Notas Taquigráficas
30/09/2025 - 20ª - Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todas e a todos. Declaro aberta a 20ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização, Controle e Defesa do Consumidor da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A presente reunião tem como finalidade enaltecer o Código de Defesa do Consumidor, marco regulatório estabelecido pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, vigente há 35 anos na proteção, transparência e harmonia das relações de consumo, em atendimento ao Requerimento nº 24, de 2025, de minha autoria. Antes de apresentar os nossos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. |
| R | Sras. Senadoras, Srs. Senadores, convidados e presentes, sob esta Presidência, apresentei o Requerimento 24, de 2025, para a realização da presente audiência pública, em celebração aos 35 anos do Código de Defesa do Consumidor, o conhecido CDC, que nasce de um projeto de lei amplamente discutido no Congresso Nacional até a sua aprovação e envio para sanção da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o marco da proteção, da transparência e da harmonia das relações de consumo. A trajetória do direito do consumidor no Brasil, desde a Constituinte e a promulgação da Constituição Federal de 1988, é muito rica e é fruto de um país em reconstrução democrática, assumindo arquitetura sólida baseada não só nos direitos dos cidadãos e suas relações de consumo e também edificando uma memória institucional com base em pesquisas e no intercâmbio entre outros países. O CDC é basilar para a consolidação da cidadania e um dos princípios consagrados pela nova Constituição. O CDC idealizou uma coisa que era inédita no Brasil até então, que era equipar e empoderar o povo brasileiro para que recebesse e abraçasse a economia de mercado no que ela tem de melhor. Isso, obviamente, significa reconhecer injustiças que podem acontecer em uma relação de consumo e significa trabalhar ativamente para preveni-las. O CDC viabiliza e fomenta a tão necessária modernização da economia brasileira sem o sentimento paternalista, sem rescaldo ideológico, como diziam os críticos à época de uma discussão no Congresso, de maneira alguma. O CDC foi inspirado na legislação de algumas economias mais avançadas do mundo. O código é produto de um pensamento técnico, de um pensamento pragmático, e esse pensamento busca justamente superar todas as etapas para alcançar sempre o desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Só peço licença, neste momento, para citar o Relator do projeto do CDC no Senado, o Senador Dirceu Carneiro, abro aspas: O código deverá interpretar a modernidade econômica e jurídica que se pretende conferir ao país ao estimular, com uma nova política industrial, a ruptura da ordem econômica ineficiente e cartorial, onde a estrutura fortemente oligopolizada e protecionista conferiu à dinâmica produtiva interna um perfil do capitalismo de Estado, deixando os consumidores ao desamparo e o setor produtivo defasado e ineficiente. Fecho aspas. Trata-se de uma passagem, senhoras e senhores, que demonstra o quão inteligente e quão bem pensado foi o projeto do Código de Defesa do Consumidor. Tornou-se pedra fundamental de todo esse sistema. São 35 anos de discussão, de consolidação de normas e de aperfeiçoamento democrático. Os especialistas aqui presentes são todos testemunhas desse processo. Antes de iniciar os debates, quero, mais uma vez, agradecer aos convidados a sua participação e as contribuições importantíssimas prestadas a toda a sociedade e a todos os cidadãos brasileiros. |
| R | Vamos todos continuar trabalhando no aprimoramento dos direitos do consumidor no nosso país, vamos todos continuar lutando pelo que é decente e pelo que é justo. Esses desafios se renovam a cada ano; e, a cada nova tecnologia, a cada ciclo econômico, os nossos ânimos, os nossos valores continuarão a convergir aqui neste Congresso Nacional, no Senado Federal, na Comissão de Transparência e de Defesa do Consumidor, em harmonia com as instituições, entes e servidores públicos, juntamente com a sociedade civil, todos em prol de uma relação de consumo de produtos e serviços sempre saudável e construtiva, em prol do desenvolvimento do nosso país. É com muita satisfação que realizamos nesta Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor esta audiência pública. Eu quero aqui, logo em seguida, dizer que nós temos uma lista de 12 participantes nesta nossa audiência e quero chamar, inicialmente... (Pausa.) Quem está presente, por favor? (Pausa.) Bom, queria chamar para compor a mesa a Dra. Luciana Bregolin, Presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef), para compor aqui a nossa mesa; (Pausa.) o Dr. Gutemberg de Paula Fonseca, Secretário de Estado de Defesa do Consumidor do Estado do Rio de Janeiro, também aqui presente. (Pausa.) Também nos acompanham remotamente: Adriano Ávila, 1º Tesoureiro da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor... (Pausa.) Está aqui presente a Dra. Juliana Pereira da Silva, Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos da Sociedade e Consumo (IPS Consumo). Por favor, gostaria que a senhora compusesse a nossa mesa. O Dr. Igor Rodrigues Britto, Diretor-Executivo do Instituto Brasileiro de Defesa de Consumidores - Dr. Igor, por favor -; (Pausa.) o Dr. Henrique Lian, Diretor-Geral da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste); (Intervenções fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - O Henrique está aqui. Henrique, chegue só mais para a frente, porque daqui a pouco você vai compor a mesa. Muito bem. O Dr. Edu Neves, CEO do Reclame Aqui, nos acompanha por videoconferência; o Dr. Paulo Henrique Rodrigues Pereira nos acompanha remotamente, Secretário Nacional do Consumidor. O Dr. Gutemberg de Paula Fonseca, Secretário de Estado de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro, com presença confirmada, já anunciei. Luciana, também já; Adriano Ávila, 1º Tesoureiro da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor; Renata Ruback, Presidente da Associação Brasileira dos Procons. |
| R | Eu vou passar, com a devida vênia dos ilustres presentes aqui nesta mesa, primeiramente a palavra ao Dr. Paulo Henrique Rodrigues Pereira, porque me foi informado que ele tem uma pauta logo em seguida e gostaria de se manifestar no início da nossa reunião. Então, quero, antes de passar a palavra ao Dr. Paulo Henrique, fazer algumas considerações sobre a sua atuação. Desempenha as importantes tarefas de coordenar a política nacional de defesa do consumidor e supervisionar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O Secretário Dr. Paulo Henrique é Advogado, graduado, mestre, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, onde é Professor do Departamento de Direito do Estado. No Governo Federal, teve relevante participação no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e no Conselho Nacional de Fomento e Colaboração. Quero passar a palavra ao Dr. Paulo Henrique Rodrigues Pereira, Secretário Nacional do Consumidor, por favor. O SR. PAULO HENRIQUE RODRIGUES PEREIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Sr. Presidente, Senador Dr. Hiran, eu, na figura do senhor, quero desejar muito boa tarde a todas e a todos os presentes. E quero começar me desculpando pela dupla descortesia com o Senado Federal - que está longe de ser propositada -, vou explicar já a descortesia de não estar aí presencialmente, com V. Exa. e com todos os demais presentes, e a descortesia de pedir para falar primeiro, o que depõe muito contra mim, mas eu pretendo ter uma explicação. Queria, antes de mais nada, também cumprimentar todos os presentes. Quero cumprimentar, na figura do Dr. Igor, que é Diretor-Executivo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a Dra. Juliana Pereira da Silva, importante Secretária dessa pasta que está aí presencialmente com o senhor, e na figura deles também cumprimento todos os que se conectam conosco digitalmente. Presidente, em primeiro lugar, quero pedir desculpas, como eu disse, por não estar presente. Nós estamos num dia de muita atividade na Senacon, porque, como o senhor pôde acompanhar, hoje o Ministro Ricardo Lewandowski determinou a abertura de fiscalizações sobre esse caso terrível que tem assolado o Brasil, nos últimos dias, da intoxicação por metanol nas bebidas, nos bares, restaurantes, a priori, do Estado de São Paulo. Então, a gente hoje, aqui na Senacon, está com trabalho bastante intensivo junto com a Polícia Federal. O Ministro Lewandowski também pediu a abertura da investigação, pela Polícia Federal, identificando os estabelecimentos, tentando cruzar os fornecedores, quer dizer, um trabalho grande de identificar esses padrões de falsificação, de modo a proteger as vidas e a saúde de milhares de brasileiros e brasileiras que poderiam ter contato com essas bebidas. Então, eu, por conta disso, peço desculpas encarecidamente por não estar aí presencialmente com o senhor e também por ter que sair rapidamente da reunião. Dito isso, quero fazer uma fala muito rápida, mas, em primeiro lugar, Presidente, ressalto, a homenagem do Senado Federal. Eu tenho dito que - por conta dos 35 anos tenho tido a satisfação de falar muito sobre o código - nós, brasileiros, eu tenho usado essa imagem, nós, brasileiros, em geral somos muito duros conosco mesmos, temos uma avaliação sempre muito severa do Brasil, das instituições brasileiras, do poder público, da sociedade, e o Código de Defesa do Consumidor é, seguramente, um dos orgulhos nacionais. Quer dizer, é uma medida que civilizou o Brasil, civilizou as relações de consumo no Brasil, e que, nos últimos 35 anos, tem demonstrado que o Brasil tem grande capacidade de inovação institucional, que o Brasil tem capacidade de mobilizar o Estado para proteger os seus cidadãos, para proteger as suas cidadãs. |
| R | O Código de Defesa do Consumidor fez coisas que eram improváveis para a época. Nós temos aqui algumas pessoas que participaram desse processo. Estou vendo aqui o Dr. Dirceu, que participou do processo de construção do Código. Muitos juristas, muitos críticos duvidaram da capacidade do código de se estabelecer, ou porque eram regras que não iam nunca ser aplicadas no Brasil, ou porque eram regras boas demais para o Brasil. Muita gente dizia: "Isso é um código para a Dinamarca, é um código para a Noruega, não é um código para o Brasil". Embora, como a sociedade civil constantemente nos rememore, nós ainda tenhamos muitos desafios para melhorar o ambiente das relações de consumo no Brasil, a verdade é que o código pegou. O código é uma dessas leis. A gente tem isso na cultura jurídica no Brasil: existem as leis que pegam e as leis que não pegam. O código é uma lei que pegou. Se nós andarmos aí à rua, tenho certeza de que V. Exa. poderá testemunhar diversos casos como esse. As pessoas conhecem uma parte dos seus direitos, sabem dizer, sabem se indignar quando alguns desses direitos não são respeitados, e isso é uma demonstração forte de uma instituição que pegou, que funcionou, que entrou na vida dos brasileiros. Isso se deve, essencialmente, ao Parlamento, motivo pelo qual eu fico muito feliz de participar desta data festiva - e rendo as minhas homenagens ao Parlamento nacional -; isso se deve ao Poder Executivo brasileiro, que criou mecanismos e instituições que pudessem apoiar esse sistema de controle, assim como o Judiciário, o sistema de acesso à Justiça, as Defensorias, o Ministério Público e assim por diante, mas se deve essencialmente à sociedade brasileira, não é? Quer dizer, o sistema de proteção ao consumo tem, no seu coração, a sociedade brasileira e as entidades de defesa dos consumidores. Nós temos aqui representantes nobres dessa atividade na mesa aí, ao lado do senhor: os Procons, os sistemas de apoio, seja nas entidades da sociedade civil, seja no sistema de justiça, seja no Poder Executivo. Então, esse é um exemplo de uma grande união institucional e nacional em prol da melhoria das condições de vida dos brasileiros. Temos muitos desafios, Presidente, e estou já caminhando para o fim. Acho que o mundo do consumidor passa por transformações importantes: nós temos problemas que nós não resolvemos - cada cidadão, cada cidadã brasileira é capaz de dizer aí dos seus aborrecimentos constantes com diversos problemas e direitos do consumidor que ainda não são respeitados -, e infelizmente eu tenho que admitir que nós não estamos falando de poucas ocasiões, poucas situações. Temos muitos problemas velhos e, não tendo ainda resolvidos os problemas velhos, temos problemas novos, não é? Então, você tem novas complexidades do mundo da digitalização, dos comércios digitais, pessoas que precisam enfrentar problemas para trocar um produto, para conseguir ter a melhor informação sobre um serviço, e assim por diante. Temos problemas, como eu disse, velhos, que ficaram com caras de novos, e problemas absolutamente novos, como lidar com as redes sociais, como garantir o controle de informação, de conteúdo, de integridade dos nossos dados. |
| R | Tudo isso para dizer para o senhor que desejamos - e trabalharemos para isso - que os próximos 35 anos sejam profícuos como foram esses primeiros 35 anos, para que a gente consiga, pela sociedade brasileira, pelo Estado brasileiro, fortalecer o sistema de defesa do consumidor, resistir aos processos de diminuição desse ambiente de proteção e dar os avanços que o povo brasileiro merece. De novo me desculpando pela dupla falta com o senhor, Presidente, quero deixar meu agradecimento forte ao Congresso Nacional, deixar um abraço grande ao senhor e desejar a todos e a todas um excelente evento. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dr. Paulo Henrique. Quero também registrar aqui a presença do nosso querido Senador Flávio Bolsonaro e do nosso Deputado Celso Russomanno, e eu quero pedir a devida vênia do Deputado Celso para passar a palavra para o nosso querido Senador Flávio, para se manifestar em relação a esses 35 anos do Código de Defesa do Consumidor. O SR. FLÁVIO BOLSONARO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - Senador Hiran, amigo, boa tarde a todos, Dr. Henrique, Dr. Igor, Dra. Luciana, Dr. Gutemberg, Juliana, Celso. Presidente, em primeiro lugar, parabéns pela iniciativa de fazer essa solenidade. Esta Comissão é muito reconhecida pela sua fiscalização, por buscar a todo momento a transparência de tudo que acontece no serviço público federal, e essa última parte do nome da Comissão, às vezes, não é enaltecida à altura, que é exatamente a defesa do consumidor. Eu acompanho de perto o trabalho do Secretário Gutemberg Fonseca, no Rio de Janeiro, que, além de grande amigo, tem feito um trabalho excepcional que, sem dúvida alguma, deixa os consumidores do nosso estado muito orgulhosos, Dr. Gutemberg. Como sou advogado, na minha faculdade, a Universidade Cândido Mendes, Celso, a gente, em um determinado momento, tem que fazer um atendimento gratuito ao público, como parte da formação no direito. E lá tinha o Fucam, que é o nosso fórum lá da universidade, onde fazíamos atendimento ao público, e grande parte das demandas eram daquelas pessoas mais pobres, com menos conhecimento jurídico, que buscavam esses estagiários, que estavam ali aprendendo também, óbvio que supervisionados, mas grande parte das demandas sempre na área de defesa do consumidor. Quando eu era do diretório acadêmico da faculdade, lembro que, em determinada oportunidade, Senador Hiran, a universidade aumentou muito acima da inflação a mensalidade da nossa universidade. E aí todos indignados, aquela coisa de jovem, de querer lutar pelos seus direitos, temos que fazer alguma coisa, e não é só protesto, o que de prático nós podemos fazer. Lembro que, à época, a gente procurou o Ministério Público, veja só, era o Dr. Rodrigo Terra, acho que até hoje ele está no Ministério Público, ele era dessa área de defesa do consumidor. Ele fez uma petição, enfim, conseguimos uma mediação, conseguimos a redução do índice de correção do valor da mensalidade, teve um reajuste, mas abaixo daquilo que a faculdade estava buscando. Então, assim, nesses poucos exemplos que eu posso citar aqui rapidamente, a defesa do consumidor está no nosso dia a dia, está nas nossas necessidades básicas, em especial daquelas pessoas que estão naquela relação de consumo mais hipossuficiente de todas, que não têm como contratar um bom advogado, não têm como, não têm nenhum profundo conhecimento legal e têm que recorrer ao serviço público, ao Ministério Público ou aos PROCONs, mais uma entidade do Rio de Janeiro, uma instituição que é muito reconhecida. Eu tenho certeza de que, quando uma determinada empresa que está descumprindo o Código de Defesa do Consumidor recebe uma ligação ou um ofício do Procon, já sabe que vem problema, porque a fiscalização em defesa do consumidor vai ser muito rigorosa, e dificilmente isso vai passar ileso. |
| R | E também uma postura que eu acho importante, que tem sido a prática também na Secretaria do Dr. Gutemberg, é não apenas isso de buscar uma punição, mas também sempre de buscar, antes disso, uma mediação ou a resolução do conflito, ainda que não seja de uma forma judicial, para que se dê celeridade, para que tanto o consumidor fique atendido, como também a empresa passe a redirecionar, a estar adaptada às práticas que respeitam o consumidor. Então, é um tema pelo qual eu fico muito honrado de fazer parte desta Comissão, que é a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e - no final - Defesa do Consumidor. E o que V. Exa. faz hoje aqui é exatamente enaltecer essa parte importante do nome da nossa Comissão. Parabéns a todos que trabalham nessa área, em especial defendendo quem mais precisa numa relação de consumo. Isso é importante para que nós possamos buscar níveis de reconhecimento e de percepção da população como acontece até nos Estados Unidos. Tem muita gente que viaja para os Estados Unidos, vai num ano, volta daqui a dois anos, com uma notinha fiscal, e consegue lá, de repente, trocar uma roupa que não conseguiu, pois, na hora de experimentar, não dava tempo de voltar lá mais para trocar. As pessoas nem perguntam a razão de você querer fazer a troca de uma roupa, de um calçado, de algum aparelho qualquer que você tenha comprado, porque há a boa-fé de que o consumidor está ali falando a verdade. E isso eu acho que é um norte que a gente tem que buscar aqui no Brasil, de que aqueles empreendedores que prestam serviços ou que vendem bens de consumo possam, com o passar do tempo, dar mais credibilidade para a palavra do consumidor. E, obviamente, também, eu acho que o consumidor tem que ir mudando um pouquinho, em grande parte, a sua cultura, que não pode ser aquela também do bom malandro, de estar ali tirando vantagem de alguma coisa. Eu acho que esses são dois polos em que a gente tem que, a todo momento, buscar ali um ponto de convergência e acho que esse é um dos papéis fundamentais de todos os órgãos de defesa do consumidor por todo o Brasil, para que nós possamos chegar a um nível cada vez maior de excelência, à altura dessa legislação exemplar que nós temos, que é o nosso Código de Defesa do Consumidor. Então, parabéns a todos! Uma boa solenidade, Presidente Dr. Hiran. Parabéns. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Obrigado, Senador Flávio. Vou passar em seguida a palavra para o nosso querido amigo Deputado Celso Russomanno, meu colega em duas legislaturas, que aprendi a respeitar e por quem tenho profunda e sincera amizade. Sei do seu comprometimento com o aperfeiçoamento e a aprovação do CDC. Pelo seu trabalho, deu visibilidade e notoriedade ao código na televisão, usou sua influência para o bem, fiscalizando em diversas instâncias a aplicação desse código. Na Câmara dos Deputados, o Deputado Celso é membro titular da Comissão de Defesa do Consumidor e teve, no Orçamento deste ano, R$6 milhões de emendas autorizadas para proteção e defesa do consumidor de São Paulo, o que, assim, comprova o seu já consagrado comprometimento com a causa. Muito obrigado pela sua presença e passo, em seguida, a palavra a V. Exa. O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP. Para expor.) - Muito obrigado, Presidente Dr. Hiran. É um prazer muito grande estar aqui ao lado de um grande amigo, de um irmão. Há tantos anos estamos juntos aqui no Congresso Nacional, trabalhando em defesa do consumidor e de outras causas, porque já estivemos juntos em vários relatórios, várias leis, e sempre buscando o melhor. |
| R | Quero cumprimentar o Dr. Gutemberg, a Dra. Juliana, a Dra. Luciana, o Dr. Igor, nosso Dr. Henrique, enfim, o meu querido amigo Flávio Bolsonaro. Quero dizer que, quando a gente comemora, a cada ano em que a gente comemora o aniversário do Código de Defesa do Consumidor, ou a sua vigência - porque a gente comemora duas vezes por ano sempre, não é, a vigência e o aniversário -, isso é muito bom, porque mostra que a gente, ao longo desses anos todos, tem conseguido, Senador Hiran, manter o Código de Defesa do Consumidor do jeito que ele foi publicado, com avanços. E não é falta de tentarem mexer na legislação, Senador Flávio, para que a gente perca os direitos, direitos conquistados a duras penas. E cada dia, com uma coisa nova. Agora, com a inteligência artificial, nós estamos vivendo uma série de problemas. Estamos discutindo isso aqui no Senado e na Câmara também, e a inteligência artificial veio para mexer com a vida da gente. Eu mesmo, Senador Flávio, fui vítima, já umas 50 vezes, do uso da minha imagem e da minha voz para praticar golpes, vendendo todo tipo de produto, serviço e até medicamento para impotência sexual. Jamais pensava, na minha vida, que eu fosse fazer alguma coisa desse tipo. O SR. FLÁVIO BOLSONARO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - A propaganda enganosa é o que está fazendo agora. (Risos.) O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP) - Pois é. Não, o pior é o seguinte: o pior é que a inteligência artificial que usa a minha imagem e minha voz diz que eu experimentei e eu comprovei. (Risos.) Tirando a brincadeira fora, o que mais é grave nessa história é que, com a inteligência artificial, que é um novo intento que nós vamos ter que enfrentar para defender o consumidor, isso não é crime. Eu não sou vítima de crime de estelionato porque a minha imagem foi usada. Hoje, inclusive, estou apresentando um projeto de lei modificando a lei, modificando o Código Penal, o decreto que criou o Código Penal, para que, aquele que usa indevidamente a imagem de outrem, assim como sua voz, seja responsabilizado, porque a vítima, na verdade, é quem comprou o medicamento ou o serviço que foi vendido. De cashback de cartão de crédito eles já fizeram uns 15 vídeos com a minha imagem, dizendo que as pessoas têm direito ao cashback, que eles vão receber valores. E eu me apresento já tendo recebido um valor considerável, de R$10 mil, porque eu usei cartão de crédito nos últimos anos. Quer dizer, golpes atrás de golpes. Eu tive que me aproximar das big techs e consegui, através de amizade, porque, se você for buscar a Justiça, até que a Justiça conceda uma liminar para que tire a sua imagem do ar, o crime já foi praticado contra milhares de pessoas. Então, eu tomo conhecimento - às vezes, já tem dois ou três dias que está no ar -, e as plataformas têm sido muito corretas. À medida que eu anuncio, eles tiram imediatamente do ar, mas a gente nunca sabe quantas pessoas já foram lesadas. E a gente vai atrás de quem está recebendo esses valores. |
| R | E a gente vai atrás de quem está recebendo esses valores. Geralmente são pessoas simples do Nordeste que alugaram, Presidente Hiran, seu nome por um salário mínimo, e os estelionatários ficam dando golpe, até que aquele nome daquela pessoa não sirva mais para nada, eles passam a alugar outro, e assim por diante. Então, quando a gente chega ao "beneficiário", entre aspas, dos valores obtidos através dos golpes de estelionato, infelizmente, Senador Flávio - infelizmente -, são pessoas que foram usadas, porque o dinheiro, quando entra nas contas bancárias, é transferido para três, quatro, cinco, dez contas e depois isso é sacado em espécie. Diluem os valores e sacam em espécie. Então, nós temos muito o que enfrentar ainda. Nós podemos dizer que, aos 35 anos, todo produto fabricado não só aqui no Brasil como no Mercosul - que hoje avança demais, o Uruguai, o Paraguai, a Argentina, os países iniciantes do bloco - são produtos de qualidade, que podem ser exportados para qualquer parte do mundo, para a Ásia, para o Oriente, para toda a Europa, para a comunidade europeia. Nós ainda, na prestação de serviços, temos muito a fazer - muito a fazer. Ainda, sim, na prestação de serviços, nós temos muitos golpes, muitos problemas. Produtos com qualidade, mas serviços, infelizmente, com pouca qualidade. Além disso, nós temos que enfrentar agora, mais do que nunca, os produtos adulterados. Eu, quando saio nas fiscalizações, com os órgãos de defesa do consumidor... Por isso, Senador Hiran, fiz emendas ao longo dos últimos cinco anos - anualmente, R$6 milhões - e a gente já conseguiu, no Estado de São Paulo, equipar todos os PROCONs, Dra. Juliana, todos: todos têm carros, todos estão recebendo computadores agora, e já começaram a receber, no começo deste ano - agora em novembro vão receber mais -, tablets para fiscalizações e veículos. Todos os PROCONs, hoje, do Estado de São Paulo têm um veículo para fiscalização. Nenhum outro estado tem uma estrutura... E todos os veículos... O SR. FLÁVIO BOLSONARO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Vai ficar para trás o Rio de Janeiro? O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP) - O Rio de Janeiro precisa fazer também, né, meu Senador? (Risos.) Mas todos receberam veículos ou já estão recebendo o segundo veículo. Então, os PROCONs do Estado de São Paulo estão bem equipados, mas estou contando isso porque agora nós vivemos um outro momento. Em São Paulo, nós já tivemos quatro mortes constatadas por adulteração de bebida alcoólica. Temos dois jovens, um rapaz e uma moça, que ficaram cegos. É a sua área, meu querido Dr. Hiran, como médico oftalmologista, muito bom médico, por sinal, que nunca deixou de exercer a medicina e oftalmologia, mesmo aqui no Congresso, em todos esses anos. Atende quando sai daqui. Eu sou testemunha disto: sai daqui, e quinta, sexta, sábado, domingo... Às vezes, no domingo, ele está lá atendendo pacientes. Ama a profissão. Mas olhem a gravidade disto: o metanol misturado com bebidas alcoólicas, ceifando a vida de jovens. |
| R | Nós vamos agora iniciar um trabalho em São Paulo, o Governador Tarcísio criou uma equipe de emergência, englobando a vigilância sanitária, o Procon e a polícia, e nós estamos começando a fazer ações de fiscalização para chega em quem está adulterando. Já temos três distribuidoras que estão no foco, entre aquelas que podem estar envolvidas com esse processo. Então, a defesa do consumidor é tudo que nos envolve 24 horas por dia, o tempo todo. Quando a gente está dormindo, a gente está consumindo o travesseiro, o nosso cobertor, a cama - que se, por acaso, estiver torta, nós vamos acordar com dor na coluna -; se nós comemos alguma coisa à noite que nos faça mal vamos consumir serviços médicos, vamos consumir os remédios, o serviço do hospital... O SR. FLÁVIO BOLSONARO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - A paciência da esposa. O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP) - Exatamente, a paciência da esposa. (Risos.) Quando acordamos de manhã e nos olhamos no espelho, estamos consumindo o espelho, o pente, os óculos que a gente coloca, a maquiagem que as mulheres usam, e aí vai uma rede, uma cadeia imensa de consumo. Para a água chegar na nossa casa, ela tem que chegar com qualidade, e para que ela chegue com qualidade passa por vários processos: adutora, tratamento da água, etc. e tal. Então, a gente não para, são 24 horas consumindo serviços e produtos, todos os dias. Isso é exatamente o verdadeiro sentido da cidadania, né? O direito do consumidor esbarra em todos as outras formas do direito, as outras áreas do direito, menos o direito trabalhista. Então, ficam aqui os meus parabéns pela iniciativa, Presidente Hiran, e que a nossa estada aqui seja muito profícua para que a gente continue nessa luta de defender o consumidor. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Parabéns, querido Deputado Russomanno, parabéns pelo seu trabalho, e que você continue, aqui nesta Casa e onde você estiver, a defender o interesse dos consumidores e o aperfeiçoamento dessa relação entre prestadores de serviço, fabricantes de produtos e o povo brasileiro que os consome. Vou passar em seguida a palavra ao Relator do Código de Defesa do Consumidor, aqui no Senado Federal, que nos acompanha por videoconferência, o ilustre Senador Dirceu Carneiro, que foi o Relator da matéria que deu origem ao CDC. O Senador também é pecuarista, arquiteto, sempre se interessou pelas questões da comunidade. Foi Prefeito do Município de Lages, no Estado de Santa Catarina, e Deputado constituinte, entre outras participações importantes na vida pública nacional. Sua importância para a aprovação do CDC foi gigantesca. O Senador fez uma defesa do projeto que não foi só técnica, foi também ética e repleta de consciência histórica, que buscou elevar o Brasil ao patamar dos países mais avançados do mundo, em uma conjuntura de grandes mudanças para o povo brasileiro. Senador Dirceu, é uma honra tê-lo presente nessa nossa audiência pública. Em nome do povo brasileiro, quero agradecer o seu compromisso com o nosso país. O senhor nos orgulha muito. Passo já a palavra a V. Exa. O SR. DIRCEU CARNEIRO (Para expor. Por videoconferência.) - A honra é minha. Desejo cumprimentá-lo, cumprimentar todos os participantes da mesa, as Sras. e Srs. Senadores e Deputadas e Deputados, e a todos os telespectadores que estão nos acompanhando hoje. |
| R | Eu gostaria de registrar, então, que o Código de Defesa do Consumidor foi uma determinação da Assembleia Nacional Constituinte, da Constituição de 1988, que, nas suas disposições transitórias, estabeleceu que, dentro de um determinado prazo, o Congresso Nacional deveria elaborar um Código de Defesa do Consumidor. Nós no Senado, o Jutahy Magalhães e eu, organizamos uma Comissão, que foi estabelecida. Coube ao Jutahy presidir, e a mim, fazer a relatoria. Esse código substituiu 600 dispositivos legais que tratavam das relações de consumo. Era um emaranhado, desconhecido e desrespeitado também, continuamente, de modo que ele veio para organizar, para estabelecer, para disciplinar essas relações de consumo no Brasil. Evidentemente, nesse início, sofreu muitas pressões de diversos setores, como o setor da construção civil e o setor industrial. Aqui em Santa Catarina, teve até uma campanha contra mim, porque me acusavam de destruir as indústrias catarinenses com o texto desse código, o que, na realidade, era apenas uma busca de aperfeiçoamento dos produtos, dos bens produzidos pela indústria brasileira, cuidando da sua qualidade e, particularmente, cuidando dos consumidores. A Febraban chegou a propor uma Comissão no Senado para elaborar um código especificamente para o setor financeiro, o que, evidentemente, o Senado não acolheu. Daí eu tive todo o cuidado, toda a sutileza lícita para constar, no texto do código, a inclusão do setor financeiro, porque, no primeiro confronto que teve com o setor financeiro, a Febraban entrou com uma ADI no Supremo, uma ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo levou dez anos para julgar, mas julgou favorável ao código e, portanto, submeteu a arrogância e a prepotência do setor financeiro à lei mais importante dessa área existente no Brasil. Evidentemente, eu comemorei bastante quando isso aconteceu. O código é uma das leis mais importantes para o povo brasileiro, principalmente os mais humildes. Ele disciplina essa relação de consumo, assentado no princípio de desigualdades entre o consumidor e o poder econômico, do outro lado do balcão, denominado de hipossuficiência. |
| R | Ele está apoiado no princípio de que o consumidor representa uma certa fragilidade nas relações de consumo, e o outro lado do balcão é o poder econômico - e nós sabemos como ele se comporta muitas vezes em relação a essas questões. É absolutamente necessária uma disciplina legal para que ele se submeta aos interesses da sociedade como um todo. É a única lei brasileira que tem a inversão do ônus da prova. Nesse relacionamento, você pode acusar e não precisa provar, pois quem tem que provar é o acusado. As leis têm um significado extremamente interessante para ser anotado aqui. Uma lei atinge todos os cidadãos brasileiros, no caso, da Amazônia do Norte aos Pampas do Sul, inclusive os que não nasceram. De modo que ela tem, realmente, uma contundência fantástica. É por isso que as leis são instrumentos extremamente importantes para que se disciplinem o bem-estar e o relacionamento harmônico das sociedades. Essa lei de defesa do consumidor é uma lei que nunca mais vai sair do aparato jurídico brasileiro. Ela veio para ficar eternamente inserida nele. Nesse sentido, quero cumprimentá-los por terem escolhido uma sessão especial para homenagear o Código de Defesa do Consumidor no seu aniversário de 35 anos e também quero registrar que eu percebo que, em todo o Brasil, ele está presente no cotidiano, através dos seus PROCONs, assim como já foi bastante descrito aqui pelos que me antecederam. Eu quero agradecer essa oportunidade de participar dessa bela comemoração de aniversário e me colocar à disposição para lutarmos por essa construção da pátria que nós desejamos a todos. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Senador Dirceu! Um grande abraço, muita saúde! Nós estamos aqui aguardando V. Exa. para abrilhantar, com seus trabalhos, esta Casa. O SR. CELSO RUSSOMANO - Eu queria pedir a palavra, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Pois não, Deputado. O SR. CELSO RUSSOMANO (Para expor.) - É só para dizer que o Senador Dirceu sofreu muita pressão na época da aprovação do Código de Defesa do Consumidor, e ele não cedeu à pressão. Ele contava aqui da Febraban. Eu depois acompanhei esse processo e visitei Ministro por Ministro do Supremo Tribunal Federal, porque o entendimento era de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplicaria aos bancos porque os bancos eram regidos por uma lei complementar e o código é uma lei ordinária. Nós juntamos todas as forças, porque todos que estão aqui neste momento são antigos na defesa do consumidor e trabalharam nesse sentido, e conseguimos vencer essa interpretação, e o código vale para as instituições financeiras e para todos os segmentos de fornecimento de produtos ou serviços. Então, eu queria parabenizar o Senador pelo trabalho que ele desenvolveu, na época, como Relator. Que Deus o abençoe! Fez uma lei que perdura 35 anos, com muita gente tentando mexer nessa lei - muita gente, ou melhor, muitos segmentos da sociedade. Obrigado, Presidente. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Obrigado, Deputado Celso. Passo, em seguida, a palavra ao Dr. Gutemberg de Paula Fonseca, Secretário de Estado de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro. O Secretário Estadual Gutemberg de Paula Fonseca é Gestor Público há mais de 16 anos, com MBA em Administração e Marketing e Pós-Graduação em Ciências Políticas, tendo atuado em diversos cargos de gestão pública, incluindo chefia de gabinete, Secretário de Turismo, Secretário de Esporte e Lazer, e participou da composição do primeiro gabinete de crise da covid-19. A Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro é a primeira do país, criada em 2023 por lei exclusivamente dedicada à defesa dos interesses dos consumidores. Dr. Gutemberg, por favor. O SR. GUTEMBERG DE PAULA FONSECA (Para expor.) - Boa tarde a todos e a todas, ao Presidente. Cumprimento o Presidente Senador Hiran e o parabenizo pela oportunidade. Cumprimentando o Senador, cumprimento todas as autoridades aqui presentes. Quero dizer da alegria e do orgulho em participar desta oportunidade. Como o senhor colocou, lá no Rio de Janeiro, Deputado Celso Russomanno, nós somos a primeira secretaria constituída por lei, conforme determina o art. 5º, inciso 32, da Constituição Federal, que diz que os estados, na forma da lei, promoverão a defesa do consumidor. E aí o Rio de Janeiro, na pessoa de um advogado que é Governador do Estado, Governador Cláudio Castro, auxiliado por dois Senadores da República que são advogados, Senador Flávio Bolsonaro e Senador Portinho, pelo Presidente da Assembleia Legislativa, que é um advogado, Presidente Rodrigo Bacellar, e também com os bons olhos do Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Ricardo Couto, ou seja, todos amantes da pauta de defesa do consumidor, constituiu-se no Estado do Rio de Janeiro a primeira Secretaria de Estado pura de defesa do consumidor. Lá já teve outras vezes, Deputado, mas era por decreto e sempre ficava abaixo de outra secretaria, sempre era mera coadjuvante. Quando foi o final do ano de 2023, o Governador, junto de todos esses atores que acabei de falar aqui agora, resolveu constituir por lei. E assim me deram o desafio, eu que já tinha passado por outras pastas fazendo gestão pública. E nós começamos exatamente ali no final de 2023, e hoje, para a nossa alegria e com muito orgulho, nós temos também a primeira secretaria e autarquia mais acessível e inclusiva do Brasil. Nós temos estacionamento para carros adaptados, nós temos rampa para cadeirante, piso tátil para deficiente visual, espaço para cão-guia, sala sensorial para mães com filho autista que precisa ser atendida, toda a identidade visual em braile, atendimento em Libras e o Código de Defesa do Consumidor em braile. Isso é motivo de muito orgulho e a gente, sempre que pode, leva isso aos estados, porque os PROCONs são autarquias para execução, e a Secretaria de Estado faz políticas públicas o tempo todo. E eles se encaixam perfeitamente, eles vivem intensamente o dia a dia. Eu costumo dizer ainda mais, ainda tive isso também na minha carreira, fui árbitro da FIFA. Deputado, eu fui árbitro da FIFA. Eu costumo dizer que a sociedade sem o Código de Defesa do Consumidor é mais ou menos como se fosse um Corinthians e Palmeiras sem o árbitro, um Flamengo e Vasco, um Internacional e Grêmio sem o árbitro. Imagina como seria. Então, é exatamente isso. |
| R | E nós começamos agora, no dia 1º de setembro, um grande programa chamado CDC: 35 Anos em 35 Dias. São 35 dias intensos de defesa do consumidor. Nós tivemos, por exemplo, o seminário internacional. Foram dois dias recebendo autoridades de defesa do consumidor de Portugal, Chile, Paraguai, Peru. A gente teve a oportunidade de trocar experiências e, mais, de chamar a atenção das autoridades públicas e da sociedade civil para a importância da pauta. No dia 11 de setembro, no dia exato da comemoração dos 35 anos, nós fizemos uma missa de ação de graças aos pés do Cristo Redentor e acendemos o Cristo Redentor com as cores da Bandeira Nacional, para chamar a atenção para a importância dessa pauta. Com isso, a gente vem avançando diariamente. Hoje, lamentavelmente, a gente acorda e vê mais uma vez a criminalidade atormentando a sociedade com a pirataria. A gente precisa lembrar que, no ano passado, o país perdeu mais de R$0,5 trilhão com vendas ilícitas; e, em segundo lugar, com mais de R$85 bilhões, estão as bebidas piratas, contrabandeadas. O Estado do Rio de Janeiro vem combatendo intensamente a pirataria. Nós já tiramos mais de 130 toneladas de sabão em pó de uma marca famosa pirata; nós já tiramos mais de 300 litros de bebidas piratas, falsas; nós tiramos agora mais de 10 toneladas de café ilegal do mercado, um café que tinha na sua mistura pedaços de inseto, agrotóxico, pedras, enfim. Então, a pauta de defesa do consumidor é muito envolvente. E, definitivamente, se eu pudesse resumi-la em uma palavra, eu diria: dignidade. Prova disso foi o que aconteceu este ano no mutirão de renegociação de dívidas. A gente vem fazendo constantemente. Nós fizemos em março, que é o mês do consumidor, e fizemos agora em setembro, que é o mês em que comemoramos o Código de Defesa do Consumidor. Nós conseguimos, no Rio de Janeiro, atender mais de 9,8 mil pessoas; uma economia de R$40 milhões no bolso do consumidor. E teve um senhor que me chamou a atenção, um senhor de nome João, que, quando concluiu com êxito a sua renegociação, fez questão de ficar naquele local porque sabia que eu rodava todos os postos de renegociação, Senador, e ele queria falar comigo. Quando eu cheguei lá, a nossa equipe imediatamente falou: "Olha, tem um senhor que não foi embora e quer falar contigo". E eu atendi o Sr. João. Ele disse para mim: "Secretário, eu queria lhe agradecer". Eu falei: "Mas de quê? É nossa obrigação". E ele: "Não, Secretário. Há 19 anos eu tenho essa dívida atormentando a mim e à minha família. Eu era funcionário de um banco, tive que pegar um recurso, e há 19 anos eu não consigo pagar esse recurso". E eu, curiosamente, perguntei: "E qual era o valor?". Era de R$214 mil o valor atualizado hoje. E eu falei: "Por quanto o senhor quitou?". Ele: "Por R$540". E eu falei: "Uau! Em uma palavra, como o senhor resume isso?". Ele: "Dignidade". "Mas por que, Sr. João?" "Porque eu consigo hoje voltar para casa e olhar nos olhos da minha família e falar que agora eu posso comprar, eu posso planejar e dar tudo aquilo que há 19 anos eu não consegui dar." Esse é o grande reflexo do Código de Defesa do Consumidor, do que a gente vem vivenciando, Senador. |
| R | Só que, Senador, a gente ainda tem muito o que avançar. É natural. O código se encaixa perfeitamente nos 35 anos que ele completa agora, mas a gente ainda tem muito que avançar. Agora mesmo, a gente vive um momento de temor, a sociedade sofrendo, e eu vivo isso no Rio de Janeiro, de oniomania e de ludopatia. Oniomania é compra compulsiva, e a ludopatia é a compulsão nos jogos, nas apostas. E aí, mais um relato, porque eu considero que o Código de Defesa do Consumidor, para você vivenciá-lo verdadeiramente, é preciso você estar na ponta no atendimento, e é o que a gente busca diariamente com os projetos, com a proximidade, com o acolhimento da sociedade. Uma senhora nos procura para fazer uma denúncia, Deputado, dizendo que o marido dela, que trabalhava, ou melhor, que ainda trabalha num supermercado, estava acontecendo alguma ilegalidade, porque ele, todo final do mês, não tinha mais dinheiro para levar para casa. E ele, toda vez, dizia para ela: "São empréstimos que eu estou pegando na empresa, são empréstimos". Só que com juros e correção. De imediato, a gente preocupou e falou: "É o superendividamento. Ele está superendividado". E eu fui até o local, fui presenciar. E lá me encontrei com o proprietário daquele supermercado, e ele disse: "Secretário, a gente está vivendo uma era difícil, que eu não sei aonde isso vai parar. Você sabe que eu tenho mais de 850 funcionários aqui. Eu posso te garantir que, há coisa de seis, sete anos, eu sempre dei o adiantamento, eu sempre fiz o vale. Com 15 dias, eu liberava. E eles geralmente pegavam em alimentos. E, no final do mês, eu descontava os alimentos, e o que sobrava, eu dava o dinheiro. Hoje, não. Hoje eles pegam 50% do salário em dinheiro; no decorrer dos outros 15 dias, eles pegam empréstimo com os outros funcionários, entre eles, e no final do mês, eles não têm dinheiro. Tudo por conta da ludopatia, da compulsão nos jogos. E aí, eu pergunto: quem é que vai cuidar desses consumidores? Quem é que vai cuidar desta sociedade que vem sofrendo desse mal que vem destruindo famílias, que vem permitindo suicídios? Nós temos relatos, no Rio de Janeiro, de pais que abandonam famílias porque não têm coragem de olhar nos olhos da sua família, porque se entupiram de dívidas. Nós, no Rio de Janeiro, estamos implantando agora, Deputado, um programa chamado Balcão do Consumidor, que é um programa de acolhimento, em que ele tem atendimento em Libras, ele tem advogados, ele tem psicólogo para cuidar do consumidor que sofre desse mal. São 20 polos espalhados por todo o Estado do Rio de Janeiro, sete fechando as regiões e 13 na Região Metropolitana, dos quais, quatro são dentro de favela. Porque é justamente isso que os números vêm mostrando para a gente lá, no que a gente vem vivenciando: as classes C, D e E são as classes que mais sofrem com esse mal que atormenta hoje o nosso país. E ainda está longe, muito longe do que a gente precisa fazer, a gente precisa entregar. Lá no Estado do Rio de Janeiro, somos 92 municípios, somente 32 têm Procon. E ainda existe um conceito, que a gente vem trabalhando, porque lá a gente tem a Escola Estadual de Defesa do Consumidor Ministro Waldemar Zveiter, em que a gente leva cursos gratuitos para a população. Nós lançamos agora a Cartilha Financeira da Família, que é uma cartilha gratuita, que ajuda a orientar. Lançamos o Código de Defesa do Consumidor comentado, Deputado, para que a população tenha, de maneira fácil, a informação do Código de Defesa do Consumidor. |
| R | Isso tudo é graças a 35 anos atrás, quando uma inspiração do Senador Dirceu Carneiro, com outros que participaram, como o hoje Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Herman Benjamin, que contribuiu, que participou, e outros que, de uma certa forma... A Profa. Cláudia, que ajudou, e ajuda até hoje. Esses se inspiraram aqui nesta Casa, junto a este Congresso, para que um dia a sociedade pudesse ter um ponto de harmonia. Lá no Rio de Janeiro, o Código de Defesa do Consumidor vem fazendo diversas mediações. Agora, na história da Unimed Ferj mesmo, a gente teve um problema seriíssimo com relação aos tratamentos oncológicos, e a gente conseguiu, ao lado da população e ao lado também daquela clínica, mediar esse conflito e fazer com que eles tivessem apenas aquilo que é de direito deles. E, agora, a gente também tem o problema das mães atípicas, em que a gente está, ao lado, mediando esse conflito, porque atormentam as mães, e muitas delas acabam vivendo sós. Uma das coisas que a gente busca, com o Código de Defesa do Consumidor, é amparar essas mães, porque, às vezes, quando essa criança nasce, o pai abandona essa mãe e essa mãe fica sozinha, e, ao lado dela, hoje, está o Código de Defesa do Consumidor, lutando e fazendo valer aquilo que é dela, de direito. Portanto, eu gostaria de encerrar a minha fala, a minha participação - apesar de que ficarei aqui, Senador, o tempo que o senhor determinar -, dizendo que o Estado do Rio de Janeiro está de portas abertas para a gente mostrar, inclusive, os números, os resultados que vêm sendo entregues agora. No ano passado, nós atendemos 138 mil pessoas. Colocamos como meta, neste ano, dobrar, e, no ano que vem, triplicar. Até o mês passado, nós já atendemos 380 mil. Isso vem mostrando que a população vem identificando a pauta, cada dia a mais, e buscando o caminho correto para que as coisas sejam resolvidas da melhor maneira possível. Lá na nossa sede, nós temos três salas de mediações. Com isso, a gente consegue evitar que o tribunal seja sobrecarregado de processos e mais processos, graças a este que completa 35 anos. Então, mais uma vez, Senador, muito obrigado pela oportunidade. Parabéns ao Código de Defesa do Consumidor! Que a gente possa, nos próximos anos, evoluir cada vez mais, enriquecendo esse código brilhante, que foi sofrido no início, mas que traz tanta dignidade para a população brasileira. Meu muito obrigado, mais uma vez, pela participação. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Secretário Dr. Gutemberg. Parabéns pelo trabalho, e esta Comissão está muito honrada com sua presença no dia de hoje aqui. Eu quero aqui, agora, puxar um pouco a brasa para a minha sardinha. Eu estou ouvindo aqui o nosso querido 1º Tesoureiro da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor lá do meu Estado de Roraima, Dr. Adriano Ávila, e eu não poderia deixar ninguém passar mais na sua frente, Dr. Adriano. Eu sei que o senhor está aí numa correria tremenda e eu quero passar, em seguida, a palavra a V. Exa., dizendo aqui que o senhor é Promotor de Justiça do Ministério Público de Roraima e, desde 2002, trabalha na Promotoria da Defesa da Cidadania, do Consumidor e de Execução de Penas e Medidas Alternativas à Pena Privativa de Liberdade, é Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas e leciona diversas disciplinas jurídicas na Faculdade Cathedral. |
| R | Dr. Adriano, seja muito bem-vindo. E muito obrigado por prestigiar esta nossa sessão alusiva aos 35 anos deste marco da cidadania, que é o nosso CDC. Com a palavra, por favor. O SR. ADRIANO ÁVILA (Para expor. Por videoconferência.) - Muitíssimo obrigado, Senador. Muitíssimo obrigado pela acolhida. É uma acolhida fraterna, uma acolhida de conterrâneos, praticamente. Então, fico muito agradecido pela acolhida de V. Exa., pelo convite dirigido à nossa associação. Eu estou aqui falando em nome da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, que é uma associação que congrega promotores de justiça e procuradores da república do Brasil inteiro com designações para a área de defesa do consumidor. Em nome dessa associação, nós agradecemos o convite deste Senado Federal, neste momento tão relevante em que nós comemoramos o aniversário do Código de Defesa do Consumidor. Faremos aqui as nossas ponderações, tentando enriquecer ainda mais aquilo que já vem sendo abordado por aqueles que me antecederam, figuras tão ilustres, que nós conhecemos nacionalmente, e com as quais, inclusive, nos encontramos nos congressos. Tivemos um congresso recentemente em Porto Alegre, em que nos encontramos. Foi o nosso Congresso Nacional da MPCon junto com a reunião da Senacon. Estamos procurando sempre nos interligar nacionalmente, até porque os grandes fornecedores também têm essa abrangência nacional. Então, há essa necessidade de nós nos articularmos nacionalmente para atuar com mais eficácia. Bom, fazendo uso da palavra aqui, em nome da nossa associação, a nossa abordagem sobre a defesa do consumidor começa sobre a própria essência do conceito de consumidor na atualidade, porque, hoje, como até já foi dito pelo Deputado Celso Russomanno, a defesa do consumidor está envolvida em todos os aspectos da nossa vida, até porque, desde o momento em que nós acordamos até o momento em que nós vamos nos deitar, nós estamos estabelecendo relações de consumo continuamente. Ligou a energia, relação de consumo; abriu a geladeira, relação de consumo; telefonou, relação de consumo; vai transportar o filho para algum lugar, relação de consumo. Então, são milhares de relações de consumo que acontecem cotidianamente, e, naturalmente, dessas milhares, bilhões de relações, há um significativo percentual delas que levam a dissabores, levam a situações que são frustrantes para o consumidor. Trazendo um pouco antes disso, sobre a nossa própria essência como ser humano, nós costumamos dizer - aliás, não nós; nós estamos replicando já conhecimentos de sociólogos consagrados - que, hoje, nós estamos na categoria de homo consumens, ou seja, o nosso próprio significado existencial tem a ver com a possibilidade ou não de consumir. Até, Senador Hiran, falando da nossa realidade aqui de Roraima para os que não conhecem, nós temos uma realidade assim bem peculiar com uma forte presença indígena. |
| R | Só para ilustrar para as senhoras e para os senhores como esse sentido existencial pode ser alterado, em virtude de estarmos imersos no mundo do consumo, em virtude de sermos homo consumens, para ilustrar dentro da nossa realidade aqui, Senador Dirceu - o senhor, que foi um protagonista aí na confecção do Código de Defesa do Consumidor -, nós aqui, eu, individualmente, como pessoa física, por diversas vezes já fiz trabalhos assistenciais através de uma comunidade de amigos, aqui, em comunidades indígenas, e uma delas, que fica aqui bem próximo da nossa capital, Boa Vista - que o Senador com certeza conhece -, é a comunidade indígena Tabalascada. Quando íamos fazer essas atividades assistenciais nessas comunidades - repito, como cidadãos, não como profissionais -, levando assistência médica, assistência odontológica, assistência material como um todo, procurávamos sempre aprender com aquela comunidade o que ela tinha de sabedoria para nos ilustrar, e eu me lembro bem de conversarmos com as pessoas mais antigas da comunidade e esses senhores e essas senhoras dizerem, assim, da parte deles, de uma certa frustração naquilo que vinha sendo transformada a sua sociedade local, a sua microssociedade ali. Então, não era raro nós ouvirmos dessas senhoras, desses senhores, desses anciões, o seguinte: "Olha, meu filho, antigamente, quem era importante aqui na nossa comunidade era quem pescava o melhor peixe, era quem conseguia a melhor caça, era quem conseguia fazer a melhor casa, era quem tinha mais força física para carregar madeira, mas, hoje, só é importante quem tem o melhor tênis, quem tem um bom celular, quem está usando o boné da moda". Isso é para as senhoras e para os senhores entenderem como estar imerso no mercado de consumo altera o sentido existencial até de uma comunidade inteira. Que relevância que tem para a subsistência daquela comunidade se um jovem tem celular ou não tem celular? Não tem relevância nenhuma. Seria muito mais importante se ele soubesse caçar bem, se ele soubesse pescar bem. Mas, para o bem ou para o mal - isso não é uma coisa que a gente discute -, o fato é que eles também estão sendo imergidos nesse contexto de sociedade de consumo, e isso faz com que todo o seu sentido existencial se modifique. Então, quando estamos falando em defesa do consumidor, nós estamos falando do sentido existencial das pessoas. Se a pessoa não pode consumir, ela acaba se tornando um pária na sociedade. De certa forma, ainda que involuntariamente, nós fazemos uma gradação de relevância das pessoas, pelo fato de elas poderem ou não poderem consumir e se podem consumir produtos de grife, se não podem consumir produtos de grife... Então, é só para nós entendermos que estamos numa realidade em que poder consumir se tornou um direito existencial. Aliás, já está consagrado como um direito humano. Eu quis fazer essa ilustração muito típica nossa, aqui de Roraima, porque quem está aí em grandes centros, como São Paulo, Rio, talvez não consiga imaginar isso, mas o sentido existencial das pessoas fica alterado a partir do momento em que elas entram, estão imersas numa sociedade de consumo. E essa é a nossa realidade, repito. Não há como desvencilhar-se disso; é apenas um fato. |
| R | Bom, dentro da defesa do consumidor, a sabedoria do Código de Defesa do Consumidor é tal, que ele se antecipa ao próprio fato do consumo. Nós sabemos que a defesa do consumidor não se restringe ao ato de consumo propriamente dito; ela procura amparar também a fase de pré-consumo; depois, a fase de consumo, propriamente dita; e depois a fase pós-consumo. Vou ilustrar, para ficar um pouco mais didático. Na fase de pré-consumo, o Senador Dirceu teve o cuidado de tratar da publicidade, que é uma fase pré-consumo, e o Código de Defesa do Consumidor procura cuidar disso, para evitar publicidade abusiva, evitar publicidade enganosa. Então, vejam que nem houve o consumo ainda, mas já há uma preocupação do legislador em tentar evitar percalços resultantes da publicidade mal dirigida. Já na fase do consumo propriamente dito, o Código de Defesa do Consumidor procura evitar, lá no art. 39, no art. 51, as práticas abusivas, evitar as cláusulas abusivas. Então, isso está na fase do consumo propriamente dito. E, na fase do pós-consumo, continua o cuidado do Código de Defesa do Consumidor, do ponto de vista da responsabilidade civil: responsabilidade civil pelo vício do produto, responsabilidade civil pelo fato do produto ou do serviço. Então, vejamos nós que a defesa do consumidor vem antes até de o próprio consumo acontecer. Ela é prévia, procura criar mecanismos de prevenção. E houve um aspecto - voltando à fase do pré-consumo - muito bem ressaltado pelo Dr. Gutemberg e que tem sido motivo de grande preocupação da MPcon, a associação nacional dos promotores e procuradores da defesa do consumidor, de que, dentro do conceito de publicidade, nós temos aí um novo horizonte de mercado, criado através das bets. Ele fez questão de mencionar a ludopatia. Quer dizer, preocupam-nos bastante os mecanismos de publicidade hoje amplamente disponíveis para as bets, sem mecanismos restritivos que possam evitar os agravos do problema do endividamento resultante da ludopatia. Vamos fazer um histórico aqui comparativo. Todos nós nos lembramos de como era a publicidade do produto à base de tabaco na década de 60, na década de 70. Era sempre uma publicidade demonstrando vigor, virilidade, beleza, riqueza; todos aspectos que persuadiam as pessoas a fumarem. E, depois de longos e longos anos de esforços, foi havendo restrições e mais restrições, a ponto de, hoje, nós pegarmos uma carteira de cigarro e ter uma advertência bem clara, no exercício do direito de informação, para o consumidor do cigarro. |
| R | Só que, em relação... Então, tratava-se de um vício, com consequências macro: consequências para o sistema público de saúde, consequências nas relações de trabalho, e, nas relações familiares, nem se fala. Hoje, nesse campo da publicidade, nos preocupa, como MPcon, que estamos, digamos, na primeira fase da propaganda do tabaco, da década de 60, em relação às bets. Não existem mecanismos mais significativos voltados à restrição da publicidade das bets ou, pelo menos, advertências mais realistas sobre os riscos da ludopatia, como disse aí o Dr. Gutemberg. Então, aquilo que se vê hoje em relação às bets, nessa fase pré-consumo, são publicidades que incentivam o consumo desse serviço, que é um serviço, que é relação de consumo, conforme a própria lei, mas que só mostram o lado bom, sempre vinculado a figuras simpáticas ao grande público, pessoas que demonstram riqueza, prosperidade e todos os aspectos positivos, mas a realidade é aquilo que o Dr. Gutemberg mencionou: existe um grande número de pessoas que têm tido as suas vidas destruídas por conta da ludopatia. Então, esse é um aspecto que, de certa forma, a gente até apresenta respeitosamente a este Senado Federal, que se trata de um aspecto muito relevante, e talvez não seja necessário nós esperarmos ainda algumas décadas para fazermos, em relação às bets, o que foi feito em relação à publicidade de tabaco. Já na fase do consumo propriamente dito, que é a parte em que o Código de Defesa do Consumidor se preocupa com cláusulas abusivas e práticas abusivas, um outro aspecto que tem preocupado bastante a MPcon são os chamados empréstimos não consentidos, e existem alguns nomes para isso. Alguns chamam de empréstimos fraudulentos, mas vamos chamar aqui de empréstimos não consentidos. São inúmeros os casos que chegam certamente aos PROCONs, que chegam aqui ao Ministério Público, de pessoas que informam estarem sofrendo descontos, nos seus benefícios previdenciários, nas suas remunerações, de contratações cuja origem desconhecem. É muito similar a esse grande esforço que tem sido feito agora pela CPMI em relação à questão do INSS. Existe também, do ponto de vista da defesa do consumidor, pelo menos aparentemente, uma prática reiterada de empréstimos não consentidos em detrimento de vários consumidores. E vejamos nós que, nessa dinâmica do mercado, estamos numa realidade muito diferente da década em que o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado, porque, naquela época, nós tínhamos substrato material dos contratos, e hoje nós vivemos a desmaterialização dos contratos, a despersonalização dos fornecedores. Então, o consumidor nem tem acesso ao contrato, porque ele fez uma contratação rápida ali pelo celular, quando o fez, e, por outro lado, ele tem uma enorme dificuldade para dialogar com o seu fornecedor, porque há também a despersonalização dos fornecedores. |
| R | Então, nessa data comemorativa, também é importante, para nós, demonstrarmos o que a dinâmica do mercado tem apresentado como novos desafios, e esses desafios têm sido pensados, e temos tentado buscar mecanismos que possam minimizar os agravos aos consumidores decorrentes desse tipo de questão. E, por fim, na fase pós-consumo, que é a fase da responsabilização civil pelo eventual fato do produto ou vício do produto ou vício do serviço, um tema que nos parece bastante relevante é o tema relacionado ao setor aéreo. Recentemente, a MPCon, todos os seus associados promoveram uma pesquisa nacional sobre o tema, à qual a gente está dando divulgação agora nos órgãos de imprensa, porque vínhamos sendo informados, reiteradamente, sobre uma altíssima judicialização dos consumidores em detrimento dos operadores do setor aéreo. E, para nós, era muito relevante verificar realmente qual a veracidade dessas estatísticas que vinham sendo apresentadas. E já são apresentadas de longa data por esse importante setor, mas é o setor que tem trazido vários dissabores para os consumidores. E a nossa pesquisa chegou a um conclusão um pouco distinta das pesquisas que vêm sendo, reiteradamente, replicadas pelo setor aéreo. O que nós constatamos, pelo menos até o presente momento, é que existe uma enorme resistência do consumidor em judicializar questões relativas ao setor aéreo. Existe, na verdade, um grande esforço do consumidor em procurar solucionar, amistosamente, problemas relacionados ao setor. E, para constatarmos e para chegar a essa constatação, nós fizemos pesquisa in loco... Aqui em Roraima fizemos isso - viu, Senador? - e em Brasília, em São Paulo, no Ceará, membros do Ministério Público, assistidos com a preciosa cooperação dos PROCONs. Colhemos depoimentos de diversos consumidores e chegamos à constatação de que mais de 80% dos consumidores preferem não judicializar quaisquer questões relacionadas ao pós-consumo de serviços do setor aéreo. Então, nessa data comemorativa, repito, temos exercido o maior esforço possível, os nossos misteres para fazer com que essa relação naturalmente assimétrica, entre consumidores e fornecedores, possa ser reequilibrada com essa importantíssima ferramenta, que é o Código de Defesa do Consumidor, e procuramos trazer, aqui, a este Senado Federal temas que, eventualmente, possam vir a ser objeto também de debates nesta Casa Legislativa, para que possamos continuar, continuamente, nessa dinâmica de mercado, fazer com que essa realidade em que estamos imersos, que é a realidade do mundo do consumo, seja sempre equânime tanto para fornecedores quanto para os consumidores. |
| R | Então, Senador Hiran, muitíssimo obrigado pela palavra, pela fraterna referência ao nosso querido Estado de Roraima. Essas eram as considerações da MPCon para colaborar, para contribuir com essa solenidade. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dr. Adriano. Eu sou testemunha da sua competência, do seu comprometimento na defesa dos direitos difusos e coletivos da sociedade, já tivemos a oportunidade de conversar pessoalmente sobre temas relevantes aí do nosso estado, e a nossa Comissão fica muito honrada com a sua exposição certamente - um homem que conhece a realidade dos fatos e que nos deu uma aula aqui, como professor competente que é. Ficamos muito felizes e honrados com o nosso estado participando desta nossa audiência pública, de uma maneira muito relevante, com sua exposição aqui. Parabéns, saudações à sua esposa, que é minha colega médica, para que ninguém saiba por aqui, não é verdade? Então, Deus o abençoe e um grande abraço! Muito obrigado pelo convite. Eu vou passar a palavra, em seguida, à minha querida amiga Luciana Bregolin, Presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensoras Públicos Federais, associação estratégica para a defesa do consumidor, porque são profissionais que prestam assistência jurídica gratuita aos consumidores vulneráveis. A Anadef defende o fortalecimento da Defensoria Pública como instrumento de acesso à Justiça e apoia os defensores e as defensoras em casos complexos, como combate a violências, a violações ambientais e ao trabalho análogo à escravidão, realizando um grande trabalho no seu segundo mandato, com pautas como inclusão das mulheres e interiorização dos serviços da Defensoria Pública da União. Minha querida amiga, passo a palavra a V. Exa. Nós temos ainda vários expositores, e eu não quero limitar o tempo de ninguém, até por conta de que não me sinto bem ao cercear a palavra de quem quer que seja, principalmente de pessoas tão ilustres e tão amigas que abrilhantam aqui a nossa reunião, mas nós temos praticamente 50 minutos para encerrar este nosso evento, de forma que eu pediria que todos pudessem ser o mais objetivos possível, para que nós possamos dar espaço a todos que ainda vão fazer as suas falas. Minha querida Luciana, querida amiga, com a palavra, por favor. A SRA. LUCIANA BREGOLIN (Para expor.) - Boa tarde a todas e a todos. A minha previsão de fala é de cinco minutos. Vou tentar ficar dentro desse tempo, não é? Exmo. Sr. Presidente desta Comissão, Senador Dr. Hiran, um amigo, um aliado da Defensoria, que sempre me acolhe e traz para esta mesa de debate aqui e de diálogo o representante do povo pobre, não é? Então, eu sempre falo que a mesa da justiça precisa da população... O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Opera seus amigos. A SRA. LUCIANA BREGOLIN - Opera seus amigos, é verdade. Opera um grande amigo, é verdade. (Risos.) Eu estive lá, durante a cirurgia, acompanhando. O Senador, com brilhantismo, operou esse meu amigo, que está enxergando muito bem, melhor do que eu, diga-se de passagem, não é? Assim, é muito bom ver os representantes da população pobre e vulnerável aqui, que somos nós, os defensores públicos federais. A gente fica muito honrado. |
| R | Ilustre Senador Dirceu, é um prazer ter escutado a sua fala. É uma honra para a gente, que atua todo dia com o Código do Consumidor, o que a gente vê. Então, foi uma emoção escutar sua fala. Deputado Russomanno, a gente acompanha tanto a sua história no Código do Consumidor, apoiando a população também... É uma honra ter escutado tudo que o senhor disse e conhecendo a sua trajetória... Prezados participantes desta audiência pública, também é uma honra estar com pessoas tão especiais e preparadas neste diálogo democrático. É com grande satisfação que participo desta audiência pública, em nome da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais e de todos os defensores públicos que, diariamente, atuam na proteção dos direitos dos consumidores mais vulneráveis deste Brasil. O Código de Defesa do Consumidor completa 35 anos como um dos marcos mais importantes da legislação brasileira. Na linha de frente do atendimento jurídico gratuito, testemunhamos cotidianamente como essa lei revolucionou as relações de consumo no Brasil e se tornou um verdadeiro escudo protetor para milhões de brasileiros. Eu, que já residi fora do país, posso dizer que aqui funciona muito bem o Código do Consumidor, melhor do que em muitos países, inclusive da Europa. Em nossas unidades da Defensoria Pública Federal - eu sou representante dos defensores públicos federais. Somos 683 defensores em todo o país. Também falo em nome dos defensores públicos estaduais. Eu não os represento, evidentemente, mas a gente pode falar, porque, como o próprio Adriano trouxe, existe uma inter-relação entre os federais e os estaduais -, posso dizer que as demandas consumeristas representam um volume expressivo dos atendimentos. Recebemos aposentados lesados por operadoras de plano de saúde, famílias endividadas por práticas abusivas de bancos, consumidores vítimas de publicidade enganosa e cidadãos prejudicados por serviços essenciais deficientes. Em cada um desses casos, o Código de Defesa do Consumidor tem sido o nosso principal instrumento de trabalho e de proteção. A experiência de mais de 30 anos permite-nos afirmar: o Código de Defesa do Consumidor funciona. Os seus princípios fundamentais - a vulnerabilidade do consumidor, a inversão do ônus da prova, a responsabilidade objetiva e a reparação integral dos danos - continuam sendo pilares essenciais para o equilíbrio das relações de consumo. Entretanto, reconhecemos que - como foi dito aqui pelo Deputado Russomanno, pelo Senador Hiran, pelo Gutemberg e pelos demais participantes - as plataformas digitais, a inteligência artificial e os novos modelos de negócio apresentam desafios que exigem reflexão e, eventualmente, aprimoramentos legislativos, mas qualquer mudança deve ser cuidadosa, preservando as conquistas já consolidadas, Senador. Como defensores dos mais necessitados, alertamos para alguns pontos cruciais. Primeiramente, a proteção de dados nas relações de consumo precisa ser fortalecida. Em segundo lugar, o superendividamento das famílias brasileiras demanda atenção especial. Em terceiro lugar, os mecanismos de solução de conflitos precisam ser acessíveis e efetivos. Em quarto lugar, os órgãos de defesa do consumidor necessitam de fortalecimento institucional. A Anadef defende que o CDC não precisa de reformas estruturais que enfraqueçam sua força protetiva. Precisamos é de aperfeiçoamentos pontuais que os adaptem aos novos tempos, sem perder a sua essência, e ser um código que proteja, efetivamente, o consumidor. |
| R | Colocamo-nos à disposição desta Casa Legislativa, para contribuir com nossa experiência prática na construção de um marco regulatório ainda mais efetivo. Afinal, nossa missão constitucional é garantir que todos os brasileiros, independentemente de sua condição socioeconômica, tenham acesso pleno aos seus direitos como consumidores. Muito obrigada pela oportunidade e pela atenção de todos. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dra. Luciana. Mais uma vez, ficamos muito honrados com a sua presença, representando a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais. Fui informado de que o Dr. Edu Neves tem compromisso, mas eu vou passar, aqui, em seguida, a palavra para a Dra. Juliana Pereira da Silva, Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos da Sociedade e Consumo (IPSConsumo). A Dra. Juliana Pereira da Silva é Presidente do instituto, Advogada, Pós-Graduada em Gestão de Sistema de Vigilância da Segurança de Produtos no Mercado pela Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, Especialista em Direito do Consumidor, Contratos e Responsabilidade Civil. Trabalhou como Diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça; Conselheira do Conselho Nacional de Seguros Privados e no Conselho de Autorregulação Bancária da Febraban, além de ter exercido cargos na OEA e na Organização das Nações Unidas. Dra. Juliana, com a palavra; e, em seguida, passarei a palavra ao Dr. Edu Neves, que nos acompanha remotamente. Dr. Henrique, por favor. A SRA. JULIANA PEREIRA DA SILVA (Para expor.) - Bem... Eu queria inaugurar, aqui, a minha fala dizendo que eu vou procurar cumprir fielmente o prazo, o tempo. Primeiramente, queria saudar o Sr. Presidente desta Comissão, o Senador Dr. Hiran, que já é um vocacionado pelas pessoas, porque quem escolhe a medicina, seguramente, já é um vocacionado, por cuidar das pessoas. Queria cumprimentar também, aqui, nosso querido Deputado, sempre defensor dos consumidores - e faz muitas décadas, não é? -, meu querido Celso Russomanno. O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP. Fora do microfone.) - Juntos, né? A SRA. JULIANA PEREIRA DA SILVA - Juntos, há muitos anos. O senhor está muito bem, inclusive. Aqui, o Igor Britto também, que foi um colega de Ministério da Justiça, também foi do Procon do Espírito Santo - eu o conheço há muitos e muitos anos. E, na pessoa desses colegas aqui - o Dr. Gutemberg, o Henrique, da Proteste, a Defensora Federal -, os meus cumprimentos a todos. Acho que é super-relevante que nós estejamos hoje nesta Casa, que é a Casa da democracia, a Casa do povo brasileiro, que é o Congresso Nacional, para comemorar essa legislação, que é de extrema relevância para o povo brasileiro. Eu estudei os livros de um grande Desembargador de São Paulo - talvez o Igor se lembre dele -, o Rizzatto Nunes, e o querido Rizzatto falava o seguinte: "Sabe quem era o consumidor antes do Código de Defesa do Consumidor? Um azarado. Porque ele comprava um produto, deu problema, e ele dizia: 'Dei azar'; ele tinha uma questão qualquer: 'Eu tive um azar'". E, a partir da Constituição de 1988, eu acho que desde que a nossa Carta Magna definiu que o regime do Brasil é um regime da livre iniciativa, consagrado na Constituição, ela também consagrou que, dentre os parâmetros de respeito à cidadania, a proteção ao consumidor é um limite à livre iniciativa. E, a partir disso, como todos sabemos, se começou a discutir uma legislação de vanguarda para o Brasil. |
| R | Então, 35 anos parece muito tempo; depois que a gente passa dos 50, parece muito pouco tempo. Mas, nesses 35 anos do Código de Defesa do Consumidor, nós temos que resgatar aquele pacto que foi feito àquela altura - e aqui foi muito bem lembrado -, todos os embates que foram tidos naquele momento de edição da legislação, mas eu também gostaria de lembrar aqueles juristas que concederam, gratuitamente, os seus conhecimentos para a edição dessa norma. Eu acho que foi bem lembrado aqui o Ministro Antônio Herman e Benjamin, mas nós temos também o Daniel Fink, nós temos também a Profa. Ada Pellegrini Grinover e tantos outros juristas que os antecederam e os sucederam... O SR. CELSO RUSSOMANO (Fora do microfone.) - José Filomeno. A SRA. JULIANA PEREIRA DA SILVA - O nosso querido Prof. José Brito Filomeno - muito bem lembrado, não é? O Kazuo - professor, advogado, jurista... Enfim, esses juristas deram uma contribuição imensa para o legislador. E por que eu estou me lembrando deles? Porque eu acho que é superimportante, neste momento de resgatar a história, a gente lembrar que esses juristas, gratuitamente, deram as suas contribuições intelectuais, mas trouxeram para o Brasil algo muito estratégico, que, naquela ocasião, era novidade, que eram princípios, valores como a boa-fé, como a transparência, como o dever de informar - para citar alguns -, e eu entendo que, no momento em que a gente resgata e comemora os 35 anos do Código de Defesa do Consumidor, é muito importante a gente lembrar as bases que construíram essa norma, que é de vanguarda e que trouxe, graças a todos os esforços do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor... E aqui nós não podemos deixar de registrar a atuação dos PROCONs, o que foi muito bem lembrado aqui; do Ministério Público, que teve agora o seu representante; da Defensoria Pública, tanto a Federal quanto as Defensorias estaduais, que têm os seus núcleos de proteção ao consumidor, de tratativas de defesa do consumidor no âmbito dos estados, e as entidades civis, não é? Nós temos aqui duas representadas, o Idec e a Proteste, que fizeram com que esta norma, muito bem elaborada por juristas, pela contribuição dos juristas e pela boa vontade, compromisso dos legisladores brasileiros, fizeram acontecer do Oiapoque ao Chuí. Nós tivemos aqui agora um representante - aliás, dois - do Estado de Roraima, de lá do nosso Norte. E é importante lembrar que o nosso país contou com o apoio e a força do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e do Poder Judiciário nos estados para que essa lei não fosse esquecida. Nós tivemos ação direta de inconstitucionalidade, nós tivemos alguns empresários à época, que diziam: "Nós vamos deixar o Brasil, porque nós não vamos conseguir nos manter aqui com essa norma hoje". E, para nossa surpresa, não só eles estão aí ainda, e novas empresas vieram. Então, por outro lado, a legislação também traz o desenvolvimento econômico e social de uma nação. |
| R | Quando a gente cita aqui a União Europeia, quando a gente cita aqui outros países, como foram citados, nós temos que lembrar que, dentro dessas organizações, também há um desenvolvimento de produtos e serviços que, com a legislação consumerista, foi possível trazer. Eu acho que é importantíssimo a gente destacar isso. Bom, mas, numa data tão festiva, numa data tão histórica... Como o nosso querido Deputado lembrou, nós fazemos dois aniversários: vigência e sanção da norma. O código é tão importante para a sociedade brasileira que ele merece duas festas, duas comemorações. Eu entendo que essa comemoração precisa ser um objeto importante de retomada de um ambiente de construção. Eu gostei muito de ouvir a fala do novo Secretário Nacional do Consumidor, o Dr. Paulo Pereira, e várias falas aqui que nos antecederam, sobre construir um olhar para vários brasis que nós temos. Quando falamos dos consumidores, nós temos que entender que nós temos ainda vários desafios em saneamento básico, vários desafios ainda em questão de energia elétrica e telecomunicações, que são serviços muito essenciais. E, como passei pela Secretaria Nacional e estive há quase 14 anos no Ministério da Justiça atuando nessa frente, entendo que ainda não temos os problemas superados. Acho que a gente precisa... Esse novo pacto, essa nova construção que precisa acontecer, precisa olhar para esses brasileiros consumidores, eleitores, cidadãos pobres, como foi colocado aqui também pela nossa Defensora Federal, que ainda carecem do básico. É preciso lembrar que o transporte também é um direito básico regido pelo Código de Defesa do Consumidor, então transporte urbano, transporte metropolitano, enfim, não só o transporte aéreo - que, enfim, também é bem complexo. E eu já queria aproveitar aqui para dizer que o IPSConsumo, instituto que fundei em 2018 com vários outros colegas estudiosos do direito do consumidor, tem atuado gratuitamente. Nós somos um instituto sem fins lucrativos, sem nenhuma filiação a nada, simplesmente uma série de professores que têm procurado dar a sua contribuição para além das suas carreiras. Todo mundo tem as suas carreiras na vida profissional, mas, juntos, formaram o IPSConsumo. E, nesse último mês, nós comemoramos aí duas grandes conquistas. A primeira foi que nós integramos a frente para combater a fusão ou codeshare das companhias Gol e Azul. Nós entendíamos que, com isso, havia um prejuízo aos consumidores e aí nos juntamos com alguns especialistas também, professores na área de concorrência e atuamos junto ao Cade, dando a nossa contribuição para que o consumidor do transporte aéreo tenha mais acesso, principalmente, à concorrência - quem é do Estado de Roraima, por exemplo, sabe muito bem do que eu estou falando. Às vezes é mais barato sair do Brasil do que viajar dentro do nosso próprio país. Então, essas questões são questões relevantes, que a nossa atuação... E eu convido... Acho que é um novo pacto. E, quando eu falo em novo pacto, é de verdade ressignificar a integração entre os diversos atores - Poder Legislativo, Poder Executivo, o Judiciário, o Ministério Público, os atores do sistema de justiça, a sociedade civil organizada -, em torno de agendas que tragam, de verdade, cada dia a mais, o desenvolvimento das relações de consumo, que deem voz e transformem essa voz cada dia a mais em políticas públicas estruturadas. |
| R | Nós ouvimos aqui hoje... É uma tristeza saber que jovens ingeriram bebidas adulteradas. A segurança de produtos está no Código de Defesa do Consumidor há 35 anos. Quer dizer, o combate à pirataria, o combate à falsificação parece uma agenda antiga, mas, olha, estamos nós aqui 35 anos depois tratando desse tema. Então, mais uma vez, eu gostaria de agradecer bastante aqui à Comissão e pedir, em nome dos consumidores brasileiros, a esta Comissão, como falamos na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, há alguns dias, que cuidem dos nossos consumidores - cuidem dos nossos consumidores -, transformem as agendas em debate público, porque só quando a gente põe luz numa situação é que ela, de fato, tem chance de ser resolvida. E, para isso, como as relações de consumo são variadas, são inúmeras - como sempre dizem aqui os nossos Deputados e Senadores, do amanhecer, ao acender uma luz, nós já estamos consumindo; as relações de consumo estão muito imbricadas na vida do cidadão brasileiro -, então as pautas e as agendas são inúmeras. Todas as vezes que esta Casa, o Congresso Nacional, dá luz para elas, eu tenho certeza de que é uma contribuição extraordinária, porque tem muita pauta que, às vezes, passa desapercebida e aí o prejudicado vai ser sempre aquele que é mais vulnerável dentro das relações de consumo, que é o nosso consumidor. Por fim, quero dizer que o nosso instituto está à disposição desta Casa e de todos os outros colegas que aqui estão, para que a gente possa dar a nossa contribuição cada dia mais para o fortalecimento da proteção ao consumidor no nosso país, o desenvolvimento das relações de consumo, o pacto de melhoria da qualidade da vida desses nossos consumidores, que pagam por tudo neste país, e para que a gente esteja aqui também olhando uma agenda de futuro. Nós temos o tema da inteligência artificial generativa, que é um grande tema. Foi falado aqui das questões das apostas online. Nós temos aí também outro ponto muito forte na nossa agenda hoje, que é sustentabilidade; nós vamos ter a COP 30 no Brasil. Isso tem impacto também. Nós precisamos preparar os nossos consumidores para o que vem. Enfim, trabalho não nos falta - para todos: sociedade civil, Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Espero continuar contando aqui com o apoio desta Casa e de todos aqueles que não desistem nunca das causas dos que mais precisam. E os consumidores seguramente são aqueles que precisam muito do trabalho de todos nós. Era isso. Muito obrigada. E agradeço mais uma vez o convite ao nosso instituto, Sr. Presidente, Dr. Hiran, e a todos que estão por aqui. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dra. Juliana. E quero agradecer em nome do povo de Roraima, que é tão penalizado com o péssimo serviço que é prestado pelas companhias aéreas ao nosso estado. Nós que... Estou vendo aí o Dr. Adriano. Quando a senhora falou, o Dr. Adriano aquiesceu com um meneio de cabeça, porque ele sabe da dificuldade que nós temos para chegar e sair de Roraima, com uma tarifa exorbitante de cerca de R$6 mil, R$7 mil. |
| R | E o pior do que isso é que nós lá sacrificamos a nossa arrecadação de ICMS nos combustíveis para diminuir o valor do preço dos combustíveis, porque as empresas alegavam que, se a gente diminuísse a taxação, baixariam o preço das passagens, mas não baixou absolutamente nada, muito pelo contrário. E estão acabando com o voo diário nosso, de Boa Vista para Brasília. O Dr. Adriano está nos assistindo e está concordando com o que eu estou falando. Então, muito obrigado. A senhora demonstra, com esse seu comentário, um profundo conhecimento da realidade daquele país fora do eixo Rio-São Paulo, que precisa tanto do nosso apoio, do nosso conhecimento. Passo a palavra, em seguida, ao Dr. Edu Guedes, CEO do Reclame Aqui, que está reclamando porque já está meio atrasado. O Dr. Edu Neves é fundador do sítio eletrônico Reclame Aqui, plataforma brasileira que atua como canal de comunicação entre consumidores e empresas, com foco na resolução de conflitos relacionados a produtos e serviços. Estudou na Fundação Getúlio Vargas e na Escola de Administração da Universidade Stanford, em Palo Alto, nos Estados Unidos. Com a palavra, por favor, Dr. Edu. O SR. EDU NEVES (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos. Agradeço a esta Comissão o convite, em nome do Reclame Aqui, e aproveito para cumprimentar, em nome do Presidente, Senador Dr. Hiran, todos os presentes e toda a audiência. Também deixo aqui as minhas desculpas por estar reclamando do tempo, mas é um problema meu, da minha agenda, porque eu me perdi aqui. Agradeço toda a disposição de me apoiar aí nesse tempo. Bom, vou trazer, da história do Código de Defesa do Consumidor, o surgimento de um empreendimento. No início da sua fala, Presidente, V. Exa. falou sobre a questão da liberdade do mercado e que o Código de Defesa do Consumidor conseguiu equilibrar essa hipossuficiência do consumidor e manter, inclusive, muita longevidade. O mercado mudou muito, a forma de consumo mudou muito. Eu considero que, com poucas alterações, a gente vê o Código de Defesa do Consumidor ainda bastante atual na maior parte dos casos. Isso não quer dizer que os desafios todos não estejam postos. O Reclame Aqui surgiu há 25 anos. Eu vou contar um pouco a história do Reclame Aqui para dizer que ele é fruto da existência do Código de Defesa do Consumidor. Então, exatamente dez anos depois da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, um consumidor chamado Maurício Vargas, que foi meu sócio, infelizmente já falecido, inconformado com a forma como os consumidores brasileiros eram atendidos... Naquela época em que a gente ficava 3h30 no telefone para questionar um lançamento de cartão, dez dias para conseguir uma reemissão de uma passagem, ou seja, se hoje é difícil, era muito pior, mas a consciência dele como consumidor e a ofensa que ele sentia vêm desse fundo de direitos dado pelo CDC. |
| R | Eu concordo em gênero, número e grau com o fato de que a sociedade brasileira passou a ser uma sociedade muito consciente de boa parte dos seus direitos ou pelo menos de que ela tem direitos, porque foram dadas também as ferramentas legais. Não é a nossa especialidade, mas foram dadas ferramentas legais para corrigir essa hipossuficiência, como a inversão do ônus. Eu acho que o Brasil também... Acho que a Dra. Juliana citou, salvo engano, conhecer outros países. Eu posso estar me equivocando aqui, mas a gente vê que o Juizado Especial Civil e o acesso à justiça gratuita também são ganhos que existem para a sociedade menos assistida. Então, todo esse movimento suscitou, na cabeça do empreendedor, uma ideia de que, se as empresas organizaram dados e informações para saber algo sobre os consumidores, como, por exemplo, o crédito, por que um consumidor não poderia criar um serviço, um empreendimento que organizasse informação a respeito do atendimento e da qualidade do atendimento das empresas e dissesse o quanto elas são boas baseado na capacidade de resolver problema? Assim foi criado o Reclame Aqui. Desde o dia zero, o Reclame Aqui foi ao ar prezando pela transparência, vedado o anonimato, e respeitando aquilo que está dentro também do direito na questão das regras do consumidor e na Constituição Federal. A empresa é notificada instantaneamente, tem o direito de resposta instantânea - isso é gratuito -; a partir daí, surge uma avaliação do consumidor e a empresa ganha um rating, uma nota a respeito do quanto ela é boa de resolver os conflitos. Então, foi o primeiro serviço no mundo que começou a dizer o quanto uma empresa é boa em resolver aquilo que está dando errado. A maior parte dos serviços que são feitos com voz do consumidor ou, em inglês, o social proof, a prova social, é feita muito sob o domínio do marketing, como reviews, opiniões sobre produtos, sempre governados pelas marcas. Mas a realidade não foi assim tão fácil. Nos primeiros dez anos do Reclame Aqui, o Reclame Aqui era quase como um muro de lamentações. As pessoas reclamavam no Reclame Aqui e poucas empresas respondiam, porque nunca foi compulsório, sempre foi voluntário o engajamento em responder ou não. Só que, a partir do ano 2010, mais ou menos, 2011, a digitalização das compras aumentou muito, ou seja, as pessoas começaram a usar muito o Google e a internet para procurar informação antes de comprar, e o Reclame Aqui passou a ser definitivamente uma referência antes de comprar. Então, trazendo um pouco a visão do Dr. Adriano, o Reclame Aqui saiu do pós e da capacidade de as marcas resolverem o pós, projetou diretamente essa capacidade para o pré e passou a ser uma ferramenta de prevenção de problemas. Então, se uma marca não é capaz de resolver seus problemas, o consumidor provavelmente não a escolherá. Isso não é um mundo perfeito, e aí eu acho que entram as políticas de consumo e a questão de baixa concorrência. Acho que também foi falado pela Dra. Juliana sobre a questão de que, quando se diminui a oferta num codeshare de companhia aérea, como isso aumenta a vulnerabilidade, porque, por mais que o consumidor veja que uma empresa é ruim, todas são ruins porque elas combinaram ser ruins e estão operando juntas. Isso é ruim, esse fechamento do mercado é ruim para o consumidor, e isso é perceptível no Reclame Aqui. O Reclame Aqui chegou agora muito fortalecido a essa posição. Hoje a gente... Eu vou dar números de 2024, mas 80 milhões de consumidores únicos usaram o site Reclame Aqui para olhar a informação antes de comprar. Então, isso é 70% do nosso mercado de consumo ativo praticamente. E, quando a gente olha quantos consumidores se registraram e usaram o Reclame Aqui para resolver reclamações, hoje nós já estamos passando de 26 milhões de consumidores registrados. A gente registra mais de 1,4 milhão de reclamações mensalmente. Então, a gente pode... |
| R | No ano de 2024, nós registramos algo em torno de 10 milhões de reclamações, e 75% delas foram resolvidas, segundo o próprio consumidor disse. O Reclame Aqui não avalia nada; quem diz é o consumidor. Se ele disser que resolveram, a gente considera como resolvido. Mas, se a gente olhar, foram, só no Reclame Aqui, 10 milhões de reclamações, e a gente vê que 2,5 milhões de pessoas - 25% - que nos procuraram não conseguiram ter o seu problema resolvido. Isso provavelmente vai se desdobrar para o Procon, vai se desdobrar para a Justiça e para a questão da judicialização. Então, o Reclame Aqui serve como uma ferramenta de desjudicialização; ele é um anteparo do consumidor organizado pela voz do consumidor. Ele não faz política pública, mas ele tem uma capacidade de ajudar a formular políticas públicas. Hoje, nós temos mais de uma dezena de convênios de cooperação técnica. O primeiro deles surgiu, se não me falha a memória, em 2011, com o Ministério Público de Minas Gerais, com o Gaeco, na época em que surgiram os primeiros golpes digitais. Lá a gente estava falando ainda de sites falsos e golpes supersimples. A gente, em cooperação com eles, conseguia fornecer informação sobre as vítimas e sobre o comportamento dos golpistas, porque as reclamações chegavam até o Reclame Aqui, e ajudou a toda a criação de um processo de persecução dentro do Gaeco e do Ministério Público, criando protocolos de como agir e investigar crimes digitais. Então, a gente tem muito essa crença de que existem muitas camadas de informação que podem ajudar nessa visão consumerista e de defesa do consumidor. De novo, falando por essa publicidade, a gente entende que esse instrumento da transparência, que dentro do Código de Defesa do Consumidor aparece muito no tocante às ofertas, à forma de publicidade, à clareza dos contratos... Acho que tem toda essa visão de transparência que serve a todo o arcabouço legal; a gente enxerga isso também na dinâmica do problema, porque há que se separar que, num mundo onde a gente tem constantes entrantes, cada vez mais novas empresas, cada vez mais novos tipos de serviço e constante inovação, fatalmente haverá problemas. E a gente precisa entender muito claramente aqueles problemas que estão chegando para ficar, ou seja, que são congênitos à operação dos negócios. A gente sabe que tem muitos negócios que, se não tiverem determinado tipo de problema, ou seja, se eles criarem uma estrutura operacional para que aqueles problemas não ocorram, simplesmente não conseguem existir; eles não têm margem operacional para fazer isso. E aí eles sobrevivem anos e anos, empurrando e defletindo o consumidor, e muitas vezes acontece o que também foi dito por algum dos presentes: o consumidor desiste de ir à Justiça, porque ele também tem o tempo dele, tem o esforço dele, e às vezes ele está indo à Justiça por um problema de R$50, e aí ele faz a conta. Só que essa empresa, que pode estar lesando-o em R$50, pode estar lesando outro milhão de consumidores. |
| R | E aí eu acho que é o papel de a gente também cooperar e tentar ajudar nessa percepção e mapeamento da situação atual, para que especialistas, como os institutos aí presentes e os próprios órgãos, e o próprio Congresso Nacional consigam elaborar políticas públicas eficientes. A gente acredita muito nessa informação instantânea e compartilhada. A gente vem acompanhando bastante essa questão dos golpes digitais: hoje, quase 10% das pessoas que reclamaram no Reclame Aqui têm mais de 60 anos, e boa parte dessas pessoas também caíram em golpes. Então, existe uma dificuldade geracional de lidar com tanta digitalização dos serviços. É muito eficiente, operacionalmente é muito bom que seja tudo num clique, mas a gente sabe que não é todo mundo que conhece e consegue lidar com esse tipo de plataforma, e aí começa a deflexão do atendimento humano: "Ah, eu não quero, eu fecho meus canais porque eu tenho um aplicativo; eu fecho meus canais porque eu tenho um robô no WhatsApp". Então, a gente vê que aí existe um cuidado que há que se ter. Quem alcança determinados mercados tem que estar pronto para falar com aquele mercado, com aquele tipo de consumidor na característica demográfica que ele tem. E, por fim, para falar um pouco dessa questão de golpes, a gente procura sempre estar apoiando. Na Black Friday, a gente criou uma ferramenta de detecção de golpes e, só no ano passado, durante o mês da Black Friday, que é o mês de novembro, mais de 1,5 milhão de pessoas consultaram essa ferramenta com suspeita de estar sendo acionada por um golpe, quer dizer, nós somos uma plataforma nesse universo que é o consumo no Brasil, a gente é uma parte representativa de consumidores que usam a nossa plataforma, mas, mesmo assim, talvez seja a ponta do iceberg do que a sociedade brasileira está sofrendo em termos de golpes e ataques, etc. E aí eu acho que vem, talvez, o dilema a ser vencido nesse próximo ano ou nesses próximos anos, que é: como a gente vai regulamentar e regular tudo isso, o uso de inteligência artificial, que é necessário, a modernização do marco civil, que é necessária...? A gente é pré-marco civil, a gente existiu antes do marco civil, a gente passou por ele, contribuímos, inclusive, e a gente entende que ele está superado, mas como que a gente vai fazer também para não abrir brechas para que as próprias empresas, através dos seus lobbies, usem ferramentas desse tipo para conter a própria voz do consumidor? Então, eu acho que há uma tensão cruzada aí entre os sistemas regulatórios e também especialmente nessa questão do consumo digital. Era isso que eu queria deixar de contribuição e fico à disposição. Obrigado, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dr. Edu Neves. Obrigado pela sua participação. Passo, em seguida, a palavra para o nosso penúltimo expositor, que é o Dr. Igor Rodrigues Britto, Diretor Executivo do Instituto brasileiro de Defesa de Consumidores (Idec), com mais de 20 anos de experiência atuando na proteção dos consumidores do Brasil. Foi Diretor Jurídico e Presidente do Procon do Espírito Santo; Coordenador-Geral de Acompanhamento do Mercado e Assuntos Regulatórios da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça; Mestre em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória; pós-graduado em Direito do Consumo e Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra; e também é pós-graduado em Direitos Fundamentais e Transformação do Estado, pela Universidade Carlos III de Madrid. |
| R | É Professor de Direito do Consumidor e de Direito Empresarial do Centro Universitário Iesb, em Brasília, e escreveu o livro Infância e Publicidade: Proteção dos direitos fundamentais da criança na sociedade de consumo. Com a palavra, por favor. O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Dr. Hiran. Eu vou buscar aqui seguir sua diretriz de ser célere e quero aproveitar a oportunidade aqui para ser também propositivo. Eu queria já antecipar aqui a proposta final da minha fala, mas, para justificar - e endereço, em nome do Idec, para V. Exa., aqui na Presidência da Comissão -, aproveito a ilustre presença do Deputado Celso Russomanno e também faço endereçamento dessa sugestão proposta para ser adotada na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, que seria a sugestão de essas duas Comissões fazerem, todo ano, aproveitando o mês de setembro, um balanço das atividades do Legislativo e do Executivo Federal na política nacional de defesa do consumidor, na política de proteção e direitos de consumidores. Isso porque nós temos uma política pública de defesa do consumidor, que foi concebida no código, que comemora 35 anos, e ela é muito mencionada, ela é muito citada, mas a verdade é que nós, representando entidade civil de defesa do consumidor, estamos sempre nessa reivindicação de que ela seja avaliada na perspectiva do seu cumprimento: se essa política de Estado de garantir que nós cidadãos sejamos protegidos pelos órgãos da República no mercado de consumo está, 35 anos depois, sendo efetiva, sendo eficiente; se ela está sendo entregue. No que diz respeito às duas Comissões, a CTFC, no Senado, e a Comissão de Defesa do Consumidor na Câmara, nós propomos, estamos propondo aqui que, todo ano, seja feita uma avaliação das proposições legislativas não só em trâmite nessas duas Comissões, mas, quem sabe, se a assessoria do Senado e da Câmara tiverem condições e derem conta de fazer, uma avaliação das proposições em trâmite em todas as outras Comissões, mas que refletem o Código de Defesa do Consumidor, o direito do consumidor de maneira geral. Eu digo isso porque a gente segue uma lição que o Deputado Celso Russomanno sempre menciona quando vamos tratar sobre discussões propositivas: que o Código de Defesa do Consumidor... Nós do Idec fazemos a defesa de que ele se mantenha inalterado, salvo raras exceções importantes, como foi recentemente na atualização do código para trazer aquela grande parte de proteção das pessoas superendividadas. Salvo uma rara exceção como essa, que é um projeto quase de iniciativa popular, porque foi proposto também por acadêmicos, por ativistas de defesa do consumidor, salvo momentos históricos assim, nós seguimos a ideia de que o Código de Defesa do Consumidor se mantenha preservado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Você me permite um aparte? O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Por favor. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Você foi o único aparteado por mim aqui porque eu acho que é uma coisa muito pertinente. Nós estamos fazendo uma pequena alteração no Código de Defesa do Consumidor, que tem sido reconhecido, inclusive, por grandes corporações de inovação no mundo, como o Google. Tramita aqui no Senado - você deve ter conhecimento desse projeto - o 805, de 2024, de autoria do Senador Ciro Nogueira, que eu tenho a honra de relatar. Esse relatório já está pronto e trata de a gente coibir a chamada obsolescência programada. Por exemplo, eu tenho aqui esse telefone e ele tem uma conexão aqui que só cabe nesse. Se tiver um modelo mais novo, eu já sou induzido, só porque isso aqui não fabrica mais desse jeito, eu já sou induzido a comprar um outro telefone só por conta disso. Isso é um exemplo único, mas, em relação a eletrodoméstico de uma maneira geral, não se garante ao consumidor o direito de ele ter acesso a peças de reposição e a manter um produto que ainda efetivamente lhe satisfaz as necessidades, porque a empresa, de uma maneira estratégica - eu não estou aqui para julgar -, faria algumas alterações apenas para induzir o consumidor a consumir o novo produto, sem a gente ter o que fazer com o produto anterior que nós utilizávamos, que era perfeitamente útil para nós. Isso é uma coisa que, aliás, é algo que está acontecendo no mundo todo. O Dr. Henrique vai falar um pouco sobre isso, eu não quero roubar a fala dele, mas eu acho que a gente precisa realmente fazer algumas adaptações no código, porque as relações de consumo se modificaram ao longo do tempo. Mas eu vou voltar a palavra a V. Exa., é só para lhe dar ciência de que há esse projeto, o relatório está pronto, e devemos colocá-lo para aprovar na Comissão, e depois ele ainda vem aqui para a Comissão de Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor, e vamos debater ainda e procurar aperfeiçoá-lo ainda mais. O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Senador, no Idec nós conhecemos essa proposição, somos favoráveis a ela, inclusive. Como eu dizia, o que eu queria dizer era que nós somos defensores que o código seja preservado, mas, obviamente, que não deixem de ser criados e melhorados os direitos dos consumidores, como nessa proposição. Digo isso porque - e de novo citando várias vezes o Deputado Celso Russomanno, que sempre nos alerta - toda vez que se abre a porta das alterações para o Código de Defesa do Consumidor é muito comum ver que, depois de aprovada uma proposição, às vezes, aqui no Senado tão positiva como essa, ou na Câmara, ou vice-versa, às vezes acontece um desvirtuamento e, às vezes, há uma fragilização de algum outro direito. Digo isso, falando especificamente sobre o código, porque - vou citar um outro exemplo aqui que já estava na minha fala -, recentemente... E é muito raro a gente conseguir ver uma proposição positiva para os consumidores conseguir ser aprovada. Eu vou dar um exemplo aqui: V. Exas. participaram muito ativamente de uma outra proposição de iniciativa muito popular, que foi o reconhecimento, por lei, de que o rol da ANS de procedimentos é exemplificativo. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - E eu fui o Relator. |
| R | O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Exatamente, o senhor foi o Relator. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Eu fui o Relator. E aprovamos em tempo recorde. O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Exatamente, foi aprovado em tempo recorde. Se eu não me engano, em dois meses, aprovado na Câmara e no Senado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - O Presidente Arthur me deu 15 dias. O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Exato. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Fora do Regimento, inclusive. O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Exatamente. E foi muito rápido isso. O que eu quero dizer é que coisas boas em prol dos consumidores são aprovadas, às vezes, no código, como é o exemplo da Lei de Superendividamento, às vezes em legislações paralelas, mas complementares ao código, como essa norma que alterou a Lei dos Planos de Saúde, a lei que regulamentou a ANS. Sobre o Código de Defesa do Consumidor, alguns anos atrás, nós fizemos uma pesquisa, numa outra comemoração de história do CDC, e chegamos à conclusão de que ele é uma lei muito resiliente. Apesar das várias proposições, ele acaba se mantendo, sendo preservado, salvo algumas alterações, todas positivas. Não me recordo de uma alteração que foi ruim, que retirou direitos ou limitou direitos. Isso aconteceu lá nos vetos, mas, depois de ele ser aprovado, não me lembro de nenhuma que retirou ou limitou direitos que estavam ali. Então, acho muito importante que, todos os anos, haja uma proposta, Presidente Dr. Hiran, para que a Comissão possa se debruçar e fazer um balanço sobre como estão esses projetos de lei, qual está em condições mais favoráveis de aprovação, a qual deveria ser dada uma urgência, qual o clamor das entidades de defesa do consumidor, para poder acelerar algumas dessas proposições. Uma outra sugestão, dentro desse diagnóstico que pode ser feito, é algo que nós aprendemos também acompanhando estas duas Comissões aqui do Senado e da Câmara. As duas Comissões, a nosso ver, na nossa interpretação, também exercem um papel histórico importante de fiscalização do Executivo sobre o cumprimento dessas leis, a efetivação dessas leis. O senhor mencionou aqui o drama das pessoas consumidoras no norte do país com relação a se transportar, a viajar por necessidade ou por turismo - apenas um exemplo de um desses dramas, para a gente se lembrar do papel da agência reguladora por trás dela. Eu acho que é papel importante das Comissões CTFC e CDC, na Câmara, para fazer também um balanço de como está o desempenho do Poder Executivo no cumprimento do dever fundamental de proteger o consumidor, porque essa é uma grande conquista brasileira de que, às vezes, a gente não fala nas comemorações. O nosso código é um código muito avançado, é um código muito bem elaborado, mas nós temos uma coisa que, em outros países, não consta, que é o direito fundamental de cidadãos e cidadãs brasileiras exigirem que o Estado proteja gratuitamente as pessoas, o que se efetiva no serviço da Defensoria Pública, do Ministério Público, dos PROCONs. Mas é importante as Comissões, como órgãos fiscais do Executivo, fazerem também esse balanço de como está o trabalho das agências reguladoras e, no âmbito federal, do Ministério da Justiça, que tem a Secretaria Nacional do Consumidor. A título de exemplo, falando aqui de uma legislação tão discutida e aprovada, da Lei de Superendividamento, que está no Código de Defesa do Consumidor e que foi aqui mencionada, como está o exercício, a prática dessa legislação pelos órgãos públicos? As Defensorias Públicas, os PROCONs, a Justiça, o Judiciário estão dando conta de fazer cumprir essa lei para que nós, pessoas, quando nos superendividarmos, tenhamos serviço gratuito? Porque a gente sabe que não vai existir um serviço privado que vai dar conta disso. |
| R | O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP) - Infelizmente, não, Dr. Igor. Infelizmente, não. O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - E não seria interessante, Deputado Celso, se a Comissão de Defesa do Consumidor e a CTFC fizessem esse balanço? Porque as legislações são aprovadas aqui, no Senado e na Câmara, e para a nossa sociedade civil é importante ver esse papel das duas Comissões fazendo esse diagnóstico e essa avaliação sobre se a legislação precisa ser aperfeiçoada, se é preciso outras medidas legislativas para que o Estado brasileiro cumpra essas legislações. E é nesse sentido, eu encerro a minha fala só fazendo essa conclusão no sentido de uma proposição. Existem muitas entidades, todas as nossas aqui, as três associações civis aqui representadas, como a Dra. Juliana já mencionou, o Dr. Henrique vai mencionar, com certeza - estou vendo aqui que ele traz uma pesquisa realizada, inclusive pela Proteste -, o Idec gosta, nós temos muita satisfação de fazer esse tipo de pesquisa, tenho certeza de que todas as entidades civis que têm essa experiência e capacidade estão à disposição para contribuir com as duas Comissões, para ajudar a fazer esse levantamento dessas informações, esse diagnóstico, para aperfeiçoar o trabalho das Comissões também na preservação, modernização e concretização também das leis de defesa do consumidor. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dr. Igor. O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP) - Presidente Hiran, só para complementar em relação ao seu projeto. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Pois não. O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP. Para expor.) - Nós estamos enfrentando um problema sério com reposição de peças, não é só com relação a peças e produtos que por algum acaso foram descontinuados. O Código de Defesa do Consumidor deixou em aberto: por um "período razoável de tempo", pelo artigo que trata desse assunto, e esse período razoável de tempo nunca foi definido. Nós precisamos definir. Mas é pior do que isso. Para que V. Exa. tenha ideia, semana passada fiz uma reportagem contra a Porsche, um veículo da Porsche, vendido zero-quilômetro, foi batido num guard-rail e não tem peça de reposição, eles estavam pedindo seis meses para entregar a peça - seis meses, zero-quilômetro. Nesta semana, fiz uma reportagem sobre a Nissan, uma Frontier, que é uma caminhonete caríssima, saiu com um defeito no airbag e eles não têm o airbag para repor no veículo, zero-quilômetro. Então, acho que a gente tem que ser duro em relação a isso, porque antigamente a gente discutia peça de reposição de produto descontinuado e hoje não tem peça de reposição de produto que está sendo colocado no mercado neste exato momento. Então conte comigo para a gente trabalhar lá do outro lado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Obrigado, Deputado Celso. Vou lhe dar um exemplo da minha especialidade. Nós temos um aparelho que se chama facoemulsificador, é um aparelho que é utilizado para fazermos a retirada da catarata, é um aparelho que é uma bomba de infusão e de aspiração e uma britadeira eletrônica na ponta, que vibra 2,5 mil movimentos por segundo, daí ser ultrassônico. Então, essa via é colocada num cassete, no aparelho, a gente aciona e aquilo fica irrigando e aspirando líquido dentro do olho para manter a pressão onde a gente trabalha. |
| R | Aparelhos novos a gente usa três, quatro anos e funcionam muito bem. Tem que trocar... A cada paciente, a gente troca o cassete, que é a via onde circula o líquido dentro e vibra na ponta. Aí, de uma hora para outra, a empresa diz: "Olha, o aparelho está muito bom, só que a gente não fabrica mais o cassete". E aí a gente tem que comprar um aparelho que custa R$500 mil, R$700 mil, porque a gente não tem mais o cassete para colocar naquele aparelho que funciona muito bem ainda. Quer dizer, isso é um verdadeiro absurdo. Eu acho que essa lei do reparo aí vem para a gente tentar dar espaço a quem consome para ter segurança de que, ao comprar determinado produto, tenha peça de reposição por um determinado tempo absolutamente razoável. Vou voltar a palavra a V. Exa. O SR. CELSO RUSSOMANNO (Bloco/REPUBLICANOS - SP) - Senador Hiran, só para que o senhor tenha uma ideia do que está acontecendo, as grandes companhias seguradoras do Brasil estão desmontando veículos para poder substituir. Por exemplo, a Porto Seguro montou uma empresa paralela de desmonte de veículos, desmanche de veículos para ceder peças de reposição usadas para veículos que foram acidentados, dada a falta de peças. E a gente está falando só de um segmento, mas são todos os segmentos assim. Ficou fácil não respeitar o direito do consumidor. O que nós precisamos é definir o tempo de fabricação, que, a meu ver, deveria ser de cinco anos depois da descontinuidade do produto no mercado, e a garantia, durante esse prazo, da peça de reposição, sob pena das multas que estão estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, que muita gente está querendo aliviar. Se aliviar, aí é que ninguém vai respeitar absolutamente mais nada. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Obrigado, Celso, e conto com sua colaboração, com seu conhecimento e com sua expertise de um homem que está, no seu dia a dia, na sua vida profissional, inclusive, nos dando exemplo aí de proteção ao consumidor do nosso país. Parabéns pelo seu trabalho e parabéns também pela luta na aprovação desse código, que é um patrimônio do povo brasileiro. Passo em seguida a palavra ao Dr. Henrique Lian, que é Diretor-Geral da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor - Proteste. A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor é a maior associação de consumidores da América Latina, uma entidade civil, sem fins lucrativos, apartidária, independente, que atua na defesa dos direitos do consumidor do Brasil, aqui representada pelo seu Diretor, reconhecido pela sua atuação incisiva na defesa dos direitos do consumidor e por sua capacidade de articulação em temas complexos, como regulação de mercados, sustentabilidade e comunicação pública. É doutor em Filosofia pela USP, mestre em História pela Unicamp, bacharel em Direito pela PUC Campinas e atua como Professor de MBA na FIA Business School, em São Paulo. Não é pouca coisa não, hein? Mande brasa aí, vamos para a sua exposição. Muito obrigado por ter vindo aqui, Dr. Henrique. O SR. HENRIQUE LIAN (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Hiran, por esse convite, por um dia tão simbólico. Seria impossível colocar nesta audiência pública todo mundo que contribuiu para a defesa do consumidor em 35 anos, mas eu tenho certeza de que esta amostragem aqui é muito significativa: dos paladinos no Congresso Nacional, dos representantes das instituições públicas e da sociedade civil. Então estou muito feliz em estar aqui. |
| R | Para marcar essa data, nós fizemos uma pesquisa nacional, para mensurar o entendimento dos cidadãos de várias regiões e a efetividade do código. O estado de V. Exa. brilhou na pesquisa - já posso adiantar -, e eu trouxe aqui uma cópia para a Comissão. Já sabendo que os meus companheiros de mesa seriam muito brilhantes, eu vou restringir muito a minha fala a um aspecto que eu gostaria de enfatizar na defesa do consumidor, que é o aspecto constitucional, e em dois aspectos de aggiornamento do código, embora eu concorde muito com o Igor que, quanto menos mexer, melhor; mas, em coisas muito tópicas, como o caso citado pelo Senador... Eu cursei a faculdade de Direito entre 1985 e 1989. Então, vocês imaginam que o ano de 1989 foi o ano de aprender uma nova Constituição e de rever todas as matérias anteriores, estudadas à luz da Constituição anterior. E, naquele momento, saltava muito aos olhos um novo direito, e, mais do que um novo direito, um direito fundamental, o direito do consumidor, no rol do art. 5º da Constituição - direito fundamental. Fantástico! Mas passava despercebido, no mesmo momento, que o direito do consumidor também tinha sido elevado à categoria de princípio da ordem econômica nacional no art. 170, dividindo ali os incisos com a livre concorrência - livre concorrência e defesa do consumidor, como as duas faces de uma mesma moeda. Como o Prof. Guilherme Martins define, com muita felicidade: a Constituição, num tiro só, transforma o direito do consumidor em direito fundamental, para as pessoas físicas, e em um sistema conformador da livre iniciativa, para todos os agentes de mercado, pessoas físicas e pessoas jurídicas. E essa não é pouca contribuição. Foi uma abordagem liberal do direito do consumidor, partindo da máxima de que a concorrência é sempre melhor para o consumidor do que alguma forma de monopólio, duopólio, cartel, etc. É uma tese que a gente sabe que já foi desafiada pelo paradoxo do direito antitruste, mas que se mantém, pelo menos, na esmagadora maioria dos casos. Logo em seguida ao Código de Defesa do Consumidor, a lei que estabelece o sistema brasileiro de defesa da concorrência vai exatamente na mesma direção. E o art. 1º da Lei da Concorrência, de 2011, praticamente resume o art. 170 da Constituição, para "a preservação e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa do consumidor [...]" E, agora, com felicidade, vemos uma nova lei, um novo PL, forjado no Ministério da Justiça, o PL 4.675, de 2025, enviado aqui para o Congresso no dia 17 de outubro, que é uma espécie de DMA brasileiro, regulação dos mercados digitais, também baseado na concorrência, elegendo o Cade como uma autoridade de controle. Tudo isso vai nessa mesma direção, e, concordando muito com o Igor que o código deve ser preservado, mas, em alguns momentos, talvez ele mereça um aggiornamento. Por quê? Tudo aquilo que nasceu entre 1981 e 1996 é chamado de milênio, e o código é da geração milênio, ou seja, ele não é um nativo digital. Ele tornou-se digital pela sua grande flexibilidade e capacidade de adaptação. |
| R | E, aí, a nossa contribuição seria sugerir duas alterações, dois aggiornamentos: um de ordem material e um de ordem processual. O de ordem material, o Senador Hiran já mencionou, a obsolescência planejada e, além dela, a prática do part pairing, do pareamento de partes. Se a tela do meu celular quebrar hoje, dependendo da marca, não basta trocar a tela, e não é possível trocar por uma peça do mercado secundário, tem que se trocar a tela e uma série de outros componentes de segredo industrial que só são disponibilizados com peças originais, em oficinas credenciadas. Perde o consumidor, perde o meio ambiente - porque as peças vão para o lixo - e perde a economia nacional, e os pequenos reparadores também. Então, esse é um estado de coisas que está a exigir uma resposta legislativa. E essa resposta é justamente o PL do direito de reparo, do Senador Ciro Nogueira, relatado pelo Senador Hiran, que em breve estará nesta Comissão, e esperamos que, aprovado, chegue à Câmara. Do ponto de vista processual, o Código, que é uma lei que pegou - como já foi mencionado -, pegou também porque o legislador teve tanta preocupação com que ele pegasse que estabeleceu a invocação do Poder Judiciário como praticamente a única forma de solução de conflitos. No finzinho do Código, a gente tem lá as convenções coletivas de consumo, que quase nunca saem do papel, são inutilizadas. Então, num país com o número de ações judiciais que nós temos, no Brasil, mais de 83 milhões de ações em curso, das quais 10% são ações diretas de relação de consumo e, pelo menos, mais 30% indiretas, isto transforma-se em um grande prejuízo para a sociedade, incluindo o consumidor: prejuízo financeiro, prejuízo emocional, prejuízo de tempo, o Judiciário abarrotado... Então, a gente precisa encontrar caminhos - eu não tenho a solução, mas os Srs. Parlamentares, com a sociedade civil, poderão achar essas soluções - de ampliar os meios não judiciais de solução de conflitos, porque está muito pesado para a sociedade. E, por último, eu gostaria de citar uma linha da nossa pesquisa que perguntou aos consumidores qual o direito mais importante que o Código de Defesa do Consumidor trouxe. E a resposta foi: a dignidade e a cidadania, transformando os consumidores em cidadãos, atendimento respeitoso e não discriminatório. É exatamente o que o Dr. Gutemberg disse, o código trouxe dignidade para todas as classes, inclusive para nós, porque todos nós somos consumidores. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Dr. Hiran. Bloco Parlamentar Aliança/PP - RR) - Muito obrigado, Dr. Henrique Lian. Eu quero aqui, em nome do Senado Federal, agradecer a todos os nossos convidados que abrilhantaram esta sessão com seus conhecimentos, com suas exposições. Muito obrigado a todos vocês. Ficamos muito honrados com as suas presenças, as dos nossos Senadores e Deputados. Deputado Celso, parabéns pelo trabalho e parabéns por divulgar tanto esse instrumento de cidadania que é o nosso Código! E nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta sessão. Uma boa noite e um abraço a todos! (Palmas.) (Iniciada às 14 horas e 35 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 04 minutos.) |

