07/10/2025 - 32ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos e todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 32ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei 2.329, que institui o Fundo de Amparo às Crianças Órfãs e o Programa de Amparo às Crianças Órfãs, com o objetivo de promover ações que ampliem o acesso a direitos fundamentais de crianças e jovens órfãos por meio do apoio a instituições e famílias, e altera a Lei 13.756, de 2018, para incluir o Facor entre os destinatários do produto da arrecadação da loteria de prognósticos numéricos, conforme Requerimento 45, de 2025, de nossa iniciativa.
Esta reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. e dos Srs. Senadores e dos convidados por sistema de videoconferência para exposições e debates e será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular dessa forma.
Os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 061 2211. (Pausa.)
Convido a Sra. Célia Carvalho Nahas, Coordenadora-Geral de Enfrentamento às Violências da SNDCA/MDHC, representante da Ministra de Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Maria Evaristo dos Santos, para tomar assento à mesa e proceder à sua exposição por, no máximo, dez minutos. (Pausa.)
O SR. CÉLIA CARVALHO NAHAS (Para expor.) - Bom dia a todas e todos.
Quero agradecer o convite desta Comissão, na pessoa do Senador Fabiano, e dizer que sempre é uma honra voltar a esta Casa, aqui representando a nossa Ministra Macaé Evaristo, como também a nossa Secretária Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Sra. Pilar Lacerda.
Eu vou fazer a minha breve autodescrição e me apresentar.
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Eu sou a Célia e sou Coordenadora-Geral de Enfrentamento às Violências. Eu sou uma mulher branca, de aproximadamente 1,70m, tenho cabelos cacheados na altura dos ombros, estou usando um vestido azul, um colar rosa de bolinhas e óculos cinza.
Isso é para facilitar para as pessoas que não estão nos vendo, mas que estão nos ouvindo, acho que é sempre importante.
Então, primeiramente, quero dizer que é sempre muito importante e gratificante que a gente, da Secretaria, possa contribuir nos processos de elaboração legislativa que versam sobre a proteção e a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Em específico, nesse PL que nós estamos discutindo aqui com relação à criação do programa e do fundo de amparo à orfandade, acho que é importante a gente localizar isso dentro da discussão do Ministério e da Secretaria Nacional.
A Secretaria tem uma coordenação específica para debater convivência familiar comunitária, no âmbito de qual coordenação a gente discute também os processos relativos à primeira infância e ao fortalecimento de vínculo com convivência familiar e comunitária. É nesse âmbito da garantia do direito à convivência familiar e comunitária que a gente vai analisar e localizar o PL que diz respeito ao programa e ao fundo de amparo à orfandade.
Nesse sentido, acho importante a gente também destacar o empenho do Governo Federal na discussão e na priorização da primeira infância com o Pacto Nacional pela Primeira Infância. A gente vem fazendo um processo amplo e participativo para garantir a priorização da primeira infância e também, numa parceria com o Ministério de Desenvolvimento Social, o processo de revisão do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, que também versa sobre os processos de acolhimento, convivência familiar, estratégias de proteção às crianças que, porventura, venham a precisar de um amparo coletivo para poderem ter acesso aos seus direitos de convivência familiar e comunitária.
Eu não vou entrar aqui no conceito de convivência, porque eu estou entendendo que a gente tem colaboradores de outras ordens para poder fazer essa discussão, mas acho que é importante a gente sinalizar aqui que é uma posição nossa da Secretaria sempre priorizar, e também está posto em nossas políticas nacionais, a lógica da convivência familiar. Então, a gente pensar sempre na priorização do atendimento ou do acolhimento dessas crianças junto às suas famílias e junto às suas famílias extensas, se for o caso, e, na impossibilidade disso, como pode ser o caso da orfandade, a gente pensar, antes de pensar nas instituições de acolhimento propriamente ditas, em estratégia do acolhimento familiar, que está prevista em nosso normativo, em nossa política de convivência familiar e comunitária, porque os acolhimentos familiares possibilitam acesso à estratégia de convivência familiar e comunitária mais, digamos assim, efetivo do que o acolhimento institucional em instituições. Nas instituições, a gente falará de um acolhimento de um número maior de crianças; ainda que a gente possa ter uma casa-lar com dez, a gente vai falar de acolhimentos maiores, e, no acolhimento familiar, a gente vai falar de um acolhimento numa família, numa casa. Então, é um núcleo melhor que vai fazer o cuidado dessa criança.
Estou fazendo essa observação porque o PL, nem no fundo, nem no programa, vai explicitar o acolhimento familiar como aquele que pode se beneficiar do programa e do fundo. Então, a gente entende que esse é um ponto importante de entrar na discussão: que o acolhimento familiar também esteja previsto e possa se beneficiar do programa, para que a gente possa ampliar essa estratégia de apoio às crianças e aos adolescentes quando precisarem ser afastadas do seu núcleo familiar direto ou por motivos de violação de direito ou pelo motivo da orfandade. Acho que esse é um ponto muito importante que a gente precisa lembrar, porque é uma estratégia importante da política de convivência familiar e comunitária.
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Outro ponto a que a gente do ministério também entende que é preciso trazer mais clareza aqui dentro do PL é quem fará a gestão, a qual ministério estará amparada a gestão, principalmente do fundo. Não tem muita clareza com relação à gestão; sinaliza a questão do acúmulo dos benefícios, fala especificamente do acúmulo dos benefícios de renda mínima, mas não fala de outros benefícios também, como a inter-relação desse benefício que vai ser gerido pelo fundo vai se dar com os demais benefícios que essa família também poderá acumular. Acho que é outro ponto em que é preciso ter mais clareza, para que o gestor consiga operacionalizar o apoio a essas famílias de uma forma efetiva e mais direta. Acho que esses são pontos importantes aqui.
Outro ponto singelo que eu acho é o do debate que a gente sempre vai trazer é com relação à escrita, para que a gente evite fazer o uso da palavra "menor" no texto. Acho que o Estatuto da Criança e do Adolescente traz para a gente essa pequena grande alteração, para que a gente faça uso das palavras como estratégia de resistência, e a gente, nesse caso, se refira às crianças e aos adolescentes. Acho importante que a gente tenha essa... Porque isso marca um posicionamento nosso enquanto gestores, enquanto sociedade, enquanto Governo. A partir do momento que a gente tem o Estatuto da Criança e do Adolescente que a gente coloque de fato o sujeito criança/adolescente como sujeito central do nosso debate, que é o que a gente está fazendo ao propor um projeto de lei que possa dar amparo, que possa dar melhores condições de cuidado para essas crianças e esses adolescentes quando acontece a fatalidade de eles ficarem órfãos.
Então, acho que a gente se referir, na centralidade do nosso discurso a essas crianças e a esses adolescentes, também é um ponto importante, porque o que interessa em nossa construção de ação é que essas crianças e esses adolescentes tenham os seus direitos garantidos; que essas crianças e esses adolescentes consigam ter uma vida em família e em comunidade preservada; que essas crianças e esses adolescentes possam ter, de fato, um acesso na lógica da proteção integral a todos os seus direitos.
Eu acho que toda a discussão que a gente faz, tanto dentro da política da criança, mais especificamente da convivência familiar e comunitária e da primeira infância, é para que a gente empenhe esforços na construção de uma política que tenha esse sujeito na sua centralidade. Então, acho que esse também é um ponto importante para a gente discutir: a gente ver a criança e o adolescente e não ver a situação que essa criança está, ou seja, a gente não nomear apenas a violência que aconteceu com essa criança, não nomear apenas a situação de desamparo, mas nomear a criança. A gente tem de pensar também que é uma política de proteção à criança e ao adolescente, uma política de garantia de acesso aos direitos de crianças e adolescentes nesse sentido. Então, postas essas contribuições, que eu acho que são a posição da secretaria com relação ao PL, é importante também sinalizar aqui outros pontos de apoio...
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(Soa a campainha.)
O SR. CÉLIA CARVALHO NAHAS - ... que a própria Secretaria Nacional tem e que possam cumular proteção nesses casos. Vou destacar aqui, especificamente, a política de formação que a Secretaria Nacional tem, que é a Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Endica), uma plataforma online disponível para o acesso de todo cidadão. Dentro da plataforma, dentro dos cursos disponíveis, a gente vai ter aí uma série de formações em cursos livres, que podem ser acessados por todas as pessoas, por todos os operadores do Sistema de Garantia de Direitos, e que são estratégias de a gente pensar o fortalecimento dos direitos. A gente tem aí cursos que dizem do fortalecimento do sistema e do fortalecimento dos conselhos tutelares, que são órgãos importantes nessa discussão; mas também que vão dizer sobre a priorização da primeira infância e sobre políticas de cuidado, para que a gente tenha o alcance da proteção integral das nossas crianças e dos nossos adolescentes, como bem nos dizem o Estatuto da Criança e do Adolescente e o nosso ordenamento jurídico.
Acho que é isso, de forma bem breve para cumprir o nosso tempo e trazer aí as colaborações da Secretaria e do Ministério dos Direitos Humanos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado, Sra. Célia Carvalho, pela pontualidade, pela forma didática e pela exposição. Transmita o meu abraço carinhoso e a minha admiração pela Ministra Macaé. Essa pauta dos direitos humanos e da orfandade, para mim, é muito forte na minha vida.
Neste momento, eu vou conceder a palavra ao Sr. Luis Carlos Vendramin Júnior, Presidente do Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais, que fará sua contribuição pelo sistema remoto, para fazer sua intervenção por no máximo dez minutos.
O SR. LUIS CARLOS VENDRAMIN JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Olá! Bom dia a todos.
Obrigado, Senador. Queria agradecer a oportunidade de estar aqui presente.
Na verdade, sobre o Operador Nacional, na qualidade de operador, estou aqui muito mais para apresentar algumas soluções que foram propostas pelo grupo, para que a gente possa contribuir com informações mais precisas sobre a orfandade no Brasil.
Se for possível, eu gostaria de fazer uma pequena e rápida apresentação do que é o operador - se puderem liberá-la.
Quando vocês estiverem vendo a apresentação... (Pausa.)
Já estão vendo, não é? (Pausa.)
Beleza, obrigado.
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Então, o Operador do Registro Civil compõe uma estrutura chamada Serp (Sistema Eletrônico dos Registros Públicos) no Brasil. O Serp foi constituído pela Lei 14.382, que instituiu no Brasil o sistema eletrônico, que é gerido e administrado pelo Operador Nacional do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos. Isso foi um marco muito importante em todos os registros públicos brasileiros, em que não se reúne somente o registro civil, mas, também, todos os registros de imóveis e registros de títulos e documentos de pessoas jurídicas do Brasil. Os três juntos compõem o Serp.
Então, toda essa infraestrutura muito grande tem como seus principais objetivos: fazer a implementação e a sustentação dos registros eletrônicos brasileiros; fazer a interconexão de todas as serventias de registros públicos no Brasil; gerar interoperabilidade das bases de dados entre as serventias e o próprio Serp; atendimento remoto; recepção e envio de documentos eletrônicos; e também, o que é o foco aqui, a divulgação de índices e de indicadores estatísticos para a montagem de políticas públicas.
Aqui está um pouco da organização do Serp. O Serp é formado por um ecossistema, então o Serp é um sistema, é muito mais do que uma simples organização. E, embaixo dele, você tem o Operador Nacional do Serp e, também, embaixo dele, os operadores do registro civil, do registro de imóveis, que é o ONR, e o Operador Nacional de Registro de Títulos e Documentos.
O Serp é subordinado ao seu agente regulador, que, no caso específico, é o Conselho Nacional de Justiça, que também possui os seus órgãos auxiliares, que são a Câmara de Regulação e o Conselho Consultivo. Com tudo isso, forma-se o Serp, que é o agente que faz todas essas soluções.
Então, no caso do registro civil, o operador é o responsável pela sustentação em tecnologia para os cartórios de registro civil do Brasil. Esta é a nossa grande missão: prover tecnologia para as serventias de registro civil do Brasil. E, com isso, podemos disponibilizar informações mais precisas, em tempo real, de todos os registros públicos brasileiros.
No desafio que nos foi proposto, aqui a gente já tem uma pequena evolução dos últimos levantamentos que nós fizemos sobre o estudo de orfandade no Brasil. Então, esse estudo foi feito com uma metodologia de cruzamento de bases - a gente cruza as informações tanto das bases de óbito quanto das bases de registros de nascimento -, e isso simultaneamente com os registros de nascimento e também com os registros de óbito.
Também tomamos a preocupação de tentar identificar possíveis erros ou anomalias dentro desses mesmos levantamentos, para que a gente evitasse pegar situações análogas ou situações não precisas de todo o levantamento. E tomamos o cuidado de, nessa primeira metodologia, fazer uma validação dos dados, principalmente dos registros de nascimento e de óbito lavrados a partir de 2021 - depois eu vou demonstrar aonde nós chegamos hoje. Então, nós fizemos um aprimoramento contínuo de integração digital do registro de nascimento e também das inscrições de CPF.
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Desde 2016 - então, hoje, em 2025, estamos fazendo quase dez anos disto -, há um convênio feito entre a Receita Federal do Brasil e o Registro Civil do Brasil, no qual, a todo momento, quando a criança nasce e é feito o registro de nascimento, inclusive dentro das próprias maternidades, é procedida a inscrição do CPF do recém-nascido. Então, nós fizemos uma ponderação e fizemos um tratamento, cruzando tanto as inscrições de CPFs feitas em todos esses períodos e também os registros de óbito nesse mesmo período, para que a gente tivesse um resultado mais satisfatório desse projeto.
Então, nós disponibilizamos, no próprio painel de estatísticas do Operador Nacional do Registro Civil, um painel exclusivo referente aos relatórios sobre orfandade no Brasil. Esse relatório é um relatório que a gente chama de quente - é dinâmico, então tem uma atualização de D-1. Então, é sempre com as informações até a data de ontem de todos os atos de registros praticados no Brasil. Ele faz esse recorte da idade dos menores em relação ao falecimento dos seus pais, tanto orfandade por um genitor ou por dois genitores, por sexo e região; é lógico, sempre você podendo fazer os filtros conforme as necessidades.
Numa V3, porque essa já é uma segunda versão do próprio painel, nós estamos incluindo mais um filtro - que acho que, até a semana que vem, deve estar liberado - sobre mortes violentas, então, no mesmo status, na mesma visualização, se a causa desse óbito foi morte violenta ou morte natural, e também se essa orfandade se dá no caso de um só genitor ou de ambos os genitores. Então, serão agregados mais dois filtros no próprio painel sobre essas informações.
Então, eu também deixo disponível para quem gostaria de conhecer todos os dados estatísticos do registro civil. Eles ficam no endereço...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIS CARLOS VENDRAMIN JÚNIOR - ... estatisticas.registrocivil.org.br. E, na questão da orfandade/órfãos, vocês conseguem automaticamente ter acesso, de forma pública, a estas informações.
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Acho que a minha função hoje aqui é muito mais apresentar o painel, apresentar a metodologia e disponibilizar o painel para todos os interessados, principalmente para este seleto grupo aqui, porque é onde vão feitas as tomadas de decisões. O nosso papel, o papel do registro civil, o papel do operador, é disponibilizar ferramentas e informações precisas para que os agentes públicos possam tomar as medidas necessárias.
Queria agradecer muito o tempo e a abertura. E fico à disposição para qualquer questionamento que for necessário, o.k.?
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado, Sr. Luis Carlos Vendramin Júnior, que é Presidente do Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais.
Neste momento, eu concedo a palavra, no sistema remoto, ao Sr. Milton Santos, que é Coordenador Executivo Nacional da Coalizão Orfandade e Direitos, para fazer a sua manifestação por no máximo dez minutos.
O SR. MILTON SANTOS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todas e todos.
Quero saudar a todas as pessoas na figura do Senador Fabiano Contarato, a quem também gostaria de agradecer pela realização desta audiência e também pelo compromisso, que ele próprio já expressou aqui na abertura, com o tema da orfandade, da proteção da criança e do adolescente nessa condição no Brasil, uma proteção realmente universal e que alcance a todas as crianças sem nenhuma discriminação ou sem nenhuma ausência de isonomia.
A Coalizão Orfandade e Direitos é uma titulação da sociedade civil e também de instituições públicas estatais que têm se mobilizado no Brasil inteiro, nos estados, para produzir atenções públicas concretas para crianças e adolescentes que vivem a situação de orfandade, a condição de orfandade nas suas diferentes expressões.
Nós atuamos por meio de comitês estaduais, são mais de 22 comitês ativos no Brasil, boa parte deles ao vivo aqui acompanhando esta transmissão.
Eu vou só desligar aqui o meu fone de ouvido para o meu som ficar um pouquinho melhor. Eu peço apenas um segundo. (Pausa.)
Testando... Acho que sim, agora melhorou. Estou vendo aqui o retorno... Está dizendo que está sem som. Voltou o meu som? Testando. (Pausa.)
Agora melhorou. Obrigado, desculpem-me aí pela falha técnica.
Mas dizia, então, que boa parte desses articuladores e articuladoras estaduais estão acompanhando aqui esta audiência com muito interesse, porque ela terá certamente desdobramentos e inspirações no trabalho que instituições públicas e da sociedade civil têm feito nos estados brasileiros.
Quero, neste tempo que nós temos, talvez trazer dois grandes aspectos do PL em questão que nós entendemos que deveriam ser levados em conta aí na sua tramitação.
Primeiro, ele trata de uma questão ética e política que é a questão da orfandade de crianças e adolescentes no Brasil. Essa questão ética e política, todos sabem, emergiu novamente a partir da pandemia da covid-19 - a pandemia tornada sindemia pelo seu alcance e pela forma como ela foi gerida pelo Estado brasileiro, pelo Governo ali do momento -, que nos colocou, numa questão que, num primeiro momento, era tratada como íntima, individual, que é o luto de uma criança que perde os seus cuidadores, o luto dos próprios cuidadores entre si, de uma dimensão individual e íntima para uma dimensão coletiva e social. Nós todos vimos o sofrimento, a angústia de milhares e milhares de brasileiras e brasileiros que tiveram que se deparar com uma morte repentina, mal ou bem cuidada, e das crianças que sofreram de maneira adicional essas perdas. Então, isso promoveu no Brasil - não só no Brasil, no mundo inteiro, mas no Brasil em particular - um deslocamento do privado para o público estatal de uma questão que vinha sendo tratada como de ordem apenas pessoal.
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Portanto, esse PL que agora está em discussão propõe - entre outros, mas ele faz isso garantindo recursos e, portanto, ele tem uma importância fundamental no Brasil, em que o estado fiscal comanda as decisões; e garantir recursos é fundamental para as políticas avançarem - sair do isolamento, do sofrimento, para a proteção em redes que acolhem e produzem sentidos e saúde, porque a orfandade não é uma doença; ela é uma situação de desproteção social que, se não for devidamente acolhida com atenções públicas, pode, sim, gerar sofrimentos, que podem progredir para patologias, entre elas as ditas doenças mentais e outras que decorrem dessa situação social.
Portanto, o fundamental é tirar as famílias da solidão do cuidado e da sobrecarga parental que a orfandade produz. A orfandade como desproteção social, para além do sofrimento - que de forma alguma é uma doença, ele faz parte da vida - que é lidar com o luto, pode produzir situações adicionais como a diminuição de cuidados com a saúde, a diminuição da vacinação, a infrequência escolar, a exposição a situações de risco de todo tipo, por algo muito materialmente simples, que é a ausência de um cuidador. Então, para nós, a orfandade alcança aquele cuidador que tem responsabilidades sistemáticas, persistentes, cotidianas com a criança e o adolescente.
E nós tivemos aqui a brilhante apresentação do Operador Nacional do Registro Civil, Senador, que cria no Brasil a certeza de que nós temos dados para tratar da questão da orfandade. São dados censitários esses que agora foram apresentados. E eles nos dão números, Senador, assustadores: são mais de 250 mil crianças em situação de orfandade no Brasil, por diferentes causas. Nós temos que apurar concretamente quanto desse número alcança a covid, mas, pelos dados que nós temos, é em torno de 9% desse valor - em torno de 9% a 11% são crianças e adolescentes que perderam seus pais pela covid. Portanto, são situações muito diversificadas no Brasil inteiro.
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Então, em termos de duas ou três sugestões que nós fazemos aqui ao PL - já enviamos inclusive essas sugestões para o Senador Contarato, na condição de Relator -, que a gente possa trabalhar sempre com o conceito de crianças e adolescentes em orfandade não utilizando o termo órfãos, pelas razões que já foram colocadas inclusive aqui de não estigmatizar as crianças e adolescentes que vivem essa condição; trabalhar sempre com essa ideia da orfandade como perda parental daquele cuidador sistemático; trabalhar sim com essa ideia de desproteção social e trazê-la para o corpo da lei, porque esse conceito vai orientar o sistema de garantias de direito, como inclusive já foi feito na Resolução Conanda 256, que pode ser então também considerada.
Nós entendemos - talvez esse seja um ponto importante de ser revisto na medida do possível no PL - que a destinação dos recursos seja feita para os fundos municipais e estaduais de crianças e adolescentes e que esses fundos priorizem a questão da proteção integral das crianças e adolescentes em orfandade, sempre a partir de políticas públicas executadas diretamente pelo Estado e, de maneira secundária, em parceria com a sociedade civil.
Por fim, é muito importante garantir recursos para produzir conhecimento sobre a questão da orfandade no Brasil, como essas diferentes desproteções ocorrem e sobre o monitoramento efetivo dessas situações em cada estado, porque os cenários são bem diferentes. Portanto, é preciso reservar recursos no fundo para isso, e, quando se fizer necessária a transferência de recursos para as famílias, que isso seja feito sem que as famílias percam nenhum tipo de benefício adicional, porque nós estamos falando, de modo geral, quando isso acontecer, de famílias hipossuficientes do ponto de vista da renda.
Então, o que a gente propõe é uma proteção integral universal para todas as crianças e adolescentes, não só para as situações específicas. Mesmo que o fundo tenha essa origem, está sugerido que ele se torne universal, pelas questões que aqui já foram trazidas e os números de que a gente dispõe.
Por fim, Senador e demais pessoas que estão acompanhando aí presencialmente e nas redes, seria importante fazer uma ponderação. A questão da orfandade no Brasil é basicamente uma orfandade unilateral, em mais de 90% dos casos, é a perda de um cuidador. Por isso é que não gera demanda de acolhimento institucional, nem gera a necessidade de acolhimento dessas famílias em instituições de acolhimento, mas sim proteção e acompanhamento familiar da família sobrevivente, do cuidador sobrevivente. É a ele que nós devemos também destinar nossas atenções, principalmente mulheres negras, mulheres idosas, mulheres muitas vezes vitimadas de maneira secundária pelas várias violências, inclusive pelo feminicídio.
Quero então agradecer aqui a audiência, a atenção e nos colocar, como Coalizão Nacional, à disposição do Senador e do Senado para as tratativas de continuidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Muito obrigado, Sr. Milton Santos.
Eu quero fazer o registro aqui da participação da sociedade civil: a Ana, de Minas Gerais, faz questionamentos; a Carolina, do Rio de Janeiro; a Cristiane, de Minas Gerais; a Maria, de São Paulo; o Gabriel, de Goiás; a Ana, do Distrito Federal; o André, do Paraná; a Alice, do Rio de Janeiro e Samira, de São Paulo.
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Essas perguntas serão endereçadas aos convidados e à própria Secretaria para que depois dê a devolutiva com as respostas, tendo em vista a exiguidade do tempo.
Eu agradeço o comparecimento de todos os convidados, mas antes de encerrar esta audiência, eu queria aqui fazer um relato mais no sentido de um depoimento pessoal da minha vida.
Às vezes, as pessoas que por um motivo qualquer não podem ter filhos biológicos optam pelo caminho do amor, da adoção. Esse foi o meu caso, não por não poder, mas por ter uma relação homoafetiva. Então, eu e meu esposo optamos por ser pais pela via da adoção. E o processo que nós tivemos... eu acho - por isso que eu faço questão de fazer essa fala aqui - que o Ministério de Direitos Humanos, o próprio Estado brasileiro tem que ter um olhar mais humanizador, ele tem que se colocar na dor do outro.
Uma das etapas para você se habilitar no processo de adoção é você fazer um curso, e em um dia desses dias você visita um abrigo. Isso não quer dizer que naquele abrigo está o seu filho ou a sua filha, que surgirá para você. E eu confesso que eu me senti extremamente constrangido quando dessa etapa, primeiro, porque a cada aniversário que essas crianças passam num abrigo, o que deveria ser motivo de celebração passa a ser motivo de repulsa, porque diminui a probabilidade de serem adotadas.
Muito se diz que no Brasil o processo é burocrático, a adoção é difícil, a adoção demora. Eu, com todo o respeito, não vejo dessa forma, porque tudo depende do perfil que você traça para o filho que você almeja ter. Então, se você coloca num perfil que você quer um filho do sexo masculino, você vai para uma fila; se você fala que é do sexo feminino, você vai para outra fila; se você fala que tanto faz é outra fila; se você fala: "não, eu quero um filho que pode ter até sete anos de idade", é outra fila; se você diz: "não, até um ano incompleto", outra fila.
E a situação foi tão constrangedora para mim nesse processo, porque eles perguntam... o questionário, com todo o respeito, às vezes chega a ser cruel, porque pergunta se você aceita uma criança negra; pergunta se você aceita uma criança que venha de outra região do país, como, por exemplo, do Nordeste. Eu lembro que, quando a assistente social me indagou - a mim, porque eu fiz adoção unilateral primeiramente - sobre esses questionamentos, eu sei que ela estava fazendo a função dela, mas eu lembro que eu falei: "não, eu tenho amor para dar, e o amor para mim não tem sexo, não tem idade, não tem barreira".
Então, vocês têm ali crianças que vivem com HIV; tem crianças que são pessoas com deficiência. Mas eu senti ali e fiquei me colocando na dor daquelas crianças, porque você imagine: estão todas num abrigo e aí, no outro dia, quando acordam já não tem uma menininha ou um menininho. Para aquele grupo de crianças, elas são uma família, são irmãos. Como o Estado trabalha essa perda? Como o Estado trabalha essas violências que são sobrepostas? Isso também tem que ser visto.
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Eu vi um vídeo que me impactou profundamente de um rapaz que completou num abrigo... Sem ser adotado, ele estava desde pequeno no abrigo, ficou até os 18 anos. Aos 18 anos foi posto na rua; foi posto na rua, literalmente. E aí uma jornalista estava entrevistando-o, ele falou assim: "O meu sonho é ter um emprego para eu tirar meu irmão do abrigo". Quer dizer, ele tinha um outro irmão lá, e o Estado literalmente fecha as portas, como se aquela criança, aquele jovem ali não tivesse mais nenhum apoio. E a gente finge que está tudo bem. Parece que nós vivemos como Alice no País das Maravilhas: "Parece que está tudo bem". "Não, mas o que nós estamos fazendo?".
Então, eu acho que esse projeto de lei tem que ter um olhar muito mais amplo; ele tem que ter um olhar mais acolhedor; ele tem que se colocar na dor do outro; ele tem que entender o que passam essas crianças, principalmente nos abrigos.
Os meus dois filhos vieram de abrigos diferentes e hoje são razão da minha vida. Eu morro pelos meus filhos. Os meus filhos... Eu costumo falar aquilo que o poeta inglês falava: "Eles são meu norte, meu sul, meu leste, meu oeste, minha semana de trabalho, meu domingo de descanso, meu meio-dia, minha meia-noite, minha conversa, minha canção". Então, eu falo assim, meu Deus! Essas crianças só têm amor para dar e é um amor incondicional.
Eu acho que passou da hora de o Estado brasileiro efetivamente entender que garantir uma infância, uma adolescência com dignidade não é favor, é obrigatoriedade, é determinação, tanto na Constituição Federal, como no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.
Então, eu faço assim, sabe? Desculpe-me, por esse simples relato da minha vida pessoal, mas é porque, para mim, foi muito impactante. Depois eu... Nós temos outras sobreposições. Por onde que eu vou, eu... Às vezes, eu estou em viagens e em determinados temas, eu falo: "Tem um abrigo aqui no município?". Aí, eu vou àquele abrigo. Eu lembro que eu fui ao Mato Grosso do Sul, numa agenda dos povos indígenas, dos Guaranis Kaiowás, e eu perguntei sobre abrigos. E o abrigo de um indígena é totalmente diferente. A legislação para uma adoção de uma criança indígena é totalmente diferente: não pode, tem que ser reintegrado.
Então, são várias sobreposições de violência em que o Estado está omisso, o Estado está inerte, não está tendo uma atuação. Eu fico extremamente sensibilizado, porque não basta a letra da Constituição Federal, desde o dia 5 de outubro de 1988, falar. Lá está estampado para todo mundo ler no art. 6º, "São direitos sociais (...)", aí, ele começa: educação, saúde, moradia, lazer, vestuário, higiene, trabalho, previdência.
Infelizmente, nós temos aí essa triste realidade de uma sociedade que estigmatiza a via da adoção; que estigmatiza a orfandade; que estigmatiza... Quantas mães são mães solo? Eu ajudo muito também as instituições de crianças com deficiência, ou com síndrome de Down, ou com autistas.
O primeiro a abandonar a família é o pai. Quase 90% são mães solo, literalmente solo.
Agora você imagine uma criança que está dentro de um abrigo, que tem uma deficiência, porque até isso eles perguntam na hora de você fazer o perfil do seu filho. É por isso que eu me senti extremamente constrangido. Eu falei: "Meu Deus, eu quero ter o meu filho. Se vai ser uma menina, um menino, o que Deus mandar, o que for, enfim". E nós estamos falando disso, por favor, longe de mim! Eu só estou falando que é uma realidade a que o Estado brasileiro tem que estar mais atento e eu faço esse apelo. Tanto o Ministério dos Direitos Humanos quanto a própria Comissão de Constituição e Justiça e eu, no que eu puder humildemente aqui fazer para corrigir ou para dar dignidade e efetividade a essa garantia constitucional, não só na Constituição Federal, volto a repetir, mas também no Estatuto da Criança e do Adolescente, assim eu estarei à disposição e o farei.
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Muito obrigado, mais uma vez, à participação de todos.
Eu pergunto se a minha colega Célia quer fazer algumas considerações ou se já podemos encerrar?
Por favor.
O SR. CÉLIA CARVALHO NAHAS (Para expor.) - Só uma breve colocação.
Assim, eu queria, primeiro, Fabiano, parabenizar os Senadores, porque eu acho que a gente conseguir ver as crianças pelas crianças é um exercício que a gente precisa fazer cotidianamente enquanto cidadão, enquanto servidor público, enquanto Governo. Acho que é um exercício muito importante.
E aí, assim, só quero dizer que a sua fala reforça essa lógica de a gente pensar a convivência. As crianças têm direito a uma convivência saudável. Quando a gente fala que o Plano de Convivência Familiar e Comunitária é uma política central, é porque a gente entende - e aí é independente do formato de família - que são a família e a comunidade dessa criança que precisam de suporte para poder acolhê-la. Eu acho que é nesse sentido que a política de convivência trabalha e para a gente também ver todas as crianças. A gente tem muitas crianças de uma diversidade, como é diverso o nosso país, e é para todas elas que a gente tem que olhar.
O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - ES) - Perfeito.
Eu só queria aqui, já que estamos nesse assunto, falar como o Estado sobrepõe violência no país.
Eu tive a adoção do meu filho Gabriel, e, depois, quando fomos pedir a dupla paternidade, o promotor de justiça foi contra a adoção. Olha, ele tem que ver o bem-estar da criança e do adolescente, e ali ele foi impregnado com um comportamento homofóbico falando que filho tem que ter pai e mãe, jamais dois pais. Isso está nos autos do processo do meu primeiro filho. Não satisfeito - a juíza ignorou, sentenciou -, ele apelou. Enquanto não transitava em julgado, o meu esposo não podia trazer o meu filho aqui para Brasília, porque a certidão não era emitida. Essa é uma violência, mas representei esse promotor, e ele tomou cinco dias de suspensão no Conselho Nacional do Ministério Público.
Eu entrei com uma ação indenizatória por dano moral contra o Estado do Espírito Santo por um comportamento homofóbico do promotor, e o Estado do Espírito Santo foi condenado a indenizar, mas depois foi outra luta: para emitir o CPF, tem que ter a mãe ali. Mais uma vez o Estado reforçando e estigmatizando. Uma psicóloga me ligou de outro município: "Senador, como que o senhor fez o CPF do seu filho porque eu estou com um pai com adoção monoparental, e ele não emite o CPF se não tiver o campo mãe". Olha que absurdo que nós temos ainda! Então, são sobreposições de violência! Fiz uma intervenção à época com o Ministro Fernando Haddad, e isso já regularizou com relação ao CPF. Não tem que ter... Imagina um pai solteiro, um homem sozinho que está fazendo a adoção de um filho, e ele não pode emitir o CPF porque tem que ter obrigatoriamente o campo preenchido de mãe. Essa é outra realidade do Brasil.
Então, às vezes, esse preconceito, esse estigma e essa sobreposição de violência estão na sociedade civil, mas estão de forma muito perniciosa enraizados dentro do Estado brasileiro, dentro do sistema, às vezes, dentro do próprio do sistema eleitoral, dentro da Justiça Eleitoral, que você tem aí processos que só reforçam essa estigmatização.
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Então, eu quero aqui, mais uma vez, agradecer a participação de todos e todas e pedir perdão pela exiguidade do tempo, mas temos o funcionamento de outras Comissões.
E nada mais havendo, declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
(Iniciada às 9 horas e 29 minutos, a reunião é encerrada às 10 horas e 16 minutos.)