16/10/2025 - 4ª - Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei n° 4, de 2025 (Art. 374 RISF)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei nº 4, de 2025 (art. 374, do Regimento Interno do Senado Federal), que dispõe sobre a atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e de legislação correlata.
A presente reunião se destina à realização da segunda audiência pública, com o objetivo de discutir temas relativos à parte geral do Código Civil e ao Direito Digital.
Esta audiência conta com a participação de convidados.
Cumprimento o nobre Relator Senador Veneziano Vital do Rêgo, o Senador Carlos Portinho, demais Senadores e Senadoras presentes.
Nós contamos hoje, com muita honra e satisfação para esta Comissão, com a presença dos convidados que farão suas exposições: Dra. Laura Porto, especialista em Direito Digital; Dr. Ricardo Campos, Docente na Goethe-Universität Frankfurt am Main; Dr. Carlos Eduardo Pianovski, Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Dr. Maurício Bunazar, Doutor em Direito Civil e Professor do Ibmec-SP; Dr. Rogério Marrone, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Profa. Rosa Maria de Andrade Nery, Relatora-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil; Prof. Flávio Tartuce, Relator-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil; Dr. Paulo Doron de Araujo, Docente da FGV Direito-SP; Dr. Carlos Affonso de Souza, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Dr. José Anchieta da Silva, Advogado e Presidente da Academia Mineira de Letras Jurídicas.
Gostaria de registrar a presença também do Dr. Manoel Mário de Souza Barros, da Alagro, representante do agro hoje, nesta reunião da Comissão Temporária do Senado Federal.
Antes de iniciarmos a audiência, consulto o Plenário sobre a possibilidade de inclusão extrapauta dos seguintes requerimentos, itens 1, 2 e 3:
1ª PARTE
ITEM 1
REQUERIMENTO Nº 8, DE 2025
Solicita a inclusão do seguinte participante na 2ª audiência pública da Comissão: 1. Paulo Doron R. de Araújo, Professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Autoria: Senador Efraim Filho
1ª PARTE
ITEM 2
REQUERIMENTO Nº 13, DE 2025
Solicita a inclusão do seguinte participante na 2ª audiência pública da Comissão: 1. Dr. Carlos Affonso de Souza, professor de Direito Civil e Direito Digital da UERJ.
Autoria: Senador Carlos Portinho
1ª PARTE
ITEM 3
REQUERIMENTO Nº 15, DE 2025
Solicita a inclusão do seguinte participante na 2ª audiência pública da Comissão: 1. José Anchieta da Silva, advogado, mestre e doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - FADUL.
Autoria: Senador Rodrigo Pacheco
Nos termos do art. 235, inciso III, alínea "d", item 5, combinado com o art. 89, inciso I, do Regimento Interno do Senado Federal, proponho a votação em globo dos requerimentos, com a anuência dos nobres Parlamentares.
Os requerimentos estão em votação.
Aqueles que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
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Aprovados.
Comunico aos presentes que a audiência pública funcionará da seguinte forma: cada convidado terá até dez minutos para sua exposição. Após a fala dos convidados será franqueada a palavra ao Relator e aos demais Parlamentares presentes que queiram fazer uso da palavra. Por fim, passarei a palavra aos convidados, para eventuais respostas e considerações finais.
Informo a todos que nos acompanham que esta reunião é interativa, transmitida ao vivo pela TV Senado, aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, da internet, e também pelo telefone da Ouvidoria, que é o 0800 0612211.
Esta Presidência, uma vez mais, agradece a disposição daqueles que, deixando seus afazeres, as suas cidades, vêm a Brasília para, no Senado Federal, emprestar a sua inteligência, a sua experiência, para que possamos fazer o mais amplo debate possível em relação à atualização do Código Civil em tramitação no Senado Federal. Portanto, inicialmente, gostaria de deixar registrado esse agradecimento, notadamente aos nossos nobres Relatores, Profa. Rosa Nery, Prof. Flávio Tartuce, que aqui estiveram na semana passada e hoje estão novamente. Muito obrigado pela dedicação da senhora e do senhor na condução deste debate na Comissão Temporária.
Como havia anunciado na semana passada, além dos membros da Comissão de Juristas, que falarão ao longo dessas audiências públicas, incluiremos também representantes dos mais variados setores, para que este debate possa ser, de fato, muito amplo, inclusive aqueles que sejam críticos à matéria ou críticos a pontos do projeto. É muito importante que se estabeleça esse debate entre aqueles que defendem e aqueles que criticam, para que o Senado Federal possa colher o denominador comum, que interessa à sociedade brasileira.
Portanto, nós vamos avançar nesta sessão de hoje dando início à nossa audiência pública com a palavra da Profa. Laura Porto, que é Advogada especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, Direito Notarial e Registral. A Profa. Laura Porto foi membra da Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil, em especial e notadamente na parte do livro de direito civil digital.
Portanto, com muita satisfação, passo a palavra à Profa. Laura Porto para a sua exposição.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Sr. Presidente, pela ordem, perdão, só para ver se eu compreendi.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Com a palavra, pela ordem, Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - A gente começa pela parte do direito digital, e não pela parte geral, é isso?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - De fato, foi estabelecido dessa forma, Senador Carlos Portinho. Alguma objeção?
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Não - não -, é só para compreender. É porque a parte geral...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - É, mas o que eu estou propondo é que possamos fazer um debate, por vezes, não restritivo àquele tema específico, e eventualmente algum ponto de alguma outra parte da reforma possa ser tratado também e debatido em audiências que sejam dedicadas especificamente ao tema predisposto, digamos assim.
Então, nós vamos começar com a Profa. Laura. A ordem é exatamente esta: Profa. Laura Porto, Dr. Ricardo Campos, Dr. Carlos Eduardo Pianovski, Prof. Maurício Bunazar, Desembargador Rogério Marrone, Dr. Paulo Doron de Araujo, Dr. Carlos Affonso de Souza, Dr. José Anchieta da Silva; e também falarão os Relatores, com toda a liberdade de falar não só sobre o tema, mas também eventuais outros pontos da reforma.
Obrigado, Senador Carlos Portinho.
Com a palavra a Profa. Dra. Laura Porto.
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A SRA. LAURA PORTO (Para expor.) - Bom dia a todos, bom dia a todas.
Quero dizer que é uma honra estar aqui, mais uma vez, nosso eterno Presidente, Senador Rodrigo Pacheco, Senador Veneziano, Senador Portinho. É uma alegria estar aqui para falar desse tema. Antes de mais nada, quero, mais uma vez, agradecer a confiança que me foi depositada pelo senhor, pelo Ministro Salomão e pelo Ministro Bellizze, para que eu fosse Relatora desse livro novo.
E, senhoras e senhores, na verdade, o que nós temos aqui é uma oportunidade única de fazer história no Brasil. Os senhores têm em mãos, Senadores, uma oportunidade de colocar o Brasil na vanguarda do direito mundial e colocar o Brasil de fato na realidade digital do século XXI, em que nós nos encontramos. Então, o que nós estamos propondo aqui é algo extremamente disruptivo e muito necessário. Eu creio que já é de pleno conhecimento de todos que a realidade digital alterou completamente a nossa vida. Alterou balizas sociais, a forma como realizamos compras, como nos comunicamos, a forma como a nossa personalidade é desenvolvida, inclusive até em questões políticas - ela é moldada dentro do mundo digital. Principalmente, com o advento da pandemia, nós tivemos uma grande hiperdigitalização das nossas vidas, em poucos anos, uma aceleração enorme por conta dessa pandemia mundial. E o fato, senhores, é que a solução e todas as soluções que nós temos hoje não são mais suficientes para o mundo digital e para o que o mundo digital nos impõe.
Nós estamos falando aqui da atualização de um texto que ficou 30 anos em tramitação, no regime militar, está a uma média de 20 anos em vigor, então nós temos 50 anos de desatualização legislativa. E, se isso impacta fortemente o direito de família, sucessão, contratos, imaginem os senhores o quanto isso impacta dentro do mundo digital.
O primeiro ponto que entra aqui é uma questão super-relevante: nós estamos trazendo um livro novo para dentro do Código Civil. E sempre ficou, no início, aquela discussão: por que um livro novo? É necessário termos um livro novo? E eu digo que, infelizmente, a ideia não foi minha, eu conto isto todas as vezes em que vou falar da Comissão: foi-nos solicitado que fizéssemos esse livro novo e hoje, com ele pronto, vejo que realmente foi uma boa ideia e fico feliz que tenham nos pedido isso, para a Comissão, porque a ideia de ter um livro novo é muito relevante.
E por que um livro novo? Porque, de fato, a estrutura é o que cria o futuro. Não é fácil legislar sobre um tema tão dinâmico como o digital e nós soubemos na pele exatamente dessas dificuldades, como é um tema dinâmico, como é um tema disruptivo, que se altera todos os dias. Então, o que nos foi pedido e o que foi entregue, de fato, é um livro que comporta princípios, fundamentos e conceitos estruturantes para que a gente desenvolva o tema do digital com segurança, com segurança jurídica, inclusive. Nós precisamos aqui de balizas estruturantes.
O Senador Portinho disse uma frase, na última audiência, que me tocou profundamente - quero repeti-la aqui -, quando ele disse que podem derrubar paredes, mas não podem derrubar colunas. É exatamente isto que esse livro novo está propondo: erigir colunas do digital, para que a gente desenvolva o tema com segurança, o que, em nada - e eu até convido quem não leu a ler o livro de digital - impede o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento de novas tecnologias. Por quê? Porque aqui trouxemos questões principiológicas, fundamentos para desenvolver justamente com essa segurança necessária.
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E por que essa segurança é tão necessária? Porque, ainda que estejamos falando do mundo digital, novas tecnologias, o foco principal aqui é o ser humano. A gente não pode esquecer que a gente tem que se preocupar com a pessoa natural, com o cidadão. É essa pessoa que precisa da nossa proteção.
Então a ideia foi justamente trazer esse livro com a centralidade humana em todas as discussões, pensando nos direitos fundamentais, nas garantias constitucionais dentro desse mundo digital. Então é uma importância tão grande desse livro. Inclusive, eu contei até uma passagem para os colegas, de um dos ministros que veio conversar comigo. Quando ele viu a estrutura, ele falou, "Nossa, Laura, que bom que vocês estão criando uma estrutura, porque eu que não sou uma pessoa adepta do digital, eu vou ter que lidar com tantos temas e eu sei onde olhar, eu vou saber onde procurar."
O que não significa que nós não tenhamos que ter leis específicas sobre alguns dos temas, alguns que nós vamos até ver aqui, que já têm um desenvolvimento e que em nada atrapalham o que foi colocado aqui dentro do livro de digital. Inclusive, pelo contrário, traz, como eu disse, mais segurança jurídica para todos os atos.
Eu trouxe até um eslaide que eu queria, em quatro minutos... Olha, eu fiquei tão triste, porque pediram para, em dez minutos, apresentar um livro novo dentro do Código Civil. Eu já ia fazer um requerimento para mais tempo, mas tudo bem. Eu trouxe um eslaide, eu não sei se vão passar, mas eu não vou perder tempo. Eu queria só mostrar a estrutura para os senhores, para quem não viu.
Nós temos, aqui dentro do livro digital, dez capítulos. Então, sim, de fato, é bastante coisa, mas o que...
Pode passar. Eu não vou conseguir passar, eu vou ter que solicitar. Tudo bem, pode passar. Pode passar as primeiras também, só para rapidamente nessa foto, porque eu queria fazer um comentário super-rápido, que ainda não foi feito.
Nós estamos falando hoje de um Código Civil muito bom. Não estamos falando mal do Código Civil atual. Por isso que nós não estamos trazendo um novo Código Civil e, sim, atualizando o Código Civil para o século XXI. Essas foram as pessoas que participaram da elaboração do anterior, do Código Civil que está em vigor hoje, que precisa de uma necessária atualização, como dissemos.
Mas o que eu quero dizer é que esta Comissão que foi feita é a primeira Comissão, na história do Código Civil, que tem mulheres integrantes da Comissão, inclusive mulheres Relatoras, como a nossa grande Profa. Rosa Nery. E aí, eu deixo aqui o questionamento para os Srs. Senadores de quanto impacta termos mulheres hoje discutindo a lei mais importante da nossa vida civil.
Pode passar, eu só queria fazer esse disclaimer rápido. Pode passar.
Essa é a estrutura do livro, que eu queria que os senhores vissem. Então...
Pode passar para o próximo.
Capítulo I, nós trouxemos disposições gerais, onde nós temos a disciplina conceituando justamente o que é o livro de digital, conceitos, princípios e fundamentos. E eu digo que esse...
Pode passar para o próximo.
É o coração do nosso livro.
Pode passar.
E aqui inclusive, conceitos importantíssimos, como o que é ambiente digital, plataforma online e plataforma digital de grande alcance, porque nós trouxemos diversas responsabilidades que essas plataformas têm.
E eu quero que os senhores, quando eu estiver mostrando o livro aqui, pensem onde todos esses temas estariam espalhados pelo Código Civil. Onde se colocaria tudo isso? Como procurar o digital, se ele não estivesse estruturado? Então foi pensado, de fato, numa estrutura de técnica legislativa para trazer esse livro.
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Pode passar para o próximo, por favor.
Esse é um maravilhoso também, que é o da pessoa no ambiente digital, em que nós focamos na centralidade, mais uma vez, do ser humano. Trouxemos direitos, deveres da pessoa natural dentro do mundo digital, incluímos os neurodireitos, tema tão relevante e a exclusão de dados e informações, que não se equipara a um direito ao esquecimento, de fato, porque nós trouxemos pontos superobjetivos e critérios objetivos que o juiz tem que avaliar para tirar algo da internet.
E o que fica é: no Código Penal, por exemplo, a pessoa vai, cumpre sua pena, sai e ela é uma pessoa livre daquela pena que ela já cumpriu para a sociedade; no digital, não, o digital vai eternizar qualquer coisa que os senhores e senhoras fizerem, e pode ser algo com nenhuma relevância social. Quanto isso vai impactar no desenvolvimento da sua personalidade, da do seu filho? Então, é muito relevante que a gente pense em excluir informações da internet que não têm relevância social.
Desindexação também.
Pode passar para o próximo.
Situação jurídica no ambiente digital...
Só tem mais um minuto e eu quero falar de mais um ponto.
Pode passar.
Vão me conceder mais um minutinho? (Pausa.)
Obrigada. (Risos.)
Meu requerimento foi aceito.
Este capítulo também é super-relevante, em que nós trouxemos o ambiente digital transparente e seguro, porque, mais uma vez, temos que pensar que, ainda que as plataformas e todas as redes sociais tenham que se desenvolver, o que importa aqui são as pessoas naturais - é o cidadão, somos nós.
Então, nós trouxemos várias medidas de diligência que as plataformas têm que ter, como, por exemplo, criar relatórios de avaliação de riscos sistêmicos, entre muitos outros; criar canais de notificação para que a gente consiga entrar em contato com as plataformas - hoje a gente praticamente não consegue. Quantas discussões nós temos hoje no Brasil por esse tipo de questão?
Termos de uso: quem aqui lê termos de uso de plataforma? E quem ousa ler um termo de uso não entende nada. Por quê? Porque não têm uma linguagem simples para o cidadão. Então, aqui, nós estamos direcionando diversas responsabilidades para as plataformas, responsabilidades internas. E tem um ponto, inclusive, que depois eu até quero trazer para os Senadores de um termo que saiu errado, mas não vai dar tempo de falar sobre ele.
Pode passar para o próximo.
Esse é maravilhoso também. Todos são maravilhosos, desculpem-me.
Patrimônio digital: extremamente relevante.
Hoje - inclusive, foi uma das perguntas feitas na última audiência pública -, o que é feito com milhas aéreas ou com os próprios bitcoins? Já tivemos várias discussões... Jogos online movimentam bilhões no mercado mundial. A pessoa falece, e quem tem acesso a isso? Como isso passa para um herdeiro? Hoje nós não temos essa resposta. Hoje nós temos decisões pontuais, cada uma dizendo uma coisa, o que cria uma insegurança e uma instabilidade jurídica enorme no Brasil. Então, esse capítulo é super-relevante.
Nós conceituamos primeiro o que é um patrimônio digital e trouxemos a forma da sucessão desse patrimônio, respeitando o sigilo das comunicações. Então, a ideia é que comunicações pessoais não passem para os herdeiros - é manter o sigilo das comunicações, tanto do falecido como de terceiros interlocutores vivos -, mas o que tiver valor agregado, pecúnia, valor financeiro, passe automaticamente para os herdeiros.
Pode passar.
Eu juro que estou acabando.
Pensamos nas crianças e nos adolescentes. Temos já o ECA Digital - tive também a grande alegria de conseguir colaborar na Câmara dos Deputados com o tema -, o que mostra que não tem nada que esteja em desconformidade com o ECA Digital, mas tem balizas estruturantes. Talvez hoje, com o ECA Digital, precisemos só adaptar um artigo ou outro.
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E eu me arrependo, meus Relatores queridos, de não ter pensado também nos idosos aqui. Este é um tema super-relevante: os idosos no mundo digital. Quem sabe os Senadores possam incluir?
Pode passar.
Inteligência artificial. Esse também é super-relevante. Nós sabemos que há um grande PL de inteligência artificial, que inclusive foi presidido na relatoria do nosso Senador Rodrigo Pacheco. Já foi aprovado no Senado e hoje está em tramitação na Câmara dos Deputados, e que, em nenhum momento, tem nada do texto ali que esteja desalinhado com o que nós colocamos aqui neste capítulo. Inclusive, a própria Relatora, que participou no Senado, participou da elaboração. Então, não tem nada que esteja em desacordo.
E um ponto muito relevante que nós colocamos, e que inclusive não está no PL de inteligência artificial porque não é o locus - o locus é aqui, porque estamos falando de pessoas naturais -, é a criação da imagem tanto de pessoas vivas como de falecidas por meio da inteligência artificial. Quem vai autorizar isso? Qual vai ser a forma de uso econômico dessa imagem? Como será o respeito ao legado dessa pessoa? Tudo isso foi colocado nesse capítulo, porque nós precisamos pensar nisso. A Madonna, por exemplo, já fez um testamento proibindo o uso da imagem dela. Então, é um aspecto muito relevante, que está sendo, a cada dia, mais utilizado.
Pode passar para o próximo.
Fizemos um capítulo de contratos digitais, então, conceitos, princípios, formalização e os relevantíssimos smart contracts, que hoje não têm nenhuma regulamentação. Isso foi colocado aqui.
Pode passar.
Assinaturas eletrônicas. Finalmente, trouxemos uma regulação específica para as modalidades: a simples, a avançada, e colocamos a qualificada, cujo tema já tem uma medida provisória.
Pode passar.
E cheguei agora ao último, eu prometo, que é o e-Notariado. Muitos perguntaram: “Laura, por que esse capítulo está dentro do direito digital?”. Na verdade, esse capítulo foi um pedido que nos foi feito, porque, no ápice da pandemia, nós tivemos toda aquela tristeza social que essa pandemia nos impôs, só que os serviços do tabelionato de notas, tão essenciais para a nossa sociedade, inclusive com muitas pessoas falecendo, precisando abrir inventários e tudo mais, não podiam parar no meio da pandemia.
À época, o Corregedor, Ministro Salomão, que presidiu a nossa Comissão, fez o provimento, sendo do CNJ, estabelecendo um sistema que funciona superbem, que é o e-Notariado. É um sistema digital do tabelionato de notas que as pessoas podem, em qualquer lugar do mundo, acessar. O sistema funciona muito bem até hoje, porém precisa ser legitimado pela via legislativa, porque, em teoria, alguns pontos que estão no provimento não poderiam ser feitos por meio de provimento. Então, eles pediram que fosse colocado aqui, para que nós trouxéssemos esse provimento legitimado dentro do Congresso Nacional.
E acabei.
Peço desculpas por ter passado do tempo, mas, realmente, são muitas coisas aqui para falar. Peço que os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras vejam com muito carinho e não tenham medo da inovação. Aquela frase de “não podemos fazer porque sempre foi feito de um jeito”, eu acho que hoje, em 2025, hiperdigitalizados como nós estamos, não cabe mais.
Então, os senhores têm uma oportunidade de fazer história, e eu agradeço muito pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito bem.
Muito obrigado à Profa. Laura Porto por seu pronunciamento, por sua contribuição à Comissão de Juristas, em especial pelo livro de direito civil digital.
E fica, desde já, de toda a sua exposição, Professora, que revela a razão de ser e os pontos que materializam essa inovação em relação ao direito civil, com a inclusão desse livro inteiro no projeto, a pontuação de algo que, aparentemente, é uma omissão do projeto quanto à proteção de idosos no ambiente digital. Há uma referência específica à proteção de crianças e adolescentes, mas há, de fato, uma omissão em relação aos idosos, lembrando que nós temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, temos também o Estatuto do Idoso, e seria muito importante transmudar esses conceitos para o Código Civil, em relação à proteção no ambiente digital.
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Agradeço por sua contribuição. Isso certamente merecerá a atenção do eminente Relator e de todos os membros desta Comissão.
Concedo a palavra ao Dr. Ricardo Campos, que é docente da Faculdade de Direito da Universidade Goethe, em Frankfurt, Alemanha; é Presidente do Instituto Legal Fronts e foi membro da Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil.
Tem a palavra o ilustre professor Dr. Ricardo Campos.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Sr. Presidente, pela ordem. Desculpe-me.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Com a palavra, pela ordem, o Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - É só para eu entender o procedimento: a gente vai ouvir uma série de palestrantes, de convidados, e depois abrir, ou vai haver perguntas a cada final de apresentação?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - A Presidência deixa muito à vontade os Senadores para o método que quiserem.
A ideia seria ouvir todos os expositores e depois fazer as formulações pelos Senadores aos expositores, dando a palavra a cada um novamente. Agora, se V. Exa. considerar razoável fazermos alguma divisão, como a cada três expositores dar a palavra aos Senadores...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - A sugestão é para que também o tema não fique perdido, porque são muitos expositores e é preciso...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Perfeito.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Só para os outros temas não ficarem...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Podemos fazer de três em três?
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Como V. Exa. decidir.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Então, nós vamos ouvir três expositores, passar a palavra aos Senadores sobre as exposições que antecederam e depois, assim, sequencialmente.
Agradeço ao Senador Carlos Portinho.
Com a palavra o Prof. Ricardo Campos.
O SR. RICARDO CAMPOS (Para expor.) - Bom dia a todas e a todos. É uma grande honra estar aqui hoje representando a Comissão neste debate tão importante.
Eu cumprimento a Casa e os demais Senadores, na pessoa do Senador Rodrigo Pacheco e do Relator Senador Veneziano.
Um ponto interessante que foi abordado também na última audiência já de início, Senador Pacheco, toca um tema muito interessante... Toda vez eu tenho sido perguntado nas minhas palestras, seja na Europa, seja no Brasil, sobre o porquê de um novo livro. Aí eu pergunto: "Por que não?". E aí a pessoa não consegue... Fica quase atônita, sem responder.
Isso tem um pouco a ver com a cultura nossa, e aqui há uma chance, de fato... O nosso Relator Tartuce lembrou muito bem que já está sendo ecoado o trabalho desta Comissão em vários eventos internacionais, até na Itália, da inovação do nosso livro de direito digital. Então, há uma chance, de fato - uma abertura, uma janela -, de o Brasil despontar, pensando aqui que o código, o direito civil foi construído sob base romana, dividido em livros.
Eu sempre faço, Senador Pacheco, Senador Veneziano, uma pergunta para as pessoas que são contra o livro de direito digital: "O direito de herança... Você usou quantas vezes durante a sua vida o direito de herança até o momento?". A pessoa geralmente fala que uma ou duas vezes, ou que está com uma expectativa de utilizar as bases do direito de herança. E aí eu pergunto: "E o direito digital? Quantas vezes por dia você já usou o direito digital?". Então, a gente vê aí a importância, de fato, concreta do direito digital.
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O meu trabalho, na Comissão, trazendo um pouco... Eu moro há 16 anos e leciono há dez anos na Alemanha, e o meu papel foi trazer as melhores práticas globais para cada capítulo que a gente discutiu. Então, não existe, em nenhum ponto do livro de direito digital, um ponto fora da curva. Todas são as melhores práticas globais que se tem, e a ideia central é trazer, de fato, essa inovação, mas de forma centralizada.
É importante ligar aqui a tradição brasileira das codificações, Teixeira de Freitas, Clóvis Beviláqua e também do Prof. Miguel Reale, que sempre falou que o Código Civil nunca foi um corpo normativo por si só, ele é muito mais do que isso, é a construção de um sistema de racionalidade jurídica.
Então, quando a gente fala em trazer o livro de direito digital, é dar uma coluna vertebral para o tema digital, é dar uma ordenação mínima desse novo universo normativo, que hoje está fragmentado em microssistemas. Quem é do direito civil sabe da fragmentação que começa, no seu grande tom, com o Código de Defesa do Consumidor e a grande crítica às codificações vem da fragmentação. A gente, agora, aqui, tenta construir de novo uma pequena espinha dorsal dessa fragmentação em microssistemas, em leis especiais esparsas, em regulações administrativas. Em nenhum momento, o livro de direito digital quer suplementar essa fragmentação, a gente não quer suplementar o ECA Digital, tema ao qual eu tive a oportunidade de dar um início ao lado do Senador Alessandro Vieira. Ele me pediu uma minuta de PL, e eu fiz para ele a partir das melhores práticas globais. Tive a honra de ele apresentar praticamente a minuta que eu discuti com organizações internacionais e que, agora, foi aprovada na Câmara também e de volta no Senado.
Então, para deixar claro para os Senadores, que o livro de direito digital não vem criar um sistema de colisão com a fragmentação civil do direito digital; pelo contrário, a gente tenta criar uma espinha dorsal mínima com princípios orientadores para se criar, até para o futuro, uma forma de ligação com uma racionalidade acima dos interesses que vão se acumulando em leis esparsas, em pequenos artigos, e assim por diante.
É importante também ressaltar - e eu gostaria de ressaltar nesta Comissão - que toda codificação, seja no debate do Thibaut com o Savigny, na Alemanha, seja na nossa do Clóvis Beviláqua, seja no Miguel Reale, é um produto concreto de um contexto, de um recorte vivido. Nenhuma codificação consegue se abstrair do contexto concreto.
O contexto do último Código Civil - e aqui entrando na linha da nossa antecessora, a gente não entra em conflito, pelo contrário, a gente está aqui para ajudar - iniciou o seu debate na década de 70. Os pilares, a estrutura foi pensada a partir do que se existia na década de 70 e 80.
Senador Pacheco, sabe quantos por cento da população na época tinham linha telefônica? Menos de 5%. Nessa atmosfera, foram pensados os pilares do último. O que a gente está fazendo aqui é o espírito da codificação, é trazê-la para as novas vivências. O livro de direito digital, nesse ponto, é de suma importância, porque o digital está aqui, está na sua assinatura eletrônica. Sem assinatura eletrônica, praticamente esta Casa não funciona. Praticamente, todo o sistema público e o sistema contratual não funcionam sem um regramento mínimo de assinaturas eletrônicas.
O que a gente propôs, o que a gente vem trazer com o livro de direito digital, e também com os demais livros, é o espírito da codificação, que traz, sim, uma abstração em si, mas também uma concretude de ser um espelho do seu tempo. Então, esse seria um ponto importante para o qual eu gostaria de chamar a atenção.
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Então, o texto tem um balizar de uma função hermenêutica de dar uma orientação sistêmica mínima para o que a gente chama de direito digital, sendo quase que uma codificação aberta, orientadora, mas dando uma flexibilidade, um direito flexível, para que os microssistemas, para que os atos administrativos tenham, no mínimo, uma orientação, uma espinha dorsal ou um espírito comum dentro de um ordenamento e não seja algo completamente fragmentado. Então, esse é o primeiro ponto.
Eu gostaria aqui de utilizar este tempo que me cabe e também de entrar numa crítica que tem sido feita desde o início, que é falar: olha, o direito digital é, por si só, transversal, ele passa por todos os outros livros. Sim, de fato, ele é transversal. A vida foi, nos últimos dez anos principalmente, completamente digitalizada, em todos os sentidos - desde o aplicativo que a gente usa, desde o relógio que a gente usa para correr, desde a assinatura digital, desde a hora em que a gente vai dormir, que desliga o aparelho, que, de alguma forma, é integrado com a casa, com o relógio, com o celular e assim por diante.
Só que isso veio acompanhado também de uma verticalização. Com a popularização e a utilização em massa do meio digital, a gente tem temas que não são transversais. Por exemplo, desindexação. Sem o meio digital, você não fala em desindexação. Sem o meio digital, você não fala em assinatura eletrônica. Você precisa do meio eletrônico, você precisa de uma infraestrutura mínima para você poder assinar. E, por exemplo, também neurodireitos. Vários temas do livro de direito digital não são transversais; eles são fruto do meio digital. Então, eles são verticais.
A crítica mais recorrente, "não, isso tem que estar esparso"... E estar esparso também é uma forma de você diluir e deixar sumir. Estar junto num livro reflete a relevância, como foi desde o direito romano, o direito contratual, as obrigações têm a sua relevância pela vivência prática das pessoas. E o direito digital também tem essa vivência prática.
E agora aqui, eu gostaria de chamar a atenção para três temas e ressaltar que, sobre todos os temas de que a gente tratou, a gente trouxe as melhores práticas globais, solucionou problemas que estavam nos tribunais, como patrimônio digital, e estão gerando uma insegurança jurídica muito grande para a economia - para a economia. O livro de direito digital gera segurança para a economia. Ao contrário, não gera, de forma alguma, uma detração, uma subtração da racionalidade econômica.
Mas a três temas eu gostaria de chamar a atenção. O primeiro é neurodireitos. Pode parecer uma grande invenção nossa, mas esse tema já é debatido no mundo, no Chile, em vários países. E a nova fronteira digital é o cérebro das pessoas. Nesta sala aqui, provavelmente tem mais dado acumulado no cérebro, na nossa vivência que tivemos, do que numa rede social. E ter acesso a esses dados é a nova frente digital.
Traz consigo, de fato, uma externalidade positiva, que é gerar uma forma nova de locomoção para pessoas que tiveram doenças e não podem se locomover, mas a gente tem a nova fronteira. A gente está lidando com a nova fronteira do mundo digital. Não é rede social, não é só inteligência artificial, mas é também o acesso aos dados cerebrais das pessoas e também a interligação entre eles.
Outro ponto superimportante é assinatura digital. Ela é um tema central, não só para o âmbito público, mas para o âmbito privado. E aí, Senador Pacheco e Senador Veneziano, eu queria chamar a atenção para o fato de que aqui há uma ligação com as fraudes do INSS, pouco ventiladas ainda, que passaram por um sistema frágil de assinatura digital. Nenhum aposentado teve desconto tendo ciência... Quer dizer, ele não assinou aquilo - ele não assinou. Qual foi o sistema que possibilitou essa fraude?
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Eu me coloco até à disposição para estar em debate com os Senadores na Comissão. Esse pilar do livro de direito digital é extremamente importante, e ele traz uma segurança, uma maior proximidade com o regime europeu, que é o mais seguro - aqui não há invencionismo nenhum -, e ele poderia sanar, por exemplo, a questão das fraudes do INSS.
Por exemplo: a assinatura avançada, que hoje é a mais utilizada, se vale de algumas informações que estão espalhadas em portarias de prédios, em bancos de dados de repartições públicas, que, de alguma forma, podem autenticar aquela assinatura. Então, imaginem o nível de fraude. E o Brasil sempre foi conhecido, infelizmente, pelo alto índice de roubos. Eu moro há muito tempo fora e fico muito triste de escutar isso dos europeus; a primeira informação: "Mas é seguro?".
O ponto aqui é que as fraudes, se você for quantificar em números, são muito maiores do que os roubos. O meio digital traz consigo a facilidade, mas traz consigo a possibilidade também de a fraude ser mais intransparente.
E aqui, finalizando a minha fala, o último tema que, infelizmente, a gente não teve tempo de tratar, e de que existe também uma prática já estabelecida na Alemanha e na Europa, é o credit scoring. É sobre as pessoas não serem mais tratadas de forma abstrata, enquanto sujeitos de direito, mas de serem quantificadas dentro de cada setor, a partir de um número baseado em algum tratamento de dados.
Então, eu aconselho e me coloco à disposição também para que a gente possa achar uma regra mínima, porque isso afeta a população como um todo, uma regra mínima sobre quais dados podem ser utilizados para a quantificação das pessoas, seguindo as melhores práticas internacionais.
Muito obrigado. É uma grande honra estar aqui e me comprometo também a continuar construindo novos temas a partir das melhores práticas globais. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço ao Prof. Ricardo Campos por seu belo pronunciamento acerca do livro de direito digital. Eu havia proposto alterarmos a ordem para ouvirmos o indicado pelo requerimento do Senador Carlos Portinho, o Prof. Carlos Affonso de Souza.
O Senador Carlos Portinho teve que se ausentar muito rapidamente, então eu não vou fazer essa inversão. Eu peço a compreensão do Prof. Carlos Affonso de Souza, a quem eu havia avisado que seria o próximo, mas vamos aguardar a volta do Senador Carlos Portinho para que o seu indicado possa ser ouvido na sua presença. Vamos seguir, portanto, a ordem original.
O próximo a fazer sua exposição é o Dr. Carlos Eduardo Pianovski, Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, membro da Comissão de Juristas para a Atualização do Código Civil.
Com muita satisfação, concedo a palavra ao Prof. Dr. Carlos Eduardo.
O SR. CARLOS EDUARDO PIANOVSKI (Para expor.) - Exmo. Sr. Senador Rodrigo Pacheco, Exmo. Sr. Senador Veneziano Vital do Rêgo, é uma grande honra...
O Senador Carlos Portinho retornou? É isso? (Pausa.)
Então, por favor.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Só para todos saberem, tem uma televisão ali ligada, e eu pude acompanhar a explanação. As vezes que eu tiver que sair, para falar ao telefone aqui e tal, eu estou com a televisão ligada ali, acompanhando.
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Não pôde nem ir ao banheiro, hein, Senador Portinho? (Risos.)
Vamos seguir com o Prof. Carlos Eduardo; vamos devolver o tempo, e aí eu vou ponderar. A gente ouve depois o Prof. Carlos, Senador Carlos Portinho, aí nós ouvimos quatro e passamos aos Senadores.
Por favor, pode continuar, Prof. Carlos Eduardo.
O SR. CARLOS EDUARDO PIANOVSKI - Muito obrigado, Excelência.
Eu quero registrar a imensa honra por ter integrado o convite de V. Exa. à Comissão que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Civil e também a imensa honra de poder debater aqui, na Casa da democracia, este projeto, o PL nº 4, de 2025, tão importante para o Brasil, tão importante para a sociedade civil brasileira.
Nós estamos tratando aqui da grande norma geral que alicerça as relações de direito privado. Esse é o primeiro ponto que eu gostaria de destacar às senhoras e aos senhores. Quando nós tratamos de Código Civil, nós não estamos a tratar de um sistema fechado, bastante em si mesmo, nós estamos a tratar de um sistema de normas gerais que vem alicerçar as relações interprivadas, servindo assim de base, inclusive, para a legislação especial. Um Código Civil que não seja consentâneo com o seu zeitgeist, com o espírito do seu tempo, é um Código Civil condenado à obsolescência e é um Código Civil que não cumpre o seu papel normativo.
É assim, por exemplo, em matéria de direito das obrigações, com suas regras gerais que alicerçam todas as obrigações previstas, não apenas no Código Civil, mas na legislação especial; é assim dentro do direito das obrigações, no direito contratual, dentro da lógica da liberdade econômica e do valor social intrínseco, inerente à própria livre iniciativa, o que é contemplado no capítulo de direito contratual dentro do PL de 2025; é assim na responsabilidade civil, que na legislação especial é hoje permeada por uma inexorável multifuncionalidade, que não é contemplada hoje pela legislação geral dentro do Código Civil brasileiro, novamente com o risco de condenar a codificação à obsolescência; mas é, sobretudo, no âmbito da parte geral do Código Civil que nós identificamos um conjunto de normas e um conjunto de conceitos jurídicos que são fundamentais para a compreensão das relações de direito privado - todas elas. É da parte geral do Código Civil que emergem as normas e conceitos que alicerçam as relações civis; as relações empresariais; as regras especiais sobre direito de contratos; as regras, inclusive, das relações de consumo.
Dentro da parte geral - outros colegas vão falar de outros temas -, eu me permitiria destacar três grandes tópicos, que me parecem trazer, realmente, dentro do anteprojeto e hoje do PL nº 4, de 2025, efetivos avanços para adequar o Código Civil à ordem sistemática da qual ele é um dos alicerces.
Um primeiro ponto: a questão atinente à capacidade civil. O que nós temos hoje no Código Civil brasileiro? Nós temos um art. 3º, que qualifica como incapazes absolutamente apenas os menores de 16 anos, e um art. 4º, que traz um rol de relativamente incapazes - as pessoas entre 16 e 18 anos de idade -, mas traz também aquelas pessoas que, por causa permanente ou transitória, são impedidas de manifestar vontade.
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Senhoras e senhores, como é possível que uma pessoa materialmente impedida de manifestar vontade, como, por exemplo, uma pessoa em estado comatoso ou uma pessoa em estado de afasia, que não consegue se comunicar, como essa pessoa vai ser qualificada como relativamente incapaz?
Essa é uma norma que vem sendo criticada pela doutrina, é uma norma, aliás, que tem equivalente no Código Civil peruano e que tem sido criticada também pela doutrina daquele país. Tive a oportunidade de conversar com o Prof. Varsi a respeito desse tema há alguns meses. E, dentro do projeto, do tema pertinente, as pessoas em estado comatoso, aquelas pessoas impedidas de manifestar vontade voltam ao seu lugar adequado, que é o da incapacidade absoluta do art. 3º.
No art. 4º, ainda, há uma grande preocupação em trazer a incapacidade relativa daquelas pessoas que tiverem uma redução da sua autonomia, da sua autodeterminação, mas com uma expressa exclusão daquelas situações de pessoas que têm deficiência mental e intelectual. Por quê? Porque, no ordenamento jurídico brasileiro, nós temos, com força de norma constitucional jusfundamental, a Convenção de Nova York, que foi não apenas assinada pelo Brasil, mas que foi ratificada por esta Casa com o quórum de emenda constitucional e que traz um conceito de capacidade legal, que é um conceito conglobante, que unifica capacidade de ter direitos com capacidade de exercê-los, no art. 12. Não é só capacidade de ter direitos, é de também exercê-los, e a qualifica como plena no art. 12. Todos os ordenamentos jurídicos signatários estão enfrentando o desafio de se adequar a esse art. 12.
O que está proposto no PL 4, de 2025? Ao mesmo tempo em que se reconhece a capacidade legal da pessoa com deficiência mental e intelectual, porque não pode ser diferente da norma com status constitucional, se reconhece em linha com o próprio art. 12 da convenção a necessidade de apoios que sejam proporcionais para o exercício das potencialidades dessas pessoas e, obviamente, as salvaguardas adequadas para protegê-las por meio das figuras que estão lá no direito de família, da tomada de decisão apoiada e de uma curatela graduada.
Nós estamos superando, portanto, e essa é a lógica, aquela ideia de que não há representação legal de pessoas capazes. Há, porque a Convenção de Nova York assim impõe. No limite, pode ser que o apoio necessário seja a representação por meio da curatela.
Segundo tema, direitos da personalidade. Há grandes aperfeiçoamentos trazidos no PL nº 4, de 2025, a respeito desse tema. Eu me permito destacar o art. 11. O art. 11 é uma verdadeira cláusula geral de tutela da personalidade humana. Nós não tínhamos isso no texto do Código Civil, não temos ainda hoje isso no texto do Código Civil. E agora, dentro da proposta, o art. 11 vai trazer uma proteção geral da pessoa, da personalidade, em todas as suas emanações, para assegurar a dignidade da pessoa humana.
Aliás, a regra é muito parecida com uma regra já consagrada no direito francês, art. 16 do Código Civil daquele país, que foi inserido no código, que é um dos pilares civilizatórios do Ocidente e que serviu à civilização - a Profa. Rosa sempre nos diz, sempre nos lembra -, que trata expressamente da dignidade da pessoa humana como fundamento da proteção à pessoa.
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Isso está plasmado no art. 11, como um aperfeiçoamento das regras, inclusive aquelas pertinentes à liberdade, não à disposição dos direitos, mas à disposição quanto ao exercício desses direitos, desde que não seja integral e permanente, em linha com o que já é consagrado na doutrina e na jurisprudência.
Destaco ainda, dentro da lógica da liberdade, da autodeterminação, no âmbito dos direitos da personalidade, a regra que assegura a possibilidade de a pessoa recusar realização de cirurgia ou determinado tratamento médico. A liberdade individual aqui é preservada, inclusive a liberdade de consciência, inclusive a liberdade de crença.
Destaco ainda o art. 17-A, que, protegendo a liberdade de ir e vir, protegendo a liberdade de informação, protegendo a liberdade de expressão, prevê expressamente a responsabilidade civil por danos decorrentes à violação desses direitos.
Por fim, permito-me destacar a redação proposta para o art. 186 do Código Civil. Trata-se da norma geral sobre ato ilícito, uma norma importantíssima. A norma geral sobre ato ilícito hoje é uma norma que se destina exclusivamente à definição do parâmetro para responsabilidade civil subjetiva. Só que ilicitude não é simplesmente agir de modo voluntário, causando dano a outrem. A ilicitude é - acho que ninguém duvida disso - a violação a direito. Isso não está previsto na norma geral do Código Civil, só que isso está no Código de Processo Civil de 2015, na norma que prevê a tutela inibitória como um instrumento de prevenção contra o ato ilícito. Isso está presente na Lei Geral de Proteção de Dados, inclusive com medidas de incentivo ao gerenciamento, ao accountability, à prevenção. Isso está presente no projeto de lei sobre inteligência artificial que foi aprovado por esta Casa. Prevenção de ilícitos, porque o ilícito não é somente aquele consumado que já gerou o dano; o ilícito é a violação a direito. E propõe-se assim, no caput 186, uma definição de ato ilícito que serve como alicerce para as regras do Código Civil na sua inevitável multifuncionalidade e que serve também como alicerce para a legislação especial: violação a direito com um parágrafo que se reporta, aí sim, à função compensatória da responsabilidade civil; aquele que, por ação ou omissão voluntária, imprudência, negligência, ou imperícia, causar dano a outrem terá o dever de indenizar.
Estamos a tratar, portanto, nesses exemplos e nos vários outros que serão trazidos pelos colegas, de regras que foram pensadas de modo sistemático, de modo técnico, para atender adequadamente a ordenação exigível para o sistema, para oferecer uma adequada resposta à cidadania e, em última instância, para trazer a segurança jurídica que se espera de um Código Civil.
Não há homenagem maior a se fazer a esta Casa, que aprovou o Código Civil de 2002, ou seja, homenagem maior a Josaphat Marinho - que dá nome a esta sala e que foi, no Senado, o Relator na última fase de elaboração do Código Civil de 2002 - e àqueles grandes homens elaboradores do anteprojeto liderados por Miguel Reale, apresentados na foto mostrada pela colega Laura Porto, não há maior homenagem a todas essas pessoas e instituições do que manter o Código Civil relevante. Condená-lo à obsolescência, criar um hiato, criar uma lacuna entre as normas gerais e as normas especiais é condenar o Código Civil à irrelevância. Isso definitivamente não pode acontecer.
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Muitíssimo obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço-lhe e o cumprimento pelo pronunciamento, Prof. Carlos Eduardo Pianovski.
Concedo a palavra, neste primeiro ciclo, ao Prof. Carlos Affonso de Souza, que é Professor de Direito Civil e Digital na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
O Prof. Carlos Affonso está pelo sistema virtual.
Eu consulto se o Prof. Carlos Affonso nos escuta.
O SR. CARLOS AFFONSO DE SOUZA (Por videoconferência.) - Muito bem.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Perfeitamente.
V. Sa. tem a palavra, Prof. Carlos Affonso de Souza.
O SR. CARLOS AFFONSO DE SOUZA (Para expor. Por videoconferência.) - Maravilha!
Muito obrigado, Senador Rodrigo Pacheco. Agradeço imensamente por esse convite para poder participar dessa audiência da Comissão que debate um tema tão importante. Gostaria de agradecer também ao Senador Carlos Portinho pela recomendação para que aqui participasse desse encontro com tantos amigos, com tantos colegas que admiro. E fico muito contente de poder participar aqui desse debate.
Coloquei um cronômetro do lado de cá, porque estou remoto, infelizmente não estou com vocês. Estou em Singapura; então, com um fuso horário um tanto quanto difícil, mas, como as conversas e os debates estão muito animados, não há nenhuma chance de dormir.
Eu queria usar o meu tempo para trazer para o debate sobre a atualização do Código Civil um olhar sobre contribuições para o livro de direito civil digital. Vou dividir minha fala em três pontos. Vamos discutir o papel do digital no Código Civil, o olhar para o texto do PL 4, de 2025, nos seus diálogos e conflitos com outros diplomas legais e abordar alguns pontos para discussão e aperfeiçoamento.
Começando sobre o papel do digital no Código Civil, acho que o ponto que gostaria aqui de asseverar é que a tecnologia digital sem dúvida desperta enorme atenção sobre sua atualidade, relevância, urgência - isso é absolutamente inegável. E justamente por esse papel que é ocupado pelo digital no nosso dia a dia, que já foi muito bem lembrado pelas falas que me antecederam, fica uma dúvida metodológica que é importante, que é, considerando a relevância do digital, como é que ela deve ser endereçada num contexto de atualização do Código Civil, ainda mais porque se fala de atualização e nada mais atual do que o tema do digital. E aqui surge realmente a dúvida se isso acontece através de um livro próprio, como é aqui levado adiante na atual proposta, ou se esses novos artigos seriam espalhados nos capítulos já existentes como contratos eletrônicos em Contratos, bens digitais em Bens, herança digital em Sucessões.
A escolha por um livro próprio tem consequências, tem efeitos. Um desses efeitos é eventualmente reforçar uma lógica, uma percepção de excepcionalismo digital, uma ideia de que a internet e as novas tecnologias são tão únicas que precisam de regras próprias, e isso gera uma certa partição desse tema com relação aos princípios, às regras, aos fundamentos que iluminam o Código Civil como um todo, também tendo um risco de gerar tratamentos distintos sobre o mesmo tema, como é o que acontece atualmente no projeto com herança digital, que figura tanto em Sucessões como no livro de direito digital de maneira distinta. Então, acho que aqui é um efeito, é uma consequência também dessa escolha.
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Lembro que a tecnologia digital é sempre dinâmica. Isso faz com que a regulação precise sempre ser atualizada, o que nos faz questionar como essa tecnologia que gera tamanha transformação é conciliada com esse propósito mais duradouro de um Código Civil, em comparação com leis esparsas, com leis setoriais. E me parece que esse dilema é vivo no projeto quando se percebe como essa contradição se materializa no art. 2.027-CD, por exemplo, que menciona WhatsApp e Skype - Skype inclusive que foi descomissionado, então não me parece que o Código Civil deveria nominar necessariamente produtos ou serviços, mas se compreende que isso vem justamente desse sentimento de atualidade do tema. E o art. 2.027-H fala em número de usuários para dali se ter uma qualificação dos provedores como plataforma digital de grande alcance. Eu acho que esse também é um tema que tem muita cara de uma regulamentação, talvez menos cara de algo mais duradouro como um Código Civil, mas esses são apenas pontos para que a gente possa fazer aqui um debate.
Olhando para a segunda parte da minha fala, sobre diálogos e conflitos com outros diplomas legais, queria aqui mencionar três diplomas legais: LGPD, marco civil e ECA Digital.
Com a LGPD, o Projeto 4, de 2025, reescreve algumas situações que já são previstas na LGPD. E aqui o que me chama a atenção em especial é a parte dos direitos, em especial o direito de requerer a exclusão de dados pessoais, que no projeto encontra um detalhamento que, de certa maneira, acaba reescrevendo ou até mesmo contradizendo certos dispositivos da LGPD. Eu acho que o art. 2.027-J é um que deveria ser olhado com cuidado justamente para se entender essa compatibilidade com a LGPD.
No que diz respeito ao marco civil - é sempre importante lembrar -, o Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu sobre o art. 19 do marco civil da internet, que diz que plataformas digitais, digo, provedores de aplicações apenas serão responsabilizados caso falhem em cumprir com uma ordem judicial que determina a remoção de um conteúdo. O Supremo entendeu que esse artigo passa a ser aplicável apenas nos casos de crimes contra a honra, entendendo que ali existe uma preocupação ligada à liberdade de expressão. E a proposta da atualização do Código Civil vai no sentido da revogação do art. 19. Então, acho que aqui também existe mais um tema de diálogo e de conflito que precisa ser analisado e se entender se é efetivamente essa proposta que se vai levar adiante, na contramão da decisão do Supremo, gerando aqui um possível cenário de insegurança jurídica.
Por fim, com relação ao ECA Digital, recentemente aprovado no Congresso Nacional, nós temos condicionamentos no que diz respeito à implementação de sistemas eficazes de verificação de idade do usuário que aparecem de maneira bastante diferente no projeto. E aqui eu acho que vale a pena prestar atenção sobre quem deve aplicar esses sistemas de verificação de idade. Existe uma mudança importante entre o que o projeto leva adiante, que fala em todos os provedores de serviços digitais, e o ECA Digital, que fala especialmente de lojas de aplicações de internet, sistemas operacionais e traz outros condicionantes.
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Partindo para a última parte da minha fala - eu não vou aborrecê-los com todos os eslaides que estão aqui; eu os deixarei com a Comissão, para que possa servir como um pontapé inicial para discussão -, eu passo por alguns artigos do projeto que me parecem que são importantes para gerar uma boa discussão e eventual aperfeiçoamento.
Logo na entrada... Aqui são só questões muito mais de redação.
Fala-se no art. 2.027-A sobre "atos e atividades"; essa não é necessariamente a locução que é usada no Código Civil. E, caso a Comissão entenda que esta é a melhor locução, seria importante que ela fosse aplicada ao Código Civil como um todo, e não apenas ao livro de direito digital.
No 2.027-C, aparece a figura de um protagonista. Protagonista não é uma categoria jurídica. Eu acho que aqui talvez seja necessário fazer algum ajuste de redação.
Na parte de fundamentos, no 2.027-E, aparece como fundamento do direito civil digital a distinção entre dados pessoais e dados patrimoniais. Salvo engano, essa não é uma distinção que existe na lei sobre dados, então acho que aqui também é mais um ponto em que valeria prestar atenção.
E, olhando no artigo sobre interpretação, aparece uma outra locução: aí em vez de "atos e atividades", agora são "fatos, atos, negócios e atividades".
Então acho que existe aqui uma necessidade de uniformizar um pouco os conceitos em diversos momentos, como no 2.027-G, por exemplo, que falava anteriormente sobre provedores. Ele fala sobre plataforma online, o artigo seguinte fala sobre plataforma digital.
Mas, deixando de lado esses conceitos, usarei um pouquinho do tempo que me resta só para levantar algumas questões de fundo, que aqui pretendo só nominar, para que se possa fazer o debate justamente a partir dos trabalhos desta Comissão.
O 2.027-I fala sobre direito da personalidade unindo pessoas jurídicas e pessoas naturais, e aqui me parece que o artigo acaba falando de alguns direitos que são incompatíveis com a figura de pessoas jurídicas, em especial sobre proteção de dados pessoais ou dignidade da pessoa humana.
Existe a discussão sobre o direito ao esquecimento no 2.027-K, em que não é usada a expressão "direito ao esquecimento", mas se criará a situação em que determinadas informações poderão ser retiradas de sites caso tenha transcorrido um lapso temporal razoável desde a publicação de informação que é verídica. Então aqui acho que a gente tem um ponto importante para discutir.
O direito à desindexação me parece que está muito ligado a uma questão tecnológica, e eu queria fazer um rapidíssimo comentário, já no encerramento da minha fala: o 2.027-L gera no Código Civil um desenho que permite que a pessoa consiga, através do exercício desse direito, que seja removido o link de uma ferramenta de busca. Acontece que busca é um fenômeno em grande transformação: a juventude hoje procura a partir de vídeos curtos no TikTok, e cada vez mais a gente faz busca na internet usando ferramentas de inteligência artificial e se satisfaz com parágrafos que já vêm prontos com aquilo que se pretendeu buscar. Preocupa-me o Código Civil ir adiante com uma redação que desenha uma maneira pela qual se busca informações na internet que parece que está deixando de ser a regra. Sim, é verdade, esse é um artigo que prestigia a maneira pela qual os tribunais olharam para esse tema, em especial na última década, mas, de novo, como o Código Civil tem essa pretensão de duração, parece-me que seria importante avaliar a pertinência de esse desenho estar no Código Civil.
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Bom, deixo aqui apenas dois eslaides muito rapidinhos falando sobre o 2.027-N, que diz que é dever de todos os provedores e usuários responder de forma objetiva... E aqui, acho que é importante entender se, quando se menciona "objetiva", quer dizer responsabilidade civil objetiva. Então, não haveria espaço para responsabilidade civil subjetiva no direito digital. Eu acho que, enfim, saber se é essa realmente a orientação é outro bom ponto para debate.
E, finalmente, neurodireitos. É um tema muito querido. Sei que o Prof. Ricardo Campos gosta muito desse tema. Eu compartilho desse enorme interesse pelo tema, mas do jeito que o tema neurodireitos aparece no Código Civil, aparece através de um elenco de neurodireitos que reflete a doutrina do Prof. Rafael Yuste, que é Professor da Universidade de Colúmbia, bastante conhecido na área; mas é importante dizer que esse elenco é debatido, existe na doutrina internacional uma discussão sobre se esse seria o melhor elenco para os neurodireitos. Aqui vai, inclusive, nesse eslaide, uma notinha para o artigo do Prof. Christoph Bublitz, da Universidade de Hamburgo, que procura contradizer este elenco de neurodireitos.
Então me parece que esses são os bons debates que temos adiante.
O projeto, quando olha para o tema de proteção de pessoas, cria também a noção de entidades digitais. E aqui me parece que a gente tem uma questão importante. Dá a impressão, no 2027-S, que nós estamos falando de pessoas naturais, pessoas jurídicas e entidades digitais como uma terceira categoria, o que me parece algo que não seria desejado, mas acho que é um bom tema para debate.
E, com isso, encerro. Procurei aqui, com essa minha fala - tentei ficar dentro dos meus dez minutos. E peço desculpas por ter estourado aqui um pouquinho do meu tempo -, apresentar esses três temas: uma discussão sobre o papel do digital nesse processo de atualização do Código Civil, o diálogo e potenciais conflitos com outros diplomas legais e, já adiante, indicar algumas questões que parecem demandar a reflexão, a discussão e o eventual aperfeiçoamento, que é o trabalho desta Casa, que é o trabalho desta Comissão. Então me parece que a nossa função do lado de cá é muito mais de provocar o bom debate, de levar adiante quais são os pontos, para que o Senado Federal possa se desincumbir dessa tarefa de decidir sobre esses temas tão importantes dentro do processo de atualização do Código Civil.
Bom, Senador Pacheco, eu peço desculpas por ter passado aqui dois minutinhos do meu prazo, deixo aqui o meu e-mail e já dizendo que, na semana que vem, apresento à Comissão um texto escrito com esse detalhamento, para que possa auxiliar nos debates da Comissão, mais uma vez agradecendo por essa gentil oportunidade para participar do debate.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Bom, quero agradecer ao professor Carlos Affonso de Souza e dizer a V. Sa. que a sua exposição foi aplaudida aqui na Comissão. Talvez V. Sa. não tenha visto isso, mas apenas fazer esse registro aqui do reconhecimento desta Comissão Temporária por sua contribuição de fora do país, permitindo-nos ouvi-lo. E vejo que V. Sa. se dedicou, fazendo uma apresentação muito didática, muito objetiva dos pontos que considera relevantes em relação ao livro de direito digital. Por isso, agradeço penhoradamente a sua contribuição para com esta Comissão Temporária, e agradeço também ao Senador Carlos Portinho por sua recomendação, por sua indicação, que contribuiu muito para o nosso trabalho na Comissão.
Fechado esse primeiro ciclo dos expositores, eu passo a palavra ao Senador Carlos Portinho para suas ponderações e questionamentos.
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O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Para interpelar.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, a todos os nossos convidados, que muito contribuem neste debate, e àqueles a que nos assistem pela TV Senado. Espero que muitos advogados também para que possam nos fornecer ainda mais contribuições.
Eu, de forma introdutória, quero primeiro me dirigir aos membros que participaram do anteprojeto e àqueles que, de igual forma, participam com as suas críticas - e eu vou repetir em parte o que eu disse na minha primeira intervenção na audiência passada: vamos ter todos a mente aberta. É difícil, eu imagino, para quem participou do anteprojeto, ouvir as críticas, como é também difícil para quem critica admitir que talvez seja o momento, sim, de a gente discutir um código e atualizá-lo para um momento em que, por exemplo, há um desafio sobre as questões, os negócios, os atos jurídicos no ambiente digital.
Eu acho que talvez esse seja um dos maiores desafios do Código. Optou-se por um livro à parte, porque o direito digital... Primeiro, a gente não sabe qual será o futuro dele, ele está sempre em constante transformação. A opção por legislar sobre o tema é um reconhecimento de que ele já está inserido nas nossas vidas. É impossível, na minha opinião, uma pessoa ir para uma caverna hoje e viver alheia a todo esse ambiente digital; certamente, não vai só parar no tempo, vai retroceder no tempo. Aí reside o grande desafio. Eu parabenizo a Profa. Laura por ter encarado esse desafio, é uma coragem. Não tenho dúvida de que vai haver muitas críticas, como diversas inovações que traz o Código, mas é justamente esse o foro, Senador Veneziano, do amplo debate.
Muitas das críticas que eu recebo, e estou aberto a receber todas e vocalizá-las, uma delas é: "Não houve uma participação"; "Como é que a gente vai falar de direito digital em uma única audiência?"; "O anteprojeto não ouviu todos os setores". O anteprojeto ouviu uma parte da sociedade. O Senado, nas suas audiências públicas, que não se esgotam nesta, sobre o tema direito digital... E eu quero já antecipar, Senador Rodrigo Pacheco, dada a relevância do tema e a sua complexidade, que a gente possa, no plano de trabalho - já farei por requerimento formalmente, mas antecipo -, prever outras audiências para que outros atores possam participar, inclusive aqueles que estão dedicados diretamente, como as plataformas digitais, as empresas de inteligência artificial, para que eles possam dar, pelos seus corpos jurídicos, as suas contribuições, que não sejam só as acadêmicas, mas que sejam também daqueles que vivem na prática a transformação digital. Farei por requerimento formal, mas endereço a todos. Aqui é o foro, aqui é a Casa do Povo, é o Congresso Nacional, é aqui que a gente vai debater.
Inclusive, quero antecipar, e eu pedi à Dra. Ana Tereza Basilio, Presidente da OAB do Rio de Janeiro, através da Dra. Giselle - que inclusive é uma das minhas indicadas para alguns painéis do Rio de Janeiro -, que a gente possa fazer audiências públicas na OAB do Rio de Janeiro. E eu gostaria, Sr. Presidente, que também, como V. Exa. é um operador do direito como eu, advogado, a gente possa levar isso para as outras OABs de outros estados, porque talvez a gente não esgote todos os temas aqui.
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E, para quem está participando das relatorias ou das subrelatorias, está participando aqui, nós Senadores, Parlamentares, quanto maior for a contribuição, menos chance de errar. E eu acho que, sobre a primeira crítica, todos podem ter certeza: fizemos assim no projeto da sociedade anônima do futebol, de que V. Exa. foi o autor do projeto, e eu fui o Relator. Acho que ouvimos todo o setor, como aqui deveremos ouvir todos os interessados. Ainda que tenhamos um prazo do plano de trabalho, eu acho muito possível, não vejo por que não ouvir todos. Então, já endereçando uma resposta a essas críticas quanto à participação, que ela seja ampla, geral e irrestrita.
Com relação ao desafio digital, sem dúvida alguma, a gente está falando da inovação. A inovação é inexorável. Eu falo isso em diversos projetos e eu repito: quem resistir vai ser atropelado pela história. Um livro de direito digital é importante. A gente pode discutir a forma, se seria um livro, se esse livro deve estar ao final do Código. Ah, eu estava aqui pensando: poxa, como ele é transversal a tantos outros temas do Código, por que ele não estaria dentro da Parte Geral? Não seria nenhum absurdo - não é? -, porque é a introdução do Código. Poderia estar também esse livro de direito digital na sequência da Parte Geral para que ele possa encaminhar os outros temas que lhe são transversais. É uma opção do legislador. De qualquer maneira o operador de direito, como já é hoje no Código, vai ter que olhar uma parte do Código e vai ter que voltar atrás para olhar outra na Parte Geral. É de quem mexe com o direito, isso faz parte, e a gente, de novo, está mexendo na zona de conforto, eu sei, mas essa discussão quanto à localização e se seria um título à parte é importante, não tiro a importância dela, mas, por ser o direito digital algo transversal, a gente também poderia discutir por que ele não está inserido na Parte Geral, por que tudo hoje, tudo, tudo é digital.
A própria Profa. Rosa me deu a colinha aqui, é verdade, eu ainda não li todo o Código, mas o direito digital está na Parte Geral, no art. 219, no art. 212, §2º e seguintes. Poderia estar todo ele lá, mas o legislador optou por colocar no final. Eu particularmente não vou discutir a forma, vamos discutir o conteúdo; eu acho que perder tempo discutindo a forma é o de menos. Então, essas normas são transversais, e a gente tem que entender.
E aí é o grande desafio nosso e com a contribuição de todos que participam: elas precisam dialogar entre si, não é? O Prof. Carlos Affonso traz, na sua apresentação, questões importantes em que é preciso haver uma harmonização entre a parte do livro digital e os outros livros do Código Civil, e outras legislações, como a LGPD - a gente tem que ter um cuidado entre eventuais conflitos do Código Civil com a LGPD; do marco civil com o Código Civil também a gente tem que tomar muito cuidado - a questão do art. 19 é muito complexa; inclusive o STF recebe críticas pela sua interpretação; do Código Civil com o ECA Digital - é preciso contemporizar e harmonizar e que eles falem a mesma língua, não tenho a menor dúvida. E esse é o nosso desafio aqui nesta Comissão: aquilo que estiver dissonante que a gente possa harmonizar.
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E quero lembrar aqui a todos: a minha maior crítica hoje, e faço novamente ao STF, especialmente, é porque nós reclamamos que o Poder Judiciário - e aí eu digo muito o STF, menos o STJ, mas muito o STF - vem sequestrando as nossas funções legislativas. Então, mais uma razão para que nós possamos trazer para a legislação, que é a atualização do Código Civil, aquilo que nós possamos definir como consenso de atualização do Código, porque a outra hipótese é continuar jogando para a jurisprudência, e aí a gente vai ter um direito diferente, mais próximo do inglês do que do nosso direito objetivo, fundado em leis, e a gente vai para o common law. Não acho que seja o caminho, essa é a minha crítica inclusive ao Judiciário hoje e acho que é aí que ele está se distanciando da sociedade, aí reside a grave insegurança jurídica.
Ontem, inclusive, com a Ministra Gallotti nós estávamos conversando sobre a parte de responsabilidade civil, e realmente a distinção entre valores de indenizações e análise de caso a caso vêm levando a certa insegurança. Ela me disse: "Olha, pode não estar 100% certo o que a gente escreveu, mas a gente pegou a prática e quis trazer para a lei, de forma mais objetiva, para que dê uma parametrização maior". E, se eu sou um grande crítico ao sequestro da função legislativa, especialmente por parte do STF, não serei eu que vou dispensar a oportunidade rara e muito cara de trazer para uma lei atualizada que seja aplicada pelo Poder Judiciário, e que a gente possa, com isso, reduzir as interpretações extensivas, a insegurança jurídica e o sequestro da função legislativa, que tenho dito que tem ocorrido.
O Prof. Carlos Affonso, eu estava aqui lendo a apresentação dele, quando trata do art. 2027-D do Código, progresso, avanço, é isso, é inovação. Qual é o termo mais adequado? Vamos chegar a uma conclusão aqui, espero, mas a gente também... E isso é uma advertência: muito cuidado a todos nós quando se fala em questões digitais. A gente procurou, eu procurei levantar essa discussão na lei de inteligência artificial: nós não podemos também engessar. Os termos muitas vezes terão que ser genéricos, porque quem diria que hoje a gente estaria tratando de inteligência? Quem, há cinco, dez anos, diria que a gente hoje estaria tratando de inteligência artificial? Se a gente fosse atualizar o Código, dez anos atrás, colocando um capítulo de direito digital, não teria uma linha sobre inteligência artificial. Então vamos tomar muito cuidado nessa parte em não engessar o Código.
Eu tenho uma preocupação especial nos arts. 2027-K e 2027-L, Profa. Laura, porque vejo que ali trata de questão processual. Quero deixar este registro, porque devemos nos dedicar, tomar o cuidado de não avançar em matéria afeita a outros códigos. Que nós, se for o caso, atualizemos os outros códigos. Aliás era melhor até que todo o Código Civil tivesse sido atualizado, não fosse o tempo que nos exige agora, e que depois viesse o ECA Digital, que depois viesse a inteligência... Mas a vida não é assim, o processo legislativo não é assim; a vida anda mais rápido do que nós legislamos. Isso é um fato e, se depois tiver que adequar outras leis ao novo Código Civil, deveremos fazê-lo de igual forma.
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O art. 227-S, com perdão, também da palestra do nosso professor, de entidades digitais, é inovação. Muitos vão ser contra, mas será que a gente não deve discutir? A personalidade jurídica, as pessoas jurídicas e os atos ilícitos que possam denegri-las, será que a gente não deve... Antes eram só pessoas físicas; agora, no mundo digital também tem pessoas jurídicas sofrendo ataques e outras coisas.
E, com todo o cuidado de a gente fugir um pouco dessa ideologização da discussão, eu defendo a liberdade de expressão plena, mas, como todos os direitos, quando usados em excesso, ela pode gerar, muitas vezes, danos a outrem, e, no capítulo Da Responsabilidade Civil - por isso eu pedi para ser, e agradeço a sub-relatoria -, a gente pode tratar dessa questão de forma objetiva, evitando maiores conflitos e evitando que outro Poder legisle, assuma funções que são privativas nossas. Por isso, eu aceito o desafio.
Eu quero parabenizar a Profa. Laura, todos que participam e todos que criticam também, porque aqui é o foro adequado para isso, tenho recebido.
Quero só pedir àqueles que já estão me mandando sugestões de emenda que segurem um pouco. Vamos ouvir, vamos avançar com as audiências públicas, vamos ouvir de mente aberta e, no final, chegaremos ao momento em que vou receber emendas sobre o que nós discutimos; se eu puder apresentá-las, se for uma contribuição, certamente endereçarei. Neste momento, estou recebendo notas técnicas de muitos advogados, escritórios, operadores de direito, professores, e isso aqui engrandece o debate. E vamos, de mente aberta, fomentá-lo.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Senador Carlos Portinho.
Com a palavra o Relator, o Senador Veneziano Vital do Rêgo.
O SR. VENEZIANO VITAL DO RÊGO (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB. Como Relator.) - Querido Presidente, os meus cumprimentos. Bom dia a V. Exa. Bom dia ao meu estimado colaborador, na condição de sub-relator, Senador Carlos Portinho.
Minhas estimas dirigidas à Profa. Laura e a todos os demais outros expositores, como a querida Profa. Rosa Maria e o Prof. Flávio Tartuce. Eu os cumprimentava logo cedo dizendo que já havia, precedentemente, na audiência anterior, feito estas devidas, necessárias e justificadas menções: é muito bom tê-los conosco, porque nos alivia e nos traz um conforto de um apoiamento, um apoiamento com a carga intelectual que V. Sas. têm.
Eu pedi aqui... Na verdade, eu gostaria de ouvir a todos e pedi ao Presidente Rodrigo Pacheco que, logo em seguida à fala do Senador Portinho, eu pudesse fazer uma rápida abordagem, porque estou, nesta quinta-feira, a participar desse dever, que é o principal deles, não há dúvida nenhuma, com a responsabilidade extrema que cada um de nós, escolhidos pelos demais outros pares, assumira, mas eu também estou com a CPMI do INSS. Eu dizia ao Presidente Pacheco que eu pedi a minha substituição exatamente porque eu não gosto, não é do meu feitio, como todos também devem ter esse mesmo sentimento, ficar fazendo algo senão com entrega plena, e eu não estou conseguindo conciliar, principalmente porque às quintas e às segundas nós temos reuniões na CPMI do INSS e às quintas nós temos a data escolhida por nós para a realização de audiências públicas. Como na quinta passada eu me prejudiquei porque não ouvi os demais outros expositores, definitivamente eu pedi à Liderança do nosso partido para que houvesse essa substituição, lamentando, porque não foi a tempo de fazê-la hoje. Portanto, eu tenho que me dirigir ao processo no outro plenário, também em relação a uma outra audiência que está sendo feita pelo Presidente Renan Calheiros em um tema muito sensível e importantíssimo que nós estamos a enfrentar, que é a isenção do Imposto de Renda às escalas que os senhores e as senhoras conhecem, e há uma participação nossa.
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Mas eu quero dizer que é muito importante, penso eu, se estiver enganado, Presidente Rodrigo Pacheco, o senhor é muito mais afeito e tem uma formação privilegiadíssima, porque conseguiu conciliar aquilo que não me foi permitido... Não, me foi permitido, mas eu não tive o seu brilhantismo, a sua capacidade, como a do mesmo Senador Carlos Portinho, de aliar as atividades político-partidárias às atividades advocatícias. Muito eu gostaria de fazê-lo, até porque...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Não, eu me licenciei. Eu só voltei agora para a Comissão de Esporte da OAB. Eu suspendi a minha licença.
O SR. VENEZIANO VITAL DO RÊGO (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Não, mas V. Exa. é cuidadoso e se atualiza, tanto V. Exa. como o Presidente Rodrigo Pacheco. Eu estou tentando, e essa é a oportunidade que me foi oferecida exatamente para voltar e mergulhar em um mundo que é apaixonante, e eu tive essa escola dentro de casa.
Penso eu, Presidente Rodrigo, e acho que esse vai ser o tema mais não vou dizer espinhoso, tortuoso, mas o mais palpitante, exatamente pela atualidade que ele apresenta. Basta que nós observemos, depois da fala da Doutora e querida Professora Laura, uma exposição muito bem-feita, tanto pelo Dr. Ricardo Campos como pelo Prof. Carlos Eduardo, e na fala do convidado ou sugerido a estar conosco pelo Senador Portinho o Prof. Carlos Affonso... Algumas observações que ele fez poderiam ser observações que os senhores que se apresentaram antes dele poderiam ter feito no tocante à concordância ou discordância daqueles pontos que foram por ele abordados, entendem? Porque já começa a vir esse sentido, e é isso o que me traz a opinar que vai ser o trabalho mais palpitante, pela sensibilidade com que ele assim se apresenta, que requer que nós façamos isso.
O Senador Presidente disse que concorda de já com uma outra audiência, uma outra oportunidade, e não será ela que consistirá no condão de resolver todas essas diferenças, mas eu penso muito apropriado termos outra audiência, para que nós ampliemos essas visões que nós temos para extrairmos observações que foram feitas, como o caso de termos que incluir, além das nossas preocupações já expostas com novas legislações produzidas pelas duas Casas Congressuais, a questão de incluir o idoso na temática do direito civil digital e alguns outros pontos. Mais ainda o que me chamou a atenção foi, na exposição do Prof. Carlos Affonso, aquilo que de fato requer alguns cuidados nossos, não por querermos aqui o preciosismo, mas por querermos tentar ao máximo acompanhar a realidade atual.
É evidente que a Constituição codificada não pode ter a pretensão de estabelecer amarras ao dia a dia, porque isso é dinâmico. Nós não vamos ter códigos... E a história não nos dá a nos convencer de que os códigos foram instituídos, foram constituídos para amarrar as relações privadas, as relações interpessoais. Não, você não tem como fazer. Você tem que ter um balizamento, você tem que ter as lacunas, as quais mencionadas foram por nós, principalmente numa temática que é tão febril, que é tão rápida, que é tão dinâmica, que muda a cada instante.
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Então, eu queria, com essas rapidíssimas observações, dizer que me sinto muito feliz em participar desse trabalho e, mais ainda, de poder estar junto aos senhores e às senhoras a contribuir para que nós façamos essa devida atualização, com a inserção desta nova parte do Código Civil; na verdade, o Código Civil digital. Trazer para esse ambiente as missões que são questionadoras, as críticas em relação a termos um código apartado ou não fortalecermos legislações que já existam: é importante que nós façamos esse bom enfrentamento.
Então, Presidente Rodrigo Pacheco, dito isto, eu pediria a V. Exa. a compreensão, e muito mais dos convidados, pela aparente deselegância ou deseducação de ter que me retirar para cumprir essa outra missão junto à CPMI. Se lá for rápido - tomara que não, em meio às controvérsias outrora existentes nas outras audiências -, eu voltarei a ouvir os demais outros expositores. Mas muito obrigado a todos os que aceitaram o convite. E, na próxima quinta, eu não sei, a depender das orientações da Presidência, faríamos uma outra audiência trazendo como tema relevantíssimo a questão do Código Civil digital.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Senador Veneziano Vital do Rêgo.
Gostaria de registrar a presença também do nosso querido Prof. Nelson Rosenvald, que já está de malas prontas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - ... para Belo Horizonte. Seja muito bem-vindo sempre, Professor. É uma alegria revê-lo.
Agradeço ao Senador Veneziano Vital do Rêgo, de fato muito concorrido - e é uma concorrência desleal com a CPMI do INSS...
O SR. VENEZIANO VITAL DO RÊGO (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB. Fora do microfone.) - Não desejada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - ... não desejada, mas ele terá que se desincumbir dessa obrigação na CPMI e também na Comissão de Assuntos Econômicos, num debate sobre isenção de Imposto de Renda, capitaneado pelo Senador Renan Calheiros, ex-Presidente desta Casa.
Quero agradecer também a ponderação e o belo pronunciamento do Senador Carlos Portinho, que tem uma grande formação jurídica, e reiterar a importância da participação do Prof. Carlos Affonso de Souza, que se dedicou, trouxe de forma sistemática as observações que ele tem em relação ao projeto. Algumas delas até observei que pertinentes e devem ser consideradas pelos Senadores, pela Consultoria do Senado.
Também depreendo da fala do Senador Carlos Portinho o reconhecimento de S. Exa. e também do nosso Relator sobre a pertinência do livro de direito civil digital. A exposição da Profa. Laura Porto é reveladora de que esse livro, com seus dez capítulos, precisa de fato ser inserido no ordenamento jurídico, numa lei civil que possa disciplinar esse regramento. Aqui são os capítulos, foram elencados pela Profa. Laura Porto, que cuidou junto com seus pares, na Comissão de Juristas, acerca desse tema. Do Direito Civil Digital, que é um novo livro, com os capítulos, que são: Disposições Gerais; Da Pessoa no Ambiente Digital; Das Situações Jurídicas no Ambiente Digital; Do Direito ao Ambiente Digital Transparente e Seguro; Do Patrimônio Digital, porque de fato é algo que gera bastante perplexidade hoje e permite interpretações das mais diversas sobre a destinação desse patrimônio digital, mormente em situações de sucessão; o outro capítulo, A Presença e a Identidade de Crianças e Adolescentes no Ambiente Digital, já com a ponderação em relação à proteção dos idosos, que acabou não vindo no projeto que apresentei ao Senado Federal; o tema de inteligência artificial, que, de certo modo, concorre com o projeto de lei de que também fui autor e que já foi aprovado no Senado Federal sobre a regulação da inteligência artificial; o capítulo da celebração de contratos por meios digitais; o capítulo de assinaturas eletrônicas; e o último de atos notariais eletrônicos. Então, perpassa por diversas situações compiladas num livro único, para cuja topografia, no Código Civil, o Senador Portinho adverte - é algo que naturalmente é relevante, seria importante que a Consultoria Legislativa pudesse nos orientar sobre isso, o Senador Carlos Portinho pondera em relação à sua inclusão já próxima à Parte Geral.
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É preciso considerar também e quero crer que a vida real deve sempre preceder a vida digital, então, talvez, a lógica do direito civil seja as relações humanas, sociais, os eventos humanos físicos, vamos chamar assim, materiais e, ao final, a previsão de um direito digital que, de fato, é transversal e perpassa por vários pontos do Código Civil.
Quero também dizer ao Senador Carlos Portinho que acho muito meritória a proposta em relação a audiências externas. Há um requerimento de V. Exa. para que haja um debate na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro, que é o seu estado. Acho bastante conveniente submetermos à apreciação para a aprovação, para que nos desloquemos ao Rio de Janeiro para esse debate com a Ordem dos Advogados, de maneira muito plural com os advogados do Rio de Janeiro. Há um requerimento de minha autoria para que possamos também fazer um debate na Universidade Federal de Minas Gerais, que é o meu estado. Esse requerimento me foi apresentado pelo Prof. Hermes Guerrero, que é o Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, o qual também submeterei à apreciação dos pares para essa deliberação, para que oportunamente possamos ouvir as entidades representativas, a sociedade civil, as universidades. Obviamente não conseguiremos fazer em todas, mas, por essa amostragem, também sob o aspecto territorial das cinco regiões do Brasil, poderemos ter o debate muito amplo, como sugeriu o Senador Carlos Portinho, que acho absolutamente apropriado para esse tema.
E aqui sobre o Livro de Direito Digital, nós ouvimos a Profa. Laura Porto, que cuidou de forma muito dedicada na Comissão de Juristas, e tivemos também o brilhantismo do Prof. Ricardo Campos, do Prof. Carlos Eduardo, com pronunciamentos muito densos, muito apropriados. E observo na fala do Prof. Carlos Eduardo, que vai ao encontro do que foi a observação do Senador Carlos Portinho, essa nossa preocupação no Parlamento da invasão da competência pelo Judiciário. Isso decorre do fato do que V. Sa. observou sobre a obsolescência das leis. Então, o compromisso que temos de atualizar o Código Civil decorre do fato de que, dada a importância do Código Civil, nós não podemos render a ele o destino da obsolescência, sob pena de termos decisões judiciais não só do Supremo Tribunal Federal, mas de todas as instâncias do Judiciário que preencham essas lacunas, porque elas são necessárias a serem preenchidas em função da evolução social que acaba gerando conflitos e dilemas que precisam ser resolvidos com sentimento de justiça, de equidade, de equilíbrio. A ausência de uma legislação pertinente acaba permitindo que o Judiciário avance, de certo modo, nessa seara que é própria do Poder Legislativo. Daí a importância dessa atualização do Código Civil; daí a relevância desse livro de direito civil ser reconhecido por todos nós Senadores, cuja discussão foi aqui muito importante ser feita.
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Então, nós fechamos esse primeiro ciclo dos quatro expositores, vamos passar agora para os últimos quatro expositores. E o primeiro desse segundo ciclo é o Professor Maurício Bunazar, que é Doutor e pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Comissão de Juristas para a Atualização do Código Civil.
Concedo a palavra ao Professor Maurício Bunazar, para sua exposição.
O SR. MAURÍCIO BUNAZAR (Para expor.) - Muito obrigado.
Exmo. Senador Rodrigo Pacheco, Exmo. Senador Portinho, Exmos. Relatores, Profa. Rosa Nery e Prof. Flávio Tartuce, ilustríssimos servidores, aos quais peço licença para cumprimentar na pessoa da nossa diligentíssima Lenita, sintam-se todos, na pessoa da Lenita, devidamente homenageados.
Senador Pacheco, eu optei por trabalhar exclusivamente o regramento que a Comissão propõe para o fundamental instituto da prescrição. Quando a Comissão discutiu esse instituto, o fez muito ativamente com a preciosíssima colaboração de S. Exa. a Ministra Isabel Gallotti, e acredito sinceramente e procurarei demonstrar que nós chegamos a um texto que se estrutura a partir de três pilares fundamentais, pilares esses que acabam por ser corolários daquilo que S. Exa. o Ministro Salomão determinou fosse a preocupação da Comissão: segurança jurídica lastreada na consolidação daqueles entendimentos já consolidados na jurisprudência dos tribunais em geral, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal em especial. Quais são, então, esses três corolários que estruturaram o tratamento da prescrição? Redução, unificação e precisão.
Começo pelo primeiro, a redução. A Comissão propôs a redução do prazo geral de prescrição de dez anos para cinco anos. Realmente, parece-me que um prazo largo de prescrição, como era no passado, trinta anos, vinte anos, depois dez anos, justificava-se quando nós tínhamos limitações de comunicação, de acesso; hoje realmente não parece fazer sentido que nós ainda tenhamos um prazo tão largo como esse de dez anos. Então, a Comissão propõe essa redução para cinco anos, o que, sem dúvida, colabora para a estabilização das relações jurídicas.
Com relação ao segundo corolário, o da unificação, por que unificação? Nós temos uma situação que gera alguma perplexidade. Eu peço vênia para plagiar, dando a fonte, o Prof. José Fernando Simão, quando ele dá o seguinte exemplo: se alguém atropela uma pessoa na rua, foge, a pessoa vê a placa, foge, etc., a vítima desse dano tem três anos para ajuizar uma ação; se contrato um pintor para pintar o meu escritório e tal e ele falha, eu tenho dez anos para processá-lo. Isso é uma contradição absolutamente insustentável num sistema que se pretende, como todo sistema, lógico.
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Portanto, a Comissão, para evitar a angústia, Senador Pacheco, que nós advogados - e permita-me que eu me dirija a V. Exa. nesses termos - temos de dizer para o cliente: "Olha, qual é o prazo?", "Eu não sei. Vamos ver como é que está a jurisprudência hoje"... Então, o parágrafo único do art. 205 unifica os prazos de prescrição, seja a responsabilidade civil contratual, seja a responsabilidade civil extracontratual, seja a obrigação decorrente do enriquecimento injustificado. Então, nós temos ali, no parágrafo único, essa unificação.
E, finalmente, o ponto que me parece o mais importante de todos. Eu dizia, em certa ocasião, ao Prof. Flávio Tartuce que, se nós obtivéssemos a aprovação desse único dispositivo, nós teríamos colaborado enormemente para o direito civil brasileiro. Qual é esse dispositivo? Há uma polêmica - e eu não entrarei aqui em questões dogmáticas, porque não é o momento - sobre qual é o momento de surgimento da pretensão, ou seja, duas teorias: actio nata objetiva, actio nata subjetiva. O que isso significa? Para a objetiva, a prescrição começa no exato momento em que há a violação do direito, porque ali surge a pretensão e, com ela, surge a prescrição. Mas há situações em que não é possível identificar quem foi o autor da violação do direito ou mesmo o dano que surgiu daquela violação. Imaginemos um exemplo absolutamente trivial: uma cirurgia médica em que o cirurgião esquece algo dentro do paciente. Quanto tempo demorará para que isso surja? E aí juristas do nível Câmara Leal disseram: "Não, a prescrição pune a negligência. Nós não podemos acoimar de negligente aquele que não tinha como conhecer o dano ou o seu autor. Portanto, a prescrição deve começar de quando se tem ciência disso". Ora, há, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - e eu fiz um compilado aqui, terei todo o prazer de enviar aos Senadores esse artigo -, situações que, naturalmente, são díspares. O STJ é voltado à consolidação da jurisprudência, mas, diante de casos concretos, nós ficamos inseguros de dizer: "Este caso é de actio nata objetiva, começa da violação; este caso é de actio nata subjetiva, é do conhecimento".
Portanto, o que nós fizemos - e repito, por justiça, com uma fundamental participação de S. Exa. a Ministra Isabel Gallotti? Nós estabelecemos a regra: caput do art. 189, §1º, actio nata objetiva. No §2º, já circunscrevendo a questão à responsabilidade extracontratual, deixando exclusivamente essa questão circunscrita à responsabilidade extracontratual, estabelecemos a possibilidade da actio nata subjetiva. E aqui, neste momento, houve - e permitam-me contar isso, está no YouTube, para quem quiser assistir -, uma polêmica, disseram: "Olha, mas então vai ficar ad aeternum? Então, se eu descubro esse dano daqui a 50 anos, como é que fica isso?".
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E a Comissão - sob a liderança, nesse ponto específico, de S. Exa. a Ministra Isabel Gallotti -, estabeleceu no §3º uma regra de limite, e é o que eu chamo de precisão. Se a actio nata for subjetiva, ainda assim, o prazo máximo de prescrição será o de dez anos, contados da data da violação. Ou seja, nós teremos aqui um ponto de começo e fim da prescrição de maneira clara, de modo que o cliente procura o advogado e o advogado diz: "A sua pretensão está prescrita" ou "Ela ainda não está prescrita por conta disso". O magistrado, Desembargador Marrone, terá, ali, um ponto de apoio para saber se aquele caso é de responsabilidade civil de actio nata objetiva ou subjetiva com base no texto que nós propusemos.
Eu acredito que o artigo - a despeito de ter ficado maior do que a elegância exige - ficou claro e traz para todos nós operadores do direito aquilo que nós mais almejamos, que é segurança jurídica.
Eu agradeço a V. Exa. a palavra.
Agradeço a oportunidade de ter a honra de falar aqui no Senado da República.
Muitíssimo obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Professor Maurício Bunazar, pelo seu pronunciamento, especialmente acerca do tema da prescrição no Código Civil.
Muito bem lembrada por V. Sa. a participação de S. Exa. a Ministra do STJ Isabel Gallotti. Em nome desta Presidência, agradeço a contribuição e a participação na Comissão de Juristas da eminente Ministra do Superior Tribunal de Justiça.
E, antes de passar a palavra ao próximo orador, quero apenas pontuar - porque V. Sa. faz referência ao art. 189 - que, em qualquer caso, passado o tempo de dez anos a partir do fato, isso enseja a prescrição. Antes disso, é de se identificar se há o conhecimento sobre a autoria, a ciência do fato ou não. Parece-me a lógica mais razoável, até para se conferir segurança jurídica a todos os operadores do direito, especialmente aos magistrados, que haverão de decidir os casos concretos que lhes chegam.
Então, quero cumprimentá-lo pelo trabalho, que facilita também o trabalho do advogado de se definir o prazo de prescrição. É muito ruim dizer para o cliente, em uma consulta, que não se sabe, ou que tem de sal e tem de doce, dependendo do que é o contexto. (Risos.) Então, de fato, me parece um artigo muito apropriado, que disciplina, de maneira muito assertiva, o instituto da prescrição nesta matéria. É o art. 189 do projeto. Perdão, do projeto... Deixe-me ver aqui... É, o 189. Isso, conferido. Perfeito.
Agradeço ao Prof. Maurício Bunazar por sua contribuição. Reitero também o agradecimento pela contribuição que deu na Comissão de Juristas.
Passo a palavra agora, com muita satisfação, a S. Exa. o Desembargador Rogério Marrone, que é Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil.
Com a palavra, Desembargador Rogério Marrone.
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O SR. ROGÉRIO MARRONE (Para expor.) - Boa tarde a todos.
Exmo. Senador Rodrigo Pacheco, Exmo. Senador Carlos Portinho, na pessoa de quem cumprimento todos os que aqui estão presentes, também gostaria de fazer um cumprimento especial aos Relatores da Comissão e aos meus amigos também que participaram.
Eu enfatizo aqui a minha honra em ter participado da Comissão, em ter contribuído para o anteprojeto, que hoje é projeto, e honra e responsabilidade são agora ainda maiores por estar presente aqui nas audiências para defender o trabalho que foi feito, sem prejuízo evidentemente das críticas que venham a contribuir com um desfecho final.
Aqui eu vou utilizar esse tempo que eu tenho, primeiro, para ratificar o que foi dito aqui pelos demais membros sobre a importância da atualização do Código Civil. Há a necessidade de atualização, como foi dito aqui pelo Senador há pouco, justamente porque é preciso que se dê técnica legislativa para o julgador para que ele possa dar soluções justas para o tempo atual. Não adianta... No Código Civil, que é importantíssimo porque regulamenta o dia a dia das pessoas, é preciso que eu tenha um instrumento para poder dar soluções justas às crises que chegam ao Judiciário. Muito bem, seja... E isso em todos os livros. Eu preciso solucionar questões relativas à incapacidade, eu preciso solucionar questões de convivência dentro de um condomínio edilício, e hoje o Código se propõe à atualização desses problemas. É claro que não cabe aqui fazer menção um por um, mas o importante é ratificar a necessidade da atualização do Código Civil.
E, a mim, aqui me coube falar sobre as invalidades. Na verdade, esse tópico até para a defesa fica mais fácil, porque, no que toca às invalidades, é evidente que a questão das invalidades dos negócios jurídicos é extremamente importante, porque, ao mesmo tempo que é preciso reagir às patologias e dar respostas adequadas aos vícios dos negócios jurídicos, também é preciso tomar a cautela de conferir estabilidade aos negócios jurídicos, segurança aos negócios jurídicos. A expectativa é de que o negócio jurídico aperfeiçoado venha a ser executado e o fim econômico pretendido, atingido, até por conta da função social que ele preenche hoje. Então, há esse dilema e daí a importância do tema. No entanto, não temos grandes alterações nesse aspecto, nesse tópico. E não temos grandes alterações porque, na realidade, a estrutura das invalidades adotada pelo Código Civil de 2002, que também não mudou tanto em relação ao Código de 1916, vem baseada no regime jurídico das nulidades e anulabilidades e, embora haja críticas doutrinárias a esse respeito, esse sistema responde adequadamente, a meu ver, aos problemas que surgem.
Não contemplamos, como também não foi contemplado no Código de 2002, a teoria da inexistência do ato jurídico. Embora interessante sob o ponto de vista acadêmico, no fundo ela não se mostra de grande utilidade prática e, como eu disse, as questões são resolvidas pelas nulidades e anulabilidades. Então, optou-se pela preservação dessa estrutura.
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Claro que agora, sim, temos que adaptá-la à realidade, adaptá-la a uma realidade, hoje, em que nós temos a necessidade de preservação dos negócios jurídicos, nós temos a necessidade de vinculá-los a uma função social, a prestigiar a boa-fé objetiva. Então, tudo isso vem a exigir uma adaptação no sistema das invalidades.
Portanto, em algumas situações, o que nós percebemos é que nós relativizamos aquela reação que se dá às nulidades ou nulidade absoluta e mitigamos essa reação, às vezes, aproximando as respostas que se dão às anulabilidades, ou seja, embora o vício seja grave de uma nulidade, vamos preservar os seus efeitos, se possível, vamos conservar o ato, se possível. Claro, não sendo possível, aí, sim, em face da sua desconstituição ou da declaração da sua ineficácia, enfim, a verdade é que, nesse aspecto, a gente trabalhou a adaptação.
Por exemplo, nós temos aqui, com relação às nulidades, como eu disse, a preservação do negócio jurídico, mesmo eivado de nulidade; nós temos aqui... com relação às hipóteses de nulidade, absoluta nulidade, no art. 166, nós mantivemos as hipóteses praticamente, apenas acrescentamos, no tocante ao negócio ser nulo quando fraudar lei imperativa, "também fraudar norma de ordem pública".
Aqui, a ideia foi evitar a chamada "degradação do negócio jurídico", ou seja, também não se pode contemplar um negócio jurídico em que os fins pretendidos acabam violando uma norma de ordem pública. Aqui, a gente segue um pouco a linha do Código de Defesa do Consumidor, enfim, mas é interessante essa alteração.
Com relação aos atos nulos, nós estabelecemos a prescrição dos efeitos patrimoniais do negócio nulo, o que é importante, por uma questão de estabilização das relações jurídicas, ou seja, embora a gente entenda que o que é nulo não convalida, o que é nulo não prescreve, na verdade, efeitos patrimoniais devem se sujeitar ao tempo, por conta de uma estabilidade, de uma estabilização das relações jurídicas.
Também se prevê a possibilidade de que determinado negócio nulo venha a produzir os efeitos quando ao menos uma das partes estiver de boa-fé - aí sim, a boa-fé objetiva - e o resultado for juridicamente relevante, for juridicamente interessante. Então, também se prevê, se contempla essa possibilidade.
Com relação às anulabilidades, aqui também não são grandes as alterações. Nós mantivemos todos os vícios de consentimento em relação ao estado de perigo e à lesão, que são dois institutos que vieram com o Código de 2002. Mantidos esses institutos com vícios, com patologias, na verdade se possibilitou aquilo que já vinha sendo contemplado jurisprudencialmente, ou seja, a preservação do negócio quando possível o reequilíbrio da base econômica. E mais, tanto num quanto no outro, se prevê aquela possibilidade de provocação do Judiciário para que ele seja readequado, ele seja aproveitado. Então, essa é uma atualização que se fez nesses institutos. De modo que, com relação às invalidades, sem prejuízo de outros... de debates, eu identifico essas questões como sendo as questões mais relevantes.
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Então, termino aqui a minha participação e agradeço, mais uma vez, a possibilidade de, aqui, contribuir com esta Comissão que elaborou o projeto.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Desembargador Rogério Marrone, agradeço a participação de V. Exa., a dedicação de seu tempo à Comissão de Juristas e agora à Comissão Temporária do Senado Federal. E cumprimentando V. Exa., cumprimento todo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, valoroso Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com as melhores recomendações ao Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, Presidente daquele tribunal.
Concedo a palavra, na sequência, ao Prof. Dr. Paulo Doron Rehder de Araujo, que é Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Professor da Escola de Direito da FGV São Paulo, Presidente do Comitê de Responsabilidade Civil da International Bar Association.
Tem a palavra o Prof. Paulo.
O SR. PAULO DORON REHDER DE ARAUJO (Para expor.) - Presidente Rodrigo Pacheco, gostaria de iniciar a minha fala agradecendo pessoalmente a V. Exa., porque eu preciso dizer que V. Exa. é um cumpridor de promessas. Quando, em maio de 2024, V. Exa. foi recebido para um almoço no Instituto dos Advogados de São Paulo, eu o abordei e, naquele dia, lhe entreguei esta revista, que era um primeiro trabalho crítico que a Comissão Especial do Instituto dos Advogados de São Paulo havia feito a respeito do ainda anteprojeto, e V. Exa. me disse: "Paulo, fique tranquilo, os críticos serão também ouvidos, no momento apropriado, em audiências públicas especialmente convocadas para tanto". E aqui estamos, e aqui estou, então sou fiador de que V. Exa. é cumpridor de promessas, Senador Rodrigo Pacheco.
Queria também agradecer ao Senador Efraim Filho por ter feito a indicação para que eu pudesse participar desta audiência, e também agradecer ao Senador Veneziano Vital do Rêgo, com quem já pude conversar rapidamente, e que se incumbiu deste ônus que me parece um ônus realmente bastante pesado, que é trabalhar a relatoria de um projeto tão importante.
Agradeço também ao Senador Pacheco, porque na última audiência que aqui houve eu também o abordei - eu vivo abordando o Senador Pacheco -, pedindo para que a gente tivesse voz, que a gente pudesse colaborar criticamente ao projeto, e o Senador me disse: "A partir da próxima audiência acontecerá". Então mais uma promessa que foi cumprida.
E aí faço apenas aqui uma nota, de que, na audiência passada o Prof. Torquato Castro Junior, Diretor da Faculdade de Direito do Recife, a tradicional Faculdade de Recife, esteve aqui e, infelizmente, não pôde falar, por uma questão organizacional, mas queria fazer apenas este registro de que o Prof. Torquato esteve aqui, na última audiência.
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Dito isso, Senador Pacheco e demais Senadores - quero também agradecer ao Senador Portinho, que tem colaborado muito e trazido pontos e questões muito importantes -, eu vou resumir a minha fala em três pontos, que são os três pontos, Senador Pacheco... E assim... Já não é segredo para ninguém: eu sou, talvez, uma das vozes que mais têm se manifestado criticamente ao projeto. Não é nenhuma crítica às pessoas. Inclusive, tenho aqui amigos, nesta Comissão, mas me parece que, na qualidade de professor de Direito Civil... Eu até brinco: na qualidade de nerd que estuda tanto e lê tanto o Código Civil, parece-me ser importante trazer à tona alguns pontos críticos, porque confesso que eu não dormiria, não conseguiria dormir comigo mesmo se não o fizesse.
Então, eu pretendo falar sobre três aspectos, se o tempo me permitir, que são as inter-relações da parte geral com três pilares fundamentais para o funcionamento da economia brasileira, Senador, que são o contrato, a propriedade e a empresa.
E por que é que menciono esses três pilares? Porque me parece que determinadas regras e determinadas incompatibilidades entre o que está previsto na parte geral e o que está previsto nos livros especiais para cada um desses temas podem trazer situações que, em vez de colaborarem para melhor fluência, para maior eficiência da economia brasileira, acabem por atrapalhá-la, e o nosso papel aqui, enquanto doutrinador, enquanto estudioso, é apontar para isso, para que o Senado preste atenção a esses temas e, eventualmente, se julgar que a crítica é pertinente, promova as alterações no projeto, para que ele siga como um motor do desenvolvimento e do progresso econômico nacional, e não o contrário.
Pois bem.
Eu vou começar me valendo de uma fala da querida Profa. Rosa Nery, que foi da banca do meu doutorado, em que a Profa. Rosa Nery, no início de sua fala, na última audiência, foi muito feliz, dizendo o seguinte: "Olha, o art. 1º do projeto tem um problema de redação, porque ele fala em 'signatário' de tratados internacionais, quando deveria ser 'parte' de tratados internacionais, por toda a questão constitucional de transação dos tratados".
E a Profa. Rosa tem razão, não só no art. 1º, mas também em vários outros: no 609-G, no 2.027-F, §2º, no 2.027-I, no 2.027-X e no 2.027-AJ há esse problema de redação, igual.
E por que me parece que esse problema acontece, Senador Rodrigo Pacheco? Parece-me que ele acontece porque, na hora de harmonizar isso tudo, várias Subcomissões trabalhando, premidas pelo tempo, a redação acabou não saindo da melhor forma possível. Por quê? Por conta do tempo. E, aí, muito me tranquilizou ouvir tanto de V. Exa., quanto do Senador Veneziano, quanto do Senador Portinho, que nós estamos no começo do processo legislativo, o que quer dizer que nós teremos, agora, tempo para tratar as expressões, a redação, a harmonização entre os artigos, e, portanto, ouvi com muita alegria que V. Exa. disse que haverá a possibilidade de novas audiências para tratar de temas específicos.
E, aí, aqui já faço de plano, porque acabei de receber a mensagem do Prof. Diogo Melo, Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, dizendo que nós ofereceremos um requerimento para levar também uma audiência pública ao Instituto dos Advogados de São Paulo, casa que o senhor frequenta.
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Pois bem, entrando no tema especificamente da relação entre contratos e a parte geral do código, preocupa-me especialmente - e aí aqui o Desembargador Rogério Marrone vai me desculpar, porque eu vou entrar exatamente num tema em que ele tocou - o art. 104, um inciso novo que foi inserido nele, que é o que trata da ampliação das hipóteses de invalidade mediante o emprego da expressão "ordem pública". O Prof. Jacob Dolinger, da PUC do Rio de Janeiro, tem um artigo muito interessante em que ele diz: "A expressão mais difícil de definir de todo o direito é o conceito de ordem pública". E aí qual é a minha preocupação? A minha preocupação é que, ao trazermos para as hipóteses de invalidade a expressão "ordem pública", ampliamos o que é exceção.
O que é a invalidade? A invalidade é dizer que um contrato não valeu, é dizer que um combinado entre mim e uma outra pessoa, embora nós tenhamos combinado, não vai produzir nenhum efeito, não vai gerar nenhum vínculo. Portanto, a tutela da invalidade - e aqui está o Prof. Maurício Bunazar, que tem uma obra escrita sobre isso - é uma tutela excepcional, ela trata da patologia do direito.
Quando eu agrego aí a expressão "ordem pública", isso tende a gerar um problema muito grande. Por quê? Porque o próprio código, lá no art. 422-A, já na parte de contratos, eleva a categoria de ordem pública à boa-fé, à probidade e à confiança, outros princípios, outros conceitos abertos. E o art. 421, no seu §2º, também elevou à categoria de causadora de invalidade a função social do contrato.
Então, percebam que o que eu estou dizendo é o seguinte: nós estamos trazendo para um regime excepcional conceitos extremamente amplos, de modo que, na minha percepção, e aqui vou parafrasear a já referida hoje aqui Ministra Isabel Gallotti, isso acaba transferindo para o Judiciário um protagonismo em dizer se o contrato vale ou se ele não vale com base em conceitos muito abertos. A própria Ministra Gallotti diz: "Nós vamos ter que primeiro perguntar para o juiz se a gente pode ou não pode cumprir o contrato, para depois tratar dele".
Ainda há uma questão de que, elevando a ordem pública à boa-fé, probidade e confiança... mas este mesmo art. 422-A diz que o desatendimento a esses princípios é descumprimento do contrato e não invalidade. Então, eu tenho um choque de regime jurídico, as consequências são muito diferentes. Uma coisa é anular o contrato, considerá-lo inválido, ou seja, é como se ele não produzisse nenhum outro efeito; outra coisa é dizer: não, ele obriga, mas ele foi descumprido. As consequências são complexas e diferentes, e me parece que a redação tal como está confunde estes conceitos todos.
Caminhando já para o fim da minha exposição, eu queria rapidamente abordar um artigo que foi mencionado pelo Prof. Carlos Pianovski, o art. 186, que foi alterado, e o que mais ou menos está no caput atualmente foi transferido para o parágrafo, dizendo sobre a maneira como se configura a ilicitude e como se dá a responsabilidade civil.
E tem um ponto no parágrafo único do art. 186 que me chama a atenção positivamente, que é a reafirmação de que o dano é a medida da indenização, uma lição que todos nós compreendemos e o mundo jurídico não tem grande dúvida a respeito dela. O que me preocupa novamente é a compatibilização, porque, quando nós vamos ao capítulo da responsabilidade civil, a gente percebe que, nesse capítulo, o dano deixou de ser a medida única da indenização, porque agora eu tenho também situações relacionadas a valor do direito ou valor da ofensa, eu tenho estimativa do juiz, eu tenho probabilidade, todas essas expressões previstas nos arts. 944 e 944-B, nos parágrafos que ali estão. E o que acontece aqui, Senador Portinho - estou ouvindo aqui V. Exa...
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O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Estou concordando.
O SR. PAULO DORON REHDER DE ARAUJO - ... é que, quando a gente quebra a ligação direta entre dano patrimonial e medida da indenização, Senador Pacheco, a gente gera um problema muito grande para a administração das empresas, que tem que lidar com os riscos e prever os valores que eventualmente terão que ser pagos. Por exemplo, eu tenho dificuldade de contratar um seguro, porque eu não sei exatamente qual o tamanho da indenização que vai ser paga. Então, eu tenho um problema de mensuração de riscos, que impacta, no meu modo de ver, a atividade empresarial de maneira frontal. Mas não só a atividade empresarial, aqui vem a questão da propriedade, porque a ideia de que eu só pago a indenização pelo tamanho do meu dano é um respeito à propriedade de quem é ofendido, mas também à propriedade do ofensor, que sabe exatamente qual vai ser o deslocamento patrimonial de um ponto para o outro. Quando eu perco essa referência da maneira como, no meu modo de ver, está posto no capítulo de responsabilidade civil, a gente tem, de novo, uma delegação ao Poder Judiciário que me parece excessiva, porque o Poder Judiciário vai poder, em sede de danos patrimoniais, retirar o critério dano e inserir outros critérios também baseados em conceitos jurídicos indeterminados ou em termos muito genéricos. E, de novo, a gente passa a ter um problema.
Então, concluindo a minha fala, estourando um pouquinho o tempo - eu havia prometido para mim mesmo que eu não ia estourar, mas é muito difícil, são só dez minutos -, eu queria, mais uma vez agradecer ao Senador Pacheco, ao Senador Portinho, ao Senador Efraim, que infelizmente aqui não está, mas também a todos os membros da Comissão. Não pude falar de público a eles ainda; então, vou gastar esse tempo para dizer isto: o Brasil é grato ao esforço, ao tempo e à dedicação que cada uma dessas mulheres e desses homens que aqui estão fizeram à nação, produzindo um projeto de lei que eu tenho certeza, entendem, de que foi o melhor que puderam fazer. Ninguém tem dúvida disso.
A nossa posição crítica é uma posição para dizer que o pontapé inicial foi dado, mas a doutrina pode colaborar para que a gente tenha uma lei muito melhor, uma lei efetivamente capaz de guiar o nosso país para o que nos aguarda no século XXI. E, para isso, queria fazer uma menção: nós também temos um livro que é um compêndio de artigos que tratam de temas específicos doutrinários, com críticas construtivas e pontuais de vários temas. Este aqui é de V. Exa., Senador Pacheco, entregarei em mãos ao senhor ao final da sessão, mas passaremos em cada um dos gabinetes e entregaremos a todos os Senadores, porque acreditamos que, mediante este diálogo, mediante as críticas que trouxermos e mediante o entendimento e a conciliação de entendimentos, poderemos construir um direito civil melhor para o Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço ao Prof. Paulo Doron Rehder de Araujo e quero cumprimentá-lo pela exposição.
A visão crítica a respeito do projeto é muito bem-vinda no Senado, e a minha afirmação, seja naquele momento lá atrás, no Instituto dos Advogados de São Paulo, seja agora recentemente, é de fato, Senador Portinho, que nós temos que abrir o Senado para aqueles que, de maneira construtiva, propositiva, educada, possam trazer a sua visão crítica para que a gente possa fazer o melhor trabalho possível em relação a esse tema. E V. Sa. traz elementos de fato muito importantes que já foram objeto de preocupação e de debate na própria Comissão de Juristas e que são objeto de atenção por parte do Senado Federal.
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Então, receberei essa obra que foi produzida por V. Sa. e, com bastante zelo, darei a devida atenção. É muito importante também que os nossos membros da Comissão de Juristas possam dar a ela atenção para que possamos fazer uma reflexão construtiva em relação àquilo que deve ser mantido, alterado, modificado no projeto de lei. Então, agradeço a participação de V. Sa., agradeço também ao Senador Efraim Filho, Vice-Presidente desta Comissão, que sugeriu o nome do Prof. Paulo Doron Rehder de Araujo, que é da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, docente da Faculdade de Direito da FGV.
Muito obrigado, Professor.
Passo a palavra na sequência.
Nós já tivemos a participação do Prof. Carlos Affonso de Souza, que estaria na sequência e foi antecipada. Dou a palavra agora, com muita satisfação, pelo sistema remoto, ao Prof. Dr. José Anchieta da Silva, que é um notável advogado civilista, comercialista de direito societário de Minas Gerais, um exemplo para nós todos, especialmente para mim, como advogado militante que fui e que volto a ser depois da Presidência do Senado, tendo no Prof. Dr. José Anchieta da Silva uma grande inspiração.
Tenho falado com o Dr. Anchieta pelo WhatsApp a respeito do projeto, e ele havia me sugerido que pudesse a Associação Comercial de Minas Gerais ter, através da sua voz, a possibilidade participar desse debate. Então fico muito contente que o meu conterrâneo, Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutor e Especialista em História do Direito pela Universidade de Lisboa e Presidente da Academia Mineira de Letras Jurídicas, possa aqui se pronunciar.
Com a palavra o Dr. José Anchieta da Silva.
O SR. JOSÉ ANCHIETA DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Caríssimo Senador e conterrâneo nosso, Rodrigo Pacheco, perceba V. Exa. - e, mencionando-o, cumprimento a todos que estão presentes pessoalmente e que, como nós, estão presentes pela via remota - que nós preferimos ficar em Minas para institucionalizar a nossa fala, caro Senador. Não fala o advogado e amigo seu José Anchieta, fala a centenária Associação Comercial de Minas, que tive a honra de presidir e onde estou. Aqui estão presentes e cumprimentam V. Exa. igualmente, cinco de seus Vice-Presidentes, aqui está presente o representante da Fiemg, aqui está presente o representante do observatório que em Minas se criou para acompanhar este projeto. Aqui falo também em nome da Federação dos Institutos dos Advogados do Brasil, que são 16, nos 16 maiores estados mais representativos economicamente, portanto, do Brasil. E registro que presente está na tela o nosso Presidente Belini.
Deixo aqui um agradecimento, Sr. Presidente, em nome da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, e o faço em nome do nosso Diretor Prof. Hermes Guerrero, com quem estive ontem e testemunhei também o WhatsApp que encaminhará a V. Exa., requerendo, por igual, que também em Minas se dê mais uma audiência pública.
Mas devo dizer a V. Exa. e aos que já fizeram uso da palavra, que a nossa posição - respeitosa é verdade - é absolutamente contrária. E peço para sublinhar, para gizar, para colocar em caixa-alta esta posição contrária, porque, para adotar a posição contrária, há razões de fundo, há razões de mérito, há razões que eu diria intransponíveis.
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É fato que as leis, quando necessárias, devem ser mudadas; de modo cauteloso, todavia. Nós, os vivos, precisamos, quando necessário, modificar as leis para que não fiquemos numa sociedade regida pela lei dos mortos - e essa afirmativa não é minha, é a de um Presidente americano ali de meados do século passado.
Chamo a atenção do expositor Carlos Eduardo para dele discordar, todavia, quando ficou parecendo que o Brasil tem um Código Civil obsoleto. Não é verdade. O Brasil construiu, e isto é preciso ser repetido, dois monumentos em matéria de Código Civil: em 1916, o código de Beviláqua; em 2002, o código de Miguel Reale. Mas é preciso atualizar as normas do direito privado, e que a façamos. Sobre prescrição, por exemplo, ouvimos uma bela dissertação, apenas para exemplificar, já que não poderei falar sobre todas elas.
São duas as preocupações com relação à formação da lei. A mens legis e a mens legislatoris. Cuidamos aqui, no combate de hoje, da mens legislatoris. É a sociedade civil organizada trazendo a sua contribuição para que os legisladores possam construir um instrumento melhor, não esse que acrescenta quase 300 artigos, que modifica mil artigos, num código que tem originalmente 2.047 artigos.
Mas a título de introdução, embora tenha prometido ser breve, e serei, eu trago a texto, Sr. Senador e senhores palestrantes, senhores contribuintes desta audiência, a palavra do saudoso mineiro Otto Lara Resende: "É possível divergir sem ódio, [é possível] discordar com respeito. Pode-se mesmo brigar com amizade". E nós não queremos fazer nada diferente. Mas vai no título do próprio trabalho de que por aqui se cuida uma questão a ser suscitada: nós estamos atualizando o código de Miguel Reale, ou nós estamos revisando o código de Miguel Reale, ou nós estamos produzindo um novo Código Civil?
Ao que me parece, pela dimensão da empreitada, o que se pretende é um novo código. Se for, ainda, preliminarmente, quanto à forma, portanto, quanto à liturgia do ato, não se pode absolutamente fazer transitar o que será um código novo sem se observar, regimentalmente, aquilo que o Regimento do Legislativo determina para a feitura de códigos. É a primeira consideração, e de natureza global, e de natureza geral.
Quero dizer à expositora Laura Porto, que tratou do direito digital, e não o fez só, que é curioso ela colocar na tela coisas do tempo dos militares, de 1969, para sustentar a presença de um livro de direito digital. O exemplo da Alemanha, que por aqui foi citado, ao que me parece, não serve para o Brasil. O direito digital, de fato, existe enquanto direito digital? Existente esse direito, esse direito digital é codificável? O sistema dos microcódigos e a própria legislação brasileira, que avança sobre o tema, embora não seja suficiente - e nunca o será; nenhuma lei é perfeita, nenhuma lei pode ser generalista, nenhuma lei pode ser do tipo contempla tudo... Ao que me parece, é um equívoco querermos ser os primeiros a criar um livro de direito digital. Certamente será texto para exposição de motivo da versão final deste trabalho, se e na medida em que ele assim caminhar, o argumento segundo o qual o código de Reale repetiria, em alguma expressiva medida, aquilo que é do código de Beviláqua. Sim, é verdade, são institutos jurídicos troncais que são mantidos no código de Miguel Reale, que, insisto, de obsoleto nada tem, mas são mantidos pela sua excelência normativa e apenas pela sua excelência normativa. Mas o que é verdade é que o argumento para a propositura não se sustenta quando se pretende fazer o discurso da segurança versus insegurança jurídica. Não gosto desse binômio. Eu prefiro tratar daquilo que seja juridicamente previsível; portanto, previsibilidade jurídica e não previsibilidade jurídica. Brinca-se com uma afirmação que certa autoridade já fez: que, no Brasil, até o passado é incerto.
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Este código é um código inspirador de processos judiciais novos aos milhares. Desdizendo, portanto, a pretensão que bem norteia as boas intenções de seus inspiradores, este código falta com a coerência, este código não respeita a unidade do sistema, e sobre isso bem dissertou o orador que me antecedeu, Dr. Doron, a quem quero dizer que acompanho nas suas afirmações.
Há uma questão com relação à formação de leis que diz respeito à medida, a se medir previamente o impacto econômico das normas. Ora, cuido aqui, na casa dos empresários, não poderia ser diferente, do mundo das obrigações, do mundo dos contratos e do mundo, portanto, do direito empresarial. Dispositivos vários, centena deles, transformam cada magistrado num Salomão, de modo que os juízes magistrados não mais o serão, serão árbitros, arbitradores. Cria-se a época dos juízes de Salomão, cada um deles com a espada na mão, e a cada processo se terá uma criança para, se Salomão quiser, parti-la ao meio.
Darei exemplos, e já estou caminhando para o fim, Sr. Presidente.
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O que eu quero dizer é que as expressões incertas, vagas, abertas que o projeto traz conspiram contra o todo quando, por exemplo, falam sobre patrimônio, aspas: "relações experimentadas por uma ou mais pessoas, conforme assim se tenha estabelecido". Mais adiante: "simetria e assimetria". Adiante mais: "disparidade econômica". Adiante mais: "sacrifício excessivo". Esse conjunto, tudo isso, cada um desses artigos, manda para o Judiciário, para os juízes de Salomão, e o discurso da ordem pública - estou terminando porque já fui aqui advertido - é importante lembrar: isso é uma herança do direito romano para ditar o direito da cidade contra o direito dos gentios. Vai aparecer também no Setecentos, na Lei da Boa Razão, mas tudo isso, somado à função social da propriedade, conspirando, quando se fala em função social da propriedade, invertendo a ordem constitucional, que, como primeiro valor, considera a sociedade, como um agregado seu, a sua função social. E isso se reflete na empresa, são indissociáveis; e isso se reflete no contrato, são indissociáveis.
Estou, portanto, deveras, terminando, Sr. Presidente, para dizer a V. Exa. o seguinte: assim como está, nós não conseguimos melhorar absolutamente nada do excelente monumento que temos, que é o código de Miguel Reale.
Nós estamos dispostos a, pontualmente, discutir alguns pontos, mas com toda a comunidade jurídica. A advocacia brasileira, os empresários brasileiros pedem vista e mais tempo para melhor discutir os pontos que sejam razoáveis desse projeto e que são em muito menor quantidade do que 1,2 mil artigos que se pretendem modificar ou inserir.
Muito obrigado pela tolerância do meu excesso de tempo. Vou repetir o Padre Antônio Vieira: "Não tive tempo para ser breve". (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. José Anchieta da Silva. Registradas as salvas de palmas ao pronunciamento de V. Sa., em seu nome, em nome da Associação Comercial de Minas Gerais, externando seu ponto de vista em relação ao projeto de lei, cujo conteúdo certamente será considerado pelos Senadores, Senadoras, pelos nossos colaboradores, membros da Comissão de Juristas outrora instituída. Agradeço penhoradamente ao meu conterrâneo José Anchieta da Silva, a todos que aí estão, representando a Associação Comercial de Minas e outras entidades representativas do meu estado.
O tema não se esgota nesta audiência pública. Haverá outras tantas audiências públicas e debates, inclusive, no Estado de Minas Gerais, na nossa Universidade Federal de Minas Gerais e em outras entidades também Brasil afora, para que possamos fazer o devido amadurecimento em relação à pertinência dos dispositivos contidos nesse projeto de lei.
Meu agradecimento penhorado ao meu conterrâneo José Anchieta da Silva.
Consulto o Senador Carlos Portinho se podemos passar a palavra derradeira aos relatores-gerais da Comissão de Juristas e, na sequência, fazemos as pontuações enquanto Senadores da República.
Concedo a palavra, portanto, com bastante satisfação, uma vez mais, à Profa. Rosa Nery para as suas considerações em relação ao conteúdo de todas as exposições aqui formuladas nesta manhã-tarde.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Para expor.) - Sr. Presidente, Sr. Rodrigo Pacheco, é uma honra poder estar aqui aprendendo. Foram uma lição muito interessante todas as aulas que foram dadas pelos que concordam e pelos que não concordam com a nossa pretensão de reforma do Código Civil.
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Entregamos, sim, um trabalho muito bem-feito, penso eu. Entendo que todas essas questões trazidas precisam ser discutidas. Talvez a sociedade civil não tenha entendido tudo o que precisa ser compreendido acerca dessas novidades.
Eu tenho certeza de que o Prof. Miguel Reale fez um código que mudou poucas palavras com relação ao Código de 1916, mas trouxe uma estrutura novidadeira. O código é novo porque tem poucas palavras novas, mas tem uma estrutura nova; e essa estrutura nova, Sr. Senador, Presidente, é a estrutura de um sistema semiaberto de normas, que abre espaço para o magistrado. Infelizmente ou felizmente isto é o que está desde 2002. E não é à toa, Exmo. Sr. Senador Portinho.
Eu gostaria de lembrar que existe um personagem escondido nas palavras "processo civil". De civil o processo não tem nada, o processo é público, é um direito público; o que é direito civil é isto que nós estamos fazendo: direito de liberdade, direito de atuação livre, direito de circulação de riqueza - é disso que cuida o direito civil. Quem deu o poder para juiz fazer lei foi o Código de Processo Civil de 2015, com todo o respeito. É lá que está o sistema de temas e de decisões que formam a lei que gere a nossa sociedade civil. Então, de civil o processo civil não tem nada. Ele é direito público, é direito de regulação do poder jurisdicional do Estado. Aqui nós temos um direito civil que cuida da liberdade. O juiz vai decidir sobre o que é função social? O juiz vai decidir sobre o que é ordem pública? É dele mesmo essa função. O que preocupa é que o sistema de processo civil diz que ele decide e faz temas - ele faz temas a que nós devemos obedecer. Nós estamos propondo que os temas virem regra no Código Civil, espaço de liberdade e de civilidade. Então, na minha maneira de ver, a conversa está mal posta.
Eu ouvi com muita atenção o nobre advogado que falou em nome da Associação dos Comerciantes de Minas Gerais e respeito, com muita atenção, tudo que ele disse, mas eu gostaria que ele meditasse que ordem pública é o fim necessário do direito, é a espinha dorsal da dignidade humana, é a espinha dorsal da coercitividade do direito, porque, se o direito não se presta para a ordem pública, ele não presta para coisa nenhuma - não presta para coisa nenhuma.
Dentro da minha humilde posição, eu me coloco aqui, primeiro, elogiando com muito gosto a disposição de V. Exa. Sr. Senador Presidente e de V. Exa. Sr. Senador Portinho de estarem aqui nos ouvindo, de darem oportunidade para o público nos ouvir, de perceberem a dignidade com que esta Comissão trabalhou, de perceberem a dignidade dos argumentos que foram trazidos aqui por nobres professores, com quem eu aprendi: com a juventude da Laura, com a juventude do Ricardo, com as modernidades que eles trouxeram, Sr. Senador Presidente, coisas com que nós, da tradição do direito civil, temos que aprender a conviver para poder enxergar o amanhã.
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De toda maneira, entendo que a discussão está aberta, nós estamos às ordens. E queria observar que eu me coloquei à disposição do Instituto dos Advogados de São Paulo mais de uma vez e nunca fui convidada a lá estar. Coloco-me de novo e protesto veementemente que não tenha sido chamada, não por mim, porque não tenho importância alguma, mas pelo trabalho da Comissão que eu devo respeitar.
Muito bem, só isso.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço à eminente Profa. Rosa Nery por sua contribuição, pelo seu pronunciamento, mais um pronunciamento muito rico aqui na nossa Comissão Temporária do Código Civil.
E concedo a palavra ao também Relator na Comissão de Juristas, Prof. Flávio Tartuce.
O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, mais uma vez cumprimentando V. Exa., cumprimentando também o Senador Portinho. É uma grande honra voltar em mais um amanhã histórica para o direito civil. Como eu sempre gosto de dizer, estamos vivendo momentos únicos, oportunidades únicas, debates que nunca ocorreram na elaboração dos dois códigos anteriores, com transmissão ao vivo, com participação ampla da sociedade, então vivemos aqui mais uma vez uma manhã histórica para o direito civil.
Eu gostaria, Sr. Presidente, de destacar a bela fala do Prof. Carlos Affonso, que fez propostas pontuais para o projeto de reforma. Com algumas eu concordo, com outras não, poderemos debater em outras oportunidades. Também destaco a fala do meu colega de longa jornada, começamos juntos, Prof. Paulo Doron; também com algumas eu concordo, com outras não. Mas gostaria só de pontuar também, aproveitando a fala do Dr. Anchieta, que a Lei da Liberdade Econômica, que é a lei mais liberal deste país, que rege os grandes negócios, prevê a ordem pública como exceção de validade nos negócios jurídicos e empresariais paritários. Está lá no art. 3º, inciso VIII, da lei mais liberal deste país. O que nós procuramos inserir no Código Civil, no art. 104, nada mais é do que um diálogo com a Lei da Liberdade Econômica; não um diálogo, nesse ponto, com o Código de Defesa do Consumidor.
De todo modo, se esta Casa entende que não é o caso de se fazer esse diálogo, que seja retirada essa proposta. De todo modo, eu lembro também que existem casos, como é o caso do art. 413 do Código Civil, que trata da redução da cláusula penal, em que a matéria de ordem pública não gera invalidade, gera ineficácia, gera redução, e foi essa proposta que motivou a alteração do art. 422-A, que trata da violação positiva do contrato ou violação positiva do crédito.
De qualquer forma, o Dr. Paulo trouxe contribuições pontuais que são pontuações de debate, e sem dúvida alguma é de se louvar agora o seu trabalho colaborativo conosco, de melhorar o projeto, e eu espero também que outros críticos também participem conosco.
Como eu disse desde o início, nós o respeitamos muito, conhecemo-nos de longa data - conheço o Paulo há uns 20 anos - e como conheço também o Presidente... Aliás, foi meu aluno. O Presidente atual do Iasp, o Diogo Melo, foi meu aluno há muito tempo. Então nós... O Presidente do Iasp. Então nós achamos que esse é o momento para a gente seguir com o debate intenso e melhorar o texto.
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Em relação à fala do Dr. Anchieta e também com o devido respeito à Associação Comercial de Minas Gerais, eu gostaria de dizer que, há umas duas semanas, eu estive na Associação Comercial de São Paulo, junto com o Presidente, o Dr. Roberto Ordine, e o Celso Orcesi, que é o Diretor Jurídico. E, quando lá cheguei, destaquei um pouco do que falei no último encontro sobre dispositivos que trazem o fortalecimento da atividade empresarial, então a positivação da força obrigatória do contrato, expressamente no texto legal, para as relações empresariais, o art. 966; a criação de um dispositivo sobre contratos empresariais, o art. 421-C; e a regra de prescrição, que foi aqui tão destacada. Eu acho que aqui é unânime que essa proposta de prescrição traz segurança jurídica para as relações. O próprio Dr. Anchieta destacou, acabou entregando isso na sua fala - acabou entregando isso. E, no final, disse: "Se a gente pode eventualmente fazer algumas alterações...". A parte do penhor, a proposta do 422 do Código Civil, sobre a boa-fé objetiva na fase pré-contratual...
E eu queria me oferecer, como fiz aqui, porque, no final da minha fala lá na associação comercial, eu convenci não só o Presidente como também o Diretor Jurídico de que o projeto é bom para as empresas. E ele, inclusive, disse lá que ia propor o meu nome para falar na Confederação da Associações Comerciais. Então, eu queria me oferecer também para ir pessoalmente para a Associação Comercial de Minas Gerais, quando os senhores puderem, para, de peito aberto, debater e analisar essas propostas.
Eu acho que já ficou bem claro pela fala do Senador Portinho... Senador, eu agora, em todas as minhas andanças, em todas as minhas palestras... Amanhã eu estarei em um evento da Jovem Advocacia com 5 mil jovens advogados, evento da OAB, e vou citar esta sua fala: nós vamos aqui desfazer algumas paredes, mas não algumas colunas. E, para isso, é claro que a gente conta com a colaboração de todos, para a gente melhorar o texto, para que a gente faça um código do nosso tempo, um código da nossa geração, um código que possa resolver mais os nossos problemas, porque, com devido respeito, eu acho que o código atual não resolve - isso já ficou muito bem claro - muitos dos nossos problemas.
Eu quero encerrar, ficando feliz que o Instituto dos Advogados de São Paulo, do qual eu faço parte há muitos anos também, como a Professora, vai ingressar no debate. Eu acabei de trocar uma mensagem aqui - eu sou Conselheiro Federal da OAB pela OAB São Paulo -, para que, em São Paulo - a nossa primeira audiência pública foi na OAB -, a gente possa fazer um evento, uma audiência pública, congregando todas as entidades da advocacia que são entidades-irmãs. Em todas as reuniões do Conselho da OAB São Paulo, nós temos a participação do Presidente do Iasp e da Presidente da Aasp, a Dra. Renata Mariz de Oliveira, então que nós possamos fazer também lá uma audiência pública, congregando todas as entidades-irmãs, para que nós possamos melhorar o texto legislativo, para que a gente possa aprimorar esse texto não só nesses temas do nosso encontro de hoje, mas também em outros nessa manhã histórica, mais uma vez, para o direito civil brasileiro.
Muito obrigado pelo espaço de falar hoje para vocês, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Flávio Tartuce, que também é Relator-Geral na Comissão de Juristas.
Acho muito apropriada a sua disposição, assim como a da Profa. Rosa Nery, de dialogar com essas entidades e instituições, em especial a Associação Comercial de Minas, que através do Dr. José Anchieta da Silva, fez uma exposição muito contundente.
E, de tudo quanto nós ouvimos aqui hoje, eu particularmente, democrata que sou, gostei muito das críticas, embora eventualmente não concorde com elas; mas eu considero que essas críticas são muito importantes para nos instigar ao acerto, ao aperfeiçoamento, ao reconhecimento eventual de que há dispositivos que podem ser melhorados, eventualmente até suprimidos, por isso essa disposição de estabelecer-se esse diálogo com as entidades. E aqui, particularmente em relação à Associação Comercial de Minas Gerais, eu reputo muito adequada e será muito útil à nossa Comissão Temporária.
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Igualmente de nossa parte, Senador Carlos Portinho, a nossa disposição também de realizar, não só no ambiente do Senado, mas através de audiências externas, este debate em Minas Gerais, com a Universidade Federal de Minas Gerais e com a própria Associação Comercial de Minas Gerais; no Rio de Janeiro, com a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Rio de Janeiro, e já há um requerimento do Senador Carlos Portinho para tanto; em São Paulo, com o Instituto dos Advogados de São Paulo, que, como bem lembrado aqui pelo Prof. Paulo, me recebeu muito bem em 2024 - não é isso? - para um debate, para uma exposição que lá fiz aos membros do Instituto dos Advogados de São Paulo - esteve presente o Ministro Alexandre de Moraes na ocasião desse almoço em São Paulo, o que me honrou muito também -, e debater com a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo, que tem o Prof. Flávio Tartuce agora como Conselheiro Federal. Então, eu considero que este debate é muito importante, e nós não vamos esgotar por aqui esse amadurecimento.
Portanto, todas as exposições aqui foram muito importantes para o nosso trabalho. Eu considero que, nesses meus sete anos de Senado Federal, e me encaminho para o encerramento do meu mandato no ano que vem, poucas vezes, Senador Carlos Portinho, vi um ambiente tão agradável, mesmo nas críticas e mesmo em eventuais conflitos, tão agradável, tão enriquecedor, de bom debate em relação a um tema tão útil para a sociedade brasileira. Por vezes a política se perde em discussões menores, em discussões desimportantes, talvez até mais atraentes sob o ponto de vista de visibilidade e de ativo eleitoral, mas debater um tema dessa natureza, com professores renomados do Brasil todo, advogados, desembargadores, magistrados de modo geral, professores, membros do Ministério Público, da Defensoria, acadêmicos, professores, tem sido para mim, particularmente, como Presidente desta Comissão, uma oportunidade muito boa, muito útil para também o meu enriquecimento de conhecimento como Senador da República e modesto profissional do direito.
Por isso, eu quero agradecer muito a participação de cada um dos senhores e das senhoras.
Eu vou passar a palavra ao Senador Carlos Portinho para suas ponderações e eventuais questionamentos sobre esse segundo bloco de exposições.
E, como ato final, Senador Portinho, eu lerei alguns questionamentos do e-Cidadania, dos cidadãos e cidadãs brasileiros, pedindo aos nossos expositores, eventualmente, que se disponham a responder a essas perguntas - se não agora, porque são muitas, mas se puderem fazê-lo por escrito - para que se dê satisfação aos cidadãos e cidadãs que nos acompanham ao vivo, acompanham o nosso trabalho nesta Comissão.
Concedo a palavra ao Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - Sr. Presidente Pacheco, todos que participam, inicialmente também, nesta minha segunda fala nesta audiência, eu queria prestar aqui uma homenagem, um reconhecimento, uma gratidão a alguns profissionais. Eu me preparei para essa empreitada também e recebo a contribuição, desde o início, de alguns profissionais do direito que, naturalmente, estão mais próximos a mim e se dispuseram, junto com a minha equipe aqui do Senado Federal e com a própria assessoria do Senado, a contribuir reunindo todas essas contribuições dadas por outros para que a gente possa, ao final, chegar ao melhor texto.
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Por isso, de público, quero fazer o agradecimento à Dra. Carolina Rodrigues do escritório Rodrigues, Fernandes & Mena Barreto; à Dra. Ana Luiza Fernandes do mesmo escritório; ao Dr. Rodrigo Moreira do escritório LDCM Advogados, todos do Rio de Janeiro; ao Dr. Rafael Viola, Professor da Uerj. Esse grupo de advogados tem me assessorado espontaneamente e com dedicação, e certamente são responsáveis por preparar cada audiência. Eu confesso aqui que, com os nossos afazeres, gostaria eu de poder ter lido de cabo a rabo o anteprojeto, mas eu recebo deles as contribuições e muitas delas, inclusive, com os argumentos contrários, argumentos a favor, o que me permite aqui me dedicar a este debate com mais conteúdo. Faço de plano esse agradecimento, assim como à Dra. Deborah Stockler, que, durante alguns anos, foi minha sócia no meu escritório no Rio de Janeiro e que também tem se disposto a contribuir junto com esse rol de advogados, certamente do maior escol, e todos do Rio de Janeiro, porque é meu estado. E quero agradecer à minha equipe: a Dra. Fran, a Dra. Cris, que como advogadas e técnicas legislativas, não só nesse, mas também em tantos projetos me socorrem.
E, dito isso, queria entrar na parte geral, então, que nós tratamos realmente, acho que está aí um ponto comum: olha, viva a unificação dos prazos prescricionais. Acho que ainda podemos unificar um pouquinho mais, mas isso para o operador do direito é uma facilidade; e para os clientes dos advogados e a todos gera uma segurança jurídica muito maior. Eu acho que o prazo padrão, digamos assim, de cinco anos, salvo as suas exceções, está de bom tamanho. E eu apenas ainda tenho dúvidas se os dez anos contados do conhecimento do fato é muito ou se é possível, dadas as causas de interrupção da prescrição, nós conseguirmos ainda trazê-lo para esses cinco anos, dadas as causas de interrupção da prescrição, porque isso facilitaria ainda mais a estabilização das relações. E eu vejo aqui uma grande preocupação - é de todos, é uma preocupação nossa, e eu disse ontem para a Ministra Galotti - com o próprio Poder Judiciário, mas principalmente com o cidadão, porque a gente tem tido muita dificuldade de entregar a prestação jurisdicional num tempo rápido, e eu acho que a gente tem oportunidade no Código, seja quanto à questão da unificação do prazo prescricional e outras formas que estão apresentadas, de a gente reduzir esse prazo de prestação jurisdicional.
Quando eu advogava, no momento que eu advogava, eu sempre discuti muito, e eu fiz muito juizado especial, como todos aqueles que começam no direito e no contencioso, que é a minha especialidade. Eu sempre fiquei em um dilema muito grande entre você fazer a justiça e você entregar a prestação jurisdicional, e fico pensando nos casos de sucessão, por exemplo, em que há brigas mais contundentes, familiares inclusive, também no caso de família - um pouco mais breve, mas, no caso de sucessão, com inventários de décadas -, e eu trago sempre esta questão: é mais importante, nesses casos, a justiça ou a entrega da prestação jurisdicional?
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É lógico que a justiça é o que todos nós temos que perseguir, eu não tenho dúvida disso, mas sempre tem uma parte vencida, sempre tem uma parte que acha que não foi justa a decisão - e isso faz parte. Mas a prestação jurisdicional rápida eu acho que é fundamental, porque é um instrumento também de justiça. Uma família briga por 20 anos por um imóvel, sobre quem tem razão; no final, vai ter uma decisão. E o imóvel, o que sobrou dele? Foi feita a justiça? O proveito econômico dessa briga é justo com as partes?
Por isso, tratando da prescrição, uma preocupação que eu trago, principalmente um receio na parte de contratos e de responsabilidade civil, e essas normas não sendo tão objetivas como poderiam para estabilizar essas relações - alguns conceitos que eu respeito, Profa. Rosa, mas eu escuto e recebo as críticas, sempre construtivas -, é se não vão ocasionar ainda mais uma enxurrada de ações para interpretar alguns conceitos como ordem pública e especialmente outros que eu vou transmitir aqui como pergunta, a questão de vulnerabilidade e hipossuficiência, que também traz o Código; se isso não pode gerar mais ações e uma demora ainda maior na entrega da prestação jurisdicional. Estou colocando aqui como preocupações, receios, de forma mais geral.
E agora, passando para duas questões que ilustram um pouco da minha primeira fala, à Dra. Laura Porto e também aos que sucederam agora, nessa segunda parte.
Primeiro, aqui, falando um pouco de direito digital, tem uma crítica, do trabalho feito pela minha equipe, de argumentos contrários e a gente deve vocalizá-la. Ela diz aqui: o livro de obrigações prevê mudanças em relação aos contratos eletrônicos, nos art. 428, §§1º e 2º; art. 434, §3º; art. 435-A. Enquanto isso, o livro de direito digital prevê outras regras para os contratos eletrônicos, a exemplo do capítulo Da Celebração de Contratos por Meios Digitais, o que gera incertezas e contradições, multiplicando interpretações conflitantes e insegurança jurídica, como destacado por Fernandes e no podcast de Ana Frazão em 2025. Se puderem comentar - e aí não só a Dra. Porto, mas todas ou quem quiser - essa necessidade de harmonização, talvez, entre o livro Das Obrigações e o livro Do Direito Digital e algumas outras contradições...
A segunda questão - não coloco como pergunta, coloco como questão -, já antecipada por mim aqui: a inclusão dos vocábulos "vulnerabilidade" e "hipossuficiência" no Código Civil é uma novidade, pois não são termos característicos do léxico tradicional do Código Civil, mas sim do Código de Defesa do Consumidor - e é verdade, eu também atuei muito, atuo muito nessa área. Nas relações civis e empresariais, a regra geral é que não há desequilíbrio entre os contratantes, e o sistema do Código Civil vigente não foi construído partindo do pressuposto de um dos contraentes merecer proteção especial. Isso é um ponto de preocupação. E ainda acusa uma contrariedade nesse tema ao enunciado do conselho CJF... Perdão, a minha... Estou um pouco enferrujado: CJF é o Conselho da Justiça Federal. A presunção de premente necessidade ou inexperiência, quando verificada a vulnerabilidade de um dos contratantes, parece contrariar - ele diz então - o Enunciado 290 da IV Jornada de Direito Civil, que estabelece que: "A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada [...] a desproporção manifesta entre as prestações [...]", em negrito: "não se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado", o que contradiz a questão da vulnerabilidade, trazida pelo novo Código, e sua hipossuficiência.
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Então, eu quero deixar como uma questão, realmente, se esses termos, de certa maneira, "vulnerabilidade e hipossuficiência", na hipótese de contratos entre uma grande empresa e o homem médio, se isso não pode ser usado pelo homem médio como uma razão de um conflito, de um rompimento de uma relação jurídica por conta disso.
Então, ficam essas duas questões aqui como minha contribuição. Se alguém puder apenas comentar, a gente não precisa ir a fundo, mas apenas reconhecer ou não essas críticas ou a necessidade de um aprofundamento sobre essas duas questões, eu agradeço imensamente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Com a palavra o Prof. Ricardo Campos.
O SR. RICARDO CAMPOS (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Portinho.
Acho que os seus comentários são muito, muito importantes, e eu não gostaria de entrar na questão das obrigações e dos contratos digitais, eu vou deixar para o pessoal dos contratos. Acho que aí não há uma antinomia, mas é um tema muito importante que V. Exa. levantou, que é a questão do sequestro da função legislativa com relação ao art. 19, que é um tema sensível politicamente, hoje até diplomaticamente falando, e eu acho que a solução do livro de direito digital que a gente construiu é uma saída que pode, de alguma forma, nivelar o diálogo entre Poderes e até a questão diplomática, porque ali há o quê? O que foi construído no art. 19?
Senador Pacheco, a gente tinha, até a decisão do Supremo - eu falava -, já há oito, dez anos, um dinossauro de estimação brasileiro, que colocava, que iniciava a responsabilidade de empresas digitais após o descumprimento de decisão judicial. Aí eu sempre perguntava, nas audiências públicas que eu fazia no Congresso, qual cidadão comum entraria na Justiça para remover um post de internet. Ele procura outro sistema social, ele procura a saúde tomando um antidepressivo ou a religião procurando alguma forma de transcendência, mas ele não vai... Ele vai absorver esse dano de outra forma.
O que a gente fez dentro do livro de direito digital? A gente pegou a melhor prática internacional, que é o desenvolvimento alemão e europeu, e a gente simplificou. Ele é, talvez, uma espinha dorsal, novamente, usando como método 3% a 5% do que a Europa caminhou, que seria um caminho intermediário e até elevando, pela técnica legislativa, a questão de estabelecer até uma segurança jurídica para as próprias empresas de tecnologia.
Então, eu vejo o ponto levantado por V. Sa. aqui, a solução dada pelo livro de direito digital como até algo próximo do que as empresas aceitariam, até para evitar um ponto fora da curva futuro de uma legislação que possa, de fato, censurar a liberdade de expressão e estabelecer responsabilidades não condizentes com a liberdade e a autonomia privada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Ricardo Campos.
Prof. Carlos Eduardo.
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O SR. CARLOS EDUARDO PIANOVSKI (Para expor.) - Muito obrigado, Exmo. Presidente.
Eu compartilho, como advogado de contencioso, que também sou, de preocupações do Senador Carlos Portinho, e, por isso, gostaria de fazer breves comentários sobre dois pontos. Um ponto é a questão atinente à ordem pública, e o outro ponto é atinente às regras sobre contratos na relação com o digital.
Quanto à ordem pública, a gente não pode esquecer que esse é um conceito, ainda que ele seja objeto de debates, bastante consolidado. O Código Civil francês tem, no seu capítulo introdutório, desde os tempos de Napoleão Bonaparte, uma regra que dispõe que não prevalecerão as convenções que ofenderem a ordem pública e os bons costumes. O Código Civil brasileiro vigente, no art. 2.035, parágrafo único, dispõe que não prevalecerão as convenções que ofenderem normas de ordem pública, tais como aquelas destinadas a assegurar a função social da propriedade dos contratos - isso é a norma vigente, além da Lei da Liberdade Econômica, já citada pelo Prof. Flávio Tartuce. Não há, portanto - se me permitem -, novidade ao trazer o conceito de ordem pública a seu devido lugar, que é a identificação das hipóteses de invalidade.
No que diz respeito às regras sobre formação dos contratos e efeitos de determinados contratos, notadamente os smart contracts e as regras que trabalham também com o digital, no capítulo pertinente ao direito dos contratos, eu tive a oportunidade de trabalhar diretamente sobre esse tema, em conjunto com o dileto amigo Prof. Carlos Eduardo Elias de Oliveira, dentro da subcomissão de direito contratual. E eu vejo essas regras como absolutamente complementares, elas não são contraditórias. O que talvez seja interessante seria uma uniformização de linguagem, estritamente isso, mas não são regras que conflitam. A uniformização de linguagem vai assegurar uma absoluta harmonia e uma absoluta segurança no que diz respeito à aplicação dessas regras.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Perfeito, muito obrigado.
O SR. CARLOS EDUARDO PIANOVSKI - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço ao Prof. Carlos Eduardo.
Prof. Flávio Tartuce.
O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Obrigado, Presidente.
Mais uma vez, estou sendo provocado, ou melhor, estamos todos sendo provocados com temas excelentes. O Sr. Senador Portinho, muito bem assessorados - quero destacar o Dr. Rafael Viola, que é bem conhecido entre nós civilistas, é um grande civilista -, com certeza trouxe aqui questões muito pertinentes.
Senador, uma questão que eu gostaria de pontuar acrescentando o que os colegas mencionam, é que eu não vejo contradição, porque o art. 2.027-AS, trata, na verdade, de requisitos que dizem respeito à formalização do contrato sem requisito de validade. A formação do contrato eletrônico define aqui premissas fundamentais a respeito do contrato, o que é contrato formado pela via digital. Como é uma verdadeira parte geral a respeito do tema, eu até acho que tem que ficar lá atrás, realmente logo depois de parte geral, é a minha posição, mas a gente deixou em aberto aqui para o Senado escolher onde colocar esse livro. Então, eu não vejo, com o devido respeito, essa contradição, mas, se for o caso, esta Casa pode fazer aperfeiçoamentos no texto.
A respeito da questão de vulnerabilidade e hipossuficiência, ela aparece em alguns momentos diferentes do Código, e o que o V. Exa. está mencionando aqui é o artigo da lesão, é o art. 157 do Código Civil. De fato, aqui, a gente procurou colocar, como foi bem destacado pelo Desembargador Marrone, regras de conservação do contrato, de manutenção do contrato, no §3º e no §2º. O §3º e o §4º, perdão. O §2º é que é o tema de debate: "Em casos de patente vulnerabilidade ou hipossuficiência da parte, presume-se a existência de premente necessidade ou inexperiência do lesado".
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Realmente, V. Exa. cita aqui, muito bem assessorado e também pelo seu conhecimento jurídico, o Enunciado 290 da IV Jornada de Direito Civil, que afasta a presunção. Só que, em uma jornada mais recente, que foi a V Jornada, foi aprovado o Enunciado 410, que, em certa medida, entra em conflito com esse enunciado anterior prevendo o seguinte:
A inexperiência a que se refere o art. 157 não deve necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que estipule contratos costumeiramente, não tenha conhecimento específico sobre o negócio em causa.
Aqui é a hipossuficiência técnica ou, para alguns, vulnerabilidade técnica. Como os termos "vulnerabilidade" e "hipossuficiência" são termos que não são, digamos assim, coincidentes para toda a doutrina, nós fizemos a opção de colocar os dois, mas talvez seja o caso de se utilizar a expressão "conhecimento técnico", "não haja conhecimento técnico". Por quê, Excelência?
Eu vou dizer algo que é da minha prática, porque eu atuo muito no meio imobiliário. Hoje o STJ faz uma distinção em relação àquele investidor que compra imóvel, entre investidor profissional e investidor ocasional, e diz que o investidor profissional, que tem até... Muitas vezes não é uma pessoa jurídica, é uma pessoa física que compra imóvel, e ele não está submetido ao Código de Defesa do Consumidor. Muitas vezes ele vai comprar um imóvel - nós temos hoje muitas pessoas que compram imóvel nessa perspectiva - e não tem um conhecimento técnico daquele imóvel que está sendo adquirido. Então, a proposta é para atender, porque, se a gente for dizer: "Bom, ele compra imóvel; então, não pode se presumir nunca premente necessidade, ele não pode alegar lesão...". Então, foi para atender especificamente essa situação, sanando o conflito entre dois enunciados, que a gente fez essa proposição.
Talvez um ajuste de redação para atender essa hipótese, porque realmente este termo "hipossuficiência" aparece, em outros momentos, "vulnerabilidade", e tem gerado debate. Talvez seja o caso se fazer aqui um aperfeiçoamento para atender essa situação específica, Excelência.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Muito obrigado.
Você trouxe a razão, que é específica, mas, quando a gente abre, eu quero justificar a minha questão principal, porque, quando a gente fala em vulnerabilidade, primeiro, há grupos de pessoas vulneráveis na sociedade, e aí, então, a gente estaria tendo que dedicar um tratamento diferenciado para o mesmo negócio jurídico entre grupos de vulneráveis. Isso é muito aberto, isso é muito perigoso, porque eu acho que o foco é o negócio jurídico e não o destinatário, no caso, a não ser nos casos consumeristas. Quero deixar bem claro essa exceção, que tem um código próprio.
Com relação à hipossuficiência, V. Exa. traz esta questão "hipossuficiência técnica" e me conforta, porque hipossuficiente também é aquele que é financeiramente hipossuficiente. Também a gente estaria dando uma destinação a grupos hipossuficientes financeiramente.
Curioso, o direito é todo transversal. O que me trouxe essa questão é porque eu advogo muito também - é a minha especialidade - na área desportiva, e a gente tem uma grande discussão na cláusula penal do atleta, quando ele é rescindido, porque, realmente, 99%, 98%, se não me engano, dos atletas são hipossuficientes financeiramente. Os neymars, os que ganham muito dinheiro são poucos dentro do universo de atletas do Brasil, e isso é muito usado na Justiça do Trabalho.
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Mas você não pode dizer que o Neymar é um hipossuficiente, porque ele tem um estafe com assessoria de profissionais. Certamente até o próprio hipossuficiente financeiro do futebol, muitos, tem assessoria de advogados, então você não pode querer anular negócios jurídicos ou, no caso, penalizar uma parte alegando: "Mas ele é financeiramente hipossuficiente". Mas ele estava assistido por advogado, ele tinha pleno conhecimento técnico do negócio que estava fazendo, a vida dele. Então eu peguei só um parâmetro e, quando vi essas duas expressões, me lembrou das relações entre clubes e atletas, que é uma discussão, inclusive, de teses a respeito, e esse termo em aberto, os dois, me deixou muito preocupado e preocupado principalmente com a enxurrada de ações. De novo, estabilizar as relações, diminuir os conflitos endereçados ao Poder Judiciário, eu acho que é também uma das nossas funções aqui, ao rever o Código, ou melhor dizendo, ao atualizar o Código Civil.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Senador Carlos Portinho, por sua contribuição a este debate, de fato muito apropriada a sua ponderação.
Consulto os expositores se alguém mais deseja se pronunciar. (Pausa.)
Neste instante, faço uma leitura breve de algumas indagações e questões que foram trazidas através do e-Cidadania por cidadãos e cidadãs brasileiros e peço aos expositores, na medida do possível e sem abusar, que possam eventualmente, obviamente, se não todas, algumas indagações que sejam cabíveis, dentro do conhecimento e do escopo do trabalho de cada um desses expositores em relação a essa reforma do Código Civil, essa atualização do Código Civil, possam fazer as respostas, através do sistema do Senado próprio, para que aqueles que questionaram possam ter acesso.
A Fernanda, do Distrito Federal, indaga: "Há avaliação sobre efeitos econômicos e sociais da modernização das regras de negócios e família?".
O Enzo, do Distrito Federal: "De que forma o projeto de lei [...] garante a proteção de dados pessoais e a privacidade dos usuários no ambiente digital?".
O Gustavo, também do Distrito Federal: "Como a reforma do Código Civil pode garantir segurança jurídica e responsabilizar big techs no ambiente digital?".
A Hannah, do Distrito Federal: "Quais mudanças estão previstas para garantir mais clareza e segurança nas relações feitas por meio de plataformas digitais?".
Só tem Distrito Federal? Hoje o YouTube direcionou para o Distrito Federal. É uma brincadeira. (Risos.)
Renata, do Distrito Federal: "Como a atualização do Código Civil [...] [pode] proteger melhor os direitos digitais, como patrimônio virtual e dados pessoais?".
Então são questionamentos e alguns comentários também, da Renata, do Distrito Federal, que fez a pergunta anterior: "O Código Civil deve se integrar com outras leis para abordar de forma abrangente os delitos virtuais, [como na] Lei Carolina Dieckmann atualizada".
O Enzo, do Distrito Federal: "Modernizar o Código Civil é vital para acompanhar a revolução digital, protegendo cidadãos e empresas no novo cenário tecnológico".
Fernanda, do Distrito Federal, comenta: "A atualização das regras de família reconhece novas configurações familiares, promovendo inclusão e proteção".
O Gustavo, do Distrito Federal: "O debate é essencial para modernizar a lei, responsabilizar big techs e proteger a soberania nacional no mundo digital".
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A Hannah, do Distrito Federal, que também fez um questionamento, comenta: "É essencial que o Código Civil acompanhe as mudanças digitais, garantindo segurança jurídica e proteção aos cidadãos no ambiente online".
Então, quero agradecer a todas as pessoas que encaminharam seus questionamentos, seus comentários em relação ao conteúdo do projeto de lei e ao conteúdo dos pronunciamentos aqui feitos nesta belíssima audiência pública, com muita riqueza de argumentos, de fundamentos jurídicos, inclusive nos conflitos e nas controvérsias, um debate muito útil aos Senadores e Senadoras.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Com a palavra, pela ordem, Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - Faço referência que recebi, para a próxima audiência pública, mais de 20 pedidos de participação, que nós vamos buscar atender tanto nas audiências aqui quanto nas audiências externas, fomentando este debate. Tenho certeza de que não poderia - vimos aqui, já dividimos em quatro blocos, estouramos o horário em 1h30 - trazer todos neste momento. Peço escusas àqueles que eu não pude indicar ainda, mas poderei, em outras audiências, para participação.
Eu gostaria, Sr. Presidente, se possível, fosse deliberada a indicação da Dra. Gisela Sampaio, da Dra. Maria Celina Bodin de Moraes, da Dra. Joyceane Bezerra de Menezes, do Dr. Leonardo Amarante, do Dr. Gustavo Kloh, da Dra. Renata Vilela Multedo e do Dr. Leonardo Albuquerque para participação já na próxima audiência, se puder ser deliberada a admissão.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Perfeitamente.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Eu vou ter que pedir desculpas. Eu tenho um voo, vou ter que sair, estou só esperando.
Agradeço a participação a todos aqui presentes. Muito rica, a contribuição.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Senador Carlos Portinho, nós ainda temos uma indefinição sobre a audiência da próxima semana. Há ainda dúvidas em relação ao funcionamento no dia 30, porque há um feriado no dia 28. Nós vamos organizar essa pauta e nós vamos buscar contemplar todos os requerimentos.
Os requerimentos de V. Exa., até por sua assiduidade a esta Comissão, haverão de ter preferência, e a sua colaboração, hoje, com a indicação do professor que falou remotamente de Singapura, foi muito útil ao debate que nós propusemos.
Então, há requerimentos do Senador Astronauta Marcos Pontes, do Senador Laércio Oliveira, do Senador Marcos Rogério, do Senador Efraim Filho, muitos do Senador Carlos Portinho, da Senadora Tereza Cristina, do Senador Fabiano Contarato.
Então, nós vamos encerrar sem a deliberação desses requerimentos, vamos definir a agenda da próxima semana e faremos, então, a programação, buscando contemplar os convidados sugeridos por esses Senadores e também pelo eminente Relator, Senador Veneziano Vital do Rêgo.
Nos termos do art. 111 do Regimento Interno, submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da Ata da 3ª Reunião, realizada em 9 de outubro de 2025.
As Senadoras e os Senadores que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
Quero agradecer, uma vez mais, a todos os expositores que aqui estiveram, aos eminentes Relatores, Relatora Rosa Nery, Relator Flávio Tartuce, da Comissão de Juristas, a todos os nossos servidores, à nossa Secretaria.
Nada mais havendo a tratar, convido todos e todas para a terceira reunião... Ainda não haverá convite, pois nós vamos definir a data, considerando essas circunstâncias da próxima semana, mas, em breve anunciaremos, a próxima reunião desta Comissão Temporária.
Agradeço a presença a todos e declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
(Iniciada às 10 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 27 minutos.)