07/10/2025 - 33ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todos e a todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 33ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização da audiência pública para instruir o Projeto de Lei nº 1.473, de 2025, que "altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para tornar mais rígidas as disposições a respeito da medida de internação; e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para alterar os critérios etários de atenuante e de redução dos prazos de prescrição", conforme o Requerimento nº 48, das Senadoras Mara Gabrilli e Eliziane Gama.
Esta presente reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. Senadoras, dos Srs. Senadores e de convidados pelo sistema de videoconferência para exposição e debates.
Sem mais demora, eu convido para ocupar o espaço à mesa a Sra. Camila Lucas Mendes, Defensora Pública do Distrito Federal e Coordenadora do Núcleo de Infância, representando aqui a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. Convido também a Sra. Claudia Carletto, Presidente da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa); a Sra. Livia Vidal, Coordenadora-Geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase); o Sr. Roberto Bassan Peixoto, Presidente do Fórum Nacional dos Gestores Estaduais do Sistema de Atendimento Socioeducativo; e a Sra. Thaisi Bauer, Secretária-Executiva da Coalizão pela Socioeducação.
Vão participar de forma remota: a Sra. Danielle Cristine Cavali Tuoto, Promotora de Justiça no Paraná; e a Sra. Deila Martins, Conselheira Nacional do Conanda.
Antes de iniciarmos a fala dos convidados, a quem agradeço antecipadamente pela presença e pelas falas, eu passo a palavra para a Senadora Mara Gabrilli, que nos acompanha na forma remota, para que ela possa, enfim, fazer seus comentários.
Senadora Mara, com a palavra, por favor.
A SRA. MARA GABRILLI (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Para discursar. Por videoconferência.) - Boa tarde, Sr. Presidente. Boa tarde a todas as nossas convidadas e a todos os nossos convidados.
Eu queria muito agradecer a presença de todos os especialistas nesta audiência pública. Quero agradecer também ao nosso querido Senador Alessandro Vieira por sua disponibilidade, pela contribuição tão relevante em presidir a discussão desse tema extremamente sensível.
Acreditamos que esta audiência pública será fundamental para melhor instruir o Projeto de Lei nº 1.473, de 2025, de autoria do Senador Fabiano Contarato, que tem como objetivo aumentar o período de duração da internação de adolescentes que cometeram atos infracionais graves.
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Eu agradeço também ao nosso Presidente da CCJ, Senador Otto Alencar, que atendeu ao pedido de audiência e ainda retirou o PL 1.473 de pauta em duas ocasiões. E isso com o apoio do Relator do projeto, o Senador Flávio Bolsonaro, que se mostrou aberto a ouvir os argumentos de todos antes da sua deliberação. Obrigada por isso, Senador Flávio Bolsonaro. E o nobre Senador Contarato argumenta em sua proposta que, apesar de o uso da privação de liberdade, como medida socioeducativa, ser uma medida extrema, ela é, em alguns casos, essencial para a reabilitação do adolescente infrator e a proteção da sociedade.
Quando o projeto foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos, eu fui procurada por diversas organizações da sociedade civil; hoje, por especialistas em justiça juvenil, gestores do sistema socioeducativo, que se mostraram muito preocupados com essa mudança profunda no Estatuto da Criança e do Adolescente, o nosso ECA. E são esses os nossos convidados que hoje estão aí presentes e mandaram ofícios, como o Conanda; o Conselho Nacional dos Direitos Humanos; o Núcleo de Estudos sobre a Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos e o Fórum Estadual Intersetorial de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto - ambos do Espírito Santo -; a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep); o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e a Coalizão pela Socioeducação, formada por 35 organizações, instituições públicas, como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o Instituto Alana, o Instituto de Defesa da População Negra, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), a Rede Justiça Criminal, a Associação Juízes para a Democracia, os Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, do Ceará, de São Paulo, do Tocantins, entre outros.
Nesses ofícios, as organizações e os especialistas apontam sua contrariedade a esse PL 1.473, de 2025, e pedem sua rejeição, apontando diversos pontos que ensejam análise mais apurada do Senado.
Já solicitei ao Presidente da CCJ que tais documentos sejam anexados na tramitação do projeto, para que os Senadores e toda a sociedade tenham ciência dos impactos da proposta. O principal ponto de oposição ao PL é quanto à supressão do princípio da brevidade nas medidas privativas de liberdade para crianças e adolescentes, que está hoje consolidada no art. 122 do ECA. O princípio da brevidade se junta aos demais princípios, que são a excepcionalidade e o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
O Conanda, por exemplo, esclarece, em sua nota pública contrária ao projeto, abro aspas:
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Importa frisar que as medidas socioeducativas previstas no ECA e regulamentadas pelo Sinase não têm natureza penal. Diferentemente da pena aplicada no sistema penal adulto, elas visam promover a responsabilização do adolescente de forma compatível com sua condição peculiar de desenvolvimento, oferecendo oportunidades educativas, reinserção social e de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. O objetivo é pedagógico e protetivo, não punitivo, buscando prevenir a reincidência e favorecer a construção de um projeto de vida livre de violência [fecho aspas].
A Coalizão pela Socioeducação e a Anadep também chamam a atenção para um aspecto relevante: a ausência de uma análise de impacto orçamentário para os estados. Afirmam que serão os Governadores dos estados que terão de arcar com mais unidades e vagas no sistema socioeducativo devido à ampliação do tempo de internação desses adolescentes. Para a Anadep, essa ampliação geraria um excessivo impacto financeiro, o que poderia comprometer seriamente os cofres públicos dos estados.
Diante disso, como o PL 1.473 tem decisão terminativa aqui na CCJ, achamos coerente promover ao menos uma audiência pública para ouvir a sociedade e os especialistas que trabalham na Justiça juvenil e com medidas socioeducativas.
Nós, Senadoras e Senadores, estamos preocupados com o aumento da violência e da criminalidade na sociedade. Pesquisas recentes apontam que hoje a maior preocupação da população brasileira é com a segurança pública. Isso é muito triste e exige resposta do Parlamento, de governos e do Judiciário, para combater a violência e a impunidade, por isso o meu desejo e a minha vontade de sempre ouvir a sociedade civil. A gente não quer mais assistir ao aumento de crimes gravíssimos, como os homicídios cometidos por adolescentes, que chocam toda a sociedade. O Senado está em busca de soluções. Queremos ouvir, sim, todos, para que o melhor encaminhamento seja feito nessa questão tão sensível e tão urgente para os brasileiros.
Mais uma vez, muito obrigada às nossas convidadas e aos nossos convidados.
Obrigada, Senadora Alessandro.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Senadora Mara Gabrilli. Muito oportunas as suas falas.
Nós já temos todos presentes. Nossa última convidada já logou, a Dra. Danielle.
Apenas para situar o nosso início de debate, é importante registrar, vamos dizer, topograficamente onde estamos todos.
O autor do projeto, Senador Fabiano Contarato, é inegavelmente um progressista, e, mesmo assim, dentro da sua experiência, apresentou essa alternativa legislativa. O Senador Flávio Bolsonaro, por sua vez, é claramente o que se descreve como conservador e fez um relatório, enfim, de maior gravidade. E eu estou aqui, nesse negócio, na posição de quem tem alguma vivência na seara da proteção da infância. Eu fui Delegado da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, fui criador de delegacia de proteção à criança vítima e adolescente vítima, porque, à época, não existia isso no meu estado, existia apenas a delegacia para tratar dos atos infracionais, e tenho grande aderência com o texto desenvolvido, embora reconheça as objeções.
Nós temos que ter também sempre em mente que este Congresso diuturnamente enfrenta as tentações da redução da maioridade penal, que é apresentada como a bala de prata inexistente para resolver o problema da criminalidade.
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Situando onde estamos na discussão, para que se compreenda o porquê de ter um projeto dessa natureza tramitando, eu passo a palavra para a Dra. Danielle Cristine Cavali Tuoto, que é Promotora do Paraná e que vai participar remotamente.
Dra. Danielle, por dez minutos, por favor.
A SRA. DANIELLE CRISTINE CAVALI TUOTO (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos e a todas.
Gostaria de cumprimentar a Senadora Mara Gabrilli, proponente aqui desta audiência, e, na sua pessoa, Senador, cumprimentar todas as pessoas que estão participando, quer presencial, quer remotamente, desta tão importante audiência pública.
Compreendemos, sem dúvida nenhuma, esse contexto todo trazido aqui da redução da maioridade, dessa opinião pública, mas, acima de tudo, acho extremamente importante que nós possamos, enquanto sociedade, discutir o projeto e os seus impactos.
Sou Promotora de Justiça aqui no Estado do Paraná, integrante da Comissão Permanente da Infância e da Juventude do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais.
Esse Conselho Nacional de Procuradores-Gerais emitiu também uma nota técnica a respeito do PL 1.473, de 2025, trazendo aqui as suas preocupações tanto com as inconstitucionalidades presentes no PL e em sua emenda substitutiva, mas também com os impactos que a aprovação do projeto traria para a realidade do sistema socioeducativo. Nós que trabalhamos diariamente no sistema socioeducativo sabemos os impactos da aprovação eventual deste projeto. O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, então, expede essa nota, se coloca contrariamente ao PL, mas também se coloca à disposição para aperfeiçoar o debate, um debate público, um debate responsável, equilibrado para aperfeiçoamento do sistema brasileiro de responsabilização juvenil.
Esse sistema de responsabilização juvenil, que já foi dito aqui pela Senadora, é diferente do sistema de responsabilização dos adultos. Todo o seu fundamento está lá na Constituição Federal, no art. 227, que fala da proteção especial. Quando ele fala da proteção especial, ele fala da obrigatória observância dos princípios da brevidade e da excepcionalidade das medidas de privação de liberdade e fala também da importância de nós vermos sempre os adolescentes como pessoas em peculiar condição de desenvolvimento. Nós temos um indivíduo diferenciado, não porque o direito quer, mas porque biologicamente é diferente de um adulto. Ele não tem ainda o seu cérebro completamente formado, ele está se desenvolvendo. E, por isso, ele tem direito à proteção prioritária.
Essa proteção prioritária, só para a gente introduzir o nosso assunto aqui, surge na Constituição Federal e depois vem em 1990 no ECA, que celebra agora seus 35 anos, mas ela não vem de forma isolada. Ela vem replicando, ela vem mostrando que está absorvendo normas internacionais de que o Brasil é signatário: convenção dos direitos da criança e do adolescente; Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, chamada Regras de Beijing; as Diretrizes de Riad; as Regras de Havana. São diversas normas internacionais que fizeram com que esses dispositivos fossem parar lá no Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, a gente não está falando isoladamente de uma previsão do ECA, a gente está falando de uma normativa internacional de que o Brasil é signatário e de uma previsão constitucional.
Em razão dessas normas, é que a gente tem lá no estatuto previsto que a internação só cabe para situação excepcional, para atos com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. É por isso que a gente tem a previsão de internação provisória só por 45 dias. Para quê? Para ser célere, para ser rápido, para que o Judiciário aprecie a situação do adolescente, privado ou não de liberdade, de forma rápida. Por quê? Porque não é só punitivo, é também protetivo, é também educativo e tem que ser rápido. É por essas normas que a gente tem a previsão lá no ECA, no art. 122, de que a internação-sanção, aquela por descumprimento reiterado de outras medidas, se aplica por um prazo de 90 dias.
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Vejam, quando o substitutivo vem falar de internação provisória por prazo indeterminado, de internação-sanção por prazo indeterminado, essa previsão viola frontalmente os princípios constitucionais da brevidade e da excepcionalidade e desconsidera a condição do adolescente de pessoa em desenvolvimento.
Além disso, a gente pensa - vamos fazer o paralelo com o mundo dos adultos -: nós não temos prisão por prazo indeterminado para o adulto. Como é que eu vou ter prisão por prazo indeterminado justamente para o adolescente, que tem uma regra muito clara no nosso ordenamento, que é: não posso aplicar ao adolescente uma regra mais gravosa do que aquela aplicada a um adulto. Vão falar assim: "Ah, mas a prisão preventiva é por tempo indeterminado". Tem uma série de posicionamentos jurisprudenciais que limitam isso. E, aqui na área da infância, o que a gente vai ter? Nada? Eu vou ter um adolescente privado de liberdade respondendo a um processo por quanto tempo? Ele vai passar toda a sua adolescência, que é curta, dos 12 aos 18, privado, aguardando o julgamento de um recurso, de um processo? Não faz sentido! Você vê um adolescente que, no primeiro ato infracional em que ele se envolveu, recebe lá um serviço à comunidade para prestar e não o cumpre, e aí ele vai ficar por prazo indeterminado na internação-sanção?! Então, veja, essa previsão do projeto, sem dúvida alguma, viola a Constituição, viola as regras internacionais, e eu ouso dizer que viola o bom senso tão necessário na interpretação das nossas legislações.
Um outro ponto que a gente quer colocar aqui, antes de entrar no nosso ponto principal, é o que fala da audiência de custódia. O substitutivo vem e muda prazo de internação provisória, prazo de internação-sanção e traz, para o sistema socioeducativo, para a apuração do ato infracional, a tal da audiência de custódia no atendimento inicial. Vejam, a audiência de custódia não se harmoniza com as normas do direito da criança e do adolescente. Por quê? Porque eu tenho no ECA uma legislação especial, e, lá no ECA, já existe uma previsão legal específica: apreendido o adolescente, ele é apresentado ao Ministério Público em, no máximo, 24 horas. Para quê? Para a realização da tal da oitiva informal. Nesse momento da oitiva informal, o membro do Ministério Público vai analisar a legalidade ou não da apreensão, vai analisar se houve tortura, se houve agressão, se o adolescente passou por alguma violência no momento da sua apreensão, vai verificar a necessidade de medidas protetivas, se tem que encaminhar aquele adolescente para um tratamento toxicológico, um encaminhamento para a família... Eu tenho uma série de medidas de proteção que eu, Ministério Público, posso aplicar desde logo para esse adolescente, salvaguardando os seus direitos, antes mesmo de pensar em sua responsabilização. Eu vou analisar, na oitiva informal, as circunstâncias da apreensão. E vou, enquanto Ministério Público, que é o titular da ação socioeducativa, resolver se aquele adolescente vai ou não responder a um processo.
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E essa norma vem para o estatuto com base em previsões internacionais. A própria convenção dos direitos da criança e do adolescente fala: "Olhem, a causa tem que ser decidida sem demora". Vêm as Regras de Beijing e falam: "Olhem, eu tenho que tentar não submeter a criança e o adolescente ao sistema de Justiça. Eu preciso evitar a judicialização". E aí vêm as regras e falam: "Olhem, só será submetido ao sistema de Justiça o adolescente que, praticando um ato infracional, não for beneficiado com a remissão feita por uma autoridade".
No sistema da infância e juventude, nós já temos uma previsão específica que é a apresentação do adolescente ao membro do Ministério Público para fazer essa primeira análise - e aí processar ou não o adolescente. Discute-se muito: "Ah, mas não tem defesa". É um ato pré-processual, mas, então, que se tenha a defesa, mas que não se pense em sobrecarregar o sistema do Judiciário com essas oitivas, com essas audiências de custódia, que vêm aqui violando as regras de direito internacional. A gente celebra tanto a tal da Justiça penal negociada, usa ANPPs, uma série de benefícios para os adultos. E o ECA prevê isso desde 1990, e agora se quer retirar. Então, o Estatuto da Criança e Adolescente já tem uma fase pré-processual em que se analisa a condição daquele indivíduo, se pensa na proteção daquele indivíduo e se pensa na melhor forma de responsabilização daquele indivíduo.
Você falar numa audiência de custódia é você pensar que você vai precisar inevitavelmente de um aumento da estrutura do Judiciário, da Defensoria Pública, do Ministério Público, para conseguir fazer essas audiências, e vai violar aquela regra que diz que eu tenho que tentar não recorrer à autoridade judiciária.
Vejam, feitos esses apontamentos - nós temos pouco tempo aqui, a ideia é ser breve - sobre essa inconstitucionalidade, a gente vem trazer aqui qual é a nossa maior preocupação. A nossa maior preocupação, enquanto Ministério Público, são os impactos que isso vai trazer na gestão e no orçamento do sistema socioeducativo. O Levantamento Nacional do Sinase diz que, em 2024, nós tínhamos ali 12,8 mil vagas de internação e 2,9 mil vagas de internação provisória. Eu tinha cerca de 8,5 mil adolescentes em efetivo cumprimento de internação, dois mil e poucos em internação provisória e duzentos e poucos, quase 300 adolescentes em internação-sanção, com 77% da ocupação das unidades. Mesmo assim, eu tenho o quê? Eu tenho estados que não têm vaga para internação provisória, que não têm vaga para internação definitiva. E aí? Como é que vai ficar essa situação? Para onde vão esses meninos e meninas?
Aí eu pego o levantamento nacional do meio aberto. E aí eu vejo que, do último levantamento feito, dos 117 mil adolescentes e jovens que cumpriam medidas de liberdade assistida e serviço à comunidade, 82% são medidas em meio aberto no Brasil; somente 28% são semiliberdade e internação. Então, é a minoria, é a exceção, é o cumprimento das regras internacionais da Constituição e do ECA. Entre esses 17 mil adolescentes que cumpriam medidas em meio aberto, o que eu tenho? Eu tenho 37%, 38,5% de roubo e tráfico, só que, se eu pegar... Vamos pensar: aprovou-se este projeto, e vou considerar o tráfico de primeira passagem passível de internação provisória por tempo indeterminado, sanção por tempo indeterminado ou internação definitiva por até dez anos, como quer o projeto. Isso significa dizer que eu vou precisar dobrar o número de vagas no sistema socioeducativo brasileiro.
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E, se hoje eu tenho R$2,3 bilhões gastos para o custeio do sistema socioeducativo nacional, de onde virá esse recurso para custear esse aumento? De onde sairá o recurso para construir novas unidades? Quanto tempo essas unidades levarão para serem construídas?
O que a gente tem que pensar? Que, antes de tudo, nós precisamos analisar o impacto disso, analisar a estrutura que a gente tem, porque, senão, nada vai mudar. A gente vai ter um sistema socioeducativo, ainda hoje não implementado, como é, pois quem trabalha na socioeducação sabe que a Lei do Sinase nunca foi implementada, porque a União não cofinancia, os estados não cofinanciam o meio aberto... Nós não conseguimos ainda cumprir o que tem a Lei do Sinase. Os programas não têm minimamente os requisitos obrigatórios previstos na Lei do Sinase. Então, acho que, enquanto Ministério Público, nós não podemos deixar de dizer que, primeiro, nós precisamos pensar na implementação da Lei do Sinase, que é de 2012; na criação de sistemas socioeducativos nos estados; no cofinanciamento da União; no financiamento dos conselhos de direito para as ações do Sinase; na previsão nos orçamentos de todas as secretarias correlatas de recursos públicos para financiar as políticas da criança e do adolescente - e, nesse caso aí, do adolescente em conflito com a lei. Eu preciso ter formação profissional, eu preciso ter educação de qualidade nas unidades. Depois, se mesmo implementada integralmente a Lei do Sinase, nós não vermos resultado, aí nós estamos dispostos, enquanto o Ministério Público, a dialogar, a ter um diálogo responsável e equilibrado para que nós possamos, de verdade, pensar no que pode ser feito.
O que nós temos aqui hoje é um projeto em que nós entendemos, sim, a vontade, o porquê que ele foi feito, mas nós temos que entender que esta forma, esta proposta não atende, não vai atender. Ela vai gerar um uma falsa sensação de segurança. Por quê? Porque eu vou ter milhares... Eu vou ter aí 12 mil, 13 mil jovens sentenciados a medidas de privação de liberdade, e eu não vou ter unidade para colocá-los, eu não vou ter financiamento para custear a presença desses adolescentes e jovens nas unidades socioeducativas. Então, a gente precisa falar em estruturação do Sinase, em cumprimento da Lei do Sinase, para depois a gente pensar em alterações...
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Dra. Danielle, para concluir, por favor.
A SRA. DANIELLE CRISTINE CAVALI TUOTO (Por videoconferência.) - Muito obrigada.
Gostaria de deixar aqui o Ministério Público à disposição para maiores esclarecimentos.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Agradeço a colaboração de V. Exa.
Novamente, faço um registro apenas para que a gente possa situar o que fazemos aqui nesta Casa.
As definições de destinação de orçamento são da seara política, não da seara técnica, embora a seara técnica tenha evidentemente que ser ouvida. Eu posso indicar de cabeça pelo menos uma dúzia de fontes de financiamento, entre elas, do orçamento dos próprios órgãos representados na mesa, que têm excedentes em penduricalhos e coisas parecidas. Então, é só para a gente poder situar as prioridades que a gente estabelece.
E não é uma legislação destinada... Claro, toda legislação pode ser mal aplicada e mal interpretada, sabemos bem disso, mas evidentemente não é uma legislação destinada ao adolescente em primeira passagem por um tráfico de baixa proporção. A gente está falando de um universo em que nós temos pelo menos 1,2 mil, 1,3 mil adolescentes que são homicidas, já devidamente identificados e sentenciados nesse sentido.
Para não perder o foco - e, sim, já foi objeto de menção na reunião passada -, sobre o equívoco técnico da questão da audiência de custódia, evidentemente, isso não é necessário para o caso de adolescente. Acho que deve ter sido só um reflexo, enfim, do desconhecimento do momento de quem redigiu.
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Passo a palavra para a Dra. Camila Lucas, por favor, por dez minutos. E, como percebeu, temos tolerância aqui, pode ficar tranquila. Não se assuste, pois é automático, eu não posso desligar o negocinho dos 15 segundos.
A SRA. CAMILA LUCAS MENDES (Para expor.) - Obrigada.
Boa tarde a todos, Sr. Presidente Alessandro Vieira, Senadora Mara Gabrilli, demais Senadores e membros desta Comissão, colegas convidadas e convidados, senhoras e senhores presentes.
Meu nome é Camila Lucas Mendes, eu sou Defensora Pública aqui do Distrito Federal, Coordenadora do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública, e hoje estou aqui representando a Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos).
A Defensoria Pública é uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, e cabe a nós, conforme o art. 134 da Constituição Federal, promover os direitos humanos e defender judicial e extrajudicialmente os direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Hoje, discutimos um projeto que coloca à prova a fidelidade do Brasil à sua própria Constituição e àqueles com que mais se deve ter cuidado. O PL 1.473, de 2025, e seu substitutivo propõem mudanças profundas no Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando o tempo máximo de internação, suprimindo o princípio da brevidade e flexibilizando a reavaliação das medidas. Na prática, o que se propõe aqui é transformar o sistema socioeducativo pensado para educar e reintegrar em um sistema punitivo juvenil. E isso representa, sim, um retrocesso jurídico, social e civilizatório.
O art. 227 da Constituição Federal afirma, com toda a clareza, que crianças e adolescentes são prioridade absoluta e devem ser protegidos pela família, pela sociedade e pelo Estado, com base na doutrina da proteção integral. A proposta de retirar o princípio da brevidade e ampliar o tempo de internação viola frontalmente esse comando constitucional. Ela nega não só a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento como substitui também o paradigma da proteção pela punição e peca diretamente com aqueles com que a família e a sociedade já falharam, não cabendo ao Estado o papel de punir, mas, sim, de acolher e de reintegrar.
A Defensoria Pública entende que o desafio do país e, sobretudo, do Estado não é punir mais cedo, nem por mais tempo; o desafio é garantir que o Estado chegue antes, com educação, com políticas públicas, com oportunidades, com um ambiente que seja saudável e alternativo, para que a juventude não olhe para a criminalidade como uma alternativa. Aumentar o tempo de internação não é política de segurança pública; é, na verdade, a institucionalização do fracasso das políticas sociais.
Nesse sentido, a convenção sobre os direitos da criança e do adolescente, as Regras de Beijing, como já foi falado pela nossa colega Promotora, e as Regras de Havana são categóricas. A privação de liberdade deve ser utilizada apenas como último recurso e pelo menor tempo possível. Para além disso, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança, em sua 99ª sessão, recomendou expressamente que o Brasil não amplie o tempo de internação de adolescentes.
Aprovar este projeto seria colocar o país em rota de colisão com o Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, construído ao longo de mais de três décadas por iniciativas públicas e privadas, esforços da sociedade e do Estado, bem como com agentes de dentro e fora do país. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que os tratados de direitos humanos têm status supralegal, o que reitera, portanto, que a proposta não é apenas inadequada, mas também materialmente inconstitucional.
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Além disso, não há evidência científica que sustente que o aumento de tempo de internação reduza a violência. Pelo contrário, o que se observa em todos os estudos nacionais e internacionais é: quanto mais tempo o adolescente permanece privado de liberdade, maior o dano psicológico, social e familiar e maior a reincidência.
A maioria dos adolescentes internados no Brasil é formada por meninos negros, pobres, afastados da escola e das oportunidades. Nesse contexto, a criminalidade é vista como uma alternativa, não pelo desejo inerente de se tornar pária da sociedade, mas, sim, pela própria falta da presença do Estado e das instituições. Endurecer o Estatuto da Criança e do Adolescente é punir o abandono com mais abandono. Esta proposta não é uma resposta à criminalidade, é uma desresponsabilização do próprio Estado, que falha em garantir direitos e depois tenta compensar sua ausência com mais cárcere e com mais violência, afastando ainda mais os jovens de qualquer perspectiva de futuro.
Além da inconstitucionalidade, o projeto também peca na questão financeira, como também já foi falado pela nossa colega do Ministério Público. Hoje, cada adolescente internado custa em média R$10 mil por mês, recurso que, aplicado em políticas de educação e reintegração, traria resultados muito mais satisfatórios. Ampliar o tempo de internação também significaria um impacto aos cofres estaduais e aos cofres do Distrito Federal.
É importante lembrar também que o sistema socioeducativo já opera acima da sua capacidade, e, além disso, a gente tem o Supremo Tribunal Federal proibindo, em sede do HC 143.988, que as unidades ultrapassem o limite projetado, diante das graves violações constatadas. Então, aumentar o tempo de internação sem ampliar uma estrutura, sem ampliar equipe, sem orçamento é também perpetuar uma ilegalidade estrutural, ao mesmo tempo em que se condenam os adolescentes e servidores a um sistema que já é falho.
Esta proposta também - é importante a gente ter esta consciência - volta à lógica do antigo Código de Menores, que via a juventude pobre como um caso de polícia. Ao permitir que um adolescente passe toda a sua adolescência e parte da sua juventude privado de liberdade, o projeto nega a própria razão de ser da socioeducação. A juventude brasileira não precisa de mais muros, ela precisa de portas abertas para a escola, para a cultura, para a saúde mental, para o esporte, para a profissionalização. É nisso que reside a verdadeira segurança pública. Não é endurecendo o ECA que se vai combater o crime, é cumprindo o ECA que se previne a violência.
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A Defensoria Pública, num posicionamento institucional, em consonância com manifestações da Anadep, por exemplo, manifesta-se pela rejeição deste projeto, por entender que ele viola a Constituição, os tratados internacionais que já foram mencionados e a racionalidade pedagógica do sistema socioeducativo. O caminho constitucional poderia ser outro: fortalecer o Sinase, garantir condições dignas nas unidades já existentes, ampliar medidas em meio aberto, investir em políticas que resgatem o sentido educativo da responsabilização; um processo que transforme, não um processo que puna.
O que está em debate hoje não é apenas um artigo de lei, não é apenas uma alteração legislativa, é o tipo de país que queremos ser: aquele que enxerga sua juventude como uma ameaça ou como uma promessa? Uma sociedade que responde com prisão ou com políticas públicas? A Defensoria Pública acredita, sim, em um país, em um Brasil que não desiste dos seus jovens, um país que reconhece neles sujeitos de direitos, não inimigos da ordem. Então, rejeitar este projeto seria afirmar a Constituição, a democracia e a esperança, porque nenhum adolescente é irrecuperável...
(Soa a campainha.)
A SRA. CAMILA LUCAS MENDES - ... mas a sociedade que desiste dos seus jovens pode ser.
É isso.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Dra. Camila.
Eu passo a palavra à Dra. Claudia Carletto, Presidente da Fundação Casa, por favor. Dez minutos, com a tolerância já tradicional.
A SRA. CLAUDIA CARLETTO (Para expor.) - Muito obrigada, Senador Alessandro Vieira, Presidente desta sessão.
Quero agradecer demais tanto ao Presidente quanto à Senadora Mara Gabrilli, que propôs esta audiência pública, atendendo a um pedido coletivo de vários órgãos e instituições e da própria sociedade civil, que se demonstrou muito preocupada com a temática, Senador.
É claro que nós entendemos a preocupação e o clamor da população quando anseia que o Estado dê devolutivas rápidas a essa sensação de impunidade, de aumento de insegurança e de violência no Estado brasileiro, mas eu venho trazer uma palavra muito importante de gestora do maior sistema socioeducativo do Brasil, que é o do Estado de São Paulo, que hoje atende a 4,8 mil adolescentes em sistema de internação e semiliberdade.
Senador, o nosso orçamento beira os R$2 bilhões por ano. Isso demonstra que o sistema socioeducativo, sim, é caro, mas por que ele é caro? Eu acho que aqui, na esteira do que disseram tanto a Promotora quanto a Defensora, os sistemas socioeducativos brasileiros estão ancorados num formato pedagógico, num formato de acolhimento, de tratamento desse adolescente, porque, quando esse adolescente chega ao sistema, nós já o perdemos para o crime uma primeira vez, ele já foi aderido àquela situação que, muitas vezes, é a realidade de onde ele vive. É, muitas vezes, o sintoma da região, é sintoma do nosso Brasil, que é tão desigual e tão cheio de discrepâncias. Ele chega lá, porque a única oportunidade que ele teve na vida foi essa. Quando ele entra no sistema socioeducativo... E hoje eu me sinto aqui representante dos meus 4,8 mil adolescentes. Eu brinco que eu sinto que, mesmo não tendo filhos, Bassan, eles são os meus filhos, enquanto eles estiverem lá dentro, eu me sinto responsável por eles. E vejo qual é a necessidade e como eles chegam sem uma perspectiva nem de sonho, como eles vêm aderidos à realidade cruel que os trouxe até aqui. E o caráter pedagógico do sistema - por isso, tão caro que é - é fundamental para que a gente possa mostrar para esse adolescente que ele tem um outro caminho.
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A princípio, se nós colocarmos dessa maneira - que esse adolescente, por uma primeira vez, já foi perdido para o crime -, ele seguramente será o bandido de amanhã. O que o sistema socioeducativo brasileiro propõe para esses adolescentes é um segundo caminho a seguir. E, para tanto - nem preciso aqui reforçar o caráter constitucional da brevidade e da excepcionalidade da proteção integral, enquanto a gente fala de ser humano em desenvolvimento -, esse adolescente ainda pode ser trabalhado para que ele não vá para o caminho que seguramente ele iria se ele não passasse pelo sistema.
Agora, eu penso, Senador, se esse adolescente ficar dentro de um sistema por dez anos, qual é a perspectiva que ele tem de correção de rota? Qual é a perspectiva de reinserção social que esse adolescente vai ter?
Eu até trouxe, eu fiz uma pesquisa, uma teoria que se chama desistência do delito. A desistência do delito compreende que, quando há otimismo e perspectiva de um futuro melhor, as pessoas tendem a desistir daquilo que, enfim, naquele momento, cometeram, mas que pode não ter sido o melhor caminho, o bom caminho, se assim nós podemos dizer. Se a gente não dá nenhuma perspectiva de otimismo e de construção de um futuro diferente, como é que esse jovem vai desistir do delito?
Praticamente, a questão que mais nos preocupa é a operação. Como gestores do sistema, eu acho que isso é o que nos traz aqui, de uma maneira com muito mais porte, para dizer: nós teríamos de reestruturar todo o sistema socioeducativo para a gente conseguir fazer frente à demanda como está hoje no projeto de lei. E, para tanto, para além do custo, que já é alto... Em São Paulo, por exemplo, um custo adicional, por ano, giraria em torno de R$240 milhões, para que a gente consiga reativar unidades ou construir unidades com essa finalidade. Isso é porque, por óbvio, nós não podemos deixar um adolescente que esteja em cumprimento de medida indeterminada, por até dez anos, em conjunto com outro adolescente que entrou por uma questão que não seja tão gravosa. Então, como fazer a gestão também desse sistema é algo que demandaria mais tempo - e aí faço coro às palavras da Promotora -, que demandaria um debruçamento social, um debruçamento dos governos, um debruçamento também do Governo Federal e, em especial, das casas legislativas, para que nos ajudem a pensar, juntos, como fazer isso.
Por óbvio, problemas complexos não são resolvidos de maneira simples, e a forma corrente ou a forma açodada como este PL está tramitando nesta Casa Legislativa preocupa-nos, primeiro pela sua exequibilidade, como nós estados conseguiremos colocar isso em prática, mas, acima de tudo, Senador, eu faço um apelo em nome dos nossos adolescentes. Hoje, na Fundação Casa de São Paulo, 70% dos nossos adolescentes estão em internação por tráfico e roubo; se nós somarmos os adolescentes que cometeram homicídio ou qualquer ato de agressão sexual, não vão perfazer 4% do total. A gente pode pensar "bom, mas aí você vai me dizer que o impacto econômico não é tão grande", mas, se a gente ampliar o entendimento dos nossos juízes pelo país inteiro, em especial também - aí eu vou dizer - do meu estado, com relação ao que ele pode considerar crime de grave ameaça e violência, esse número vai aumentar. E aí, sim, nós teremos uma distorção do que seria uma aplicação e um clamor social que considero justo, mas que teria um fim, uma finalidade na ponta muito diferente do que nos traz aqui hoje, nesta terça-feira, em Brasília, para debater.
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Eu vejo que esse é um debate que a gente deveria aprofundar. Vejo, no olhar dos adolescentes dentro da Fundação Casa, um olhar de quem clama para a sociedade uma oportunidade, e é isso que todos os profissionais fazem todos os dias.
Eu posso falar isso pelos gestores que nos acompanham aqui, em todas as vezes nós nos reunimos. Eu vejo também, em todos eles, o desejo de conseguir ofertar um futuro diferente para esses jovens, e é por eles que eu peço que a gente tenha mais tempo para avaliar esse projeto de lei e que a gente consiga construir um consenso que seja justo para todos, mas, em especial, para quem mais precisa.
Eu falo, Senador, que esses adolescentes já tiveram a arma uma vez na mão, e eu não quero que eles a tenham novamente. E, se a gente aumentar o período deles em internação ou fizer, com correria, com açodamento, um debate que precisa ser mais profundo, nós a estaremos colocando pela segunda vez, sem dúvida nenhuma.
É isso, muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Dra. Claudia.
Só repetindo os números: a senhora tem 4,8 mil adolescentes, aproximadamente, sob sua responsabilidade. A senhora sabe que o universo de adolescentes e crianças de São Paulo é de quase 8 milhões de pessoas - para que a gente tenha sempre essa proporção de que público nós estamos tratando proporcionalmente. E não existe... De novo, repito, é uma frase chata de falar: qualquer lei pode ser mal escrita e depois mal interpretada. Isso é quase uma regra no Brasil, e a gente tem que tomar todos os cuidados - vocês têm razão - para garantir a melhor e mais produtiva interpretação, mas a gente não deve perder de vista que esse projeto do Senador Fabiano, mesmo na redação do Relator, Senador Flávio, não se destina aos 7,86 milhões de adolescentes paulistas, ele se destina a um grupo que vai estar em torno de 4,8 mil adolescentes que cometeram crimes como o de roubo, o de homicídio, o de tráfico de entorpecentes. Espera-se sempre que tudo seja devidamente instruído, com provas, evidentemente. Ninguém está falando dos potenciais abusos.
É só para não perder o foco do que a gente está fazendo.
Eu vou antecipar que, em algum momento aqui - a gente tem uma outra agenda -, eu me afastarei, a Senadora Mara assumirá a Presidência, e eu retornarei logo em seguida.
Passo a palavra à Sra. Deila Martins, do Conanda.
Por favor, Deila.
São dez minutos, com tolerância.
A SRA. DEILA MARTINS (Para expor. Por videoconferência.) - Sr. Presidente, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, colegas da sociedade civil, gestores e representantes dos poderes públicos, boa tarde a todas as pessoas presentes.
Meu nome é Deila Martins, estou aqui representando o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que é o órgão responsável por deliberar, monitorar e fiscalizar a política nacional de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.
O Conanda representa aqui não só uma instituição, mas um compromisso constitucional que o Brasil assumiu com a infância e a adolescência. Então, em nome do Conanda, afirmo, de forma categórica, que este projeto representa um grave retrocesso civilizatório jurídico e viola, como bem já foi colocado, frontalmente, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Sinase e todos os tratados internacionais de direitos humanos que protegem crianças e adolescentes.
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Não é à toa que no estatuto está elencado o prazo de três anos, entendendo a brevidade como o aspecto principal da proteção de crianças e adolescentes. E a brevidade numa institucionalização que compreende que a medida socioeducativa deve ser encarada como um princípio a ser cumprido, porque não é aleatório o prazo de três meses. Ele reflete o reconhecimento do adolescente numa condição peculiar de desenvolvimento e reconhece o objetivo da medida socioeducativa, que deve ser uma prática de fato pedagógica.
Na prática, esse projeto vai configurar uma consequência muito grave no dia a dia das unidades socioeducativas. O aumento do tempo de internação significará uma multiplicação do número de adolescentes privados de liberdade em todas as práticas de ato infracional infelizmente, porque a gente tem um sistema ainda muito seletivo ao definir a medida socioeducativa para o adolescente. Então, logo teremos uma superlotação nas unidades socioeducativas, uma situação que, já há alguns anos, tentamos enfrentar, porque entendemos que o sistema vive numa situação crítica.
Diversos estados ainda operam as unidades socioeducativas em condições precárias, com déficit inclusive de profissionais. O Conanda vem alertando reiteradamente que unidades superlotadas são espaços férteis para violência institucional, maus-tratos e tortura, assim como o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura já vem alertando em todos os seus relatórios. Se aprovado esse projeto, veremos um agravamento deste quadro que hoje já é dramático: são adolescentes em espaços insalubres, sem acesso à saúde, sem educação, sem o direito à convivência familiar sendo acessado de forma igualitária, vivendo em espaços de tensão e violência.
Permitam-me trazer um exemplo do meu estado, do território em que eu vivo e monitoro as unidades socioeducativas de maneira muito próxima, que é o Estado de Pernambuco. Segundo o Levantamento Nacional do Sinase, em 2024 tínhamos aqui em Pernambuco cerca de 656 adolescentes privados de liberdade. O orçamento da fundação que é responsável por esse atendimento gira em torno de R$91 milhões anuais apenas para o atendimento direto. Isso configura cerca de R$11 mil mensais por adolescente. Esse valor hoje já é insuficiente para garantir o mínimo de dignidade e qualidade nos atendimentos realizados ao adolescente. Se esse tempo de internação for ampliado de três, podendo chegar a cinco, a dez anos, esse número de adolescentes internados será triplicado em pouquíssimo tempo, porque o fluxo de saída será interrompido drasticamente. Esse mesmo orçamento significa que não se sustentará a dimensão da unidade socioeducativa com esse número de adolescentes e significará menos alimentação, menos socioeducadores, menos saúde, menos educação e mais violações de direito.
Estudos técnicos identificam que o impacto orçamentário para Pernambuco, por exemplo, vai ultrapassar R$180 milhões adicionais por ano, custo que o estado simplesmente não vai ter como absorver sem comprometer políticas públicas essenciais como aquelas de prevenção e de atendimento em meio aberto, que são mais baratas e mais eficazes na prevenção da violência.
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E, quando o orçamento não dá conta, sabemos qual é o resultado disso: superlotações, rebeliões, revoltas e mortes, cenário que Pernambuco conhece muito bem. Há alguns anos, Pernambuco registrou umas das mais graves rebeliões com mortes dentro de unidades socioeducativas, aquelas que, historicamente, tinham superlotação, aumento da sua capacidade de atendimento, falta de profissionais e negligência estatal. Essas tragédias não foram exceções, foram sintomas de um sistema em colapso. Ampliar o tempo de internação é voltar a esse patamar de barbárie que o sistema socioeducativo já vivenciou.
E tem outro elemento que não podemos silenciar dentro dessa discussão, que é o racismo estrutural. Mais de 60% dos adolescentes internados no Brasil são negros; em estados como Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, esse percentual ultrapassa 80%. Quando o Senado discute ampliar o tempo de internação, o que está em jogo é ampliar o encarceramento da juventude negra, pobre e periférica.
Não se trata apenas de um equívoco na construção política desse projeto, é uma política racialmente seletiva, que perpetua a ideia de que o jovem negro deve ser contido, vigiado e punido, enquanto o jovem branco pode ser tratado através de medidas restaurativas. Esse projeto, portanto, reforça o encarceramento da população negra, que já é marcada dentro do sistema socioeducativo. Em vez de encarar as causas estruturais da violência como o racismo, a desigualdade, a ausência de oportunidades, o PL 1.473 escolhe punir ainda mais os corpos que historicamente têm sido criminalizados em nosso Brasil.
Não há neutralidade possível nessa discussão. A ampliação da internação é também uma ampliação da necropolítica e a reprodução da lógica de quem define quais vidas merecem ser protegidas e quais podem ser descartadas.
Os defensores desse projeto argumentam que o aumento do tempo de internação trará mais segurança para a sociedade, mas a realidade mostra o contrário. Os estudos nacionais e internacionais afirmam que essa privação de liberdade prolongada pode aumentar as taxas de reincidência, porque o isolamento prolongado não educa; ele adoece, ele desumaniza e ele destrói o potencial de reconstrução da vida desse adolescente, que deveria voltar para a sociedade de maneira mais protetiva.
Não há evidência alguma de que ampliar a internação possa vir a reduzir a violência, e, sim, o que temos são provas de que o aumento do tempo de internação aumentará os custos para os cofres públicos e o custo para a vida de muitos adolescentes, que não sairão das unidades melhores do que entraram; pelo contrário, a vida desses adolescentes será cada vez mais destruída pelo próprio Estado.
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Não podemos reproduzir, como já bem foi colocado, a lógica do Código de Menores. O Brasil já se posicionou, de maneira civilizatória no Estatuto da Criança e do Adolescente, que criança e adolescente precisam ser tratados com prioridade absoluta. Não podemos permitir que o Congresso e o Senado, em pleno 2025, revivam práticas condenadas já historicamente.
Por isso, em nome do Conanda, apelando para a consciência dos Senadores do Congresso Nacional, é importante refletir que não se responde à violência com mais violência. O que nossos adolescentes precisam é de educação, oportunidade, cuidado e justiça restaurativa para todos. Não precisamos de mais grades nem de mais anos de punição.
Essa ampliação do tempo de internação só multiplicará as mortes de adolescentes dentro do sistema, que não terá condição alguma de trabalhar de maneira pedagógica, considerando que terá, de fato, uma superlotação.
Não podemos deixar o Brasil chegar a esse retrocesso, ampliando o sofrimento de adolescentes e de suas famílias.
Agradeço a oportunidade e esperamos que o Senado, de fato, tome uma postura civilizatória rejeitando o PL 1.473.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Agradeço à representante do Conanda.
Eu vou passar a Presidência para a Senadora Mara. Gostaria que verificassem se ela está ativa, online, para poder assumir a Presidência.
Espero voltar a tempo, ainda, de encontrar as senhoras e os senhores, mas, se não encontrar, agradeço muito pela oportunidade. Comprometo-me a trabalhar para melhorar o projeto. Ele, efetivamente, tem um largo espaço para melhora de texto, mas, de toda sorte, ainda assim, registro a necessidade fundamental que nós temos de compreender que não dá para tratar problemas que são estruturais sob o ponto de vista único e exclusivo de liberações ou desencarceramento, falando de adultos, ou de internação, no caso dos adolescentes.
O Brasil já vive esse cenário há muito tempo, desde os mutirões carcerários do Ministro Gilmar Mendes, que, talvez, em boa hora, tenham surgido, mas que se exauriram. O Brasil tem que fazer suas escolhas políticas e orçamentárias: essas escolhas são feitas nesta Casa e, à medida que se façam com responsabilidade e atendendo aos anseios da sociedade, com respaldo técnico, caminharemos bem.
O que não é razoável é imaginar que não se pode implementar uma legislação porque hoje o orçamento não comporta, uma vez que quem está determinando a legislação também é quem determina o orçamento. Então, não deveria ser um problema real. A gente está, talvez, tergiversando o assunto.
Senadora Mara, agradeço muito pela sua disponibilidade e até breve.
Obrigado, senhores.
A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador Alessandro Vieira.
Eu queria agradecer as palavras da Sra. Deila Martins, Conselheira Nacional do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), e passo a palavra para a Sra. Livia Vidal, Coordenadora-Geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
Sra. Livia, com a palavra.
A SRA. LIVIA VIDAL (Para expor.) - Muito obrigada.
Eu gostaria de iniciar agradecendo muito à Senadora Mara Gabrilli, à Senadora Eliziane Gama, à Senadora Augusta Brito e à Senadora Zenaide Maia - tanto às duas primeiras Senadoras, Eliziane e Mara, que pleitearam este espaço e se voluntariaram a nos fortalecer; quanto às demais, que abriram o espaço de diálogo e estão apoiando, para que possa ter espaço e tempo de reflexão.
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Eu acho bastante significativa a composição da nossa mesa. A gente está aqui entre especialistas da socioeducação, tanto do sistema de justiça quanto da sociedade civil, e executores da medida socioeducativa nos estados. Temos aqui o Estado do Ceará e de São Paulo, mas também temos, nesta plenária, o Estado da Paraíba e o Estado da Bahia representados, e todos, unanimemente, estamos contrários a esse PL. Parece-me salutar que esta Casa se disponha a ouvir com mais cautela, com mais tempo e com mais cuidado todas as apreciações dos especialistas da área.
Por favor, pode passar.
Eu trago aqui algumas reflexões sobre - a gente já veio apontando aí - o número de adolescentes. Temos, como o Senador apontou, a socioeducação, que representa menos de 1% da população adolescente brasileira, mas, por outro lado, apesar de a gente representar menos de 1% dessa população, parece, às vezes, que a população juvenil e que a população adolescente brasileira, em especial preta, periférica, negra e pobre, representa o monstro, o anseio e o temor que a gente tem em relação à segurança pública.
A gente tem aqui uma...
Acho que tivemos algum problema nesse eslaide. Pode passar.
Aqui seria aquele maior quantitativo, que é o quantitativo que está cumprindo medida socioeducativa de internação, mas aí, adensando esse perfil dessa população, a gente está falando, como já foi citado, de uma maioria de adolescentes negros.
Gostaria de trazer aqui que a maioria dos adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa - nós estamos falando de 87% - têm entre 15 e 18 anos. Se a gente ampliar o tempo de cumprimento de medida desses adolescentes, a gente pegando o adolescente de 15 anos, ele vai cumprir medida até os seus 25 anos, no caso mais gravoso e mais danoso da experiência desse projeto de lei. Se a gente pegar um adolescente que cometeu um ato infracional até os 18 anos, a gente está dizendo que a gente vai ter esse jovem até os 28 anos no sistema socioeducativo, talvez junto com o adolescente de 15, na mesma unidade.
A gente tem aqui os dados também sobre renda familiar. A gente está falando sobre famílias que têm uma renda familiar de um a dois salários mínimos por família.
Então, acho que esses são dados que vêm falando, sim, desse contorno, desse perfil social e identitário dos adolescentes que estão hoje em cumprimento de medida socioeducativa e que revelam as desigualdades sociais no nosso país.
Por favor.
Se a gente pensar aqui nos atos infracionais, como foram citados, a gente tem hoje um número importante e significativo dos atos de tráfico de drogas. A gente costuma dizer, nas pesquisas e nos estudos sobre socioeducação, que tráfico de drogas e roubo, furto, são atos infracionais relacionados à necessidade de acesso à renda. Então, a gente está falando de populações que precisam de apoio econômico, de apoio financeiro, de apoio para sobreviver.
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Os atos de homicídio, estupro, latrocínio, se a gente somar, vão computar aí 15%, 16% dos atos infracionais, então, de fato, a gente tem um apelo que, por um lado, o tempo inteiro nos conta sobre jovens e adolescentes como representantes da violência e da insegurança pública e dos nossos temores sociais, mas, de fato, esse número de adolescentes que estão cometendo atos infracionais hediondos ou gravosos... Esses números são pequenos, mas eles precisam ser acompanhados com muita, muita cautela e com muito cuidado, com muito investimento em educação, investimento social, investimento em ressocialização, de fato, em capacitação, inserção à renda.
A gente está distribuindo alguns PLs aqui, reunimos mais de dez PLs que foram encaminhados e chegaram até nós. Sobretudo, a gente pode destacar aqui o CNJ, o Ministério da Justiça, o Ministério do Desenvolvimento Social, trazendo todas as falas de Governo Federal em nível nacional, mas também notas de repúdio do Estado do Espírito Santo, apontando a gravidade desse PL.
A gente já apontou isso. A gente vai precisar de, no mínimo, 27 unidades, uma por estado, para dar conta da implementação desse PL; mas a gente não pode pensar em uma unidade, porque, se a gente está pensando que um dos compromissos da socioeducação é a construção e o fortalecimento do vínculo familiar e comunitário, a gente precisa que essas unidades sejam regionalizadas. Então, a gente não vai poder ter apenas uma unidade para cumprimento de medida socioeducativa estendido; a gente vai precisar de diversas unidades em cada um desses estados. Para construir uma unidade hoje, a gente fala de um orçamento que gira em torno de 40 milhões a 100 milhões por unidade. Então, a gente está falando de diversas unidades para dar conta dessa realidade nova.
Pode passar, por favor.
A gente tem aí um aumento. Entre os estudos que nós fizemos, chegamos a um custo médio mensal, olhando para o Brasil de uma forma ampliada - um custo em São Paulo é diferenciado do custo em Pernambuco -, uma média mensal de R$13.770 por adolescente. Pelo menos 60% desse valor corresponde a gastos estruturais e com profissionais para atendimento dessa medida. É um valor bastante pequeno, irrisório ainda, infelizmente, nas ações educativas, de capacitação, ações de cultura, esporte e lazer, que ainda são irrisórias dentro do sistema socioeducativo e que precisam ser fortalecidas. Então, a gente vai ter aí um aumento de gastos de pelo menos 333%, e a gente precisa olhar para isso, não tem jeito.
A gente entende que - e isso já foi trazido aqui nesta plenária - a internação não resolve as nossas angústias. E o que a gente está desejando e o que a gente está solicitando à sociedade é pensar: o que nós estamos nos convocando a pensar quando a gente pensa no PL 1.473? A gente está falando de impunidade e a gente está falando de um anseio de segurança. Como o Senador que estava aqui presidindo, até poucos minutos, o Senador Alessandro, nos aponta, a gente tem um apelo social sobre impunidade e sobre segurança pública.
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A questão é que a medida socioeducativa de internação não resolve a impunidade. Se a gente está olhando para a brevidade da medida, para até três anos, e pensando que essa medida gera impunidade, a gente está olhando de maneira equivocada, porque a perspectiva da medida socioeducativa é uma perspectiva de fortalecimento de rede. Então, ela precisa ter um tempo necessário para que a escola, para que o vínculo escolar seja fortalecido, para que o vínculo social e as políticas sociais sejam fortalecidas...
(Soa a campainha.)
A SRA. LIVIA VIDAL - ... e essa família consiga ser inserida nos mais diversos programas de apoio, de acesso à renda, apoios diversos, para que o acesso à saúde possa ser fortalecido... E a gente tem aí a política Pnaisari nos fortalecendo, e não só a socioeducação, porque quando a gente trabalha na perspectiva de fortalecer as políticas públicas que apoiam que o adolescente retorne para o seu vínculo, para a sua comunidade e para a sua família, a gente está fortalecendo a política pública para todos. Porque, quando a gente investe em Pnaisari, a gente está fortalecendo não um profissional exclusivo que vai atender o adolescente, mas a gente está investindo no SUS. Quando a gente está fortalecendo a política de assistência social, a gente está fortalecendo o Suas de uma maneira geral.
Então, a gente tem aí a medida socioeducativa prolongada como indutora, e a gente tem essa pesquisa dentro do prisional, né?
(Soa a campainha.)
A SRA. LIVIA VIDAL - Os resultados que a gente vê, do sistema prisional, indutor de novas infrações.
Impacto na saúde mental: a gente vê diversas pessoas que, após um tempo prolongado de internação, de privação de liberdade, têm problemas de insônia, ansiedade e pânico.
Quebra de vínculos familiares: como um adolescente, após dez anos, vai retornar para a sua família, para a sua casa, de uma maneira fortalecida? A gente sabe como os adolescentes retornam para os seus espaços; muitas vezes nem conseguem retornar pelos estigmas diversos que são constituídos no seu território.
E a desescolarização. Mas, nesse caso, a gente vai ter que chegar à pós-graduação, ao mestrado e ao doutorado, dentro da medida socioeducativa, para dar conta dessa medida de uma forma educacional, para cumprir com esse vínculo, com o processo educacional.
O que a gente entende que seriam avanços e caminhos?
(Soa a campainha.)
A SRA. LIVIA VIDAL - E aí avanços recentes, que a gente tem dentro da socioeducação, que ainda precisam ser mensurados, ainda precisam ser acompanhados.
Central de vagas, que tem impedido a superlotação. A gente ainda nem conseguiu chegar nas 27 unidades federativas, e a gente precisa que isso aconteça.
A ampliação da Pnaisari, que fortalece o SUS - também precisa chegar a todos os municípios.
A promoção da educação integral dentro das unidades socioeducativas, que está começando a ser pensada, começando a ser implementada em alguns estados.
O fortalecimento da formação de profissionais, em parceria com universidades públicas, mas também com os sistemas de execução estaduais, mas nós estamos aí lançando, até o final deste ano, 12 escolas estaduais de socioeducação para fortalecer o processo de formação e capacitação de profissionais do sistema socioeducativo, em especial o meio aberto que precisa de apoio.
(Soa a campainha.)
A SRA. LIVIA VIDAL - E a estruturação do atendimento pós-medida, para acompanhar esse adolescente após o cumprimento da privação e da restrição de liberdade, para que ele tenha condições de se reintegrar e se reinserir.
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Do que a gente precisa? A gente precisa fortalecer o meio aberto. A gente precisa construir estratégias para vínculos familiares e comunitários cada vez mais potentes e fortalecedores desse jovem e desse adolescente. A gente precisa potencializar uma escolarização saudável e sadia, em que a gente não tenha 37 dias letivos interrompidos no processo de escolarização desses jovens e desses adolescentes por conta de intervenção policial ou de guerra entre facções nos territórios conflagrados, e a gente precisa investir nas famílias para que tenham habitação segura, para que tenham direito ao transporte digno e à soberania alimentar. A gente está falando de sociedade.
(Soa a campainha.)
A SRA. LIVIA VIDAL - Pode passar, por favor.
Então, isso é uma reiteração do eslaide anterior.
Muito obrigada. Eu acho que eu vou ficar por aqui, já ultrapassei o meu tempo, me parece.
A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Sra. Livia Vidal, que é Coordenadora-Geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Obrigada pelas suas palavras.
Eu queria chamar o Sr. Roberto Bassan Peixoto, que é Presidente do Fórum Nacional dos Gestores Estaduais do Sistema de Atendimento Socioeducativo (Fonacriad).
Por favor, Sr. Roberto, com a palavra.
O SR. ROBERTO BASSAN PEIXOTO (Para expor.) - Boa tarde, Senadora Mara.
Queria aqui agradecer muito a oportunidade da realização desta audiência pública e, na sua pessoa, cumprimentar os demais Senadores. Faço um agradecimento especial à Senadora Augusta Brito, que abriu espaço de escuta e de diálogo com o Fonacriad. Queria aqui registrar a presença, para além da Claudia, responsável pela Fundação Casa, em São Paulo, do Flavio, gestor do Sistema Socioeducativo da Paraíba, e da Regina, gestora do Sistema Socioeducativo da Bahia. Queria cumprimentar os gestores que nos acompanham de maneira remota nesta audiência pública.
O Fonacriad é um fórum histórico que foi criado antes mesmo da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que atualmente congrega todos os gestores estaduais do sistema de atendimento socioeducativo, e para esta pauta construiu uma nota técnica onde aborda alguns pontos de preocupação e de inflexão sobre o atendimento socioeducativo nacional e os impactos dessa mudança legislativa nesse contexto.
Um desses itens - já foi abordado aqui - que nos é muito caro é exatamente um conceito de estudo muito conhecido, que é o mito da impunidade. A gente não pode acreditar que nada acontece com esse jovem que comete ato infracional. Hoje a nossa legislação prevê a privação de liberdade, e isso não é pouco. Há uma real responsabilização desse jovem a partir do cometimento do ato infracional com uma previsão legal. Se a gente não combater o mito da impunidade e acreditar que esses jovens estão impunes, a gente está escolhendo um modelo de sociedade no qual a punição vale mais do que um processo educativo e formativo. E vou além, com estudos técnicos, com a oportunidade pessoal que eu tive de fazer um doutorado sanduíche na Espanha, que é um país que reduziu a idade penal e não teve impacto algum na redução da violência. Então, a gente vai atacar um clamor social com uma penalização e responsabilização desses jovens, com algo que de fato - já comprovado com estudos - não impacta diretamente a violência. Se o objetivo é a redução da violência, o aumento do tempo de internação não vai conseguir atingir esse objetivo de maneira efetiva.
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Um outro ponto da nota técnica do Fonacriad traz os princípios e ordenamento legal. Eu não vou dar ênfase, porque vários dos debatedores já fizeram, mas vou trazer. Para além do princípio da prioridade absoluta, da proteção integral, da brevidade e excepcionalidade, me traz uma preocupação muito constante a questão do prazo indeterminado de internação provisória. Precisamos fazer um reconhecimento histórico dos esforços do sistema de Justiça para cumprir esse prazo regimental de 45 dias: nós podemos afirmar, enquanto gestores, que o sistema de Justiça tem dado conta da execução desse prazo de 45 dias. E um retrocesso gigante causaria não só o aumento do tempo de internação provisória, mas uma desproporcionalidade em relação ao adulto, que é uma previsão constitucional nossa. Isso impactaria demais a lógica de política e traria para o sistema socioeducativo uma desconstrução do que está sendo proposto hoje.
Eu estou falando aqui de um lugar de execução de medida socioeducativa onde podemos afirmar que vencemos uma realidade de violação de direitos para uma realidade de garantia de direitos. Podemos falar, sim, da ausência de tumultos, rebeliões nos centros socioeducativos de maneira atual e, se aumentar indiscriminadamente o número de jovens para voltarmos para um contexto de superlotação, esse dado, que é um efetivo compromisso dos gestores agora, vai estar colocado à prova de uma maneira irresponsável.
Para isso, a gente traz alguns olhares também sobre o regramento internacional, do qual o Brasil é signatário, tanto a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, quanto as regras de Riad, quanto as Regras de Beijing, quanto as diretrizes de Havana. São alguns dos exemplos de que esse projeto de lei deve considerar, no seu texto, a correção conceitual para que a gente continue cumprindo esse regramento internacional, do qual o Brasil é signatário, e tenha um compromisso nessa perspectiva.
E eu não posso aqui deixar de citar algo que muitas vezes passa despercebido no contexto da execução das medidas socioeducativas: o estatuto traz muito claramente que a internação é em estabelecimento educacional. Esse termo é fundamental para que a gente entenda as atribuições legais. Quando a gente aumenta o tempo de internação, obrigatoriamente, metodologicamente, há um outro processo em voga, em curso que precisa ser estudado e detalhado, e os estudos técnicos desse projeto de lei não dão conta disso. O modelo arquitetônico adotado atualmente não será suficiente para um tempo de internação de cinco ou dez anos. Uma unidade de internação nova hoje custa, em média, R$30 milhões para a sua construção arquitetônica, e os estados não dispõem desse recurso técnico para executar um modelo de internação em que os jovens não vão ficar três, e, sim, vão ficar dez anos. Isso vai impactar sobremaneira.
E mais um item observado, que já foi dessa pauta aqui, mas que para nós, gestores estaduais, é fundamental, porque já aparece em cartas anteriores do Fonacriad, é a ausência de estudos de impacto fiscal e fonte de financiamentos. Na carta do Fonacriad de João Pessoa, na qual os estados se reuniram de maneira técnica, há uma pauta só sobre financiamento e a ausência atual de financiamento federal para os estados no que diz respeito à política de privação e restrição de liberdade. Não é possível avançar numa política de restrição e privação de liberdade sem corresponsabilizar os entes federados na corresponsabilidade da execução. Nessa carta do Fonacriad, se evidencia uma necessidade eminente da construção de um fundo nacional para o sistema de atendimento socioeducativo. Se esse projeto de lei é aprovado sem a eminência de um fundo nacional, será o sucateamento de um sistema que já tem suas dificuldades financeiras pela inexistência do financiamento federal - que isso se reporte.
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Do ponto de vista objetivo, usarei o exemplo do Estado do Ceará, do qual eu sou o gestor atualmente, enquanto Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo. Nós estimamos que o projeto de lei, como está hoje, impactará de 30% a 40% o orçamento anual do Estado do Ceará, no que diz respeito à política de atendimento socioeducativo. Isso significa um aporte anual de R$30 milhões, dinheiro do qual o Governo do Estado do Ceará não dispõe para essa política, considerando todas as políticas de priorização de proteção social e outras políticas sociais, em especial a da educação, que nos é muito cara no contexto do Estado do Ceará. Nessa perspectiva, um projeto de lei que não - hoje, atualmente - preza pelo impacto fiscal e principalmente por fonte de financiamento acarretará um retrocesso no atendimento e na responsabilidade dos entes estaduais do sistema de atendimento socioeducativo brasileiro.
Nós estamos falando aqui que, atualmente, a grande maioria dos estados, depois de 30 anos da promulgação do estatuto, está conseguindo avançar para um modelo estatutário, no qual os profissionais do sistema possam ser concursados. Para isso teria que ter um aumento de 30% no número de profissionais que hoje são contratados, e não há nenhum estudo técnico de impacto sobre isso presente nessa discussão legislativa.
Então, em que pese aqui a discussão - porque esta Casa é, sim, responsável, enquanto Casa Legislativa, também pelas questões orçamentárias -, hoje, atualmente, um projeto de lei prioritário para tratar do fundo nacional de atendimento socioeducativo, um fundo que preveja financiamento para os estados, é uma prioridade maior para impactar a vida dos jovens do que um projeto que aumente o tempo de internação. Ao contrário, um projeto que paute o aumento de tempo de internação sem uma contrapartida financeira será uma implosão dos atuais modelos pedagógico, técnico e de atuação que vêm sendo garantidos.
Há um estudo nos estados de que a escolarização formal é uma parceria com a Secretaria de Educação, a saúde é uma parceria com a Secretaria de Saúde, no contexto do Pnaisari, a qualificação profissional é em parceria com os entes, nas quais a responsabilização disso eminentemente é dos cofres estaduais.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO BASSAN PEIXOTO - Se a gente não pautar um entendimento lógico de corresponsabilização dos entes, que é o que está previsto na Lei do Sinase, de 2012, nós teremos, mesmo sem esse projeto de lei, uma situação extrema de não ter recurso público suficiente para manutenção do atual modelo, que dirá um modelo que possa ultrapassar aí 30% do número de jovens que a gente tem atualmente no sistema socioeducativo.
Termino minha fala trazendo aqui a necessidade de se pautarem projetos de lei que fortaleçam o sistema socioeducativo, para que se garantam a prioridade absoluta, a excepcionalidade e a brevidade, e não um princípio punitivo no qual a gente vai restabelecer uma ordem pautada no racismo estrutural que permeia o sistema socioeducativo atualmente.
O Fonacriad se coloca à disposição para essa construção coletiva. Esperamos, sim, que haja uma discussão mais aprofundada desses tópicos apresentados na nota técnica, e a gente espera contribuir de forma efetiva para que esta Casa tenha legislações que garantam direitos e não violem direitos humanos. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Quero agradecer ao Sr. Roberto Bassan Peixoto pelas palavras, que é Presidente do Fórum Nacional dos Gestores Estaduais do Sistema de Atendimento Socioeducativo (Fonacriad) e ainda gestor socioeducativo no Ceará.
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Quero chamar a Thaisi Bauer, que é Secretária-Executiva da Coalizão pela Socioeducação.
Thaisi, você está com a palavra.
A SRA. THAISI BAUER (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas. Queria agradecer a oportunidade de debate do tema. Esse é um tema que é muito importante para a coalizão.
Queria iniciar apresentando, nós somos uma congregação de 53 organizações que trabalham diretamente no sistema socioeducativo. Entre elas, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, em praticamente todos os estados do país, que faz atendimento direto e monitoramento nos sistemas socioeducativos estaduais.
Quero iniciar a minha fala fazendo coro à fala da Livia de que este é um momento superimportante, porque é um momento em que estão sentados, na mesma mesa, gestores, Defensoria Pública, sociedade civil, em torno de uma mesma pauta, que é contra o aumento do tempo de internação de adolescentes e jovens.
Queria também dizer que, desde a década de 90, logo depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, no primeiro dia depois da promulgação do estatuto, já havia tentativas de esfacelamento da política socioeducativa no Congresso Nacional. Então, apresentação de textos que reduziam a maioridade penal; depois, de textos que aumentavam o tempo de internação; e, agora, de textos que procuram militarizar o sistema socioeducativo.
Queria trazer um dado importante também sobre o autor do projeto, com todo o respeito ao Senador Fabiano Contarato, que é representante do Estado do Espírito Santo, onde, coincidentemente, a gente teve uma medida cautelar da Corte Interamericana de Direitos Humanos que visava a garantir a integridade de adolescentes por riscos iminentes dentro de unidades socioeducativas - risco de morte, eu estou falando. Então, é desse estado que o Fabiano Contarato vem, que deu ensejo, inclusive, ao HC coletivo 143.988, relatado no Supremo Tribunal Federal pelo Fachin, que estabeleceu em 100% a lotação de unidades socioeducativas.
E aí vou dizer por que a lotação foi estabelecida em 100%. Na verdade, a gente não devia nem ter um HC coletivo que tratasse sobre isso, já que a legislação é clara e óbvia: se você tem um número de vagas, a lotação tem que ser esse número de vagas. Isso porque, se você passa da lotação, você não tem profissionais suficientes dentro das unidades socioeducativas para dar conta da medida pedagógica, você não tem profissionais suficientes para levar e trazer os adolescentes para as atividades pedagógicas e, entre outras coisas, você tem uma situação de tortura dos adolescentes, porque eles não conseguem sair sequer dos alojamentos.
Eu estou trazendo esses dados... Dentro da coalizão, a gente visita unidades socioeducativas, a convite do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e, nos últimos dois anos, a gente foi a seis estados; e o que a gente acha nesses estados é exatamente isto: condições de insalubridade de unidades socioeducativas, condição de não retirada de alojamentos de adolescentes. Então, se a gente aumenta o tempo de internação, essas condições vão ser muito mais precárias.
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Os dados do Sinase apontam - e aí várias pessoas aqui na mesa falaram sobre - a presença de uma seletividade do sistema de Justiça e do racismo estrutural, com 72,9% dos adolescentes. E isso me chama a atenção, porque a gente fala que os adolescentes são violentos o tempo todo, mas, quando a gente pega os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, a gente tem um registro de 44.127 mortes violentas intencionais; dessas, 79% eram de pessoas negras e quase metade tinha 29 anos.
Então, é desses adolescentes que a gente vai falar. São esses adolescentes que são mortos pelo braço armado do Estado e são esses adolescentes que são colocados em unidades de privação de liberdade ao bel-prazer.
Então, queria trazer aqui também, já que tenho tempo, alguns pontos que são fundamentais nesse PL 1.473, de 2025. Ele propõe mudanças em quatro dispositivos e cria um dispositivo.
Primeiro, ele muda completamente a abordagem do sistema socioeducativo, quando ele afasta a missão do sistema socioeducativo, trazendo uma linguagem do processo penal. Então, ele fala da militarização o tempo todo, ele fala de reincidência, desrespeitando completamente a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.
Um outro rebatimento que esse projeto de lei tem é a liberdade de decisão do Poder Judiciário. O que a gente vem vendo, desde 2019, é o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fazendo um esforço reiterado de políticas judiciárias, para tentar diminuir a superlotação, e nisso vem a criação da gestão de vagas, por exemplo, que faz com que as unidades não sejam superlotadas. E aí ele traz, no §3º do art. 106, a palavra de que o Judiciário deverá determinar; no §5º do 106 ainda, que o Judiciário deverá estabelecer tal medida socioeducativa; no §6º, a mesma coisa, que deverá.
Logo depois, a gente tem um ferimento frontal ao princípio da excepcionalidade da medida de internação, que não é colocada só no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Sinase, mas também em várias legislações internacionais das quais o país é signatário. Entre outras coisas, vai prejudicar o princípio da presunção de inocência, porque fala da reincidência, fala do fundado receio, fala de que, quando o adolescente é reincidente, o juiz deve manter, já de pronto, a medida de internação, e isso fere também frontalmente o princípio de que o tratamento de adolescentes não deve ser mais gravoso do que o tratamento de adultos.
Por fim, queria registrar - porque eu acho que ninguém falou, para também não ficar me repetindo - que a gente tem uma legislação da qual o Brasil também é signatário, que é a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, que fala sobre o tráfico como uma das piores formas de exploração do trabalho infantil, que foi recepcionada por um decreto e que tem natureza de emenda constitucional.
E aí, quando se coloca que o ato infracional relacionado ao tráfico é uma das piores formas de exploração de trabalho infantil, a gente precisa pensar sobre o que é considerado hediondo, sobre quem são esses adolescentes que são criminalizados pela política do sistema de Justiça criminal, que, como eu disse aqui, são 78% de adolescentes negros e pobres, e sobre quem a gente vai manter dentro do sistema socioeducativo por dez anos, impactando o orçamento, impactando a política judiciária e impactando as convenções de direitos humanos das quais o Brasil é signatário.
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Acho que, por fim, quero trazer algumas questões também: com as medidas propostas, os adolescentes vão passar mais tempo de vida internados em estabelecimentos estatais do que em sociedade, o que pode selar as chances desses adolescentes. Tem uma pesquisa da USP que fala que, quando você vira para um adolescente e diz que ele é criminoso, as chances de que ele se torne criminoso são muito maiores, justamente porque ele está numa fase de condição peculiar de desenvolvimento.
Então, acho que fico por aqui. Espero que a gente consiga emendar esse projeto, no mínimo, consiga manter o diálogo para avançar e consiga lutar pelo não aumento do tempo de internação.
É isso.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Obrigada, Thaisi Bauer, Secretária-Executiva da Coalizão pela Socioeducação. Obrigada pelas suas palavras.
Eu queria agradecer, mais uma vez, a presença a todas as nossas convidadas e convidados. Vocês trouxeram contribuições extremamente relevantes ao PL 1.473, de 2025. Dá para ver que o objetivo de todos ficou muito claro, que é fortalecer o sistema socioeducativo e oferecer mais oportunidades para os nossos adolescentes, para que não os percamos para a violência e para o crime.
Agora, eu espero que todos que aqui vieram e os demais que estão trabalhando com esse tema busquem aprofundar o diálogo com os Senadores, sobretudo com o autor do projeto, o Senador Contarato, e com o seu Relator, o Senador Flávio Bolsonaro. É de extrema importância que vocês se mobilizem para conversar com o autor e com o Relator da matéria, porque vai ter uma força muito grande esse diálogo. Depois desta audiência, eu queria muito que vocês procurassem esses Senadores para levar diretamente a eles tudo isso que vocês trouxeram, tudo o que vocês estão sentindo, porque o projeto, provavelmente, vai para a pauta amanhã. Então, é importante que vocês façam isso agora.
Eu, de qualquer forma, venho tentando conversar com os Senadores para que a gente conseguisse ter esta audiência pública, para que a gente abrisse esse canal de interlocução para eles poderem ouvir vocês, mas o tempo urge. Por isso, eu estou fazendo essa sugestão. Está bom?
Eu quero agradecer muito a presença a todos vocês na pessoa da Claudia Carletto, que, como todos aí, tem essa grande missão de gestora aqui no Estado de São Paulo.
Não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada esta audiência pública.
Muito obrigada a todos e a todas.
(Iniciada às 14 horas, a reunião é encerrada às 15 horas e 35 minutos.)