13/10/2025 - 66ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 66ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, 3ª Sessão Legislativa Ordinária, 57ª Legislatura.
De pronto e de início, agradeço à Senadora Damares, Presidenta desta Comissão, pela forma harmoniosa com que os espaços com todos os Senadores e Senadoras que apresentam requerimentos para o debate.
A audiência pública de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 20, de 2025, desta Comissão, de minha autoria, aprovado para debater o tema: "Os impactos da inteligência artificial no mercado de trabalho, como parte do ciclo de debates do novo Estatuto do Trabalho (SUG nº 12/2018)", da qual sou Relator, e que também é chamado popularmente de CLT do século XXI. Teremos, dentro do estatuto, um capítulo somente sobre esse tema, que vai nessa linha do que vamos debater hoje: o mundo do trabalho e a inteligência artificial.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria: 0800 0612211.
O relatório completo, com todas as manifestações e a devida gravação, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
A mesa será composta logo após eu fazer a fala de introdução.
Bom, esse é um tema no qual eu tenho depositado muito as minhas preocupações. Não sou contra, sou totalmente a favor de tudo aquilo que venha na linha de ampliar a qualidade de vida, do trabalho. E aqui, na leitura desse pronunciamento que fiz, vocês verão com o que eu estou preocupado.
Esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa tem um tema dos mais urgentes e necessários: inteligência artificial e o mundo do trabalho. Vivemos uma nova revolução, uma revolução tecnológica sem precedentes. A inteligência artificial, a chamada IA, está sendo incorporada de forma acelerada em praticamente todos os setores da economia: indústria, comércio, agricultura, educação, transporte, saúde, serviços públicos. Essa transformação traz ganhos de produtividade, eficiência e inovação. Processos que antes levavam dias, agora são executados em minutos.
Sistemas automatizados otimizam decisões, reduzem custos e aumentam a competitividade das empresas, mas, por outro lado, é impossível ignorar os riscos e desafios sociais que essa evolução tecnológica impõe. Repito: não sou contra a revolução tecnológica.
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Estudos do Fórum Econômico Mundial e da consultoria McKinsey & Company estimam que entre 400 e 800 milhões de pessoas - repito: estimam que entre 400 e 800 milhões de pessoas - no mundo deverão mudar de ocupação até 2030 - olha que 2030 está ali, nós estamos em 2026 praticamente, faltam poucos meses para terminar este ano -, ou seja, perderão o seu emprego atual - claro que aí nós vamos ver todo um deslocamento que terá que ser feito -, em decorrência da automação e da adoção da inteligência artificial. Isso representa, segundo estimativas, até 40% dos empregos formais existentes no planeta, mais de três vezes a população do Brasil.
Esses números preocupam? Claro que preocupam. São alarmantes? Também podem ser, mas eles não são projeções distantes; são sinais, bem dizer, do presente. Basta olharmos à nossa volta. Profissões tradicionais estão sendo reconfiguradas, novas ocupações surgem a todo instante e milhões de trabalhadores precisarão se requalificar para não ficarem à margem desse novo tempo.
Kai-Fu Lee e Chen Qiufan, no livro 2041: Como a inteligência artificial vai mudar sua vida nas próximas décadas - é disso que trata o livro -, dizem que essa transformação de como o trabalho é feito não apenas resultará em desemprego em massa, mas potencialmente levará a uma série de problemas sociais, como depressão, suicídio, abuso de substâncias e aumento da desigualdade e agitação social.
Então, como ficamos? O que os indivíduos, as empresas e os governos podem fazer para mitigar essas consequências? Qual o futuro do trabalho? É o que vamos discutir hoje. Precisamos de um novo contrato social que redefina as expectativas humanas fundamentais em torno do emprego.
Por isso, amigos e amigas - cumprimento de imediato todos os debatedores -, o Brasil não pode ser somente um espectador dessa revolução. Temos que agir - e agora! - com políticas públicas sérias, inclusivas, envolvendo toda a sociedade, a área pública e a área privada.
A inteligência artificial e as novas tecnologias vieram para ficar. Ninguém que está nos assistindo pense que esta audiência aqui é para que criar dificuldades. É o contrário: nós queremos ver quais os caminhos. Repito, a inteligência artificial e as novas tecnologias vieram para ficar. O que está em jogo não é impedir o avanço tecnológico, mas garantir que ele sirva ao ser humano e não ao contrário.
Por isso, defendo, pela importância, que se agregue ao debate o tema, inclusive, da redução da jornada de trabalho, que se torna ainda mais urgente. Eu participei desse debate já na Constituinte. Fui Constituinte, lá nós reduzimos de 48 horas para 44 horas, e não se gerou desemprego; pelo contrário, diminuiu-se o número de trabalhadores sem emprego.
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Se a tecnologia permite produzir mais em menos tempo, é justo que esse ganho de produtividade se traduza em melhor qualidade de vida para o povo. Não é só no Brasil: é para o planeta. Mais tempo para a família, para o lazer, para o estudo, e não somente mais desemprego e exclusão.
A história nos mostra que, a cada salto tecnológico, sempre que o Estado se omitiu, o resultado foi o aumento da desigualdade. Nós não podemos repetir esse erro. Outro ponto que merece atenção é a precarização das relações de trabalho. E aqui eu trato de um tema sobre o qual já fiz duas audiências públicas no Plenário do Senado. Estou falando da chamada pejotização e do uso excessivo de MEIs como formas de burlar direitos.
Quero deixar claro, não sou contra o trabalhador PJ ou o trabalhador MEI. Sou contra o uso de forma irregular, indevido. Vou dar aqui como exemplo o trabalhador de supermercado, aquele que fica lá colocando a mercadoria nas prateleiras, ou o entregador: eles viram PJ. São centenas e centenas de casos que são PJs. Por isso que eu reafirmo: não sou contra o PJ nos espaços em que a lei lhe assegura não, mas usar PJ só para burlar CLT, para mim é crime. Sou contra essa exploração.
Estaremos comprometendo, se PJs e MEIs não tiverem limite dentro dos prazos legais, dentro dos parâmetros legais para o qual foram criados e, assim, estaremos inviabilizando a nossa seguridade social, principalmente a previdência social. Eu já venho falando isso há muito tempo. Quando eu digo: olha, não adianta ficar se vangloriando só sobre a contribuição sobre a folha.
Bom, E daí se não tivermos mais celetista? Como disse o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho. E daí? Cadê a arrecadação da folha para a previdência? Se não tem folha, não tem direito ali garantido, como fica essa arrecadação? Por isso que eu digo, temos que começar, neste debate, a apontar novas fontes de recursos para a seguridade social; enfim, eu falo muito mais da previdência - estaremos inviabilizando a nossa seguridade social, principalmente a previdência.
Numa sessão temática que realizei, no Plenário do Senado, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Exmo. Sr. Vieira de Mello Filho, disse, entre aspas, palavras dele: "O que está em risco é o maior programa social do planeta. Podemos estar levando a previdência pública brasileira à falência". E lembro aqui, ele olhou bem para a câmera e disse: "Se caminharmos nesse sentido, quem vai pagar a previdência para garantir a aposentadoria da geração presente e da futura?". Ele falava, claramente, de PJ, MEI e da inteligência artificial para onde está indo.
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Urge a necessidade de buscarmos outras fontes de recursos. E, quando eu falo sobre faturamento, alguns dizem: "Ah, mas não é bem assim". Olha, se tudo é possível neste país, com grandes transformações, por que você não pode avaliar faturamento, lucro, enfim, outras fontes? Porque daí você não pega só a folha de pagamento, né? Tem outras fontes de recursos que poderão ser construídas, claro, respeitando toda a questão tributária, para não ficar duplas ou triplas tributações. Urge a necessidade de buscarmos outras fontes de recurso. PJs e MEIs precisam ter proteção social, previdenciária e trabalhista. Não pode ser tratado como empreendedor de si mesmo quando, na verdade, atua como empregado sem direitos. Repito: não são todos.
É papel desta Comissão e do Parlamento brasileiro discutir caminhos para que o avanço da inteligência artificial ocorra com inclusão, dignidade e justiça social. Tem que se ter uma visão das políticas humanitárias. Precisamos de programas nacionais, cada vez mais, de qualificação profissional, de incentivo à educação técnica e tecnológica e de marcos regulatórios éticos que garantam transparência e responsabilidade, inclusive no uso da IA.
Não precisamos ter bola de cristal para saber que essas tecnologias, repito, vieram para ficar. E nós não estamos aqui como alguém que é contra. Precisamos, sim, ter coragem, sabedoria, sensibilidade social para garantir que elas estejam a serviço do povo, da população. A inteligência artificial pode ser uma aliada da humanidade, desde que a humanidade continue no centro das decisões.
Eu quero ser tão realista e falo o meu próprio caso, né? Eu trabalhava em metalúrgica e, graças ao curso técnico que eu tirei no Senai... Todo mundo diz que eu sou um defensor do Sistema S. Tem ajustes que têm que ser feitos, mas acho que o Sistema S cumpre um papel fundamental. Eu consegui passar com um teste no Senai, escola Nilo Peçanha, em Caxias do Sul. Aquele curso... Antes eu vendia banana e laranja, lá em Porto Alegre, na feira do Neri, um primo meu, e eu estava longe de casa; meus pais moravam em Caxias. Eu já contei essa história, mas faz eu lembrar o tempo, né? Eram dez irmãos, e eu tive que trabalhar em Porto Alegre, com 12 anos. E, no dia que eu consegui, depois de um ano e meio, enfim, com 13 anos já, eu fiz um teste no Senai, passei e pude voltar para casa. Calcule a minha alegria - né? - em voltar para casa e curso técnico no Senai. E, ainda naquele tempo, a cada cem empregados, tinha uma ajuda de custo de uma empresa. E eu fui à Vinícola Rio-Grandense, que até hoje eu reconheço, lá de Caxias, que me pagava uma ajuda, que era próxima a um salário mínimo - é claro que aquilo era para me manter. E fiz o meu curso técnico. Mas eu digo mais: aprendi uma profissão que era de modelista - e aqui eu termino, falei demais - e, se eu saísse daqui agora e fosse lá ser modelista, que era uma das profissões mais pagas na metalurgia, se eu estivesse lá, estaria com um salário entre R$12 mil e R$15 mil. Não existe mais essa profissão. O computador é que faz. Não existe, é zero. Se eu tivesse que voltar para lá, eu estaria desempregado, porque só sabia fazer aquilo, que era uma profissão de um alto nível, né? E agradeço muito o curso técnico que eu tirei.
Vamos em frente agora com os senhores. Eu até já falei demais, mas eu gosto desse tema, por isso tomei a liberdade. Vamos lá.
Participarão presencialmente e convido de imediato a tomar assento à mesa os seguintes convidados: José Carvalho, Defensor Público Federal de Categoria Especial e Coordenador do Comitê de Modernização Tecnológica da Defensoria Pública da União. (Palmas.)
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Seja bem-vindo, Dr. José Carvalho.
Thiago Gomes Marcílio, Consultor na Relatoria de Inteligência Artificial (IA) do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e pesquisador no Centro de IA e Aprendizado de Máquinas (Ciaam/USP). (Palmas.)
Hugo Valadares Siqueira, Diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. (Palmas.)
Paula Montagner, Subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho, da Secretaria-Executiva do Ministério do Trabalho e Emprego. (Palmas.)
Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira, Consultor Legislativo do Senado Federal.
Depois teremos, seis por videoconferência, que serão chamados - para ganhar tempo, depois na hora eu chamo -, seis por videoconferência. Eu vou intercalar um presencial, um por videoconferência. Pode ser? Há concordância aqui, na mesa? Ainda bem, viu? Senão eu tria que mudar todo o meu organograma aqui.
Então, vamos lá. Eu dei dez minutos, mas o tema é tão importante, pessoal. Eu não estou com pressa nenhuma, viu? Se eu não tiver que falar no Plenário do Senado, eu sempre falo todo dia, às 2h. Já estou dizendo que, se eu tiver que não falar às 2h, tudo bem, eu falo outro dia. Vamos dar espaço para todos discutirem. É dez minutos, mas vamos botar até 15, o.k.? Se alguém entender que precisa de, no mínimo, 15 minutos, vai ter. Se tiver algum tempo a mais, nós saberemos entender.
Então, começamos com o Sr. José Carvalho, Defensor Público Federal de Categoria Especial e Coordenador do Comitê de Modernização Tecnológica da Defensoria Pública da União. Dez minutos com mais cinco, mais a tolerância devida, se assim for necessário, para todos.
O SR. JOSÉ CARVALHO (Para expor.) - Bom dia a todos.
Primeiramente, eu gostaria de parabenizar o Exmo. Senador Paulo Paim pela ideia de vincular a questão da discussão do tema inteligência artificial e os seus impactos na relação do trabalho e as novas regulamentações que a gente tem que abordar.
Eu gostaria de também agradecer inicialmente à Exma. Senadora Damares Alves pelo convite. Ela não está aqui presente, mas eu faço questão de registrar o meu agradecimento a ela.
Enfim, o tema é muito abrangente e, inteligentemente, eu pincei dois temas que são uma preocupação a mais, principalmente no enfoque de Defensoria Pública da União, que seria um tema que eu vou falar rapidamente sobre inteligência artificial e a questão da automação. Automação e inteligência artificial abordam muito a questão do trabalho mais manualizado. Eu vou falar também rapidamente sobre a questão da coleta de dados de trabalhadores em ambiente de trabalho e as novas tecnologias de vigilância e monitoramento dos trabalhadores no ambiente de trabalho.
Bom, em relação à automação, é um termo genérico; nem toda automação significa utilização de inteligência artificial, mas eu acho que é um termo emblemático, que serve bem para a gente contextualizar o problema de hoje. Eu lembro que, ainda lá pelos anos 90, meados dos anos 90, quando eu ainda estava no início dos meus estudos em direito, eu lembro de profissionais da área principalmente de direito do trabalho, pessoas envolvidas no movimento sindical, falando da preocupação com as demissões em massa envolvendo a questão da automação, principalmente no Sudeste do Brasil. Eu lembro também que naquela época... O que nós tínhamos naquela época? Em regra, a automação em grandes estruturas, grandes empreendimentos industriais em que a automação só era possível quando concebida desde o início do processo industrial.
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E lembro também - e isso vem desde o Brasil dos anos 90 até hoje - que para muitos esse processo de automação e industrialização não caminhou como deveria. E por quê? Porque essa automação clássica - essa automação clássica - depende de que o processo produtivo seja concebido e totalmente estruturado de forma verticalizada e, muitas vezes, o próprio produto a ser desenvolvido tem que ser concebido desde a planta para que a automação seja possível de ser executada de forma satisfatória. Então, isso depende de um grande investimento, de uma grande logística. E o que nós vimos daquela época até hoje? Uma automação inclusive com a utilização de braços robóticos, mas de uma forma muito incipiente com a utilização de inteligência artificial. Hoje já tem utilização de inteligência artificial em automação? Tem, mas ainda de forma muito incipiente.
E por que eu estou colocando esse contexto? O que isso tem a ver com os dias de hoje? O que muda a inteligência artificial hoje? Hoje, o prognóstico, a expectativa é de que se utilize a inteligência artificial para embarcar em sistemas robotizados humanoides. Esse é o ponto de toque que nós temos hoje.
E por que isso? Por que isso gera um grande impacto hoje? Qual é a razão do medo em relação a isso? A expectativa de grandes empresas é de que esses robôs humanoides, com inteligência artificial embarcada, sejam utilizados para você pensar em - por exemplo, um determinado humano, uma determinada pessoa de um processo produtivo de uma planta qualquer - colocar, em substituição a ele, um robô humanoide com inteligência embarcada. Ele aprende aquele processo, ele é inserido dentro desse processo industrial ou dentro desse processo de trabalho humanizado com pouca ou nenhuma alteração da estrutura do processo fabril ou processo industrial em que ele está ali presente. Normalmente, a expectativa que está se construindo é de que não se precisa alterar o processo de trabalho. Não preciso construir ferramentas novas, eu não preciso fazer treinamento das outras pessoas no setor do ambiente de trabalho.
Há a expectativa também de que esse processo não precise ser verticalizado dentro da estrutura produtiva, tal como a automação tradicional, em que o empresário tinha que conceber um processo de industrialização do início ao fim para que o processo todo fluísse. Hoje, a expectativa é de que o agente econômico possa pegar um elemento, uma estrutura de um robô humanoide com inteligência embarcada e substituir um trabalhador e que isso possa ser feito de forma progressiva. Então, o investimento não precisa ser alto no início, pode ser progressivo e, à medida que a inteligência artificial é testada ao longo de uma linha de produção, ela vai sendo treinada e vai substituindo progressivamente os trabalhadores desse processo produtivo.
Há a expectativa também de que, uma vez treinada a inteligência artificial nesse robô humanoide, que ele é treinado por um processo produtivo A numa indústria B, esse processo de aprendizado de máquina possa ser utilizado com pouca ou nenhuma alteração para um outro tipo de indústria, para uma planta completamente diferente, para produzir um produto completamente diferente.
Há uma expectativa também de que esses robôs humanoides, com essa tecnologia de inteligência artificial embarcada, não sejam utilizados também na indústria, porque esse processo de treinamento, uma vez feito na indústria, pode ser aproveitado de forma horizontalizada, inclusive com a utilização no comércio e em outros setores da atividade humana.
Qual é a preocupação disso tudo? Qual é o contexto disso tudo? Que essa nova forma de automação com inteligência artificial embarcada, principalmente nessas estruturas de robôs humanoides, tenha um impacto muito maior do que aquela que nós vivenciamos nos processos industriais anteriores; ou seja, eu creio que é necessária a construção de mecanismos robustos de proteção social desses trabalhadores, principalmente das atividades mais manualizadas, que são as que devem sofrer o maior impacto.
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Essas aplicações não estão em desenvolvimento; elas já estão em fase de teste em diversas indústrias fora do Brasil. Qual é o limite de aplicação disso hoje, que tem se comentado no mundo da tecnologia? O de custo. E que custo é esse? Por incrível que pareça, é o da precarização do trabalho.
Eu lembro de, lá pelos anos 80, anos 90 ou 2000, ter lido um artigo ou outro falando que - trazidos por um colega, acho que era do sindicato - a automação no Brasil não avançava, não avançava em São Paulo, por causa da precarização do trabalho, por causa dos salários baixos. E no artigo comentava-se alguma coisa assim, que o empresário não ia correr o risco de investimento em grandes plantas industriais automatizadas se o trabalho custava muito pouco no Brasil.
Hoje, no exterior, o que está se discutindo é que o limite da implantação desses robôs humanoides com inteligência artificial embarcada, por curioso, é justamente esse fato. Naquelas atividades manualizadas, principalmente nos países em que a renda é mais alta, o prognóstico é que essa mudança seja feita mais rapidamente, mas, à medida que essa tecnologia barateia, ela deve ser espalhada para as bordas do sistema, para o mundo como um todo. Então, é esta a minha primeira preocupação, de colocar que deve ser necessária, realmente, a construção de um sistema de salvaguarda social desses trabalhadores, principalmente das atividades manualizadas.
O outro ponto que eu gostaria de abordar rapidamente - acho que não vou passar dos meus dez minutos aqui - é a questão da inteligência artificial e a coleta de dados no ambiente de trabalho e os novos mecanismos de controle e vigilância de empregados no ambiente de trabalho. Quando eu falo aqui de coleta de dados de um ambiente de trabalho, eu não estou falando só da coleta de textos e conversas de e-mail, que afetam principalmente os trabalhadores ou pessoas que trabalham em escritórios; eu estou falando da captação e coleta de qualquer tipo de dado, de vídeo e áudio, de empregados no ambiente de trabalho.
Quando a gente imagina essa coleta de dados, nós estamos imaginando que a voz será gravada, que o vídeo ou a imagem de uma pessoa será gravada. A questão não é somente essa. A questão também não diz respeito somente à gravação de informações biométricas para identificação de empregados e controle de entrada e saída, mas é muito, muito, muito além disso, e vai dizer respeito à coleta desses dados para treinamento das mais diversas formas de inteligência artificial, segundo as quais, por exemplo, eu posso fazer um aprendizado de máquina com base neles, nos dados coletados no ambiente de trabalho; aí a gente tem que ter um contexto do trabalhador nesses ambientes de trabalho, que, muitas vezes, passam oito horas ou mais no ambiente de trabalho, almoçam nesses locais, conversam com os familiares por meio de telefone e tudo. Então, o aspecto dos dados que podem ser coletados tem forma muito ampla.
Então, a preocupação é olhar para esse contexto e ver que, por exemplo, o deambular de marcha de um trabalhador pode ser captado, e eu posso fazer um aprendizado de máquina com esse deambular do trabalhador. Eu posso fazer um aprendizado de máquina para detectar variações do padrão de voz de pessoas no ambiente de trabalho. Eu posso fazer aprendizado de máquina, utilização e emprego em sistemas de inteligência artificial para detectar variações de fala ou variações faciais das pessoas que estão nesse ambiente de trabalho.
E o que eu posso fazer com isso?
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Uma das coisas que está se imaginando hoje, por exemplo - pelas variações do deambular, dos padrões de marcha de uma pessoa, cruzadas com alguns poucos dados, como idade e peso, que estão disponíveis no ambiente de recursos humanos de uma empresa -, seria eu detectar se esse trabalhador vai ter, daqui a alguns anos, por exemplo, algum problema de artrose.
E aí eu coloco a questão: será que esse dado disponível do trabalhador, de que aquele empregado pode ter 75% de chance de desenvolver um problema de artrose no joelho, será que esse dado vai ser utilizado por uma ação preventiva de saúde do trabalho? Ou será que esse dado vai ser utilizado para demitir preventivamente esse trabalhador, antes que os mecanismos de proteção social impeçam que esse trabalhador seja dispensado por causa de acidente de trabalho?
Você entendeu?
Então, assim, esses dados precisam ser... A regulamentação desses dados, a coleta desses dados e como vão ser utilizados esses dados para treinamentos de modelos de inteligência artificial precisam ser regulamentados de uma forma muito precisa, porque eu citei um problema aqui, uma questão em relação ao deambular, mas, na verdade, o aspecto da coleta desses dados e o que pode ser feito com eles, hoje, a gente nem imagina as aplicações, e é justamente por não imaginar as aplicações que os trabalhadores estão suscetíveis a esse risco e a essa forma de novos controles, e, além desse novo controle, como essa inteligência artificial pode desenvolver novos mecanismos para, justamente, precarizar mais ainda as relações de trabalho e aquele trabalhador que está sob esse aspecto de controle.
Então, eu creio que a legislação tem que abordar também esse ponto em relação à coleta de dados dos trabalhadores, no ambiente de trabalho, e o que pode ser feito com eles.
São esses dois pontos principais: o primeiro ponto é em relação à automação, que leva mais em consideração a questão do trabalho mais manual...
Eu sei que há diversas preocupações com relação a viés algorítmico, discriminação e tal. É uma preocupação válida também, mas eu imagino que isso possa ser mais tratado... Isso é tratável pela tecnologia.
Eu queria abordar essa questão também da coleta de dados, que ela é mais transversal. Ela afeta tanto o trabalhador no galpão de atividades manuais como aqueles que estão sujeitos à atividade de escritório.
E esses temas todos merecem uma regulação, seja a questão da proteção social desse trabalhador, principalmente das atividades manuais, seja a questão da regulamentação da coleta desses dados no ambiente de trabalho e os limites e os riscos a que esses trabalhadores estão submetidos, em relação ao uso desses dados, que pode ser feito a favor deles, como se tem propalado muito, o uso da inteligência artificial para melhoria dos processos de trabalho, a eficiência e tal, mas também podem ser utilizados contra esse trabalhador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. (Fora do microfone.) Bela exposição. Meus cumprimentos pela fala. (Palmas.)
José Carvalho, Defensor Público Federal. Ele mostra sua preocupação.
Que venha a inteligência artificial, como as revoluções que aconteceram no mundo do trabalho durante séculos e séculos, mas nós temos que ter cuidado com o social, com a visão humanitária. Que ela venha a atender ao conjunto da população.
Tentei resumir aqui as suas preocupações, que são as mesmas minhas.
Agora passo a palavra para o Dr. Thiago Gomes Marcílio, Consultor na Relatoria de Inteligência Artificial (IA), do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e pesquisador no Centro de IA e Aprendizado de Máquinas (CIAAM/USP).
Por favor, Dr. Thiago. O mesmo tempo: dez minutos com mais cinco.
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO - Ótimo. (Fora do microfone.) Vocês me escutam bem?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Perfeito.
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO (Para expor.) - Então está bom.
Primeiramente, queria agradecer o convite encaminhado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Eu venho aqui como Consultor ad hoc da Relatoria de IA, que foi recentemente formada justamente para acompanhar essa agenda de evoluções tecnológicas.
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Venho também como pesquisador do Ciaam/USP, que é o centro de excelência de pesquisa em inteligência artificial da Universidade de São Paulo e que tem abordado vários temas, entre eles a regulação de IA, que tramita aqui no Congresso, e também os aspectos de governança.
A minha fala hoje vai passar por três pontos, e a ideia é elucidar como o princípio da precaução é importante, para que seja garantida a boa aplicação de inteligência artificial nos ambientes de trabalho e em outros também.
Então, eu acho que vale começar falando de uma história. E aí eu peço só a apresentação.
Perfeito.
Aqui, só a capa da apresentação.
Qual é a história que eu vou trazer para vocês? É o caso das garotas do rádio.
Esse não é um caso que diz respeito especificamente à inteligência artificial, mas é um bom exemplo para elucidar a necessidade de claras explicações sobre os riscos a que os trabalhadores estão sujeitos.
Entre 1917 e 1938, várias funcionárias de empresas específicas trabalhavam com tinta à base de rádio, que é um elemento radioativo. O que elas faziam? Elas pintavam painéis de controle de voo, relógios e outros objetos que precisavam dessa delicadeza de pintura, justamente com um pincel mais fino. Para afinar o pincel, elas os molhavam com a saliva.
As empresas, à época, afirmavam que o rádio era inofensivo e que, em alguma medida, era até benéfico para a saúde. Tanto, que, se vocês voltarem um pouquinho no tempo, vão perceber que o rádio era colocado em pasta de dente, em chocolate, em chás e também em cremes corporais. Isso porque, à época, não estava muito claro se o rádio, de fato, oferecia riscos para a saúde.
O destaque aqui é que o rádio era absorvido pelo osso, pelos ossos, pela estrutura óssea das pessoas, justamente porque o rádio tem uma composição química que é parecida com a do cálcio. Então, o corpo erroneamente absorvia aos poucos esse elemento.
E o problema é que essas funcionárias começaram a sentir dores intensas, começaram a aparecer feridas que não cicatrizavam, e nódulos, tumores, começaram a crescer nos organismos dessas funcionárias.
O que as empresas fizeram? As empresas falsificaram laudos médicos e atribuíram as mortes de algumas funcionárias à sífilis, que à época não tinha cura, porque a penicilina ainda não tinha sido inventada.
Houve uma tentativa muito clara de encobrir o vínculo entre o trabalho e essas doenças específicas, e, depois de uma comoção nacional e processos judiciais que foram apresentados pelo movimento das mulheres, pela advocacy à época, algumas receberam indenização, mas muitas acabaram falecendo antes que qualquer tipo de reparação fosse apresentada.
Um exemplo de quem faleceu em função do rádio, mas não necessariamente do uso da tinta de rádio, foi a própria cientista física Marie Curie. Ela faleceu sem ter plena ciência de que o rádio provocava algum tipo de dano para a saúde.
E, aí, percebam: existia um lapso de conhecimento que estava presente no meio científico e também no meio civil.
O cenário que existe hoje é um pouco parecido, em que os desenvolvedores, os distribuidores e as outras empresas que conseguem fazer a aplicação dos modelos têm plena capacidade de avaliar quais são os riscos a que os usuários estão sujeitos, inclusive os trabalhadores.
No comparativo, nós chegamos a um momento em que os especialistas conseguem auferir, com certo grau de certeza, quais são os riscos possíveis e quais são os caminhos de mitigação, só que a sociedade civil ainda precisa de mais conhecimento para poder avaliar se faz sentido ou não adotar uma determinada aplicação ou quais medidas de mitigação precisam ser buscadas. E, aí, eu faço o destaque justamente para essa escuta da sociedade civil e da participação nesse debate.
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A Marie Curie faleceu, assim como as outras colegas que eram trabalhadoras, e até hoje os corpos continuam emitindo radiação, porque o tempo de decaimento do rádio é de 1,6 mil anos.
Então, Marie Curie está enterrada em Paris com um caixão chumbado, no centro da cidade.
Esse é o caso que eu trago para vocês, porque, acima de tudo, o trabalho precisa ser voltado...
Opa... Foi?
Só voltar o eslaide.
Acima de tudo, a aplicação de IA precisa ser voltada para o princípio da precaução, antes que qualquer uso irrestrito seja legitimado.
E aí eu passo para os desafios.
Quais são as duas referências aqui que eu vou trazer? Uma referência de estudo que é estrangeira e outra que é específica do nosso contexto, publicada, na verdade, na semana passada.
O MIT elaborou um repositório de riscos de inteligência artificial, e eles conseguiram catalogar pelo menos 2 mil riscos em níveis, subníveis, implicações específicas - esse levantamento é bastante amplo.
A matriz de risco é pública, está disponível para download, e eles ainda disponibilizam uma explicação mais específica sobre como fazer a análise e como aplicar a casos específicos. Então, fica aqui disponível para o grande público.
Os três riscos que eu vou destacar são a perda de autonomia humana, em que os processos decisórios deixam de ser humanos, tanto em nível operacional quanto a nível de gestão; uma propagação da desigualdade e uma precarização do trabalho, na medida em que o trabalho humano fica mais barato, uma vez que eu tenho ferramentas automatizadas que conseguem suprir as atividades, uma vez que eu consigo fazer a contratação de pessoas que, sujeitas ao desemprego, acabam entrando em cargos que não cobrem todos os direitos sociais - aqui o Senador Paim fez referência - ou que não auxiliam nos momentos de necessidade - aí o foco principal em relação à previdência -; e, por último, a desvalorização do esforço humano.
Esse destaque último fica para discussão sobre IA generativa, que, recorrentemente, afeta aqueles que trabalham com a produção intelectual, produção escrita, produção de audiovisual.
E, mais recentemente, fica o destaque justamente para os grupos de audiovisual: atores e atrizes que, muitas vezes, em função de um esforço hercúleo, acabaram entrando no mercado, mas que hoje se veem sujeitos a serem substituídos por avatares virtuais.
E o segundo destaque que eu trago aqui diz respeito à ADO 73, que foi julgada na semana passada.
A Procuradoria-Geral da República fez a apresentação de um requerimento ao STF, para que várias omissões, do ponto de vista legislativo, fossem assumidas pelo Congresso e para que itens e incisos específicos da Constituição Federal de 1988 fossem regulados, inclusive o art. 7º, inciso XXVII, que trata especificamente da regulação da automação.
Então, a nossa Constituição de 1988... E cumprimento aqui o Senador como um dos Constituintes, estava lá...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Esse capítulo era um dos que eu cuidava.
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO - ... e cuidou do capítulo específico.
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Vejam só que a Constituição de 1988 já tratava do item de automação, lógico, nos limites ali semânticos e de significado à época da promulgação, mas esse tema, passadas mais de três décadas, ainda não foi abordado pela Casa.
Então, a ADO 73 - e, aí, com a adequação do Ministro Flávio Dino - determina que o Congresso, nos próximos 24 meses, estabeleça uma regulação específica que trate da automação, para que o trabalhador brasileiro não fique sujeito a aplicações e substituições indevidas.
E quais são os destaques que o Ministro Barroso, que foi quem elaborou o voto principal, traz nessa ADO? Ele indica o desaparecimento de empregos como um risco, a exclusão social, acidentes com maquinário...
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO - ... falta de capacitação profissional.
Todos esses itens, a expectativa é de que sejam abordados de forma adequada pela nova legislação.
E aqui, como objeto da audiência, eu trago os dois artigos do Estatuto do Trabalho, da Sugestão Legislativa 12, de 2018. São dois artigos que têm seus incisos próprios, mas eu trouxe os caputs, porque eles trabalham pontos que são gerais e depois mais detalhados nos incisos.
Eles abordam tanto a questão de negociação prévia e coletiva, o que vai exigir do lado de entidades sindicais um alto grau de conhecimento sobre como as ferramentas funcionam e o empoderamento que vai ser construído através do tempo, e o art. 35 traz as condições cumulativas para implantação de programa de automação.
Esses são dois artigos iniciais que foram escritos sete anos atrás, quando não existia inteligência, quando não tínhamos os algoritmos com a potência atual, e quando o trabalho estava sujeito à automação em processos físicos, mas não em outros níveis, como, por exemplo, em nível de gestão e de tomada de decisão.
Então, eu trago aqui um segundo caminho, que está em tramitação aqui, no Congresso, na Câmara dos Deputados, e, muito provavelmente... Muito provavelmente não; esse projeto vai retornar aqui, para o Senado, para apreciação desta Casa.
Quais são os pontos que o PL 2.338, de 2023, apresenta em relação à guarida do trabalhador? Centralidade da pessoa humana para todas as aplicações de IA, proteção do trabalhador e do trabalho, no art. 3º, como fundamentos, direito à explicação sobre uma decisão automatizada.
E aqui vem um grande desafio do aspecto da transparência. Depois até compartilho o aspecto de transparência aqui, com o prezado Valadares, que tem um ponto bastante interessante na própria P&D.
A dificuldade da explicação é como criar níveis de explicação que sejam adequados para o grau de conhecimento do usuário, daquele que é funcionário, daquele que é tomador de decisão, do gerente, do consumidor, do trabalhador, da liderança dos trabalhadores.
Existe também, nesse projeto de lei, que é um ponto bastante interessante, um rol de alto risco, de aplicações que são entendidas como aquelas que exigem um grau de atenção maior, um grau de precaução maior. Sobre essas aplicações de alto risco é que existe uma série de obrigações um pouquinho mais específicas.
Eu vou destacar, dentro do rol de alto risco, o inciso III do art. 14, porque ele estabelece que todas essas hipóteses específicas do ambiente de trabalho são de alto risco e precisam de uma guarida maior, como o recrutamento, que não pode ser feito de forma automatizada sem que ser tomadas as precauções para evitar discriminação ou privilégio de determinados grupos.
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E aqui já existe um histórico de contratação de mais homens do que mulheres para um determinado cargo, em função do problema do banco de dados, que possuía mais candidatos homens do que mulheres.
A triagem, filtragem, avaliação de candidatos, a tomada de decisões sobre promoções, cessação de relações contratuais de trabalho: se o seu trabalho vai ser medido e seu contrato vai ser rescindido em função de métricas cujo conhecimento ou cuja revisão é impossível ou extremamente difícil.
Em relação a essa impossibilidade de revisão, eu vou destacar que, dentro da 2.338, o regime de responsabilidade é o da inversão do ônus da prova. Então, quando o sistema for extremamente difícil de ser explicado, cabe ao desenvolvedor fazer a prova de que aquele sistema não feriu nenhum direito do funcionário ou do consumidor.
E eu trago aqui um último destaque, em relação à gestão de trabalhadores e acesso ao emprego por conta própria.
É muito provável que, nos próximos meses - e aí eu trabalho com uma janela de meses -, passem a acontecer tomadas de decisão voltadas ou fundamentadas, principalmente, em sistemas automatizados, em que o gestor já não foca tanto no feedback que é dado, na informação de retorno que é dada pelos trabalhadores, mas naquilo que as métricas dos sistemas apresentam.
Então, a mensagem geral aqui é para que haja um trabalho sobre a prevenção; que haja uma análise de risco adequada, que consigamos trabalhar com...
Opa.. Você passa mais um?
Foi?
Não?
Acho que foi o último.
Tudo bem.
Então, a ideia geral aqui é que nós consigamos trabalhar com uma avaliação preliminar, com uma avaliação de impacto que seja adequada para os níveis de risco.
Qual é o outro item que eu trago - e aqui eu fecho a minha fala - em relação à 2.338?
Hoje existe, dentro do texto, uma avaliação preliminar. Ela é entendida como uma boa prática, mas essa seria justamente a avaliação inicial, para que seja possível compreender qual é o nível de risco dessa aplicação.
Hoje, é só uma boa prática, mas não é possível entender qual é o regime de responsabilidade, em cima de uma aplicação, se eu não tiver uma análise, obrigatória, que seja inicial.
E o segundo destaque vai para a avaliação de impacto algorítmico, que é um relatório mais amplo, mais específico e detalhado e que precisa também ter um nível de clareza suficiente, para que todos os participantes e todos os debatedores ali, daquele cenário de aplicação, consigam compreender as implicações de forma adequada.
Então, essa é a mensagem que eu trago hoje para vocês. Espero ter contribuído para a discussão e fico à disposição da Comissão de Direitos Humanos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Thiago Gomes Marcílio, Consultor ad hoc na Relatoria de Inteligência Artificial (IA), do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, e Pesquisador no Centro de IA e Aprendizado de Máquinas.
Parabéns pela exposição. Trouxe alguns exemplos.
Eu só queria não é justificar, mas destacar que o Estatuto do Trabalho foi algo que a sociedade civil entendeu que nós tínhamos que apresentar, para começar a discutir, e V. Exa. foi correto, mas já faz sete anos.
Eu sou o autor aqui de uma meia-dúzia de estatutos. Alguns transformei em lei - o da Igualdade Racial, o da Pessoa com Deficiência, o da Juventude, como Relator, e o do Idoso -, mas cada um deles levou de 10 a 15 anos de debate.
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Calcule o mundo do trabalho... É praticamente um manual, é a CLT, como chamamos, do século XXI.
Então, tudo o que está sendo dito aqui vai para esse grupo de trabalho. São juízes, procuradores, enfim, advogados do mundo do trabalho, empregado, empregador, que estão trabalhando com a ideia de termos uma nova matriz, digamos, no mundo do trabalho, ali na frente.
E V. Exa. colocou muito bem: muita coisa que está lá já está superada em sete anos. E trouxe um projeto inclusive mais atual, que nós vamos entregar para a equipe, para que aprofunde o debate.
Parabéns!
Agora vamos entrar em dois convidados por videoconferência.
O primeiro inscrito aqui é o Dr. Guilherme Kirtschig, Procurador do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região, em Curitiba, Paraná, e membro do Grupo de Estudos de Inteligência Artificial e Meio Ambiente do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho.
Por favor, Dr. Guilherme, o tempo é seu, por dez minutos com mais cinco.
O SR. GUILHERME KIRTSCHIG (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos e todas.
Exmo. Sr. Paulo Paim, demais convidados para esta audiência pública.
Então, inicialmente, eu agradeço à Presidência da Comissão e ao Senador Paulo Paim, em nome do MPT, o convite, a oportunidade para discussão de um tema tão relevante.
Bom, a fim de desempenhar adequadamente o seu papel de guardião de direitos fundamentais nas relações de trabalho, que foi atribuído pela Constituição de 1988, o MPT definiu algumas prioridades estratégicas. São grandes temas, que, em razão da magnitude ou frequência de lesões coletivas que os afetam, demandam que os esforços institucionais sejam neles concentrados. Então: meio ambiente de trabalho, infância e adolescência, fraudes, administração pública, portos, igualdade, combate à escravidão contemporânea e a liberdade sindical.
Todos eles têm alguma interface com a inteligência artificial, tanto no tocante à presença da IA nas relações de trabalho quanto nas relações de trabalho que estão presentes na IA. Então, talvez não seja correto dizer que a IA está se disseminando por todas essas áreas do trabalho, mas sim que ela está se percolando, ela está se entremeando, entretecendo-se com o tecido social e está se tornando parte dele.
E isso inclui as relações de trabalho - todas elas, né? -, incluindo o autônomo, PJ, MEI, todas.
Então, além dos desafios da precarização, da pejotização, que V. Exa. mencionou, o trabalhador PJ, o trabalhador autônomo, pejotizado, não está ali livre dos riscos representados pela IA. Além de todos os desafios de precarização que estão envolvidos nisso, ele está sujeito aos mesmos riscos e, muitas vezes, até a piores, porque a proteção dele acaba sendo bem menor.
Evidentemente, esse quadro todo, esse contexto, apresenta desafios, e eu vejo que - acompanhei as falas anteriores - as preocupações do Ministério Público são similares a essas que foram apresentadas.
Então, com o que a gente pode contribuir para enriquecer esse... (Falha no áudio.)
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO (Fora do microfone.) - A IA começou... A IA atacando. (Risos.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Aqui na mesa, dizem que a IA está operando. (Risos.)
Voltou, voltou.
O SR. GUILHERME KIRTSCHIG (Por videoconferência.) - Perdão?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - V. Exa. voltou agora.
O SR. GUILHERME KIRTSCHIG (Por videoconferência.) - Perdão. Eu não percebi aqui que tinha caído. Peço desculpa.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Mas não ficou nem um minuto fora do ar. Já voltou.
O SR. GUILHERME KIRTSCHIG (Por videoconferência.) - A ideia é apresentar outras perspectivas do mesmo problema.
Existe uma... Antes de entrar especificamente em alguns desses desafios específicos, eu vejo que há um desafio mais abstrato e geral, a que eu gostaria de me referir, na qualidade de profissional do direito, operador do direito, que é muito cara para nós que somos dessa área. É a questão da aceleração tecnológica e da sua relação com o mundo da normatividade.
Então, a IA é uma dimensão de um fenômeno mais amplo relativo à tecnologia e é uma expressão desse fenômeno.
O movimento tecnológico está operando em um ritmo que dificulta a formação dos valores necessários para que a sociedade possa absorvê-los, acomodá-los, tratá-los, processá-los e normatizá-los.
O mundo do valor tem um tempo ótimo. Os valores não podem petrificar-se. Eles precisam acompanhar a evolução das relações sociais, mas também eles não se formam da noite para o dia. Então, com a aceleração, o que nós podemos fazer, o que nós conseguimos fazer se aproxima perigosamente daquilo que nós devemos fazer. Melhor expressando, parece, com essa aceleração toda, que nós devemos fazer tudo aquilo que podemos, e isto não é verdade, não foi assim que a sociedade chegou a este ponto, não é assim que funcionam as nossas relações, não é assim que o tecido social se compõe, e esse tipo de aceleração acaba esgarçando o tecido social, justamente por causa disso.
Nós sabemos, por exemplo, que há ferramentas de IA generativa para processar terabytes de textos literários como material de treinamento, para aperfeiçoar suas capacidades de produzir conteúdo novo, mas a pergunta é: nós devemos fazer isso? Está certo fazer isso? E será que vale a pena ainda perguntar isso? Porque, agora, o estrago já está feito.
Então, o desenvolvimento tecnológico... A IA, inclusive, opera sob uma certa lógica colonial, em um determinado sentido. É aquela lógica de que é melhor pedir desculpas pelo estrago do que pedir permissão.
Então, o mundo do valor precisa desenvolver meios para acompanhar esse ritmo ou para adequar essa trajetória à sua capacidade de gerar valores que ele próprio tem. É preciso abrir essas caixas opacas, ou nós, do mundo normativo, teremos muito pouca participação na definição do perfil dessas tecnologias, ou nós não conseguiremos tratar dos riscos que elas apresentam.
Então, essas questões que eu vou tratar agora, a seguir, carregam no seu DNA, de um modo mais ou menos intenso, esse desafio, esse conflito.
Então, tratando de pontos específicos, o aspecto mais óbvio é a substituição do trabalho humano por máquinas, gerando efeitos no nível de ocupação, na trabalhabilidade, na empregabilidade, que é algo que foi mencionado por todos os presentes aqui, mas o desafio não é só para quem sai. A proteção contra a automação não é só para quem sai, é para quem fica também. Isso nos leva a questionar, a perguntar, a vislumbrar qual é o alcance da proteção contra a automação que foi inscrita na Constituição. O que é a proteção contra a automação?
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Nós pensamos na IA colaborativa. E colaborativa não no sentido de que colabora, daquilo que ajuda ou daquele jargão que é muitas vezes usado no meio empresarial para esconder - o mundo do trabalho não vai chamar de trabalhador e chama de colaborador -, mas colaborativa no sentido daquilo que trabalha junto. E, se trabalhar junto, a IA que trabalha junto tem um efeito disruptivo: o trabalhador precisa acompanhar o ritmo da máquina. Isso representa uma sobrecarga mental e afeta a sua saúde.
A IA afasta alguns gargalos dos sistemas produtivos que suprimem etapas intermediárias nos sistemas de produção que eram chamados, de um jeito pejorativo, de tempos mortos, mas esses tempos mortos na produção, na verdade, serviam como respiro - elas são a vírgula do texto -, de modo que o trabalhador humano, sem esses gargalos, sem esses tempos mortos, é mais exigido.
E um caso chegou para nós, o que nós estamos avaliando: a gestão do ensino à distância, por exemplo, por IA acaba implicando turmas maiores para o mesmo professor, para aquele professor que tem que administrar aquele sistema de ensino à distância. Então, uns perdem o posto de trabalho, as turmas ficam maiores, mas quem fica trabalha mais.
A intensificação do trabalho tem outras dimensões também na gestão algorítmica da produção. A capacidade de processar dados - e isso foi mencionado pelos dois expositores que me antecederam - extraídos de expressões faciais, da marcha do trabalhador, de características íntimas, do movimento dos olhos, das conversas, do ritmo de toques do teclado, do ritmo cardíaco, tudo isso pode criar um sistema de produção que vai exigir mais, que vai impor uma carga de trabalho que vai acabar aproveitando 100% - 100% não digo, mas aproximando, tendendo a 100% - da energia físico-cognitiva, mental do trabalhador.
V. Exa., Senador Paim, mencionou que a discussão da duração do trabalho é ínsita às grandes conquistas que foram representadas pelo mundo do trabalho, pelo mundo sindical para limitar a exploração do trabalhador. Então, a duração do trabalho é o berço das lutas operárias que trouxeram essas duras conquistas. Aí se vão 200 anos, e essa discussão volta à baila. Oito horas diárias com utilização total da carga cognitiva do trabalhador nos faz pensar em produção, em proteção da intimidade e em evitar a sujeição. O objeto do contrato de trabalho, a prestação de serviços autônomos, é uma atividade pessoal, mas qual é o limite entre a atividade e a pessoa do trabalhador? A pessoa do trabalhador é inalienável, está firmemente ancorada no mundo do valor.
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E aqui a porta fica aberta também para a discriminação. A falta de adaptação do trabalhador à máquina ou à gestão algorítmica do seu trabalho pode levar à sua escolha para ser dispensado, quando a dignidade humana e até a ergonomia determinam o contrário; é o trabalho que se adapta ao trabalhador. O que aparece aqui, nesse ponto, é mais uma das caixas opacas das ferramentas de IA. Nem sempre se sabem quais são os vetores usados para orientar determinada decisão baseada em sistemas de IA. E alguns desses fatores são claramente proibidos, porque são discriminatórios. Esse supercontrole abre espaço para a escolha de quem vai ser dispensado por critérios discriminatórios: o trabalhador às vezes ausentado para tratamento de saúde ter propensão para desenvolver certas doenças, ter se comunicado com colegas a respeito de atividades sindicais... O risco do gerenciamento pela linguagem subliminar, a produção de estímulos em velocidade de processamento fora do limiar das consciências do trabalhador, mas ainda assim capazes de influenciar o seu comportamento, com riscos para a sua saúde... Vê-se a crescente perda do controle do trabalhador em relação à sua atividade, desde o artesão da Idade Média, que era o mestre do seu ofício, até um gerenciado algorítmico, que sequer terá controle sobre sua própria consciência quando dedicado ao trabalho. Se isso é ruim para quem fica ou para quem pode ser demitido, nós temos que pensar no trabalhador que ainda nem entrou na empresa. No recrutamento por IA, os vieses das bases de dados podem levar a critérios proibidos para recrutamento e discriminação no acesso ao trabalho, a discriminação algorítmica. Uma segunda dimensão de opacidade reside justamente no fato de muitas vezes não ter se revelado que a IA está sendo usada para fazer esse tipo de atividade de seleção, seja para quem vai entrar, seja para quem vai ficar na empresa. E isso é de grande interesse, por exemplo, para os sindicatos.
Uma terceira dimensão da opacidade tem dois aspectos interconectados, um mais amplo e um mais restrito. O mais amplo é a dificuldade inerente às ferramentas de IA pelas próprias características pelas quais essa tecnologia, ou família de tecnologias, foi desenvolvida, especialmente o aprendizado de máquina profundo. Há tantas camadas de processamento, usando tantas variáveis, com tantos pesos, que depois são recalibrados conforme o sistema aprende, que não é possível saber exatamente como ele atingiu determinada conclusão que está lá na saída. Decisões tomadas por IA ou usando IA ou auxiliadas por IA nem sempre são explicáveis. E há uma série de atividades laborais, inclusive, que necessitam ser explicadas até para que se possa ter um controle do que está acontecendo. Então, numa dispensa em massa adotada por uma empresa baseada em recomendação de IA, como é que pode um sindicato intervir se ele não souber quais são os critérios adotados? O segundo aspecto da opacidade é mais restrito - e aqui já estou encaminhando para o final - e diz respeito também à própria natureza da IA. Então, entre a primeira concepção de uma ferramenta e o seu usuário final, há muitas camadas interpoladas de ações humanas. A IA não é autônoma estritamente falando, porque, entre seus núcleos matemáticos algorítmicos, há decisões estritamente humanas sujeitas a juízos éticos de responsabilidade. A IA não é moral, não avalia o certo e o errado, mas é uma entidade moral, porque, entre o desenvolvimento inicial e a aplicação final, há espaços para juízos de valor sobre o que está certo e o que está errado nelas. Quem é o responsável por uma conduta ilícita? Quem usou? Quem fez? Quem desenvolveu? Quem está no meio? Quem mudou? Quem modificou? Quem comercializou? Quem é o responsável? Como desdobrar essas camadas todas para chegar àqueles que devem responder pelos danos provocados às relações de trabalho?
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Por fim, essa dificuldade remete a uma outra preocupação: os microtrabalhos usados para treinar a IA em minerar dados, exercidos em condições de precariedade, dirigidos por tomadores difíceis de identificar, muitas vezes situados fora do país. Há precariedade na contratação, nas condições ambientais deterioradas e grandes riscos à saúde mental.
Em resumo, temos problemas de eficiência, beneficência, transparência, explicabilidade e confiabilidade na IA, no mundo do trabalho.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Guilherme Kirtschig, Procurador do Trabalho, Procuradoria Regional do Trabalho 9ª Região - Curitiba/PR, membro do Grupo de Estudos de Inteligência Artificial e Meio Ambiente do Trabalho do Ministério Público do Trabalho. Deixou, de fato, no ar, inúmeras perguntas que só o tempo dirá, mas as preocupações de V. Exa. são as mesmas que percebi aqui na mesa. Serão tempos difíceis, e por isso a importância...
E quero aqui cumprimentar, pela importância do tema, a TV Senado, a Rádio Senado e a Agência Senado, que estão transmitindo ao vivo para todo o país esta audiência pública que interessa a toda a nossa gente brasileira. E naturalmente este debate está sendo feito também em outros países.
Eu passo a palavra agora para o Dr. Jefferson de Morais Toledo, Auditor-Fiscal do Trabalho, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Depois voltaremos à mesa.
O SR. JEFFERSON DE MORAIS TOLEDO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Bom dia.
O SR. JEFFERSON DE MORAIS TOLEDO (Por videoconferência.) - Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, a quem agradeço o convite aqui de estar representando a inspeção do trabalho no Brasil, representando também aqui o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, num tema, num debate de extrema importância para o mundo do trabalho e para a sociedade brasileira.
Eu fiz uma rápida apresentação só para guiar a nossa fala.
É um tema de interesse fundamental da inspeção do trabalho. Na inspeção do trabalho, a gente lida todos os dias com o mundo do trabalho, com a inspeção dos ambientes de trabalho. Nós conversamos com os trabalhadores e nós também utilizamos, em nossa inteligência fiscal, a inteligência artificial. Então, é um tema que para a gente é extremamente importante. E a proteção social do trabalho, a proteção do trabalhador brasileiro é um tema que precisa ser discutido no âmbito desse novo Estatuto do Trabalho.
Eu posso compartilhar minha tela aqui? Compartilhar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Aqui me disseram que é diretamente com V. Exa.
O SR. JEFFERSON DE MORAIS TOLEDO (Por videoconferência.) - Sou eu aqui? Ah, então, vou... Deixe-me compartilhar. (Pausa.)
Vocês já conseguem ver minha tela?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Já. Já está na tela.
O SR. JEFFERSON DE MORAIS TOLEDO (Por videoconferência.) - Ótimo.
O nosso objetivo aqui é tratar muito brevemente sobre os aspectos da inteligência artificial no mundo do trabalho, é trabalhar rapidamente sobre esses aspectos da IA no mundo do trabalho.
Só rapidamente, falando só um pouco sobre o histórico, a inteligência artificial, os algoritmos preditivos não são muito novos na história da humanidade. A gente retoma lá ao século XVIII, quando houve o desenvolvimento dos primeiros algoritmos de predição, das regressões, e depois a gente foi desenvolvendo o mundo com as ideias de computador, de inteligência artificial, até que, nos últimos anos, recentemente, desde as décadas aí de 80, 90 e 2000, esse tema realmente dominou o mundo da tecnologia.
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A gente teve inicialmente o desenvolvimento das redes neurais, das redes neurais artificiais e depois o grande desenvolvimento das capacidades computacionais. A gente teve recentemente uma grande uma grande inovação, uma grande... Surgiu muito forte o uso da inteligência artificial, do machine learning no nosso mundo. Então, não é novidade que a gente use isso todos os dias, desde algoritmos de recomendação em plataformas de streaming, até classificadores de e-mail, algoritmos automatizados de spam... Isso já nos acompanha há alguns anos.
Só que uma coisa que tem chamado muito a nossa atenção, principalmente a gente que fiscaliza todos os dias em contato diário com os trabalhadores, é que inicialmente o que a gente temia - e é o que está lá no novo texto do Estatuto do Trabalho - é que essa inteligência artificial, essa tecnologia iria inicialmente substituir muito essa mão de obra menos qualificada, a mão de obra menos intelectualizada, menos intelectual, mais o trabalho automatizável. Justamente, lá no novo Estatuto do Trabalho, no texto que está em discussão, a gente tem um capítulo que fala sobre a automatização do trabalho. Só que, nos últimos anos, principalmente nos últimos três, quatro anos, essa inteligência artificial, que era algo de responsabilidade, de domínio das grandes empresas de tecnologia, dos profissionais de desenvolvimento de software, passou a fazer parte do mundo diário de todas as pessoas, com essas tecnologias que a gente chama de tecnologias de LLM, tecnologias de prompt de comando. Hoje, muitos profissionais, muitas pessoas usam, no seu dia a dia de trabalho, aplicações como o ChatGPT, como o DeepSeek. Elas realmente começaram a transformar ainda mais o mundo do trabalho, que já vinha sendo afetado - o mundo como um todo, e o mundo do trabalho especificamente - com a inteligência artificial, com os algoritmos da inteligência artificial. E isso é ainda um risco que precisa ser discutido, porque o que antes era uma preocupação com a automação dos trabalhos menos cognitivos passou a ser uma preocupação também com os trabalhos que exigem a criatividade humana. A gente agora consegue escrever textos, consegue escrever artigos de normativos, as inteligências artificiais são usadas hoje para criar vídeos. Existem peças publicitárias todas criadas utilizando a inteligência artificial. Ela cria textos para publicação, para venda de produtos. Então, o que antigamente era um trabalho extremamente intelectual, um trabalho que precisava do esforço humano, também passa a ser um trabalho que pode ser substituível ou, pelo menos, auxiliável com a inteligência artificial. Então, é algo para que a gente precisa abrir os olhos e precisa começar a trabalhar realmente com profundidade, porque não é somente aquele trabalho que anteriormente era automatizado ou um trabalho mais mecanizado, mais manual e que exigia menos da capacidade cognitiva humana; hoje estão em risco, como a gente vai ver, diversos tipos de trabalho, inclusive os trabalhos que exigem mais da qualificação das pessoas, dos trabalhadores.
Recentemente, no ano passado, o Fundo Monetário Internacional lançou um relatório, bem conhecido na internet - aqui eu deixo o link também -, que fala sobre a IA no mundo do trabalho.
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E, só trazendo brevemente uma das conclusões do trabalho, o trabalho fala que a IA vai afetar, nos próximos anos - isto é, num universo de meses ou anos -, 40% de todos os empregos no mundo, quer substituindo a mão de obra, quer complementando os trabalhos, porque a IA tem que ser vista não só como uma forma de substituição de mão de obra, mas como uma transformação completa no mercado de trabalho, uma transformação que vai alterar a forma do próprio trabalhador trabalhar. O que antes era feito somente pelo trabalhador, poderá ser feito pelo trabalhador com o auxílio de uma aplicação de máquina. Então, ele vai substituir a mão de obra, mas não só isso, vai complementar os trabalhos que já são realizados.
E ele conclui também que a gente precisa de um equilíbrio cuidadoso de políticas públicas. Eu acho que é esse o objetivo fundamental desta Comissão e deste projeto, deste grande projeto do Senado - e eu parabenizo por isso o Senador -, porque é isso que a gente vai precisar fazer. A gente precisa de um cuidadoso amparo em políticas públicas para produzir e explorar o potencial.
Como o Senador falou, desde o começo, é uma realidade posta. Nosso objetivo não pode ser, claro, esconder ou querer que a tecnologia não avance, não pode ser isso, mas a gente tem que fazer com que a tecnologia avance ao mesmo passo em que a sociedade também avança, trazendo benefícios sociais para os trabalhadores, para as empresas, para o próprio país.
Recentemente - isso há poucos meses -, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também fez um estudo bastante amplo - recomendo bastante a leitura, está lá na página da OIT - em que ela traz uma série de conclusões. Uma é que 25% do emprego global estão expostos à IA, ou seja, eles podem ser substituídos pela mão de obra, alguns que tenham um pouco mais de perigo podem ser substituídos pela mão de obra, mas também eles podem ser auxiliados pela mão de obra no seu dia a dia de trabalho. E aí ele traz algumas conclusões até preocupantes. As mulheres estão mais expostas, elas estão significativamente mais expostas a esse problema. As mulheres já têm que ser protegidas pelo trabalho, pelo direito do trabalho, porque tem que ter a proteção da maternidade, a proteção da família... Então, além dessa exposição, elas estão expostas até de forma maior aos riscos da IA - e, aqui, principalmente dessa IA generativa. Esse relatório da OIT fala muito sobre essa IA generativa, sobre essas aplicações de LLM, como o ChatGPT, LipSync... Ele fala assim: os trabalhos administrativos são os mais expostos neste momento.
E a gente percebe fiscalizando as empresas. Conversando com as empresas, conversando com os profissionais de RH, com os profissionais de contabilidade, a gente vê que eles já começaram a usar essas aplicações no seu dia a dia e até a substituir mão de obras utilizando essas aplicações de IA generativa. E essa crescente capacidade da IA generativa tem a tendência de substituir esses trabalhos mais cognitivos, como já foi falado aqui pelos expositores que me antecederam...
(Soa a campainha.)
O SR. JEFFERSON DE MORAIS TOLEDO - ... que são, por exemplo, os trabalhos da imprensa, os trabalhos dos profissionais de marketing, os trabalhos até dos de atores, o pessoal da... Alguns trabalhos que antigamente eram manuais, como os trabalhos de desenhistas e de cartunistas, estão sendo substituídos pela inteligência artificial. A inteligência artificial faz desenhos, faz atividades criativas... Então, é sobre isso que a gente precisa começar a discutir.
E aí esse relatório da Organização Internacional do Trabalho também chega à conclusão de que as políticas públicas que orientam essas transições digitais são fundamentais, são um fator fundamental. Então, essa discussão, essa criação de políticas públicas é que pode, de fato, garantir a empregabilidade, a qualidade do emprego, essa relação entre o trabalhador e a empresa e a forma como a tecnologia tem que ser utilizada em benefício da sociedade, em benefício do país, em benefício do Estado brasileiro, em benefício dos trabalhadores.
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E aí ela mostra... Inicialmente, a gente achava que a inteligência artificial iria atingir com maior força, maior peso aquelas atividades menos qualificadas e não. Esse relatório da OIT já mostra que essa atividade da IA, principalmente dessa IA generativa, que cresceu demais nesses últimos dois, três anos, vai atingir com mais força cerca de 50% dos empregos nos países mais desenvolvidos, nos países da Europa, da Ásia e nas Américas, inclusive no Brasil. Os países que têm um maior desenvolvimento econômico estão muito expostos aos riscos de inteligência artificial neste momento. E a gente não está falando algo de futuro.
A OIT lista alguns empregos que estão sendo afetados, seja por auxílio ao seu trabalho, seja por substituição de mão de obra, como auxiliares de entradas de dados, digitadores, escriturários, auxiliares de estatística, corretores, finanças, o pessoal que trabalha nos bancos, uma série de trabalhos que antes não entravam nessas listas de trabalhos afetados. Então, é essa discussão que a gente precisa trazer.
Como foi dito anteriormente, em alguns momentos, na verdade, a IA faz com que o trabalhador trabalhe até mais, perdendo a qualidade de trabalho. Isso gera doenças, adoecimentos laborais. A própria OIT tem um estudo que mostra que o principal fator de adoecimento e morte no trabalho é o excesso de trabalho. Então, o excesso de trabalho traz consequências danosas. Esse próprio medo com a substituição de mão de obra faz com que haja um aumento da quantidade de trabalho e um aumento do adoecimento laboral também.
E, interessante, alguns meses atrás, eu fiz um curso no qual houve uma aula com o Goffrey Hinton. Goffrey Hinton foi o ganhador do Prêmio Nobel de Física do ano passado. Ele ganhou o Prêmio Nobel justamente pelo desenvolvimento das redes neurais, pelo desenvolvimento da inteligência artificial, que ele fez desde a década de 80. Nesse curso, o que me impactou muito - não é um curso recente, foi um curso que eu fiz, acho, há uns quatro ou cinco anos, um curso online - é que ele dizia que - eu mesmo traduzi esta frase e até peço desculpa pela minha própria tradução -, se você quer realmente um futuro seguro, aprenda uma profissão como encanador. É assim: ele já previa, há cinco, seis anos, que a IA iria substituir a mão de obra intelectualizada, a mão de obra dos profissionais que, a princípio, não estavam com medo desse risco da inteligência artificial no trabalho. Ele hoje, se vocês virem, trabalha muito ainda no meio acadêmico, participa de muitos congressos. Recentemente, ele participou de vários e tem discutido bastante em como fazer com que essa inteligência artificial desse mundo moderno seja mais humanizada. Como fazer com que ela seja mais humanizada? Como fazer, como já foram discutidas essas decisões automatizadas, essas escolhas automatizadas e muitas vezes não explicáveis nos algoritmos de aprendizado de máquina, com que eles se tornem mais humanizados?
E se discute isso também no meio acadêmico, porque a solução por meio de políticas públicas, de leis que protejam os trabalhadores, que protejam a sociedade é fundamental, mas como também trazer uma solução pela própria tecnologia? Como a tecnologia pode ser uma tecnologia mais humana? Como fazer esses próprios algoritmos de inteligência artificial escolherem soluções que são mais humanizadas? Então, é uma discussão muito grande, é uma discussão que tem que realmente preocupar, tem que trazer aqui alguma... Tem que ser esmiuçada pela sociedade brasileira, como tem sido feito aqui, como vai ser feito no dia de hoje, neste início de discussão.
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Eu agradeço a participação.
A gente não trouxe muitas soluções. O que a gente sabe é o seguinte. Ao longo da história da humanidade, a gente passou por várias revoluções tecnológicas, como a Revolução Industrial. Essas revoluções tecnológicas mudaram sempre a forma de trabalho, desde a revolução agrícola e a Revolução Industrial, que mudaram a forma como o trabalho era realizado. O que a gente observa é que nem sempre a revolução tecnológica vem como uma revolução social também que traga benefícios para a humanidade. A princípio, a gente acha que um avanço de tecnologia tem que trazer para a humanidade uma melhoria de bem-estar da sociedade, e não é isso. O próprio direito do trabalho começou na Revolução Industrial, quando a tecnologia começou a ser usada para aumentar a exploração, com grande quantidade de horas de trabalho, salários precários, crianças trabalhando nas fábricas, etc. Então, o próprio direito do trabalho surgiu como uma forma de proteção da tecnologia. Eu acho que o momento que nós estamos vivendo hoje novamente é um momento de revolução tecnológica, é um momento em que a gente precisa se antecipar, sabendo que as revoluções tecnológicas na humanidade precisam vir acompanhadas de revoluções sociais. A gente precisa trazer isso para o nosso texto de lei.
Eu dei uma olhada no novo Estatuto do Trabalho, no texto que está sendo discutido no Senado. Eu acho que a gente precisa aprimorar principalmente essa parte de inteligência artificial, porque o que se discutia bastante era essa questão da substituição da mão de obra por automação, só que o que a gente precisa discutir aqui também é como preparar os trabalhadores para esse novo ambiente de trabalho, porque a mão de obra vai ter que mudar um pouco. Talvez as tarefas mudem um pouco com a inteligência artificial, com a tecnologia moderna. Como preparar o trabalhador brasileiro para se adaptar a essa nova tecnologia? E como proteger também o emprego dele dessa nova tecnologia, não necessariamente da automação, mas como preparar o trabalhador para a...
(Soa a campainha.)
O SR. JEFFERSON DE MORAIS TOLEDO (Por videoconferência.) - ... substituição da mão de obra intelectualizada? Então, eu acho que esse texto a gente precisa discutir bastante.
Era isso.
Infelizmente, nós não trouxemos soluções. A gente trouxe preocupações. É uma discussão que está sendo realizada no mundo todo. Se a gente der uma olhada, há vários trabalhos que têm sido realizados nos últimos anos sobre isso, vários trabalhos científicos realizados em todas as universidades do mundo, e alguns já foram aqui apresentados, como trabalhos do MIT, mas o que a gente observa é que alguns pesquisadores falam que boa parte dos trabalhos tratam muito sobre o desenvolvimento da tecnologia de IA no mercado de trabalho, mas trabalham muito pouco com os limites dessa tecnologia, até que ponto essa tecnologia pode ser desenvolvida sem afetar a nossa sociedade, sem afetar os trabalhadores do mundo todo.
Era isso o que a gente queria trazer, com a preocupação da inspeção do trabalho. Todos os dias, como eu já falei, fiscalizando as empresas e conversando com os trabalhadores, a gente sente e observa nos dados, nos nossos relatórios que essa realidade tem mudado, e essa mudança de realidade tem trazido algumas alterações no mundo do trabalho que precisam ser discutidas aqui no Senado em nível de políticas públicas.
Agradeço o convite e a solicitação aqui ao Sinait do Senado.
E a gente sempre se coloca à disposição para futuras discussões. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Jefferson de Morais Toledo, Auditor-Fiscal do Trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), que foi uma das entidades que apresentou - foram em torno de 12 entidades, eu estava junto - o novo Estatuto do Trabalho, a nova CLT, que há de avançar da forma como a sociedade avança, com passos gigantes. Agora, a inteligência artificial está no bojo do grande debate nacional. Muito obrigado, Dr. Jefferson, pelas preocupações também levantadas.
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Agora eu volto aos convidados que estão aqui na mesa.
De imediato, passo a palavra ao Dr. Hugo Valadares Siqueira, Diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA (Para expor.) - Muito bom dia, Senador Paulo Paim.
Agradeço imensamente mais uma vez por estar aqui nesta Casa, participando deste importante debate. Quero cumprimentar esta Comissão, a Presidente da Comissão, a Senadora Damares, que nos fez este gentil convite para estar aqui participando deste debate. Estivemos aqui na Comissão de Ciência e Tecnologia, na semana passada, debatendo também os caminhos que o Brasil pretende tomar nessa imensa discussão que nós temos hoje. Eu trago aqui o abraço da sua amiga, a Ministra Luciana Santos, que é nossa chefe, a nossa comandante em chefe lá no ministério. Trago o abraço do Secretário Henrique Miguel, que é o meu chefe e que gentilmente pediu para que a gente pudesse estar aqui participando desta discussão.
Primeiro, a nossa alegria de poder trazer este debate aqui a esta Casa, que é a Casa do Povo, aqui a este Congresso. Também já participamos de algumas audiências públicas na Câmara dos Deputados e entendemos a importância de trazer esta discussão, tendo em vista a grande revolução tecnológica dos nossos dias. Começo agradecendo aqui as palavras dos colegas que falaram antes de mim, porque a gente se sente bastante contemplado com tudo que estamos escutando. O Dr. Jefferson... Inclusive, eu fico muito feliz quando eu vejo algumas figuras que ele coloca, como a linha do tempo da IA, como uma foto do Dr. Hinton, do Dr. Hopfield, porque a gente vê que o tema da inteligência artificial, na verdade, não começa hoje.
Permita-me, Senador, vestir a camisa também de professor universitário da área de IA, que vem trabalhando há mais de 20 anos. E penso que, para além disso, é importante a gente pontuar algumas coisas. A primeira delas é que IA é uma grande área de pesquisa, que não envolve apenas a área de modelos de linguagem, de ChatGPT e afins. Foi mencionado, acho que pelo Dr. José Carvalho, por exemplo, os modelos de aprendizagem profunda; esses não necessariamente tratam de modelos de linguagem, não são apenas um chatbot com que você conversa.
Então, nós temos muitas e muitas e muitas aplicações no campo, mas o que acontece é que, desde o ano de 2023, a gente teve essa hecatombe nuclear chamada de ChatGPT e tudo aquilo que veio após ela, os grandes modelos que estão aí colocados, os modelos internacionais de grandes portes, como as LLMs, do Llama, os chineses, com o DeepSeek, o Qwen, e todos os outros que a gente tem visto aí nos dias atuais.
E o que a gente percebe, Senador, é que numa das primeiras vezes na nossa história... E aqui a minha ode a todo o seu histórico nessa preocupação do impacto das novas tecnologias na vida das pessoas. Qual é a grande questão que nós temos aqui? O Governo brasileiro acordou muito cedo para o que estava acontecendo, o Parlamento acordou muito cedo, a academia já acordou para isso há muito tempo. Então, parafraseando aqui o que o Dr. Guilherme colocou antes, o debate da inteligência artificial tem grandes marcos, mas a gente gosta de falar, nas minhas aulas de redes neurais artificiais, a gente fala: o grande marco é 1943. O trabalho de pesquisa que foi sendo desenvolvido ali e, no decorrer das décadas, os modelos foram sendo discutidos e foram sendo aperfeiçoados, até que nós chegamos a um momento, que é o momento dos nossos dias, em que a gente agora tem um negócio - e eu concordo muito com o que foi dito -: os modelos não são inteligentes, eles simplesmente fazem um cálculo estatístico daquilo que deve ser colocado para o usuário final, a respeito daquilo para o que ele foi treinado.
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Por que temos tantos vieses em algumas aplicações? Por uma questão muito simples: porque os dados que treinam aqueles modelos possuem vieses, porque os dados que a gente coloca aí... Muitos desses modelos são treinados para ver o homem branco como um caso de sucesso, para ver uma mulher negra como apenas trabalhos manuais e trabalhos historicamente colocados para as mulheres. Então, não é nem surpresa que os modelos caminhem por esse direcionamento.
E são questões muito interessantes porque tem alguns dias, Senador, que eu estive na conferência brasileira audiovisual aqui em Brasília, e a preocupação do setor... Hoje, se a gente vai discutir questões de marketing, por exemplo, ele está tomado pelos modelos generativos, porque eles conseguem dar respostas que... Claro, você ainda não consegue penetrar num filme no cinema, mas você consegue, hoje, ações publicitárias dentro de plataformas que já podem ser completamente feitas por modelos de IA generativa.
E a gente fica preocupado por um lado, mas feliz por outro: de que o Brasil tenha acordado muito cedo, porque, veja, nós temos uma avaliação de que, penso eu - e, aqui, permita-me usar a camisa do professor -, as plataformas digitais, hoje, impactaram muito mais a vida das pessoas do que a própria IA, embora a IA seja um dos componentes que elas colocam. Senador, a forma como nós nos relacionamos, enquanto pessoas, mudou nos últimos cinco, seis anos. A gente, hoje, não fala mais com a pessoa, a gente manda áudio ou escreve. Isso é uma coisa que era inimaginável quinze, dez anos atrás. Então, o mundo mudou muito.
Nesse sentido, minha ode aqui também a esta Casa pela versão que hoje circula do PL 2.338, que, o Thiago mencionou aqui, de maneira muito assertiva, e que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação tem debatido, neste momento, com a Câmara, com a Deputada Luísa, com o Deputado Aguinaldo, que têm sido muito proativos na atuação do desenvolvimento e têm consultado o ministério.
Nós entendemos a distância e nós entendemos o papel do Legislativo e do Executivo, mas nós queremos contribuir com a nossa visão. E o MCTI percebe, de maneira muito propositiva, que a gente só vai conseguir ter avanços, e avanços definitivos, a partir do debate. O MCTI não tem a menor intenção de achar que vai ter todas as respostas. A gente precisa de momentos como este, de momentos como o debate com a academia, com o setor produtivo, sobretudo com o setor produtivo nacional - que é para isto que nós existimos, para desenvolver a indústria nacional - e também, claro, por que não com as big techs? Há a necessidade de se fazer toda a discussão, porque a discussão está colocada hoje no mundo.
Podemos ir para a apresentação, por favor?
Então, gente, para direcionar aqui... E aí, Senador, agradeço os cinco minutos extras porque 15 minutos para um professor é praticamente o tempo só do bom-dia, não é? (Risos.)
A gente tem uma dificuldade com o controle do tempo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Se precisar, eu lhe dou mais cinco também.
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA - Vamos aqui tentar manter... Gostaríamos muito.
É importante a gente escutar, mas também é importante a gente colocar aqui o que a gente tem visto.
Então, hoje, o direcionamento do que o Brasil trata sobre IA no Poder Executivo, Senador, tem nome, que é o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial; um plano que foi encomendado pelo Presidente Lula em um momento em que o Brasil discutia ainda a estratégia brasileira de IA. E aqui, também, os meus cumprimentos ao Senador Astronauta Marcos Pontes, que era o Ministro da Ciência e Tecnologia à época; ele fez a encomenda em 2021 a respeito de qual seria o direcionamento, os limites, os limites éticos e coisas do tipo que a gente discutia naquele período.
Porém, como eu disse, em 2023 tudo mudou. A IA deixou de estar dentro da academia, e algumas empresas... O Dr. José Carvalho sabe muito bem disto: hoje todo mundo, toda empresa nacional e internacional, quer ter a IA, muitas vezes sem saber até por que ou para quê. A gente conversa muito com os amigos das universidades, e posso usar aqui o exemplo do Prof. Anderson, que é o chefe do Ceia, em Goiás, na UFG, e que tem me dito isso
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Muitas vezes, o empresário chega e fala: "Não, eu quero colocar IA aqui dentro da minha empresa". Ele pergunta: "Mas para quê?". Às vezes, a empresa não sabe: "Mas qual é a base de dados que vocês têm?". Eles perguntam: "Mas precisa de dados? Todo mundo está usando IA. Eu também preciso colocar IA aqui". Então, tornou-se um negócio assim, meio aquele pensamento de que preciso ter isso aqui, mesmo que eu não saiba exatamente para que serve. E, claro, serve para muitas coisas.
E aí, Senador, falo brevemente que, à época, em 2023, começou a ser discutida a atualização da Estratégia Brasileira de IA. Como eu disse, a partir dessa hecatombe nuclear dos modelos de linguagem que tirou o tema de IA de uma pequena população - poucas pessoas, proporcionalmente - que discutia isso, hoje nós estamos vendo o tamanho do impacto que isso tem inclusive nas relações geopolíticas. Nós estamos debatendo hoje questões que se tornaram ponto de debate entre as maiores potências do mundo, e o Brasil aqui colocado - o Presidente Lula é instado sobre esse tema em vários lugares.
Então, o plano brasileiro foi pensado, a estratégia estava sendo discutida e, no momento em que ela foi apresentada ao Presidente Lula, ele solicitou: "Não, a gente não precisa de uma estratégia. A gente precisa que a estratégia continue, mas, a partir de agora, nós precisamos é de um plano, porque o plano tem direcionamento, tem ações e sobretudo diz onde nós vamos focar". E ele foi absolutamente discutido com toda a sociedade civil, com esta Casa, com o Judiciário.
Hoje, vou contar que a nossa vida é tudo... A nossa diretoria lá no Decti, o departamento em que a gente hoje está atuando, Senador, é muito simples: a minha vida resume-se hoje a IA. E eu vou contar que a gente morre de tudo, menos de tédio, porque, a cada momento... O Thiago aqui é um parceiro que a gente vê muito aí pelos fóruns e você vê - né, Thiago? -: tudo que a gente faz é o dia inteiro, a noite inteira, no final de semana e em viagens. O tema está colocado aí, e o Brasil abraçou esse tema.
Então, para este debate, Senador, está aí o dia em que o plano foi entregue nas mãos do Presidente Lula; e eu asseguro a V. Exas. que isso é uma fotografia real, não é IA, porque eu estava lá e eu vi essa foto sendo tirada. Então, o Presidente recebeu o plano das mãos da Ministra Luciana Santos.
O plano versa sobre algumas questões, mas eu trago para este debate - e nós como membros do Poder Executivo - formar, capacitar e requalificar pessoas - trabalhadores, usuários e demais membros da sociedade brasileira.
Nós precisamos obviamente discutir infraestrutura, discutir ações de desenvolvimento tecnológico, precisamos de modelos de linguagem brasileiros - e aqui nós já avançamos muito -, para que a gente possa colocar a nossa cultura dentro desse debate e para que os modelos tenham um viés, mas tenham menos vieses, quando a gente fala do português brasileiro.
Então, hoje, ainda nós temos algumas questões sobre como desenvolver a IA em suas diversas matrizes. Primeiro, nós ainda temos uma população jovem. Temos muitas bases de dados que estão sendo organizadas neste exato momento, para que a gente possa utilizar para fazer inferência utilizando esses poderosos modelos. Nós temos uma matriz elétrica bastante limpa, aliás, uma das mais limpas do mundo - e aqui eu, como Professor de Engenharia Elétrica e Inteligência Artificial, sempre fico muito feliz de poder participar dessa discussão, porque o Brasil é ponta de lança no mundo e exemplo; nós utilizamos muito pouco combustível fóssil para gerar energia elétrica. E, claro, temos de melhorar as capacidades instaladas.
Claro, os desafios estão todos colocados. As infraestruturas necessárias são muito grandes. É necessário um investimento muito alto de infraestrutura, e eu estou falando de infraestrutura computacional, que hoje fica muito claro que só pode ser feita a partir do compartilhamento. E, claro, a interoperabilidade de dados e, sobretudo, Senador, formação e retenção de talentos.
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Aqui eu digo como o plano é estruturado: ele é estruturado em cinco grandes eixos. Vamos ter oportunidade de discutir isso aqui na semana que vem também, numa nova audiência pública, chamada pelo Senador Marcos Pontes, mas, rapidamente, é só para dizer que ele é dividido em 85 ações até este momento, em cinco grandes eixos, de um lado, e em ações de impacto imediato. E o Eixo 2, que é o eixo que estamos debatendo hoje, é o eixo da capacitação, da formação e, sobretudo, da requalificação e até, Senador, do letramento de pessoas. Nós estamos falando que as pessoas precisam saber usar isso, no nível que chega perto da requalificação e da realfabetização de pessoas, para colocar o espaço sobre isso.
Então, o Pbia prevê aí uma ordem de R$23 bilhões de apoio nesses cinco eixos.
Eu queria aqui entrar no Eixo 2 com mais profundidade, porque eu acho que é com o que nós, enquanto MCTI, podemos contribuir com este debate, mostrando, inclusive, que o Governo tem se debruçado, num grande esforço que envolve não só o MCTI, mas envolve o CITDigital, coordenado pela Casa Civil; o MGI, que tem sido grande parceiro; o Mdic; a Defesa. Então, aqui, é difícil até... Tivemos na semana passada com a com a Secretária Ana Estela Haddad, que tem discutido com a gente do ponto de vista do Ministério da Saúde. Então, o que nós queremos conversar aqui é sobre isto. Precisamos trabalhar nas pessoas. Não existe IA sem pessoas.
A gente sabe, e aqui, Senador, eu fico muito tranquilo para falar sobre isso: eu lembro que, quando eu estava acabando o meu mestrado, ali nos anos de 2006, 2008, 2009, a gente percebia que já existiam profissões que estavam acabando por conta do impacto da digitalização. Eu menciono uma que eu acho interessante, que é a de datilógrafo, uma profissão que nos dias de hoje praticamente acabou, né? Eu fiz curso de datilografia quando era jovem, muito mais jovem, ali nos meus 10, 12 anos, e, hoje em dia, por conta da simplicidade do computador, praticamente não existe. O que a gente precisa é recolocar essas pessoas no mercado de trabalho.
Então, nós estamos falando, Senador, de liderança, de formar novas gerações.
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA - E, aqui, desde qualificar as pessoas para a olimpíada, desde a Olimpíada de Inteligência Artificial, para trazer o jovem para a inteligência artificial, para trazer o interesse das crianças para que queiram caminhar sobre isso, mas também para a gente trazer o entendimento das pessoas. Isso aqui é um dever hercúleo. Nós ainda não conseguimos superar sequer o desafio da alfabetização. Nós nem sequer conseguimos, no Brasil, avançar para que as pessoas consigam ter uma formação matemática adequada, né? Temos ainda, infelizmente, um grande gap secular e que, por muitos momentos, Senador, o Governo Federal não teve interesse de corroborar, não teve interesse de dirimir - o que não é o caso do Governo do Presidente Lula; muito pelo contrário, o Presidente Lula só olha se a gente estiver olhando para as pessoas.
E eu não disse no começo, mas o Plano Brasileiro de IA tem nome e sobrenome: ele chama-se IA para o Bem de Todos. Se ele não servir às pessoas, se ele não servir a todo mundo e apenas a uma pequena casta de endinheirados que vão trazer essa tecnologia e ganhar os seus bilhões, ele não pode servir ao desenvolvimento deste país. Este país já esteve na mão de pessoas que enxergam apenas as pequenas castas, e não é esse o caminho que o Presidente Lula nos orienta e não é essa a ordem da Ministra Luciana Santos. Nós trabalhamos todos os dias para pensar todas essas dimensões. As dimensões que colocam... É claro, temos que formar os recursos humanos de altíssima capacidade, os mestres, os doutores em Inteligência Artificial, os graduandos. Temos que formar a grande força produtiva que vai desenvolver, mas nós também precisamos formar aquelas pessoas que vão ser diretamente impactadas, inclusive dentro do próprio mercado de trabalho, as pessoas dentro das empresas que precisam ser formadas para isso.
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E aqui, por exemplo, cito os LIFEs, os laboratórios de formação de professores. Não adianta a gente achar que o estudante, que a criança vai aprender alguma coisa dentro de sala de aula de um dia para o outro se os professores não foram formados nessa geração, né?
Eu tenho 42 anos, Senador, eu acompanhei a geração que tinha o telefone de discar na roda, aquela lá que os meus filhos hoje, os gêmeos de quatro anos, Ricardo e Alice, não fazem ideia para que serve. Mas eles sabem que, se eu pegar... Na televisão, eles ficam pondo o dedinho assim para passar, porque eles acham que é parecido com o que tem no celular. Então, é uma geração que nasceu digitalizada, mas nós temos toda uma geração de pessoas que precisa ser formada para isso.
Já estourei meu tempo duas vezes. Então, deixe-me ir mais rápido aqui.
É na graduação que nós precisamos formar pessoas qualificadas para a IA. E aqui, Senador, nosso objetivo era cerca de 5 mil vagas em cursos com este nome. É claro que, na engenharia de computação, na ciência de computação, na engenharia de software e na própria engenharia elétrica e em cursos afins, mais pessoas já são formadas nessa área, mas a nossa meta era de ter 5 mil vagas. Recentes dados do MEC...
E aqui eu quero fazer uma saudação ao Ministério da Educação, sobretudo à Segape, a secretaria que tem tratado também desse tema. Já temos aqui o Secretário Evânio e toda a equipe, o Prof. Fernando, a Profa. Iara, que trabalham lá com ele.
Hoje já tem pedidos de 8 mil vagas e cursos que já tem gente formada nisso. Então a gente já estourou a meta e vamos triplicar, pelo menos, no curto prazo, a formação de pessoas em cursos com este nome: inteligência artificial, tá? Nós também estamos... Isto aqui está já em franca aplicação: bolsas de estudo para graduação e pós-graduação - isso aqui é muito puxado pelo CNPq - e bolsas de doutorado no exterior também, com editais abertos e gente já contemplada.
Claro, nós sabemos que todo o esforço que for feito, Senador, ainda vai ser insuficiente, porque o Brasil é muito grande. E, como eu disse, nós temos um déficit na tecnologia e na formação de recursos humanos. Mas o país não pode simplesmente parar e achar que não vai dar conta. Então vamos simplesmente fazer o de sempre, vamos exportar commodities e deixar a tecnologia para os países ricos? Não. Nós vamos trabalhar em paralelo, assim como nós trabalhamos em paralelo em todos os desafios que tivemos até hoje. O Presidente Lula nos ordenou fazer isso, e nós concordamos muito.
Estamos aqui caminhando para o final.
Na qualificação profissional, eu acho que é aqui que nós podemos contribuir bastante e já tem coisa acontecendo. O Sistema S, Senador, é um grande parceiro. Nós também trabalhamos em conjunto com o Sistema S e é necessário que a gente faça isso com a CNI e o Mdic, ponta de lança nesse trabalho junto conosco. Temos uma relação fraternal de trabalho conjunto. Precisamos de mais gente qualificada e também do aumento da oferta de profissionais nessas áreas, porque, é verdade que algumas áreas vão desaparecer. É verdade, e isso é histórico. E nós também não podemos negar a tecnologia, porque a tecnologia é imposta a nós.
E a forma como nós imaginamos, Senador, é esta: nós queremos que as pessoas trabalhem menos, que o trabalho repetitivo seja substituído por coisas que podem ser feitas de maneira automática. É isso o que nós queremos para que as pessoas tenham vida.
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA - As pessoas precisam trabalhar menos dentro do escritório, trabalhar menos dentro do chão de fábrica para que elas possam viver a sua vida, para que elas possam estar com a sua família, criar os filhos, coisas que a gente sente nos dias atuais. As pessoas entram tanto no mercado de trabalho que o final de semana ou é para descansar ou é para fazer os serviços domésticos que não foram possíveis de terem sido feitos durante a semana. É muito cansativo, a gente não consegue.
Então, os programas de residência em TIC, aqui feitos pelo MCTI em grandíssima parte, porque o MCTI coordena a lei de TICs. Já temos feito isso todos os dias, como, por exemplo - é um pouco redundante -, a formação de designers de chips. Nós precisamos disso, nós não temos essas pessoas hoje no Brasil em número suficiente.
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E o meu último eslaide, que não está indo... Aqui.
E aqui é só para dizer, apenas vou listar...
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA - Aqui estão colocadas todas as ações que a gente tem feito de capacitação e formação de pessoas aqui, sobretudo com a Embrapii, com os projetos do Residência em TICs - estamos falando da ordem dos milhões de reais -, com a Unicamp, projetos grandes, com o CPQD.
E termino, Senador, deixando aqui o meu muito obrigado por esse convite.
Coloco aqui os nossos contatos, as nossas redes sociais, que são importantes para que a gente possa fazer este debate.
E eu quero colocar esse ministério em absoluta consonância com aquilo que nós pensamos: a IA já está aqui, a IA é importante, mas a IA tem que servir à população, tem que servir aos brasileiros e, sobretudo, essas tecnologias precisam ser desenvolvidas de modo que o Brasil avance, que o Brasil seja ponta de lança, mas sobretudo que a gente melhore a vida das pessoas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Meus parabéns, Dr. Hugo Valadares Siqueira, Diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Remeta também, me permita, um grande abraço à Ministra Luciana Santos, uma grande guerreira, uma grande lutadora. Eu tenho carinho muito grande por ela. Uma vez fui ao estado dela, Pernambuco - não quero errar aqui, porque se errar fica feio -, e fizemos uma agenda belíssima lá sob orientação dela.
E queria também dizer que eu fico feliz com toda a forma da sua exposição aqui em relação ao Presidente Lula. E, na minha abertura, eu acabei colocando que é importante também que a gente entenda: a IA tem todo o sentido desde que ela fique vinculada às políticas humanitárias. E o Presidente Lula tem dado uma grande força para a questão da redução de jornada sem redução de salário.
Temos um projeto aqui - eu sou o autor; Rogério Carvalho é o Relator, fez um excelente relatório nesse sentido -, e na Câmara temos acho que uma meia dúzia. Além do da Erika, tem também o do Reginaldo - é a minha equipe que está aí, viu? - e o da Daiana também, que tem um projeto de lei. E nós temos uma emenda constitucional e outros também. E o Presidente Lula tem pronunciado publicamente que ele é a favor nesta linha, que a IA venha para o bem de todos, automação, robótica, cibernética, como a gente fala, um linguajar bem chulo, mas direto; e que a qualidade de vida das pessoas é que interessa. São as políticas humanitárias.
Bela exposição, viu? Se o Brasil não sabia, ficou sabendo hoje.
Passo a palavra agora à Paula Montagner, Subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho, da Secretaria-Executiva do Ministério do Trabalho e Emprego - e também o Ministro Marinho tem sido um grande apoiador desse debate aqui do mundo do trabalho, tanto para aperfeiçoar a ideia do estatuto, como também da jornada, enfim.
Tenho falado muito do que ele falou um dia num pronunciamento que eu ouvi. Ele disse: "Lá em São Bernardo, Paim, lá a jornada já é de 40 horas para todo mundo". Então, vamos avançar. Por que o Brasil não pode chegar nas 40? E, depois das 40, como diz o PL 148, de 2015, aí uma hora por ano até chegar num patamar que poderá ser um dia 4x3. Eu sei que não é de agora, viu? Isso vai ser uma discussão longa, mas avançaremos.
O tempo é seu.
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A SRA. PAULA MONTAGNER (Para expor.) - Bom dia a todos; bom dia, Senador.
Trago também um abraço do Ministro Marinho ao senhor, a todas as pessoas da mesa. (Fora do microfone.)
Diferente de vocês que são especialistas, eu sou...
O que eu tenho que ligar aqui?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Acendeu o verde, está o.k.
A SRA. PAULA MONTAGNER - Está ligado aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Então tá. É só falar perto.
A SRA. PAULA MONTAGNER - Falar perto? Está melhor aqui?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Aí, pronto.
A SRA. PAULA MONTAGNER - Então, diferente de vocês que são especialistas, eu sou uma generalista. Aliás, eu sou uma economista, que é bem isso. A gente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Generalista serve para mim também.
A SRA. PAULA MONTAGNER - É, então.
Eu não sou da área de direito e eu também não sou das áreas técnicas duras de ciência.
A gente aqui, no Ministério do Trabalho, a pedido do Ministro, organizou um grupo de trabalho, preocupado que estava o Ministro pelas indicações daquilo que já está ocorrendo e daquilo que atua diretamente na vida do trabalhador. Por quê? Porque ele não está sendo contemplado.
E aí eu trouxe uma pequena apresentação, e eu vou até pular algumas coisas, porque eu já vi que tem muita gente aqui.
Será que o colega aqui ajuda a passar? (Pausa.)
Acho que tem um aspecto importante. Eu também sou parte das pessoas que acham que o Pbia é um tema importantíssimo no Brasil, e a IA para o bem é fundamental, porque ela tende a lidar com os desafios e as oportunidades do mercado de trabalho.
Eu queria começar fazendo um grande resumo de tudo que a gente encontrou, conversando com lideranças de várias áreas.
De um lado, eu acho que a principal coisa é que a gente alcança novas capas de dualidade do mercado de trabalho. Então, eu vou tentar lidar com isso do modo mais simples possível. De um lado, as grandes empresas públicas e privadas já usam a IA. E elas têm profissionais altamente especializados, com experiência profissional relevante no uso da inteligência artificial. Eles estão formando uma nova tecnocracia, que tem como foco a prestação e a geração de novos serviços. Estes grupos tendem a estar de algum modo contemplados pela legislação que hoje nos cerca, seja porque estão no mundo privado, e aí recebem volumes significativos e têm a proteção que a legislação atual tem; ou, até pensando que eles têm no momento de hoje uma capacidade de negociação individual, eles conseguem ter bons salários e uma proteção adequada.
O outro lado disso é a precarização do trabalho. Na sua fala, Senador, o senhor trouxe imediatamente a pejotização de profissionais. E aqui eu vou direto àquilo que a gente já vê na realidade brasileira: pejotização de profissionais da área de comunicação e mídias. Estou falando de profissionais de nível superior e nível técnico. Nós não estamos falando de profissionais que atuam com ações manuais. Nós estamos falando de como profissionais de nível superior vêm sendo transformados, e eu vou mostrar alguns dados para isso.
E o outro lado disso é muito invisível na nossa estatística. Por quê? Porque nós temos estatísticas para atividades organizadas, que são registros administrativos, e temos pesquisas domiciliares que perguntam pelo exercício do trabalho, mas não estão lá contempladas as microtarefas da IA, não estão lá contemplados os trabalhadores de dados da IA. Então a gente não tem a visibilidade de quantos são, como são contratados, como são desligados, que tarefas fazem.
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Eu sei que tem colegas que devem participar aqui que, esses sim, têm pesquisas qualitativas que vão mostrar muitas coisas que vão ser específicas, mas o que elas vão mostrar, na verdade, é que nós temos condições de trabalho muito distantes do trabalho decente, que é o que a gente almeja; muito distantes da saúde e da segurança do trabalho sobre as quais nós temos algum grau de legislação. E isso traz, diferentemente do que a gente gostaria, camadas novas de desigualdade; camadas que vão nos atrapalhar muito ao tentar entender como legislar, se a gente não olhar para elas no seu detalhe.
Eu vou pular esta parte mais inicial. A gente já tem alguma informação de empresas, o Cetic, do NIC.br, tem boas informações, e elas apontam aquilo que a gente vinha falando. São grandes empresas, estão principalmente na área de informação e comunicação, mas também em atividades profissionais, como a gente vinha chamando a atenção. As pesquisas que tentaram olhar que trabalhadores estão envolvidos também nos falam de trabalhadores altamente especializados; elas não nos falam do trabalhador das microtarefas.
E aqui eu quero chegar aonde eu acho que talvez seja um dos aspectos aos quais a legislação tem que prestar muita atenção. Veja só, a gente foi olhar as ocupações que envolvem rádio, TV, jornal, vídeo, serviços de informação e serviços especializados com novas tecnologias. E quando a gente foi olhar quem está trabalhando no setor, 56% não o fazem mais na qualidade de trabalhador celetista. Nós estamos falando de PJs, sejam eles MEIs, sejam eles sociedades empresárias limitadas. Gente, nós não estamos olhando para essas pessoas.
E esse é o lado que a gente consegue enumerar, esse é o lado talvez mais fácil de ser visibilizado. Por quê? Porque existem informações sobre eles, ou no Ministério do Trabalho, ou na Previdência, ou na Receita. Este é o lado em que a gente já enxerga o que está acontecendo com os profissionais de mídia, para que a gente já vinha chamando a atenção. A gente já vê o que está acontecendo nos serviços financeiros, nos planos complementares, nesses serviços profissionais, que já estão caminhando numa direção em que eles não têm mais fim de semana remunerado, eles não têm férias, eles não têm décimo terceiro, eles não contribuem à previdência pública. Então todo o pacto solidário daqueles que têm maiores rendimentos apoiando quem menos tem, aqui nós já estamos perdendo. Porque a maioria destas pessoas contribui com muito menos impostos, faz isso muitas vezes na condição de um empregado que está escondido, porque a relação de subordinação persiste. Ele não é... É difícil dizer que alguém que está atuando nos serviços financeiros faz isso de modo independente, está certo? Ele faz isso ligado às grandes conglomerações bancárias.
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Um profissional que presta serviços de consultoria em gestão administrativa, como é que ele faz isso sozinho? Ele está fazendo para alguém. Mas ele faz isso só como projeto? Ou ele faz isso dentro de um esquema que usa todos esses indicadores de risco que vieram sendo mencionados aqui nas apresentações anteriores? Ele ajuda a automatizar por vezes automatizando o próprio trabalho dele, está certo? Mas a gente não consegue enxergar e a gente já percebe uma parte muito grande fora da visibilidade.
Aqui eu trago um dado que não é muito distinto. A OIT tinha feito um estudo, que ela apresentou em 2023, que mostra quais são os grupos de trabalhadores mais próximos. Então, eu tenho aquele grupo que eu mostrei agora dos profissionais mais sofisticados e setorialmente colocados, que estão caminhando para uma situação de precarização ou, pelo menos, de pejotização, pela qual... Eu não tenho nada contra, desde que ela seja real.
(Soa a campainha.)
A SRA. PAULA MONTAGNER - Este grupo que eu mostro aqui, não. Este vai ter tarefas alteradas. São os trabalhadores de escritório, os técnicos, os serviços de vendas, os gerentes, os trabalhadores da agricultura nas altas organizações. E vocês vão ver que a gente chamou a atenção para duas coisas. Aquilo que está em vermelho são as tarefas que altamente vão se alterar, mas muito vai se alterar parcialmente em tarefas.
Vou dar um exemplo para vocês do que significa tarefa e por que isso é tão importante. Na nossa classificação brasileira de atividades, nós temos 2,5 mil ocupações. Delas, nós podemos retirar aproximadamente 158 mil atividades, verbos de ação que são executados. E aí você dizia que muitas dessas tarefas são parecidas. Elas são parecidas, mas não são iguais. Elas exigem pequenas adaptações para diferentes grupos. Essas adaptações não são simples de checar, mas a gente chegaria a algo como 1,5 mil atividades que tendem a desaparecer ou que tendem a ser altamente afetadas. Eu não diria desaparecer, porque ela ainda vai precisar de supervisão humana. Ela não desaparece, deixa de ser executada pesadamente, mas ainda vai ter que ter alguém que vai fazer esta supervisão, pelo menos no quanto a gente entende. Isso afetaria hoje, no Brasil, algo como 15 milhões de pessoas - é 15% do número de ocupados total do Brasil.
Aqui eu vou à área da saúde, porque é a área que tem investido muito e médicos e enfermeiros também têm reportado uma crescente utilização. Quem está usando está em verde, e quem não está usando está em laranja. É uma crescente atualização. E aí aqui nós estamos ainda falando de profissionais de nível superior que, no caso da saúde, são muito importantes. Como diz a Dra. Ana Haddad, é verdade que nós vamos poder levar serviços à população que está longe dos centros urbanos, mas a gente também vai mudar características de atendimento para uma população que não foi alfabetizada em IA e tem muita dificuldade de entender o que o médico fala, o que o enfermeiro fala. A gente vai precisar desenvolver mais ações linguísticas adequadas, porque aquele monte de maquinário e de bipe para as pessoas é muito assustador; mas, para os profissionais, está transformando essa tarefa.
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E aqui eu devo chegar um pouco - já que eu já atrapalhei minha atividade - nos profissionais de plataforma. Não podemos esquecer que os profissionais de plataforma têm seu trabalho controlado pela inteligência artificial. A gente fala como se fossem coisas muito diversas; não são. Elas estão no âmbito da automação. E aquilo que a gente vê é que, em 2023, eram 2,1 milhões de atividades. No final desse mês, a gente vai conhecer a nova numeração, que certamente é maior. Em 2024, a gente já via 661 trabalhadores em atividade de motoboy e de entrega como MEI - não como celetista. Talvez porque ele não queira. Mas, como MEI, com a contribuição dele, de aproximadamente 15 anos, porque é o mínimo de contribuição, em três anos ele recebe de volta, porque ele contribui com 5% do salário mínimo e vai receber um salário mínimo por mês na aposentadoria. Então, temos que encontrar formas muito organizadas para que a gente seja capaz de recriar a solidariedade para que estes trabalhadores, os mais velhos em especial, possam de fato encontrar apoio na seguridade social. Isso para não falar dos acidentes, que são tão comuns, e, se ele não tem nenhuma atividade, mal se consegue atender a essas pessoas no nosso serviço médico.
E eu queria também passar pela ideia da educação. Nós hoje temos, porque temos concursos, os nossos meninos e meninas ganhando concursos internacionais, menções honrosas, mas nós temos que fazer algo muito importante, que é a mudança nos currículos no Sistema S, tanto no Senai quanto no Senac, quanto no Sesi. Por quê? Porque nós temos que alcançar não só o nível técnico; nós temos que alcançar o nível médio pelo menos, porque hoje metade da nossa população tem nível médio. Entre os nossos jovens, 85% deles têm um médio básico. No médio básico, se ele não aprender alguma coisa da IA, nós temos um problema grande, porque são milhões de pessoas que não podem só aprender pela tentativa e erro - porque a gente está acostumado com a automação do celular, que é tentativa e erro; a IA não é isso. A IA usa a sua informação se você não for capaz de garantir aquilo que é o seu direito, o direito das suas informações, de como elas vão ser usadas. E é para isso que eu acho que a legislação é muito importante.
Eu acho muito importante a experiência da Dinamarca, que criou uma personalidade jurídica e garante para as pessoas que o seu rosto e a sua fala lhes pertencem. É um direito das pessoas e não pode ser usado por uma máquina.
Eu acho que esse é um aspecto que não pode ser ignorado e que também atua... Por quê? Porque, quando a gente vai ver os dados do Senac para seus egressos... Nós já temos 48% dos egressos do Senai usando com muita frequência a inteligência artificial.
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E o que é que me preocupa mais? Nós não sabemos o número de pessoas que trabalham em microtarefas para empresários, para as big techs, para a formação daquilo que a gente conhece como inteligência artificial, mas que são bons resumos, que são indicações que permitem que hoje a gente chegue lá no ChatGPT e ele nos ofereça um resumo. Alguém colocou aquela informação lá, ele não a leu sozinho.
Milhares de pessoas em vários países fazem isso. Para isso acontecer em português, e, em especial, em português do Brasil, milhares de brasileiros estão fazendo isso, não sendo isso reconhecido como trabalho, recebendo, muitas vezes, em bens, recebendo em moedas eletrônicas, cujo valor varia. E já há indicação de que são mulheres e jovens e que têm um grande problema de saúde mental, pelo tipo de pressão a que são submetidos.
Eu acho que hoje o Ministério do Trabalho está preocupado...
(Soa a campainha.)
A SRA. PAULA MONTAGNER - ... em como alcançar estas pessoas, e a gente espera que um novo estatuto do trabalho contemple estes problemas, ajudando a população brasileira e os trabalhadores para que sejam contemplados com algum grau de regulação sobre isso e este esforço seja reconhecido como trabalho e remunerado como trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Dra. Paula Montagner, Subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho da Secretaria-Executiva do Ministério do Trabalho e Emprego.
Um abraço lá para o meu querido amigo, o Ministro Marinho, que tem sido um parceiro de todas as horas aqui no Congresso quando a gente precisa de apoio dele e, consequentemente, da sua pasta.
V. Exa., eu acho, trouxe aqui um componente dos chamados invisíveis, né? Onde eles estão? Quantos são? Como é que vivem? Que trabalho é esse em que não têm direito algum, na verdade, mas estão ali, indiretamente, participando até da inteligência artificial? Muito interessante também.
Por fim, terminando... (Pausa.)
Não.
Eu quero terminar com o último da mesa e, em seguida, vão entrar, por videoconferência, os que estão faltando.
Eu vou agora, então, passar para o Dr. Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira, Consultor Legislativo do Senado Federal, e já me reportando aqui aos amigos que estão à distância, que, em seguida, na sequência, vão ser a Nathalie e a Nina.
O SR. PEDRO FERNANDO DE ALMEIDA NERY FERREIRA (Para expor.) - Bom, bom dia a todos e a todas.
Já? (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Esses 15 segundos são porque eu queria registrar e não registrei Isabel Bispo, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB-DF, que está aqui conosco.
O SR. PEDRO FERNANDO DE ALMEIDA NERY FERREIRA - Bom, queria cumprimentar todas e todos, agradecer ao Senador Paulo Paim, cumprimentar o Senador Paim, agradecer também à Senadora Damares pelo convite.
Eu não quero chover muito no molhado, então, vou falar em complemento aqui ao que os meus colegas da mesa e do vídeo falaram. Vou falar um pouco sobre as oportunidades que a gente tem para criar bons empregos e, quem sabe, criar uma nova classe média no âmbito da inteligência artificial.
A questão dos riscos de substituição do trabalho já foi bem colocada. A gente falou que a IA pode substituir o trabalho intelectual. A gente tem também os riscos da automação para trabalhos mais braçais.
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Eu vou pedir para a gente ver a apresentação.
Como os colegas falaram, o Brasil tem algum quantitativo relevante de trabalhadores expostos à IA, não é tão grande quanto em países desenvolvidos, mas é maior do que em outros países emergentes.
Eu queria falar um pouco mais sobre as oportunidades que aparecem. Choques tecnológicos no mercado de trabalho, tipicamente, criam ganhadores e perdedores. Então, algumas pessoas se beneficiam, outras pessoas perdem os empregos.
A gente falou aqui dos datilógrafos mais cedo; por outro lado, o computador portátil trouxe uma série de novas ocupações. Um exemplo bastante utilizado também é o caso do Excel. O Excel destruiu a profissão de guarda-livros dos escritórios de contabilidade, mas permitiu análises mais rápidas, viabilizou o trabalho de analistas financeiros. E a grande discussão que eu queria trazer aqui é se a gente pode pensar em algo parecido para a inteligência artificial.
Então, eu vou trazer a hipótese do Prof. David Autor, do MIT, que foi uma instituição que já foi mencionada aqui outras vezes, que tem se dedicado à questão do futuro do trabalho. Ele lembra que a inteligência artificial pode destruir profissões, mas a provocação dele é: será que ela pode criar novas ocupações, ocupações boas? A hipótese dele é de que sim, mas isso depende de proatividade do poder público.
Como foi falado, evidências sobre inteligência artificial são muito voláteis, mudam o tempo todo, a gente ainda está aprendendo sobre isso, mas a gente tem alguma evidência de que a IA pode ser niveladora, a IA pode ser boa para profissionais menos experientes, para profissionais menos qualificados; e, com menos formação, ela pode permitir que eles tenham a mesma produtividade de trabalhadores ditos de elite.
A provocação que é colocada aqui é: será que, ao contrário do que aconteceu nas últimas décadas com o avanço da informatização, da automação, a gente pode, em vez de só destruir empregos e concentrar renda nos profissionais de elite, mais escolarizados, será que a gente pode também criar bons empregos e criar uma nova classe média? Essa seria a discussão que se coloca.
Como foi o avanço tecnológico, segundo essa visão nas últimas décadas? Ele fomentou disparidades, criou grandes rendas para profissionais de maior escolaridade, médicos, advogados, mas destruiu empregos médios.
O Senador Paim falou aqui do caso dele como metalúrgico, e o trabalho industrial de qualidade é um que foi muito automatizado; trabalhadores de menor qualificação em escritórios também perderam oportunidades; ao passo que o avanço da TI, o avanço dos computadores permitiu aí ganho de produtividade de renda para advogados, médicos, economistas. Será que agora a gente pode fazer de uma forma que seja diferente? É a provocação, então, que se coloca.
A ideia é a gente poder criar novos tipos de profissão baseadas em inteligência artificial que quebrem o monopólio de carreiras de elite. Então, a gente está falando de ter, com menos anos de estudo, titulações mais simples e que possam existir trabalhadores com empregos de classe média em áreas como medicina, direito e finanças, que são onde estão as ocupações de maior renda no setor de serviços hoje.
Eu fui recentemente ao médico e, se não for uma coisa complexa, a gente leva um exame de sangue, um exame mais simples, e ele vai ter um raciocínio meio algorítmico, por exemplo: "Olha, você tem um exame de sangue com colesterol alto, vou te recitar estatina". A gente paga caro por uma consulta como essa, essa pessoa estudou muito para chegar ali, mas, às vezes, a gente poderia pensar que uma pessoa com menos anos de estudo e a um custo mais acessível, como talvez na linha do que a Secretária Ana Estela tem falado, possa prestar o mesmo serviço.
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E, se existisse uma nova profissão - vamos chamá-la de "diagnosticista", por exemplo -, com um curso de alguns anos, com um bom salário, mas que não exigisse uma consulta tão cara quanto a de um endocrinologista ou um cardiologista? Um tecnólogo ou um técnico, estudando alguns anos, usando inteligência artificial, oferecendo um serviço semelhante, é um custo mais baixo para os pacientes, para o SUS, para os planos de saúde. E a gente pode pensar também em outras profissões - seria a mesma coisa -, uma espécie de técnicos em advocacia, técnicos em finanças, resguardando, claro, as atribuições mais complexas das profissões já estabelecidas. A gente mantém, por exemplo, procedimento médico só para médico, procedimentos invasivos e por aí vai.
Isso me lembra um pouco uma discussão que eu sei que o Senador Paulo Paim teve há muitos anos, que foi aquela discussão do ato médico, né? E se a gente pudesse ter enfermeiros, nutricionistas, com o uso da IA, entrando em atribuições que não exigem necessariamente a participação do médico, ou se a gente pudesse ter contadores ou outros profissionais entrando com ações judiciais, sem a gente se limitar ao advogado? É claro que a gente não quer aqui tirar o prestígio ou o mérito das profissões já mais bem estabelecidas, mas apenas concentrar os seus recursos humanos, a sua qualificação naquilo em que ela é mais necessária, principalmente no caso da medicina, já que a gente passa por um processo de envelhecimento populacional bastante acelerado.
Essa questão das novas profissões não é só de criar novos empregos de classe média, mas também de atenuar o custo de vida, né? Se a gente olha para a inflação das últimas décadas no Brasil, a gente vai ver que a inflação tem uma característica de ser menos decorrente de bens de consumo, produtos físicos.
Isso aqui é o IPCA, nos últimos 20 anos, para vários setores. Existem vários setores do nosso custo de vida que cresceram abaixo da inflação - tudo aquilo que a China produz e que a gente importa, tudo aquilo que teve ganho de produtividade grande com automação, como, por exemplo, vestuário, artigos de residência, comunicação -, mas muitas coisas subiram acima da inflação, pressionando o custo de vida: escolas, planos de saúde... E se a gente, com a IA, conseguisse reduzir os custos desses serviços - essa é um pouco a provocação que se coloca também -, tendo cada vez mais trabalhadores com menos anos de estudo, oferecendo um serviço mais barato, mas ainda num bom emprego?
Pelo que a gente vê nos países desenvolvidos, o mundo todo está passando por isso, que a gente chama de doença de custos de Baumol: a tendência de os serviços irem subindo muito acima da inflação enquanto outras coisas vão ficando mais baratas. Então, a tendência para o Brasil é que planos de saúde vão ficando sempre mais caros, escolas vão ficando sempre mais caras. Então, a gente tem aqui uma possibilidade dupla, não só de criar bons empregos, mas também de ofertar serviços mais baratos, reduzir o custo de vida.
Nenhum país está fazendo isso ainda, até onde eu sei - isso é um pouco o que está sendo estudado lá no MIT -, mas eu acho que é algo que a gente poderia discutir aqui, no Senado Federal. Essa é uma ideia que me entusiasma bastante; a ideia de a gente, por meio da discussão no Parlamento, criar novas profissões, permitir que novas profissões surjam, assim como novas profissões surgiram no passado e que hoje são bem remuneradas: engenheiro de software é uma profissão que não existia 30 anos atrás; oncologista é uma profissão que não existia 40, 50 anos atrás. São profissões com boa remuneração que só existem por conta do avanço da tecnologia.
E, para parafrasear aqui o Prof. Autor, o que ele diz é: em essência, a inteligência artificial, se usada corretamente, pode ajudar a restaurar o núcleo de empregos de média qualificação e de classe média no mercado de trabalho, que foi devastado nas últimas décadas pela automação e pela globalização.
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Passando aqui rapidamente, a gente tem algumas evidências de que inteligência artificial, em algumas atribuições, permite que trabalhadores de menor qualificação consigam a mesma produtividade de trabalhadores mais estabelecidos. A gente vê isso em profissionais da escrita, a gente vê isso na programação, a gente vê isso em atendimento ao consumidor, aquelas profissões ou tarefas que são mais baseadas num trabalho intelectual no computador.
Eu acho, então, indo muito ao encontro do que os colegas falaram aqui durante esta manhã, que a gente passa por uma mudança enorme, com riscos muito grandes, mas, no passado, a gente sabe que tecnologia veio também com novas profissões. Só que isso não vai acontecer sozinho. A gente precisa de uma atuação do Estado, direcionando toda essa transformação para a criação de menos desigualdade, não de mais desigualdade.
Então essas são as ideias que a gente tem desenvolvido no âmbito da Consultoria Legislativa aqui do Senado e que eu, pessoalmente, acho bastante fascinantes: e se a gente pudesse criar novas profissões, direcionar a IA para um uso melhor, mais humanista, como o Senador vem falando, criando ao mesmo tempo bons empregos para pessoas que tiveram menor acesso a oportunidades no país e, ao mesmo tempo, permitindo que o custo de vida em áreas como saúde seja atenuado no país?
Eu acho que é isso. Acho que eu consegui usar os dez minutos.
Agradeço mais uma vez ao Senador Paim, à Senadora Damares, à CDH, e fico à disposição, como toda a Consultoria Legislativa do Senado está à disposição desta Comissão e dos Senadores.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, então, Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira, Consultor Legislativo do Senado Federal, que, na sua fala, mostra que sim, poderá gerar desemprego, mas poderá também gerar novos empregos - e aí, como foi nas grandes revoluções industriais, eu diria, neste país: perdemos emprego, mas avançamos em outros. Há países como o Japão, em que o desemprego é pequeno, e é um país que trabalha com altas tecnologias, sem sombra de dúvida.
Eu tenho esperança, assim, por tudo que eu ouvi aqui, inclusive do Governo e de outros setores, que a gente consiga avançar. Que a IA venha, mas que, como principal ponto, eu diria, de discussão, estejam as políticas humanitárias, olhando para os mais pobres deste país e para a classe média, naturalmente, que são aqueles que mais precisam.
Eu peço até desculpa para os meus amigos e amigas que estão por videoconferência, mas eu fiz questão de terminar os companheiros que estão aqui presencialmente, para agora me dedicar só aos senhores e às senhoras pelo tempo necessário para sua exposição.
Eu já vou convidar os que estão aqui na mesa para que eles todos recebam algumas perguntas que vieram do e-Cidadania, para que eles possam, no final, responder pelo menos uma ou duas das questões - uma ou duas por convidado -, das perguntas que aqui chegaram.
Você providencia para mim?
Então, de imediato, passo a palavra para o Dr. Atahualpa Blanchet, Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e consultor da Relatoria de IA do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
O SR. ATAHUALPA BLANCHET (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia. Vocês me ouvem bem? (Pausa.) Sim?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Só pediram para mim... A pronúncia correta é Atahualpa.
O SR. ATAHUALPA BLANCHET (Por videoconferência.) - Isso, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Obrigado, amigo.
O SR. ATAHUALPA BLANCHET (Por videoconferência.) - Tudo bem, Senador Paim?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Agradeço aqui à mesa, viu?
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O SR. ATAHUALPA BLANCHET (Por videoconferência.) - Ah, eu é que agradeço pela deferência, pela oportunidade de participar desta audiência pública.
Mando um forte abraço para o nosso Senador Paulo Paim. Mando um abraço também para todas e todos que nos acompanham via canais de comunicação do Senado Federal. E um abraço especial também para todas e todos que estão nesta mesa, muitos dos quais eu conheço, muitas pessoas com as quais nós já temos uma trajetória de trabalho ao longo dos últimos anos. Queria mandar um abraço grande para a Paula Montagner, que está fazendo um trabalho maravilhoso no âmbito do Ministério do Trabalho. Mando um abraço também para o Thiago Marcílio, que tem nos acompanhado na relatoria de inteligência artificial no âmbito do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Nós estamos fazendo um trabalho importante, justamente para destacar os impactos da inteligência artificial no âmbito dos direitos humanos e, quando nós falamos do direito das trabalhadoras e dos trabalhadores, estamos falando de direitos humanos. E queria também aproveitar a oportunidade, já que o Hugo está aí na mesa, para mandar um abraço para o Secretário Henrique Miguel, do Ministério da Ciência e Tecnologia, e saudar todas e todos que estão aqui participando desta mesa.
Queria dizer para vocês que eu já participei de uma outra audiência pública, no ano passado, no âmbito desta mesma Comissão, e nós abordamos esse tema, essa preocupação com o marco, na construção do PL 2.338. E queria fazer algumas menções aqui, alguns destaques.
A primeira coisa é dizer que eu estou falando agora, neste momento, aqui do Uruguai. Queria estar aí presencialmente. Na outra ocasião, o Senador Paim já tinha mandado um abraço para o ex-Presidente uruguaio Pepe Mujica, e queria fazer essa homenagem também a ele, estando aqui no Uruguai, e destacar que esse debate não é um debate restrito ao Brasil; naturalmente, é um debate internacional.
Ao longo dos últimos anos, eu tenho participado dos debates no âmbito da OIT. Participei da construção da Declaração da OIT sobre o futuro do trabalho no ano de 2019. No âmbito do Parlamento do Mercosul, também nós temos trabalhado com esse tema, no Mercosul, o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos. Também tenho participado de iniciativas no âmbito da Unesco, que tem uma recomendação sobre a ética na inteligência artificial, e, mais recentemente, nos últimos dois anos, contribuído para os debates no marco das presidências brasileiras no G20 e também no Brics sobre esses temas. E as preocupações são as mesmas. Vocês aqui já falaram delas, não vou aqui repetir o que já foi dito. Vou tentar, inclusive, complementar algumas falas.
O processo é que nós temos três grandes macrotendências no âmbito dos impactos da inteligência artificial no mundo do trabalho. A primeira delas já foi tratada aqui, é o chamado displacement, em inglês, que é o deslocamento de mão de obra resultante dos processos de automação, da aceleração e intensificação dos processos de automação, sobretudo, agora, com a emergência das tecnologias dos sistemas algorítmicos, a que nós chamamos de inteligência artificial.
Nós também temos uma segunda macrotendência que é, inclusive, objeto de debate no âmbito do Poder Judiciário no Brasil e também objeto de debate no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, que é o tema da plataformização das relações de trabalho, que foi bem abordado aqui pela Paula Montagner também. Ao fim e ao cabo, estamos debatendo uma questão relacionada à subordinação algorítmica, bem como a gestão algorítmica, que é o tema que eu gostaria de aprofundar um pouco nesta participação.
E temos também uma terceira macrotendência, que foi também abordada aqui, que é a interação humano-algoritmo, ou seja, cada vez mais nós estamos, no nosso cotidiano, interagindo com sistemas, seja por meio dos dispositivos móveis, ou também agora pela chamada inteligência artificial acoplada, no âmbito da macrotendência da internet das coisas e também do processo de automação dos processos produtivos, que nos exigem uma ressignificação do que nós vamos fazer como humanos, a partir de agora, no âmbito dos processos produtivos, e, ao mesmo tempo, de que forma nós vamos interagir com essas ferramentas para poder aumentar a nossa produtividade. Em função disso é que entra o debate.
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Nós sabemos que há um aumento de produtividade, então por que não distribuir esse aumento de produtividade, no sentido de poder bem dar às trabalhadoras e trabalhadores uma redução da jornada de trabalho, por exemplo, para que tenham tempo livre, como dizia o Pepe Mujica, para cultivar os afetos, para que nós possamos nos dedicar a outras atividades para além das atividades meramente produtivas no âmbito do mundo do trabalho; ou seja, para quê, para quem, que tipo de mundo nós queremos, que tipo de formação nós queremos para as pessoas nas próximas décadas.
Então, nós temos que começar a pensar no marco de alguns conceitos, dentre os quais aqui alguns foram tratados, mas sobretudo no âmbito institucional da chamada governança antecipatória. Nós temos, no âmbito dos Parlamentos, as chamadas comissões de futuro, que vêm debatendo esse tema. Inclusive, aqui em Montevidéu, há dois anos, houve um encontro das comissões de futuro, onde foi emanada uma declaração que tratou desse tema.
É importante que alguém pense o que pode acontecer nos próximos 15, 20 anos, mesmo que nós saibamos que a velocidade avassaladora da inovação tecnológica muitas vezes faz com que ocorra fato de que nós temos as respostas, mas as perguntas são mudadas, esse chamado dilema de Collingridge, ou seja, como é que nós vamos regular um tema que está em franca mutação, em franco avanço. É como se nós estivéssemos trocando um pneu de um carro com ele em movimento. Isso nos desafia fortemente.
Voltando às conversas, eu acho que muitos dos temas que foram aqui tratados, além de temas técnicos, de diagnósticos, como os que foram aqui apresentados, no âmbito da América Latina, a inteligência artificial generativa, segundo a OIT, tende a afetar entre 28% e 36% dos empregos na nossa região. No Brasil, a inteligência artificial generativa, segundo um relatório também publicado no ano passado, pode impactar 37 milhões de empregos, o que significa que é um número bastante alarmante, que nos exige uma ação agora. Não podemos esperar simplesmente que esses impactos se tornem um chamado ponto de não retorno para tentar atuar.
Mas o que eu tenho feito aqui, e que eu gostaria de destacar, é considerar esse tema como uma chave de caráter político. Nós não podemos nos render a uma lógica determinística do mercado ou mesmo, por meio dos discursos das chamadas big techs, simplesmente aceitar e pensar: "Não, tem que ter renda básica, e acabou; ninguém vai ter mais emprego; daqui a 20 anos, não sabemos que tipo de formação vamos dar para as crianças e adolescentes", e simplesmente vamos ter que reagir a essa circunstância e aceitar o processo da automação total por meio dos sistemas de inteligência artificial e da robótica como um dado. Eu acredito que nós temos que começar a pensar, Senador e colegas, no conceito da pós-automação, ou seja, como nós falamos aqui, é óbvio, sabemos que esses sistemas proporcionam automação de processos no âmbito intelectual, no âmbito mecânico, etc., mas nós temos que começar a pensar em que tipo de ação nós vamos fazer para além disso, em que vamos empregar o nosso tempo, o nosso engenho humano e a nossa inteligência, a verdadeira inteligência, que é a inteligência humana, como bem diz o professor e neurocientista Miguel Nicolelis.
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Eu queria aqui trazer algumas coisas muito práticas. Eu tenho feito estudos, uma série de estudos e pesquisas sobre como é que as trabalhadoras e trabalhadores estão se organizando diante desses impactos. Ou seja, é importante que a gente fale aqui dos conceitos, dos princípios, mas é importante destacar a questão de como é que isso está entrando na prática e como os trabalhadores estão se mobilizando dentro desse cenário.
Na outra audiência pública de que nós participamos no ano passado, Senador, eu havia comentado uma conversa que tive com o Pepe Mujica, tive a oportunidade de conversar com ele sobre esse tema. No Rio Grande do Sul, tenho conversado também com o Olívio Dutra, com o Tarso Genro, entre outras figuras, porque é um tema político em que nós temos que começar a pensar. E o Pepe Mujica, certa feita, me perguntou como é que a máquina aprende, como é que se dá o processo de construção de um sistema de inteligência artificial. O Hugo comentou aqui sobre a questão dos dados, que muitas vezes apresentam vieses na aplicação desses sistemas, mas eu gostaria de também destacar que existe uma cadeia produtiva na inteligência artificial. Ou seja, esses dados, para serem treinados, como a gente fala, ou inseridos nos sistemas algorítmicos de inteligência artificial dependem de um trabalho que é eminentemente humano. Há pessoas por trás disso, inclusive trabalhadoras e trabalhadores em condições altamente precárias, inclusive no Brasil, realizando esse tipo de trabalho. E nós temos também em outros países do Sul Global, como é o caso dos países na África, como é o caso da Índia, entre outros locais, onde temos trabalhadores que recebem US$1 por dia para ficar alimentando esses sistemas, submetendo-se, inclusive, a imagens violentas para que nós não as vejamos quando utilizamos uma rede social, como é o caso do Instagram. Alguém tem que ver aquela imagem, saber que é uma imagem violenta, para poder treinar o sistema algorítmico para que a gente, como usuário de um sistema, não a veja. Então, há pessoas trabalhando. E é importante, Senador e colegas, que nós abordemos esse tema e pensemos na questão da cadeia produtiva de IA. Isso tem que entrar nesse projeto.
E um segundo tema que eu gostaria de destacar aqui nesse tempo que temos é a questão dos sistemas de gestão algorítmicos, ou seja, a questão também da chamada subordinação algorítmica e dos sistemas de controle dos trabalhadores, de vigilância, monitoramento e também de tomada de decisão por meio desses sistemas para aquelas pessoas que estão desenvolvendo o seu trabalho. E aí nós temos o trabalho de plataformas como um grande laboratório na implementação dessas ferramentas, mas, sobretudo, nós temos que considerar o fato de que isso não se aplica só aos trabalhadores de plataforma. A primeira coisa a destacar é que trabalhadores de plataformas não são só motoristas e entregadores. Qualquer pessoa que trabalha vinculado a um dispositivo móvel na internet é passível de ser plataformizada. Já estão surgindo plataformas que, por exemplo, estão voltadas para advogados, para que participem de audiências judiciais; nos Estados Unidos, nós temos plataformas para trabalhadoras domésticas; nós temos programadores, ou seja, uma série de trabalhadoras e trabalhadores que vêm sendo plataformizados e que vão se submeter também a esse tipo de dinâmica de subordinação algorítmica. E há alguns outros tipos de trabalho na indústria, no comércio, etc., há uma série de aplicações e de monitoramento por meio de IA.
Nós começamos, só para abordar inicialmente, o monitoramento por câmera, inclusive, com leitura emocional dessas trabalhadoras e trabalhadores; nós temos monitoramento de uso de teclado; nós temos monitoramento de cliques, como aconteceu agora, recentemente, no caso do Banco Itaú, que acabou gerando a demissão de mil trabalhadoras e trabalhadores. Que sistema foi utilizado? Quantas trabalhadoras e trabalhadores foram monitorados para que se chegasse à conclusão de que mil deveriam ser demitidos em função dessa justificativa que foi realizada por parte da empresa? As trabalhadoras e os trabalhadores sabiam que estavam sendo monitorados? Sabiam que havia um sistema que estava mensurando isso?
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Outro dia, eu fui dar uma aula em um curso da OIT, e um aluno chileno que trabalha em um banco falou que ficou sabendo que estavam sendo monitorados - eles receberam um e-mail circular do banco, institucional -, que os e-mails deles estavam sendo analisados por metadados. "Nós estamos sendo monitorados." Eu digo: "Que bom, pelo menos, que você sabe que está sendo monitorado. Muitos trabalhadores sequer sabem que há uma ferramenta algorítmica monitorando o seu trabalho".
Então, é importante que nós nos atentemos a isto, não só para os sistemas voltados para recrutamento de trabalhadores e trabalhadoras - por exemplo, tem uma lei da cidade de Nova York que exige que haja uma auditabilidade sobre os vieses, no âmbito da utilização desses sistemas, para recrutamento de trabalhadores -, mas também no monitoramento da força de trabalho. De que forma vêm sendo utilizados esses sistemas? Com que grau de transparência algorítmica, de explicabilidade, de auditabilidade? São questões fundamentais que nós temos que garantir.
E como os trabalhadores estão se mobilizando com relação a isso? Eles estão se mobilizando e se organizando por meio de ações de formação e também por meio das negociações coletivas. Então, nós temos, Senador e colegas aqui, que garantir o direito à liberdade sindical e à questão da negociação coletiva, como um instrumento fundamental para regular as relações de trabalho, com base nos impactos para cada categoria, porque os impactos não são iguais. Por mais que nós tenhamos a intenção de criar uma regulação, uma legislação nacional, uma declaração internacional que busque englobar a complexidade do fenômeno, será necessária a mobilização dos trabalhadores e das trabalhadoras no âmbito das negociações coletivas, para poder, de certa forma, fazer com que essa implementação tecnológica seja realizada por meio da observância de determinados princípios e perspectiva de direitos. Então, nesse caso, tenho feito uma série de levantamentos no âmbito internacional e tenho escrito artigos sobre isso também.
Quero destacar que, por exemplo... Nós temos exemplos vários no mundo. No Brasil, nós temos o exemplo dos bancários, que conseguiram inserir uma cláusula relacionada à requalificação de trabalhadores e de trabalhadoras, para que possam interagir com sistemas algorítmicos. É um passo interessante, porém a falta de uma cláusula sobre o monitoramento na questão da gestão algorítmica, por exemplo, não gerou a proteção que poderia ter gerado para os trabalhadores do Banco Itaú. Se tivesse uma cláusula que protegesse os trabalhadores, sobre o sistema de gestão algorítmica, de repente a gente poderia ter pelo menos dificultado essa justificativa por parte do banco para gerar essas demissões.
Por exemplo, há o caso dos jogadores de basquete da NBA, que conseguiram criar uma cláusula para que os dados coletados por meio da chamada tecnologia da vestimenta, que são chips instalados na roupa dos atletas, não possam ser utilizados para negociação salarial; não possam ser utilizados para justificar demissões; e, sim, somente para determinados usos, como é o caso do uso tático, para o alto desempenho do esporte, e também para a questão da seguridade e saúde desses atletas. Ou seja, para que estão sendo utilizados os dados?
Há a construção de comissões bipartites e uma série de iniciativas que as trabalhadoras e os trabalhadores vêm realizando e que nós temos que estudar, no marco da experiência internacional e das negociações coletivas, para que nós possamos, aí, sim, encontrar soluções. É muito importante que a gente possa aqui falar de dados macro, de diagnósticos, de dados abrangentes, mas nós temos que começar a pensar dentro de uma chave de caráter prático. E eu acho que observar a experiência internacional e a experiência da negociação coletiva por trabalhadores e trabalhadoras que vem limitando os abusos no uso do controle nos sistemas de gestão algorítmica é algo fundamental.
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Então, encerro por aqui, agradecendo esta oportunidade.
Acho que é importante, Senador, que possamos participar da construção dessa iniciativa sua, justamente para podermos modernizar as relações de trabalho, mas sempre desde a perspectiva de direitos.
Nós nos colocamos à disposição, no âmbito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, onde estou vinculado, como pesquisador, e também na Relatoria de Inteligência Artificial do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Mando um abraço grande para vocês.
Queria trazer essas inquietações e espero poder contribuir no seguimento deste debate.
(Soa a campainha.)
O SR. ATAHUALPA BLANCHET (Fora do microfone.) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. Atahualpa Blanchet, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e da Relatoria de IA do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Agradeço a lembrança do grande Mochila - Mochila é um amigo meu... Pepe Mujica... E o Mochila é um amigo meu, sindicalista lá de Canoas, gente muito fina. Lembrar aqui do Pepe Mujica, do Olívio Dutra e também do Tarso Genro... São grandes Líderes do Rio Grande do Sul. E o Mujica, que já faleceu, também, sempre tivemos nele uma grande referência. Seguidamente, ele estava lá no nosso estado. Tenho uma relação muito próxima ao Olívio Dutra.
Passo agora à Priscila Lauande Rodrigues, Doutora em autonomia privada, empresa, trabalho e proteção de direitos na perspectiva europeia e internacional pela Universidade Sapienza de Roma, com dupla titulação pela Universidade de São Paulo, Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF).
A SRA. PRISCILA LAUANDE RODRIGUES (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada.
Bom dia a todos e a todas.
Agradeço imensamente o convite da Senadora Damares Alves para participar desta audiência pública que trata de um tema tão urgente, que é o impacto da inteligência artificial nas relações de trabalho.
Parabenizo o trabalho desta Comissão na pessoa do Senador Paulo Paim, pela liderança e pela sensibilidade em promover um debate de tamanha relevância, justificando desde já a minha ausência presencial. Estou falando de Roma, mas espero que, mesmo à distância, eu consiga transmitir com clareza a minha contribuição.
Como sabemos, ao longo da história, toda grande transformação tecnológica trouxe consigo uma profunda reconfiguração do trabalho. A diferença desta revolução para as anteriores é que a inteligência artificial automatiza não apenas tarefas físicas, mas tarefas cognitivas e decisórias, alterando o próprio conceito de atividade humana no processo produtivo.
Dentro dessa transição, podemos identificar duas problemáticas centrais que precisam ser tratadas de forma distinta, embora estejam profundamente interligadas. A primeira delas é a automação, já mencionada aqui nas falas que me antecederam, que é frequentemente associada ao temor do chamado fim dos empregos. O que acontece, de fato, é a automação de tarefas específicas dentro das ocupações e não a eliminação automática do trabalho humano.
Como antecipado pela fala contundente da Dra. Paula Montagner, os empregos são compostos por um conjunto de tarefas diversas e a automação dessas tarefas pode ou não levar à extinção de um posto de trabalho. Isso vai depender da relevância da tarefa que vai ser automatizada e também da variabilidade das atividades que compõem essa ocupação.
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As estimativas sobre o impacto da tecnologia refletem apenas a chamada exposição ocupacional potencial, que é uma avaliação teórica do que poderia ser automatizado e não o que efetivamente ocorre na prática. A implementação real depende de fatores concretos como a infraestrutura disponível, custos tecnológicos, qualificação profissional e até prioridades organizacionais que limitam ou retardam a adoção dessas inovações, ou seja, nem tudo que pode ser automatizado será automatizado. Mas essa dinâmica já é suficiente para provocar rearranjos internos nas ocupações, afetando a própria estrutura dos empregos e impondo urgente desafio de lidar com esse risco. Não falamos, portanto, em fim do emprego, mas da substituição seletiva de funções, que tende a ampliar desigualdades e a polarizar o mercado de trabalho entre ocupações altamente qualificadas e atividades que são cada vez mais precarizadas.
Sob essa perspectiva, eu ouso destacar aqui três frentes de atuações que reputo essenciais e que merecem uma atenção prioritária para que a automação não se converta em uma exclusão social. E a primeira delas diz respeito à qualificação e requalificação contínua dos trabalhadores - também já mencionadas aqui na fala do Dr. Hugo Valadares -, mas que têm que compreender todos os setores e níveis para que possam acompanhar e se adaptar às transformações tecnológicas em curso.
É necessário preparar as pessoas para compreenderem como a inteligência artificial afeta o seu próprio trabalho, daí a necessidade de investimentos em programas de literacia digital e inteligência artificial que ajudem os trabalhadores a entenderem o papel dessas tecnologias, suas limitações e os seus impactos. Essa formação deve ir além do uso instrumental de ferramentas. Requer um raciocínio lógico, um pensamento computacional e a capacidade crítica. Aqui nós temos exemplos claros de alucinações de IA, por exemplo, na minha área, quando fazemos uma petição e, às vezes, surge uma jurisprudência que sequer existe. Então, é necessário ter uma compreensão, fazer uma avaliação crítica do que está sendo fornecido pela inteligência artificial. Então, aqui o ideal é que se desenvolva uma estrutura permanente de formação e reciclagem profissional, articulando políticas que vão da educação ao trabalho e à inovação, de modo que as capacidades humanas sejam transformadas e ampliadas, não substituídas.
Uma segunda medida que aponto aqui, que gostaria de destacar, é a criação de políticas de assistência imediata voltadas àqueles que perderam a sua fonte de renda em razão da automação. Isso envolve benefícios sociais, seguro-desemprego, programas de recolocação e, no médio e longo prazo, até o debate sobre mecanismos de renda universal capazes de oferecer proteção em períodos de transição tecnológica acelerada.
Por fim, uma terceira medida é o fortalecimento da negociação coletiva e do diálogo social. Consultas e acordos entre empregadores e empregados podem evitar essas demissões desnecessárias, promover uma redistribuição de tarefas, oferecer um treinamento interno e garantir que a inovação ocorra de forma responsável, humana e sustentável.
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Tivemos recentemente um importante avanço no plano constitucional a partir de duas decisões do Supremo Tribunal Federal que dialogam diretamente com o tema deste debate.
A primeira, também já mencionada, é o julgamento da ADO 73, em que o Supremo reconheceu a omissão do Congresso Nacional ao não editar uma lei destinada a proteger os trabalhadores urbanos e rurais dos impactos da automação. A corte fixou o prazo de 24 meses para que o Legislativo elabore uma norma sobre a matéria, reconhecendo expressamente a necessidade de assegurar a capacitação dos trabalhadores para a nova economia e de criar redes de proteção social para garantir uma transição justa.
A segunda decisão, que menciono aqui também, é o julgamento do Tema 638, de Repercussão Geral, que ainda de forma tímida reconhece a necessidade de intervenção sindical nas hipóteses de demissão em massa. No entanto, para além desse reconhecimento da intervenção sindical, acredito que se faz necessária ainda a previsão de procedimentos obrigatórios, como: a notificação prévia das autoridades competentes; a adoção de medidas concretas para evitar ou minimizar demissões e mitigar os seus efeitos sociais; e a definição de critérios claros e transparentes para seleção, desligamento e prioridade de recontratação. Essas práticas, que são já amplamente consolidadas em diversos países da União Europeia, demonstram que é plenamente possível conciliar competitividade econômica com responsabilidade social, promovendo uma transição tecnológica que respeite a dignidade do trabalhador e que reafirme os valores fundamentais da Constituição.
A segunda questão que trago aqui para este debate diz respeito às transformações, nas relações de trabalho já existentes, que são resultantes da incorporação de sistemas de inteligência artificial no ambiente de trabalho, em especial o chamado gerenciamento algorítmico. Nesse contexto, o que se observa é o surgimento de uma nova dinâmica de monitoramento e vigilância, que é marcada por um controle mais invasivo, permanente e invisível, que possibilita uma avaliação constante e inédita do trabalho humano. Essa vigilância assume múltiplas formas: câmeras inteligentes; softwares de rastreamento de atividades, como registros de navegação na internet, captação de telas digitadas, análises de voz ou de expressões faciais; e sistemas de controle de tempo e produtividade.
Inclusive, na semana passada, como já mencionado, nós acompanhamos nos noticiários um exemplo concreto dessa realidade, que foi a demissão em massa de trabalhadores de um grande banco, motivada pela alegada baixa produtividade no trabalho remoto. Esse episódio evidencia de forma contundente a urgência de uma regulação jurídica que seja capaz de proteger a dignidade do trabalhador diante dessas novas formas de controle digital e monitoramento algorítmico, que muitas vezes operam sem transparência, sem diálogo e sem limites definidos.
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Mas essa lógica de controle não começa nem termina no emprego formal. Ela se manifesta desde a fase do recrutamento, por meios de softwares que são capazes de analisar currículos, interpretar expressões faciais durante entrevistas por vídeos, avaliar entonações de voz e até ranquear candidatos de forma automatizada, ou seja, o controle algorítmico começa antes mesmo da contratação, substituindo esse olhar humano por decisões opacas baseadas em dados e em correlações estatísticas.
Já no ambiente de trabalho, esse controle se intensifica, através de sensores vestíveis, os chamados wearables, que são amplamente utilizados em armazéns e centros logísticos, call centers e outros setores, com o propósito de medir produtividade, classificar desempenho e, em alguns casos, monitorar parâmetros fisiológicos e condições de saúde e segurança.
Por um lado, pode parecer positivo que esses sistemas previnam acidentes de trabalho, analisando distanciamento físico entre trabalhadores, detectando ambientes de risco ou monitorando indicadores fisiológicos como fadiga e ritmo cardíaco. Mas, por outro lado, é indispensável assegurar transparência sobre o tratamento desses dados, seu destino e, sobretudo, sua finalidade.
A coleta massiva de informações corporais e comportamentais, sem um controle claro e um consentimento efetivo, intensifica o poder do empregador e fragiliza o direito fundamental dos trabalhadores à privacidade. Hoje já existem algoritmos capazes de definir em tempo real as tarefas a serem executadas, ordem, duração, prazos, o que interfere, inclusive, na dinâmica entre os membros de uma equipe, reconfigurando o poder diretivo empresarial e impactando diretamente na qualidade e na autonomia do trabalho humano.
Trata-se de um novo paradigma de controle e subordinação, no qual o trabalhador é simultaneamente operador e objeto do sistema, executa tarefas definidas por uma inteligência artificial e, ao mesmo tempo, alimenta essa própria inteligência com seus dados, suas reações e seu desempenho.
Diante desse cenário, é possível identificar quatro dimensões críticas que demandam uma atenção regulatória imediata e uma reflexão jurídica profunda sobre o futuro do trabalho. Algumas dessas questões já são abordadas na Lei Geral de Proteção de Dados, mas não são diretamente relacionadas ao ambiente de trabalho, que é caracterizado pela vulnerabilidade do trabalhador e marcado pelo desequilíbrio das relações de poder.
A primeira delas é a privacidade e proteção de dados. Vivemos hoje o chamado paradoxo tecnológico. Quanto mais o trabalho se transforma autônomo e conectado, mais se intensifica esse controle invisível com a chamada "telessubordinação".
Já estou caminhando para o final.
Por isso, é essencial garantir transparência, responsabilidade e prestação de contas sobre o uso dos dados e decisões automatizadas...
(Soa a campainha.)
A SRA. PRISCILA LAUANDE RODRIGUES - ... ou seja, quais dados estão sendo coletados, como que isso interfere no trabalho, qual a finalidade do processamento de tais dados. Isso implica informar de forma clara sobre o tratamento atual ou futuro, os impactos das tomadas de decisões automatizadas e o limite da definição de perfis.
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Uma segunda questão é saúde e segurança ocupacional. O uso intensivo de tecnologias tem produzido uma sobrecarga cognitiva e emocional, chamado tecnoestresse. A cultura da hiperconexão dissolve essas fronteiras entre vida profissional e vida privada. É urgente prevenir práticas como nudging, a gamificação do trabalho, a datafication do local de trabalho, que ampliam a pressão por desempenho e reduzem essa autonomia humana.
A terceira grande questão, também aqui já antecipada, é a discriminação algorítmica...
(Soa a campainha.)
A SRA. PRISCILA LAUANDE RODRIGUES (Por videoconferência.) - ... algoritmos que podem intensificar essas práticas, por exemplo, reproduzindo preconceitos estruturais a partir de dados históricos, mas que agora atuam de forma exponencial, afetando milhares de trabalhadores com a utilização de um único sistema. Então é necessário, aqui nesse caso, auditorias algorítmicas obrigatórias e regras claras de responsabilização.
O quarto e último ponto aqui que gostaria de destacar é o enfraquecimento da atuação coletiva. A tecnologia não pode substituir o diálogo social. Convenções e acordos coletivos devem prever a participação dos trabalhadores na introdução da IA, consultando os representantes sobre a natureza das alterações, possíveis efeitos e medidas a serem adotadas para evitar ou atenuar os impactos adversos, garantindo dessa forma que a inovação seja acompanhada de justiça social.
Em suma, a inteligência artificial não é neutra. Ela reflete escolhas humanas, interesses econômicos e valores políticos. O PL 2.338 e o Estatuto do Trabalhador são oportunidades para o Brasil afirmar que a tecnologia deve servir à pessoa humana e não o contrário. O desafio, portanto, é garantir que o avanço tecnológico não se faça às custas da proteção social e da dignidade do trabalho.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Parabéns à Dra. Priscila Lauande Rodrigues, Doutora em autonomia privada, empresa, trabalho e proteção de direitos na perspectiva europeia e internacional pela Universidade Sapienza de Roma. Meus parabéns.
Ela deixou no encerramento quatro pontos que eu entendo fundamentais e terminou dizendo que a inteligência artificial tem que ter um vínculo com os direitos humanos, ou seja, com a qualidade de vida da população. Ela não pode vir somente para aumentar a riqueza daqueles que são poderosos. É preciso que ela atenda também os interesses dos trabalhadores do campo e da cidade, repito, numa visão social e humanitária.
Vamos para Nathalie Gazzaneo, Codiretora do Projeto Harvard sobre Força de Trabalho, Futuro do Trabalho, Tecnologia Responsável e Mobilidade Econômica.
A SRA. NATHALIE GAZZANEO (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador Paim. Cumprimento todos os colegas que já fizeram suas exposições. Acho que a Nina ainda vai fazer. Então, Nina, já, já eu passo a bola para você. Agradeço também o convite da Comissão para contribuir com o debate hoje de um tema superimportante.
Eu sou a Nathalie Gazzaneo. Eu sou Diretora do projeto sobre força de trabalho aqui na Universidade de Harvard. Nós somos um centro de pesquisa multidisciplinar, uma colaboração da escola de negócios, com a escola de políticas públicas, com a escola de educação. E nós fazemos pesquisas bastante voltadas para a prática e bastante voltadas a pensar em como a gente pode criar e multiplicar trajetórias, pontes entre educação e mercado de trabalho, com foco especial em bons empregos, que gerem mais oportunidades de ascensão econômica para mais pessoas.
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As nossas pesquisas são bastante focadas no mercado de trabalho dos Estados Unidos; porém, eu estou aqui hoje como brasileira, acima de qualquer filiação e acima de qualquer atributo profissional.
A minha fala vai ser bastante breve e, nos próximos minutos, eu quero compartilhar um pouco das pesquisas com as quais eu tenho tido contato, no meu dia a dia, especialmente as mais aplicadas de todas. Então eu não vou fazer um apanhado geral das pesquisas, mas vou focar bastante nas mais aplicadas, que podem servir para orientar, para inspirar especificamente políticas públicas.
Eu vou começar fazendo uma contextualização, dando um passo para trás, para contextualizar um pouco sobre o estado da adoção da inteligência artificial generativa especificamente, porque a gente só pode falar em impactos no mercado de trabalho a partir do momento em que a gente olha para essa trajetória de adoção. Eu vou compartilhar um pouco mais sobre pesquisas, mais especificamente pesquisas que são experimentais ou que já vêm testando como a inteligência artificial generativa impacta ocupações específicas, ou que são pesquisas quantitativas, que têm olhado, por meio de análises quantitativas, esses impactos iniciais da inteligência artificial no mercado de trabalho de forma mais ampla. Então não vou aqui compartilhar as pesquisas que fazem projeções, que tentam prever o futuro. Já foram comentadas aqui, são uma parte superimportante do debate. Eu vou tentar focar nesses dois tipos de pesquisas, que são onde eu acho que posso contribuir mais, com base no que já foi exposto hoje. E eu vou concluir um pouco da minha apresentação hoje com algumas observações também bastante práticas e com alguns questionamentos, algumas provocações que eu espero que a Comissão continue a se fazer e continue a propor para a sociedade brasileira, à medida que ela, com esse novo regulamento, vai ajudando a desenhar o futuro do trabalho no Brasil.
Começando um pouco com esse aspecto de contextualização, um fato muito importante sobre inteligência artificial generativa é a rapidez da adoção pelas pessoas, no universo do uso individual. Quando a gente fala de adoção por grandes organizações é uma outra história, que é bastante relevante para o mercado de trabalho também. Eu não vou entrar nos detalhes hoje, mas, quando a gente observa a trajetória de adoção da inteligência artificial, a gente vê o quanto ela é acelerada, sem precedentes históricos com relação a outras tecnologias de uso geral, como a internet e os computadores.
Só para a gente traçar uma linha do tempo, assim, bem rápida, a primeira ferramenta de inteligência artificial generativa de uso massificado foi lançada no final de 2022, certo? Então a gente tem pouquíssimos anos, desde esse marco histórico. Sobre a taxa de adoção de ferramentas de inteligência artificial generativa em geral no mercado americano, os números de adoção nos Estados Unidos são comparáveis ao que demorou quase dez anos para os computadores pessoais atingirem. Então é bastante rápido, comparado com outras tecnologias.
Se a gente olha, especificamente, só para o ChatGPT, que é, possivelmente, a ferramenta de IA generativa mais adotada no mundo, e com base em pesquisas super-recentes, das últimas semanas, o que a gente percebe é que, com base nessas pesquisas, quase 10% da população mundial usam ChatGPT. Quando a gente...
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Também o que foi exposto nessas pesquisas foram falas que mostram que uma ferramenta superutilizada pela nossa geração e mesmo pelas anteriores, que é a ferramenta de busca do Google, demorou quase oito anos para atingir um marco de 1 bilhão de buscas diárias, e esse mesmo marco de 1 bilhão de mensagens diárias foi atingido pelo ChatGPT próximo de dois anos depois do primeiro lançamento em massa do ChatGPT, no final de 2022.
E isso não é algo que está muito distante do Brasil, não. Também a última pesquisa da OpenAI sobre a adoção das suas ferramentas, que foi lançada dias atrás, poucas semanas atrás, mostra que as taxas de uso semanal do ChatGPT por pessoas com acesso à internet em países emergentes e de renda média, como o Brasil, são bastante similares às taxas de uso em economias mais avançadas. Então a realidade da adoção está acontecendo. A gente está aqui debatendo esse tema, e ela está acontecendo de forma acelerada, como tantos colegas hoje já demonstraram.
E o que é que as pesquisas experimentais, as pesquisas que olharam, as pesquisas que quase formaram pequenos laboratórios e falaram "tudo bem, deixe-me entender o que é que acontece quando equipes em ocupações específicas começam a usar inteligência artificial" revelaram até o momento? Tudo muito inicial, de novo, porque, na linha do tempo, a gente está ali no começo - embora a trajetória de adoção seja muito acelerada, a gente está no começo da história -, mas o que é que essas pesquisas experimentais já perceberam e já documentaram e qual que era a pergunta a que elas estavam procurando responder?
A pergunta a que elas estavam procurando responder é mais ou menos esta: "O que é que acontece com a lacuna de experiência de trabalhadores, em diferentes ocupações, que estão usando ferramentas de inteligência artificial generativa e que não estão usando?". A gente sabe que a aquisição de expertise, a aquisição de especialização, dentro de uma determinada ocupação, exige esforço e, em geral, exige tempo. A gente demora tempo para ficar bom naquilo que a gente é. E, de forma bastante geral também, simplificando a questão econômica por trás disso, quanto mais expertise alguém tem, quanto mais expertise alguém demonstra, o ambiente de trabalho tem, isso se traduz também em maior produtividade, do ponto de vista individual e do ponto de vista organizacional. Quem sabe mais ganha mais, e organizações que fazem um trabalho mais especializado em geral também produzem mais riqueza - e produzem riqueza de forma mais rápida também.
Mas o que é que esses estudos demonstraram? O Pedro Fernando Ferreira deu uma ótima introdução a esse tema e já trouxe esse assunto, que mostra que, dentro dessas pesquisas experimentais, a IA generativa pode ser um elemento nivelador de habilidades e pode beneficiar quem tem menos habilidade, para que essa aquisição da expertise e da experiência, esse gap que existe entre você estar começando a aprender algo e você ser um especialista em algo, diminua.
Por exemplo, pesquisas feitas sobre o uso de inteligência artificial generativa em ocupações específicas, como por corretores de seguro de saúde, por consultores, por pessoas que trabalham em serviço de atendimento ao cliente mostram que, se você comparar quem se beneficia mais de IA, quem tem menos experiência proporcionalmente se beneficia mais do que quem tem mais. Então, isso é bastante encorajador. A IA pode ajudar a nivelar quem sabe menos com quem sabe mais, de forma mais rápida. E isso é especialmente verdade quando as pessoas têm um bom sistema de calibragem sobre elas mesmas, um pouco de autoconhecimento sobre as suas próprias habilidades, sobre o que elas sabem e o que elas não sabem.
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Porém, esses resultados não são unânimes. Isso não acontece de forma unânime em todas as ocupações que foram testadas, em que o uso da IA generativa foi testado. Também dentro dessa área de pesquisas experimentais, foi demonstrado que, na verdade, a IA pode ter o efeito contrário, que é o de justamente beneficiar quem já tem um nível de especialidade muito elevado dentro de uma determinada organização.
Por exemplo, em outra pesquisa também feita por um doutorando no MIT sob orientação do David Autor - o Pedro Fernando também comentou bastante sobre ele -, ele estudou uma grande empresa americana que passou a usar um produto de IA generativa para criar novos materiais. E ele demonstrou que os cientistas, os pesquisadores de pesquisa e desenvolvimento dentro daquela unidade de descoberta de materiais que mais se beneficiavam, que conseguiam gerar melhores resultados com o uso de IA generativa eram os que já tinham mais especialidade, ao contrário das outras pesquisas de que eu falei anteriormente. Então esses funcionários mais experientes se beneficiaram mais; porém, eles mesmos reportaram que se sentiam menos satisfeitos com o trabalho, como se eles tivessem quase que prazer naquele esforço intelectual e profissional mesmo de chegar a novos materiais pela própria iniciativa, sem necessariamente a ajuda dessa ferramenta.
Esse é um universo de pesquisas bastante recente, que estão bastante na mídia, que são bastante comentadas aqui.
Outro universo de pesquisas que são ainda mais recentes tenta explorar esta pergunta que está no pensamento de todos nós brasileiros e que eu imagino que esteja bastante nas discussões da Comissão também: as pessoas estão perdendo os seus trabalhos - ou elas já estão perdendo, quase três anos depois do lançamento da primeira ferramenta de IA generativa em massa -, as pessoas já estão perdendo seus empregos por causa da integração dessas ferramentas de inteligência artificial no dia a dia do trabalho? E aí, de novo, as pesquisas... É tudo tão novo que elas mostram cenários não unânimes, dependendo do objeto que está sendo estudado. Então, por exemplo, pesquisas que olharam para desemprego e para mudanças nas dinâmicas de trabalho em ocupações específicas, como as ocupações de desenvolvedores e de áreas de suporte ao cliente, têm mostrado que, quando essas atividades têm uma exposição grande à inteligência artificial... E o que significa ter uma exposição grande à inteligência artificial? Muitas das tarefas que fazem parte da constelação dessa determinada ocupação podem ser substituídas mais do que aumentadas por ferramentas de IA. Então, essas pesquisas mostraram que sim, que algumas pessoas vêm perdendo o seu emprego por conta da adoção de IA, especialmente dentro de um recorte de pessoas em início de carreira. Pessoas, trabalhadores com seus 22, 25 anos, que antes conseguiam entrar numa área que tinha bastante demanda por desenvolvedores ou uma demanda significativa por área de suporte ao cliente, agora, desde o final de 2022, vêm vivendo um declínio das vagas de início de carreira nessas ocupações.
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Outras pesquisas que olham para o mercado americano de forma mais abrangente, não para ocupações específicas, mas para níveis gerais, para mudanças gerais da composição das ocupações nos últimos três anos, já mostram um cenário que é de muito mais estabilidade e continuidade do que de colapso do mercado de trabalho por conta de IA. Isso não significa que no futuro isso vá continuar sendo assim. Esses são sinais iniciais, mas essas pesquisas apostam em algo que eu acho muito valioso, que é olhar para o presente e descobrir informações confiáveis e validadas sobre o presente, sobre os impactos presentes da IA no mercado de trabalho como o melhor sinal para entender o que vai acontecer no futuro imediato e se preparar para o futuro imediato.
Já seguindo para as minhas conclusões e provocações finais, o que a gente vê é que, à medida que esses efeitos da IA generativa vão sendo estudados e vão sendo documentados por pesquisas experimentais e por pesquisas quantitativas, ela já vem sendo adotada de forma muito rápida... E a Dra. Paula Montagner também falou sobre isso. É preciso que a gente invista com seriedade na geração de evidências confiáveis e ágeis que acompanhem essa velocidade na medida do possível e que olhem especificamente para o mercado de trabalho brasileiro, com todas as suas idiossincrasias, com todas as suas especificidades, inclusive o tamanho da formalidade e da informalidade do nosso mercado, o tamanho da nossa população jovem e a nossa janela de oportunidade demográfica e tantos outros aspectos que são específicos de Brasil.
Ao mesmo tempo em que a gente tenta entender, não dá tempo de entender perfeitamente a situação, ter a pesquisa mais primorosa antes de agir. À medida que a gente vai aprendendo e entendendo esses efeitos, é preciso também agir para ajudar a orientar e a modelar esses efeitos no mercado de trabalho, sempre tendo em mente a tentativa de ampliar os efeitos que podem diminuir desigualdades e mitigar os efeitos que são reprodutores de desigualdades.
Alguns pontos de partida bastante sólidos para construir isso incluem investir na melhoria da conexão entre educação e treinamento de força de trabalho e as necessidades reais e atuais do mercado de trabalho brasileiro; investir no desenvolvimento de habilidades que são cruciais para trabalhar de forma mais produtiva com inteligência artificial em equipes - e isso vai muito além de só treinar as pessoas em áreas técnicas, isso inclui muito desenvolver habilidades sociais como o pensamento crítico, a comunicação, o trabalho em equipe, a tomada de decisões sobre a alocação de recurso -; e...
(Soa a campainha.)
A SRA. NATHALIE GAZZANEO - ... pensar como a gente forma, ao longo de toda uma vida, os talentos brasileiros para ocupar bons trabalhos, pensando de forma expansiva e não apenas em caminhos únicos para formação para o mercado de trabalho.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dra. Nathalie Gazzaneo, Codiretora do Projeto Harvard sobre Força de Trabalho, Futuro do Trabalho, Tecnologia Responsável e Mobilidade Econômica, que centrou a sua fala em pesquisas que mostram que pode, sim, gerar desemprego, mas que também apontam um outro caminho em que, com a formação, com a preparação, poderemos diminuir o impacto desse desemprego.
No momento, eu passo a palavra para a última convidada, Nina da Hora, Cientista de Computação e Pesquisadora brasileira.
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A SRA. NINA DA HORA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, gente.
Obrigada, Senador Paulo Paim. Obrigada pelo convite também que eu recebi em nome do senhor. Obrigada a todos os colegas que, de alguma forma, contribuíram para a última fala ser mais tranquila, porque acho que já teve diversos aspectos compartilhados. Obrigada à Nathalie pelos pontos colocados - tem muitas concordâncias, e isso me ajudou também aqui a diminuir um pouco alguns temas que eu vou trazer - e também ao Atahualpa, que trouxe alguns pontos que eu achei muito interessante, principalmente em relação à jornada do trabalho, a discussão da diminuição da jornada 6x1.
Então eu vou tentar organizar a minha fala entre... Eu vou enviar, eu vou precisar compartilhar a tela. Aí, se alguém puder liberar para eu compartilhar a tela... Se não, eu não compartilho, só falo aqui.
Eu queria centrar a minha fala em dois aspectos: primeiro, de um ponto de vista da universidade, da pesquisa, melhor dizendo, e de um outro ponto de vista da sociedade civil. Eu sei que a gente sempre tenta separar os setores em algumas caixinhas e esquece que, sem a sociedade, a gente não consegue...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Dra. Nina, a senhora já pode compartilhar a tela, segundo informação da assessoria.
A SRA. NINA DA HORA (Por videoconferência.) - Obrigada, Senador.
Eu vou tentar trazer a minha fala para dois aspectos: primeiro, da universidade, da pesquisa; depois, da sociedade civil.
Eu acho que a gente se empolga um pouco com a pesquisa na área da IA. Eu sou pesquisadora em IA, e algumas universidades foram citadas aí, né? Sou formada na PUC-Rio, faço pesquisa na Unicamp. São universidades de ponta, são universidades que estão ajudando, inclusive, na implementação do Pbia, mas a gente não pode esquecer que, sem a sociedade organizada, muito bem letrada e que possa ter acesso ao que nós estamos discutindo aqui, nenhuma dessas ideias que foram colocadas aqui, nenhuma das críticas, nenhuma das possibilidades que foram colocadas aqui vão fazer sentido.
Então eu vou tentar dividir um pouco a minha fala nesses dois aspectos e com foco nos direitos dos trabalhadores, tá?
Antes, eu queria trazer uma provocação de que nós estamos falando de uma área que é emergencial, é uma área emergente e transversal. A inteligência artificial, apesar de, de forma datada, ter sido amplamente referenciada, desenvolvida na década de 60, para chegar ao ponto em que nós estamos hoje, é considerada uma área emergencial para os fazedores de política científica. Então os fazedores de política científica e a própria economia vão trazer a IA como uma área emergencial, porque nós ainda estamos estabelecendo princípios, regulações, políticas, para poder você conseguir trabalhar com essa área para além da pesquisa.
É uma área transversal, e aqui eu coloco algumas áreas, para que a gente consiga colocar mais a perspectiva no chão, basear um pouco com os pés no chão, porque nós não estamos falando de um conceito totalmente da engenharia, ou da matemática, ou da ciência da computação, que é a minha formação. E eu reconheço que esse aprendizado é um aprendizado que tem sido muito importante para mim enquanto pesquisadora, enquanto pessoa que traz provocações da sociedade civil para a construção de políticas, para que a gente saia dessa mentalidade da matemática e da engenharia. Então, para a gente evoluir a inteligência artificial, nós precisamos entender que ela é um fenômeno social, político e econômico, justamente por todos os pontos colocados aqui dos setores que ela está influenciando. E não é à toa que nós estamos discutindo aqui, no âmbito dos direitos dos trabalhadores. Então, eu coloquei a antropologia, mas tem a psicologia, tem estudos da linguagem, tem a própria história. Então nós temos ali um conglomerado de outras áreas que estão ajudando a construir a inteligência artificial e ajudando a construir as perspectivas do futuro para essa implementação.
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E aí eu vou ser mais rápida aqui, porque muitos já trouxeram dos impactos concretos.
A gente tem impactos concretos hoje, que são a substituição de tarefas e o aumento do controle algorítmico - o Atahualpa trouxe o conceito da subordinação algorítmica. Então, ao mesmo tempo que nós estamos discutindo a implementação e a substituição de tarefas consideradas mecânicas, repetitivas, nós estamos implementando, de certa forma, se não tomarmos cuidado em antecipar esses riscos, uma subordinação em um controle algorítmico. Então, nós temos alguns exemplos: carros autônomos, recrutamento automatizado, chatbots psicológicos, que vendem essa ideia de terapia; em muitos ambientes de trabalho, isso já está sendo implementado, só que a questão é em que condições e sob quais princípios isso está ocorrendo.
Então, quando a gente fala de carros autônomos, por exemplo, da substituição de motoristas em carros, caminhões e ônibus, nós estamos esquecendo quais são as condições em que essas substituições podem acontecer. Quando a gente fala da área de logística, das estradas brasileiras - e aqui eu vou situar tudo no Brasil; trazer exemplos de fora é importante, mas nós estamos no Brasil -, quais são as condições das nossas estradas, quais são as condições dos entregadores, dos caminhões, para receber esse tipo de substituição? Então, eu estou trazendo um exemplo um pouco fora da realidade com que nós estamos acostumados de exemplos de carros autônomos, para que a gente comece a trabalhar as condições do Brasil para receber esses avanços.
Alguns outros pontos são em relação ao monitoramento algorítmico e direitos. Então, dentro do direito, da legislação hoje e dos direitos dos trabalhadores, nós temos poucas explicações sobre esse uso de IA para medir produtividade e comportamento, porque nós não estamos conseguindo correlacionar quais as condições e quais os impactos psicológicos para quem está passando por esse tipo de medição: os direitos da privacidade, a desconexão, a transparência e a revisão humana. O que eu estou querendo trazer com revisão humana? Quando você recebe uma revisão de um trabalho, um feedback de um recrutamento automatizado, qual é o impacto disso para o seu aprendizado para a frente, para as próximas aplicações de vagas? E qual o aprendizado para a própria empresa que está fazendo isso? E a regulação deve garantir esses direitos. Então, acho que tem um ponto que vai além da discussão de inovação: que a inovação acontece por meio de princípios baseados nos direitos humanos, o que tem sido o nosso posicionamento enquanto Conselhão da Presidência e o próprio posicionamento do Presidente, como foi lembrado pelo Senador.
Aqui eu vou começar a trazer algumas relações que eu fiz. Eu tive a oportunidade de participar do evento da Frente de IA com Direitos Sociais, com a frente de direitos dos trabalhadores, na Universidade Federal do ABC. E aí foram dois dias: um dia foi em uma das metalúrgicas do ABC e outro foi na Universidade Federal do ABC, com os sindicatos. Além da defesa que está sendo colocada aqui, das 32 horas sem redução salarial, de melhores condições de trabalho, nós tínhamos uma urgência - e aí foi um convite do Prof. Sérgio Amadeu também, da UFABC - de você conseguir explicar para os sindicatos e para os trabalhadores o que é inteligência artificial e qual é a relação da produtividade da IA que está sendo disseminada nos espaços que nós estamos trabalhando com a liberação de tempo de vida desses trabalhadores. Por quê? Porque a forma como a informação chega para esses trabalhadores envolve um certo desespero em relação ao desemprego, em relação à substituição.
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Então, assim, reduzir a jornada para ter mais automação não é o propósito da discussão da jornada 6x1 e da implementação de boas práticas para você fazer essa transição do uso da IA em determinados empregos. É reafirmar o tempo como direito social. Então essa transição não pode acontecer como aconteceu nas transições passadas, o que foi muito bem lembrado por um dos colegas, que foi a transição de empregos substituídos que tiveram uma mudança, um avanço, só que essa substituição, esse avanço e essa mudança não tiveram preparo, como nós estamos nos colocando à disposição agora de pensar isso com princípios, com preparo.
A Frente IA com Direitos Sociais, e aí foi uma participação, deixo aqui o link do manifesto, porque eles fizeram o manifesto sindical, trazendo a importância da participação desses atores nessa discussão e como a ciência e a sociedade devem dialogar diretamente. Então, quando nós estamos no espaço da universidade, espaços de sala de aula, no passado, era muito comum você trazer isso como um palco, né? Então você tinha ali uma certa hierarquia para trabalhar esses conceitos com a sociedade; e agora, quando a gente traz à discussão soberania científica, soberania nacional, nós estamos trazendo a ciência nacional a partir da visão da sociedade, a partir das diversas regiões do Brasil. E, quando a gente faz isso, a gente começa a aterrizar que esses conceitos, essa forma de explicar, de democratizar o conhecimento, têm passado por mudanças que nos provocam, enquanto pesquisador, a participar de organizações como essas. Então, estar num evento da frente de direitos sociais do trabalhador me tira essa certa proteção que pesquisadores e acadêmicos têm de conseguir receber a provocação e fazer uma devolutiva, um entendimento de que o nosso trabalho intelectual é um trabalho e nos caracteriza como trabalhador. Então, essa interlocução, esse contato, essa conversa é tão importante quanto o nosso esforço intelectual, muitas vezes isolado da sociedade.
E agora algumas lacunas que eu identifiquei nessa relação com a pesquisa e com a oportunidade da troca com os trabalhadores: nós temos projetos de leis; nós temos ferramentas de auditoria, então a Profa. Sandra Avila, em outro ponto, que é a minha orientadora, trouxe algumas soluções e ferramentas de auditoria de dataset que nós já trabalhamos na computação; nós temos princípios éticos que estão sendo construídos na Unesco e que estão sendo compartilhados entre a Unesco e especialistas de diversas regiões do país, então hoje a gente tem o Brasil muito bem representado nas comissões de ética, a nível global, só que falta uma fiscalização, direitos adaptados, requalificação, o que foi pontuado em algum momento aqui, da perspectiva do letramento digital, e uma cultura de codecisão. E aí começo a trazer algumas provocações de quando a gente levanta riscos de discriminação: violação de direitos autorais e de personalidade, diversos vieses, os acidentes causados por carros autônomos, a IA que substitui psicólogos e professores, o impacto disso a longo prazo nas crianças que estão hoje sendo alfabetizadas nas escolas, a longo prazo, o impacto disso para os profissionais que vão chegar até a universidade, nos respectivos empregos. Nós não precisamos isolar que essas decisões sejam tomadas sem a coparticipação desses atores que estão sofrendo diariamente o dia a dia desse impacto, enquanto nós estamos discutindo quais serão as melhores decisões de implementação e uso da IA.
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Então, tem uma lacuna, e eu retorno nesse eslaide, dessa codecisão. Para chegar numa requalificação, a gente precisa entender o que essa requalificação significa. Propostas centrais, que são propostas já colocadas por outros colegas da sociedade civil, até quando esse projeto estava sendo discutido na Câmara, e agora é a oportunidade de tentar discutir um pouco mais no Senado, que são as negociações coletivas da IA com as empresas. Então, quando a gente traz a perspectiva nacional de implementação, nós não precisamos isolar que vai ser uma relação somente de empresas privadas com universidades, principalmente as universidades públicas, que têm um papel muito importante na sociedade, em termos de disseminação de conhecimento e, muitas vezes, de conseguir concretizar, conseguir traduzir o que está sendo trabalhado nessas negociações. Então, tem o direito à explicação, é um recurso humano ter direito à explicação do que está sendo implementado, das decisões que estão sendo tomadas, auditorias independentes, requalificação garantida. Quando eu olho o planejamento do Pbia para a área de educação e saúde, podemos ter diversos pontos a discutir sobre isso, mas um ponto adequado à discussão que nós estamos fazendo de direito do trabalhador é você conseguir garantir que tenha uma explicação, que tenha uma auditoria dentro desses projetos, para que essas soluções não cheguem como uma substituição, que não é a proposta da discussão da diminuição da jornada de trabalho. Então, a gente não pode esquecer os princípios que estão sendo colocados nessa discussão quando a gente fala de inteligência artificial. E a redução de jornada sem perda salarial, por exemplo, é um dos princípios que estão sendo discutidos, como o Senador lembrou muito bem.
Tem alguns pontos que são mais diretos dessa relação que é fazer a pergunta: "Quem ganha com a automação?". Foram colocados diversos exemplos ao longo da nossa jornada enquanto cidadãos, enquanto pessoas, dessas substituições, só que todas essas substituições, como eu já disse, passaram por esse processo de automação sem uma discussão prévia dos princípios, e agora a gente está podendo fazer essa discussão, antes de tomar determinadas decisões. Então, nós temos que tentar liberar esse pensamento, essa promessa de liberar o ser humano de tarefas repetitivas para uma prática um pouco mais humanizada de debate, que é quando você diminui essa perspectiva do controle e da pressão por produtividade e você começa a trabalhar, de fato, o que nós estamos falando de saúde, chamando de saúde do trabalho, fadiga, dignidade. Então, assim, pegar os últimos casos de aumento de acidentes de trabalho, de burnout, afastamentos por burnout no Brasil, o que aumentou em 30% da pandemia até 2025, que são preocupantes. Então, quando a gente substitui essa promessa, que é uma promessa com uma visão muito focada no lado das máquinas e dos algoritmos, e substitui para olhar a partir do lado do ser humano, a gente começa a fazer algumas perguntas. É o aumento da produtividade ou a diminuição da produtividade que é o debate, ou você conseguir diminuir o impacto na saúde do trabalhador, os impactos negativos na saúde do trabalhador? A redistribuição em tempo de vida é a mesma coisa que liberar o ser humano de tarefas repetitivas? E o que nós estamos chamando de tarefas repetitivas?
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Então, acredito que uma provocação interessante para as discussões - e que eu já vi outros colegas, em outras oportunidades, fazerem - é a gente conseguir elencar e descrever o que nós estamos chamando de tarefas repetitivas, porque senão a gente vai englobar tarefas que não são repetitivas como tarefas repetitivas e fazer uma substituição em massa, causando o desemprego. E pelo que eu tenho acompanhado da discussão, não é esse o caminho quando a gente fala do desafio da diminuição da jornada 6x1.
Então, acho que eu salvei alguns minutos, propositalmente, para dar tempo - se for ter perguntas ou outras intervenções dos colegas que possam ter se lembrado depois, no final da fala. Mas, mais uma vez, obrigada pelo convite. É uma pena não estar em Brasília com vocês, mas tem outros compromissos acontecendo, que impossibilitaram essa viagem.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. (Palmas.)
Nina da Hora, cientista de computação e pesquisadora brasileira, que enfatizou algo muito importante - penso eu também: a luta sindical. A regulamentação passa por muito diálogo com o sindicalismo. E enfatizou também que é importante acabar com a escala 6x1, mas que é uma decisão política e ética a redução de jornada sem redução de salário. Por isso que está na ordem do dia em todo o Brasil, e milhões de pessoas hoje estão participando - principalmente pelas redes - desse debate.
Vamos em frente. Agora vamos para o encerramento.
No encerramento, como estamos já com o horário avançado, eu farei da seguinte forma: por uma questão de norma, quem está presidindo sempre faz um breve relato do material que chega pelo e-Cidadania; e depois os convidados que estão aqui na mesa vão, cada um, escolher uma ou duas perguntas, mas terão um tempo de três a cinco minutos para as considerações finais.
Às perguntas.
Clara, de São Paulo: "Há previsão de transparência e responsabilização das empresas quanto ao uso de algoritmos e sistemas de inteligência artificial?". É uma pergunta.
Mariana, do Paraná: "Como garantir transparência e ética no uso de IA para decisões trabalhistas, como contratações e demissões?".
Oswaldo, do Rio de Janeiro: "Estão sendo analisados os impactos econômicos e previstos meios de viabilizar economicamente o novo estatuto?". Está se referindo aqui ao Estatuto do Trabalho, que está em debate há mais de sete anos, e não sei quanto tempo vai levar ainda.
Marisandra, do Rio Grande do Sul: "Quais são os principais desafios para regulamentar novas formas de trabalho digital e por aplicativo?". Ainda Marisandra, do Rio Grande do Sul: "Como o estatuto aborda o direito à desconexão e os limites da jornada em ambientes digitais?".
Raíssa, do Mato Grosso: "Como garantir que a redução da jornada de trabalho não leve a cortes de salários ou precarização do emprego?".
Félix, do Acre: "Qual a preocupação com as cotas mínimas de trabalho humano em empresas, articulação com classes profissionais e controle do uso das IAs"?.
Fábio, de São Paulo: "Como o novo estatuto protegerá trabalhadores substituídos pela inteligência artificial e garantirá renda durante essa transição?".
Essas são as perguntas. Aqui só os comentários que faço, mas não há necessidade de responder.
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Luís, de São Paulo: "[É preciso] [...] acabar com a escala 6x1 e aprovar a escala 5x2, para dar melhor qualidade de vida aos trabalhadores em geral".
Fernando, do Rio de Janeiro: "As funções que mais sofrem com a jornada são as mais baixas e extremamente exaustivas, então precisam de [uma] maior compreensão".
Murilo, de São Paulo: "Sobre os princípios e direitos fundamentais: o texto é ambicioso, mas carece de mecanismos claros de implementação [...] e monitoramento".
Adilson, do Paraná: "Sou contra, pois de alguma forma o empregador terá que repassar os custos desse empregado [...], causando inflação".
Maurício, de São Paulo: "É um absurdo o estado querer interferir na negociação entre empregador e trabalhador, ambos sabem se entender [...]".
Jorge, do Rio de Janeiro: "O novo Estatuto do Trabalho deve equilibrar inovação tecnológica e proteção social".
Cleyton, do Amazonas: "Não adianta pensar em reduzir a jornada de trabalho sem mudar o sistema de salário mensal, precisamos implantar [...] hora trabalhada".
Agora é com os senhores que estão aqui na mesa.
Começamos de novo com o Sr. José Carvalho, Defensor Público Federal de Categoria Especial e Coordenador do Comitê de Modernização Tecnológica da Defensoria Pública da União.
O SR. JOSÉ CARVALHO (Para expor.) - Se os colegas me permitirem aqui, eu pego a pergunta da Sra. Mariana, acho que é a melhor pergunta de todas. Ela coloca assim, a Mariana, do Paraná: "Como garantir transparência e ética no uso de IA para decisões trabalhistas, como contratações e demissões?".
Bem, o Senado, recentemente, encaminhou à Câmara o projeto sobre regulamentação geral do uso de inteligência artificial, e lá consta uma ideia geral de identificação de riscos e mecanismos de gestão de riscos, da atuação e do implemento dessa forma de inteligência artificial. Até o Dr. Thiago Gomes, na fala dele, colocou bem a preocupação em questão relacionada à identificação de riscos e mecanismos de gestão de riscos.
É claro que o ambiente de trabalho coloca o trabalhador sob condições diferentes, de modo que será necessário, creio eu, reestudar algum desses parâmetros de gestão dos riscos no ambiente de trabalho, estudar a quais riscos os trabalhadores estão suscetíveis e qual o mecanismo de gestão de riscos para avaliar esses riscos, que pode ser o mesmo do PL já enviado do Senado para a Câmara ou podem ser outros, isso tem que ser estudado.
E aí, um outro ponto que a Sra. Mariana coloca é como garantir a transparência.
Garantir transparência eu acho um pouco forte, não é? Garantir a transparência. Mas eu colocaria, só para exemplificar esse ponto aqui, uma questão, um ponto bem conhecido do pessoal que estuda aprendizagem de máquina, o pessoal da ciência da computação que estuda aprendizagem de máquina - que não aconteceu aqui no Brasil -, que é uma questão simples de análise de crédito, em que um algoritmo de inteligência artificial tinha a simples função de deferir ou indeferir crédito, conforme o potencial de que aquela pessoa não pagasse o empréstimo bancário. E aí, um defensor de direitos civis - isso foi lá nos Estados Unidos - identificou que esse algoritmo de análise de crédito discriminava, segundo a classificação que eles têm lá, afro-americanos e hispânicos, de uma forma muito tendenciosa; eles puxaram um relatório e identificaram que o algoritmo discriminava afro-americanos e hispânicos.
E aí, parece que a entidade financeira, com boa vontade - aparentemente, o que se indica é que com boa vontade -, tentou resolver o problema. E como eles resolveram o problema?
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ CARVALHO - "Não, vamos excluir do banco de dados, vamos dizer, uma coluna onde constava a identificação das pessoas que solicitavam o crédito" - e ali naquela coluna do banco de dados, que alimenta a inteligência artificial, constavam as informações justamente de que as pessoas eram brancas, afro-americanas ou hispânicas. Então, se excluiu isso. Anos depois - eu não sei se um, dois, três, alguns anos depois -, uma matemática foi avaliar a questão do uso desse algoritmo na instituição financeira e descobriu, por uma análise empírica, que os negros e os hispânicos estavam sendo preteridos na análise de crédito, e ela foi analisar o algoritmo. Analisando o algoritmo, ela percebeu que o peso para a análise de risco era dado em razão do endereço onde as pessoas moravam, e não por aquele critério do banco de dados no qual constava a etnia da pessoa. E aí, o que acontece? E os endereços onde o banco de dados, onde o algoritmo identificava o maior risco eram justamente aqueles endereços, os bairros onde morava a população identificada como afro-americana e hispânica.
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Então o que eu quero colocar com esse exemplo clássico aqui? É um exemplo simples de inteligência artificial, de inteligência de máquina, era uma classificação binária - defere ou não defere o crédito; os dados eram plenamente rotulados e classificados, você conhecia os dados plenamente, quais eram; e aconteceu isso. Imagina agora, nesse novo viés, nesse novo desenvolvimento - isso já tem alguns anos - em que nós temos redes neurais e um aprendizado de máquina profundo, e nem sequer nós temos os dados classificados quais são.
Então eu creio que para garantir essa transparência... não sei se é possível garantir uma transparência, mas provavelmente vai ter que ter um diálogo entre os defensores de direitos civis, os defensores de direitos humanos aqui no Brasil e o pessoal da TI, o pessoal de aprendizagem de máquina e o pessoal da ciência da computação, para, de fato, entender como é que são esses dados e como é que a gente vai tratar para tentar dar maior transparência ou melhor tradução da forma desse processamento da inteligência artificial. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dr. José Carvalho, ficou no tempo combinado. Meus cumprimentos.
De imediato, eu vou para o Dr. Thiago Gomes Marcílio. Três minutos, com tolerância até cinco.
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO (Para expor.) - Perfeito. Agradeço novamente a oportunidade, o convite da Comissão de Direitos Humanos ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
E a pergunta a que eu vou responder é da Clara, de São Paulo, foi a primeira lida pelo Senador: "Há previsão de transparência e responsabilização das empresas quanto ao uso de algoritmos e sistemas de inteligência artificial?". O Dr. José Carvalho indicou que sim, já existe uma proposta para transparência e para responsabilização.
O Projeto 2.338, que se originou aqui no Senado e está tramitando na Câmara, está tramitando numa Comissão Especial e, depois dessa avaliação, da aprovação do relatório final, o projeto vai retornar aqui para o Senado. E dentro do 2.338, a gente tem o art. 37, que vai tratar do regime de responsabilidade. Então vou retomar: esse artigo fala da inversão do ônus da prova. Então, em vez de a pessoa que sofreu o dano provar que a ferramenta de IA causou o dano, a empresa que gerou o sistema terá de fazer uma prova indicando que aquele dano não se originou de uma falha do sistema. Então isso é importante porque é uma ferramenta do regime de responsabilidade brasileiro que viabiliza a possibilidade de que uma pessoa que é hipossuficiente ou que tem menos conhecimento consiga se defender num cenário em que a ferramenta cometeu algum erro.
Qual é o destaque que eu vou fazer? O 2.338 também faz remissão, indica o regime de responsabilidade do Código Civil, no art. 36, o que era de se esperar. Só que também é preciso ficar atento com o projeto do novo Código Civil, que tramita aqui no Senado, numa Comissão Especial. E aí esse novo Código Civil tem um livro de digital, essa é a proposta. E num capítulo específico, existe o art. 927-A, que traz uma indicação bastante interessante. Ele lista que quem cria o risco está obrigado a conter os danos. Então isso...
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO GOMES MARCÍLIO - ... numa leitura de quem não é um civilista por tradição, eu indicaria que é uma obrigação intermediária. Isso gera também um cenário em que não tomar nenhuma salvaguarda para evitar os danos também caracterizaria um descumprimento de uma obrigação fixada pelo novo Código Civil.
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Então, assim como o estatuto, Senador, não sei em quanto tempo esse código vai ser aprovado, porque tem toda uma caminhada aí pela frente, mas é um bom indicativo para gerar esse ecossistema de segurança.
E um último destaque que eu vou trazer é em relação aos totais de PLs que tramitam na Câmara dos Deputados. O levantamento foi só sobre a Câmara, infelizmente não foi sobre o Senado. Hoje nós temos aproximadamente 119 PLs em tramitação. Não tenho o número exato dos apensamentos ao 2.338, mas eles estão em andamento. Quinze PLs falam sobre educação, então acho que é um recorte interessante também para o cenário de requalificação. E seis tratam de inovação, o que também pode compor essa agenda de novos cenários, de novos horizontes.
Então espero ter respondido à Clara, de São Paulo, e já agradeço novamente pela oportunidade. Cumprimento os demais membros aqui da mesa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito obrigado, Dr. Thiago Gomes Marcílio. Resposta objetiva e rápida.
Dr. Hugo Valadares Siqueira.
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Eu vou quebrar um pouco aqui o protocolo, porque eu vou querer, se me permite, comentar sobre as duas perguntas mesmo da transparência, porque eu acho que cabe um comentário aqui importante sobre o que o MCTI está fazendo. E, ao final, gostaria de dar um pitaco, como trabalhador sindicalizado desde o meu primeiro salário e que também está no mercado de trabalho, que vende a sua força de trabalho para pagar os boletos, não é assim que a gente fala? Então é isso.
Então, Senador, primeiro sobre a questão da transparência, eu só queria trazer um comentário, porque, é um pouco de spoiler, o MCTI, dentro do Pbia, eu não vou me lembrar exatamente qual é a ação, mas entre as ações, entre os eixos principais das ações que a gente está fazendo lá, há um que é de previsão da criação de um centro de transparência algorítmica. E esse centro, sim, tem como função trabalhar exatamente estas coisas: algoritmos cujo viés você tem que detectar; que você consiga ter explicabilidade sobre os resultados que ele está cuspindo ali, que está tendo na saída; se os dados que estão entrando são dados suficientes para que você tenha uma resposta adequada para aquele sistema; e também que a gente tenha transparência até nos dados que alimentam esses modelos, sobretudo esses grandes modelos.
Porque a gente que estuda IA há muito tempo - e aqui até mando um abraço para a Nina, que é colega também, também sou egresso da Unicamp e conheço a orientadora dela, a Profa. Sandra - o que a gente tem é isso, né? Desses modelos, quando vão crescendo muito, vai sendo cada vez mais difícil de você olhar dentro da estrutura. Apenas no meio do modelo e na resposta de fato, quando a gente tem que fazer, e às vezes é de maneira até empírica, é que a gente consegue ter a resposta adequada para saber se, não, esse modelo realmente está caminhando por um lado inadequado.
Então nós acreditamos, primeiro, que o centro de transparência pode ser ponta de lança nisso. E aí, eu conversava aqui com o meu amigo Thiago, em paralelo, que é o seguinte: pode ser usado isso para responsabilizar as empresas?
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA - Podemos garantir a ética do uso a partir disso? É uma possibilidade. Talvez, no momento, a gente queira levantar esse centro, que ele esteja funcionando.
E não vai ser um centro de um lugar. Nós queremos que seja um centro independente, independente de governos inclusive. Independente porque, se a gente não fizer um modelo de rede que trabalhe com universidades, com a parte de setor privado e CTs, também, daqui a pouco, pessoas ou corporações que tenham um interesse podem criar os seus próprios centros, e a gente amanhã vai querer regulamentar as questões em cima de quem tem interesses diretos. Então imagina uma big tech ser dona do centro de transparência a ser adotado no Brasil. Isso, realmente, é um caminho em que a gente sabe dos riscos que podem acontecer, e nós já estamos trabalhando, neste exato momento, para esse centro ficar de pé. Eu só não posso dar mais spoilers, mas já tem até um pré-projeto e tal, e, muito em breve, a gente vai apresentá-lo.
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E aqui só um pitaco, se me permite, Senador, como trabalhador, gostaria muito de que algumas das coisas que foram postas aqui nos comentários, nas perguntas... Quem me dera que o trabalhador tivesse esse poder todo de negociar com o patrão! A gente sabe que no mundo em que a gente vive nem o governo, às vezes, consegue negociar em pé de igualdade com uma grande empresa, quanto mais o trabalhador. Só tem um caminho: o caminho é o trabalhador organizado, os sindicatos.
E eu acho que essa pejotização, como foi dito aqui - eu não sou especialista, então estou dando pitaco e opinião -, foi uma tragédia. Uma tragédia que ainda não foi sentida pelo povo. Daqui a 20 anos, quando essas pessoas tiverem que se aposentar, é que elas vão ver o tamanho do problema que essa pejotização exacerbada vai causar ao trabalhador, né? Hoje, parece assim: "Ah, vou ganhar mais, porque não tem...". Como assim a CLT está sendo demonizada? E por jovens de 16 anos, falando na escola que a CLT é muito ruim, é muito difícil. As pessoas acho que nem sabem mais o que significa a CLT.
Então meu coração dói quando eu vejo esse tipo de coisa, Senador.
(Soa a campainha.)
O SR. HUGO VALADARES SIQUEIRA - E eu estou falando para ti, que é um dos maiores defensores na nossa história da Consolidação das Leis do Trabalho. O que a gente precisa fazer, na verdade, é um trabalho de quê? De comunicação, para a gente dizer quais são os riscos que estão envolvidos.
Eu, como disse, sou trabalhador, sou filho de funcionário público, a vida inteira. Meu pai e minha mãe são servidores públicos, sou casado com uma servidora pública. E não tem outro caminho, o único caminho é a gente consolidar para que a gente tenha tudo isso que nós estamos falando. A qualidade de vida das pessoas só virá através da garantia dos direitos trabalhistas. Basta um trabalhador quebrar o pé e eu quero ver como é que ele vai se sustentar aí, apenas achando que pela pejotização a gente vai conseguir.
Finalizo só com o meu grande agradecimento. Por favor, aceitem apenas o meu pitaco como alguém que não é pesquisador nem investigador da área.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Mas foi muito bem-vindo. Parabéns, Hugo Valadares Siqueira! Você tem toda a razão.
Sabe que eu só virei Senador por causa da CLT? Tinham aprovado no Congresso, quando eu era Deputado - fiquei quatro mandatos lá -, um projeto que praticamente acabava com a CLT, dizia que ia valer dali para a frente só a negociação entre as partes e que a lei não valia mais. Eu perdi por um voto. Eu digo que me candidatei ao Senado por causa disso, nem pensava em ser Senador: "Vou para o Senado para derrubar lá". Felizmente, o Presidente Lula ganhou, Jaques Wagner era Ministro do Trabalho e derrubamos na primeira semana; acabamos com o projeto.
Então, eu queria dar uma salva de palmas para o Lula e para o Jaques Wagner. (Palmas.) Porque me trouxeram para cá e porque derrubamos, na primeira semana, com o Presidente, aquele projeto que acabava, de fato, com a CLT.
Paula Montagner, Subsecretária de Estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego.
A SRA. PAULA MONTAGNER (Para expor.) - Bom, eu vou tentar escapar um pouco dessa discussão de transparência - ela me parece bem trabalhada -, para falar dos desafios para regulamentar novas formas de trabalho digital e por aplicativo.
Eu diria que, hoje, nosso principal desafio para isso é que não temos representações de trabalhadores e empregadores nessas áreas. Sem essas representações fortes, sem que essas representações, de fato, falem com a base, representem os anseios da base, é muito difícil de qualificar, muito difícil de negociar, porque a gente fala que trabalhadores e empregadores podem negociar, mas são seus representantes que o fazem. Não é um a um que nós vamos conseguir resolver o tipo de problema que foi aqui descrito com tanta maestria pelos pesquisadores.
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Nós precisamos fortalecer a negociação coletiva, precisamos fortalecer sindicatos representativos, precisamos que o Governo atue para mediar, não para impor. Eu acho que é essa a discussão. Isso demanda uma discussão coletiva importante, e esse talvez seja o nosso grande desafio.
Nós não temos mais aquelas fábricas antigas com tantos trabalhadores, as pessoas estão dispersas. Mas quem sabe a IA e a nossa conectividade de internet não sejam um outro caminho que possa favorecer a articulação de pessoas em torno de projetos e em torno de representações?
Muito obrigada. Agradeço demais, em nome do Ministério do Trabalho, a possibilidade de ter participado desta mesa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, Dra. Paula Montagner, pela breve exposição fortalecendo as entidades sindicais.
Dr. Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira, por favor. O último painelista.
O SR. PEDRO FERNANDO DE ALMEIDA NERY FERREIRA (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Eu queria comentar a mensagem do Fábio sobre a proteção dos trabalhadores substituídos pela IA.
Eu queria só salientar um ponto que a gente não conseguiu comentar hoje, que é o baixo orçamento que o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) tem para programas de qualificação. A depender do ano, a gente teve menos de 0,1% do FAT sendo destinado à qualificação. É claro que esse não é um problema novo, mas ele acaba sendo salientado com essa transição tecnológica. E quero lembrar também que, em muitos países, o modelo de bem-estar social engloba não só a proteção trabalhista, os benefícios sociais, mas esse direito à qualificação. Aqui no Brasil, por qualquer motivo, a gente ainda não consegue fazer bem isso e tem um problema de destinação de recursos, talvez a gente pudesse pensar num orçamento mínimo para qualificação dentro do FAT. Porque, de fato, a gente tem a previsão desse sistema para ajudar com o treinamento dos trabalhadores e usa muito pouco.
Então, chamo a atenção para essa discussão do FAT e para o papel que ele pode ter na qualificação para os trabalhadores substituídos pela IA, como provocou o Fábio, de São Paulo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, meus cumprimentos, Dr. Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira, consultor aqui da Casa que tem nos ajudado muito. Todo e qualquer projeto que fazemos passa pela consultoria. Se a gente tem aí algumas dezenas de projetos aprovados - e o Presidente Lula sancionou praticamente todos, ele e a Dilma -, foi graças também à consultoria qualificada que nós temos aqui na Casa.
Queria agradecer a todos. Encerramos agora a nossa audiência pública sobre inteligência artificial e podem ter certeza de que faremos outras. Aqui nesta Comissão só foi a segunda, mas faremos tantas quantas forem necessárias até resolver essa questão emblemática. E também, oxalá, como foi dito aqui, a gente possa, um dia, depois de passar por reuniões, inclusive nos estados, ter a nova CLT, ou seja, o estatuto do trabalho, a CLT do século XXI.
Está encerrada a nossa audiência pública de hoje.
Palmas a todos que estão aí nos assistindo, de uma forma ou de outra, à distância, pela TV Senado. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas, a reunião é encerrada às 12 horas e 52 minutos.)