Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 79ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. Esta audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 122, de 2025, CDH, de minha autoria, aprovado nesta Comissão para debater o Fundo de Promoção da Igualdade Racial como forma de viabilizar políticas públicas. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211. O relatório completo com todas as manifestações e sugestões estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. Participarão presencialmente os seguintes convidados: Deputado Federal Damião Feliciano, Coordenador-Geral da Bancada Negra na Câmara dos Deputados. Helena Assaf Bastos, Consultora de Orçamento do Senado Federal, presença confirmada. A Helena já está aqui. Eu peço para a Helena que sente aqui ao nosso lado, ela que é uma especialista nessa área. Gabriel Sampaio, advogado, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. Luciano Goes, servidor representante do Ministério da Igualdade Racial. Representando a Defensoria Pública da União, Rita Oliveira. Ainda teremos os seguintes convidados... Inúmeros vão entrar por videoconferência. |
| R | É sempre lembrar que estamos em plena COP, e a presença de Parlamentares e convidados em Brasília não está sendo fácil, a maioria deles está na COP. Deputada Federal Benedita da Silva, tentará entrar à distância; Priscilla dos Santos Rocha, Coordenadora-Geral de Promoção de Justiça Racial do Ministério da Justiça e Segurança Pública, videoconferência confirmada; Luiz Daniel de Souza, Chefe do Departamento de Análise e Avaliação de Políticas Públicas do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), videoconferência confirmada; Douglas Belchior, representante da Uniafro, está na COP, mas vai tentar entrar por videoconferência. Antes de passar a palavra aos convidados, à Dr. Helena, aqui presente, e àqueles que estão por videoconferência, eu faço a minha fala da Presidência. Meus amigos e minhas amigas, esta audiência tem como objetivo debater a Proposta de Emenda à Constituição nº 33, de 2016. Essa proposta é de nossa autoria e cria o Fundo de Promoção da Igualdade Racial. O propósito é, claro, garantir recursos permanentes para políticas públicas que promovam a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra e parda no nosso país. Informamos que há na Câmara a PEC 27, de 2024, que também trata do Fundo de Igualdade. O autor é o Deputado Damião Feliciano. A relatoria é do Deputado Orlando Silva. Dois grandes Parlamentares que estão também se debruçando junto com a Frente Parlamentar Negra sobre esse tema. Cumprimento também, quando cumprimento a Câmara dos Deputados, claro que eu cumprimento a Bancada Negra de Deputados e Deputadas. O mais importante é juntarmos forças em nome dessa causa, que é justa e necessária. Em toda proposta que venha contribuir para garantir que a causa do combate ao preconceito e às discriminações estejam no orçamento, claro que todos nós estaremos juntos, não importa se o projeto iniciou na Câmara ou no Senado. Este debate a gente fez no mais alto nível com a escala 6x1. Todo mundo sabe que a escala 6x1 é a redução de jornada sem redução de salário. Ou seja, tanto nós como na Câmara, os proponentes e apoiadores são contra a escala 6x1. Como disse um dos painelistas nesta mesma Comissão, escala 6x1 mata. E quem tem a jornada mais exaustiva do nosso Brasil, com certeza, é a comunidade negra. Enfim, o mais importante é juntarmos forças em nome dessa causa, que é justa e necessária. Lembro que, quando aprovamos o Estatuto da Igualdade Racial, lá em 2010, eu já havia posto no texto o fundo e as cotas. Tivemos que retirar os dois, porque senão não teríamos voto para aprovar o Fundo da Igualdade Racial. Quando tiramos os dois, aprovamos o Fundo da Igualdade Racial e, na sequência - eu sabia que o processo seria esse -, conseguimos aprovar as cotas, tanto no serviço público como também nas universidades. |
| R | Eu tenho um prazer enorme de poder dizer que eu fui autor ou Relator da maioria dos projetos que vão na linha, da ampla maioria, para não dizer 99% dos projetos aprovados aqui no Senado que tratam desse tema. E foi isso com a política de cotas, hoje uma realidade que, como dizem os próprios estudantes, abre portas tanto no emprego como nas universidades. Agora é a vez de aprovarmos recursos para essa causa tão importante. O povo negro representa... Porque até hoje só falam, falam, mas é o ministério mais esvaziado em matéria de orçamento; então alguma coisa tem que ser feita. O povo negro representa mais de 55% da população brasileira, mais de 120 milhões de pessoas, no entanto, os indicadores sociais mostram que essa maioria ainda vive em condições de profunda desigualdade. De acordo com o IBGE - Pnad Contínua - 70% das pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil são negros e negras e pessoas pardas, e 64% dos desempregados também são negros e pardos. Resumindo, entre os 10% mais pobres, 78% são pretos e pardos. Mais de 60% das moradias precárias em favelas e sem acesso a saneamento básico são ocupadas por famílias negras e pardas. A mortalidade materna entre mulheres negras é quase duas vezes maior do que entre mulheres que não são negras. Segundo o Atlas da Violência, 77% das vítimas de homicídio no país são pessoas negras e pardas. Esses números falam por si. O racismo estrutural ainda define o destino de milhões de brasileiros e brasileiras. É por isso que precisamos ter um instrumento concreto, permanente e com financiamento garantido para enfrentar essas desigualdades históricas. Não adianta termos ministério, e o ministério não ter condição financeira de construir e aplicar as políticas públicas. A PEC 33, de 2016, se encontra atualmente na CCJ. Ela propõe a criação do Fundo de Promoção da Igualdade Racial, com o objetivo de apoiar políticas públicas nas áreas de habitação, de educação, formação profissional, geração de emprego e renda. Para viabilizar isso, a proposta altera os arts. 159 e 239 da Constituição Federal, destinando 1% da arrecadação dos impostos sobre renda e produtos industrializados para o Fundo de Promoção da Igualdade Racial. Claro que é uma proposta inicial que será amplamente discutida com a sociedade, tanto essa como aquela que está na Câmara dos Deputados, uma bela iniciativa também dos Deputados. O fundo contará ainda com um conselho consultivo, formado por representantes do poder público e da sociedade civil, garantindo transparência, controle social e participação popular na definição e fiscalização do uso dos recursos. |
| R | As consequências positivas dessa proposta são evidentes. Para a população negra, significa mais oportunidade, mais dignidade, mais vida, mais saúde, mais educação - só dou alguns exemplos; para o Estado brasileiro, representa o compromisso concreto com a justiça social e racial; e, para toda a sociedade, é um passo decisivo na construção de um país mais justo, igual e democrático. Esta audiência é, portanto, um espaço para escutar, dialogar e aprimorar a proposta. Vejam bem: esta audiência é, portanto, um espaço para escutar - eu sempre digo que o mais importante do homem público é saber escutar -, dialogar, aprimorar, receber emendas, fazer substitutivos se necessário, mas sempre com a contribuição dos especialistas, dos movimentos sociais, de entidades e dos gestores públicos. Por isso que eu tenho cumprimentado também a Câmara dos Deputados, que está com a mesma preocupação, e a bancada negra tem cumprido um papel fundamental nesse sentido. Igualdade racial não é favor, é um direito constitucional, é uma dívida histórica que o Brasil precisa saldar. Essa é a fala da Presidência. Eu tive a preocupação de deixar uma cópia... (Pausa.) Muito bem. O Sr. Luciano chegou. Nós vamos... Eu pergunto primeiro... Primeiro, eu convido o Dr. Luciano Goes, servidor representante do Ministério da Igualdade Racial, para que venha à mesa. Teremos inúmeros convidados que estarão à distância, mas que se propuseram a participar pela importância desse debate. Seja bem-vindo, Doutor! A alegria é nossa. Como estamos aqui com dois presenciais e chegou um terceiro, eu começaria - a assessoria pode me ajudar? - primeiro, com aqueles que estão à distância, porque muitos que entram à distância estão sempre correndo contra o tempo. Tem algum à distância? (Pausa.) Vamos lá. A assessoria aqui, me dando o devido auxílio, me informa que a Dra. Priscila já está pronta para entrar à distância, e os que estão presentes vão naturalmente assistir, como os que estão no Plenário, e poderíamos ir comentando. Então, por favor. Já agradeço a sua participação, Dra. Priscilla dos Santos Rocha, Coordenadora-Geral de Promoção de Justiça Racial do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O tempo é seu por dez minutos, com mais 5, o que daria 15 minutos. E, se necessário for, essa Presidência terá a tolerância adequada, para que todos possam expressar o seu ponto de vista. Dra. Priscilla dos Santos Rocha, o tempo é seu. Na tela. A SRA. PRISCILLA DOS SANTOS ROCHA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada. Bom dia a todos e a todas. Cumprimento a mesa... Cumprimento o Senado e essa mesa aqui da Comissão de Direitos Humanos, de extrema importância, na figura do Senador Paulo Paim, que está presidindo agora esta mesa. Agradeço primeiramente por essa proposta. |
| R | Eu vou aqui me apresentar, aqui diretamente. Sou Priscilla Rocha, atualmente estou como Coordenadora-Geral de Promoção de Justiça Racial dentro da Secretaria Nacional de Acesso à Justiça, que é uma secretaria voltada à promoção de justiça a grupos vulnerabilizados. Dentro do Ministério da Justiça, temos essa importante secretaria, que iniciou recentemente. Ela foi instaurada em 2023 e tem essa perspectiva interseccional e de também atenção a grupos vulneráveis. Eu integro a Diretoria de Promoção de Direitos, que é focada tanto na perspectiva da proteção dos direitos das mulheres, de grupos vulneráveis no geral, comunidade LGBTQIAP+, comunidade negra, e também trata da perspectiva da justiça criminal, que é tão importante, e de todas as políticas voltadas ao sistema de justiça e acesso à Justiça voltadas à defesa da população negra. Então, inicialmente eu quero destacar a importância dessa iniciativa. A PEC 33, de 2016, que tramita agora no Senado, que estabelece o Fundo de Promoção da Igualdade Racial, é uma importante e necessária política de reparação. Acredito que, no momento, temos diversas... Eu sou fruto de diversas iniciativas de promoção de igualdade racial. Estamos no mês de Novembro Negro, e é importante, é extremamente importante e basilar que analisemos e tratemos da perspectiva racial, da perspectiva da proteção e da reparação à população negra enquanto um objetivo primordial do nosso Estado, enquanto democracia, enquanto reparação, enquanto promoção de direitos. Eu, falando um pouco aqui da minha trajetória, apesar de estar nesse local aqui institucional, sou fruto dessas políticas, eu sou fruto do trabalho do Deputado, do trabalho incessante dentro do Senado, na Câmara dos Deputados, de todos os da bancada negra, do Deputado Damião Feliciano, do Paulo Paim, das outras e demais Deputadas e Deputados que compõem, que estão há anos incessantemente lutando para salvaguardar esses direitos. Eu sou fruto da política de cotas, eu sou fruto das políticas que proporcionaram o acesso de pessoas negras e periféricas a esses espaços; eu estou aqui hoje em razão disso. Então, agradeço imensamente o trabalho que todos vocês têm realizado dentro das câmaras legislativas, porque isso impacta diretamente na nossa sociedade e na vida de pessoas, na vida de pessoas como eu. São de extrema importância - então, ressaltando essa importância - essas políticas, as políticas primeiramente de reconhecimento, as políticas de educação, as campanhas educativas para entender e para ressaltar a importância para o Brasil da historicidade, da cultura negra, da educação e das religiões, por exemplo, da matriz africana, de todo o legado, de toda a ancestralidade que a comunidade negra tem para este Brasil, que, muitas vezes, foi subjugado, muitas vezes foi invisibilizado. Tivemos diversas tentativas de apagar essa historicidade, e muitas pessoas, até hoje, não conhecem, por ausência desse conhecimento da importância da cultura negra no geral, na nossa sociedade. |
| R | Então, iniciativas como essa, como o Fundo de Promoção da Igualdade Racial - numa perspectiva de colocar e destinar o orçamento público, de fato, para a promoção da igualdade racial - é um importante avanço, principalmente reparatório. Isso pode ser confirmado a partir da grande mudança na nossa sociedade, a partir das políticas de cotas. Então, quanto as estruturas, tanto nos concursos públicos, as estruturas do sistema de justiça, as estruturas governamentais foram alteradas a partir da inclusão e da inserção de pessoas negras nos espaços educacionais, nos espaços também governamentais! E quanto isso tem alteração, quanto isso transforma realmente e fortalece a nossa democracia! Tivemos um histórico recente; o Brasil é maculado por essa mancha antidemocrática. Estamos também numa situação em que precisamos sempre reforçar a soberania do nosso Brasil, a soberania do povo brasileiro, a soberania da democracia. E somos a maioria, nós, pessoas negras, somos a maioria da população que precisa ser representada, que precisa se sentir representada pelo poder, que precisa, de fato, reconhecer e sentir que o acesso à Justiça está sendo devidamente consignado, devidamente representado a partir das suas lideranças e, sim, a partir das políticas públicas. E políticas públicas se fazem a partir de orçamento dentro da área, de priorização no orçamento público, a partir de priorização no orçamento público de medidas como essa de reparação, reparação à população negra que, como o Senador falou, está em jornadas exaustivas; como na questão da violência contra a mulher - a quantidade de mulheres vítimas de violência que ainda continuam sendo mulheres negras. Então, é uma série de diversas violações contra homens e mulheres negras: a quantidade de homens jovens negros que são mortos, por exemplo, pela atuação do Estado, pela atuação da polícia; a quantidade de jovens negros que se suicidam, que tem um número extremamente elevado. Então, é uma perspectiva. A política pública destinada à população negra não é uma política apenas meramente identitária, como muitos querem reduzir; é uma política transversal, é uma política que atua tanto no reconhecimento dele, enquanto da autoestima da pessoa negra, mas também em outras perspectivas, outras perspectivas no sentido de promoção de acesso à Justiça, de acesso à educação, de acesso à vida, de garantir o direito à vida. No âmbito do sistema de justiça, estamos extremamente comprometidos com a promoção da igualdade racial e também com a promoção do acesso à Justiça e à defesa de direitos da população negra. Como eu falei anteriormente, a Secretaria nacional de Acesso à Justiça é uma secretaria inaugurada em 2023, e é também um aceno, é também um símbolo dessa importância, da importância também que as instituições governamentais estão dando e também o Ministério da Justiça está dando para a promoção e essa perspectiva no âmbito racial. |
| R | Também tivemos diversos avanços. Atualmente temos o Plano Pena Justa, que foi originado a partir da ADPF 347, que é o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional. No âmbito da Justiça, como eu tinha mencionado, temos uma grave violação de direitos, que é reconhecido pelo nosso Estado, que é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal diante das diversas violações de direitos à população carcerária e à população também de favela, como a ADPF 635, que foi justamente conhecida como a ADPF das favelas. É um caso que acabou surgindo novamente diante das diversas violações e da violência policial no Estado do Rio de Janeiro, e que remonta, que retorna novamente à discussão de quem são, quem foram essas vítimas, quem são essas vítimas dessa violência policial. São jovens? São homens negros? Enfim, que estavam ou não envolvidos, porque ainda está sendo investigado, mas que estavam nesse contexto, no contexto de violência, no contexto de criminalidade, e isso deve, sim, ser combatido, mas deve ser combatido a partir de uma perspectiva de inteligência, de uma perspectiva de salvaguarda dos direitos humanos, que é compromisso do Estado brasileiro, que é compromisso do Ministério da Justiça, que se faz a partir de uma atuação de inteligência, de investigação, de atuação e de salvaguarda do Estado democrático de direito. Então, é importante ressaltar que o Ministério da Justiça e também as instituições democráticas de direito reconhecem a perspectiva racial. Por exemplo, no Plano Pena Justa, que foi oriundo do estado de coisas inconstitucional, há o reconhecimento das prisões, enquanto esse estado de coisas e das violações de direitos humanos subsequentes, e, internacional e nacionalmente, tem havido as denúncias e também são constatadas as violações. Nós enquanto Ministério da Justiça estamos trabalhando arduamente, conjuntamente com o Conselho Nacional de Justiça, atuando diretamente. E é importante destacar que a perspectiva do racismo institucional é um reconhecimento do Plano Pena Justa, é um avanço. Afinal, sabemos a população carcerária que compõe, sabemos a cor, a etnia majoritária da população carcerária, que são homens, que são homens negros. Esse dado não é um dado que está pairando sobre o ar; é um dado relevante. E é necessário ver onde que está a juventude negra, onde que estão esses meninos, essas crianças, esses adolescentes negros, esse futuro da nossa comunidade, o futuro da comunidade negra, onde eles estão, por que eles estão indo majoritariamente para a prisão, o que é que está acontecendo. É importante destacar o que é necessário realizar enquanto política de promoção para essa população e de uma perspectiva ampla, de uma perspectiva reparatória, uma perspectiva para além do reconhecimento, para além das perspectivas educacionais, como é a proposta que está sendo tratada aqui, que é a realização e a criação de um fundo específico para a promoção de igualdade racial. Não conseguiremos fazer política pública, não conseguiremos realmente realizar e dar enfoque a esta comunidade, à população sem de fato destinação de orçamento. |
| R | Eu acho que esse é um passo de extrema importância. Por exemplo, o plano Pena Justa poderia ser beneficiado a partir disso, a partir de uma compreensão dentro de uma lógica de promoção de igualdade racial ou de uma perspectiva dentro das unidades prisionais, que poderiam de fato ser ressocializadoras e não uma reprodução de mais violência, de maior reprodução de... (Falha no áudio.) Essa é a perspectiva do plano Pena Justa, para que de fato as penas sejam justas e que de fato haja a finalidade orientadora e a finalidade que está constituída e determinada na Constituição Federal, que é que a pena deve ser de fato ressocializadora, a partir dos princípios do Código Penal e do Direito Penal. Então, é esse o futuro, é esse o horizonte que temos. Destaco aqui também a luta e a importância do movimento social. Para além das perspectivas legislativas, de Deputados e Senadores que estão há anos trabalhando nisso, sem os intelectuais, sem a atuação da sociedade civil, sem a atuação do movimento negro, essas pautas jamais seriam levadas ou discutidas ou questionadas diante do poder público. É importante... Os movimentos sociais representam de fato essa força e a importância da representatividade social. Sou oriunda de também movimento social, integro a Coalizão Negra por Direitos e destaco, por exemplo, a importância do Douglas Belchior, que foi aqui convidado para participar disso; a importância também da Secretaria Nacional Sheila Carvalho, que atuou diretamente; a importância também de intelectuais, como Juliana Borges e Vera Regina; intelectuais de nível internacional, como Angela Davis, que destacam essa importância do antipunitivismo, da perspectiva racial e dessa luta; e também intelectuais como Lélia Gonzalez e Abdias do Nascimento, que estão há anos neste Brasil, que estão há anos a partir de uma perspectiva afrocentrada, pautando as instituições públicas a partir de uma perspectiva negra, a partir de uma perspectiva popular, fazendo e movimentando as instituições para que haja a devida atuação e a devida reparação. Então, eu só quero ressaltar a importância desta audiência, a importância da PEC e a necessidade, sim, de políticas reparatórias e orçamentárias de promoção da igualdade racial. É isso. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem! Meus cumprimentos à Priscilla dos Santos Rocha, que fez uma bela introdução, por videoconferência, já que ela está à distância, na nossa audiência pública de hoje. Priscilla dos Santos Rocha é Coordenadora-Geral de Justiça Racial da Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que vem, sem sombra de dúvida, fazendo um belo trabalho em defesa do povo brasileiro, de negros, brancos, indígenas, quilombolas, enfim, todos os setores. Eu vou passar a palavra agora, conforme aqui combinado, à representante da Defensoria Pública da União, Dra. Rita Oliveira. |
| R | A SRA. RITA OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos e todas, a todas as pessoas presentes. Quero iniciar aqui cumprimentando o Presidente desta reunião, nosso querido Senador Paulo Paim. Eu tenho profunda admiração, respeito e honra por viver na mesma quadra histórica da sua atuação parlamentar, Senador. Muito obrigada por tudo que o senhor já fez. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Eu que agradeço a sua contribuição, que foi histórica. Muitos projetos que eu apresentei e aprovei tinham sua lavra, viu, Dra. Rita? Jamais vou me esquecer. A SRA. RITA OLIVEIRA (Por videoconferência.) - Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - E eu gosto de citar as fontes sempre. A SRA. RITA OLIVEIRA (Por videoconferência.) - Muito obrigada. Eu me sinto honrada de ter contribuído com a sua atuação parlamentar de alguma forma. Eu sei o quanto nós devemos, como pessoas negras, à sua trajetória no Congresso Nacional e eu acho que o diálogo que eu vou fazer aqui hoje é muito emblemático dessa trajetória do senhor. Então, é preciso pensar, antes de fazer qualquer consideração técnico-jurídica e política, lembrar que nós estamos tratando aqui, Senador, de um processo de justiça histórica e que nós, pessoas negras, temos como norte, como princípio de vida o respeito e o aprendizado com aqueles que vieram antes de nós. Portanto, nós precisamos rememorar aqui que nós estamos tratando efetivamente de uma política que é fruto de muitas lutas históricas que começaram muito antes, até antes da Constituinte, começaram com Abdias do Nascimento, que foi seu contemporâneo na Constituinte, pela sua iniciativa por diversas vezes ali no processo pós-Constituinte, na elaboração do Estatuto da Igualdade Racial, e também com outros Parlamentares que nós sabemos que endossaram propostas equivalentes. Mais recentemente também tivemos... Aliás, isso também foi uma agenda de Durban, é preciso lembrar. Mais recentemente nós tivemos, lá na Câmara dos Deputados, a Comissão de juristas negros e negras, que funcionou em 2021 e que também trouxe proposição de regulamentação de um fundo de financiamento de políticas de equidade racial, trazendo um diálogo justamente com a proposta do senhor e dialogando também com propostas anteriores, então, no sentido de aprimorar essas propostas e trazer um fundo que realmente tenha múltiplas fontes estáveis de financiamento. Também trouxe, eu acho, uma contribuição interessante, que pode ser discutida depois, no processo de regulamentação do fundo, que foi o estabelecimento de uma reserva mínima de investimentos na regularização e titulação de territórios quilombolas, que nós sabemos que é uma política de reparação constitucional que decorre de um dever histórico assentado na Constituinte e que segue, infelizmente, ostentando um déficit de implementação muito constrangedor ao Estado brasileiro. Eu vou falar aqui como contribuição às propostas tanto da PEC 33, de 2016, como da PEC 27, de 2024, que tramita na Câmara - ambas tratam da criação desse fundo nacional destinado a políticas de reparação e promoção da igualdade racial. Eu vou tentar dialogar com ambas as propostas e enfatizar de início o que eu verifiquei em ambas, que é uma diferença estrutural. |
| R | Parece-me que a proposta do Senador Paim, de 2016, prevê um fundo com uma sustentabilidade de vinculação de receitas tributárias, e a PEC 27, de 2024, traz aí um investimento mínimo de 20 bilhões da União em 20 anos, administrados por uma instituição financeira pública federal. Nesse ponto eu queria chamar a atenção para a vanguarda da PEC 33, de 2016, porque torna a justiça racial também uma questão de justiça tributária, e isso me parece muito importante. E parece importante também, nesse diálogo que vai ser feito entre as Casas Legislativas, assentar de uma forma muito madura os objetivos da constituição desse fundo, porque esse fundo tem que se agregar como solução do subfinanciamento das políticas de enfrentamento às desigualdades raciais. Ele não pode, de forma alguma, Senador, se tornar uma manobra para ser parte de um problema de subfinanciamento histórico que nós já sabemos que existe, principalmente porque nós estamos falando aqui de uma alteração que vai ter incidência sobre a Constituição Federal e que, no caso da PEC 27, de 2024, ao trazer um piso mínimo de investimentos especificado, acentua aí, na minha visão, um risco de a gente ancorar constitucionalmente uma espécie de limite simbólico, com uma repercussão política e orçamentária, em prejuízo das políticas de equidade e de reparação. Eu analisei, para trazer aqui para vocês hoje, algumas práticas internacionais que eu acho que a gente também tem que analisar e pensar como referencial do que funcionou e do que não funcionou: na África do Sul existe um fundo, o President's Fund, que mostrou uma importância de governança social que eu acho que está contemplada nas duas propostas, estão contemplados mecanismos de governança social nas duas propostas; nos Estados Unidos nós também tivemos o modelo de Evanston, que demonstrou que há uma incidência positiva relacionada à vinculação de receitas específicas - no caso dos Estados Unidos, o imposto sobre Cannabis -; e também há uma experiência do Reino Unido, que ensinou a importância de se pensar um fundo em que a reparação seja dotada de apoio jurídico e pagamentos céleres. Então, em ambas as PECs eu consegui observar esses elementos positivos, em alinhamento com práticas internacionais, tanto de governança mista quanto de fontes diversas de financiamento, como mecanismos de proteção contra amarras fiscais. Agora, tem práticas internacionais, nesses mesmos fundos que eu mencionei, que não deram muito certo e às quais a gente tem que ficar atento. Na África do Sul, a gente percebeu que houve uma execução lenta do fundo por conta da ausência de metas, e ele acabou não gerando o impacto social esperado. Nos Estados Unidos, a gente também teve um problema com a questão da arrecadação primária, de 3% sobre o imposto de Cannabis. Isso fez com que a receita variasse, e a cidade precisou complementar com um imposto de transmissão imobiliária, revelando aí a necessidade de uma fonte mais estável e de uma regra fiscal que impeça que a gente faça uma espécie de tapeamento do orçamento corrente. |
| R | Portanto, é necessário que uma proposta de um fundo de reparação pense em receitas estáveis e na existência de um controle comunitário para aumentar a legitimidade. E acho que, nesse ponto, inclusive, a PEC 33 me parece que está mais municiada contra esse tipo de problema. No Reino Unido, nós tivemos também críticas severas à administração pelo ministério responsável em razão do adiantamento, da necessidade de adiantamento de 75% das indenizações para ampliar as coberturas do fundo, justamente porque faltaram no fundo três pontos importantes: independência, prazos e métricas, que não ficaram desenhados desde o início. Então, é preciso pensar que o suporte jurídico, a previsão de programas reparatórios específicos, é muito importante na constituição do fundo. E, aí, um risco que eu considero dos mais preocupantes na proposta da criação de um fundo de envergadura constitucional é que ele não pode ser um mecanismo de esgotamento das políticas universais com foco no enfrentamento das igualdades raciais. Vou pedir um pouquinho de paciência para eu concluir, tá, Senador? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - O erro foi meu. Você tem mais cinco minutos no mínimo. A SRA. RITA OLIVEIRA (Por videoconferência.) - Ah, tá bom. Muito obrigada. Então, na configuração normativa que nós estamos dialogando, é muito importante a gente criar uma espécie de salvaguarda para evitar que governos venham a reduzir investimentos estruturantes alegando que o fundo já cumpriria metas raciais de inclusão e de enfrentamento das desigualdades raciais. Essa cláusula, que eu vou chamar aqui de cláusula de adicionalidade, tem o mote de impedir um mecanismo de substituição orçamentária, ou seja, ela tem por objetivo impedir que haja cortes em ações universais de igualdade racial referentes à educação, saúde, habitação, trabalho, segurança e no sentido de manter metas que não incorporem o valor anual do fundo. E é importante também prever na proposta, a meu ver, que essa verificação seja feita pelos órgãos de controle, especialmente a Secretaria de Orçamento, o Tribunal de Contas e também sujeita a um relatório anual do Poder Executivo. Então, o que eu quero dizer com isso? Que o fundo deve ser um mecanismo adicional, nunca compensatório da ausência de políticas de igualdade racial, e isso tem que ser, de certa forma, assegurado de uma maneira muito evidente na normativa que o constitui, principalmente uma normativa de incidência constitucional. Portanto, acho que o fundo tem que focar em reparação; não ter nenhum viés assistencialista; precisa financiar medidas, a meu ver, com um nexo histórico direto com a escravidão, e isso inclui o reconhecimento de injustiça histórica decorrente do sistema escravista, políticas de moradia e regularização fundiária de caráter reparatório em relação ao sistema escravista, como é o caso da titulação e regularização de territórios quilombolas em condições de complementariedade a essa política constitucional e do Estado brasileiro - e aí eu acho que o parâmetro da proposta da Comissão de Juristas negros e negras é bem interessante nesse sentido. Também o investimento complementar em acervos, ações de produção e preservação de memórias sensíveis; bolsas de formação em caráter também complementar, não afastando aí as políticas de educação; também o fomento de projetos de apoio jurídico e reparação histórica, o que é muito importante, principalmente dialogando com a proposta da PEC 27, que traz a previsão de fontes de condenações em relação a práticas empresariais. E o que não pode ocorrer de forma alguma é o uso do fundo para programas genéricos ou ações que o Estado já deveria financiar de forma universal, com a perspectiva e o compromisso constitucional de enfrentar as desigualdades raciais. |
| R | E, aí, especificamente em relação à PEC 27, preciso fazer um alerta em relação às indenizações empresariais, porque me parece que tem um ponto frágil ali para que a gente precisa se atentar. Ao prever que as empresas que lucraram com a escravidão podem ser obrigadas a indenizar o fundo, nós temos um problema de base aí, de base judicial: infelizmente nós não temos precedentes condenatórios sobre lucros históricos ligados à escravidão no Brasil. E, aí, para isso, a gente precisa criar mecanismos de constituição dessa base judicial. Então, essa base judicial precisa ter um diálogo importante com as condenações por trabalho análogo à escravidão, que são condenações que já existem, mas ainda não configuram uma compreensão de instrumentos que podem gerar uma reparação histórica; é preciso dialogar com uma alteração na lei da ação civil pública, principalmente porque parte das condenações de caráter discriminatório vão para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos; e é também importante criar uma previsão específica de responsabilização civil por enriquecimento histórico, o que daria aí, de fato, uma base de compreensão jurídica desse processo de responsabilização, com regras especiais de prescrição, de padrões probatórios, legitimidade ativa ampliada, possibilidade de liquidação coletiva por modelos econométricos, a criação, talvez - e eu acho que seria de vanguarda -, de acordos de reparação histórica. Acho que todas essas medidas são complementares e importantes para que essa previsão relacionada às práticas empresariais tenha, de fato, uma efetividade e não vire um ponto inexequível da proposta. E é preciso também pensar em subcotas territoriais, talvez, do fundo, já que muitas reparações relacionadas a práticas empresariais, sobretudo, acabam atingindo territórios, especificamente, de maneira mais impactante. Então, alguns territórios vão sofrer um dano maior e mais delimitado ali em relação a essas práticas empresariais. E, por fim, extrapolando já o meu tempo, Senador, eu queria dizer que as propostas constituem um grande avanço, é inegável, mas a eficácia dessas propostas, o atingimento dos objetivos esperados dependem de uma regulamentação que me parece que deve ser muito criteriosa, que atente, de fato, para questões de exequibilidade, de destinação e sustentabilidade, como já mencionei, que tenha como um norte que o fundo tem que ser de fato um instrumento de responsabilização histórica e não de substituição das políticas de Estado. |
| R | O fundo tem que ser, então, um mecanismo adicional, específico, transparente e participativo. E eu quero encerrar, então, enfatizando esse aspecto que eu acho que é um dos mais importantes e é o ponto nevrálgico de ambas as propostas: o caráter adicional do fundo, sem o qual, a meu ver, não há qualquer possibilidade de uma efetiva reparação, porque aí nós estamos falando apenas de uma redistribuição interna de um orçamento que já é histórica e perversamente desigual. É com isso que eu queria contribuir. Muito obrigada, Senador. Desculpa aí por passar do tempo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Nós que agradecemos e muito à Dra. Rita Oliveira, Defensora Pública Federal da DPU, que historicamente tem contribuído com todos aqueles que se debruçam sobre o combate a todo tipo de preconceito, racismo, setores mais vulneráveis. Por isso, a senhora é uma Defensora Pública muito querida por todos nós. Agradeço muito e alerto a minha assessoria que, da Dra. Rita, como também da Priscilla, que falou antes, Priscilla dos Santos Rocha, Doutora também, anotem as contribuições, porque a audiência pública é para isso. A gente anota tudo aquilo que os painelistas nos trazem e, muitas vezes, o plenário também colabora para que a gente avance. Então fica aí o alerta. Gravem tudo aí, viu? Muito obrigado, Dra. Rita, a senhora foi brilhante como sempre. Eu combinei já com a mesa: temos mais um à distância, depois entraremos nos presenciais. Então eu passo a palavra, neste momento, ao Dr. Luiz Daniel Willcox de Souza, Chefe do Departamento de Análise e Avaliação de Políticas Públicas do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Permita que eu faça meus cumprimentos ao Presidente Aloizio Mercadante, meus cumprimentos ao Tiago, enfim, a todas as equipes pelo belo trabalho. Meu cumprimento, claro, a V. Exa., pelo trabalho que está fazendo, de forma tal que o BNDES atenda cada vez mais os setores mais vulneráveis. E claro que sabemos que entre os mais vulneráveis está a comunidade negra. Alguém já disse um dia, até numa canção: a pobreza tem cor, neste país é preta. Não digo isso com alegria, não; digo porque é um fato real. Dr. Luiz Daniel Willcox de Souza, por gentileza. E dê um abraço aí no Mercadante, nosso querido Presidente do banco. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, obrigado. Agradeço aqui em nome do BNDES, do Presidente Aloizio a possibilidade de participar aqui dessa audiência, nesta Comissão de assunto tão importante. Quero expressar também a minha profunda admiração pelo senhor. Eu queria projetar um eslaide, eu queria trazer aqui um pouco da experiência do BNDES com fundos, com a gestão de fundos, que já é uma experiência de longa data. Eu queria, se possível, projetar aqui um eslaide só para ilustrar. Acho que precisa ser autorizado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - A assessoria aqui garante que o seu eslaide vai ser passado, e estamos todos nós curiosos já. É com o senhor. (Pausa.) |
| R | O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Um minutinho, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Vai dar certo. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Vai dar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Alguém me diz sempre: "Não é 'vai dar certo', Paim; é 'deu certo já'". (Pausa.) A informação é que aqui está tudo certo, dependemos aí da conexão. (Pausa.) O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - A dificuldade para mim é achar a tela que está aberta. Eu não estou conseguindo colocá-la aqui. Eu não estou olhando o meu powerpoint aqui. (Pausa.) Tá. Vou fazer isso. Acho melhor. Me dá dois minutos. Eu vou passar aqui para o assessor do banco e ele passa para você, pode ser? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Perfeito. E você pode iniciar a sua fala também, se assim entender. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Vamos lá. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Ou se também entender que quer aguardar até que a conexão seja feita, nós podemos... O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Não, vamos... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Vamos lá? O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Vamos começar, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - O.k. Vamos lá. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Vamos lá. Assim, quando a gente conseguir projetar, ilustra o que eu estou falando. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Perfeito. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - O BNDES, Senador, tem uma longa tradição de experiência na gestão de fundos de diversas naturezas, de fundos públicos de diversas naturezas. Essa nossa experiência data dos anos 70. A gente começou lá gerindo o Fundo da Marinha Mercante para apoio à construção naval, passamos à nossa fonte de recursos ordinários, à gestão do PIS-Pasep, que, nos anos 70, era a nossa principal fonte, e, ao fim, nos anos 90, com a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que hoje constitui a nossa principal fonte. Mas, ao longo da nossa história - se a gente falar de nossos 60 anos de existência aqui -, a gente já foi chamado a contribuir com a gestão de fundos de várias naturezas e de vários temas. Por exemplo - obviamente que isso vai variando conforme as prioridades daquele Governo eleito -: então a gente já fez a gestão do Fundo de Desestatização; a gente faz a gestão, por exemplo, Senador, do Fundo Audiovisual; a gente faz a gestão aqui do Fundo Amazônia; a gente faz a gestão do Fundo Clima; do Funttel e do Fust, que são fundos ligados ao setor de telecomunicações, para financiar a expansão de banda larga e a aquisição de equipamentos de telecomunicação. |
| R | E, mais recentemente, fomos chamados, no ano passado, a fazer a gestão de um pedaço do Fundo Social para poder atender ao enfrentamento da emergência climática, dos impactos da emergência climática no Rio Grande do Sul. E, neste ano, da mesma maneira, o impacto de uma outra... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Só queria dizer, se me permite... O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Claro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - ... que o Rio Grande do Sul - e eu presidi a Comissão Especial do Senado -, de pronto, agradece muito, muito, a parceria com o BNDES. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Obrigado. E, recentemente, neste ano, por conta lá das tarifas impostas pelos Estados Unidos, o Governo adotou a política de apoio aos setores impactados. E uma dessas medidas foi uma de crédito feita também através de um fundo, o Fundo de Garantia à Exportação, cuja gestão o banco também está fazendo. Para não ser exaustivo aqui sobre os diversos fundos, Senador, eu vou falar de um fundo específico. Eu vou falar aqui de um fundo específico... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Dr. Luiz... O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Dr. Luiz, a assessoria aqui da Comissão informa que o seu vídeo está no ponto para ir ao ar, se assim se o senhor entender agora. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Acho que pode colocar, mas um pouco eu já falei. Era só um vídeo para mostrar uma linha do tempo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Não, mas vamos botar agora então. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Tá. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Está todo mundo curioso aqui. O SR. LUIZ DANIEL WILLCOX DE SOUZA (Por videoconferência.) - Então, um pouco o que eu tentei expressar aqui verbalmente está um pouco mostrado aqui nessa linha do tempo. Nossa experiência vem desde os anos 70. Esses fundos, obviamente, não são todos idênticos, não têm todos, por óbvio, a mesma finalidade, não têm exatamente o mesmo mecanismo de gestão, de transferência de recursos, mas a maioria deles guarda elementos comuns. Eu queria ilustrar, falando um pouquinho do Fundo Clima, como um exemplo, Senador - como um exemplo. O Fundo Clima é um fundo financeiro público. Ele foi criado lá em 2009 pelo Presidente Lula, durante a COP 15, para ser um instrumento de enfrentamento da crise climática, do aquecimento global, para apoiar investimentos em mitigação e adaptação climática. Ele é um fundo que originariamente... A ideia engenhosa do Presidente era usar os royalties de petróleo como fonte principal de recurso para apoiar esses investimentos. São recursos... Ele é um fundo orçamentário. Anualmente, os recursos que vão alimentar esse fundo estão previstos na Lei Orçamentária Anual, então... Acho que eu peguei o restinho da fala da Defensora Pública e, de fato, além de ter uma fonte estável de financiamento, a gente tem anualmente a disputa orçamentária, é natural. Pelo menos é um fundo... As suas fontes de recurso vêm dos royalties do petróleo, vêm também do próprio retorno das operações, quer dizer, é um fundo que faz operações de empréstimo e, à medida que esses empréstimos retornam, eles compõem os recursos do fundo e esses recursos também passam pelo orçamento. |
| R | É um fundo, uma vez constituído, que tem um plano de aplicação de recursos, pegando um pouco também de carona na fala da defensora, os recursos são aplicados conforme o Plano Anual de Aplicação de Recursos. Então, anualmente, você tem um plano anual de aplicação de recursos aprovado, proposto pelo Ministério do Meio Ambiente, que é o Ministério responsável pelo fundo, e aprovado por um comitê gestor. Quer dizer, esse fundo é gerido por um comitê gestor, o BNDES é apenas o agente financeiro, é o comitê gestor que delibera e determina quais são as prioridades do fundo naquele ano, nas suas finalidades. Então o que é esse comitê gestor? Esse comitê gestor especificamente do Fundo Clima é composto por mais de 20 instituições, entre instituições governamentais e instituições da sociedade civil, e aqui a gente tem uma pluralidade grande de entidades, de movimentos de trabalhadores, de movimentos de sem teto, entidades climáticas, enfim, então é um conjunto grande de interesses e é nesse comitê que se dá o debate sobre como vai ser aplicado esse recurso. Então esses recursos, nesse caso desse fundo específico, como em outros, têm duas formas de serem aplicados. Ou são aplicados via crédito, que é o que a gente chama de recursos reembolsáveis, e essa parte é gerida pelo BNDES, então a gente fornece crédito para as finalidades previstas no Fundo Clima, naquele plano de aplicação aprovado por aquele comitê gestor; e tem a parte não reembolsável, não exatamente uma doação, é como se fosse uma doação, porque o recurso não retorna, mas essa parte é gerida, é uma parte bem menor do fundo, é gerida pelo Ministério do Meio Ambiente. Então hoje cabe ao BNDES ser o agente operador da maior parte dos recursos do fundo, são os recursos que a gente aplica, através de empréstimos, que retornam para o fundo e, como falei no início, vão compor os recursos do fundo, o aporte de recursos do fundo, no ano seguinte. Então assim, ficando muito claro, isso é importante, até por conta do debate público muito forte este ano, esses recursos todos passam pelo orçamento, são aprovados pelo Congresso Nacional, para compor os recursos desse Fundo Clima. Recentemente, obviamente, o Fundo Clima, além das receitas do petróleo como sua fonte principal de recurso, que consta em lei, também tem contado com as emissões que o Governo tem feito de títulos verdes, o resultado dessas emissões, parte deles tem composto os recursos do fundo. Então, vamos lá, é o fundo que tem uma receita, usando esse caso como exemplo, uma receita específica, que é importante, apesar de na história dele a gente ter lutado contra o contingenciamento em alguns momentos, mas ele tem uma fonte estável de recursos, conta com uma governança que tem uma série de mais de dez membros, são treze, no total, entidades da sociedade civil que definem, nesse debate, nesse fórum, que definem as prioridades do fundo. |
| R | Outra coisa que peguei da fala da defensora, nesse fundo, a gente tem ampla transparência. Anualmente a gente produz um relatório - é uma obrigação legal, normativa -, produz um relatório de prestação de contas em que não só a gente dá transparência para toda a movimentação financeira do fundo, como descreve aquilo que o fundo apoiou, para a gente poder avaliar se está cumprindo a sua finalidade. E também aí um ponto importante: a gente divulga os impactos que cada operação daquela teve. Quer dizer, Senador, quando a gente fala no BNDES, a gente fala do recurso, desembolso, mas o impacto que o BNDES tem vai além, deve ir e vai além dos desembolsos, a gente tem entregas concretas para a sociedade. Por exemplo, no caso do Fundo Clima, que é um fundo climático, que foi um exemplo que eu usei, a nossa principal entrega são as emissões evitadas, são as emissões que aqueles projetos que a gente apoia evitam. Então, para o senhor ter uma ideia de ordem de grandeza, nesses últimos dois anos, o Fundo Clima evitou, contribuiu para evitar emissões equivalentes à retirada de carros da Região Metropolitana de São Paulo por sete meses, então, assim, é um fundo que tem impacto. Mas eu queria destacar aqui a importância, reforçando a fala da defensora, a importância de a gente ser capaz de ter transparência na aplicação dos recursos e saber evidenciar, ter métricas e saber evidenciar os impactos desse fundo. Assim, como nesse fundo, Senador, eu quis usar esse fundo, o Fundo Clima, como um exemplo de um fundo de crédito, um fundo financeiro, tem que ficar claro, para ilustrar um pouco dessa nossa experiência, que foi o que me foi demandado, na gestão de fundos, com fundos públicos de diversas empresas, que datam desde os anos 70. Estou insistindo muito na questão do fundo financeiro, do crédito, porque a gente realmente tem outros fundos, para concluir aqui a minha fala, como o Fundo Amazônia, por exemplo, que não é um fundo de crédito, é um fundo cujos recursos são compostos por doações internacionais e é um fundo não reembolsável, são recursos destinados para projetos na Amazônia, mas são recursos não reembolsáveis, não é crédito, não é empréstimo que o recurso precisa retornar para o fundo. Então, Senador, eu concluiria aqui a minha fala e fico disponível para dúvidas, perguntas. Agradeço, mais uma vez, a oportunidade de participar aqui desta audiência e expresso minha gratidão por estar aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Meus cumprimentos, Luiz Daniel Willcox de Souza, Chefe do Departamento de Análise e Avaliação de Políticas Públicas do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES); meus cumprimentos. E, mais uma vez, reafirmo aqui meu carinho, meu respeito ao ex-Senador, foi Senador aqui na nossa Bancada do PT, hoje Presidente do BNDES, ele que já foi Ministro. E foi ele que me levou embora o Tiago... (Pausa.) |
| R | Você ouviu o que eu falei? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Isso. Eu disse que foi ele que me levou embora o Tiago - o Aloizio Mercadante -, mas ele foi muito respeitoso, pedindo se o Tiago podia trabalhar com ele. O Tiago e você vieram da escola do Frei David, você ficou comigo, mas o Tiago levaram. Vamos em frente. Eu combinei com a mesa: vamos terminar os por videoconferência e depois ficamos só com os da mesa. Está também à distância - ele tem outro compromisso, e eu entendo - outro querido amigo meu que é Humberto Adami, que, embora estivesse meio adoentado, fez questão de, assim mesmo, entrar para participar deste momento aqui tão importante. Dr. Humberto Adami, Advogado, Mestre em Direito, Presidente do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) e da Cevenb (Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra), OAB-Rio de Janeiro. Por favor, Dr. Humberto Adami, prazer enorme estar com você aqui nesta videoconferência. O SR. HUMBERTO ADAMI (Para expor. Por videoconferência.) - Meu querido Senador Paulo Paim, eu quero saber o dia em que o Senado Federal vai fazer um busto ao Senador Paulo Paim no Senado (Palmas.) porque é o Senador mais longevo na militância racial, da reparação, um importantíssimo personagem para qualquer lado que se olhe na construção deste trabalho parlamentar no Brasil. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Seu discurso aí - permita-me - faz com que eu ache que o pessoal do "Fica, Paim" andou falando com o senhor, para elogiar o Paim ao vivo. (Risos.) Desculpe a brincadeira. Um abraço, Humberto. O SR. HUMBERTO ADAMI (Por videoconferência.) - Eu fiz só uma homenagem muito forte, Paim, porque outro dia disseram: "E se o Paim sair?". Olhe que coisa, que buraco neste trabalho Parlamentar que vai aparecer... Uma pessoa que consegue influenciar de uma forma tão profunda neste debate no Parlamento brasileiro, ainda mais nestes tempos estranhos, como diria o Ministro Marco Aurélio. Eu quero iniciar minha fala saudando a todos da mesa. Agradeço muito a deferência de me permitir falar agora em poucas palavras neste momento, porque eu vou sair daqui e vou para o seminário sobre reparações da escravidão, internacional, que está acontecendo em Belo Horizonte, que foi organizado pela nossa querida Diva Moreira lá. Eles estão também trabalhando de uma forma internacional nesse tema das reparações. Antes de eu começar a falar, eu queria não só... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Leve o nosso abraço lá para eles. O SR. HUMBERTO ADAMI (Por videoconferência.) - Está bem. Eu quero falar sobre o livro da queridíssima Vanilda Honória dos Santos, que foi nossa parceira de Uberlândia, Professora Doutora de Uberlândia. O prefácio é de Elzimar Maria Domingues, que foi nossa parceira na Comissão Nacional da Verdade da Escravidão. Ela relata... É um dos apanhados mais interessantes sobre Comissão Nacional da Verdade da Escravidão. Por isso, aproveito este momento para fazer este registro e também para ajudar em informações específicas. |
| R | Antes de começar a fala, quero aproveitar a presença do BNDES para encaminhar ao querido Senador Paulo Paim para que obtenha informações do BNDES - e aqui a minha reclamação formal ao BNDES - por ter excluído, por qualquer que seja a razão, dos editais a Pequena África, a ajuda do BNDES à Pequena África, ao Quilombo Pedra do Sal no Rio de Janeiro e ao Instituto Pretos Novos, que ficaram de fora dos editais da Pequena África, que o BNDES patrocinou. E, se não puderem fazer pelos editais, que a ajuda do BNDES, com a categoria de Parlamentar, que é o Presidente, o ex-Senador Mercadante, o Tiago, sem se chegar ajuda ao Quilombo Pedra do Sal, do Damião Braga, que está inclusive em retiro, em refúgio, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), e ele está refugiado e não tem a ajuda do BNDES. Então, fica aqui o meu pleito, Senador, para que encaminhe formalmente uma solicitação para que o BNDES ache uma forma de ajudar o Quilombo Pedra do Sal e o Instituto Pretos Novos, que são fundamentais na estrutura do processo que encaminhou a candidatura do Cais do Valongo para ser patrimônio da humanidade. Sem o Quilombo Pedra do Sal, sem o Instituto Pretos Novos nem sequer existiria a candidatura, e, quando chegou o BNDES, eles ficaram excluídos. Então, o meu mais profundo lamento e a esperança de que isso seja solucionado através do Mercadante. Por fim, já entrando na minha manifestação, quero aderir completamente às manifestações da querida Defensora Pública Rita, ex-Secretária-Executiva do Ministério dos Direitos Humanos, que abordou com a maestria que eu não poderia fazer aqui, apontou todos os pontos e as soluções. Eu lembro, e a Maria Isabel - nossa querida e sempre Bebel, que está aí sempre na sua companhia, minha querida amiga - vai lembrar que nós fizemos uma proposta de que o Senado Federal fizesse uma subcomissão de reparação da escravidão na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal e, naquele momento, se preferiu fazer pelo caminho da igualdade racial. Queria renovar essa proposta, Senador, de uma subcomissão de reparação da escravidão para capilarizar, no Senado Federal, todas as propostas sobre reparação da escravidão e para que ficassem sob o seu mandato. |
| R | Nós vimos aí, pelas PECs que estão em andamento, PEC da escravidão, PEC da igualdade e outras medidas maiores parlamentares, que o caminho será longo. Esse povo que anda realmente fazendo essas coisas feias, para qualquer cidadão brasileiro, PEC da blindagem e outras coisas mais aí, que andam comandando essa matança, como disse o Presidente Lula, de 121 pessoas mortas aqui, que fossem criminosos - é a maior chacina em território brasileiro. Em qualquer lugar do mundo, uma operação policial, abro aspas, "com planejamento", que mata 121 pessoas é uma operação mal planejada. A não ser que se compare às chacinas de Vigário Geral, lá do Carandiru, aí, tudo bem, ela foi muito exitosa, mas os objetivos não se prenderam... Todas as coisas que estão sendo demandadas na ADPF 635, de que eu participo, pelo Movimento Negro Unificado (MNU) e pelo Iara (Instituto de Advocacia Racial e Ambiental) - acabamos de fazer requerimentos lá ao Ministro Alexandre de Moraes... E aí se comemore a matança de 121 seres humanos. Isso só tem paralelo naquelas câmaras de Auschwitz, onde os judeus entravam nos banheiros para tomar banho e eram todos assassinados com gás; ou no que acontece em Gaza, para tristeza mundial. E esses debates estão sendo encaminhados pelo Presidente Lula. Mas, então, eu queria fazer, primeiro, a proposta de que esta Comissão, ou essa Subcomissão, catalisasse as propostas todas que vão sendo feitas e fizesse um banco de propostas e soluções para juntar, catalisar, e ter isso à disposição, porque muitas serão as dificuldades que nós teremos nesses caminhos. E também a experiência que está acontecendo com o Procurador Júlio, nos inquéritos civis do Ministério Público Federal, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, da Suíça, em falar de reparação - por enquanto está como inquérito civil público... Só no Banco do Brasil foram mais de 500 sugestões, para que o Banco do Brasil fizesse a sua intervenção pelos 200 anos de financiamento do comércio no tráfico negreiro. Foram quinhentas e poucas sugestões, algumas misturando reparação da escravidão com igualdade racial, como bem apontou a Rita aí. O fato de ter o fundo da igualdade, o fundo da reparação não quer dizer que substitua as políticas públicas; são coisas à parte. E, para implementar isso, então, é que eu acho que, se o Senado e o seu mandato conseguissem juntar, receber essas propostas, vocês poderiam estar melhor aparentados. |
| R | É bom que o Banco do Brasil esteja presente aí, os meus ex-colegas do banco, porque fui advogado do banco por 34 anos, e eu sei que eles estão trabalhando duro lá. Mas é importante dizer que o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, que começou lá no Rio Grande do Sul com a Mútua do Rio Grande do Sul, que fazia o acolhimento dos escravizados para comprar a alforria, e tem muito mais. E queria propor também que a maçonaria pudesse ser chamada, numa audiência pública específica com a maçonaria de todos os estados, para que falasse das suas contribuições para a abolição da escravidão, porque foi muito importante - são muitos os maçons, e maçons negros. Então, gostaria muito que tivesse essa audiência pública aí em um período próximo. Mas não estou falando especificamente dessa proposta, eu quero subscrever tudo o que a Rita falou, minha querida amiga Rita Oliveira, e sugerir que se fizesse, que se juntasse, porque, por exemplo, muitos programas, muitas propostas podem ser parecidas. Uma coisa que eu queria... Ela mencionou a questão dos órgãos de controle, e eu acho isso importantíssimo, porque o TCU e os TCEs, em auditoria operacional e auditorias compartilhadas, podem ser fundamentais, porque muitas vezes a gente vê o desvio das finalidades, dos dinheiros públicos que chegam. Eu queria lembrar uma auditoria - e recomendo a todos que obtenham; dá umas 80 páginas - que foi feita por nós, do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, e pela Fenaq (Federação Nacional das Associações Quilombolas), sobre o Programa Brasil Quilombola. Acho que deve ter sido o Lula 2. Essa auditoria, que durou um ano, é porque sempre se dizia o seguinte (Falha no áudio.) Brasil Quilombola num âmbito que foi em contingência. (Falha no áudio.) se eu não sei o que é contingência. Fizemos uma denúncia, que foi muito criticada por muitas vozes do movimento negro, porque o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, por acordo de Governo, era lá o Pastor Marco Feliciano, Deputado eleito por São Paulo. O que nós temos a ver com isso? (Falha no áudio.) ... eles que fizeram o acordo. A Comissão de Direitos Humanos era presidida por um Deputado Federal. Fizemos a denúncia, essa denúncia prosperou e foi encaminhada ao TCU. O TCU, Senador Paulo Paim, ficou examinando as contas durante um ano. E tem um relatório - é só botar lá "relatório TCU", "Iara", "Quilombolas" - que vai chegar a umas 80 páginas. E aí, o que eles apuraram? Que você não conseguia... Que realmente tinha contingência. Então, tinha a execução do Orçamento em 14%, tinha a contingência até 50%, mas de 50% até 100%, dos quase R$400 milhões que teriam que chegar aos quilombolas, não chegavam. E aí o TCU disse: "Temos problemas de auditabilidade, temos problemas de publicidade, temos problemas de transparência". Então, o TCU não conseguiu localizar 50% do Orçamento público dos R$400 milhões ou R$500 milhões que eram destinados - nem que tivessem, sim, sido afanados; podem ter sido, mas podem ter sido simplesmente não localizados. |
| R | Então eu recomendo que se incorpore às sugestões que já foram feitas essa auditoria do Programa Brasil Quilombola lá de trás. Esses dados aí vão chegar, e recomendo que se implique também para que nós tenhamos transparência, publicidade e auditabilidade. É muito difícil você fazer a mobilização social para a legislação, depois vai para a legislação e vai para a execução, e aí, quando chega a hora de executar, o gestor público não tem esses cuidados; e, o pior, o dinheiro não chega à parte quilombola, enquanto a gente vê que um policial em Minas Gerais conseguiu demandar um monte de dinheiro naquela célebre história do "um dólar, uma vacina". Então, eu quero dizer que fico estarrecido como as entidades do movimento negro não conseguem acesso a essas verbas públicas; está lá o Ministro Dino também falando e cobrando a questão das emendas parlamentares sem qualquer descrição, sem qualquer origem, sem qualquer destinação através do Pix maluco em que você não sabe onde é que foi parar o dinheiro, quem foi que mandou. Isso tudo é dinheiro público. Então, que esse fundo venha com essas perspectivas todas, porque todos nós que já estamos há algum tempo - eu quero dizer que eu fiz 67 anos, embora não pareça, querido Senador, anteontem, 11 de novembro - temos a obrigação de zelar para que esse dinheiro chegue à ponta a quem precisa, especialmente às questões quilombolas, aos negros de todos os estados e também aos municípios, com correção, com honestidade, e que todas as safadezas financeiras sejam denunciadas para o Ministério Público. Quero muito agradecer este momento aqui, e dizer que estou sempre de pé e à ordem aqui ao querido Senador Paulo Paim - estarei à sua disposição, bem como aos demais companheiros. Muito obrigado. Eram as contribuições que eu estimo, e que a Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra, da OAB do Rio de Janeiro - que eu presido há quatro gestões, agora sob liderança da Presidente Ana Tereza Basilio -, espero um dia possa homenagear o Senador Paulo Paim ao vivo e a cores. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito obrigado, Humberto Adami, brilhante como sempre. E, como disse Zé Alencar, numa atividade em que eu estava com ele em Porto Alegre, quando ele foi escolhido para ser Vice do Presidente Lula, ele tirou um papelzinho do bolso e disse aquela música que é do Cartola, se não me engano; ele tirou um papelzinho, foi aplaudido de pé, e ele disse: "Não quero flores nem velas, só quero uma fita amarela [e resumiu então], e que me homenageiem em vida". Nunca esqueci isso, o grande líder que foi e faleceu, e que fez essa fala muito bonita lá na Fiergs. Mas Humberto, só quero dizer que eu pedi para ser seu guia. Todas as propostas que ele levantou, que a gente estude a viabilidade, inclusive aquele requerimento. O Cais do Valongo foi uma iniciativa do movimento negro que chegou a mim, eu apresentei e transformamos em lei sancionada pelo Presidente Lula, viu? Tenho muito orgulho disso. |
| R | Quanto à Subcomissão, acho que dá para discutir, sim, aqui na Comissão de Direitos Humanos. Vou falar com a Presidenta Damares dessa possibilidade. E as outras propostas que ele fez, nós vamos ver como é que faremos o devido encaminhamento. Eu só vou registrar a presença também no plenário de Marcelo Goulart, representante do Banco do Brasil; Sérgio Rocha, especialista em direitos humanos do Banco do Brasil; João Lucas, representante da entidade Legisla Brasil; Valneide Nascimento, Secretária Nacional da Negritude do nosso querido PSB, pelo qual eu tenho o maior carinho, o maior respeito, e que é do atual Vice-Presidente da República, um grande Vice-Presidente, que é o Alckmin. O Alckmin é uma pessoa muito querida por todos, é impossível não gostar do Alckmin, como é impossível não gostar do Lula, né? Vamos em frente, então. Nós terminamos as videoconferências e vamos, neste momento, passar a palavra aos nossos convidados que estão comigo aqui na mesa, que chegaram cedo - às 9h eles estavam aqui para prestigiar este momento tão rico para todos nós, tão importante para todos nós. Eu passo a palavra, então, ao Gabriel Sampaio, também meu amigo, Advogado e Diretor de Litigância e Incidência na Conectas Direitos Humanos, que foi assessor da bancada de Senadores aqui - né? - e um assessor muito preparado, muito competente, que também me ajudou na formulação de projetos de leis. Dr. Gabriel, é uma alegria ver um jovem como você, com uma história tão bonita, o que é um orgulho para todos nós. O SR. GABRIEL SAMPAIO (Para expor.) - Muito bom dia. Quero agradecer imensamente, Senador, o convite para estar neste debate, mais uma vez ao lado de V. Exa., alguém com quem sempre aprendi ou pude aprender ao longo da trajetória aqui nesta Casa e que acompanhamos sempre nas suas atividades parlamentares, desde a Constituinte até o momento atual. Espero uma vida longa ainda neste Parlamento a V. Exa., Senador. E, sobretudo, Senador, é um momento muito especial de debate. Primeiro por estar na Comissão de Direitos Humanos nesta quadra histórica - né? -, trazendo tema essencial para a construção do nosso país. Se nós formos analisar nossa história, o quanto é importante essa discussão no sentido da construção de um projeto de nação. E discutir um projeto de nação numa Comissão de Direitos Humanos é algo que é essencial neste momento histórico. Nós assistimos, como já foi dito aqui - também vou fazer referência ao Dr. Humberto Adami, com quem também atuo na ADPF 635 -, a um momento em que a sociedade debate os direitos humanos como se os direitos humanos fossem um espaço de dividir a sociedade, ou se nós pudéssemos realmente construir um projeto civilizatório negando os direitos humanos. Os direitos humanos fazem parte daquilo que é o que mais deve nos unir: é reconhecer a todas as pessoas a sua dignidade. Se há algo que é capaz de unificar toda a sociedade, Sr. Senador - e o senhor nos ensina isso em seu cotidiano parlamentar -, é a luta pelos direitos humanos. |
| R | Então, nós precisamos de vozes, como a de V. Exa., e esta voz aqui, a nossa voz da sociedade civil, a reforçar que em nenhum momento histórico nós podemos aplaudir ou nos acovardar diante das violações do Estado. O Estado de direito, e o nosso Estado de direito, não aceita as violações praticadas por agentes estatais, não aceita execuções sumárias, não aceita a aplicação covarde do uso da força contra qualquer cidadão, não é? (Palmas.) Obrigado. Quando nós transigimos com isso, nós também diminuímos a nossa própria dignidade; é como se nós perdêssemos também um pouco da nossa própria condição humana quando negamos ao nosso semelhante à sua própria dignidade. Então, é uma honra e é um momento para o qual... O momento de discussão do fundo de reparação, para todas as pessoas negras, como eu, parece ser aquele momento para o qual nós nos preparamos a vida inteira, porque a nossa história foi deixando de lado essa discussão - a nossa história, a nossa construção de projeto -; algo que a gente sempre procurou negar. Eu sempre trabalho uma linha histórica da construção do nosso país e quero tratá-la aqui sob o aspecto normativo, algo que nós tratamos na academia como direito antidiscriminatório, que é um ramo do próprio direito constitucional e que reconhece uma função muito elementar do Estado de direito, do Estado democrático de direito, que é a de promover a igualdade. Isso que nós conhecemos hoje como Estado de direito é baseado na ideia de uma sociedade que se constrói a partir da efetivação da igualdade material e da igualdade substancial. Esse valor da igualdade, nessa concepção, é possível a partir do marco jurídico do tratamento igualitário, também de forma substancial, a partir do momento em que se criam condições para que a igualdade seja material. Isso demanda a atuação do Estado. Numa ideia do direito antidiscriminatório, nós vamos compreender, numa avaliação crítica, que, ao longo da história, o Estado promoveu, e o nosso projeto de Estado brasileiro foi responsável por promover desigualdades estruturais. Então, em lugar de promover, na ideia do Estado de direito, as condições de igualdade para que todos os cidadãos tenham o desenvolvimento de seus direitos, a fruição dos seus direitos, de todas as ordens, inclusive sociais, o Estado no Brasil foi responsável por construir as desigualdades estruturais. E é importante recuperar isso, porque nós somos daquelas pessoas, Senador, eu sou daquelas pessoas que, na universidade, ali, nos anos 2000, antes mesmo de termos aprovadas as leis de cota, por tanto esforço de V. Exa., convivem com este discurso, de um país que vai experimentando processos de desenvolvimento econômico, de que nós temos que deixar a tarefa da igualdade para gerações futuras. |
| R | Todas as vezes em que nós falamos da necessidade de efetivação dos direitos de igualdade, especialmente quando tratamos das pessoas negras, as pessoas acreditam que nós vamos nos contentar com a ideia de que isso caiba às gerações futuras: vamos aguardar o desenvolvimento das condições econômicas do país, garantir que o processo de educação seja suficientemente abrangente até que todo mundo consiga ter igualdade de oportunidades. E nós dizemos "não, nós precisamos efetivar os direitos já, nós precisamos garantir que o Estado brasileiro interrompa a sua trajetória histórica de promover desigualdades estruturais". Mesmo nos melhores momentos da construção desse Estado democrático de direito, nós temos tarefas fundamentais para isso. Como é que essas desigualdades estruturais foram sendo promovidas pelo Estado? Primeiro, pelo modelo escravocrata, que dura quase quatro séculos: enquanto Colônia, e portanto dizendo que esse processo escravocrata era orientado por uma metrópole fora do nosso país, pelo menos de 1530 a 1822. Então, temos ali praticamente três séculos sob o domínio de uma outra nação, um modelo escravocrata, que trouxe como legado a vinda de quase 5 milhões de pessoas negras escravizadas por meio do tráfico negreiro e que construiu um projeto, um projeto de nação, naquele momento - um projeto de país; não de nação -, um projeto de país naquele momento, que se sustentou a partir dessa importação de mão de obra. Senador, nós tivemos a primeira oportunidade de romper com essa trajetória, ainda num período monárquico, na nossa primeira Constituição. Estou falando de história constituinte do Brasil e de marcos jurídicos. A nossa primeira Constituição seria a primeira oportunidade, em 1822, para 1823, até 1824, quando é promulgada ou outorgada a primeira Constituição, de romper essa lógica de modelo escravocrata e de um Estado de direito que se baseia na construção de uma desigualdade estrutural. Pois, então, essa nossa primeira manifestação de possibilidade de um projeto de nação marca uma aliança com a elite escravocrata, e a desigualdade estrutural passa a ter corpo no início desse projeto de nação. Senador, foi base para que a Constituinte de 1823 fosse dissolvida e a própria Constituição fosse outorgada não lidar com o tema da superação do modelo escravocrata. A aliança que se forma é uma aliança com a elite econômica do país para consolidar, ou pior, para que a transição de superação do modelo escravocrata fosse lenta, fosse gradual e baseada nos interesses econômicos das nossas elites. É curioso - e a nossa história tem essas peculiaridades que precisam ser aprofundadas no debate público - que o Brasil vai sofrer um fluxo ainda mais autoritário quando o Imperador, aquele que foi responsável por essa ideia de independência do país, deixa o Brasil para ir disputar o trono da antiga metrópole. Vejam a curiosidade do nosso modelo: nessa independência que nós tanto comemoramos, tem esse episódio que torna o país mais autoritário, e essa aliança de elites demanda ainda mais do Estado brasileiro a repressão e o aprofundamento da desigualdade estrutural. |
| R | Para manter a unidade da nação, era preciso reprimir qualquer tipo de resistência, fosse ela republicana, fosse ela abolicionista, fosse ela baseada na ideia da construção de um projeto nacional integrador na nossa sociedade. Nós vamos vivendo aí, especialmente de 1831 para a frente, um processo de recrudescimento de autoritarismo. E o que faz essa aliança escravocrata, Sr. Senador? Essa aliança escravocrata se beneficia ainda mais do tráfico negreiro. Os fluxos do tráfico de pessoas escravizadas de 1891 para diante é enorme, para reforçar aquilo que as elites econômicas do país mais tinham de recurso por meio desse modelo escravocrata. As pressões da resistência da nossa sociedade, as pressões abolicionistas, o exemplo da Revolução Haitiana, que impôs a primeira derrota ao exército de Napoleão na França, que radicalizou a busca pelos valores universais da igualdade, da liberdade e fraternidade, que inspirou tanto o movimento abolicionista no Brasil, fez com que a pressão sobre essas elites fosse enorme. As pressões do desenvolvimento das forças produtivas e a transformação do processo econômico faziam com que, cada vez mais, essa elite se visse pressionada. E esse processo de transição lenta precisava ter uma nova chave. Essa chave se dá em 1850, Sr. Senador, quando é editada a Lei Eusébio de Queirós, para pôr fim definitivo ao tráfico de pessoas escravizadas. O que fazem as nossas elites e que tarefa colocam para o Estado brasileiro? Editar, duas semanas depois, a Lei de Terras, de 1850. Por que foi editada a Lei de Terras, de 1850? Para interditar o maior ativo que nós teríamos para fazer reparação e construção de um projeto nacional que integrasse a população negra, que se tornaria livre com o fim do modelo escravocrata. O Estado patrocina, por meio da legislação, a nossa exclusão e a desigualdade estrutural. Por isso que nós estamos falando de uma pauta estrutural. Enganam-se aqueles que tratam isso como uma pauta identitária, como uma pauta de menor valor, ou que se resolve com políticas universais e abstratas, tratadas como transversais. Elas são estruturais. O Estado patrocinou e interditou a maior forma de garantir reparação naquele período, quando se tornou inexorável acabar com o modelo escravocrata. A inspiração de um projeto republicano, pós-Lei Áurea, de 1888, e que vence definitivamente o Império, é a ideia de substituir a mão de obra e realmente aprofundar essa desigualdade estrutural. Isso está sintetizado na apresentação de João Batista de Lacerda no Congresso das Raças, em 1911, que dava a dimensão do projeto de embranquecimento no Brasil, que inspira essa substituição de mão de obra, grande política pública já da República, dando um prazo de cem anos para o embranquecimento da nossa população, a partir do forte investimento nessa política migratória, que consolida mais uma vez uma desigualdade estrutural. Se nessa transição pós-1850, quando vão se deteriorando... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - Perdão, Senador, eu vou... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Não, não, tem mais cinco minutos, direto agora. O SR. GABRIEL SAMPAIO - Se, nesse momento em que vão se deteriorando as condições para a existência do modelo escravocrata, se se investe nessa política de substituição de mão de obra, ela também tensiona uma desigualdade estrutural, porque o regime jurídico era diverso. Ainda havia o modelo escravocrata, com as leis que iam distensionando a escravidão, mas havia o incentivo do Estado para substituir a mão de obra - substituir a mão de obra com acesso à terra e com regime jurídico que fosse atrativo para que pessoas de outros países aqui estivessem, nessa política migratória. É mais um capítulo da desigualdade estrutural que se forma e que é revestida de um marco jurídico que o país demorou a enfrentar. Na década de 30 do século XIX, as leis que vedaram o acesso à educação da população negra, as leis que criminalizavam a resistência da população negra, a arte e a cultura da população negra, tudo isso é obra do Estado brasileiro. E, certamente, Senador Paim, se V. Exa., a essa época, fosse vivo e nosso Parlamentar, a primeira tarefa do dia 13 de maio ou do dia 14 de maio de 1888 seria enfrentar essa questão. A primeira tarefa da Primeira República na construção de um projeto nacional seria enfrentar essa questão. E como se faria? Não seria com um mero artigo de libertação das pessoas escravizadas. Seria fazendo uma revisão radical da nossa legislação, impondo condições de reparação, sim, e de políticas afirmativas. Essa era a tarefa do dia 13 de maio de 1888. E qual é a nossa linha do tempo para cumprir essa tarefa, a tarefa do dia 13 de maio de 1888? O Brasil só vai reprimir o racismo numa lei de contravenções penais, em 1951, Lei Afonso Arinos. Eu estou aqui ao lado do Luciano, também... Estamos ao lado do Luciano, grande amigo, a quem reforço meus cumprimentos e que coordenou uma obra que trata, de forma tão importante, dessa matéria. De 1951 é a primeira lei que criminaliza, por meio de uma lei de contravenções penais, o racismo. Será que essa era a forma de cumprir adequadamente a tarefa do dia 13 de maio de 1888? Certamente não. É a partir de 1988 que nós temos um marco importante nessa questão, quando a Constituição determina um mandado de criminalização do racismo. Eu tenho as minhas fortes reservas em relação à capacidade do direito penal em transformar a sociedade, especialmente em elementos tão profundos como o racismo, mas temos que reconhecer que o marco da Constituição de 1988 permite que a institucionalidade no Brasil se organize para acolher e dar um tratamento diferente àquelas pessoas que são vítimas daquele fenômeno, que é incompreensível na história da humanidade. |
| R | O Senador participou da Assembleia Constituinte e tem muito a dizer sobre esse período rico da nossa história. Mas, vejam, é aquela tarefa do dia 14 de maio de 1888. A Constituição dá um passo relevante, mas, veja, o Sr. Senador acompanhou cada minuto dessa situação. A legislação só passa a cumprir esse mandado de criminalização em 1989, com a Lei Caó, cuja construção o Senador bem acompanhou. Parece que é só um ano... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Permita-me. Caó, já falecido. E, quando ele apresentou aquele projeto, ele chamou a bancada negra - nós éramos quatro - e ele disse: "Olha, poderia até dar para um de vocês relatar, mas eu vou dar para um outro, para conseguir a unidade do Plenário". E ele fez corretamente e, por isso, minhas palmas aqui para o grande Caó, já falecido. O grande Caó deve ser lembrado. (Palmas.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - É isso. E o Senador sempre traz essa referência histórica: o quanto nós não lutamos para garantir que essa tarefa seja cumprida. A isso que eu fiz referência: parece que é só um ano entre 1988 e 1989 para garantir que o mandado de criminalização da Constituição... (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... fosse cumprido; estamos falando de uma tarefa de mais de cem anos. E aí nós estamos falando de uma tarefa que é mais profunda. Essa era uma delas. Nós temos a tarefa de organizar o nosso Estado e nós sabemos que ele não se organiza apenas e exclusivamente pelas políticas universais que a Constituição trouxe com relevo. Os direitos sociais da Constituição de 1988 são festejados pelo mundo e são absolutamente fundamentais para a construção de um projeto nacional, mas nós sabemos que, para todas as desigualdades estruturais que o Estado promoveu ao longo de sua história, ainda é insuficiente. E nós tínhamos um percurso a lidar. Olhem o tempo histórico. O Senador já fez referência a isto: o Estatuto da Igualdade Racial é de 2010. Quanto que não se sofreu para conseguir aprovar o Estatuto da Igualdade Racial? O Senador tanto fala disso. E, como mencionou, teve que retirar do texto o fundo de reparação e as cotas. Isso era a tarefa de 1888. E é de 2012 a 2014 que se aprovam as leis de cotas. E façamos o registro, porque os dados demonstram a frustração na efetivação de cada uma dessas leis. O tanto que a nossa população sofreu para aprovar essa legislação significa que cada administrador público que ordena e que organiza um certame público para preencher vagas do serviço público tem a obrigação de preencher todas as vagas de cotas... (Palmas.) ... porque foi muita gente açoitada e muita gente que morreu para que a gente tivesse essa legislação. (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - E nós não podemos aceitar que travestido até das melhores intenções, porque a gente vê bons programas ajudando a nossa população negra a estudar para concurso... Só que nós não podemos ser embalados pelo discurso de João Batista de Lacerda, que dizia que o embranquecimento era positivo para a sociedade, porque, embranquecendo, nós teríamos as pessoas mais capacitadas para estar nos espaços de condução da nossa nação. |
| R | Não há registro de uma nação que se forme pujante, desenvolvida, sem valorizar a sua diversidade. E eu, que venho da carreira jurídica, não aceito nenhum discurso que menospreze a capacidade da nossa população em preencher as vagas do sistema de justiça. (Palmas.) Em nenhum tribunal nós vamos encontrar o consenso, a unanimidade, em torno de uma ciência exata que determine uma sabedoria superior em detrimento dos demais. Eu quero dizer que nós temos capacidade de ocupar qualquer vaga do sistema de justiça - esse eu conheço -, as vagas a que nós fizemos jus depois de tanta luta. E, como essa questão, nós temos todas as demais para a efetivação dos nossos direitos. As tarefas são urgentes. Como é que um país que tem 80% das mortes violentas praticadas pelo Estado, mortes contra pessoas negras, vai reverter esse processo? É continuar a fazer operações de matança? É assim que nós vamos reverter? Como é que nós vamos garantir e disputar a nossa juventude nos territórios periféricos, nos territórios violentos, nos territórios de falta de acesso? É com dinheiro! É disputando a consciência dessas pessoas! É disputando com aqueles que oferecem as facilidades econômicas das organizações criminosas! Nós temos que colocar o Estado para reverter esse processo, é para isso que se precisa de um fundo. É para isso que nós precisamos da sociedade civil participando de um fundo. Eu me alonguei, Senador. Eu gostaria de agradecer a oportunidade de poder ter estado neste debate. É um debate para o qual eu me preparo há muitas gerações e que eu espero, com todo o brilhantismo da sua condução, tenha a melhor solução e a promulgação dessa emenda constitucional. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Grande, grande, grande Gabriel Sampaio, Advogado, Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos. De fato, você passou do tempo, mas eu (Manifestação de emoção.) não teria a ousadia... e não é covardia, é coragem de dar mais tempo para você. Brilhante, brilhante pensamento e pronunciamento. (Palmas.) Todos mereceram um tempo maior, mas você estava tão... fazendo uma fala de alma, coração e vida, que eu fui jogando com o tempo. E eu sei que quem estava assistindo gostou. Estão gostando de toda esta audiência pública aqui. Agora eu vou passar a palavra, com muita alegria, muita satisfação, ao Dr. Luciano Goes, servidor, representando aqui o Ministério da Igualdade Racial e a nossa querida Ministra. O SR. LUCIANO GOES (Para expor.) - Bom dia a todas, todes e todos. É um prazer estar aqui nesta audiência pública tão importante. Venho com muito orgulho e muita satisfação representando o Ministério da Igualdade Racial. Em nome da Ministra, estendo os cumprimentos à pessoa do Senador Paulo Paim, de quem muito me honra estar ao lado. Eu sou diretamente fruto da trajetória do Senador Paulo Paim, então celebro a sua existência, Senador, celebro a sua resistência e agradeço muito pelos passos que me conduziram até aqui. |
| R | Antes de ser servidor, gente, antes de ser representante do Ministério da Igualdade Racial e falar a partir desse lugar como coordenador de assuntos jurídicos, eu quero já fazer um aparte, porque eu quero introduzir a minha fala, falar enquanto advogado, Doutor em Direito e Professor de Direito Penal na UnB, para trazer um pouco também, para resgatar e complementar um pouco a fala do meu querido irmão Gabriel, para a gente tratar um pouquinho sobre reparação e começar a entender de modo mais geral a importância de nós tratarmos de questões tão fundamentais, tão fundantes e tão renegadas por tanto tempo no nosso país, que ainda repercute, ainda é visto, ainda é reproduzido a partir de um local como se fosse uma democracia racial, e nós sabemos todos os problemas e obstáculos que isso nos causa em termos de uma verdadeira democracia. Bom, antes de falar da PEC 27, portanto, eu quero já puxar o gancho da fala do Gabriel para tratar de um momento histórico que ele pontuou, muito bem pontuou, trazendo aqui as lembranças das nossas agendas, agendas do povo negro e do Brasil, enquanto um Estado estruturante do racismo que nós enfrentamos, e estrutural a partir desses "ismos", porque eles também não são alheios, né, gente? Quando nós falamos de racismo, falamos de racismos e também na perspectiva interseccional, porque também atravessa outras dimensões. Bom, quando a gente fala em 1888, falamos na Lei Áurea, muito festejada por muitos; enfim, sabemos das suas muitas limitações e dos vários problemas que ela nos trouxe também. Em sua agenda, naquele 13 de maio, nós não tivemos, basicamente, nenhuma medida de reparação por um Estado que foi, por quase quatro séculos, responsável pela desumanização de corpos racializados, corpos negros e corpos indígenas. Naquele momento, em que não havia nenhuma política pública estatal, teoricamente - e aí eu já chamo atenção porque, de fato, nós tivemos uma política reparatória em 1890, então pouco tempo depois -, e nessa transição de uma monarquia escravocrata para uma República que manteve a sua essência racista, nós tivemos um Código Penal. O Código Penal de 1890, nosso primeiro Código Penal republicano. Nós não tivemos uma Constituição, nós não tivemos um processo, nós não tivemos, basicamente, nenhuma alteração no nosso ordenamento que não uma reparação da segurança da branquitude de uma maneira geral. O Código Penal de 1890, embora esteja pensado a partir das razões iluministas - e aí pensando a partir da igualdade, liberdade, enfim -, traz no seu bojo vários crimes próprios da raça negra. Isso significa que só nós, pessoas negras, poderíamos cometer aqueles crimes. E o que se criminaliza? Criminalizam-se todas as rodas negras. Rodas são legatárias da circularidade; circularidade, valor civilizatório africano, né? |
| R | Portanto, ali já se impede também, já se constrói um modelo segregacionista que vai impedir que o nosso modelo de democracia, fundada sobre os nossos valores, sobre os nossos princípios, princípios esses ancestrais, fosse interrompido. E foi, de fato. O encarceramento da massa negra, que caracteriza o nosso cotidiano - somos a terceira maior população em situação de cárcere do mundo, na qual pessoas negras são 70% -, se inicia exatamente no pós-abolição; exatamente depois da Lei Áurea, que promete essa liberdade. E a nossa realidade traz o encarceramento de corpos, sobretudo, de homens negros e cada vez mais jovens. Enfim, pensando, portanto, nessas demandas reparatórias, eu vou dar um salto para falar, já que estamos na Comissão de Direitos Humanos, exatamente de direitos humanos, de como os nossos direitos humanos, a partir do seu reconhecimento universal, se dá pós-Holocausto, pós-Segunda Guerra Mundial. É exatamente por essas medidas, por essas políticas e por essa urgência, sobretudo, de manter viva a memória do que aconteceu... Isto está na declaração, está lá na ementa: para que nós nunca mais esqueçamos o que aconteceu. E parece que cada vez a gente esquece mais, né, Senador? Enfim, a gente continua reproduzindo essas violências. É exatamente nesse campo que os direitos humanos são declarados universais e passam, efetivamente, a construir o direito internacional. Então, quando nós pensamos em dignidade humana, nós pensamos em 1948, com a declaração universal. Isso decorre de várias medidas reparatórias, incluindo a construção de museus - e aí o direito à memória. Por mais negativa que seja, por mais violenta que seja, por mais desumanizante que seja, essa memória tem que ser viva para exatamente nos lembrar de como chegamos aqui. (Palmas.) Isso vai se dar na Alemanha e o resultado é a construção no Estado de Israel, em que hoje nós temos esse contexto também contra o povo palestino. Então, temos outros cenários nessa disputa de direitos humanos. Mas o fato é que a reparação vem abrindo o campo jurídico para que nós pensemos políticas públicas. E um importante instrumental para nós pensarmos na promoção da igualdade racial, que vem no bojo das discussões, é a Resolução 60/147, da Organização das Nações Unidas, de 2005. Ela traz para a gente vários princípios, e princípios estes básicos, para a reparação às vítimas de violações de direitos humanos. Quando nós falamos do processo escravocrata do Brasil, ou quando nós falamos no Brasil como um todo, nós falamos, ou temos que falar, de violações de direitos humanos. Então, lá nessa resolução, nós temos o acesso efetivo à Justiça, e depois eu vou fazer um gancho nessa Justiça, que é onde eu quero também apontar algumas iniciativas do Ministério da Igualdade Racial, mas também nós temos reparações dos danos sofridos. E aí nós temos a cessação das violências e violações, cessações estas imediatas, e também garantias de não repetição. |
| R | Então não basta que nós reconheçamos as violências, é preciso que elas cessem imediatamente e é preciso construir um arcabouço que nos possibilite a garantia de que elas não serão reproduzidas, de que elas não continuarão construindo as nossas realidades. Enfim, nesse caminho, nós chegamos à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que foi promulgada pelo Brasil em 2022, passou por esta Casa, foi discutida por esta Casa, foi aprovada por esta Casa. (Soa a campainha.) O SR. LUCIANO GOES - O querido Senador Paulo Paim participou também dessas discussões, dessa aprovação, enfim. Em todos os nossos avanços, tem o Paulo Paim, a mente brilhante do Senador Paulo Paim conduzindo as questões. E lá, nessa convenção, nós temos uma alteração substancial na nossa Constituição, porque ela foi aprovada nos termos do §3º do art. 5º do texto constitucional. Significa que a convenção não é um ordenamento paralelo à Constituição; ela é parte da nossa Constituição. Portanto, o nosso texto constitucional tem que ser lido a partir da convenção. E ali nós temos algumas inovações. Além do racismo que o Gabriel mencionou, do mandamento constitucional para a criminalização do racismo, que não foi a única proposta, houve o manifesto do negro na Constituinte, antes da nossa Assembleia Constituinte - o Senador Paulo Paim também estava lá participando das discussões. Então, tem várias outras propostas para enfrentamento do racismo no Brasil, estavam colocadas lá. No nosso texto constitucional, entrou apenas a criminalização. Mas a convenção traz outras formas de discriminação, outras formas de manifestação do racismo; entre elas, as indiretas. Aí nós podemos pensar em racismo estrutural, racismo institucional, racismo ambiental, racismo religioso; ou seja, as questões que nós estamos debatendo e discutindo agora na COP 30, que também tem esse compromisso com a promoção da igualdade racial no campo da justiça climática. Não se faz justiça climática sem justiça racial. Então, essas discriminações, sobretudo a discriminação racial indireta, discriminação racial múltipla ou agravada fazem parte do texto constitucional. E também, claro, as ações afirmativas. Falar em ações afirmativas, para mim, é muito importante. Porque, assim como a Priscilla Rocha, que falou no início da nossa audiência, eu também sou fruto das ações afirmativas. Eu sou fruto do Prouni. Então, se não fosse o Prouni, se não fosse o caminhar sempre coletivo do Senador Paulo Paim, entre tantas outras, tantos outros, eu não estaria aqui, eu não seria, literalmente, o que sou. Então, a partir dessas ações afirmativas, a gente consegue também moldar o outro campo jurídico que vai disputar também nas narrativas, porque uma parte do nosso ordenamento jurídico é construído a partir do epistemicídio. E aí nós também temos incidência e temos uma agenda muito complexa a ser encampada. Várias lutas já se dão, enfim, não apenas nos tribunais, mas também nas salas de aula, também na formação do pensamento social brasileiro, que passa pelo racismo. E aí, com Lélia Gonzalez, nós podemos pensar num ordenamento jurídico em "pretuguês" que não denegue o seu passado. |
| R | Enfim, o Artigo 9 da Convenção Interamericana trata dos sistemas de justiça. E aí vem o compromisso do Estado brasileiro, Senador Paulo Paim, na construção de um sistema de justiça que retrate a sua diversidade, que seja comprometido com essa diversidade. E essa diversidade não é apenas representativa. O ingresso de pessoas negras no Poder Judiciário, no Poder Legislativo, no Poder Executivo é muito importante, mas não é suficiente para darmos conta dessa agenda que os nossos antepassados e as nossas antepassadas nos deixaram, nos legaram. Então nós temos que caminhar em relação a isso, avançar em relação a isso. E as nossas propostas - agora pensando a partir do Ministério da Igualdade Racial -, o que a gente elabora, o que a gente desenvolve, todas as ações que a gente desenvolve, programas, enfim, são voltadas para a promoção da igualdade racial e de um modo articulado. Portanto, elas vêm pensadas a partir de uma perspectiva democrática e sempre coletiva. Esse é o compromisso do Ministério da Igualdade Racial, porque nós sabemos quem literalmente abriu caminhos para nós chegarmos ao status de ministério e lá ocuparmos os espaços que nós ocupamos hoje, com todos os desafios, claro, que isso nos coloca, já que a pauta, a perspectiva transversal nos coloca em outros cenários. Não é apenas pensarmos no trabalho do Ministério da Igualdade Racial, é como o enfrentamento ao racismo tem que ser atravessado por outras políticas e como tem que atravessar, melhor dizendo, outras políticas de outros ministérios que também fazem parte desse compromisso do Estado brasileiro com a promoção da igualdade racial e, portanto, com os fundamentos da própria República Federativa do Brasil. Enfim, ao pensar em promoção da igualdade racial e nesse fundo previsto na PEC 27, que tramita na Câmara, nós temos que pensar para além disso, para além das nossas urgências; nós temos que pensar, claro, no ODS 18, como nós vamos encaminhar o compromisso do Brasil, que é protagonista no cenário mundial em relação ao ODS. E isso não é de hoje; as questões sociais que ameaçam, aterrorizam e produzem tantas violências no cenário mundial estão voltadas para o ODS 18, que também está na agenda da COP 30 e também da Segunda Década de Afrodescendentes. Enfim, todas as questões em relação ao financiamento, orçamento para a promoção da igualdade racial - claro, não se faz política pública sem orçamentos, nós sabemos disso; todos os conselhos municipais e estaduais sabem muito bem disso, porque vivenciam cotidianamente essas questões e os obstáculos colocados por essa ausência de financiamento -, isso tudo pode ser também pensado ou tem que ser pensado a partir do Estatuto da Igualdade Racial, que foi mencionado aqui várias vezes e tramitou - Senador Paulo Paim, me corrija se eu estiver errado - por dez anos. Esse foi o tempo de tramitação e aí, claro, com todas as discussões, com todos os acordos que tiveram que ser feitos para que nós chegássemos ao Estatuto da Igualdade Racial, e, no Estatuto da Igualdade Racial, ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir). |
| R | Esse sistema, que é articulado coletivamente de uma forma democrática, interfederativa e também pensa na democratização do compromisso sobretudo com o enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial, é trazido no art. 47, o sistema nacional do qual o Ministério da Igualdade Racial é encarregado hoje, através da Senapir (Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial). E esse sistema pode ou deve, já que ele trabalha de modo democratizado e coletivo com os entes federativos em suas múltiplas dimensões, gestar também o fundo. Esse fundo é de vital importância, não apenas, claro, para o avanço das nossas propostas, mas também para complementar essa agenda, que não foi elaborada por nós; nós pegamos apenas uma parte desse legado, desse compromisso do Estado ou da obrigação do Estado com a promoção da igualdade racial. É uma agenda que foi construída, que está construída no Brasil desde o Quilombo dos Palmares, desde a república palmarina. Então, pensando com Abdias Nascimento, que traz em seu O quilombismo várias propostas e já coloca uma estrutura de uma democracia verdadeiramente brasileira e comprometida com a sua realidade... Então, O quilombismo, de Abdias, também traz essa agenda e vai colocar para a gente todos os desafios e a importância também desse fundo, cuja urgência, obviamente, não é de agora - sempre foi muito urgente, ainda mais num país como o Brasil -, mas também que vá garantir acesso a direitos. Um desses direitos que o fundo tem por objeto garantir é o futuro às futuras gerações, um futuro que seja diferente do passado, que seja melhor do que o nosso presente. E esse futuro também não é só às futuras gerações. (Soa a campainha.) O SR. LUCIANO GOES - Sabemos que as nossas questões geracionais são entrelaçadas, entrecruzadas às nossas questões, aos nossos princípios, ao nosso legado ancestral, portanto, à nossa ancestralidade. Então, esse futuro também é devido à ancestralidade, à nossa ancestralidade, que se faz viva e presente. Essas questões - e já me encaminhando para o final, Senador -, pensando no campo da justiça, vão colocar para a gente, enquanto Ministério da Igualdade Racial, a construção, o desafio de construir - obviamente sempre de uma maneira muito democrática, muito coletiva e transparente - a questão da justiça racial. Sabemos também que falar em justiça de modo universal não é suficiente, e aí a reparação também se faz no campo da construção de saberes. Então, mais do que pensar no avanço das ações afirmativas, das cotas raciais em diversos cenários, nós temos que pensar em ensino, pesquisa e extensão, pensando também no compromisso com essa agenda. Então temos que disputar as narrativas, disputar o campo jurídico, para mostrar também, por exemplo, como esse lema quase dogmatizado de igualdade, liberdade e fraternidade também nos limita no campo da reparação, porque, desde 1235, com a Carta Mandinga, nós poderíamos falar em liberdade, igualdade e coletividade. Isso retrataria um pouco das nossas juridicidades de matriz africana. |
| R | Pensar essa justiça racial é, sobretudo, pensar em como, de modo concreto, construir esse campo, que vai resguardar todas essas discussões em relação ao fundo, a partir de uma Justiça de olhos bem abertos; uma Justiça comprometida com a transformação da nossa realidade; uma Justiça que, assim sendo, consegue, nas encruzilhadas que são formadas pelas nossas vivências, múltiplas vivências, por uma dignidade humana no sentido pluriversal... e também, claro, com as nossas "escrevivências", pensando também com Conceição Evaristo, para não deixar que esqueçamos que as nossas escritas, as nossas posturas - né, Gabriel? - não podem ser, de maneira nenhuma, canções de ninar a casa grande, elas têm esse compromisso de olhar para o futuro, mas sabendo de onde veio, de onde nós viemos, como essa Justiça foi construída, como ela foi assentada nessa democracia brasileira. Nesse cenário, reconhecendo o seu trajeto, reconhecendo essa caminhada coletiva, que nós consigamos abrir, de fato, caminhos para um futuro que seja comprometido com vidas humanas no sentido amplo e, claro, rumo ao bem viver, porque esse é o compromisso do Ministério da Igualdade Racial, sobretudo agora, no Mês da Consciência Negra, que para nós é todo mês, né, Sofia? Todos os meses são os meses de consciência negra, todos os dias são esses dias, mas este Mês da Consciência Negra é especial, porque nós temos também a Marcha das Mulheres Negras. Então, quando eu trago o bem viver, não trago apenas um conceito, mas sim um projeto de Estado. E é por isso que nós lutamos todos os dias, é por onde nós atuamos no Ministério da Igualdade Racial. Muito obrigado, gente. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Dr. Luciano Goes, servidor representante do Ministério da Igualdade Racial. Leve um forte abraço à Ministra Anielle, uma grande Ministra, a qual a gente aprendeu a respeitar e ter muito carinho pela atuação dela. Eu estive recentemente num evento organizado com ela, e eu vi o tanto que o povo quer bem a ela. Eu disse: "Anielle, eu vou ficar do teu lado aqui"; ela disse: "Pode ficar", para receber o abraço, para receber o número de pessoas pedindo fotos e tal. E diga para ela que ela vai ser uma grande... vai ser a política que ela quiser; mas, se ela for candidata à Deputada Federal, no amanhã, ou depois Senadora, com certeza será muito bem aceita pela população, pela história dela. E permita que eu diga também: você citou aqui o Abdias, um homem, eu sempre digo, à frente do seu tempo. Eu era Deputado Federal, eu saía de lá para vir ouvi-lo aqui no Senado. Eu ficava ali de boca aberta, ouvindo as falas dele, cada vez mais emocionadas, bonitas. Às vezes, só estava eu no Plenário - e eu Deputado ainda, não era Senador. E ele falando na tribuna é como se ele estivesse falando para o mundo, pela emoção, pelo sentimento. |
| R | Abdias... Tem que ter palmas para o Abdias. É uma referência eterna para todos nós. (Palmas.) Grande Abdias! Nós vamos ter uma segunda etapa, em que vocês vão ter que responder perguntas da população ainda, porque chegou aqui uma pilha, já, de perguntas. E agora eu passo a palavra à Dra. Helena Assaf Bastos, que é Consultora de Orçamento do Senado Federal e tem contribuído muito para o debate aqui na Comissão de Direitos Humanos, naturalmente, na construção da peça orçamentária. A palavra é sua. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS (Para expor.) - Bom dia a todos. Na pessoa do Senador Paim, eu cumprimento a todos aqui presentes. Vamos começar aqui, então, a nossa apresentação. O público que está virtualmente está vendo também a apresentação? (Pausa.) Ah, sim. Perfeito. Eu preparei aqui a minha fala pensando não só propriamente na temática da promoção da igualdade racial, mas a minha preocupação é dar uma abordagem fazendo uma análise sob a ótica do Orçamento público, porque toda lei que a gente sanciona, promulga, escreve é muito bonita, muito linda, mas, gente, de verdade: se não estiver na peça orçamentária, não passa de uma poesia ou de uma carta de intenções; ela não vai ser executada, ela não vai acontecer, ela vai ficar na conta de propósito e não vai ter impacto real. A verdade é essa. Eu dei esse nome à nossa apresentação. Eu foquei aqui no próprio financiamento de políticas públicas de promoção da igualdade, uma análise sobre a ótica do Orçamento público. Eu quero dizer que eu aproveitei, na hora de construir essa abordagem, outros colegas da Consultoria para poder melhorar os pontos de vista que eu vou aqui abordar. Um é o Marcelo de Sousa Teixeira, que é um consultor novíssimo, ele entrou esses dias aí, decorrente do último concurso. E ele - e eu até senti falta, Senador Paim, de uma pessoa aqui, sorte que ele é uma dessas pessoas - era um operacionalizador de fundos no Tesouro Nacional, antes de tomar posse aqui no Senado Federal. Então, ele conhece muito bem sobre fundos e eu fui pegar orientações com ele sobre essa proposta de emenda à Constituição de criação de um fundo próprio. A Rita Santos já é uma figura carimbada aqui no Senado Federal. Ela foi a coordenadora do PPA 2024-2027 e foi um dos principais atores que garantiu a Agenda Transversal da Igualdade Racial; ela brigou por essa agenda e por outras agendas transversais, o que não é uma coisa muito simples - eu acho que a gente tem cinco no PPA 2024-2027. |
| R | Então, dados os créditos, vamos começar. Sobre o objetivo geral, eu quero reforçar que aqui a gente vai falar do ponto de vista do Orçamento público. Então, gente, a principal pontuação sobre essa abordagem, sobre esse tema, é o seguinte: desigualdade racial não é problema pontual. Ao contrário, o que ele é? É um estado generalizado de pensamentos, ações e decisões que a pessoa toma, consciente ou não, e que resulta em um sistema que exclui muitos do acesso a oportunidades e direitos. É essa consciência que, enquanto agente técnico de Orçamento público, a gente tem e trabalha. Então, gente, como é que a gente vai conseguir vencer essa desigualdade racial? É mandatória uma atuação sistêmica do poder público. Não há outra maneira que a gente entenda, do ponto de vista inclusive orçamentário, de vencer esse desafio. Então, o que decorre disso? A adoção de medidas de promoção de igualdade racial obrigatoriamente deve ter o caráter sistêmico. Eu posso falar isso exemplificando com o trabalho que a gente teve para criar, junto com o Governo Federal, a Agenda Transversal da Igualdade Racial. Então, assim, são medidas de impacto regulatório para o setor privado, inclusive, medidas institucionais de implantação de análise ex ante de impacto racial na formulação de todas as políticas públicas. Então isso às vezes não existe. De uma atuação pública, a gente não consegue medir qual foi o impacto para promover a igualdade racial daquela atividade. E medidas programáticas para combates de problemas crônicos de elevada gravidade, como o homicídio de jovens negros na periferia das metrópoles. Dito isso, gente, eu venho aqui um pouco na contramão, com o devido respeito, tá, Senador Paim? Assim, eu conversei com esses colegas, com o devido respeito, sabe? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Aqui você fique bem à vontade, porque é uma alegria nós a estarmos ouvindo aqui também. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Ah que bom! Olha, gente, isso aí é a prova material de que não existe "brifagem" aqui sobre o que a gente vai falar, em especial nas oportunidades que eu já tive de participar com o Senador Paim. Os aspectos apontados, em especial o caráter sistêmico, mostram o quê? Que nenhum fundo teria capacidade, isoladamente, de alterar com eficácia o problema estrutural da igualdade racial. Medidas mais efetivas apontam o quê? O que seria mais efetivo? Foi aquilo que eu falei: implantar critério de raça na formulação e execução do Orçamento público como um todo - como um todo. É o que a gente tentou fazer um pouco, mas ainda está caminhando para isso no PPA 2024-2027. |
| R | Agora, Senador Paim, eu queria dizer que estou, assim, vamos dizer, contraindicando o fundo para resolver a questão estrutural... Não estou nem entrando no quesito orçamentário do fundo, que é outra coisa, com o teto de gastos envolvido. Não estou nem entrando nesse mérito, nessa questão orçamentária. No mérito mesmo, eu acho que ele não resolve. Mas eu vou deixar aqui, Senador, já vou te adiantar - quem me acompanhar até o final vai saber - dois projetos de lei que vão resolver isso daí de uma maneira assertiva e mais rápida, tá? É a gente usar fundos já existentes. Então, gente, olha só, recursos orçamentários, assim, é o que eu falei no início, são necessários para financiar essas medidas transversais, ou seja, que permeiam todos os ministérios, não só o da Igualdade Racial. O colega o Luciano deve saber bem do que estou falando: que você tem que articular com todos os ministérios para conseguir promover a igualdade racial no país como um todo. Então, assim, olha, eu dei aqui vários exemplos de setores: conscientização de sociedade, realização de pesquisas - isso foi falado aqui também nas outras falas -, coleta de dados, elaboração de metodologias. É porque você vai conhecer a iniciativa da atividade pública, vamos dizer, por dentro. Então, assim, poxa, como essa ação atua com igualdade racial, promovendo igualdade racial, melhorando a condição de mulheres, de crianças e adolescentes, de idosos... (Soa a campainha.) A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Ih, Senador.... (Intervenção fora do microfone.) A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Tá bom. Então, gente, olha só.. Eu queria concluir esse eslaide dizendo que a maior parte dessas ações... (Intervenção fora do microfone.) A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Não, é pouquinho, é curto. ... diz respeito a financiar uma remodelação das administrações públicas - é aquilo que eu falei - com ações para dentro, criar indicadores que se consiga pontuar que tipo de público está sendo alcançado dentro daquela ação; e remodeladas todas as políticas públicas organicamente, elas seriam portadoras de recursos para atuar sobre o racismo instalado. Então, gente, eu não poderia deixar, no âmbito do orçamento público, de falar dessa adoção inédita da Agenda Transversal da Igualdade Racial. Eu vou pular ali o que é, porque eu acho que a maioria dos ouvintes aqui sabe bem o que aconteceu durante a tramitação do PPA 2024-2027. E as principais características e objetivos foram esses: transversalidade, monitoramento e avaliação - isso é importantíssimo, porque que significa criar indicadores, como eu mencionei, de ações por dentro -; transparência; presença em todos os níveis do PPA, do estratégico ao operacional, envolvendo mais de 20 órgãos do Governo Federal e com orçamento dedicado. Vamos lá. É porque demora um pouquinho a passar. Aqui, gente, é só para mostrar que essa agenda do PPA repercutiu um pouco já na própria elaboração do... |
| R | Desculpe. Ai, meu Deus! Pronto, aí. Então, a gente tem aí só uma perspectiva, no Instagram, do orçamento 2025: a igualdade racial, podendo ser um pouco medida, e também sobre a metodologia de elaboração do PLOA, ali falando que a LDO pediu que fosse enviado um resumo metodológico dessas agendas transversais, entre elas a da Igualdade Racial. É interessante ver que todas... A da Igualdade Racial é importante a esse ponto, porque ela permeia todas as outras agendas transversais. Para você ver, vamos dizer, ela é metamente transversal, Senador Paim. Ela transita por crianças e adolescentes, por mulheres, por povos indígenas e, quiçá, meio ambiente, pela população que lá vive. Pronto. Então, aqui uma outra questão que eu deixo. E nessa daqui, a gente pode aproveitar a dica do colega Humberto Adebe, da OAB do Rio de Janeiro, sobre a criação de uma subcomissão temática. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Humberto Adami. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Hã? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Adami. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Adami, né? Então, da OAB lá do Rio de Janeiro, que falou sobre a criação de uma subcomissão. E eu queria aproveitar essa oportunidade e dar mais uma sugestão, talvez, para ser até o primeiro trabalho dessa subcomissão, que seria o quê? O que a gente quer da promoção da igualdade racial? Uma política de Estado ou uma política de governo? O que nós queremos? O PPA 2024-2027, gente, é uma política de governo. O que a gente quer dizer com política de governo? É uma política do Governo Federal de plantão lá no Planalto. Se a gente passar isso para uma coisa maior, para uma política de Estado, essa garantia, essa política, vai estar blindada do governo que estiver de plantão no Planalto. Daí a importância de a gente construir, Senador, um normativo permanente, institucionalizar essa perspectiva do PPA, que foi muito bem discutida; aproveitá-la - para não cair no esquecimento, porque ainda está bem recente - para criar um normativo permanente que nem sequer demande recurso orçamentário para fazê-lo. É simples assim, não demanda recurso orçamentário para fazer esse trabalho, tá? Isso daí é uma iniciativa muito interessante e muito importante, porque a gente vai sair de governo para ir para Estado. Já passei aqui. Pronto. Então, aqui eu vou passar para sugestões de medidas de caráter sistêmico. Aquela de que eu falei, de normatizar essa agenda transversal da igualdade racial num normativo permanente, é a primeira sugestão. E eu falei que um fundo com orçamento específico vai estar muito prejudicado na atuação nessa área. |
| R | Eu posso falar, sim... Vocês podem conversar com outras pessoas, com outras pessoas técnicas de orçamento, e elas, eu acho, vão concordar comigo, porque, para eu chegar aqui e concluir por isso, eu não concluí sozinha, foi com colegas. Então eu propus aqui - e queria presenteá-lo com isto, Senador - dois projetos de lei que o senhor pode apresentar, com essas sugestões, para ser objeto de discussão pelos pares, que vão já dar um fundo para a promoção da igualdade racial, utilizando o arcabouço de fundos já criados, que tem gestão, entre outros, do BNDES, e assim vai ser mais efetivo, mais rápido. Quais seriam esses fundos? Eu dei aqui... Qual é a importância? Qual foi a premissa que eu peguei? Alinhamento sistêmico do orçamento - veja bem, sistêmico do orçamento - à perspectiva da igualdade racial, inclusão desse critério na aplicação dos recursos de fundos já existentes e que já financiam políticas públicas. Então eu dei dois exemplos, podem ter outros, podem existir outros fundos em que a gente pode fazer essa mesma adequação. E aí eu alteraria o caput do art. 47, acrescentando os termos "orientado precipuamente à promoção da igualdade racial". Lendo rapidamente: Art. 47. É criado o Fundo Social [...], de natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência da República, com a finalidade de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, orientado precipuamente à promoção da igualdade racial, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento, e: I - da educação; II - da cultura; III - do esporte; Ou seja, isso daqui é o alinhamento sistêmico. E olhem o §1º desse artigo, que a gente não está alterando, já está lá na lei: "§1º Os programas e projetos de que trata o caput observarão o plano plurianual [...], a lei de diretrizes orçamentárias [...] e as respectivas dotações consignadas na [...] LOA". Então, assim, já está vinculado ao que este Congresso e a Presidência da República estipularem durante a elaboração e tramitação do orçamento público, das peças orçamentárias. Uma outra sugestão, o exemplo dois aí, é um fundo recém-criado que ainda nem está em funcionamento. Eu acho que o colega que está no BNDES depois poderia até falar sobre ele também. Ele ainda não está implementado, eu não vi nada de implementação nele, que é o Fundo de Investimento em Infraestrutura Social (FIIS). Então, no art. 4º, §4º, a gente alteraria também a aplicação dos recursos do FIIS, que poderão ser destinados às seguintes atividades que priorizarão a redução da desigualdade racial... Veja, Senador Paim, é aquilo que a gente falou, a desigualdade racial é um tema metamente transversal, permeia todas as outras agendas transversais. Então, assim, não tem problema estar aí, é muito defensável, é muito justo, e a gente não cria mais um fundo, que pode ser, como uma colega falou, acho que foi a Rita, um elefante branco. O pessoal vai ficar usando o fundo... (Soa a campainha.) |
| R | A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - ... para dizer: "Ah, tem fundo para esse tema. Não venha pegar dinheiro aqui, não". Coisas assim, entendeu? Então a gente estuda, usa uma estrutura já existente. Estou acabando aqui, tá? Olhe só, essas sugestões apresentadas, se concretizadas, garantirão que todas as áreas de aplicação daqueles fundos estarão a serviço do combate às desigualdades raciais e não serão apenas ações pontuais de um órgão ou outro. É isso que chamamos de alinhamento sistêmico. A parte de monitoramento e controle é muito importante. Então, é importante que essa eventual normatização permanente, conforme foi sugerida, estabeleça critérios claros de monitoramento e controle, inclusive controles sociais. A gente teve um cuidado no PLDO 2026, já teve uma determinação de que o PLOA 2026 venha acompanhado de resumo das agendas transversais e setoriais. Mais o quê? Ah, tá, aqui só rapidamente falando também que a gente tem que se preocupar com a execução das ações que são um ponto de destaque. Existem problemas graves de execução dos recursos já alocados na agenda de igualdade racial. E eu trouxe uns dados rápidos que se referem a quatro açõezinhas orçamentárias só, né? Essas ações, vamos dizer, são carimbadas com promoção de igualdade racial, superação de racismo e enfrentamento do racismo, tá? O que a gente vê aqui no gráfico do nosso Siga Brasil? É que, em 2024, menos de 50% do que foi autorizado foi executado e, em 2025, a gente está no fim do ano e ainda não foram executados nem 50%. O que a gente pode concluir com isso? Além da modicidade dos valores alocados, a execução desses recursos foi inferior a 50% no exercício de 2024 e continua abaixo em 2025, ou seja, há questões de governança, desenho da política e da articulação federativa a serem tratadas e que não serão resolvidas com a criação de fundo específico. Com todo o respeito, tá, Senador? Sempre, por favor. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Imagine. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Acho que eu concluí. Aqui eu botei só o arcabouço legal vigente. Foi falado aqui sobre o estatuto vigente. Com isso, acabo aqui a minha fala. Agradeço a oportunidade, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Meus cumprimentos à Dra. Helena Assaf Bastos, Consultora de Orçamento do Senado Federal, que, enquanto aqui nós íamos desenvolvendo com nossos convidados esta excelente audiência pública, ficou todo o tempo no computador, ouvindo e construindo, e me propôs aqui a apresentação de dois projetos. Eu acho que os projetos vão na linha daquilo que a gente pensa, que é a questão transversal de todos os ministérios, mas claro que é preciso uma construção coletiva. Como o Adami propôs e nós já tínhamos discutido na equipe a possibilidade de criar uma Subcomissão relacionada à questão do combate aos preconceitos, ao racismo, ou seja, uma Comissão da igualdade racial, eu acho que analisar os dois projetos seria a primeira missão desta Comissão. |
| R | Eu chegaria a dizer, num olhar rápido aqui, que uma coisa não inviabiliza a outra, porque uma coisa é uma emenda constitucional, que é duradoura, permanente - entra Governo, sai Governo, eles terão dificuldade para alterar -; outra coisa é projeto de lei. Se os projetos de lei ajudarem, claro que terá todo o nosso apoio e até a nossa assinatura no encaminhamento. Projeto de lei é muito mais fácil de aprovar, basta a metade mais um do quórum em Plenário, e emenda constitucional aí é muito mais complicado, porque são dois terços. Então, nós ficamos com as sugestões, mas vamos falar com a Presidenta da Comissão aqui de criar aquele grupo. Seria uma Subcomissão da questão do racismo e o preconceito. E seriam dois projetos com que começaríamos ainda este ano a dialogar. O.k.? Alguma discordância da mesa aqui? (Pausa.) Dialogar sempre é bom, isso não trará problema nenhum. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Isso. Então, vamos por aqui. Agora, nós vamos para outra etapa, mas a assessoria, muito esperta aí no Plenário: "Senador, não se esquece de lembrar a nossa atividade segunda-feira". Eu tenho muito que ir ao Sul, mas vou viajar segunda à noite devido a esse evento. Segunda-feira, sessão especial em celebração do dia 20 de novembro, Dia de Zumbi e da Consciência Negra. É dia também que virou feriado nacional, num projeto construído aqui no Senado. Teve a participação minha como Relator do projeto, em que trabalhamos muito, mas conseguimos aprovar o feriado nacional em 20 de novembro, em homenagem a Zumbi e à consciência negra; lá na Câmara, da Reginete Bispo. E aqui, com muita conversa, e muito caminhar, e muito diálogo, e muita sabedoria, nós conseguimos que o Randolfe fosse o proponente. Ele é Líder do Governo e fez um trabalho belíssimo também. Então, o Randolfe ficou como autor, eu fiquei como Relator e, lá na Câmara dos Deputados, foi a Reginete Bispo. Hoje é lei. É muito semelhante àquilo que foi aprovado nos Estados Unidos: o feriado nacional de Martin Luther King. São poucos países os que têm heróis consagrados em um dia nacional. Foi uma luta que nós viemos trabalhando desde a Assembleia Nacional Constituinte. Eu lembro-me de uma fala da Bené; para defender o projeto lá, ela disse: "Essa luta vem de outros tempos". Nós viemos brigando desde a Assembleia Nacional Constituinte, não conseguimos. Passaram-se uns 40 anos, e agora nós conseguimos, então, aprovar, e o Presidente Lula sancionou. Eu tenho que fazer essa referência, porque eu falo aqui que aprovei, como autor, ou Relator, mais de 20 projetos. E alguém poderia me perguntar... Ninguém me pergunta, mas eu digo: "Mas por que tu aprovaste só depois que o Lula entrou?". Porque eu tinha um Presidente comprometido com essas lutas, e ele incentivou, inclusive, e colaborou muito. Então, eu tenho que dar esse reconhecimento. Se não fosse um Presidente comprometido, não teria acontecido a aprovação de tantas políticas afirmativas. Então, todos estão convidados. Vai ser - creio eu - segunda-feira, um grande evento. Está prevista a participação de em torno de 300 pessoas. Até o cálculo preliminar, eu sempre sou um otimista. O pessimista vai falar em meia dúzia; eu sempre vou falar num número que eu acho que é possível nós termos no Plenário. O.k.? |
| R | Bom, agora vamos para uma segunda etapa do nosso trabalho. Neste momento, eu vou pedir para cada um dos painelistas, e me disseram que está ainda na tela o Adami. Ele poderá ser um dos primeiros a responder, se assim ele entender, para a gente liberá-lo, já que ele ficou lá esperando este momento também. São perguntas que vêm pela e-Cidadania. E a gente sempre, antes de encerrar, passa aos convidados, para que escolham as perguntas que querem responder, e terão toda a liberdade, num tempo aí em que cada um poderá levar até dez minutos, se assim entender, ou cinco, enfim, escolhendo a pergunta. Então, vamos lá: e-Cidadania perguntas. Edson, de São Paulo: "Os recursos destinados a este fundo estarão incluídos no arcabouço fiscal? Qual o impacto da criação do mesmo no orçamento público?". Bianca, de Santa Catarina: "[...] quais mecanismos de avaliação de impacto [...] [devem ser] usados para medir a efetividade das ações apoiadas pelo fundo?". Sofia, de São Paulo: "Como garantir que os recursos do fundo sejam aplicados de forma transparente, equitativa e com impacto real nas comunidades beneficiadas?". Luan, de São Paulo: "Esse fundo é de extrema importância para corrigir as desigualdades sociais". Juliana, da Bahia: "Diante da falta deliberada de prioridade que esvazia o fundo, como o Senado fará dele política pública efetiva, conforme a Constituição?". Antonino, de Goiás: "Como o fundo [...] pode promover inclusão sem reforçar divisões raciais, garantindo igualdade real para todos como prevê a [...] [Constituição]?". Há sempre um ponto de interrogação no final. Gustavo, da Bahia: "Como o fundo garantirá ações contínuas e transformadoras, e não apenas medidas pontuais, na promoção da igualdade racial?". Última folhinha aqui. Rubem, do Rio Grande do Sul: "Não existe igualdade de raças, cada raça é única e é bom que seja assim. Sou a favor da igualdade de direitos, isso é justiça social". Esta não é uma pergunta, é uma afirmação, esta última aqui. Thales, do Ceará: "As políticas de inclusão devem ser voltadas para a camada mais pobre [...], independentemente da cor da pele. Sem aumento de impostos". Carlos, da Bahia: "[...] [desigualdade] racial é um problemão em nosso país [...] [é preciso] realmente discutir e [...] [criar] uma lei para que todos sejam [...] [irmãos] de verdade de sangue". Luiz, do Rio de Janeiro: "A promoção deve se dar por [...] [critério] socioeconômico, pois onde moro sou mais bem-sucedido do que [...] [as pessoas] [...] de pele clara que são [...] [brancas]". Tudo eu leio na íntegra, viu? Não é questão de gostar ou não. Quem manda para mim é o e-Cidadania. |
| R | Então, eu pergunto: quem gostaria de começar a responder? Se vocês me permitirem, o Humberto Adami, que está à distância. Aí vocês escolhem as perguntas. Pergunto se o Humberto Adami está na tela? (Pausa.) Está? Então, Humberto, se você quiser escolher alguma das perguntas para responder, o tempo é seu, sendo agora, claro, de cinco a dez minutos. O SR. HUMBERTO ADAMI (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador Paulo Paim, está me ouvindo? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Perfeitamente. O SR. HUMBERTO ADAMI (Por videoconferência.) - Está bom. Então quero muito agradecer mais uma oportunidade de estar presente aqui, junto ao trabalho do seu mandato, que considero um dos mais longevos do Parlamento brasileiro e, possivelmente, o do negro Parlamentar mais longevo na história do Senado da República - talvez Nelson Carneiro tenha tido cinco mandatos aí -, mas você tem o tempo de Deputado também. Então, é sempre um prazer atender à sua convocação, e eu quero dizer, de tudo que ouvi e vi aqui, a importância que são as propostas. Tem um requerimento meu, por escrito, sobre essa Subcomissão da memória e reparação da escravidão, que deve ter uns dois ou três anos aí. A assessoria poderá levantar essa proposta que eu refiz hoje, ela já foi feita por escrito. Portanto, reitero-a aqui e vi que foi muitas vezes citadas, não só pelo meu querido amigo e colega de tribuna do STF, Gabriel Sampaio, ex-Ministro da Justiça aqui - é sempre bom lembrar - e também gostei muito de algumas propostas, as da Rita já mencionei, mas as da Sra. Helena Assaf. E eu quero dizer que há um histórico sempre, ou projetos de lei, acho que o Senador vai achar qual é o melhor caminho parlamentar. Eu acho que a gente deve aproveitar as duas coisas e ver qual que é mais fácil e qual que é mais eficiente. Porque eu lembro do Estatuto da Igualdade Racial, que foi aprovado lá, quando eu era Ouvidor Nacional da Seppir - o Ministro Edson Santos, depois o Ministro Eloi Ferreira e depois a Ministra, falecida, Luiza Bairros -, então nós aprovamos o Estatuto da Igualdade Racial como projeto de lei autorizativo e ficamos a ver navios, não tivemos eficiência nenhuma. Era interessante dizer o seguinte: qual das matérias que estão colocadas no Estatuto da Igualdade Racial, autorizativo, que foi que eficientemente se conseguiu? Por outro lado, é importante dizer também que a eficiência financeira é muito importante, porque você tem toda uma mobilização popular para essa construção e depois se resulta, especialmente nas contingências, e o que foi falado aí da transversalidade, resulta em não chegar o dinheiro a quem precisa. |
| R | Por isso é que eu me referi ao pedido do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental e da Fenaq (Federação Nacional das Associações Quilombolas), que resultou nessa auditoria compartilhada e auditoria operacional do Tribunal de Contas da União que examinou o Programa Brasil Quilombola, que estava transversalmente em 11 ministérios. Um que não só não conseguiu examinar, e por uma das coisas que foi dita aí, não conseguiu sequer identificar quais eram os três pontos. Eu vou encaminhar para a assessoria aí, via Maria Isabel, essa auditoria, mas recomendo que procurem no TCU, que era ausência de auditabilidade, de transparência e de publicidade. Às vezes o dinheiro estava sendo picado, mas não usava lá a rubrica e não se conseguia identificar onde foi parar a verba pública. Então penso que seja de extrema importância, ainda mais para todos os pretos antigos, para não chamar de pretos velhos, sabem que a gente pode errar menos, ou não pode errar. Gabriel vai falar, Luciano pode... e o Senador Paulo Paim. Para o afrodescendente - o preto ou pardo, na forma do IBGE - é muito menos possível errar, então qualquer erro é sempre muito mais cobrado. Então, a execução do orçamento público é fundamental para que não nos acusem de qualquer malversação. Eu penso que, se pudermos realmente fazer essa Subcomissão, seria muito importante aglutinar todo esse conhecimento. Eu falei aqui que foram quinhentas e poucas propostas no Banco do Brasil, outras tantas na Caixa Econômica, e outras tantas empresas, que são empresas centenárias, empresas bicentenárias, como está lá no site do Banco do Brasil, que existe há 200 anos, e que aqueles que contribuem e contribuíram para o comércio da escravidão, devem ser chamados a vir reparar as repercussões da escravidão negra no Brasil. Eu disse que tinha que sair, estou aqui aguardando o chamado lá de Belo Horizonte. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Esta Comissão se sente prestigiada. V. Sa. suspendeu parte da sua agenda para estar com a gente. O SR. HUMBERTO ADAMI (Por videoconferência.) - Estou aguardando lá Belo Horizonte me chamar aqui, mas já fiquei para 14h. Então, acompanhei com muito interesse, muito prazer, e quero agradecer muito a oportunidade de estar aqui e ouvir tantas pessoas tão seletas, colegas já conhecidos e não conhecidos, que foram muito importantes, como sempre são as audiências públicas convocadas pelo Senador Paulo Paim, a quem eu rendo sempre as minhas homenagens aqui. Um abraço e muito obrigado. Estou à disposição aqui e aguardando BH me chamar. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Um abraço, Dr. Humberto Adami, pela sua fala e por ter acompanhado, desde as 9h - agora é meio-dia -, este debate, e as suas sugestões serão olhadas com muito carinho. Embora a assessoria tivesse uma explicação a dar por que não foi ainda criada a Subcomissão, eu prefiro não dar explicação, e, sim, dizer que eu vou trabalhar para que a gente, junto, negociando e conversando com a Presidenta desta Comissão, tenha a possibilidade de instalarmos, ainda este ano, a Subcomissão. Porque o que a minha assessoria disse - eu vou ter que dizer agora, porque eu vi o olhar de tristeza ali da Isabel porque eu não disse a justificativa dela - é que foi criada a frente... |
| R | (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Pega ali o microfone, só para ele ouvir lá. Acendeu a luz verde? A SRA. MARIA ISABEL DA SILVA SALES - Acendeu. No período em que foi proposta pelo Dr. Humberto Adami a criação da Subcomissão da reparação na CDH, o Senador achou mais plausível que fosse feita uma grande mobilização e que a gente constituísse um órgão no Congresso Nacional. Então, no período, não criamos a Subcomissão na CDH, e sim criamos, conquistamos - não é, Senador? Foi um grande desafio -, a Frente Parlamentar Mista Antirracismo, diante de uma mobilização nacional dos movimentos negros do Brasil. A gente brinca que foi do Oiapoque ao Chuí, com as mais variadas siglas partidárias, porque naquele período o Senador, junto com todos os partidos e tudo, com o apoio do Presidente do Senado da época, o Senador Pacheco, a gente conseguiu aprovar mais de 16 matérias raciais. Então, por isso, naquele momento a gente não criou, mas agora o Senador irá criar, com o apoio da Senadora Damares. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Veja bem o que foi dito. É claro que o mérito de tantas propostas que nós aprovamos aqui foi um mérito também que eu quero dar para o Presidente Lula. Não tem como dizer... Por que eu não aprovei em outros tempos? Aprovei mais de 20 projetos porque teve o apoio direto do Presidente Lula e do time de ministros. Todos nós sabemos que os ministros vinham para cá com suas assessorias para ajudar na implantação. É claro que os órgãos que a gente fomenta e consegue também instalar aqui dentro ajudam, mas, se não houver o apoio forte de um Governo comprometido, não avança, não avança. Então, eu fico com a explicação que você deu, ponto, mas eu queria também dizer que a ideia que o nosso Dr. Humberto deu é muito concreta, porque é específica. Se nós tivermos uma Subcomissão aqui que vai tratar direto do assunto, eu tenho certeza de que pode contribuir muito para o objetivo que alguém me disse um dia e eu vou repetir aqui agora. Para fazer políticas decentes públicas, você precisa de três coisas: dinheiro, dinheiro e dinheiro. Se não tiver dinheiro, não sai, né? A gente aprova e daí? A SRA. HELENA ASSAF BASTOS (Fora do microfone.) - Vira poesia. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Você usou o termo aqui "poesia". Então, se não tiver estrutura para avançar, não avança. Por isso esse debate do fundo é tão rico na sua essência, que surgiram até algumas propostas alternativas que poderão, como foi dito aqui por nós todos, somar para que realmente o dinheiro chegue na ponta. Permita-me que eu diga isto, eu sou muito favorável ao orçamento participativo. Sabe como é que eu adoto o meu orçamento? Você sabe que eu tenho direito, vamos aproveitar porque você é da área, né? É em torno de quase R$100 milhões para cada Parlamentar, não é só Senador, não. Sabe como é que eu faço? Eu pego os 497 municípios do Rio Grande e atendo a todos. Se não dá para dar R$1 milhão, eu dou R$300 mil, dou R$200 mil, mas atendo a todos. Teve uma oportunidade em que eu mandei R$500 mil para cada comunidade quilombola - da emenda individual. Chegou lá? Metade não chegou. Metade não chegou. Não é que o Governo não liberou; liberou e foi. Aí o que foi alegado é que não havia comunidade quilombola. Eu tinha que ligar às vezes para alguns Prefeitos, não todos, e dizer: "Olha, tem uma comunidade quilombola, sim, aí, a Fundação Palmares me deu todos os dados". "Ah, bom! Agora tem, então eu vou destinar uma máquina, um trator, sei lá o quê..." Tem comunidades quilombolas neste Brasil que não têm nem banheiro, para se ter uma ideia. Não tem banheiro. Eu digo: por que não se aplica na qualidade de vida das pessoas? |
| R | Enfim, esse é o mundo real, mas vocês é que têm que falar e responder, e não eu, então eu vou passar a palavra para vocês aí. Bom, agora, já que o Humberto falou... O que fica assegurado aqui, no encaminhamento, Humberto, é que nós vamos conversar muito com a Damares para ver se criamos essa Subcomissão. A Damares tem colaborado muito. Eu não posso me queixar, viu? Diferenças ideológicas são naturais, mas ela tem colaborado muito aqui dentro das construções que vão na linha do social. Vamos lá. Quem fala primeiro? A SRA. HELENA ASSAF BASTOS (Fora do microfone.) - O Gabriel. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Gabriel, você foi apontado. Sabe como é que é essa história? Quando o cara é muito bom orador, ele vai logo, não tem problema, e todo mundo aponta assim. Eu estava num debate da Fundação Lemann - não sei se você estava lá -; estávamos eu e o esposo da Tabata - uma grande e querida Deputada -, que é o Prefeito de Recife. O Pedro, né? O SR. GABRIEL SAMPAIO (Fora do microfone.) - João Campos. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - João Campos. E daí saiu uma pergunta ligada à segurança. Segurança é uma coisa complicada, né? Eu olhei para a Tabata, ela olhou para mim e ela fez assim. Vai é para o João Campos! Ela apontou para mim e você apontou para ele, mas ela fez assim só para me dar um susto, porque é um tema delicado; e ele conhece, porque ele faz um exercício. Ela apontou para mim, deu um sorriso e fez assim com os dois dedos: "Vai para você", e aí o João Campos falou primeiro e falou muito bem como ele atuou nessa área, numa visão humanitária, lá na cidade dele. E ele é muito bom, muito preparado. Eu quero dar esse elogio aos dois aqui, que me convidaram, depois do evento da fundação, para um outro evento, em que os dois eram os grandes convidados, e me colocaram como terceiro. Eu gostei muito de participar lá com eles. Bom, Gabriel, é contigo. Tem dez minutos, porque são cinco mais cinco. O SR. GABRIEL SAMPAIO (Para expor.) - Muito obrigado, mais uma vez, Senador. Quero dizer que foi uma honra participar deste debate, dialogar também aqui com as perguntas. Cumprimento todo o público que nos ouviu atentamente e que nos encaminhou essas questões. Eu até aproveito para fechar um dos raciocínios da importância deste debate desse fundo. Ele completa aquela obra que mencionei, a obra que deveria ter sido cumprida no dia 13 de maio de 1888. Ela teve um capítulo fundamental - de novo, também com V. Exa. participando, nessa legislatura -, que foi a aprovação, com caráter de emenda constitucional, da Convenção Interamericana contra o Racismo, uma convenção que é aprovada no âmbito do Sistema Interamericano em 2013 e que se torna obra constitucional em 2022. Esse capítulo, Senador, é talvez um dos mais importantes pós-Constituição de 1988. Tudo aquilo que V. Exa. e toda a bancada e todo o movimento negro lutaram naquele momento para garantir as políticas afirmativas... Ali em 2022, quando a convenção se torna norma constitucional, uma etapa importante da nossa história constitucional é cumprida. Luciano, meu querido irmão, também trouxe referência a esse fato. E aí ficou o tema da reparação e esse agora discutido aqui. |
| R | Eu entendo que há complementariedade de pontos trazidos pela Rita, dos pontos trazidos pela Helena. Em que sentido? No sentido de que, por tudo o que a gente tem conversado, o fenômeno é estrutural e o Estado promoveu, ao longo da história, desigualdades estruturais. E nós estamos falando da história desde 1500! Então, nós não vamos ter a pretensão de resolver os problemas num passe de mágica. Nem que todo o Orçamento público deste ano fosse voltado para resolver esse problema, ele iria resolver tão automaticamente. Então, eu estudo muito os dados da violência, Senador, e aí pegando desde o recorte em que os Atlas da Violência são produzidos - então estamos falando de 2010 até hoje. Os números são muito resilientes. Nós estamos falando de políticas de investimento também em políticas públicas, especialmente sob essa ótica transversal, tendentes a enfrentar o fenômeno. Nós já fizemos muito desse balanço. O senhor vai se lembrar que também tive uma experiência longa no Ministério da Justiça. Já naquele período, já em meados de 2010, nós tínhamos a conclusão, baseada nos dados científicos, de que as políticas universais, por si sós, não resolvem os problemas das desigualdades raciais no fenômeno da violência. Não resolvem. Então, por mais que tenhamos tido, experimentado o avanço de políticas sociais muito eficientes do ponto de vista da violência institucional, os dados são resilientes. Estou pegando esse recorte porque ele é meramente científico e acadêmico. Na história a gente vai chegar muito mais longe com esses dados, mas nesse recorte - dados do SUS, dados do Sistema Nacional de Segurança Pública, dados do Sistema Penitenciário -, eles vão ser muito resilientes: dois terços da população prisional é formada por pessoas negras, majoritariamente pobres; três quartos das mortes violentas, para mais, são praticadas contra pessoas negras. Os números da violência institucional e da violência policial, das mortes provocadas pela polícia, batem 180% contra pessoas negras, por mais que tenha havido investimentos importantes nas políticas universais. (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL SAMPAIO - Então, está mais do que provado, pelo histórico de promoção da desigualdade estrutural na forma legislativa e na forma política, que nós precisamos de esforços maiores em políticas focalizadas. Se pegar na violência, o retrato das mortes violentas é enorme. O Brasil chegou a bater mais de 60 mil homicídios, com esse critério que eu falei de mais de 75% contra pessoas negras. Agora está ali na casa dos quarenta e poucos mil. Se nós pegarmos esses dados, eles vão estar concentrados num grupo específico de municípios. Se pegarmos ali os cem maiores municípios, eles vão concentrar mais de 50% dessas mortes. E se nós pegarmos os municípios, vão ter os territórios que são os mais vulnerabilizados. Então, as políticas públicas focalizadas tendem a dar maior resultado e podem combinar políticas públicas de acesso à educação no território vulnerabilizado, onde há maior situação de violência, maior mortalidade. Por que a gente não faz a melhor universidade do Rio de Janeiro, do Estado de São Paulo, do Rio Grande do Sul neste território, para o acesso das pessoas que estão vulnerabilizadas? Vai precisar de dinheiro. Então, é desse tamanho o desafio. |
| R | É fundamental trabalhar com todos os fundos, como Helena traz aqui de proposta, para que essa componente, para que a componente da desigualdade racial seja parte de qualquer investimento público, e é uma tarefa direcionada para o fundo racial, porque ele vai implementar e complementar as políticas. Eu sou defensor do debate e do reforço a esses critérios e, com isso, dialogo com alguns questionamentos que Rubem, do Rio Grande do Sul, faz e que Luiz, do Rio de Janeiro, também acaba fazendo. Como eu havia dito, no Estado democrático de direito, sob a égide dos direitos e das garantias fundamentais, os direitos humanos não dividem a sociedade, pelo contrário, eles promovem a unidade da sociedade em torno da dignidade das pessoas humanas. Se há algo que nos unifica enquanto seres humanos, enquanto uma construção civilizatória, é a dignidade da pessoa humana. Portanto, a prevalência e a defesa do discurso dos direitos humanos são fundamentais. E nós temos a tarefa de promover a igualdade racial. Não fomos nós que criamos o racismo! Aqui, a menção da história da discussão de raças: não fomos nós pessoas negras que construímos, não foram os povos indígenas que construíram. Foi criada toda uma ideologia para fundamentar uma série de atrocidades ao longo da história. Essas atrocidades machucaram muito a nossa história enquanto civilização, deixaram muitos corpos pelo caminho. E, para nós revertermos, nós vamos ter que fazer um esforço. Temos que parar de ficar discutindo ou entrando em debates que nos dividem, que nos matam, por questões que não são essenciais à nossa história enquanto sociedade, para construir os debates que podem realmente promover uma nação capaz de enfrentar os grandes desafios da humanidade. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Esse é o Gabriel Sampaio, que sempre nos dá uma aula de conhecimento. Ele fala da macropolítica, mas, se não tiver um investimento focado, nós vamos continuar só na teoria e isso não nos interessa. A teoria, eu vou continuar a vida toda teorizando e acho que é bom, acho que é bom, mas nós temos que ter... Por isso é que sou favorável à democracia, a ter governos comprometidos com investimentos no lugar certo, que é nas políticas humanitárias. Por isso eu tenho essa preocupação e eu acho que é uma unanimidade entre nós. Gosto de dizer que sou um homem dos direitos humanos, não adianta, sou e sou, desde piá aprendi a importância das políticas humanitárias. Obrigado, Gabriel, mais uma vez. O Luciano Goes. A Dra. Helena quer ficar por último, ela já me cutucou aqui e eu disse: "Pode deixar que você vai ficar por último". Luciano Goes, por favor, servidor representante do Ministério da Igualdade. (Intervenção fora do microfone.) (Risos.) Essa defesa é boa, hein? "Você é meu colega, eu tenho que trabalhar aqui." Vai lá, meu líder Luciano. O SR. LUCIANO GOES (Para expor.) - Eu vou fazer um apanhado aqui das perguntas. Quero agradecer a participação de todas as pessoas que nos acompanharam e contribuíram com essa discussão e que vão possibilitar que nós avancemos nessas propostas tão importantes e tão fundamentais que estão relacionadas à PEC, ao Fundo de Promoção da Igualdade Racial. Por que falar sobre reparação, sobre enfrentamento das diversas, das múltiplas manifestações do racismo? Todas elas atravessam, todas elas são fundamentadas nas violências e violações de direitos humanos. Então, não se faz, literalmente, uma política de cuidado de pessoas sem pensarmos minimamente, mesmo que seja minimamente, nos direitos humanos, só que esses direitos humanos também têm que ser atravessados pela racialidade. |
| R | A questão do universalismo que o Gabriel pontuou passa também por essa discussão: pensar em direitos humanos na sua perspectiva conjectural, de 1948, nessa universalização de direitos. Se não forem colocados os pés no chão e nos nossos territórios, não haverá direitos humanos. Continuaremos falando em princípio da igualdade, da liberdade, da fraternidade, seja lá o que for, e nenhuma delas surtirá efeitos, porque não condiz com a nossa realidade, que é uma realidade produzida pela escravização. Quando falamos de Brasil, falamos do maior sistema escravocrata moderno do mundo; mais de 40% das pessoas escravizadas em África foram trazidas para cá. E esse é o histórico, a nossa ficha corrida de violações contra a dignidade humana é aquilo de que temos que dar conta. Essa tarefa é urgente, sempre foi urgente, e é urgente desde sempre. Quando nós pensamos no nosso histórico, enquanto sistema escravocrata, todo mundo lembra o marco final, 1888, mas eu pergunto: quando começa? E a gente vai fazer um apanhado da nossa história e vamos voltar no tempo, 1700, 1600, 1500, e não vamos encontrar o começo. Por quê? Porque isso não está no território brasileiro. O começo da escravização se dá em Portugal, se dá na Constituição de Portugal enquanto o primeiro Estado moderno do mundo, na Península Ibérica ainda. Então, quando Portugal se constitui como um Estado, ele já se constrói como um estado racial. E, nas suas bases, estão as questões raciais e racistas. E aí a gente pode pensar em vários conceitos, o conceito de negro, de índio, de mestiço, de mulato, mulata e de moreno, que aparecem no contexto que institui Portugal. Só lembrando que moreno não é uma concepção, não é a mesma concepção que nós utilizamos no Brasil. Moreno, na Constituição de Portugal, se relaciona aos descendentes dos mouros, que são os povos negros que foram considerados hereges, portanto, inimigos. E, com inimigos a gente não concilia, a gente não conversa, né, Senador? Inimigos se exterminam numa política de inimizade e de também legítima defesa, entre muitas aspas. Então, todos esses conceitos estão na base de Portugal e, quando a gente fala em racismo estrutural, é toda essa estrutura que é trazida para cá. O melhor desenho, eu sempre utilizo até em sala de aula, sobre racismo estrutural para mim continua sendo de Lélia Gonzalez, em que ela fala que racismo, sexismo e também as questões sociais hierarquizadas em Portugal foram trazidas para cá. (Soa a campainha.) O SR. LUCIANO GOES - E aí nós temos de novo a elaboração de outra manifestação do racismo, que é o racismo patriarcal. Opa, já vou me encaminhando. Então, a gente não combate de novo o racismo sem combater o patriarcado, sem combater as violências de gênero que também são estruturantes do nosso país. Essa perspectiva de que a promoção da igualdade racial, o combate às desigualdades raciais estão solidificadas no nosso Estado e que produzem desigualdade não condiz com a realidade. |
| R | Enfim, em nenhum aspecto, as nossas pautas, as nossas políticas, as nossas ações enquanto Ministério da Igualdade Racial - que é resultado deste Governo, deste Estado que se compromete com esse passado, de fazer as contas com o nosso passado - produzem desigualdade. Muito pelo contrário, muito pelo contrário, o nosso objetivo é literalmente reduzir as desigualdades já consolidadas e, para isso, há de se ter enfrentamento, há de se ter nomeação. Por isso, a igualdade, por exemplo, em que a gente se pauta tanto, o princípio da igualdade, juridicamente pensado, não pode ser pensado unicamente como "somos todos iguais". Numa perspectiva de um sistema de Justiça afrodiaspórico, que vai trazer para a gente direitos, princípios ancestrais, essa igualdade vai ser consolidada, ou vai ser constituída por outros princípios, como o princípio da não outrificação, essa construção do outro que está afastado de mim e que muitas vezes é o inimigo; o princípio da diferença, então as diferenças são, sim, reconhecidas, todas as humanidades são reconhecidas como elas são e como elas devem ser. Portanto, não há uma perspectiva de violência, quando a gente confronta o racismo e, claro, isso se faz com o reconhecimento do nosso passado. Por isso, o pedido de perdão e desculpa de Estados é tão importante nesse caminhar. Não foi à toa que o Presidente de Portugal pediu perdão, reconheceu o seu histórico. E, de novo, pedir perdão é muito importante, mas se não tiver políticas efetivas, se não tiver, Senador, se não tiver dinheiro nessas questões de reparação e promoção da igualdade racial, também não passam de meras propostas. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Por isso que nós estamos aqui discutindo o fundo. De um jeito, ou de outro, nós estamos tratando disso. O SR. LUCIANO GOES - Exatamente. Manifestações de boa vontade, né, gente... De boa vontade, enfim, a gente sabe qual é o problema de boas vontades. E, claro, esse pedido de perdão passa por outras instituições: a Igreja Católica. Dois papas pediram perdão aos povos africanos, afrodescendentes e povos indígenas. Então, isso diz muito do nosso histórico e do quanto a gente tem que avançar ainda nas questões de promoção da igualdade racial para desfazer esses nós que acabam nos amarrando nessa perspectiva tão simplória de aumentar desigualdades, como foi colocado nas discussões sobre cotas e ações afirmativas ao longo da nossa história, por décadas, sempre nessa pauta, pensando numa desigualdade racial colocada a partir das ações afirmativas que agora, com a convenção, não estão constitucionalizadas, e elas vão perdurar até quando forem necessárias. Então, todas essas ações, todas essas propostas, toda a discussão em relação ao fundo se projeta exatamente nessa construção de uma democracia verdadeira, participativa, coletiva, que garanta os direitos humanos numa perspectiva muito mais ampla, porque ela tem, sim, que chegar lá na ponta e reconhecer as humanidades. E, para isso, obviamente, ela tem que reconhecer as humanidades que construíram aquela localidade. Não é à toa que os nossos corpos são alvos em vários sentidos, porque os nossos territórios são racializados, foram racializados - e não é à toa que isso se dá. E a gente pensa isso a partir do racismo ambiental também, dentre outras manifestações do racismo. |
| R | Então, essa é a nossa demanda, essa é a nossa urgência e essa é a importância do Fundo de Promoção da Igualdade Racial: diminuir as desigualdades de uma forma constante e sistêmica até que elas não existam mais. Isso faz parte, obviamente, de um futuro muito longínquo. Fica para as futuras gerações, mas esse é o nosso compromisso, essa é a nossa herança: herança de resistência, de luta e de construção de um futuro viável e possível. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Esse foi o Dr. Luciano Goes, que aqui representou o Ministério da Igualdade Racial. Ele é servidor concursado pela política de cotas. O SR. LUCIANO GOES (Fora do microfone.) - Não, sou comissionado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Então, muito bem, Dr. Luciano. Se foi contratado pela Ministra é porque é bom, senão não seria. Por favor, Dra. Helena Assaf Bastos, Consultora de Orçamento do Senado Federal. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS (Para expor.) - Então, Senador Paim, eu vou continuar aqui dando ênfase aos aspectos mais orçamentários dessa questão. Algumas perguntas aqui caminham no sentido do arcabouço fiscal. Então, aos que têm essa dúvida, tudo indica que sim, a eventual aprovação de um fundo vai entrar, sim, no arcabouço fiscal. Todas eles têm entrado, está muito difícil. Até aquelas atividades do PAC atual entram no arcabouço fiscal, por exemplo. Então, assim, tudo está caminhando para compor os cálculos inerentes ao arcabouço fiscal e há uma dificuldade extra, um desafio extra a ser vencido na criação do fundo, garantir que ele tenha uma margem para ser aplicado. Uma outra coisa também que eu queria bater aqui, de acordo com essas perguntas - depois eu vou dizer aqui a quais se referem - é a questão dessa normatização, Senador Paim. Para algumas perguntas aqui a resposta vem com a criação de um normativo permanente. Eu acho, assim, prioritário blindar o tema do Governo de plantão. E isso a gente só vai conseguir transformando a promoção da igualdade racial em política de Estado, saindo do âmbito de política de Governo. Então, a dica maior que eu dou - e vai responder já a várias perguntas aqui - é aproveitar toda essa discussão que já aconteceu, recentemente, com a tramitação do PPA 2024-2027, no âmbito do Ministério e no âmbito do Congresso Nacional, e aproveitar para transformar essa política num normativo permanente criando medidores, metas, objetivos, tudo muito bem definido para caminhar ao longo de uma linha do tempo bem maior. Reforço aqui a orientação no sentido de aproveitar fundos sociais já criados e em funcionamento para priorizar a promoção da desigualdade racial... promover a igualdade racial, no caso. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - De fundos que já existem. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - De fundos que já existem. Já está funcionando, já está implementado, já está lá no arcabouço. Só que a aplicação dos fundos vai priorizar - não sugiro colocar percentual, para não engessar também, e aí vai caber uma fiscalização, por conta de indicadores -, priorizar a promoção da igualdade racial. Discutir isso no âmbito da Comissão e, de repente, manter também essa conversa da PEC, da criação de um fundo específico, que, depois, pode pegar todo um conhecimento, já, do funcionamento dessa promoção dessa política nos outros fundos e trazer isso para dentro de um novo fundo, numa linha do tempo. Trazer isso paulatinamente. Isso daí conversa também com várias questões daqui, como, por exemplo, a da Juliana, da Bahia - é uma solução sistêmica -; a do Antonino, de Goiás, também a gente tem que dar uma solução sistêmica para esse tema; a do Gustavo, da Bahia, também. E sempre procurar soluções estruturais. Criar um fundo por si só, orçamentariamente falando, eu te afirmo, pode perguntar para outros colegas técnicos, vai ser só poesia. Tem que ter soluções estruturais, Senador Paim, como a gente tentou fazer no PPA, como os colegas tentam fazer nos seus âmbitos de atuação. E aproveitar o PPA, criar essa Subcomissão para não desperdiçar esse timing aí que foi intenso. E eu queria aproveitar... Quem sou eu para falar de mérito desse tema? (Risos.) Quem sou eu para falar de mérito desse tema? Mas eu tenho um pouco. Eu não sei se o Senador Paim sabe, eu tenho uma filha que foi aprovada aqui, cresceu aqui nesses corredores, e foi aprovada aqui, nas cotas. E ela... (Manifestação de emoção.) A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Está aqui, pode testemunhar. (Pausa.) Aqui, Senador Paim, sabe quando brincam na escola de escrever mensagem para os colegas? Olha os colegas, aqui, dela, na quarta série primária. (Pausa.) Não, só para conhecimento. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Para conhecimento. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Só para conhecimento. Ele viu aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Pode até tirar uma cópia e deixar aqui. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Isso. É. O que eu estou querendo... Eu estou falando isso, porque, assim, você vê comentários tipo o do Rubem, do Rio Grande do Sul, que diz: "Não existe igualdade de raças, cada raça é única e é bom que seja assim. Sou a favor da igualdade de direitos. Isso é justiça social". Aí eu queria lembrar ao amigo Rubem, a quem eu agradeço a participação e por trazer esse tema à tona, lembrando também dos filhos de diplomatas africanos lá em Ipanema, no Rio de Janeiro, que causou um imbróglio diplomático tremendo para o Brasil, que foram parados por policiais - foram parados por policiais - e açoitados lá. Acompanhou, né, Senador? Talvez tenha até intervindo nessa questão, né? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Fora do microfone.) - Sim. Sim. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - E é isso. Eu espero ter contribuído com o debate. Eu me ponho à disposição de qualquer ajuda que seja necessária no âmbito orçamentário. E é isso. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, pela emoção, inclusive! Eu só não quis ler... A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - Não, não precisa. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Não vale a pena. A SRA. HELENA ASSAF BASTOS - E, se ela souber, ela me mata! (Risos.) Ela me trucida aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Mas veio uma pergunta para mim aqui. Eu vou respondê-la, porque eu respondo a tudo e a todos, né? Mas: "O que tu me dizes dos Pix?", me perguntaram aqui no celular. Eu não uso Pix para emenda parlamentar. Se tiver um cidadão neste país que pegou emenda de Pix deste Senador, eu dou em dobro o dinheiro de volta para ele. Não que eu tenha, mas nem que eu tenha que fazer um empréstimo. (Risos.) Não uso Pix. Não uso Pix. Uso para mim, de forma pessoal. Agora, emenda parlamentar, para chegar na mão de um Prefeito e ele fazer o que bem entenda? Não tem controle? Aí eu sou fã do Dino, firme nessa questão do Pix. E eu apresentei um projeto no passado, de que eu vou falar aqui, que pode ser um sonho. É o chamado Quilombo do Amanhã. Eu o apresentei há mais de 20 anos. O que é o Quilombo do Amanhã no projeto que apresentei? É garantir que, nas comunidades pobres, como você falou, nós tenhamos lá um tipo de centro integrativo para que as pessoas possam estudar, ter acesso ao esporte e ter direito a um ensino técnico, por exemplo. Esse Quilombo do Amanhã surgiu a partir de um movimento no Rio Grande do Sul. Pediram para mim um valor pequeno em emenda. Eu mandei. Eles fizeram... Fizeram chover. Construíram um ginásio de esporte enorme, um campo de futebol enorme, área de lazer, um lugar em que eles pudessem dançar, brincar, enfim. Então, o Quilombo do Amanhã é uma coisa que, se nós pensássemos em ter, efetivamente, junto às comunidades pobres, seria uma forma de nós, na minha avaliação... Pode ser que seja um sonho de não permitir que a nossa juventude fique à mercê do narcotráfico, vire - como é que a gente chama? - aviãozinho - naturalmente numa linha de sobrevivência, de que eu discordo totalmente. Por isso que o Estado é fundamental para dar o devido apoio para esse nosso povo. Mas quero dizer que eu gostei demais aqui de todo o debate, um debate qualificado, num alto nível, em que todos, no meu entendimento, colocaram o seu ponto de vista, apontando, inclusive, para o amanhã - não vou falar de novo de Quilombo do Amanhã, né? Para o amanhã, para a gente não ter uma situação como a em que nos encontramos hoje. E discutir orçamento... Tem que discutir orçamento, né? Não sou só eu quem diz isso. Enquanto nós não botarmos os pobres no orçamento... Por que o orçamento, então, se não é para botar os pobres também no orçamento? E só quero falar uma coisa, porque eu acho que é importante - e isso eu descobri na prática. Quando a gente fala em cota, em políticas afirmativas, todo mundo pensa - todo mundo não, mas a maioria - que é só para negro, índio, quilombola... É principalmente para os pobres, seja um branco também. Eu conto um caso do Rio Grande do Sul. Uma senhora me procurou, loira, de olhos verdes - você que é gaúcho, sabe disso. Loira, de olhos verdes. A menina ganhava um salário mínimo, aposentada por invalidez. Disse: "Senador, o senhor não pode me ajudar"? Eu disse: "Eu não, mas tem as políticas afirmativas". Ela disse: "Como assim políticas afirmativas"? Eu expliquei para ela - não vou detalhar, mas que era isso - que as políticas afirmativas, no caso das cotas, garantem cotas para a universidade para os pobres. Ela disse: "O que é que eu faço"? Eu disse: "Vá na universidade. Diga que falou comigo e que fui eu que disse isso. Se eles não sabem, eles vão saber, então". |
| R | Mas sabiam. A universidade lá tem gente nossa, comprometida, né? Foram lá tranquilamente, e disseram: “Não, sim, você tem direito”. A guria queria fazer veterinária; está no segundo ano de veterinária. Além de ter entrado e de não pagar nada na Federal, ela tem a ajuda de permanência ainda. Vai se formar veterinária. Então, eu digo isso porque tem alguns que dizem: “Ah, mas tem brancos pobres”. Sim, os brancos pobres estão contemplados na lei que nós fizemos - nós todos. Não fui só eu, né? Nós, vocês todos colaboraram e estão contemplados. Então, esse debate é um debate também... Vocês, com muita competência, esclareceram à população da importância desse debate que fizemos hoje. Foram a fundo. Fizemos de política de cotas muitas vezes, como estamos fazendo com o fim da escala 6x1 - eu tenho, inclusive, viajado nesse sentido por diversas partes do Rio Grande - e com outros debates, por exemplo, o da tarifa zero. Pode ser sonho, mas eu sonho com a tarifa zero. E, com a tarifa zero, eu estou ajudando quem? Os pobres, sejam brancos, negros, índios, quilombolas, deficientes ou não. Eu não estou ajudando os ricos; ricos não pegam ônibus. Acham que algum rico pega ônibus ou pega trem? E já tem 180 cidades que adotam. Aqui em Brasília, eu fiquei sabendo disso há pouco tempo. Se alguém me perguntar aqui: “Mas tu andas pegando metrô ou trem?”. Não, eu não pego, porque eu trabalho aqui, e aqui é fácil para eu chegar, com a estrutura que tem no Plano Piloto. E aí, eu descobri - e não foi ninguém que me disse -, nos corredores aqui, que sábado, domingo e feriado é tarifa zero. E não estou elogiando o Governo daqui ou dali, seja de direita, de centro ou de esquerda. No Rio Grande do Sul, uma cidade chamada Parobé foi uma das primeiras do Brasil que aplicou a tarifa zero. Que bom que o Presidente Lula está discutindo esse tema, já pediu um estudo para o Haddad na questão da tarifa zero. Mas aqui eu termino. Se vocês deixarem eu continuar falando, eu vou falar de tudo, porque "ele vai falar dos últimos 40 anos dele aqui dentro do Congresso". São quatro de Federal e três de Senador. E, claro, eu estou num momento muito complicado, então eu vou terminar isso. Eu falei: “David, eu queria ir para o Rio Grande do Sul, viu?”. “Paim, eu vou aí e resolvo isso logo.” "Calma, Frei David." Depois de tanto tempo me doando, doando a minha vida para isso - o que eu gosto e faria tudo outra vez -, agora chegou o momento em que eu anunciei que ia me aposentar. Aí, houve um levante popular, como eu diria, positivo, para que eu não faça isso e fique mais um mandato, pelo menos. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS) - Eu estou que nem aquele menino numa encruzilhada. De um lado, o povo dizendo, grande parte do povo dizendo: “Fica, fica, fica”. Mas o menino dizendo: “Quando é que tu vais sair para brincar comigo?”. E um pessoal fez, inclusive, um vídeo. É um vídeo muito bonito. É um vídeo de nem 30... acho que são uns dois minutos. De um lado está o menino, que sou eu ali, bem bonitão, de gravata, de pé. E o menino está aqui. E, do outro lado, está o povo. O povo diz: “Fica, fica, não nos abandone”. E o menino dizendo: (Manifestação de emoção.) “Vamos passear, vamos caminhar, vamos andar pelos campos. Tu vais me levar no colégio? Voltas comigo?”. |
| R | Isso eu que eu tenho que resolver até a semana que vem, no máximo. Eu estou me dando um tempo até o dia 20, 23, porque dia 29 tem encontro. Eu estou contando isso em público, porque eu acho que muita gente passa por dilemas como esse, né? E eu tenho que decidir. As causas, de fato, me movimentam e me fazem bem. Não estou dizendo que para mim é um sacrifício defender causas, eu adoro defender causas. E não sou advogado; meu sonho é ser advogado, não consegui, porque na época eu trabalhava de dia e de noite quase, né? Por isso que eu sou contra a escala 6x1 - e voltei ao assunto de novo. Mas eu aprendi que, como sindicalista e depois como político, eu podia defender as causas. Ninguém vai me exigir diploma para defender causas. Claro que eu quero que todos tenham diploma numa sociedade moderna e atual, né? Mas vou decidir, viu? Ah, que eu vou decidir, vou; ou vou caminhar com o menino, ou vou continuar andando pelo Brasil da forma como eu estou andando até hoje. Se tivesse que começar agora tudo de novo, eu começaria tudo de novo. Mas não dá, né? Porque eu já tenho 75, não dá para começar tudo outra vez. Bom, amigos e amigas, adorei ficar aqui com vocês mais uma vez. Se tiver que voltar amanhã, eu voltarei. Segunda, vamos ter um grande evento no Plenário, que vai fazer homenagem, no fundo, a Abdias e Zumbi; serão duas grandes estrelas na segunda-feira. As homenagens serão àqueles homens e mulheres que se destacaram na luta que nós debatemos aqui, contra o preconceito, o racismo. Zumbi vai ser o feriado nacional, que nós vamos dizer da importância, porque é um dia de reflexão sobre esse tema de combate a todo tipo de racismo e preconceito. Eu amo todos vocês. Está encerrada a nossa reunião. A gente se vê na segunda-feira. (Iniciada às 9 horas e 01 minuto, a reunião é encerrada às 12 horas e 42 minutos.) |

