "Como deixar o álcool menos atrativo para menores de idade, [...] [considerando a influência] das redes sociais [...]?", também foi falado. Lauro, do Rio Grande do Sul: "A flexibilização penal para a embriaguez [...] atende às liberdades individuais ou [...] ao lobby da indústria das bebidas?". Comentários. Samuel, do Rio Grande do Sul: "O aumento do consumo abusivo de álcool entre mulheres é cultural, precisamos de redes de apoio no SUS!". Oswaldo, do Rio de Janeiro: "Políticas sobre consumo de álcool têm que ser voltadas a todos os gêneros. As mulheres apenas estão se igualando aos homens". É um problema social. |
| R | Bom, eu vou passar a palavra para o Sr. Marcelo Dias, que é o Diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde. Seja bem-vindo, Doutor. O SR. MARCELO KIMATI DIAS (Para expor.) - Muito obrigado, Senadora. Quero parabenizá-la pela iniciativa; essa é uma pauta importantíssima. A gente também está acompanhando esse aumento dessas mudanças, do ponto de vista epidemiológico, em relação ao aumento de consumo de álcool entre as mulheres. De fato, nós somos bastante sensíveis em relação a isso do ponto de vista das políticas públicas. Vou utilizar aqui meus dez minutos falando um pouco sobre o campo assistencial que a gente tem dentro do campo de álcool e outras drogas, falando principalmente na questão de álcool e de álcool entre as mulheres. Acho que, da maior parte da pauta da discussão epidemiológica, a Nara vai falar um pouquinho, então a gente vai combinar um pouco aqui. Então, primeiro, quero dizer que a Rede de Atenção Psicossocial é composta principalmente dos serviços de saúde mental, que são os serviços territoriais, mas que têm uma especialização no campo de cuidados aos usuários de álcool e outras drogas. Ela tem tido uma expansão, ao longo desses últimos três anos, que é bastante significativa. Entretanto, como eu vou apresentar, o número de atendimentos que a gente tem feito em relação ao uso de álcool e outras drogas, principalmente entre mulheres, tem crescido desproporcionalmente. Tem um dado importante aqui: quero dizer que nós temos, hoje, 3.061 serviços de saúde mental no país, sendo que não são só serviços voltados para usuários de álcool e outras drogas, mas serviços... Esses Caps I e Caps AD III também fazem atendimento para usuários de álcool e outras drogas, não só serviços específicos - os Caps AD. É importante dizer isso, porque esse é um modelo de atenção importante para municípios de pequeno porte, com menos de 20 mil habitantes, mas nós precisamos de serviços que façam algum tipo de assistência para usuários de álcool e outras drogas. Essa rede teve uma expansão, ao longo dos últimos dois anos, de mais de 10%. E é importante dizer que, ainda que nós tenhamos tido uma expansão... Este aqui é um gráfico falando da ampliação do número de atendimentos dentro da Rede de Atenção Psicossocial. Na verdade, a Rede de Atenção Psicossocial envolve não só os serviços de saúde mental, mas um conjunto de serviços que se organizam dentro de uma rede que se chama Raps. Esse gráfico mostra a expansão ao longo desses últimos anos, e, principalmente dentro desse período pós-pandemia - esta primeira linha são os atendimentos que são realizados nessa rede especializada -, a gente vê que, a partir de 2020, a gente tem um aumento muito grande, quase exponencial, sendo que, nos últimos dois anos, a gente teve um aumento entre 21% e 22%, que foi proporcional ao aumento de acesso a usuários do sexo masculino e a usuários do sexo feminino. Durante esse período da pandemia, a gente vê que teve uma diminuição significativa do número de atendimentos, o que foi em função de a rede ter funcionado de uma forma bastante irregular durante esse período. Tem duas observações que eu acho que são importantes. A primeira é que é interessante saber que, na medida em que a gente tem uma expansão da rede, o número de atendimentos aumenta também. Isso parece intuitivo, mas não é tanto, por exemplo, quando a gente fala de atendimentos femininos. |
| R | Então, vou corroborar toda a discussão que foi feita aqui em relação a estigma e procura de serviços de saúde mental de álcool e outras drogas por mulheres, que é muito mais difícil. Ao contrário, como diz a representante da Abead, do que a gente vê em outras áreas da saúde, em que a procura feminina é desproporcionalmente maior, no caso de álcool e outras drogas, as mulheres tendem a procurar menos, desproporcionalmente menos por conta da questão de estigma. Como foi dito aqui já mais de uma vez, a gente chama isso de "barreira de acesso", e esse é um fenômeno que tem que ser enfrentado. É um grande desafio tanto do ponto de vista de estigma quanto do ponto de vista de qualificação dos serviços de saúde. É interessante dizer aqui também que, ainda que uma grande parte do número de atendimentos seja realizado dentro dos serviços da atenção primária, nós temos o maior número de atendimentos sendo realizado dentro dos serviços especializados. Tem dois pontos aí que eu acho que são importantes. Esse gráfico não diz respeito especificamente a mulheres, ele diz respeito a homens e mulheres. E nós temos de aumentar a nossa capacidade diagnóstica nos serviços de atenção à saúde de uma forma geral, porque, muitas vezes, existe um subdiagnóstico, mesmo porque, no caso de mulheres, elas mais dificilmente procuram serviços especificamente em relação à questão de álcool e outras drogas. Então, identificar esses casos, fazer a abordagem e fazer acolhimento para essas pessoas são muito importantes em todos os pontos da rede, não só na Rede de Atenção Psicossocial. A questão é que, na Rede de Atenção Psicossocial, essas pessoas, quando elas chegam, já têm o diagnóstico ou, então, têm uma forte suspeita em relação a esse diagnóstico ou têm agravos relacionados a esse tipo de problema. Quando a gente fala sobre o número de atendimentos que são realizados dentro dos Centros de Atenção Psicossocial, tem uma outra questão, um outro fenômeno que a gente vê bastante no período do pós-pandemia. É que existe um aumento desproporcional de uso de álcool associado a outras drogas, que está representado nessa linha maior. Então, essa linha laranja, que normalmente são problemas relacionados a álcool, normalmente tem uma ascensão paralela a problemas relacionados a álcool associado a outras drogas, mas a gente tem uma abertura dessa diferença. Isso indica que existe, cada vez mais, associação de álcool com outras drogas por pessoas que procuram serviços de saúde mental. Isso implica em dois fenômenos: ou que essas pessoas estão procurando os serviços quando o fenômeno, o problema fica mais grave ou que existe, de fato, do ponto de vista epidemiológico, uma associação cada vez mais frequente de álcool com outras drogas. Em relação ao atendimento de mulheres que são atendidas dentro da Rede de Atenção Psicossocial, principalmente dos serviços de saúde mental, a gente vê essa mesma configuração. Ainda que 27% dos atendimentos dentro dos Caps sejam relacionados ao uso de álcool, exclusivamente ao uso de álcool, a gente tem um número que é mais do que o dobro de mulheres que procuram serviços com problemas relacionados a álcool associado a outras drogas. Então, temos aí um problema que não diz respeito só ao uso de álcool, mas à associação dele com outras substâncias, numa situação de gravidade suficiente para que essas pessoas procurem um serviço especializado ainda que exista todo esse estigma, toda essa dificuldade, todas essas barreiras de acesso para a procura. |
| R | Dentro desse perfil de procura dos serviços de saúde mental para mulheres que têm problemas com álcool e outras drogas, a gente vê uma distribuição que corresponde, principalmente, a mulheres entre 40 e 49 anos e entre 50 e 59 anos. E existe uma lógica dentro da procura de serviços de saúde mental em problemas relacionados a álcool e outras drogas que está associada à questão do estigma. Normalmente essa procura se dá não só quando o problema aparece, mas também quando a pessoa começa a ter agravos. Foi dito aqui, em mais de uma ocasião, em relação à mortalidade relacionada a álcool. É importante dizer que essa mortalidade não diz respeito especificamente a problemas relacionados diretamente ao uso de álcool, como intoxicação, ao uso de álcool com outras substâncias, enfim, mas com problemas que aparecem de forma crônica. Então, nós temos cardiopatia, hipertensão associada a isso, insuficiência renal, insuficiência hepática, temos problemas de várias ordens. E normalmente, nessa faixa etária em que a pessoa procura problema, entre os 40 e os 59 anos, o que a gente vê é que a grande maioria das mulheres que procura normalmente já tem algum tipo de agravo. (Soa a campainha.) O SR. MARCELO KIMATI DIAS - Já existe algum tipo de problema clínico relacionado ao uso de álcool, no caso, ou problemas relacionados a álcool ou outras drogas. Então, essa é uma procura tardia, Senadora, é uma procura que acontece num momento em que já existe algum tipo de problema relacionado. Nós temos também um predomínio de procura de mulheres negras atendidas dentro do Sistema Único de Saúde. Isso diz respeito a uma dependência do Sistema Único de Saúde e um aumento de prevalência, que está associado também a condições socioeconômicas. Então, isso é importante dizer. E esse conjunto de informações nos dá um alerta de que são pessoas que são mais vulneráveis socialmente, que têm mais dependência de serviços públicos, que elas procuram mais tardiamente e que estão associadas a essa mortalidade aumentada relacionada ao uso de substância. Enfim, nós temos vários desafios relacionados a essa política, como a Nara vai falar. É uma política que tem que ter um caráter intersetorial, tem que envolver não só questões de saúde, mas de assistência. Eu acho que já foi bastante salientado aqui que ações de prevenção têm de ter uma certa especificidade. Eu acho que essa questão de comunicação em relação a essas pessoas terem acesso aos serviços de saúde e estarem acessíveis a medidas e políticas de prevenção é uma questão de comunicação importante. E é preciso pensar a lógica de redução de danos como uma lógica que tem que estar presente no Sistema Único de Saúde, de se fazer acolhimento a essas pessoas de uma forma irrestrita. Não pode existir uma condição de promoção de abstinência para que essas pessoas procurem ajuda. Eu acho que já foi colocado, em várias falas aqui, que o mais importante é esse alerta. Identificou algum tipo de problema, por maior que seja o estigma, por maior que sejam os problemas associados, procure ajuda. E, finalmente, esse é um dado que vai ser corroborado aqui, queria dizer que as barreiras de acesso são um fenômeno que a gente encontra mundialmente - e eu acho que a Nara vai usar esse mesmo dado, que é um dado da UNODC -: um entre sete homens diagnosticados com uso de substância está em tratamento; e uma mulher entre dezoito que têm problemas está em tratamento. Então, isso implica a necessidade de ampliação de campanhas educativas com recorte de gênero como um ponto importante. |
| R | Eu queria salientar que, dentro dessa expansão do número de atendimentos que a gente tem para mulheres com problemas de álcool e outras drogas, isso nos dá uma notícia importante: que é importante fazer uma expansão da rede, é importante abrir novos serviços. Existe uma resposta da sociedade em relação à procura. E a forma com que a gente tem para conseguir de fato prestar uma assistência, um cuidado a todas essas mulheres é fazendo uma expansão da rede. É isso. Muito obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Obrigada, Dr. Marcelo. Bom, eu vou passar a Presidência, o comando desta audiência pública para a Senadora Eudócia. Nós temos a Senadora Damares também, que foi a Relatora do 2.880, que foi aprovado aqui na CAS. Amigas, eu quero dizer para vocês duas: nós temos pela frente um grande desafio. É um tema que é absolutamente invisibilizado - a gente está dando agora voz - e é uma estatística estarrecedora. Você, Damares, que foi a Relatora agora, teve a possibilidade de se aprofundar; e a Dra. Eudócia, porque é médica e sabe desse dia a dia aí nas clínicas, nos hospitais do Brasil inteiro, dessa realidade. Mas é preocupante, quando a gente fala do alcoolismo feminino, ao ver que em um em cada sete homens está sendo tratado, e, na verdade, há essa barreira enorme com relação às mulheres: uma em cada dezoito. Por estigma, por inúmeras dificuldades, ela não procura porque existe uma barreira enorme social para que essa mulher busque o tratamento. É muito, muito sério. O bom de tudo é que trouxeram para nós algumas alternativas - depois acho que é importante nós conversarmos com a nossa bancada -, dentre elas é um projeto que está tramitando aqui, do Senador Styvenson, o 2.528, que trata justamente sobre o teor alcoólico, para a gente de fato trazer barreiras e limitações com relação à propaganda, enfim, à tributação e tudo, e também dar luz à questão do teor alcoólico. O que nós temos hoje na legislação é que a dificuldade... que existe uma barreira para vender, que é até 13%. Para baixo não tem, e 90% das bebidas alcoólicas estão bem abaixo desse teor alcoólico, e justamente são essas a que têm acesso as mulheres, os jovens, enfim. Nós temos um grande desafio aqui. Gente, eu quero demais agradecer. Eu estou saindo agora, porque eu vou para - você também está voltando, né? - a CPMI do INSS. Trocaram novamente a sessão de hoje. Mas eu quero agradecer demais o que eu ouvi aqui. Estou voltando para o meu gabinete, para essa relação com a nossa bancada, com sangue nos olhos, para a gente tratar isso com muita responsabilidade. (Intervenção fora do microfone.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PDT - DF) - Exatamente. Vocês mexeram comigo e certamente com toda a bancada. A Dra. Eudócia vai comandar o restante da audiência pública. Agradeço a V. Exa., que é a nossa Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, e à Damares, que também já tem conhecimento, por ter sido Relatora do 2.880. Obrigada, obrigada mesmo. (Palmas.) |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Dra. Eudócia. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - AL) - Quero dar uma boa tarde a todos aqui presentes. Quero parabenizar a Senadora Leila Barros pela brilhante iniciativa desta reunião tão importante sobre o alcoolismo nas mulheres, na área feminina. E agora, dando continuidade, eu vou passar a palavra... A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Presidente, só para... A SRA. PRESIDENTE (Dra. Eudócia. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - AL) - Pois não, Senadora Damares. A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Pela ordem.) - Tem muita gente acompanhando esta audiência online, não sei se vocês têm ideia de como foi muito bem recebida pela sociedade. Só para lembrar a quem está acompanhando, todos os palestrantes, os expositores trouxeram uma apresentação riquíssima - eu estou vendo aqui que é material de curso de pós-graduação -, e todo esse material fica à disposição da sociedade. Quem está nos acompanhando, depois, pode baixar esse material. E parabéns aos expositores que tiveram esse zelo, esse carinho de trazer a apresentação, porque isso é muito bom. Depois de uma audiência dessas, pesquisadores buscam, assim como estudantes, médicos, instituições, a sociedade. Então, eu quero começar aqui, antes de a senhora passar a palavra, elogiando os expositores pela forma como vieram a esta audiência, tão preparada e com tanto zelo, para nos ajudar neste debate. A SRA. PRESIDENTE (Dra. Eudócia. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - AL) - Muito bem colocado, Senadora Damares. Grata pela colocação. Agora eu passo a palavra à Dra. Nara Denilse de Araújo, que é Diretora de Prevenção e Reinserção Social da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça. A senhora, Dra. Nara, tem dez minutos para a exposição. A SRA. NARA DENILSE DE ARAÚJO (Para expor.) - Bom, Senadora, na sua pessoa eu quero cumprimentar aqui os demais participantes da mesa e também cumprimentar as colegas que estiveram participando com as apresentações anteriores. Várias representações aqui têm mantido um diálogo muito forte, muito próximo com a Senad e fizeram várias falas extremamente importantes. Acho que as informações que foram trazidas são extremamente importantes para um tema que ainda hoje, infelizmente, é muito invisibilizado - infelizmente -, mas é extremamente relevante para o campo da saúde pública e das políticas públicas, especialmente para a Política Nacional sobre Drogas. Em nome da Secretária Marta Machado, eu quero agradecer o convite para que a Senad estivesse aqui hoje, participando desse diálogo, e parabenizar a Comissão pela iniciativa. Bom, acho que, diante do que já foi exposto, eu não vou me deter muito aos primeiros eslaides, porque as colegas que fizeram a exposição antes, na primeira rodada, já abordaram vários dos temas que eu traria aqui. |
| R | Mas eu acho que vale reforçar, dentro daquilo que a Luciana, da Vital, trouxe: embora seja um fator de risco para lesões, sinistros de trânsito, violências - diferentes formas de violência -, embora o uso ou consumo de álcool esteja associado a vários fatores de risco e agravos na saúde, ainda assim eu acho que, a gente pensando do meu lugar de fala hoje como Diretora de Prevenção e Reinserção Social, pensar a política pública relacionada à resposta do Estado ao consumo de álcool é pensar que estamos falando de uma substância que é lícita, que é de alta exposição - a ACT trouxe aqui as questões de marketing e da propaganda, de altíssima exposição -, de altíssima disponibilidade, de fácil acesso e que ainda apresenta normas sociais de aceitação e permissividade. Então é nesse contexto que a gente precisa pensar a prevenção, e esse contexto torna a prevenção muito mais desafiadora para a política pública. Então esses dados já foram apresentados. A própria Senadora abriu a sessão trazendo os dados e registrando que, embora - mulheres, em relação ao consumo, o número de mulheres que fazem o consumo - a prevalência do consumo entre mulheres seja menor relacionada à prevalência entre homens, a gente tem aí uma tendência de crescimento nos últimos anos. E aí o que eu queria destacar - porque também esses dados já foram aqui abordados e abordados também por Kimati - é que eu acho que vale trazer... Eu queria fazer dois destaques aqui. O primeiro é que a colega da Vital trouxe uma média ali de 104 mil óbitos por ano, aproximadamente, relacionados ou atribuíveis ao uso do álcool. E aí quando a gente olha para o dado de 2022, a partir do levantamento da Unifesp, que teve o apoio da Senad, o III Lenad, que foi divulgado este ano e está disponível na página do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, nós tivemos, no ano de 2022, 1.438 mulheres que faleceram devido a quadros de saúde agravados atribuíveis ao consumo de álcool. Ou seja, é um número que, quando nós olhamos para uma média de 104 mil, ele pode parecer um número pequeno; entretanto, quando pensamos num país ainda muito desigual, quando olhamos para a perspectiva de gênero, os impactos desses óbitos são enormes, né? São mulheres que possivelmente são responsáveis pelo sustento da família, são mulheres que são responsáveis pelo cuidado, e essa ainda é uma atribuição delegada às mulheres, infelizmente, diante de um quadro de desigualdade de gênero que a gente vive na nossa sociedade. Então, o impacto na família, o impacto na comunidade acaba sendo muito maior, e a gente precisa olhar para isso. Para além disso, eu acho que também eu gostaria de destacar a questão das interseccionalidades. E aí, quando a gente olha para o número de óbitos ou de mortes atribuíveis exclusivamente ao álcool em 2022, a gente tem uma relação ali, entre mulheres, de que 70% desses óbitos foram de mulheres negras. Então, a gente olhar para essas interseccionalidades também é importante quando a gente pensa a resposta do Estado a essa questão. Então, aqui, também a gente fala sobre isso, e eu vou passar. Antes de falar sobre as ações de prevenção, já foi mencionado aqui - mas é importante reforçar - que as ações de prevenção, as ações de reinserção social que a Senad propõe, como Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, elas precisam estar vinculadas ou precisam estar contextualizadas em uma situação de desigualdade de gênero. Então, todos os elementos associados à desigualdade de gênero no campo socioeconômico, as violências também, as diferentes formas de violência de gênero. |
| R | E aí eu acho que cabe retomar o que a Helena trouxe, da Abead: que as mulheres acabam sendo vítimas dessa violência desde muito cedo. Então, considerar os impactos disso para a saúde, para a saúde mental e para sua relação com o uso de substâncias, incluindo o uso de álcool, tudo isso precisa ser considerado quando a gente pensa numa proposta de ações de prevenção, numa resposta na perspectiva da prevenção, e todos os estereótipos associados também - isso já foi mencionado por outras falas que me antecederam -, os estereótipos de gênero. Kimati traz esse dado que demonstra muito claramente, muito concretamente, o quanto essas barreiras que vão sendo construídas em cima de estereótipos de gênero vão impactando o acesso dessas mulheres aos serviços. A gente tem aí esse dado estarrecedor do Relatório Mundial sobre Drogas do UNODC de que uma em cada dezoito mulheres, quando tem demandas relacionadas ao uso de substâncias, consegue acesso a um serviço de atenção à saúde, enquanto, entre homens, um em cada sete. Então, realmente é um dado que faz a gente olhar para todas essas barreiras. E eu retomo aqui o que a colega Helena, da Abead, trouxe: culpa e vergonha, responsabilidade com os filhos, rede de apoio mais frágil, o medo de perder a guarda das crianças, todas essas crenças normativas que nós temos, relacionadas à questão de gênero, vão construindo e reforçando barreiras de acesso. A Senad também tem trabalhado numa perspectiva de promoção de acesso a direitos. E quando falamos em prevenção, acho que vale destacar como é que a Senad tem proposto uma política nacional de prevenção, uma política nacional de prevenção que pense a promoção de sistemas territoriais - e multissetoriais. Acho que a gente olhar para contextos, a gente pensar que as pessoas hoje convivem em contextos que são diversos, olhar para esses contextos e fazer uma escuta, uma perspectiva horizontal de diálogo com esses contextos e considerar esses contextos na resposta é extremamente importante. Então, são sistemas que precisam ser territoriais, multissetoriais, pensando numa perspectiva mais ampliada da prevenção com base em evidência em contextos que são de desigualdades sociais e econômicas. E quando falamos de uma prevenção ampliada, essa perspectiva ampliada da prevenção é a de que o uso da substância precisa ser considerado com um conjunto de outros fatores, com um conjunto de outros elementos contextuais, como incidência de conflitos, seja em sala de aula, seja na comunidade... Territórios que são muito mais afetados por conflitos têm especificidades que precisam ser olhadas - a incidência de bullying, por exemplo. E, aí, quando a gente fala das diferentes formas de violência desde a infância, como é a prática de bullying hoje no ambiente escolar, que é vivenciado por essas crianças, inclusive pelas mulheres.... (Soa a campainha.) A SRA. NARA DENILSE DE ARAÚJO - ... como a incidência de conflitos comunitários, a exclusão por questões raciais, a exclusão por questões de gênero, a exclusão por orientação sexual, a exclusão por barreiras de acesso a capital cultural, vulnerabilidade habitacional e vulnerabilidade climática. Então, pensar a prevenção numa perspectiva ampliada é pensar em todos esses elementos. |
| R | Como é que a Senad tem respondido? Temos respondido em ações territoriais, e aí nós temos duas iniciativas importantes que eu vou destacar aqui, que é o Comunidades que Cuidam, um sistema que busca uma estratégia para mapear vulnerabilidades na comunidade e mobilizar atores locais para ações preventivas baseadas em evidência, e o Pipa - Territórios Preventivos, que é uma experiência inspirada numa iniciativa global do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, que propõe desenho, implementação, monitoramento e avaliação de modelos de sistemas locais de prevenção. Além disso, a perspectiva da prevenção vem sendo trabalhada pensando em investimento público em estratégias com respaldo científico, valorização da complexidade de matizes epistemológicas e metodológicas dentro do espectro "baseado em evidência", participação social, técnica e intersetorial, e vulnerabilidades mediante desigualdades de oportunidades. Então, já vou passar. E as ações que nós temos desenvolvido. Desenvolvemos um guia de prevenção, pensando no monitoramento dessas ações, então, como gestores estaduais, municipais podem trabalhar a prevenção com base em evidência, que indicadores precisam ser considerados e como essa prevenção pode ser monitorada tanto quanto às ações, ao processo de adesão, de fidelidade e de qualidade de implementação, como também à extensão, o alcance de metas que precisam ser preestabelecidas. Temos um comitê científico que é composto hoje por especialistas qualificados, especializados e independentes, que atuam de forma voluntária. O trabalho é pautado pela promoção, desenvolvimento e consolidação da perspectiva brasileira sobre ciência da prevenção. E inclui novas questões de pesquisa, novas metodologias para uso de dados desagregados por raça, gênero, e perspectivas teóricas e diversas das áreas de conhecimento. Temos uma plataforma digital sobre prevenção ampliada que também traz informações... A ideia é um espaço que sirva de referência de informações sobre prevenção tanto do uso do álcool quanto de outras drogas; informar os públicos mais diversos sobre diretrizes, planos de ação e estratégias de prevenção do Governo Federal; oferecer ferramentas, recursos educativos e informações para qualificar a oferta das ações de prevenção; e ser uma oferta de monitoramento e visualização de dados, além de um espaço de aproximação entre a ciência e a prática da prevenção. Então, a gente tem aí o QR code e ali o endereço para acesso à página. E muito rapidamente, eu acho que vale mencionar, porque muito se investe em informações, e aí pensando em campanhas, enfim, é muito importante, porque isso consome um valor alto de recurso público. Então, o que nós teríamos de evidência nesse campo? O uso da mídia em estratégias de prevenção deve ser compreendido como um componente complementar. Embora seja relevante, ele é complementar na política pública de saúde e de segurança social. Então, a sua efetividade vai estar condicionada à integração com outras ações preventivas e à adoção de abordagens baseadas em evidência e adequação das mensagens aos diferentes públicos. Gestores e organizações devem considerar a comunicação como uma ferramenta estratégica de mobilização social, educação e fortalecimento de atitudes protetivas. Então, informações sobre ações de comunicação com base em evidência também estão disponíveis na nossa plataforma. E, por fim, a Senad tem trabalhado numa perspectiva de acesso a direitos na Política sobre Drogas. Então, estamos aí com a implantação em uma discussão muito próxima com a saúde, a implantação dos Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social. Eles foram originalmente desenvolvidos como parte do Plano Nacional Ruas Visíveis, que foi esse conjunto de ações do Governo Federal, lançado em 2023, para pessoas em situação de vulnerabilidade social agravada. Entretanto, hoje a gente vem trabalhando com uma perspectiva de uma rede, com uma metodologia que se baseia em evidências, pensando que iniciativas voltadas à redução do uso problemático de drogas são mais efetivas quando priorizam o acesso a direitos e a mitigação de vulnerabilidades com um olhar mais integral para as demandas que essas pessoas apresentam. |
| R | Então, a ideia é ter uma equipe multidisciplinar, composta aí por assistentes sociais, psicólogos ou terapeutas ocupacionais, profissionais jurídicos, especialistas em redução de danos e, no campo jurídico também, educadores jurídicos, que vão poder fazer uma escuta qualificada das demandas que essas pessoas trazem e poder fazer essa ponte com a rede de serviços do SUS, do Suas, com acesso à Justiça, enfim, atendendo, de uma forma mais ampla, a população. Então, todas essas ações de prevenção e de inserção social que a Senad vem desenvolvendo são transversalizadas pelo que nós temos hoje como estratégia de acesso a direitos para mulheres na política sobre drogas. Então, todos os elementos e as especificidades de mulheres são consideradas em cada uma dessas estratégias que a Senad vem conduzindo, a partir da estratégia que foi lançada em março de 2023, que hoje segue como uma ação transversal e que nós buscamos em todas as nossas ações, inclusive na produção e análise de dados. Eu mencionei aqui que o nosso Observatório de Informações sobre Drogas, o Obid, foi relançado agora, no primeiro semestre. Ele tem uma página específica com dados e análises de dados, trazendo um recorte de gênero, para que a gente possa pensar políticas que sejam mais adequadas para os públicos que são diferenciados no campo da política sobre drogas. Então, já passei bastante do meu tempo, agradeço. Obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Dra. Eudócia. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - AL) - Parabéns. Parabéns, Dra. Nara Denilse, pela brilhante explanação. Realmente fez a diferença no nosso conhecimento em relação a essas drogas que são tidas como lícitas e, consequentemente, acessíveis, bastante acessíveis. Parabéns. Agora eu passo a palavra ao Dr. José Mauro Braz de Lima. Ele vai fazer sua explanação através de videoconferência. Ele é Neurocientista e Professor Associado de Neurologia da Faculdade de Medicina da UFRJ. Com a palavra o Dr. José Mauro. O SR. JOSÉ MAURO BRAZ DE LIMA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, primeiro, quero agradecer esse honroso convite de poder ter participado até agora desse brilhante encontro, que também é da mais alta oportunidade: falar das questões relacionadas ao uso, ao abuso e à dependência de bebidas alcoólicas. Nesse ponto, destaco o problema do aumento do alcoolismo entre as mulheres e também trago algumas questões sobre quando a mulher está grávida, quer dizer, o consumo de álcool durante a gravidez, que é uma das mais importantes causas - fora as causas genéticas - de deficiência cognitiva e comportamental na idade escolar, entre as crianças de modo geral, tá? Mas fiquei esse tempo escutando todos os colegas brilhantes, a começar pela Dra. Graziella, que falou do alcoolismo feminino e que me deu também uma satisfação grande, tendo me convidado para falar - acho que foi no ano passado - exatamente sobre esse tema - o aumento de consumo de álcool entre as mulheres. Então, essa é uma das temáticas mais relevantes, mais importantes, embora não tenha merecido o devido destaque. Isso é curioso porque o alcoolismo é um problema sério no Brasil, no mundo de um modo geral. Tanto que a ONU tem essa recomendação do enfrentamento das consequências do uso e abuso de álcool. Eu nem falo das outras drogas, mas o álcool é a principal droga, é uma droga tóxica, é uma droga metabólica, é uma droga que mexe com o metabolismo oxidativo, depressora do sistema nervoso e depressora de todo o funcionamento celular. |
| R | Então, quando me falaram, eu realmente só tive conhecimento da minha participação agora recentemente, porque nós estamos saindo de um congresso internacional da Abead. Aliás, um brilhante congresso, um congresso que no Rio de Janeiro aconteceu na semana passada, trazendo 800 pessoas, 800 inscritos no congresso - o que para um congresso dessa natureza, no momento atual, é um número expressivo. Ele foi presidido pela Dra. Selene, que conseguiu vários apoios e fez esse sucesso no congresso da Abead, do qual eu tive também o enorme prazer de participar com várias falas. Bom, voltando à questão de hoje, dentro desses dez minutos, eu quero apenas destacar algumas questões. Achei bastante interessante, porque todas as apresentações foram ricas e foram plenas de informações importantes para a reflexão, para uma grande reflexão. E como falou também... Mais uma vez, eu agradeço o convite à Senadora Leila, à Senadora Damares, e ao Senador Flávio, que estão nessa empreitada de atenção ao álcool, sobretudo entre as mulheres. Agradecendo e elogiando também essa iniciativa, eu quero dizer também do meu lugar de fala, eu sou professor de Medicina, médico neurologista e tenho uma experiência grande. Quando eu entrei para a universidade, pode colocar aí há mais de quatro décadas, uma das questões que me atraiu na faculdade foi o centro de pesquisa, e que é importante. Então, nesses mais de 40 anos, eu fui trabalhar em hospital psiquiátrico, onde eu fiquei 20 anos como neurologista e clínico, fiquei 20 anos numa emergência psiquiátrica, diarista, e trabalhava ao mesmo tempo no hospital universitário como professor de Neurologia. E o Instituto de Neurologia é vizinho do Hospital Pinel e vizinho do Instituto de Psiquiatria, quer dizer, dois grandes centros de saúde mental ou de psiquiatria. E vale dizer que, na nossa experiência, experiência chamada baseada em evidência, quando nós estamos numa emergência psiquiátrica, mais da metade... De cada três casos, dois que aparecem na emergência estão relacionados aos problemas ligados ao álcool e outras drogas, principalmente álcool. No hospital também, como o Pinel, que tem sua enfermaria, ou como no Instituto de Psiquiatria, e eu fiquei ali mais de 40 anos vizinho dessas duas instituições, também é o mesmo perfil. Então nós estamos diante de uma situação que a gente vê muito a questão da saúde mental, mas eu costumo dizer, quando montamos, quando criamos um programa acadêmico... Um programa acadêmico de álcool e drogas, vale dizer - um parêntese -, é um programa que está trazendo a questão do ensino de graduação e pós-graduação universitária, traz a pesquisa, apoios para fazer as linhas de pesquisa e aí gerar artigos, trabalhos e teses, teses essas que vão ser usadas a nível de mestrado, doutorado, pós-doutorado na área de álcool e drogas. Então, vocês podem imaginar, nesses 40 anos, o número de trabalhos e de teses pelos quais eu passei; por isso também aumentou muito a experiência, aprendendo com os alunos. Então, foram dezenas de teses, e a ideia dessas teses abrange os vários aspectos não só de saúde mental, de doença, mas também as questões de distúrbios comportamentais e de distúrbios cognitivos. E aí, então, a gente vê que o problema do álcool e das drogas, sobretudo do álcool, não pode ficar, não deve ficar... Ele passa do limite em que é atendido pela questão do conceito de saúde mental. Então, eu tenho problema de álcool e droga no trânsito, uma das principais causas de morte na juventude; de 20 a 40 anos, a primeira causa de morte é acidente de trânsito em jovens e com álcool no meio. Há os problemas ligados à violência urbana, mas pode ser à violência doméstica - e aí doméstica pega a criança, pega o infanticídio, pega também as mulheres. Hoje é visto isso de maneira trágica: a causa de feminicídio é o álcool no meio. |
| R | Essa questão do álcool no meio não é nada nova, porque, na literatura, existem por vários autores relatos desse fato, né? Vem até a figura em psiquiatria que a gente chama de delírio do ciúme, que se chama síndrome de Otelo, em que muitas vezes o companheiro, sob efeito do álcool, cisma persecutoriamente e agride a mulher, que, às vezes vai a óbito, levando, então, à questão do feminicídio. Então, essa abordagem passa também pelo alcoolismo nas empresas - nós fizemos alguns trabalhos -, pelo alcoolismo na população feminina carcerária... Trabalhamos também com a questão do aspecto jurídico, que chamo de "tribunal especial de droga", que em outros países é bem avançado; e com jovens adolescentes em conflito com a lei. Bom, então, essa abertura mostra que o alcoolismo, que o uso e abuso de álcool deve ser, como foi feita esta audiência pública, uma questão mais intensa, mais constante. E, como eu tenho 40 anos de observação, eu vejo, às vezes, com certa frustração, que as coisas não avançaram como deveriam. Quer dizer, está faltando alguma revisão, por mais que tenham trabalhos fantásticos, como o trabalho do alcoolismo feminino, como os trabalhos da Senad... Eu estava na criação da Senad. A Senad foi criada em 1998. Então, vocês imaginam... Foi criada com todo o empenho; na época, foi assinada na ONU, numa sessão da ONU, e com todo recurso. Então, virou realmente um passo importante. Mas, apesar disso, estamos precisando - eu falo isso na altura desses mais de 40 anos - de algumas coisas mais integradas. Então, por exemplo, a questão da prevenção. Eu vejo que, no alcoolismo e nas drogas - eu também trabalho como Diretor Médico de uma clínica que é especializada em atender pessoas com álcool e drogas -, a gente vai vendo que a prevenção precisa passar pela educação. É mudança de cultura, mudança de paradigmas, porque mudou o mundo. Quando a gente estabeleceu os pilares do problema do álcool e das drogas, da dependência química, isso foi lá por meados do século passado, nos anos 50, 60, 70, foi muito bom. A Abead, da qual eu sou membro, foi criada em 1978. Quer dizer, trouxe enormes contribuições, mas há que se mudar, sobretudo em políticas públicas. |
| R | Então, nesse sentido, eu vejo algumas coisas que chamaram a atenção. Por exemplo, vou falar um pouquinho da SAF, mas eu queria dizer que a questão do aumento do consumo de bebida alcoólica entre as mulheres aconteceu porque houve aumento de consumo de bebida alcoólica entre jovens. Quando nós olhamos para isso... Então, na trajetória do tempo, eu só cito essa lei. A Lei 9.294, que foi citada, trouxe um nível de teor alcoólico de 13,5%. Isso é um engodo. Eu fico, assim, espantado, mas até hoje não se discutiu isso, não se trouxe isso, porque não existe esse 13,5%. Talvez seja muito chocante falar isso, mas é que toda bebida alcoólica, uma dose de cerveja, um copo, uma tulipa, uma taça de vinho, uma dose de uísque, vodca, ou cachaça, uma caipirinha, na sua dose padrão, está escrito desde o século passado que, apesar de a cerveja ser 5%, o vinho ser 11%, 12%, e a cachaça, o uísque e a vodka serem 40%, todas as doses padrão têm a mesma quantidade de álcool puro, que é em torno de 16ml, 17ml de álcool puro por dose padrão, por recipiente, o que corresponde, em massa, a 12g, 13g, 14g de álcool puro. Então, esse 13... Eu estive em Brasília algumas vezes tentando entender isso, e isso foi um engodo, não está escrito em lugar nenhum que haja esse nível, essa taxa de teor alcoólico. Até hoje eu não encontrei nenhuma referência para uma bebida alcoólica ter teor alcoólico de 13%, isso é absurdo, tá? Isso é um absurdo para mim, que comecei a investigar e procurar isso. Então, isso, em 1996, foi uma forma enganosa de dizer que a cerveja é uma bebida leve. E o que é que houve? Dizer que cerveja é uma bebida leve abria a porta, como foi falado aí muito bem, para o marketing dizer que cerveja pagaria até uma taxa relacionada, equiparada a uma bebida como um refrigerante. Então, isso é importante, e é muito grande, que eu acho que é a falha do nosso conhecimento. Não se investigou isso, porque não existe esse padrão de 13,5%, e isso foi divulgado, e isso ficou na literatura. Então, o que é que houve? Dos anos 2000 para cá, 2000 até 2023, a produção de bebida aumentou muito. A de cerveja, que é mais fácil a gente medir, passou de 2 bilhões de litros/ano para quase 20 bilhões de litros/ano. Em 20 anos, aumentou quase 1.000%. E a população brasileira, nesses 20 anos, cresceu 35%, de 150 milhões, segundo o IBGE, em 2000, até hoje com 210 milhões de pessoas. Então, aumentou 35%. E o aumento é só de cerveja, não falo nem das outras bebidas, mas de cerveja. Então, esse aumento de quase 1.000% está muito afeito ao consumo, sobretudo, por jovens e mulheres - jovens e mulheres. Não foi nos últimos dez anos, isso foi nos últimos 20 anos. E aumentou essa produção porque a indústria não perdeu a oportunidade, com seu marketing fantástico, com seu poder econômico, de poder aumentar baseando em que cerveja é bebida leve. Então, está aí a cerveja sendo droga, sendo a bebida para sustentar o show, para sustentar as festas e tudo, e até o Carnaval. Então, eu só estou falando isso para dar uma contribuição muito modesta, muito simples, e dizer que, dentro do aumento de consumo de bebida alcoólica entre as mulheres, uma das consequências muito deletérias e muito importantes é a síndrome alcoólica fetal. |
| R | Então eu peço desculpa por ter trazido essas questões e me coloco à disposição para tudo que for possível perguntar sobre álcool. A questão de eu não ter trazido nenhuma demonstração é porque eu realmente não estava preparado, mas fica aqui então a indicação de um livro sobre SAF, que está aí à disposição, e um livro de alcoologia, que está até hoje disponível na Amazon, por exemplo, nessas formas de poder pegar através da internet. Mas eu me coloco à disposição, então. Essa bagagem que a gente traz de quase 40 anos de ter coordenado um programa acadêmico de ensino, pesquisa, extensão e atendimento ambulatorial sobre álcool e outras drogas é que juntou o que a gente poderia chamar de baseado em evidências, né? E não deixo de parabenizar todas as apresentações e os avanços que tivemos, sobretudo, nas pesquisas avançadas hoje da Senad, do Ministério da Justiça, do Ministério da Saúde, mas a prevenção tem que ser trabalhada antes. Não, a gente não pode cair no modelo médico de tratar a doença só quando ela é grave. E se comparar o alcoolismo ao diabetes, eu não posso esperar o diabético chegar em fase final, porque o tratamento vai ser terrível e de pouco sucesso. O alcoolismo devia ser então tratado muito fortemente entre jovens, nas escolas, e aí eu tinha que empoderar os professores, empoderar os municípios para trazer essa cultura e estudar bem, porque a indústria não quer outra coisa senão vender. Então, não adianta esperar que movimento qualquer vai ser feito se a indústria não for também trabalhada. Trabalhada não no sentido de acabar com o álcool, como podia ser: "Ah, vamos tirar a droga de cena". Não dá, o álcool faz parte da cultura humana, desde a antiguidade está presente, o que nós temos que cuidar é de nós mesmos, cuidar para minimizar o máximo. E seguir alguns exemplos de países mais avançados que tratam disso de forma mais holística, mais integrada. Se a gente for esperar o alcoolista ficar alcoólatra/dependente, não vai dar resultado. Então, existem mil formas de fazer. A minha última palavra é: estava na hora do Brasil criar uma força-tarefa nacional. Uma força-tarefa porque o problema é de nível nacional, é de um flagelo nacional. E o álcool está entre as cinco prioridades de saúde dos governos e da ONU, que vai entrar por várias formas entre as prioridades para combater a doença e a mortalidade relacionada ao abuso e à dependência. Então, eu agradeço a oportunidade e fico à disposição. A SRA. PRESIDENTE (Dra. Eudócia. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - AL) - Dr. José Mauro, muito grata pela sua participação. Excelente explanação, o senhor está de parabéns. Concordo que temos que ter uma força-tarefa. Por isso que estamos aqui, neste momento, unindo forças, unindo conhecimentos para que possamos - Dr. Marcelo, Dra. Nara, Dra. Juliana, Graziella, Dra. Luciana e demais que me antecederam - dar as mãos para, de uma vez por todas, minimizarmos de forma drástica e eficaz o número de pacientes dependentes do álcool, pois cada vez mais aumenta o número de mortes por consequência do uso excessivo do álcool. |
| R | Então, quero agradecer a todos, mais uma vez, que contribuíram para esta audiência pública. Repito: Dra. Graziella Santoro, Dra. Helena Ferreira Moura, que não teve como participar ativamente; Dra. Juliana Ferreira, Dra. Luciana Monteiro, Dr. Marcelo Kimati. Corrigindo, a Dra. Helena Ferreira participou, porém teve que se ausentar um pouco mais cedo. À Dra. Nara Denilse, com sua exposição belíssima, parabéns! E, agora, o Dr. José Mauro Braz de Lima. Então, nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada a presente reunião. Uma boa tarde a todos vocês aqui presentes. (Iniciada às 14 horas e 39 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 39 minutos.) |

