13/11/2025 - 7ª - Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei n° 4, de 2025 (Art. 374 RISF)

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fala da Presidência. Fazendo soar a campainha.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 7ª Reunião da Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei nº 4, de 2025 (art. 374 do Regimento Interno do Senado Federal), que dispõe sobre a atualização da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e da legislação correlata.
A presente reunião se destina a continuar a discussão acerca dos temas relativos ao direito das obrigações e aos contratos.
Participarão da audiência pública os seguintes convidados, cujas presenças, desde já, esta Presidência agradece, em nome da Comissão e do Senado Federal: Clarissa Medeiros Cardoso, que é Mestre em Direito Civil, Advogada e Secretária da Comissão Especial de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Cristiano de Souza Zanetti, Livre-Docente em Direito Civil e Professor Associado da Faculdade de Direito da USP; Daniel Pires Novais Dias, Doutor em Direito Civil e Professor da Fundação Getulio Vargas; Flávio Tartuce, Coordenador e Professor do Programa de Mestrado da Escola Paulista de Direito e Relator-Geral da Comissão de Juristas para a Atualização do Código Civil; Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke, Doutor em Direito Civil, Advogado e Vice-Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem; João Pedro de Oliveira de Biazi, Doutor em Direito Civil, Professor e Advogado; José Henrique Barbosa Moreira Lima Neto, Advogado e Professor; José Roberto de Castro Neves, Doutor em Direito Civil, Professor da Fundação Getulio Vargas-Rio e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e também Advogado; Judith Martins-Costa, Livre-Docente em Direito Civil, Professora, Advogada, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI); Micaela Barros Barcelos Fernandes, Doutora em Direito Civil, Professora e Advogada; Paulo Roque Khouri, Professor do IDP, Doutor em Direito Privado e Processual e Advogado; Pedro Zanette Alfonsin, Mestre em Direito Civil e Advogado; Rinaldo Mouzalas, Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba, Doutor em Direito e Advogado; Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, Doutor em Direito Civil, Procurador do Estado de Minas Gerais e Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Rodrigo Cavalcante Moreira, Mestre em Direito Internacional e Advogado; Rosa Maria de Andrade Nery, Livre-Docente da Faculdade de Direito da PUC-SP e Relatora-Geral da Comissão de Juristas para a Atualização do Código Civil, a quem também agradeço mais uma vez pela participação.
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Comunico aos presentes que a audiência pública funcionará da seguinte forma: cada convidado terá dez minutos para sua exposição e, desde já, esta Presidência pede que seja observado, o quanto possível, o prazo fixado, considerando a quantidade de expositores nesta sessão. Após a fala dos convidados, será franqueada a palavra ao Relator e aos demais Parlamentares presentes que queiram fazer uso da palavra.
Comunico novamente que o prazo final para a apresentação das emendas da Comissão é até o dia 3 de março de 2026 e que, para ter conhecimento das emendas recebidas, pede-se que se acesse o PL 4, de 2025, por meio do link disponibilizado na aba "Comunicados", no Portal da Comissão.
Esta reunião é interativa, transmitida ao vivo pela TV Senado, aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, e também pelo telefone da Ouvidoria: 0800 0612211.
Portanto, uma vez mais, agradecendo a presença física de todos, também a presença virtual de muitos que participarão pelo sistema remoto da Comissão, nós vamos dar início à nossa reunião de hoje, dando a palavra inicialmente à Profa. Judith Martins-Costa, que é Livre-Docente em Direito Civil, Professora, Advogada e representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Consulto a Profa. Judith se ela está conectada. Está nos ouvindo? (Pausa.)
Vamos... Só o áudio que ainda... Nós estamos visualizando a Profa. Judith, mas sem o áudio.
Professora, a senhora nos ouve bem?
A SRA. JUDITH MARTINS-COSTA (Por videoconferência.) - Ouço bem. Estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Perfeitamente, nós também ouvimos a senhora.
V. Sa. tem a palavra para a sua exposição.
Muito obrigado.
A SRA. JUDITH MARTINS-COSTA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada.
Saúdo os Srs. Senadores, o Sr. Presidente, as Sras. Senadoras e a todos e a todas que aqui estão.
Eu vou apresentar considerações à disciplina proposta ao direito contratual, e o faço amparada num caveat. Farei críticas, mas nenhuma crítica é dirigida à pessoa dos projetistas. Todas elas são dirigidas única e exclusivamente ao texto apresentado no PL 4, de 2025.
Minha primeira crítica de base é: este PL parece não levar em conta o pano de fundo do sistema jurídico contratual brasileiro. No entanto, se examinado, esse pano de fundo indicará, de um lado, que a disciplina contratual do Código Civil está restrita às relações puramente civis e aos contratos de direito empresarial, não abrangendo relações de consumo, nem as de emprego, nem as de direito administrativo; de outro lado, relações contratuais prima facie assimétricas, como locação, franquia, concessão de veículos automotores e outras, já vêm previstas em leis especiais.
Não obstante, o PL acolhe uma totalmente impertinente - no meu modo de ver - consumerização das relações contratuais. Refiro dois exemplos - só dois entre tantos que poderia aqui referir. Primeiro, o contrato por adesão passa a ser interpretado como se fosse um contrato de consumo.
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Está lá no art. 423, §2º: "Os contratos de adesão serão interpretados de maneira mais favorável ao aderente”. Assim também está no Código do Consumidor. O projeto de lei afasta o pressuposto que hoje está no art. 423 do Código Civil, segundo o qual, a interpretação pró-aderente ocorre se houver, no contrato de adesão, cláusulas ambíguas ou contraditórias.
Segundo exemplo: a lesão contratual passa a ser presumida em casos de vulnerabilidade ou hipossuficiência da parte. Está no art. 157, §2º, e cito esse exemplo da Parte Geral porque, evidentemente, um código é um sistema e o direito do contrato está conectado à Parte Geral.
Ora, por que inundar o Código Civil com consumerismo como se nós não tivéssemos, há 30 anos, um CDC (Código de Defesa do Consumidor)? Aliás, na sessão de quinta-feira passada, dia 6, falou-se muito aqui em consumidor. Qual a razão? Mas não é só. Não bastasse a Parte Geral ter esfacelado o conceito de patrimônio no art. 91 e ampliado enormemente a possibilidade de nulificação dos contratos com base em ideias vagas, como as hipóteses do art. 166, a regulação dos contratos se inicia com uma guerra de etiquetas.
No art. 421, §1º, 421-C e ainda em outros, o PL estabelece uma confusa classificação entre contratos paritários, contratos simétricos, contratos assimétricos, mas também contratos paritários e simétricos e contratos paritários ou simétricos; a partida já suscitando dúvidas sobre o significado e o alcance dessas distinções, se existem ou se os conectores e sinais gráficos empregados - vírgula, conjunção coordenativa alternativa, conjunção coordenativa aditiva - devem ser ignorados ou levados a sério pelo intérprete, mas as palavras no direito têm consequências: paridade, simetria, assimetria regram a disciplina dos tipos contratuais e se projetam nos vários institutos componentes da sua disciplina.
Nos contratos paritários, por exemplo, as partes podem, cito, "convencionar sobre fontes, meios, procedimento e valoração da prova" - art. 212, §2º -, mas não há qualquer referência a essa possibilidade nos contratos simétricos. Já daí surge uma dúvida que poderá gerar milhares de ações judiciais, qual seja: nos contratos paritários e simétricos, as partes poderão ou não estabelecer a prova? E nos contratos paritários ou simétricos? Está-se a indicar uma dupla qualidade ou é uma alternativa? Incide ou não o art. 212? Essa perspectiva não é, de modo algum, fantasiosa. Um código, devendo ser um sistema, está sujeito ao efeito borboleta; por vezes, a mudança de uma vírgula enseja anos de discussões nos tribunais.
Vejamos ainda outros exemplos dos problemas que podem ser provocados por essas confusas etiquetas. No art. 421, §1º, está escrito: "Nos contratos civis e empresariais, paritários, prevalecem o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual". O que isso quer dizer? Que, para todos os demais contratos, a intervenção máxima será a regra e a revisão, rotina, acabando com a estabilidade do pactuado?
Em suma, pela confusão entre os distintos papéis da lei, da doutrina e da jurisprudência, corremos o risco de incorporar, num Código Civil que deveria ser límpido, cristalino, baseado na ciência do direito, categorias jurídicas ainda não amadurecidas ou sem respaldo na cultura jurídica brasileira. Todavia, num Estado democrático de direito, os cidadãos devem saber ex ante com o que podem contar, devem poder confiar no que está na lei. Empresas só podem assumir riscos se puderem ter alguma estabilidade e segurança sobre os rumos do futuro.
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Como, no direito, a qualificação precede a aplicação, será impossível ao cidadão, à empresa, detectar ex ante se determinado contrato permitirá ou não a intervenção; e, evidentemente, o julgador precisará, primeiro, qualificar para então decidir se tem ou não poder de intervir no pactuado.
Ora, nós sabemos que a expressão "segurança jurídica" é associada aos ideais de determinação, de estabilidade e de previsibilidade do direito. Como encontrar determinação, estabilidade e previsibilidade em expressões vagas, ainda não sedimentadas, como essas e outras que pululam no projeto de lei, diante da profusão desses enunciados na disciplina dos contratos e com a ampliação dos casos (Falha no áudio.)... pública, função social, confiança, probidade - art. 422-A, combinado com o art. 166, VI, por exemplo? Os contraentes não saberão previamente, como deveriam saber, o que é lícito ou ilícito, o que é válido ou inválido, o que é simétrico e o que é assimétrico, não podendo, assim, previamente, ajustar a sua conduta e saber as consequências e a disciplina jurídica a que estarão sujeitos. Aliás, não saberão sequer se afronta a boa-fé, a função social, a confiança, a probidade, se geram nulidade ou geram o dever de indenizar as perdas e danos causados pelo inadimplemento, pois o art. 422-A, em total contradição intrassistemática, refere dois efeitos incompatíveis entre si.
O Brasil já se destaca negativamente na questão da segurança jurídica. O último ranking de competitividade da CNI, 2023-2024, aponta que o Brasil estava na 12ª posição entre 18 países analisados.
Estudos ainda em andamento, mas que em breve serão publicizados, apontam o exponencial impacto do PL nº 4, de 2025, sobre o PIB brasileiro, via redução de investimentos, decorrentes de elevação desses custos associados à consumerização das relações contratuais. O impacto negativo do PIB será, segundo esses estudos, da ordem de R$100 bilhões. Repito: R$100 bilhões. Não é uma quantia desprezível.
E tudo isso desnecessariamente. As relações contratuais vão bem. O Judiciário bem as aprecia. Não há necessidade de modificá-las.
Os impactos poderão ser ainda mais dramáticos nos projetos de infraestrutura, para cuja avaliação pelas entidades internacionais é essencial o cálculo dos riscos, notadamente os riscos legais, para determinação da taxa de juros, encargos, grau de comprometimento dos patrocinadores, com aporte de garantias, e a própria decisão de financiar.
Mas corremos também este risco: ter que confessar aos financiadores a ausência de estabilidade no nosso marco legal, em contraponto à existência de condições e requisitos heterodoxos, que escapam ao usualmente adotado em outras jurisdições e com os quais os financiadores e consultores não estão acostumados.
Esses dados, senhores e senhoras, colegas, levam-me a uma certeza: com este PL, assim como está, o país, a vida do cidadão e a saúde de todas as empresas serão sempre afetados, muito afetados. Todo cuidado é pouco. Agradeço muito a atenção que me foi dispensada.
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Profa. Judith Martins-Costa, por sua exposição.
Os pontos abordados pela Profa. Judith, por certo, deverão ser considerados pelo eminente Relator Senador Veneziano Vital do Rêgo, por todos os Parlamentares componentes desta Comissão e, igualmente, pelos Relatores do anteprojeto da Comissão de Juristas, Prof. Flávio Tartuce e Profa. Rosa Nery, para que possamos considerar os pontos, abordá-los e tratá-los com a seriedade que merecem.
Muito obrigado, Profa. Judith, por sua contribuição.
Passo a palavra, imediatamente, ao próximo expositor, José Roberto de Castro Neves, Doutor em Direito Civil, Professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e também Advogado.
O Prof. José Roberto de Castro Neves participará pelo sistema remoto.
Concedo, neste instante, a palavra a V. Sa. para sua exposição, Professor.
Muito obrigado.
O SR. JOSÉ ROBERTO DE CASTRO NEVES (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado ao senhor também, Senador.
Não sei se os senhores me ouvem aí, mas é uma honra poder contribuir.
Eu queria saudar todos os presentes, inclusive os ilustres autores do anteprojeto, especialmente a Profa. Rosa e o Prof. Flávio. É uma oportunidade estar aqui falando e eu vou tentar ser bastante objetivo em minha exposição.
Evidentemente, toda lei está sujeita a ser aperfeiçoada, isso faz parte do processo, até, democrático. Eu parabenizo a Comissão pelo esforço que vem fazendo, mas sempre, claro, há algo que melhorar, e o objetivo aqui dessa conversa, claro, é tentar também, dentro de uma linha civilizada, discutir, avaliar, porque, como a Profa. Judith mencionou, o tema é da maior relevância social e aqui o papel é a gente tentar, da melhor forma possível, aprimorar a lei.
Eu até, por uma questão de objetividade, vou tratar de um único dispositivo que, na minha avaliação, é um dispositivo que vai trazer muita insegurança jurídica se for aprovado, que é precisamente o §2º do art. 421, cuja redação é no seguinte sentido: "A cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito".
E qual é o problema, Srs. Senadores e todos os presentes? É que a violação a esse conceito amplo, que é a função social, com uma sanção severíssima e imprescritível, como a nulidade, a sanção mais severa do nosso ordenamento, gera uma enorme insegurança.
Deixe-me tentar explicar qual é o receio para que os senhores tenham a exata noção. A função social é um conceito que não tem, em nossa doutrina, uma densidade dogmática, é um conceito muito amplo. A rigor, a gente pode suscitar que, por exemplo, uma questão relacionada a um contrato que vá tratar de um tema ambiental, por exemplo, ou que vá tratar de telecomunicações, todos eles têm uma função social, ou que vá tratar de uma questão com uma pessoa estrangeira. Tudo pode ter, em tese, uma função social, porque a função social é um princípio.
No direito - e essa é uma dogmática conhecida, estabelecida -, os direitos são suscetíveis à modulação, devem ser ponderados, não são aplicados como sim ou não, é um conceito mais amplo de que você se vale para adotar um princípio. Quando você cria para um princípio uma regra como essa, que é mais ampla, uma ideia de nulidade, você vai gerar uma enorme insegurança, porque quem passa a reger o que é a função social é cada julgador, é cada pessoa. Você cria um espaço indesejável para o arbítrio.
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Tem um outro aspecto importante aqui. É que no modelo de direito civil - eu acho que, salvo engano, é um modelo universal, isso, do direito civil contemporâneo - a nulidade está relacionada ao aspecto estrutural. Vejam o agente capaz: o agente capaz é uma coisa objetiva, ele tem a idade específica, ele tem aqueles requisitos, ele é ou não é capaz. A forma prescrita em lei também é uma questão objetiva. Já quando você leva isso para a função social, ela não é uma questão estrutural, é uma questão axiológica, é uma questão valorativa, e aí muda de categoria. Você permitir que qualquer julgador estabeleça esse valor e a partir daí ter o negócio jurídico, essa força vai gerar seguramente uma enorme insegurança jurídica, vai retirar um dos principais objetivos da lei, que é a tranquilidade social, a pacificação social, para uma judicialização absolutamente indesejada. Até mesmo para explicar isso, de novo, para um estrangeiro ou mesmo para um estudante de Direito, vai ser muito complexo. Eu não sei, acredito que não... Fiz uma pesquisa, não encontrei em nenhum outro ordenamento uma regra semelhante a essa, que transforma um princípio em um fator - como da função social - de nulidade.
A minha sugestão, humilde, para uma Comissão feita com brilhantes integrantes - estou vendo aqui a Profa. Rosa Nery, que é um deles, por exemplo - é de manter a redação da forma como está, que é uma redação muito inteligente, a do 421, que permite, que diz que a liberdade do contrato é limitada pela função social, o que permite aí, de uma forma inteligente, sensível, mas sem essa sanção... É um tema que a Profa. Judith falou e é um tema básico também de direito, porque a sanção demanda um tipo específico, muito preciso, sob pena, de novo, de abrir espaço para o arbítrio. Mas, de novo, confiando aí na Comissão e evidentemente nos Ilmos. Senadores, a minha participação aqui, até por uma questão subjetiva, é centrar no que eu acredito que seja um retrocesso, um perigo: a adoção do §2º do 421, tal qual ele se encontra no anteprojeto.
Eu agradeço imensamente a atenção dos senhores mais uma vez. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. José Roberto de Castro Neves, por sua exposição. Eu o parabenizo pela objetividade. V. Sa. escolheu pontuar, obviamente teria outras observações a fazer em relação ao projeto de lei, mas observou e pontuou precisamente a alteração proposta no 421 do Código Civil, com a inclusão, a transformação do parágrafo único em dois parágrafos, o §1º e o §2º, e especialmente o §2º, que diz que: "A cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito".
Esse tema é um tema realmente que suscita muita dúvida e muito debate. Já suscitou, por ocasião da Comissão de Juristas, e suscita agora na Comissão Temporária, e é uma decisão de fato que o Parlamento tem que tomar em relação a esse ponto. A exposição de V. Sa. contribui muito para essa reflexão, e oportunamente nós daremos a palavra ao Prof. Flávio Tartuce e à Profa. Rosa Nery, para que possamos tratar uma vez mais a respeito desse ponto específico do art. 421.
Muito obrigado por sua contribuição, Prof. José Roberto de Castro Neves.
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Passo a palavra imediatamente ao próximo expositor, que é o Dr. Rinaldo Mouzalas, Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba, Doutor em Direito e Advogado. Tem a palavra aqui, presencialmente, o Dr. Rinaldo Mouzalas.
O SR. RINALDO MOUZALAS (Para expor.) - Agradeço, Sr. Presidente, a oportunidade de estar contribuindo com a atualização do Código Civil.
Cumprimento V. Exa., a Senadora Tereza Cristina, os Profs. Flávio Tartuce e o meu contemporâneo Mario Delgado, que está aqui presente também, na pessoa de quem cumprimento todos os professores que participam desta sessão.
Eu vou fazer, basicamente, duas sugestões, Senador, considerando o tempo que me foi dado e a oportunidade de falar sobre contratos e obrigações.
A primeira sugestão... Aqui, eu me valho da questão da operabilidade do texto, que foi já muito debatida durante todas as audiências públicas, da questão da autonomia privada, da necessidade de judicialização, assim como da atualização do texto àquilo que se modificou nos últimos tempos, tanto em termos de jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, quanto também dos avanços tecnológicos que foram sentidos sensivelmente - o Senador Veneziano Vital do Rêgo foi meu contemporâneo também - nos últimos anos. Esses avanços tecnológicos proporcionaram uma mudança de entendimento nas relações privadas, pelo que eu farei uma segunda sugestão relacionada também a esses avanços tecnológicos. A primeira sugestão diz respeito à operabilidade.
Eu li atentamente todos os dispositivos do Código de Processo Civil e do Código Civil, que está sendo atualizado, assim como também acompanhei todas as audiências públicas que foram disponibilizadas pelo Senado Federal. Algo de que eu senti falta no texto é a questão da compatibilização do texto do Código Civil com o texto do Código de Processo Civil. E aí eu vou invocar um dos dispositivos para mostrar como essa preocupação é relevante e precisa ter um olhar atento da Comissão e desta Casa também. Diz respeito, primeiro, aqui, ao art. 836-B, que fala da fiança, e traz um dispositivo que é muito interessante. Ele diz o seguinte: "Constitui direito do fiador agir em seu nome próprio mas no interesse do credor, na cobrança da dívida, desde que o credor não tenha iniciado nenhum procedimento contra o devedor, após noventa dias do inadimplemento da dívida".
Nós temos um caso aqui de legitimação extraordinária a termo para a fase de conhecimento. Isso é algo que, no processo civil, está um pouco misturado com institutos que já existem, e não está bem definido na legislação processual, mas também não está bem definido aqui na legislação civil que está sendo atualizada. O texto é uma mistura de uma assistência dentro do processo civil, um chamamento ao processo, porque trata das fianças, como também, eu acho, deveria, um pouco, trazer orientações relacionadas à denunciação da lide que suprissem algumas lacunas que são colocadas aqui no texto e que precisam ser colmatadas expressamente ou, pelo menos, proposta alguma modificação no Código de Processo Civil.
Por quê? O que é que eu digo? Se o fiador ajuizou a ação e, posteriormente, o credor também ajuizou, qual a ação que vai ficar prevalecendo: a do fiador ou a do credor? Uma vai implicar a extinção da outra ou as ações serão reunidas? Isso é algo que precisa ser resolvido no texto ou pelo menos indicada qual seria a solução para esse tipo de questionamento, porque certamente isso vai acontecer. O prazo de 90 dias é um prazo pequeno, é um prazo que exige um comportamento rápido, e esse comportamento rápido pode ser que não tenha comunicação entre credor e fiador, e isso vai ocasionar, possivelmente, conflitos e ações, e esses conflitos de ações precisam ser resolvidos. Se o fiador propôs a ação - já estou aqui no §1º - e o credor concorda em ingressar com essa ação, o que está dito aqui no texto é que ele pode ser admitido como parte ao lado do autor, que seria o fiador, ou, se o fiador consentir, ele toma o lugar do fiador. Qual é o questionamento aí? Quando o credor adentra essa ação, ele pode complementar a petição inicial dessa ação ou ele fica a cargo daquela petição inicial que foi feita pelo credor?
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Esse texto não traz a resposta, mas o processo civil, quando trata da denunciação da lide, que não é bem o caso, traz uma situação que pode colmatar essa lacuna, mas eu acredito que o texto deveria ser expresso, dizendo o quê? Dizendo que o fiador teria a oportunidade de sair do processo, entrando o credor ou ficando os dois juntos, mas o credor teria a oportunidade de fazer a complementação da petição inicial. Isso evitaria, nós sabemos que isso é possível dentro do direito brasileiro, simulações do fiador com o devedor, fazendo com que a petição inicial não fosse a mais relevante e, consequentemente, tivesse um resultado que não fosse desejado pelo credor.
Outra questão que eu coloco também, e isso deve ser levado em consideração, é se essa legitimação extraordinária a termo, proporcionada em favor do fiador, poderia ser antecipada em razão de medidas cautelares necessárias para a preservação do direito do credor e, consequentemente, do interesse do fiador. Isto não está também colocado, se ele pode agir antes dos prazos de 90 dias, e sabemos que, em questões urgentes, o nosso direito não pode excluir a apreciação jurisdicional.
Então, Senador, essa seria a primeira sugestão em termos de aprimoramento do termo. Estou dando aqui o exemplo do art. 836-B, mas há alguns outros dispositivos de que eu já fiz análise também. Vou passar para o Prof. Flávio Tartuce essa análise que eu fiz para poder ver se há alguma compatibilização com as questões processuais.
A segunda sugestão diz respeito ao ideal de desjudicialização, que está sendo trazido pelo Código Civil e também pela concretude da autonomia da vontade privada. Eu vou dar o exemplo, ainda com base no art. 836, trazendo aqui o §3º, que estimula o exercício de direito em autotutela, quando ele diz: "Entende-se por procedimento de cobrança previsto neste artigo qualquer medida que siga as vias judiciais ou extrajudiciais admitidas pelo ordenamento para a expropriação de bens do devedor, com finalidade de solver a dívida".
Nós sabemos que há diversas medidas extrajudiciais que podem ser adotadas em autotutela para promover a alienação de bens do devedor. Já vi, aqui nas audiências públicas também, discutindo-se a questão do pacto marciano, que é um exemplo feito que pode ser utilizado também como exercício de autotutela.
A autotutela mostrou-se uma tendência nessa atualização do Código Civil também. Eu posso citar aqui a título de exemplos: o art. 474, §1º, que fala da possibilidade de resolver um contrato com cláusula resolutiva expressa independentemente de pronunciamento jurisdicional, ou seja, seguindo, já, o entendimento renovado do Superior Tribunal de Justiça quanto a essa questão; o art. 609-D, que admite a suspensão, a cessação, a restrição do contrato de prestação de serviço, impossibilitando o constrangimento discriminatório, ou seja, não se pode praticar violência. Esse artigo foi excelente porque ele estabeleceu um limite ao exercício de autotutela ao dizer que não pode haver violência. E essa questão de não poder haver violência, concretizada pelo texto do Código Civil, também se mostra compatível e harmônica com a atualização das nossas relações jurídicas atuais, em que as disputas hoje entre bens jurídicos não são mais entre bens jurídicos materiais, em sua maioria, e as possibilidades de realização de direito não se colocam mais frente às partes, frente a frente, para realizar esse tipo de direito. A tecnologia e as formas de realização de direito permitem que direitos sejam realizados diretamente pelos particulares, independentemente de eles terem contato entre si. Só para dar alguns exemplos também, falamos aqui dos contratos digitais. É uma realidade entre nós. Eu estou, por exemplo, hospedado em um hotel, estou com diárias para dois dias, Senador, mas, se passarem meus dois dias, vou chegar ao hotel, ele vai travar a porta e eu não vou mais poder entrar. Esse é um exercício de autotutela que é admitido, sem nenhum tipo de violência, de forma a concretizar fatos que estão certificados, o que é perfeitamente admitido em nível de jurisprudência e em nível também de doutrina. Mas renova o art. 681, que amplia o direito de retenção do mandatário; o art. 708, que amplia o direito de retenção em favor do comissário; o art. 742, que estabelece limite ao exercício da autotutela privada, afastando a retenção de bens por mera violência, também bens que sejam de uso pessoal e identificação; o art. 1.337, §3º, que, expressamente, agora, coloca a exclusão do condômino antissocial, também um avanço que vinha sendo ordem de muitos debates entre a doutrina, mas a jurisprudência acabou por concretizar.
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Eu trago outros diversos exemplos aqui, 17 exemplos que são trazidos pelo Código de autotutela prevista, e trago mais oito exemplos trazidos pela jurisprudência. E quero dizer que essa autotutela é proporcionada hoje pelo aumento de certificação dos fatos jurídicos, é muito diferente do que se tinha há 30 anos.
Nós temos a disputa de bens imateriais, o que possibilita também, reafirma o exercício da autotutela; a possibilidade de realização de direitos sem as partes estarem frente a frente. Meu tempo está finalizando, e eu vou dizer as grandes vantagens desse dispositivo numa cláusula geral, para que se possa ter a autotutela contratualizada, que são: os benefícios da eficiência, os benefícios da velocidade, da autonomia privada e da sobrecarga do Poder Judiciário, que hoje não aguenta mais ter milhões de ações junto ao Poder Judiciário, questões de ordem diminuta sendo discutidas, questões que dariam segurança de que as partes realizassem o seu direito diretamente, e que não estão sendo objeto de uma preocupação expressa pelo Código Civil, quando se poderia ter uma cláusula geral prevendo a autotutela contratualizada.
Então, passei um pouquinho do tempo, mas agradeço sua tolerância, Senador Rodrigo Pacheco, Senador Veneziano Vital do Rêgo e Senadora Tereza Cristina.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Rinaldo Mouzalas, por sua exposição, muito densa e que certamente vai contribuir muito para o nosso trabalho na Comissão. Muito obrigado, Dr. Rinaldo.
Passo a palavra imediatamente ao Dr. Paulo Roque Khouri, que é Professor do IDP, Doutor em Direito Privado e Processual e também Advogado.
Com a palavra o Dr. Paulo.
O SR. PAULO ROQUE KHOURI (Para expor.) - Muito bom dia a todos.
Saúdo o Presidente, Senador Rodrigo Pacheco, o Senador Veneziano Vital do Rêgo, a Senadora Tereza Cristina, também o Senador Carlos Portinho, que não se encontra aqui, mas fez a indicação para que eu falasse nesta nobre Comissão.
Quero dizer o seguinte, Excelências: é uma honra participar desta audiência pública e poder contribuir com o debate sobre os projetos legislativos relevantes, a atualização do nosso Código Civil, que é chamado de a Constituição do homem comum, especialmente no que toca às obrigações e contratos, o coração pulsante das relações privadas.
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Inicio registrando o meu profundo respeito a todos os integrantes desta Comissão e igualmente à Comissão de professores, magistrados e Ministros que se dedicaram ao anteprojeto que ora se converte no Projeto de Lei 4/2025.
As observações que apresentarei, sejam elas elogios ou críticas, derivam unicamente do exercício legítimo da minha liberdade de cátedra, construída ao longo de mais de duas décadas de atuação no direito civil. Situam-se no plano estritamente acadêmico, sem qualquer desmerecimento ao trabalho sério, qualificado e exaustivo desenvolvido por todos que contribuíram para esta importante proposta, até porque aqui está um amigo pessoal do tempo de jornada, que é o Flávio Tartuce. No plano político, tem as suas ressalvas, mas no plano acadêmico a independência é que deve imperar sempre. Acabei de falar com ele.
Então, veja, o Prof. Oliveira Ascensão, de quem eu tive a honra de ser orientando na Universidade de Lisboa, quando eu defini minha tese sobre revisão judicial dos contratos, ele tem uma frase que serve muito como norte para a elaboração, a reforma do Código Civil, Senadora Tereza Cristina. Ele dizia: "Com frequência será necessário sacrificar a justiça por amor à segurança, ou sacrificar a segurança por amor à justiça". Se se prosseguir cegamente à justiça, sem atender à segurança, a instabilidade da vida social anulará as vantagens teoricamente obtidas. Então, é muita responsabilidade quando se reforma um código, porque está se cuidando essencialmente de segurança jurídica combinada com justiça.
Então, Excelências, eu digo que há avanços no projeto. Por exemplo, os arts. 412, 413, 416, 474, 475 são avanços. O próprio 426 é um avanço que nós devemos reconhecer, ter a humildade e agradecer à Comissão por essas novas sugestões que cobrem lacunas importantes do nosso ordenamento.
Entretanto, eu quero dizer que há pontos aqui que me preocupam, porque eles colocam em risco exatamente a segurança jurídica. Eu falo aqui - vou deixar mais um acento - da questão da revisão judicial dos contratos. O Prof. Flávio Tartuce sabe, participamos ativamente da Jornada de Direito Civil, que essa foi minha tese de mestrado na Universidade de Lisboa, discuti amplamente o que é a revisão de um contrato. A revisão é sempre excepcional; é aquele momento para evitar exatamente a ruína do contratante. Então, se você flexibiliza demais o sistema da revisão contratual, nós vamos criar uma insegurança jurídica. Então, com todo o respeito à nobre Comissão... Inclusive, ontem falei com o meu amigo particular, Carlos Eduardo Elias, que é um fantástico estudioso do Direito, tenho um profundo respeito por ele, dizia que isso me preocupa porque gera insegurança.
A mudança colocada, eu começo por dizer, quando, por exemplo, no 317, que é um dos motivos que leva à alteração, dizia o artigo anterior:
Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo [...] de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Isso está no Código atual. Isso veio para quê? Por conta da alta inflação, da hiperinflação no passado. Você não tinha correção monetária e você ficava em uma situação extremamente fragilizada. Então, o Código de 2002 socorreu essa situação porque os autores viveram o período da hiperinflação. E está na prestação. O que o Código atual, a reforma propõe? "Se, em decorrência de eventos imprevisíveis, houver alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviram de fundamento para a constituição da obrigação [...]". Já mudou tudo. É na prestação. O foco é na prestação, que é o elemento objetivo do contrato.
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Vamos ao 478, que foi objeto do meu estudo em Lisboa. Está dizendo no artigo atual que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em função de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução. E o que vem agora com a mudança? Nos contratos de execução continuada ou diferida, havendo alteração superveniente das circunstâncias objetivas que serviu de fundamento para a celebração do contrato... Então, aqui tira o foco, mais uma vez, da prestação, Senador Rodrigo Pacheco. O foco tem que ser a prestação! Eu não posso dar, com todo o respeito ao nosso Judiciário, essa liberdade tamanha ao magistrado de fazer essa avaliação, tirando o elemento objetivo, o critério, que é a prestação. É ela que diz se está excessivamente oneroso ou não.
E mais, Excelências: o Código cria outras duas categorias de revisão que não estavam previstas, e eu vejo isso com preocupação. Entendo o esforço sobretudo do meu particular amigo Carlos Eduardo Elias, mas, falei para ele, eu vejo isso com muita preocupação. E por quê? Ele diz o seguinte: que as partes podem estabelecer eventos supervenientes que alterem a base objetiva do contrato. Aí já trouxe outra teoria para a revisão dos contratos, a teoria da base objetiva. Qual é? O fato imprevisível ou a base objetiva? Então, aquilo que deveria ser excepcional eu flexibilizo demais, criando uma insegurança jurídica para as partes. Com todo o respeito, eu tenho as minhas ressalvas.
E ainda cria uma outra mudança, que é a frustração do fim negocial, que está no 480-A, que diz o seguinte: "O contrato de execução continuada ou diferida poderá ser resolvido por iniciativa de qualquer uma das partes, quando frustrada a finalidade contratual". Eu sei que esse argumento vem, inclusive, do direito inglês, da discussão do caso das coroações, mas a transferência dele, o transporte dele, de maneira assim, da forma como está sendo feita, gera muita insegurança jurídica. Imaginem um caso, Excelências, de um casal que contrata um pacote turístico em uma região praiana para passar sete dias e, chegando lá, chove torrencialmente todos os dias. Frustrou o fim negocial. Ele vai ter o dinheiro de volta? Olha a insegurança jurídica que eu posso criar com um artigo desse, com todo o respeito. Então, nesse contexto, Excelência, nessa parte, eu tenho essas ressalvas.
E outra questão: com relação à função social, estou plenamente de acordo com o que falou aqui o nosso querido professor, um dos maiores do nosso Brasil, o Prof. José Roberto de Castro Neves. Agora, quando uso o termo "simétrico e paritário", falava agora há pouco com o Dr. Tartuce, Flávio Tartuce, que eu entendo por que eles fizeram isso. São nove menções, Senadora Tereza Cristina, no texto, são nove menções a paritário e simétrico, que são conceitos muito da doutrina, da ciência jurídica. E, veja, o que é simétrico? O que é paritário? O que é simétrico é paritário, mas o que é paritário não é, por si, simétrico. Eu sei que vem da lei da liberdade econômica e a Comissão fez um esforço danado para colocar tudo isso no Código, mas, com todo o respeito, perdeu uma grande oportunidade, inclusive, de sugerir a revogação. Esses dois dispositivos, esses termos, com todo o respeito, falei isso agora há pouco com o meu querido amigo Flávio Tartuce, não ajudam, não colaboram, são fontes de plena insegurança jurídica.
E outra questão: o contrato de adesão. Por que o Código Civil está tão preocupado com o contrato de adesão se o Código do Consumidor já resolveu praticamente isso, todos os problemas? Nós temos quatro conceitos de consumidor no Código - com todo o respeito, falo disso, porque eu tenho livro, já na sétima edição, sobre o direito do consumidor -, são quatro conceitos.
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E ali, no STJ, nós temos a teoria do finalismo mitigado, em que o microempresário, empreendedor, em situação em que o Código Civil não lhe socorre, demonstrando sua vulnerabilidade, pode se socorrer. E o nosso Código de Defesa do Consumidor é um dos mais elogiados do mundo. Com todo o respeito, falei até com a Profa. Claudia Lima Marques, pessoa por quem tenho profunda admiração, disse: "Olha, professora, estou preocupado, porque pode haver o esvaziamento do Código do Consumidor pela reforma do Código Civil e cria confusão para quem? Para o destinatário da norma". Isso não é bom, Senadora Tereza Cristina.
Eu tenho outras observações aqui, mas meu tempo está se esgotando.
E quero dizer para o senhor, Senador Rodrigo Pacheco, que tenho outras preocupações também. Cria o conceito, por exemplo, do mínimo existencial, para dizer que um patrimônio mínimo existencial é intangível. Olha, nem na lei de superendividamento você dá essa proteção ao consumidor o tempo todo; você só dá no caso do superendividamento, você não dá para toda dívida do consumidor. E você já tem quantas impenhorabilidades no direito brasileiro? Eu crio mais uma subjetiva, que não é objetiva. E, nesse caso, como fica o jurisdicionado, como fica o cidadão destinatário da norma? É como a Profa. Judith colocou: a norma é ante, a regra do jogo eu tenho que conhecê-la bem antes. As cláusulas gerais existem? Existem e são importantes, mas para serem usadas na medida certa. Eu não posso para tudo recorrer à cláusula geral. O Código de Defesa do Consumidor é um exemplo de como se utilizou bem a cláusula geral. Mas, da forma como está no Código aqui, o mínimo existencial, o artigo que dispõe que, neste caso, é intangível, como ficaria então? Como ficaria o credor numa situação em que ele quer receber a dívida, já sabe das impenhorabilidades e, no caso concreto, o juiz pode criar mais uma. "Não, mas aqui tem um patrimônio mínimo existencial." Que patrimônio mínimo existencial é isso, se ele já tem a impenhorabilidade do bem de família, já tem a impenhorabilidade dos objetos do lar, já tem a impenhorabilidade do salário? Eu crio mais uma?
E outra questão que eu coloco aqui é a regra do adimplemento substancial. Está dizendo que, se houver adimplemento substancial, o contrato não será rescindido. A tese é, inclusive, do STJ e do meu saudoso amigo Ministro Ruy Rosado, que foi o primeiro a relatar um acórdão ali que serve de diretriz para nossa jurisprudência. Mas qual percentual vai considerar, porque aquele que está em mora pode querer continuar o contrato? Primeiro, havendo uma desproporção. Mas que desproporção? Então, o Código, Senador Rodrigo Pacheco, não coloca. É 80%, é 90% ou é 20%? E depois? Depois de quanto tempo em mora eu ainda posso querer adimplir o contrato? Nós estamos falando de contrato, é a alma do mercado o contrato. E isso, com todo respeito, não pode subsistir.
Por fim, fazendo uma homenagem à minha instituição também, a Adfas, da qual sou Vice-Presidente do DF, o dispositivo do Código com relação à herança da pessoa viva, que a permite, diz que é proibida a herança de pessoa viva, mas admite que os herdeiros, entre aspas, "possam tratar disso em vida", das disposições da herança - em outras palavras, é isso que está dizendo -, colações, partilhas de cotas societárias, ainda que o ascendente esteja vivo, ou seja, ainda que o titular da propriedade esteja vivo. Já imaginou, Senador Rodrigo Pacheco, que confusão? Imagine o senhor um dono do seu patrimônio, seus filhos discutindo sobre sua herança em vida, fazendo um acordo entre eles, vinculativo, segundo o Código, e ausente ele? Então, com todo o respeito, isso também leva insegurança jurídica, embora - fazendo coro com a ADfas - esteja em sintonia com a regra que permite que os nubentes, por pacto, possam renunciar à condição de herdeiro, como permite o Direito português.
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Então, em rápidas palavras... E eu agradeço a V. Exa. por, gentilmente, não sei se porque também sou do seu estado, ter concedido alguns minutos a mais para que eu pudesse falar. Eu agradeço imensamente, dizendo o seguinte, voltando ao Prof. Ascensão: se você perseguir... No normal, a segurança jurídica e a justiça caminham juntos. Pode haver um distanciamento entre elas, momentâneo, mas, se eu perseguir a justiça esquecendo a segurança, os benefícios que eu vou alcançar, por uma regra aparentemente justa, em pouco tempo, serão totalmente anulados pela instabilidade na vida social.
É muita a responsabilidade de V. Exas.
Agradeço imensamente esta oportunidade que me deram, sobretudo através do Senador Portinho, de falar nesta nobre Comissão. E espero que eu tenha contribuído com minha fala para o debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Paulo Roque Khouri, por sua contribuição, por sua fala também muito densa, muito rica, que nos trouxe muitas contribuições.
Saudações mineiras, Dr. Paulo.
E a tolerância foi por sua eloquência e pelos fundamentos de sua fala, e não pela origem mineira, senão, eu vou ter que abrir um precedente para o Prof. Flávio Tartuce, e ele vai falar por uma hora. Então... (Risos.) Porque, além de mineiro, ele é da mesma cidade - nós somos da mesma cidade do interior de Minas.
Então, muito obrigado, Dr. Paulo. As suas ponderações são realmente muito relevantes, e devemos, sim, considerá-las.
Passo a palavra, imediatamente, à Dra. Clarissa Medeiros Cardoso, que é Mestre em Direito Civil, advogada e Secretária da Comissão Especial de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Tem a palavra a Dra. Clarissa.
A SRA. CLARISSA MEDEIROS CARDOSO (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas.
Obrigada, Presidente Rodrigo Pacheco, Senadora Tereza Cristina, Senador Vital do Rêgo. Nas pessoas de vocês, eu cumprimento todos os Senadores e colaboradores desta Casa Legislativa; e, nas pessoas do nosso Relator da Comissão de Juristas, Prof. Flávio Tartuce, do meu querido amigo, Prof. Pedro Alfonsin, e da Relatora do Livro de Direito Digital, Profa. Laura Porto, eu cumprimento também todos os advogados e advogadas aqui presentes.
Hoje eu tenho a honra de representar a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por gentileza do nosso Presidente Beto Simonetti.
Coube-me trazer aqui, Senadores, pontos relativos ao direito das obrigações e dos contratos, no contexto do Livro de Direito Civil Digital.
Sobre esse assunto, eu preciso fazer referência à audiência realizada agora, no dia 22 de outubro, que já tratou sobre a adaptação à era digital e contou com a brilhante participação do Prof. Dierle Nunes, da Profa. Laura Porto, da Profa. Patrícia Carrijo, além de outros convidados, e de excelentes contribuições naquela audiência do Senador Portinho, que teve algumas dúvidas e trouxe, ali, algumas observações muito perspicazes.
O encaminhamento do que foi debatido lá, penso eu, foi muito bem tratado, sobretudo a sugestão do Presidente Rodrigo Pacheco em fazer uma confrontação posterior com o PL 2.338, que trata da inteligência artificial de forma mais aprofundada.
Dito isso, eu gostaria de trazer três pontos do Livro de Direito Civil Digital nesse contexto.
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O primeiro deles é o art. 2.027-E. Ele trata, Senadores, dos fundamentos do Direito Civil digital. E, como já foi dito por muitos dos que me antecederam, é importante que ele esteja no projeto de reforma, porque ele traz o Código Civil à centralidade normativa.
Ao positivar esses fundamentos, ele cumpre essa missão, sobretudo quando a gente leva em consideração que muitos deles já estão positivados, normatizados, na Lei Geral de Proteção de Dados e no marco civil da internet.
Então, trazê-los para o Código, que é a nossa Constituição da vida privada, das relações privadas, é importante; importante também porque, independentemente do lugar em que ele vai se situar dentro do Código, se no Livro VI ou se na parte final da parte geral do Código, é importante que eles estejam lá, porque são fundamentos, são princípios que vão nortear a interpretação de todas essas obrigações, todos os contratos, todas as relações jurídicas que são estabelecidas no ambiente digital.
O segundo ponto que eu quero trazer, Senadores, são os arts. 2.027-V, 2.027-W, 2.027-X e 2.027-Z. Por que é que eu quero trazê-los aqui? Eles representam, na realidade, a normatização também dos Temas 987 e 533, do Supremo Tribunal Federal, que, recentemente, julgou a discussão sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 19 do marco civil da internet.
Esses artigos cumprem um segundo objetivo desse projeto, que é trazer para dentro do Código a consolidação, a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.
E, com relação a esses artigos específicos que eu trouxe, eles trazem algumas obrigações, e vou citar algumas delas aqui, porque julgo serem importantes para análise.
Primeira delas: os limites para a moderação de prática de conteúdo; a obrigação de conduta das plataformas, quando cientes de conteúdos potencialmente ilícitos, porque a gente sabe que isso tudo, no ambiente digital, se prolifera de uma forma muito rápida, e, às vezes, nenhum remédio posterior vai conseguir apagar aquilo que aconteceu; a obrigação de transparência e de inclusão de informações sobre ferramentas, sistemas e processos utilizados para a moderação de conteúdos. Isso aqui é uma obrigação que julgo ser muito importante ter vindo para o Código, porque, se vocês acompanharam, recentemente, o escritor Jeferson Tenório - o ganhador do Jabuti de 2021, com o livro O Avesso da Pele, cuja história se passa aqui na terra da Profa. Judith, na terra do Prof. Alfonsin -, há pouco tempo, teve a principal conta dele, de uma das principais redes sociais, banida, suspensa, sem saber o motivo, e até hoje ele não conseguiu ter essa conta de volta.
Então, é preciso adotarem-se parâmetros, é preciso impor essas obrigações para esses protagonistas do ambiente digital. Então, é importante que eles estejam no Código.
O terceiro ponto, Senadores, que eu julgo merecer destaque, é o art. 2.027-AA, que traz o conceito de patrimônio digital.
É importante ele estar lá, porque, para quem advoga, para quem está ali na lida cotidiana, é um problema enfrentado corriqueiramente pelo Judiciário brasileiro: expropriação de milhas, pontos de cartão de crédito, outras modalidades de ativos digitais.
Não é incomum que, dentro de um processo judicial, haja um indeferimento do pedido de penhora desses ativos digitais, ou porque a justificativa é que eles não seriam bens passíveis de expropriação, ou porque, reconhecendo-se o conteúdo econômico, eles não teriam o mecanismo de expropriação para o credor.
Então, enquanto isso, há uma decisão, o credor recorre, mas, até que seja julgado e tudo mais, muito possivelmente o devedor já usou, já se valeu da utilização de todos esses ativos, e ele fica sem nenhuma compensação ou sem nenhuma satisfação desse crédito.
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Então, dispor sobre essa questão, lá no Livro de Direito Digital, implica, no final do dia, a obrigação, trazer obrigações para esses bancos de ativos de se adequarem à legislação, a fim de que, em processo de execução, em processo de cobrança, de satisfação de crédito, seja possível a expropriação desses bens digitais, tal como ocorre com os bens móveis e imóveis, os bens clássicos com que a gente lida e tão bem conhecidos para a gente, no campo do Direito Civil.
Também inovou o Livro de Direito Digital ao legislar sobre as obrigações da sucessão desses bens, como, por exemplo, a impossibilidade de acesso às mensagens da pessoa falecida, salvo disposição de última vontade.
Essa discussão, inclusive, foi objeto do julgamento de um recurso de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, recentemente, em que o STJ decidiu pela necessidade de abertura de um incidente específico, para se ter acesso a esses ativos digitais do falecido, mas que, dentro desse incidente, se preserve e se resguarde a violação da intimidade da pessoa falecida, porque um ponto é você buscar bens ativos digitais; outro ponto é você, simplesmente, abrir uma vida, uma intimidade, para ter esse fim. Então, há que ter esse cotejo, e é bem-vinda essa inovação dentro dessa reforma do Código Civil.
Então, Senadores, esses são os três pontos que eu julgo serem bastante objetivos e concretos, que eu gostaria de trazer aqui para contribuir com o debate.
Eu gostaria, mais uma vez, de parabenizar a condução deste trabalho, parabenizar esta Casa Legislativa, esta Comissão, que tem trabalhado nesse tema.
E concluo dizendo que, quanto ao Livro de Direito Civil Digital - a Profa. Laura é bastante defensora dele e tem todo o meu apoio nisso - não é um museu de grandes novidades e não pretendeu exaurir o assunto. Ele pretendeu trazer normativas gerais, parâmetros gerais, para que se possa, dentro dessa legislação, a gente acompanhar as inovações tecnológicas, que não fiquem num sistema fechado e, toda vez, se precise ter emendas ou inovações legislativas.
Finalizo, então, citando o Ministro Bellizze, que esteve aqui no começo de outubro e disse que, sem críticas, nós não vamos a lugar nenhum. A crítica é que vai corrigir o processo e esse projeto.
Entendo que este é o momento de aperfeiçoamento desse PL, e a contribuição de todos que estão vindo aqui é absolutamente necessária, para que a gente possa fazer dessa reforma a melhor reforma do Código Civil.
Agradeço então, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, a oportunidade de contribuir com este debate e me coloco à disposição.
Eu te devolvo a palavra, Presidente.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Professora, Sra. Clarissa Medeiros Cardoso, Mestre em Direito Civil, advogada e Secretária da Comissão Especial de Direito Civil do nosso Conselho Federal da Ordem dos Advogados, os nossos cumprimentos.
O Presidente Rodrigo Pacheco pediu alguns minutos, para se ausentar, convidando-me para que, neste tempo, possa presidir, e nós agradecemos.
Quero pedir a V. Sa. que transmita ao nosso Presidente Beto Simonetti os nossos mais respeitosos reconhecimentos ao seu trabalho, distinguindo com a sua presença, representando a nossa OAB.
Incontinente, eu convido o Dr. Guilherme Carneiro Monteiro, Doutor em Direito Civil, advogado e Vice-Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem.
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O SR. GUILHERME CARNEIRO MONTEIRO NITSCHKE (Para expor.) - Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Bom dia.
O SR. GUILHERME CARNEIRO MONTEIRO NITSCHKE - Exmo. Sr. Relator, Senador Veneziano Vital do Rêgo, a quem endereço especial agradecimento, em nome do Comitê Brasileiro de Arbitragem, por ter apresentado o requerimento para que pudéssemos participar desta audiência pública.
Exma. Sra. Senadora Tereza Cristina, na pessoa de quem saúdo todas as Senadoras e todos os Senadores presentes; cara Professora Rosa Nery, que está virtualmente; caro Professor Flávio Tartuce; caras e caros colegas.
Na condição de Vice-Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem - ou CBAr, como é conhecido -, que é a principal instituição para o estudo e desenvolvimento da arbitragem no Brasil, eu manifesto, em seu nome e em nome de grande parte da comunidade arbitral brasileira, muita preocupação com o conteúdo do PL 4, de 2025.
Eu poderia tratar de uma diversidade de temas aqui, obviamente, mas eu vou focar em um que é transversal e de - parece-me - bastante gravidade, qual seja: o PL 4 propõe disciplinar temas que são objeto de legislação especial e, em adição, de lei que foi recentissimamente editada, muito recentemente promulgada.
Quando uma lei assim intenciona, ela, a meu ver, deixa de realizar o seu objetivo primacial, que é dar segurança jurídica e social; ela instabiliza, ela cria insegurança jurídica, e eu escolho três exemplos do PL em que isso acontece, ainda que eu pudesse citar mais.
O primeiro é com o Direito Civil na arbitragem - eu quero dizer: com os 13 dispositivos do PL que pretendem interferir na disciplina da arbitragem e que, inclusive, são objeto de análise por uma nota técnica produzida pelo CBAr, que franquearemos a V. Exas. nas próximas horas.
A arbitragem é o principal método alternativo ao Poder Judiciário de resolução de controvérsias no Brasil e tem importância econômica absolutamente significativa. Basta mencionar que muitos dos principais litígios, hoje, são resolvidos por arbitragem no Brasil.
Isso se deve muito à disciplina que a Lei Federal 9.307, de 1996 (Lei de Arbitragem) - que é reconhecida como uma das mais avançadas do mundo -, introduziu há quase 30 anos, disciplina que foi reformada, inclusive, em 2015, com a participação - por sinal, muito efetiva - do Ministro Salomão, que integrou, como Presidente, a Comissão Temporária do anteprojeto.
Frente a esse cenário de absoluta estabilidade, de absoluta tranquilidade com relação à disciplina arbitral, o que faz o PL 4, de 2025? Ele apresenta 13 propostas de modificação, que, com toda a vênia, ainda que tivessem suas intenções as melhores que fossem, são prejudiciais à arbitragem - são prejudiciais.
Para começar, eu destaco 3 desses 13 dispositivos: os arts. 851 a 853 do PL, que pretendem reformar o chamado contrato de compromisso.
Isso seria um retrocesso bastante significativo, por uma razão fundamental: esses dispositivos deveriam, pura e simplesmente, ser revogados do Código Civil.
A disciplina da convenção de arbitragem está, há quase 30 anos, exaustivamente tratada pela Lei de Arbitragem.
A Lei de Arbitragem trata de aspectos de Direito Civil, além de Processual, evidentemente. Trata da forma, trata dos deveres das partes, trata do objeto da convenção de arbitragem, entre muitos outros aspectos. Não é recomendável inserir uma disciplina que é especial da Lei de Arbitragem e que geraria, assim, potenciais antinomias, por ser lex posteriori, em face da Lei de Arbitragem, como se pretende fazer no PL.
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Basta aludir aqui à defasada alusão ao contrato de compromisso que é mantido e é aumentado no PL, contrato de compromisso que é defasado, na medida em que se fala de convenção de arbitragem, e não de contrato de compromisso - compromisso é uma espécie do gênero convenção de arbitragem.
E, ainda de maneira defasada, o PL segue aludindo ao contrato de compromisso, que vai criar antinomia grave com a Lei de Arbitragem.
Mas, não fossem esses três dispositivos suficientes - e ainda na parte de contratos -, há outro que eu quero destacar.
A meu ver, o inadequado art. 488, §1º, do PL, que pretende modificar a disciplina da fixação do preço em contrato de compra e venda quando não há consenso das partes sobre o valor.
A atual redação do art. 488, parágrafo único, do Código Civil, prevê que, quando houver propostas incompatíveis ou divergentes de valor de preço do contrato de compra e venda entre as partes, prevalece o termo médio, e ponto final.
O que faz o PL? O PL propõe a judicialização dessa fixação do preço; propõe que essa fixação seja submetida à arbitragem ou ao Poder Judiciário, sem nenhuma necessidade para tanto, porque hoje prevalece o termo médio. Hoje não se precisa do Poder Judiciário ou da arbitragem para a fixação de preço, quando há dois preços, e prevalece o termo médio, pura e simplesmente, sem necessidade de intervenção judicial ou arbitral.
Aproveito para saudar o Exmo. Senador Rodrigo Pacheco, que volta a nos brindar com a sua presença.
Então, o §1º, portanto, é um verdadeiro retrocesso, é um downgrade, quando passa a exigir um julgador que hoje não é necessário para fixação do preço no contrato de compra e venda.
Há outros dispositivos sobre arbitragem, em outras partes do PL, bastante inapropriados, como, por exemplo, o art. 202, inciso I, que alude à interrupção do prazo prescricional quando houver despacho do árbitro que determine a citação arbitral.
É uma figura, a citação arbitral, que simplesmente não existe na prática e na disciplina da Lei de Arbitragem. Inclusive, é antinômica, é contrária ao que a própria Lei de Arbitragem prevê no art.19, §2º.
E há outros dispositivos, na parte de Direito Empresarial, que serão tratados na audiência pública respectiva pela Presidente do CBAr, Débora Visconte.
Mas eu quero ficar com outros dois temas que incidem exatamente no mesmo problema e que dizem respeito ao Direito Civil na arbitragem, isto é, aquele Direito Civil com o qual nós, árbitros e advogados, lidamos todos os dias: o problema de se legislar sobre o que foi muito recentemente objeto de lei.
O primeiro deles: juros moratórios.
O Brasil ficou, durante 20 anos, desde a vigência do Código Civil de 2002, com a incerteza sobre qual taxa de juros é aplicável aos juros moratórios, sem segurança jurídica. Daí, então, finalmente, em 2024, a segurança jurídica sobreveio: o Congresso Nacional, por meio da Lei 14.905, de 2024, alterou o Código Civil, nos arts. 389 e 406, fixando a Selic como taxa de juros.
No mesmo ano, o STJ, em Corte Especial, editou o Tema 99, com a adesão da maioria dos seus ministros, definindo a Selic como taxa aplicável.
Este ano, em 2025, o STF, em setembro, mediante julgamento de recurso extraordinário, reforçou que a Selic é a taxa aplicável.
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Ora, ouve-se, lá e cá, que a intenção do PL é, fundamentalmente, consolidar entendimentos jurisprudenciais que sejam pacíficos, mas não é o que está ocorrendo nesta matéria. E, para algumas outras, diga-se de passagem, quer-se legislar contra a lei recente e contra entendimento jurisprudencial pacífico e recente.
Com toda vênia, a lei não pode ser um expediente de insegurança jurídica. Como fica o cidadão comum? Como fica a empresa com esse vai e vem legislativo sobre uma matéria tão central, que são juros moratórios? Como fica o investidor estrangeiro, sem ter a mínima segurança de que o que a lei hoje dita para dívidas civis, para dinheiro, será o mesmo amanhã?
Segundo exemplo em que há este problema de antinomia daquilo que foi recentemente legislado - e em que eu não vou me deter muito, porque já foi objeto da audiência da semana passada - é quanto ao contrato de seguro.
O contrato de seguro está regido por uma ampla lei federal, a Lei 15.040, que foi aprovada ano passado, que demorou 30 anos para ser aprovada, tramitou longamente no Congresso Nacional, foi aprovada por essa legislatura e revogou os dispositivos do Código Civil sobre o contrato de seguro que o PL 4 quer ressuscitar, quer repristinar.
Ora, com toda vênia, isto seria desconsiderar a especialidade da lei de seguros, que é a lei que eventualmente deve ser revista, caso seja o caso de ser revista, e desconsiderar aquilo que foi objeto de recente legislação, de recém-legislação.
Bom, eu poderia trazer outros exemplos de leis recentes e de leis especiais que vão sendo sobrepostas pelo PL 4, como o marco legal das garantias de 2023, as tantas leis que tratam dos contratos tidos por assimétricos - ainda que o conceito de assimetria, como o Prof. Paulo Khouri mencionou, é absolutamente inexato na doutrina brasileira e na jurisprudência - ou mesmo o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que o PL propõe uma consumerização de vários de seus aspectos.
Mas eu fico por aqui, concluindo, Sr. Senador Rodrigo Pacheco, Sr. Senador Veneziano, Sra. Senadora Tereza Cristina: todos esses temas que eu abordei, que serão objeto de sugestões de emendas a V. Exas. pelo Cbar, nada mais fazem do que exemplificar um problema que é transversal no PL e que, em meu sentir, deve ser tratado com o mesmo remédio. Aquilo que foi objeto de lei recente e de lei especial deve ser suprimido do PL 4, de 2025, para priorizarem-se a especialidade e o recente processo legislativo que culminou nas respectivas leis.
Eu reitero aqui, para finalizar, que a lei não deve ser expediente de insegurança jurídica para os cidadãos, para as empresas, para os investidores, e isso não vai ocorrer, caso, ano após ano, um ano após o outro, se queira alterar o que foi muito recentemente modificado.
Eu agradeço a oportunidade de estar aqui, em nome do Cbar, mais uma vez, e desejo a V. Exas. e aos membros da Comissão ótimo trabalho.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke, pela sua exposição.
Igualmente, agradeço à Dra. Clarissa Medeiros Cardoso, que não pude ver a inteireza da fala, em razão da necessidade de me dedicar a um outro tema rapidamente, mas agradeço a ambos pela exposição feita e passo a palavra, imediatamente, ao Dr. Daniel Pires Novais Dias, que é Doutor em Direito Civil, Professor da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro.
Tem a palavra o Dr. Daniel.
O SR. DANIEL PIRES NOVAIS DIAS (Para expor.) - Bom dia a todos e todas.
Eu gostaria de saudar todos os presentes, na figura do Senador Rodrigo Pacheco, Relator do projeto, e de dizer que é uma verdadeira honra e responsabilidade estar aqui hoje, para discutir direito das obrigações de contratos no âmbito do PL nº 4, de 2025.
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Bom, uma das premissas, uma das promessas dos objetivos declarados da reforma era o de reforçar a segurança jurídica, preservar a autonomia privada das partes e garantir uma menor intervenção do Judiciário nas relações contratuais, no entanto, analisando o texto que, ao final, foi apresentado, me parece que há elementos graves que apontam numa direção oposta à desse objetivo declarado.
O primeiro ponto importante de ser chamado a atenção é o crescimento vertiginoso que tem havido, de fato não começa de agora, do número de dispositivos contratuais - vou me ater apenas à parte geral do direito dos contratos -, que já começou no Código Civil de 1916; para o Código Civil de 2002; depois com a Lei de Liberdade Econômica, de 2019; e que agora vai ser aumentado ainda com a lei, caso o PL venha a ser aprovado.
A questão principal não é apenas numérica, mas é o fato de essas normas, de esses dispositivos, estarem, em sua maioria, baseadas em termos abertos, em conceitos indeterminados e em cláusulas gerais que não têm um conteúdo claro para o seu destinatário, para o juiz.
Além disso, vários desses conceitos que estão presentes no PL são novos, eles não têm tradição jurídica no nosso sistema. Os operadores do direito não estão com eles habituados, os juízes não estão habituados a julgá-los.
Eu trouxe, inclusive, aqui um eslaide, uma imagem, que me parece que pode ilustrar bem. Temos aí termos abertos no Código Civil, de 2002, nós já temos aí boa-fé, usos e costumes, função social do contrato.
Em 2019, com a Lei de Liberdade Econômica - esse é um próximo eslaide, pode passar -, esses termos abertos cresceram. Vejam aí que, agora, convivendo com boa-fé, usos e costumes, função social, nós temos os contratos paritários e simétricos, razoável negociação das partes e intervenção mínima.
O que o PL propõe - e aí eu trago um terceiro eslaide -? Ele propõe a multiplicação desses termos abertos, desses conceitos indeterminados, dessas cláusulas gerais. Leio aqui algumas, por exemplo: razoáveis e fundadas cláusulas contratuais, garantia de paridade contratual, unidade de interesses, atipicidade natural dos contratos empresariais, tipos contratuais naturalmente díspares, flagrante disparidade econômica.
Todos eles são termos, para além da sua abertura semântica, são termos com os quais nós não estamos acostumados a lidar. Inauguram, em boa medida, vão inaugurar uma discussão muito longa e muito litigiosa, que vai demorar anos e anos. Vão ser necessários aí, artigos, livros, dissertações de mestrado, tese de doutorado, jornadas de direito civil, e um vai e vem, sobretudo, no Judiciário, para que nós tenhamos uma consolidação mínima em relação a boa parte desses termos, para que nós possamos ter algum tipo de previsibilidade e segurança jurídica.
Diante disso, a questão que fica é, se há realmente a necessidade de acrescentar esta quantidade de termos abertos, sobretudo sob o argumento de que eles que irão garantir a segurança jurídica, que a insegurança existiria hoje, que seriam eles que iriam garantir a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões.
Olhando para eles, como estamos aqui olhando nesse telão, não é isso que nos aguarda no futuro.
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Havendo a positivação desses termos aqui que estão bem delineados para os senhores, o que nos aguarda serão anos de litigiosidade, anos de redução de investimentos, anos de imprevisibilidade e falta de segurança jurídica.
Eu gostaria de, no tempo que me resta, passando para a segunda parte, a parte final, analisar um dispositivo - o próximo eslaide. Eu vou focar apenas em um dispositivo, que é o 421-C, que me parece ilustrar bem um pouco dessa dificuldade interpretativa a que a gente estava referindo de uma maneira mais genérica.
O art. 421-C, no seu §1º, vai dizer o seguinte: "Para sua interpretação, os contratos empresariais exigem os seguintes parâmetros adicionais de consideração e análise". Aqui um primeiro comentário: nenhum dos parâmetros que são elencados aqui nos incisos são de interpretação. O dispositivo já começa com uma atecnia - ao meu ver grave - por chamar de interpretação aquilo que não é. Não fica claro também o que seriam "parâmetros adicionais de consideração e análise", se são a mesma coisa ou se são coisas distintas.
Inciso I - "Os tipos contratuais que são naturalmente díspares ou assimétricos, próprios de algumas relações empresariais [...] [vejam bem, tudo bem que a paridade e a simetria já estão lá em um dispositivo com a Lei de Liberdade Econômica, mas aqui nós temos "naturalmente díspares ou assimétricos, próprios de algumas relações empresariais", nós não sabemos o que é isso], devem receber o tratamento específico que consta de leis especiais [...]."
Parece-me desnecessária essa imposição aqui. É senso comum que o sistema funciona de modo que a aplicação de leis especiais derroga a aplicação de leis gerais; as leis mais novas derrogam a aplicação de leis mais antigas. É necessário realmente impor isso?
II - "A boa-fé empresarial mede-se, também, pela expectativa comum que os agentes do setor econômico de atividade dos contratantes têm [...]". Bom, aqui é importante chamar a atenção que o Prof. António Menezes Cordeiro, jurista português e a maior autoridade em boa-fé do mundo, deparou-se, debruçou-se sobre este dispositivo e falou: "isso aqui não toca a boa-fé". A boa-fé trata de valores e elementos subjetivos do indivíduo, não está voltada para a expectativa comum. Aqui não se trata de boa-fé, a referência à boa-fé aqui só atrapalha.
E depois nós temos no inciso III um dispositivo sobre lacuna que vai usar os usos e costumes para suprimir essa lacuna; o inciso IV vai falar dos requisitos para a cláusula de não concorrência; o inciso V, sobre a atipicidade natural, e o inciso VI, sobre o sigilo empresarial.
Então, os senhores veem aqui uma mistura de diversos dispositivos, de diversos incisos, inclusive, que têm natureza distinta, o que me parece, inclusive, contrariar a Lei Complementar 95, de 1998, que vai dizer que o conteúdo de cada dispositivo deve se ater a um único tema para fim de precisão, concisão e clareza.
Mas o §2º termina dizendo o seguinte: "Nos contratos empresariais, quando houver flagrante disparidade econômica entre as partes, não se aplicará o disposto neste artigo." Lendo esse dispositivo, eu me lembro de um cacoete antigo que o cantor baiano Caetano Veloso tinha. Antigamente, Caetano Veloso, quando era jovem, quando respondia algumas perguntas, às vezes, apresentava respostas longas, confusas, difíceis de entender e tinha o cacoete de desdizer tudo que ele tinha dito até ali, finalizando com um "ou não". Por vezes deixava o interlocutor realmente completamente perplexo e sem saber o que fazer. Como assim "ou não"?
Pois, vejam bem, o intérprete, ao ler esse §2º aqui, fica com uma perplexidade semelhante. Como assim? Então, diante de disparidade econômica, não deve haver sigilo empresarial? Não deve ser preservado? A atipicidade natural dos contratos empresariais não existe mais?
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As cláusulas de não concorrência não devem obedecer a esses requisitos? Não se deve observar a boa-fé no inciso II?
A perplexidade, me parece, é gritante.
Bom, eminentes Senadores, espero, com este pouquíssimo tempo que me foi destinado, ter podido chamar a atenção de V. Exas. para algumas questões que me parecem muito importantes, que são graves e que perpassam todo o projeto.
Como falaram os que me antecederam, isso aqui é apenas um exemplo ilustrativo, mas problemas semelhantes estão presentes em diversos dispositivos.
Concluo com a certeza de que esta Casa, os ilustres Senadores saberão, com muito rigor, com muita calma, absorver todo esse conteúdo, todas essas questões que estão sendo traçadas para apresentar o melhor desfecho possível para o Código Civil, para o Direito Civil e para a sociedade como um todo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Daniel Pires Novais Dias, por sua exposição. Cumprimento-o também pela dedicação de elaborar um gráfico que, certamente, é útil para a compreensão de sua abordagem.
Eu vou fazer uma pequena inversão em razão de uma circunstância de necessidade de antecipação de saída para voo do Dr. Pedro Zanette Alfonsin. Vou tomar essa liberdade, pedindo a compreensão do Dr. João Pedro de Oliveira de Biazi para passar a palavra ao Dr. Pedro Zanette Alfonsin, que é Mestre em Direito Civil, Advogado e Presidente da Comissão Especial de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Com a palavra, o Dr. Pedro.
O SR. PEDRO ZANETTE ALFONSIN (Para expor.) - Bom, muito bom dia a todos.
Cumprimento todos os presentes em nome do nosso Presidente Rodrigo Pacheco e também, sempre, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Cumprimento o nosso Relator, Vital do Rêgo, com quem estivemos em gabinete já em certa oportunidade.
Cumprimento a Senadora Tereza Cristina, que também envidou esse convite para que nós ocupássemos aqui a tribuna para falar um pouco do nosso histórico hoje, presidindo a Comissão de Direito Civil da Ordem dos Advogados. O Dr. Tartuce, a quem também cumprimento, faz parte; o Dr. Tepedino. A Dra. Clarissa é nossa Secretária-Geral da Comissão.
Dentro dessa construção havida, me parece que, quando nós tomamos posse em maio, nós tínhamos uma preocupação muito grande, porque já era um PL, mas vindo de um anteprojeto e sequer havia discussão. E, dentro da sociedade, já se arraigava um sentimento de que o processo legislativo seria muito açodado, de que não haveria voz para escutar as críticas da sociedade.
E o que se vê, aqui no nosso Senado, na nossa Casa Maior, é o contrário, tanto o Relator quanto o Presidente suscetíveis às críticas.
Naquela oportunidade, a quem cumprimento também, estive com o Ministro Luis Felipe Salomão. E ele disse: "Alfonsin, eu gostaria que o Código fosse o melhor possível. Eu não tenho compromisso com o texto trazido pela Comissão e, sim, que essa construção seja a mais democrática possível".
Sem dúvida nenhuma, dentro dos PLs ou das modificações do Código, este é o PL mais democrático, que escuta todas as vertentes, e hoje é, comprovadamente, uma representação disso.
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Dentro da Comissão de Direito Civil, nós tivemos alguns eventos já debatendo a matéria, ouvindo a sociedade, e me tranquiliza também dizer que quem vai interpretar... Efetivamente, a palavra final ainda será do Poder Judiciário, em relação aos temas contratuais, mas não é uma panaceia o texto, e ele merece ajustes também. Os ajustes são necessários, mas temos que saber que recém se iniciou um trâmite legislativo de uma construção, ou seja, não precisamos dar sinais para a sociedade de que vai entrar em vigor no ano que vem, ou de que não vão ser ouvidas todas as partes dentro de matérias tão complexas, como são as modificações de mais de mil pontos dentro de um código.
Então, cumprimento também todos os Senadores pelo trabalho de fôlego que será trazer essas emendas e um texto - não é, nosso Relator? -, no ano que vem.
Bom, dito isto, passo à nossa interpretação, para dizer alguns pontos que penso ser fundamentais.
Dentro dessas mais de mil modificações, a verdade é que muitas não focam nos vértices definidos pela Comissão como propósito trazido para essas modificações. Ou seja, em muitos pontos, efetivamente, não se traz uma melhoria da segurança jurídica, que é a que se propõe a Comissão, não se traz uma melhoria em relação à autonomia privada, ao ambiente de negócios e à segurança jurídica. E alguns outros pontos, sequer... Talvez possa-se dizer que não trazem uma incorporação da jurisprudência, tema tão necessário para que a gente possa enfrentar a matéria.
Dito isso, queria também cumprimentar o nosso imortal, Prof. José Roberto Castro Neves, que tocou em um tema efetivamente importante.
Professor Tartuce, a gente sabe que os arts. 421 e 422 são quase como o rei e a rainha da estrutura contratual como um todo no país e merecem uma atenção especial.
Efetivamente, o §2º do art. 421, como bem destacou, deve ser suprimido, porque não há o que justifique que a função social do contrato, quando atingida, que é um conceito absolutamente indeterminado, e até hoje não foi bem recebido pela jurisprudência, na nossa visão... Ele não pode ter força de extinção do contrato.
E aí trago aqui o tema do art. 422-A, também, em relação ao princípio da boa-fé e ao princípio da confiança incorporados ao contrato, que também traz, como se fosse fator de nulidade contratual, o tema, por exemplo, de violação da boa-fé, o que é algo absolutamente complexo. Por exemplo, se uma das partes violar o dever de informação, poderia haver uma nulidade do contrato que não seria necessária, porque poderia haver simplesmente uma revisão daqueles pontos contratuais que eventualmente tenham sido atingidos.
Nesse sentido, trago também um elogio ao art. 422, que traz a fase negocial, a fase pré-contratual, para a nossa codificação, que é um tema já atingido dentro da doutrina, ou seja, quando se contratar, esses temas da boa-fé podem ser trazidos para este debate pré-contratual, que é algo importante, porém, acredito que, em homenagem ao princípio da confiança, ele deve ser incorporado pelo art. 422, tirando essa hipótese de fator de nulidade absoluta.
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Queria destacar também, como sugestão, e é uma preocupação muito grande, dentro dos pontos que os colegas anteriores ainda não trouxeram, e talvez não seja tema hoje, mas o tema da sociedade estrangeira não deve, na minha visão, sofrer modificações e, se for sofrer modificações, ou seja, quando uma sociedade estrangeira vier ao país, ele deve trazer esclarecimentos sobre pontos de como uma empresa estrangeira deve sediar no Brasil.
Esse é um tema importantíssimo, e aí trago aqui, do art. 1.134, o tema de nós trazermos empecilhos para investimentos em sociedades anônimas no Brasil, ou seja, às vezes, por vezes - e pode nos parecer dessa forma -, uma empresa que vai investir na Bolsa de Valores no Brasil, um fundo estrangeiro, teria que pedir autorização ao Executivo para fazê-lo, e nós sabemos como essas relações são dinâmicas. Portanto, este ponto, para nós, o §2º trazido no art. 1.134, deve, sim, ser suprimido e... Só um instante.
É uma oportunidade de nós trazermos esclarecimentos de como as empresas estrangeiras devem ser sediadas no país. Não basta o dispositivo dizer que tem que ter autorização do Executivo, porque quem hoje regula essa temática acaba sendo os órgãos cartoriais ou o próprio Ministério da Economia, e sequer o estrangeiro consegue, através da lei, saber em qual porta bater no Brasil para trazer seus investimentos. Muitas vezes, a gente está tratando de um investimento em uma empresa no interior do Acre. Não são só as grandes empresas, ou seja, é muito comum se trazerem temas de investimentos estrangeiros e empresas estrangeiras sediadas no país.
Aproveito também para trazer as minhas preocupações em relação às modificações - eu sei que vai ser tema de outro debate - em relação à propriedade privada, no 1.228, e também a insegurança jurídica trazida ao campo e à propriedade privada - e cumprimento o Dr. Maximiliano Tamer, nosso Presidente da Comissão Especial do Agronegócio do Conselho Federal, também AGU, e trabalha hoje com a Senadora Tereza Cristina. Temos essa preocupação em relação a trazer ainda mais segurança jurídica ao campo no que diz respeito a essa temática.
O que eu quero trazer aqui é que, efetivamente, em conclusão, nós devemos, em todos esses mais de mil pontos da reforma, trazer luzes para aqueles propósitos trazidos pela Comissão de Juristas, ou seja, autonomia privada, segurança jurídica, impulsionamento do empreendedorismo e também incorporação da jurisprudência, e não o contrário, ou seja, diversos pontos não dialogam com o objetivo final daquela Comissão.
E aí, concluindo efetivamente, digo que o aperfeiçoamento é uma oportunidade a todos nós de trazer esse debate, e nós não podemos nos furtar, como sociedade e como Ordem dos Advogados, a fazê-lo.
Então, por último, convido-os também, Senador Vital do Rêgo e Senador Rodrigo Pacheco, para que nós possamos fazer, inclusive no Conselho Federal, uma reunião para ouvir os mais de 1 milhão de advogados que estão em todas as cidades do Brasil para que também possam trazer e oportunizar esse debate.
Muito obrigado pela oportunidade.
Ficamos à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Pedro Zanette Alfonsin.
Eu gostaria, em nome da Presidência, de dizer da alegria e da importância da participação da Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Conselho Federal, nesta discussão, não só nesse tema de obrigações e contratos, mas em todas as nuances dessa alteração e dessa modificação do Código Civil, de modo que fica, desde já, aceito o convite formulado por V. Sa. para que possamos estar no Conselho Federal, na companhia do Presidente Beto Simonetti, do ex-Presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que integrou a Comissão de Juristas que debateu a alteração do Código Civil. Oportunamente, poderemos fazer esse ajuste junto ao Conselho Federal, para que haja um debate amplo em relação a quais são as posições da Ordem dos Advogados do Brasil em relação a esse projeto de lei, que certamente será muito bem recebido por nós todos.
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Muito obrigado, Dr. Pedro. Também muito obrigado, Dra. Clarissa, que representa também a Ordem dos Advogados do Brasil.
E volto agora a palavra, na ordem previamente determinada, ao Dr. João Pedro de Oliveira de Biazi, que é Doutor em Direito Civil, Professor e Advogado.
Tem a palavra o Dr. João Pedro.
O SR. JOÃO PEDRO DE OLIVEIRA DE BIAZI (Para expor.) - Exmo. Sr. Senador Presidente Rodrigo Pacheco, muito obrigado pela oportunidade; cumprimento a todos os Senadores e as Senadoras aqui presentes na sua pessoa. Queria agradecer também a oportunidade de ter sido nomeado para participar desta ilustre audiência pública trazida pelo Senador Carlos Portinho, que sempre brinda as reuniões e as audiências com perguntas pertinentes, perguntas importantes, que certamente colaboram para o debate em torno do texto do PL 4.
Na esteira das contribuições que os meus colegas já trouxeram, Senador Pacheco, pretendo cumprir com o tempo que me foi confiado e, para tanto, serei o mais objetivo possível. Serei o mais dedicado possível à abordagem textual, observando o texto apresentado no PL 4 e utilizando esse texto, assim como diz o Prof. Guilherme, que se senta ao meu lado, para ilustrar um problema que é transversal.
Eu vou trazer aqui, Senador Pacheco, dois artigos. Vou fazer uma leitura de apenas dois artigos, mais especificamente de dois artigos de extinção dos contratos, que, a meu ver, ilustram um problema de sistematização do Código.
O tema sistematização é profundamente relevante no Código Civil. O Código Civil cuida de uma miríade de assuntos da vida privada, e o legislador que cuida do Código Civil tem quase a hercúlea tarefa de utilizar categorias jurídicas com precisão idêntica na área de direito das sucessões, de direito das coisas, de direito dos contratos. É preciso ter uma harmonia das categorias jurídicas em direito privado.
Eu acredito que o Projeto de Lei nº 4, assim como disse o meu colega que me antecedeu aqui, o Pedro Zanette, está muito afinado nos seus propósitos. Na exposição de motivos, por exemplo, apega-se muito a uma coisa que eu acredito que une todos nós: a preocupação com a força vinculativa das avenças. Os contratos precisam seguir com alguma seriedade, uma vez que, se há contrato, há a força vinculativa do seu conteúdo, e o seu conteúdo precisa ser prosseguido pelas partes, sob pena de ato ilícito. Essa deve ser a conclusão fundamental, e o Projeto de Lei nº 4, na sua exposição de motivos, busca esse propósito.
O meu ponto, entretanto, é a observação de algumas escolhas terminológicas, sobretudo em duas categorias de extinção dos contratos, que parecem que escapam um pouquinho desse propósito. E, claro, certamente compõem emenda, compõem melhor o que é um pouco do trabalho que se faz neste momento, nesta ilustre Casa Legislativa.
Minha exposição vai cuidar, como falei, de duas categorias jurídicas. A primeira delas é a resilição contratual, que está lá no art. 473 do Código Civil. A resilição é uma categoria conhecida do direito dos contratos, não é novidade, está lá no art. 473, trazida no Código Civil de 2002, e o PL 4 traz uma série de alterações sobre esse tema. Aqui, na minha exposição, vou me dedicar a duas delas, que, a meu ver, comportam alguma reflexão: a primeira diz respeito ao caput, à redação do caput do art. 473, e aqui o projeto de lei faz uma opção interessante.
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O caput do art. 473 utiliza a expressão "denúncia notificada à outra parte": "A resilição unilateral [...] opera mediante denúncia notificada [...]", e aí houve uma substituição dessa expressão "denúncia" por "notificação, judicial ou extrajudicial, da outra parte".
É conhecido entre nós aqui que a expressão "denúncia", assim como todas as expressões distintivas, encontram alguma oscilação. Tem gente que fala que denúncia é a mesma coisa que resilição. Tem gente que fala que denúncia é um instrumento da resilição, é como eu uso a resilição. E aí o Projeto de Lei nº 4 opta por: "Olhe, vamos resolver esse problema tirando a expressão 'denúncia' da Parte Geral", tirando a expressão "denúncia" do art. 473, tanto do caput como do antigo parágrafo único.
Qual que é o ponto aqui, Senador Rodrigo Pacheco? Na Parte Especial - essa é a Parte Geral dos contratos -, na Parte Especial, não só se mantêm as oportunidades da expressão "denúncia" como aumentam-se. Nós temos uma série de artigos na Parte Especial que seguem utilizando "denúncia imotivada", "denúncia motivada", "denúncia ou resilição". Eu anotei aqui, só para referência: art. 602, art. 603, art. 705, o art. 720, que é esse que fala da denúncia ou resilição. Então, aqui eu acho que é um problema, como disse no início da minha fala, de sistematização. Se nós vamos adotar a saída da Parte Geral, que é substituir a palavra "denúncia", tirar esse tema, que é um tema problemático, conceitualmente problemático da Parte Geral, há que se fazer um acompanhamento harmônico na Parte Especial.
Parece um jogo de palavras, Senadores, mas não é. Esse é um tema profundamente relevante para a prática, o direito civil é o direito cotidiano. Esses artigos talvez não sejam artigos que causam muita atenção, mas são artigos que fazem muita diferença na vida cotidiana. Eu acho que aqui é possível algum tipo de ajuste.
O segundo comentário que quero fazer sobre a resilição diz respeito ao §4º. O §4º do art. 473 conduz a hipótese de resilição, aplicando o aviso prévio na resilição em contratos por tempo determinado. E aqui é o seguinte: se a gente olhar toda a sistemática que existe hoje e que existe na Parte Especial do PL 4, tempo determinado... A resilição no contrato por tempo determinado, das duas uma: ou ela é motivada... Eu vou dar um exemplo. Imaginem que eu e o Prof. Guilherme vamos fazer uma sociedade. Se a nossa sociedade for por tempo indeterminado, aí qualquer um de nós pode pedir o direito de se retirar e conceder o aviso prévio à parte contrária, à própria sociedade. Se a nossa sociedade, entretanto, é de tempo determinado, como acontece na SPE, como acontece em sociedades de três anos, cinco anos, para a gente se retirar, resilir, é necessário provar justa causa, é preciso ter motivação, e aí a motivação, então, substitui o aviso prévio.
Isso acontece também na Parte Especial. Na Parte Especial, quando se opera a resilição em contratos por prazo determinado, ou é motivado, ou é pena privada, mas nunca é o aviso prévio. Então, a solução do §4º... De novo, o problema me parece de sistematização, parece que vai no sentido diferente, não necessariamente pior, mas diferente do resto do Código e do que se conhece, pelo menos por enquanto, aqui quanto aos contratos em espécie.
Então, acho que esse é um ponto, para mim... Esse é um ponto fundamental aqui da minha fala. Quero dizer que é uma grande oportunidade que nós temos de fazer um esforço de sistematização e organização das normas, para que o Código consiga, em linguagem única... Não vire uma Pedra de Roseta, uma série de informações distintas.
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O segundo artigo, Senador Rodrigo Pacheco, que comento, é o artigo da resolução anterior ao termo, resolução por inadimplemento antecipado, que está no art. 477-A do Projeto de Lei nº 4. Aqui é um tema que eu acho que é também desses que parecem simples, Senador Vital do Rêgo, mas é de impacto, é de profundo impacto. Primeiro, é um tema topográfico. O art. 477-A vem antes, evidentemente, do art. 477. O art. 477 cuida de uma exceção, que é a exceção de inseguridade. E antes do 477 é o 476, que é a exceção de contrato não cumprido. A exceção de contrato não cumprido e a exceção de inseguridade são temas de encobrimento eficacial do contrato, não é de extinção. Não se trata de tema de extinção do contrato. O 477-A fala de resolução. Resolução é um tema de extinção, então, ele está posicionado errado. O lugar apropriado da resolução antecipada é perto da... Resolução antecipada, resolução anterior ao termo, resolução por inadimplemento antecipado tem que estar perto de onde? Tem que estar perto da resolução por inadimplemento. Onde está a resolução por inadimplemento? No 475. Se já existe no Projeto de Lei 4 o 475-A, seria o 475-B, por exemplo. Parece uma coisa sensível, pequena, mas profunda.
Um segundo assunto sobre isso. Esse artigo, o 477-A, é nomeado na Seção III, onde ele se encontra atualmente, como, abro aspas, "Quebra Antecipada do Contrato". Quebra antecipada do contrato, Senadores, é até uma expressão que aparece na literatura para traduzir o breach, um anglicanismo, para tentar traduzir a ideia de inadimplemento antecipado, mas o tema, mais uma vez, o tema não é inadimplemento antecipado, o tema é resolução por inadimplemento antecipado. Então, o artigo não fala de inadimplemento antecipado, ele fala da consequência, da resolução por inadimplemento antecipado. Aqui eu acho que essa expressão precisa ser substituída, talvez pela "resolução por inadimplemento antecipado". Pronto, está resolvido.
O terceiro e último assunto aqui, cumprindo o meu compromisso, Senador Pacheco, com o tema e com o tempo, é falar do conteúdo. O caput vai lá e fala: "A resolução antecipada é admitida quando, antes de a obrigação tornar-se exigível, houver evidentes elementos indicativos da impossibilidade do cumprimento da obrigação".
O tema não é de impossibilidade, o tema é de inadimplemento. Impossibilidade não é a mesma coisa que inadimplemento. Isso é categórico, conhecido, todos os juristas aqui que me antecederam inclusive escreveram sobre essa distinção. O Prof. Daniel aqui escreveu um ótimo texto sobre isso, a Prof. Judith inclusive também. O tema é de inadimplemento, não é de impossibilidade.
Ajustes, pontos. O que eu tentei fazer, Senador Pacheco? Apontar, olhando para o texto, alterações possíveis que esta Casa pode trazer e que podem ter impacto sensível na aplicação desses artigos se eles vierem a ser aprovados. Nesse espírito, no melhor espírito, no espírito mais colaborativo possível, eu encerro a minha apresentação, agradecendo a paciência de todos com um pouquinho do tempo que estourei e, claro, me colocando integralmente à disposição desta Comissão e do país como um todo para este debate.
Muito obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. João Pedro, por sua exposição. Peço à Consultoria que, não obstante a análise de tudo quanto dito pelo Prof. João Pedro, notadamente essa questão topográfica dos artigos, que me pareceu muito pertinente... Repito, sem prejuízo das outras abordagens que, obviamente, merecerão toda a atenção da Comissão.
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Muito obrigado, Prof. João Pedro.
A próxima oradora é a Profa. Micaela Barros Barcelos Fernandes, que é Doutora em Direito Civil, Professora e Advogada.
A Profa. Micaela participará pelo sistema remoto e já está conectada conosco.
Tenho a satisfação e a honra de passar a palavra à Profa. Micaela, por favor.
A SRA. MICAELA BARROS BARCELOS FERNANDES (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde. Meio-dia agora certinho, então, boa tarde a todos.
Exmo. Sr. Presidente, Srs. Senadores, demais colegas presentes, cumprimento os distintos membros desta Comissão Temporária que analisa a matéria e os membros da Comissão encarregada de elaborar o anteprojeto que resultou na proposta de reforma do Código Civil, ora em debate.
Agradeço o honroso convite para participar desta audiência pública sobre o Projeto de Lei 4, de 2025, e louvo o esforço de fazer ajustes em nosso arcabouço jurídico, adaptando-o às novas realidades econômicas, sociais e, sobretudo, às demandas e valores da sociedade, sempre em constante transformação.
Contudo, todo projeto é ponto de partida, e não de chegada. Tão importante quanto o esforço de atualização de qualquer norma jurídica é o exercício da ponderação sobre o que de fato exige revisão e o que não exige, a fim de que se produzam normas que efetivamente cumpram o seu papel de orientar condutas e assegurar a paz social, não se guiem por modismos e garantam estabilidade para que, justamente em momentos de instabilidade de ordem econômica, política, sanitária, ideológica, dentre outras, possam ser atravessados com menos impactos negativos para a sociedade. Portanto, devem ser sempre sopesados os prós e os contras e, seguindo tal lógica, que é pressuposto de um regime democrático, também as sugestões que foram incluídas no PL 4 precisam passar por criteriosa reflexão e amplo debate.
Infelizmente o tempo curto não me permite me debruçar sobre vários pontos como eu gostaria, mas me coloco à disposição para, quem sabe, em outra oportunidade abordá-los, com base em minha experiência como professora e advogada que atua não só, mas também, na área de obrigações e contratos.
Mirando na objetividade, trouxe dois pontos de atenção: o primeiro sobre o risco de imprecisões terminológicas e confusões interpretativas; e o segundo, sobre a revisitação do tema dos juros legais e da correção monetária - ambos podem trazer insegurança jurídica e instabilidade ao ambiente de negócios brasileiro.
Sobre o primeiro ponto, do risco de imprecisões terminológicas, para ilustrar com um exemplo concreto, falo dos termos de contratos paritários e simétricos. A expressão "paritários e simétricos" não é inédita em nosso Código, pois foi introduzida pela Lei 13.874, a chamada Lei da Liberdade Econômica, e adotada em um contexto de reforço da autonomia privada, quando o legislador, ao trazer o art. 421-A, disse que: "Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção", e pedem, portanto, menos intervenção do Judiciário, devendo "a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada [...]".
Agora, no PL 4, ao invés de se manter a previsão de que contratos civis e empresariais se presumem paritários e simétricos, o que o projeto fez foi introduzir a figura dos contratos paritários e simétricos, ou ainda, só paritários ou só simétricos - por exemplo, no parágrafo único do art. 412 e também em várias outras passagens, que eu não vou apontar aqui pelo pouco tempo -, mas dando a entender, a contrario sensu, que há, dentro do nosso diploma geral, não apenas esses, mas também contratos não paritários e não simétricos, sem, contudo, trazer elementos que permitam esclarecer exatamente o que os distingue em essência e, principalmente, sem ficar claro, caso aprovada a redação tal como a proposta, qual é a disciplina aplicável em cada caso. Se apenas em relação aos contratos ditos paritários e simétricos ou apenas paritários ou apenas simétricos certas previsões se aplicam, para os demais contratos regidos pelo Código Civil o quê, então, exatamente vai valer?
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Na prática, as previsões fazem surgir subgrupos de contratos, subsistemas, aos quais é conferido um certo tipo de tratamento, com reforço da autonomia privada das partes, reforço esse que, me parece, já havia sido bastante contemplado na Lei de Liberdade Econômica, mas criou também um grupo residual de contratos ainda regidos pelo Código Civil, mas que aparentemente não terão mais esse reforço à autonomia privada e às escolhas feitas pelas partes. A previsão, parece-me, além de confusa, porque não há na lei critérios objetivos que possam distinguir um grupo de outro, acaba permitindo que as partes busquem eventualmente poder qualificar, sempre que quiserem questionar regras estabelecidas, preestabelecidas entre si, mas que eventualmente lhes sejam desfavoráveis, suas relações contratuais como não paritárias ou não simétricas, e assim poderão tentar invocar o argumento de que seus contratos merecem um tratamento diferenciado, ou seja, em vez de reforçar o compromisso contratual, as previsões podem enfraquecê-lo. Essa ambiguidade pode também gerar um aumento de litigiosidade e uma busca maior pelo Judiciário, o oposto da anunciada intenção do projeto de lei.
Lembro que esses termos já foram questionados à época da aprovação da Lei de Liberdade Econômica, inclusive porque sabemos que nunca há, na prática, plena paridade ou simetria entre as partes, inclusive porque ninguém é igual, sempre uma parte pode ter maior poder de barganha. Se for uma pessoa jurídica, por exemplo, pode ser maior no faturamento anual, ou no número de funcionários, ou no patrimônio líquido, ou em atuação em zonas geográficas, enfim, há infinitas possibilidades de critérios de comparação e distinção. Independentemente do tamanho de cada parte, o poder, à medida do que está sendo objeto de uma negociação no contrato, o elemento se torna, pode tornar uma parte mais algo, pode inclusive ser irrelevante no caso concreto.
Há, de fato, assimetrias que precisam ser tuteladas no nosso ordenamento, e já são. Por exemplo, as assimetrias informacionais com relação a produtos e serviços, seus itens de composição, riscos, elementos para a formação de preços estão todas tuteladas num diploma especial, que é o Código de Defesa Consumidor. Também, por exemplo, para todo um conjunto de contratos celebrados por quem, de um lado, tem o poder de contratação da força de trabalho e, pelo outro, se subordina a um contratante e suas normas internas, a gente tem a Consolidação das Leis do Trabalho para assegurar direitos mínimos para quem precisa. Além dessas normas, outras esparsas, como o Estatuto da Pessoa Idosa, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, eu não vou me alongar em exemplos aqui, mas há normas que protegem de fato partes vulneráveis em relações contratuais.
O Código Civil deveria ser a regra geral, mas, ao categorizar os contratos da maneira como fez, parece-me que o PL acaba trazendo para dentro do Código o risco de atrair disciplinas protetivas onde elas não necessariamente caberiam. Óbvio que isso não quer dizer que quem contrata com base no Código Civil está jogado aos leões. Há todo um sistema coerente de proteção de contratantes, princípios e regras gerais e específicas aplicáveis que devem dar segurança jurídica a quem contrata. E tanto é assim que todo contrato pressupõe um nível mínimo de colaboração entre as partes. Mesmo nos chamados contratos de troca, há uma exigência decorrente da cláusula geral de boa-fé. E, a depender do contrato em espécie, tipificado ou não, pode haver, sim, maior ou menor grau de cooperação entre as partes, partindo desde os chamados contratos de troca, passando pelos contratos de colaboração propriamente ditos, chegando aos associativos, até ao máximo, os contratos de sociedade, por excelência, a expressão máxima dessa cooperação, em que as partes se aproximam a tal ponto que formam um novo ente jurídico. Enfim, a mim me parece que essa categorização proposta pode mais confundir do que esclarecer e a falta da distinção conceitual ser fonte de insegurança jurídica.
A distinção também resulta nessa chamada consumerização dos contratos regidos pelo Código Civil, como já magistralmente apontado pela Profa. Judith Martins-Costa ao abrir a audiência de hoje.
A gente precisa ter muito cuidado com a linguagem adotada no Código Civil, que é o nosso instrumento de trabalho, dos operadores de direito. Ao usar palavras de uso corrente na sociedade, mas atécnicas, isso importa muito. Ao usar mais de uma palavra quando se pretende dizer a mesma coisa num Código, há o perigo de abrir margem para diferentes interpretações, assim como o contrário: usar a mesma palavra com diferentes sentidos e aplicações no Código pode causar desnecessária confusão, o que custa caro às partes e ao sistema de justiça, cada vez mais demandado. Nossa língua é linda, diversa, e, na literatura, é ótimo que seja amplamente explorada em todas as suas possibilidades, mas há que se fazer uma distinção importante entre uso técnico, uso técnico jurídico e literário ou também técnico médico, econômico. Cada área de conhecimento tem o seu próprio jargão, e não podemos confundir linguagem simples e busca de comunicação efetiva com linguagem atécnica.
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Sabemos o quanto importa usar a palavra certa em cada ocasião, como bem acabou de falar o Dr. João Pedro de Biazi antes de mim. Para quem não é do direito e ouve: resolução, resilição, denúncia, distrato, revogação, pode achar que tudo é uma coisa só, que advogado gosta de falar difícil quando uma relação contratual está sendo desfeita, mas nós sabemos o quanto cada palavra atrai uma disciplina jurídica para si, um conjunto de normas que se aplicam, ou eventualmente afasta outras que não se aplicam em cada caso concreto. Então, o exemplo dessas categorias - paritário, simétrico - para adjetivar os contratos, e há várias no projeto de lei, pode conduzir à insegurança interpretativa e a um apelo excessivo ao Poder Judiciário. Chama a minha atenção, porque uma das justificações importantes, inclusive, para o projeto era desafogar o Judiciário, que, de fato, está sobrecarregado, inclusive com o CPC de 2015, inclusive na tentativa de dar às partes mais instrumentos para decidirem sobre seus negócios e sua forma de solução de eventuais conflitos.
Bem, ainda nessa linha de preocupação com o nosso ambiente de negócios, como o meu tempo está estourando, vou falar muito rapidamente do segundo ponto, que se refere à disciplina dos juros legais e da correção de dívidas civis, prevista no art. 406 e no parágrafo único do art. 389. Por sorte, o Dr. Guilherme Carneiro já trouxe várias considerações que eu traria. Então, para não ficar repetitiva, eu gostaria de apenas reforçar a sua fala, lembrando que a Lei 14.905, de 2024, aprovada há pouco mais de um ano, finalmente superou a controvérsia sobre qual taxa de juros, afinal, deveria ser aplicada nos contratos regidos pelo Código Civil e qual índice de correção monetária deveria ser adotado para a correção das dívidas, especialmente quando omissas as partes. Então, essa matéria foi objeto de debate intenso recente, e, desde o advento do Código Civil, a gente sabe das dificuldades que as partes e os advogados enfrentaram sobre o tema. Um texto que agora venha a reescrever as regras finalmente ajustadas, no ano passado, pode também gerar bastante insegurança jurídica a agentes econômicos internos ou externos e enfraquecer bastante o nosso ambiente de negócios.
Enfim, em vista do tempo, faço apenas referência a um artigo que eu já publiquei a esse respeito específico no Canal Arbitragem, a respeito do tema dos juros, site esse que, inclusive, traz várias contribuições valiosas de autores sobre o projeto de reforma do Código. Então, eu convido todos a conhecerem o site.
Agradeço a atenção de todos.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Profa. Micaela Barros Barcelos Fernandes, por sua contribuição, por sua bela exposição. Em nome da Comissão, agradeço.
Passo a palavra, imediatamente, ao Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, que é Doutor em Direito Civil, Procurador do Estado de Minas Gerais e Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a nossa querida PUC-MG.
Em razão da sua qualificação e de sua origem, tem uma hora e meia para falar. (Risos.)
Com respeito, todo mundo vai compreender. Todo mundo vai entender, viu, Prof. Rodolpho?
Não é, Tereza?
A SRA. TEREZA CRISTINA (Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS. Fora do microfone.) - Sim... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Portanto, o Prof. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior tem a palavra para o seu pronunciamento.
O SR. RODOLPHO BARRETO SAMPAIO (Para expor.) - Exmo. Sr. Senador Rodrigo Pacheco, meu estimado concidadão, na sua pessoa, eu saúdo as pessoas presentes e aquelas que remotamente participam desta audiência.
Exma. Sra. Senadora Tereza Cristina, eu agradeço a oportunidade de participar desta audiência pública e já deixo um registro: é uma distinção que muito me honra poder participar do processo democrático na Câmara Alta do nosso Parlamento. E como V. Exa. é egressa, salvo engano, da Universidade Federal de Viçosa, eu pediria mais 30 minutos de prazo ao que me foi concedido. (Risos.)
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Eu cumprimento também os membros da Comissão, que tiveram a oportunidade de se dedicar a uma árdua empreitada, que é essa de ajudar na construção do direito civil brasileiro, herdeiros aí da tradição iniciada por Teixeira de Freitas, Nabuco de Araújo, Coelho Rodrigues.
Senhoras e senhores, assistindo às reuniões anteriores, lendo as respectivas atas, os artigos que sobre a reforma têm sido publicados, eu percebi que a segurança jurídica é um ponto central nos nossos debates. E não é sem motivo. A segurança jurídica é fundamental para o desenvolvimento econômico de qualquer sociedade. Sem desenvolvimento econômico, não há justiça social, não há combate à pobreza, não há redução das desigualdades.
No entanto, eu tenho a sensação de que há uma longa distância entre os discursos que aqui são proferidos e a minha percepção - e, quando eu falo da minha percepção, eu não falo como um estudioso do direito civil, como um professor do direito civil, mas sim como um advogado militante, um advogado que, há três décadas, atua ativamente no contencioso, aquele advogado que jocosamente se chama de um advogado de barriga no balcão.
Na Procuradoria do Tesouro, Precatórios e Trabalho da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, que eu tenho a satisfação de chefiar, eu tenho 175.468 processos ativos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tenho 8.061 no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Até o final do mês de setembro, eu já ordenei o pagamento de 24.404 requisições de pequeno valor, gastando aí R$136 milhões e, se eu colocar os precatórios, já foram pagos R$824 milhões. Quando, até o final do mês de setembro, se gasta R$1 bilhão, o que se quer é segurança jurídica. Esses números permitem que se imagine de quantas discussões jurídicas eu participo diariamente. Eles demonstram a necessidade que eu tenho de segurança jurídica. E é sob essa perspectiva que eu gostaria de apontar algumas situações, e eu as reduzi a apenas duas situações que já antevejo poderão nos trazer problemas.
Como Procurador de estado, eu fico pensando no impacto que o art. 157, com a redação atribuída aos §§2º e 4º, terá sobre o meu dia a dia. Isso porque se estipulou que, em caso de patente vulnerabilidade da parte, presume-se a existência de premente necessidade e, por consequência, configura-se a lesão do negócio jurídico. Então, se um idoso, tido por hipervulnerável hoje em dia, cede os seus direitos de crédito sobre um precatório por 20% ou por 25% de seu valor de face, como recentemente um de nossos professores fez, Senador Rodrigo Pacheco, a lesão será caracterizada ope legis. Do mesmo modo, os milhares de acordos celebrados para a reparação dos danos causados pelo rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho também seriam juridicamente questionáveis, já que eu estou tratando aí de pessoas em situação de patente vulnerabilidade. Então, esse dispositivo me causa certo temor.
E outro dispositivo que me causa certo temor é a redação dada ao art. 391-A, §3º. O meu receio com esse dispositivo é como a Justiça do Trabalho irá aplicar a penhora dos bens de família considerados de alto padrão. Eu não duvido de que, em breve, aqueles imóveis típicos da classe média serão constritos para o pagamento de dívidas trabalhistas, retirando pequenos empresários e microempreendedores de suas casas. Nós miramos os imóveis de R$20 milhões, mas nós acertaremos os sobrados de R$100 mil. Aqueles que me imputariam a pecha de alarmista devem se lembrar que, atualmente, a corte especial do colendo Superior Tribunal de Justiça está decidindo se deve relativizar a regra que impede a penhora de valores quando o salário do devedor for inferior a 50 salários mínimos. O ministro relator já externou seu entendimento, e o entendimento foi no sentido de que a proteção integral deve limitar-se aos valores situados entre um e dois salários mínimos. Nós estamos tratando de um dispositivo legal que não comporta qualquer dúvida. A lei, expressamente, estabelece salários inferiores a 50 salários mínimos, e o Poder Judiciário reduz essa proteção para um ou dois salários mínimos.
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Antigamente, nós diríamos in claris cessat interpretatio; hoje, no entanto, nós assistimos à corrosão do papel do Legislativo por um Poder Judiciário cada vez mais ativista. A Profa. Rosa afirmou, aqui mesmo, que o CPC de 2015 foi que deu poder aos juízes para legislar. Bom, o julgamento do Tema 1.230 pelo STJ nos mostra que o respeito à letra da lei e o apreço pela segurança jurídica não são exatamente as preocupações centrais do Poder Judiciário. Talvez o erro por ela apontado não deva ser repetido com o atual Código Civil.
Considerando que o meu tempo se aproxima do fim, eu vou me abster de comentar os efeitos nefastos que a função social dos contratos trouxe para a atividade econômica, mitigados com a Lei de Liberdade Econômica, tampouco falarei que as múltiplas alternativas para a revisão dos contratos, apontadas pelo Prof. Paulo Khouri, são o canto do cisne para o direito contratual. Lá em Minas nós temos um ditado popular: "A cada enxadada, uma minhoca". Esse dito pode ser aplicado à nossa reforma: a cada dispositivo examinado, nós soltamos a nossa tradicional interjeição: "Uai sô, mas é isso mesmo?".
Então, em síntese, eu resgato a fala do Dr. Anchieta no sentido de que nós não precisamos viver sob o império das leis que os mortos nos legaram, mas nós tampouco devemos legar um ambiente negocial inóspito, judicializado, em que as relações contratuais serão subordinadas ao crivo moral do magistrado, empoderado pelo poder de definir o conteúdo legislativo.
Eram essas as considerações que eu gostaria de trazer e eu agradeço muito.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, Procurador do Estado de Minas Gerais, da nossa Pontifícia Universidade Católica de Minas. Obrigado por sua contribuição, que certamente será considerada por esta Comissão, pelo eminente Relator, por todos os pares.
Concedo a palavra, neste instante, ao Dr. Rodrigo Cavalcante Moreira, que é Mestre em Direito Internacional e Advogado. Portanto, tenho a satisfação de passar a palavra ao Dr. Rodrigo.
O SR. RODRIGO CAVALCANTE MOREIRA (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Rodrigo Pacheco, Senadora Tereza Cristina, demais colegas presentes.
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Esta é uma oportunidade da vida, digamos assim, que é a de participar do que hoje é o debate mais importante sobre direito civil no nosso país. É uma oportunidade que muito me honrou, Senador Portinho, que representa o meu Estado do Rio de Janeiro com muitíssima habilidade e seriedade, sobretudo nesta Comissão. É uma honra também estar aqui tratando desse assunto na Subcomissão que é relatada pelo Senador Efraim, considerando que eu sou de uma família de paraibanos. Então, hoje é um dia muito especial para mim não apenas pelo tema, mas também por todo esse contexto. Portanto, eu agradeço.
Parabenizo também pelo trabalho a Comissão de Juristas, que, como disse o meu colega Prof. Rodolpho, se dedicou ao trabalho sério e hercúleo de apresentar esse anteprojeto, minto, esse projeto que hoje nós analisamos.
Sr. Presidente, meu trabalho aqui hoje é apenas o de aprofundar um pouco mais uma questão que foi levantada já pela Profa. Judith Martins-Costa, e por outros aqui, que é a tentativa de consumerização do Código Civil que está sendo apresentada pelo PL nº 4, de 2025.
Se você puder fazer a gentileza de colocar essa apresentação... Se você puder passar o eslaide, por gentileza. Isso.
Para entender o que é consumerização, é muito importante a gente entender de onde vem essa expressão. E aqui eu uso uma citação da Profa. Claudia Lima Marques, que compôs a Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto que se tornou o PL nº 4, de 2025. Ela faz uma definição que eu considero muitíssimo bem feita, que é basicamente a seguinte, que o Código de Defesa do Consumidor é um código de diferentes, é um código que adota uma lógica protetiva e intervencionista com fins de concretizar esta proteção - no caso, proteção à parte que se presume vulnerável, uma presunção praticamente absoluta, que é o consumidor. O Código Civil, no entanto, nas palavras da própria Profa. Claudia Lima Marques, Sr. Presidente, é um código entre iguais, é um código em que se presume, que se inicia, cuja espinha dorsal é a liberdade das partes, a igualdade das partes e a não intervenção ou, pelo menos, a intervenção excepcional nessas relações.
Infelizmente, Sr. Presidente, o PL nº 4, de 2025, atrai para o Código Civil uma lógica que é própria do CDC. E aqui, se me permite, Sr. Presidente, eu gostaria apenas de fazer uma pequena analogia que eu gosto de usar no dia a dia, que é a analogia, digamos assim, de um transatlântico. Pensem: é muito fácil fazer uma curva significativa em um barco pequeno, ele não vai quebrar, não vai afundar, nem nada do gênero, mas não é possível fazer isso em um transatlântico, é por isso que mudanças no rumo de um transatlântico são feitas de grau em grau. Obviamente, a ser aprovado esse texto, não significa que o Código Civil se tornará uma espécie de cópia do CDC - não é isso -, mas ele certamente estará alguns graus na direção do Código de Defesa do Consumidor.
E esta é a provocação que eu trago à Comissão: para que reflita se, efetivamente, este é o desejo da Comissão, o de aproximar o Código Civil que, conforme as palavras da própria Profa. Claudia Lima Marques, que é uma jurista seriíssima, uma referência de todos nós, ela própria reconhece, tem uma lógica que é um pouco diferente, no entanto, as alterações propostas nesse PL nos trazem, definitivamente, para mais perto do CDC.
Se você puder, por gentileza, passe dois eslaides.
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Aqui, Sr. Presidente, Senadora Tereza Cristina, é apenas um exemplo de que a consumerização se apresenta de maneira sutil e também de maneira expressa, a começar, por exemplo, pelo uso de expressões que são extraídas ou típicas do Código de Defesa do Consumidor, o que apenas anuncia que, sem dúvida, a influência da parte relativa aos contratos certamente bebeu na fonte do CDC. Então, por exemplo, a expressão “vulnerabilidade”, o uso da expressão “hipossuficiência”, “vício do serviço”, por exemplo, que é uma categoria típica do direito do consumidor, agora podem passar a integrar o Código Civil, o que, certamente, nos leva alguns graus em direção a um processo de consumerização do Código Civil, o que pode ter consequências relevantes - obviamente, esse é um juízo que caberá à Comissão fazer, mas essa é uma consequência que, certamente, existirá.
Se puder, por gentileza, passar mais um eslaide.
Aqui nós temos algumas alterações - novamente, não lerei, obviamente, os artigos para não ser enfadonho -, diversas alterações que ou foram inspiradas no CDC ou foram copiadas do CDC. E aqui eu menciono, por exemplo, o art. 157, que trata da lesão, e já foi mencionado aqui. Ele substitui termos usados pelo Código Civil historicamente por critérios que são típicos do CDC, como, por exemplo, vulnerabilidade e hipossuficiência. É uma lógica protetiva, é uma lógica que não trata de iguais e, nesse sentido, faço referência ao exemplo brilhante dado pelo Prof. Rodolpho, que é o caso em que uma pessoa idosa vende um imóvel por um valor um pouco mais baixo e isso torna aquela operação presumidamente lesiva, o que traz uma colossal insegurança jurídica para operações como essa. No caso do conceito de contrato de adesão, o conceito do contrato de adesão adotado pelo PL é, basicamente, o mesmo do Código de Defesa do Consumidor, é igual, é a mesma coisa. No caso da oferta ao público, o §3º do art. 429 agora é idêntico ao art. 30 do Código de Defesa do Consumidor. No caso dos vícios redibitórios, troca-se a expressão “vício redibitório”, que é própria do Código Civil, pela expressão “vício oculto”, que é própria do CDC - isso, em si, não é um problema, apenas é um indício de que o PL bebeu na fonte do CDC nesse exemplo em particular.
Mais uma vez, dentro do vício redibitório, o caput do 446 é idêntico ao do art. 50 do CDC, e o parágrafo único do 446 é similar ao parágrafo único do art. 50 do CDC. E no caso do art. 609, que trata da prestação de serviço em ambiente virtual, usa-se a expressão “vício do serviço” - não usa a expressão “vício do produto”, foi um erro de revisão meu, pelo qual peço desculpas, mas usa a expressão “vício do serviço” - que é típica de relações de consumo, o que me leva a perguntar se faz algum sentido ter o art. 609-A e B no próprio Código Civil, visto que, ao analisar o seu texto - o que não é o meu propósito hoje, Sr. Presidente -, o que se deixa bastante claro é que ele deveria estar, talvez, numa alteração no Código de Defesa do Consumidor.
E não apenas isso, Sr. Presidente e Senadora Tereza Cristina, mas o PL 4 faz algumas referências expressas ao CDC, por exemplo, o art. 421-B, que é um artigo cuja função eu, sinceramente, não entendi ainda, mas que diz, basicamente, que as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor e as relações de trabalho são regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, que é uma disposição que me parece um pouco redundante, tendo em vista que as leis especiais atraem a incidência de relações que lhe são correlatas, mas, considerando que não há expressões irrelevantes na lei, isso, obviamente, pode trazer incerteza.
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No caso da revisão dos contratos também e, mais uma vez, no art. 609, o que me faz acreditar que houve uma preocupação de proteger, talvez, o Código de Defesa do Consumidor, o que não faz sentido numa reforma do Código Civil.
Se você puder, por gentileza, passar o último eslaide.
Aqui, Sr. Presidente, e eu vou ter que correr um pouquinho em razão do tempo, essa alteração no contrato de adesão é particularmente complicada. Obviamente, é legítima a opção da Comissão, se quiser prosseguir com o texto como se encontra, mas ele traz algumas consequências que podem ser particularmente complicadas, na medida em que ele consumeriza a disciplina dos contratos de adesão.
E aí, ele ignora um aspecto bastante importante da dinâmica da vida empresarial, que é a seguinte: o contrato de adesão não é necessariamente um contrato de consumo. O contrato de adesão é forma, o contrato de adesão não é conteúdo.
E, na dinâmica da vida empresarial, é absolutamente comum que as partes usem contratos de adesão ou contratos com formulários, que é uma expressão que o art. 421-D usa, que foi extraída também do CDC, e a redação do PL 4, de 2025, basicamente diz o seguinte. Olha só, ele estabelece uma espécie de hipossuficiência absoluta para o aderente, o que é uma linha diferente do 473 atual, e limita muitíssimo mesmo o conteúdo dos contratos de adesão, na medida em que o 421-D diz que, salvo nos contratos de adesão, ou seja, não se aplica o que está previsto no 421-D aos contratos de adesão, algumas cláusulas como parâmetros objetivos para a interpretação, alocação de risco, glossário com definições contratuais pelas partes, o que significa que um contrato de adesão não poderá ter um glossário, interpretação do texto normativo e etc.
Isso gera, Sr. Presidente, uma potencial onda de litigiosidade, na medida em que o contrato de adesão é muito comum - e se tem uma incerteza quanto à validade do seu próprio conteúdo e do regime jurídico aplicável.
Então, isso apenas demonstra, na minha humilde opinião, que essa pretensão de consumerizar o Código Civil poderá nos levar, não apenas a alguns graus na direção de uma consumerização e de uma linha mais intervencionista no direito civil, mas gerar consequências, ao que me parece, negativas à prática, não apenas à prática empresarial, mas também à prática contenciosa, e são coisas que não são positivas.
Se me permite, Sr. Presidente, tem um detalhe que eu vou comentar absolutamente rápido. Querido, se você puder, por gentileza, passar o último eslaide. E aqui é muito objetivo.
A disciplina do vício redibitório não consumeriza, ela vai além. Ao tratar da garantia legal, e veja, aos que não são advogados, entendam que o Código Civil traz uma garantia prevista na lei, que é garantida aos contratantes para além da garantia contratual. Essa garantia é de 30 dias para bens móveis e de um ano para bens imóveis.
O PL nº 4 se tornou mais protecionista que o CDC, mais protecionista que o CDC, na medida em que ele adotou, dobrou o prazo da garantia legal para 60 dias, com base num critério financeiro, ou seja, se o bem for móvel e tiver sido adquirido por um valor inferior a dez salários mínimos, o prazo é de 60, o que já é o dobro do prazo atual; mas se for um bem adquirido, bem móvel, adquirido por mais de dez salários mínimos, o prazo é de um ano, que é o de prazo de hoje de bens imóveis. E o caso do bem imóvel são dois anos, independentemente do valor.
Isso, Sr. Presidente, obviamente, é uma escolha do Parlamento. A lei é o que ela é, mas essa escolha, definitivamente , impõe uma mudança estrutural no cálculo econômico que a indústria, por exemplo, faz ao produzir os seus produtos, afinal de contas, existe uma estrutura para uma garantia legal de 30 dias, agora ela tem 60 ou um ano. E esse critério financeiro é um pouco complicado porque, e se eu comprar dez coisas que custem dois salários mínimos o prazo é 60 ou o prazo é um ano?
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Então, veja, a própria adoção de um critério financeiro para criar uma cisão na garantia legal certamente gerará litigiosidade e incerteza, e, nesse sentido, eu peço muitíssimas desculpas ao Sr. Presidente e à Senadora Tereza Cristina e também aos demais por ter estourado o meu tempo, mas eu acredito que eu possa ter demonstrado o meu ponto quanto à questão da consumerização.
Agradeço mais uma vez a atenção de todos, aos meus colegas, aos professores que elaboraram o PL e encerro a minha apresentação.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Rodrigo Cavalcante Moreira, por sua contribuição, um belo pronunciamento que certamente será muito útil à Comissão.
Concedo a palavra agora ao Dr. José Henrique Barbosa Moreira, Advogado, Professor, representante da Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD).
Tem a palavra o Dr. José Henrique.
O SR. JOSÉ HENRIQUE BARBOSA MOREIRA LIMA NETO (Para expor.) - Bom, primeiro, eu queria agradecer ao Senador Rodrigo Pacheco, à Senadora Tereza Cristina, que está aqui presente, ao Senador Weverton também pelo convite à ANCD para estar aqui com vocês para realizar essa conversa. Eu vou ser brevíssimo.
Vindo para cá ontem, pegando um avião do Rio de Janeiro para cá, eu li um artigo bastante interessante do Prof. Sylvio Capanema de Souza, que era um grande civilista do Rio de Janeiro, um amigo pessoal que faleceu na época da covid. Ele escreveu um artigo que veio a calhar, lembrando que o Código de Napoleão, em 2004, completou 200 anos, e desse Código de Napoleão, que tinha 2,3 mil artigos, 1,2 mil continuavam em pé desde 1804, e ele lembrava ainda que uma das últimas palavras de Napoleão, quando estava preso, um dos últimos pensamentos foi o de que em que pese todas as guerras que ele travou, Waterloo iria fazer com que elas fossem esquecidas, todas as vitórias, mas que o Código Civil iria eternizá-lo. Por quê? Porque o Código Civil é o instrumento principal nosso aqui, do nosso trabalho como advogados, a verdade essa.
E a tônica de todos aqui, até então - acho que é a minha tônica também -, é a questão da busca da estabilidade jurídica, da segurança nas relações jurídicas, esse é o bem principal. E como já foi dito aqui diversas vezes, todas essas expressões de caráter genérico, que trazem a dificuldade de uma interpretação, até mesmo porque se tem assistido, muitas vezes, um alargamento em algumas regras jurídicas, um alargamento que, a rigor, é extremamente perigoso, porque o investidor estrangeiro, por exemplo, o próprio cidadão brasileiro, procuram o advogado, procuram o Judiciário com base nas regras legais que existem e, muitas vezes, é difícil até mesmo para o advogado orientar uma situação determinada, porque houve um alargamento em determinadas regras que, a rigor, não admitiam esse alargamento. Então, esse cuidado que estamos tendo todos aqui - está sendo bastante comentada a segurança jurídica - é um cuidado extremamente relevante.
E na minha área de especialidade, que é a parte de tecnologia, a parte do direito civil ligado à tecnologia é mais grave ainda.
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Eu vim falar aqui especialmente do Capítulo IX (Assinaturas Eletrônicas) e do Capítulo X (Atos Notariais Eletrônicos) e serei bastante curto.
Qualquer coisa, qualquer legislação que venha regular a parte tecnológica é uma legislação bastante perigosa, porque a área tecnológica é muito dinâmica, é muito rápida e é modificada de uma forma incrível. Nós não tratamos aqui do fato social, nós tratamos de um fato tecnológico, que é muito mais rápido do que o fato social. Então, a lei que visa a regular questões eletrônicas precisa ser regulada de forma bastante básica.
E eu não sou contrário à regulação, muito pelo contrário. Há 10, 20 anos, as pessoas falavam que a internet tinha que ser um território livre, sem lei. Não, acho que não. A lei precisa estar lá.
Eu me lembro de que, nos anos 90, eu participei, aqui na Câmara dos Deputados, com o Deputado Luiz Piauhylino, de uma Comissão em que estavam o Prof. Damásio de Jesus e o Prof. Luiz Flávio Gomes sobre os primeiros projetos de lei de crimes na internet, em que a gente visava exatamente isso, já prevendo situações, porque existia já no exterior, essa legislação. Então, era muito importante que isso tivesse.
Aqui no Brasil, nós temos, referenciando ao Capítulo IX, as assinaturas eletrônicas. Essas assinaturas eletrônicas já estão reguladas pela Lei 14.068, de 2020, e também pelo Decreto 10.543, de 2020. Então, nós temos aqui já pelo menos cinco anos de vigência, sendo que as assinaturas, a assinatura em si, a assinatura eletrônica qualificada vem desde a Lei 2.200, de 2001. Então, nós estamos falando de um legado aí de 25 anos já de legislação eletrônica, regulada pelo ITI, que é uma autarquia federal que regula, que baixa toda essa normatização.
Então, eu acho, senhores, com toda vênia, que o que a gente deve incluir no Código Civil são aquelas regras que já são perenes na sociedade. Nós temos que tomar com muito cuidado para não incluir regras que são suscetíveis de modificação repentina, principalmente, na área tecnológica.
A Lei 10.063, a meu ver, já atende. Se é o caso de colocar isso no Código, eu acho que a gente deve fazer uma reprodução sucinta disso. Por isso a nossa sugestão, aqui, fica: ou remover esse capítulo ou enxugá-lo.
E a outra sugestão que também é bastante importante aqui diz respeito ao capítulo seguinte, que é o Capítulo X, o capítulo que trata sobre os atos notariais eletrônicos. Esse Capítulo X, um tema bastante novo para mim, começa no 2.027-AY e acaba no 2.027-CH. E, só nesse Capítulo X, falando de serviço notarial, nós temos 12 páginas. Eu olhei assim e eu falei: parece até a Lei de Registros Públicos, a 6.015, dos anos 70, e nós estamos colocando de volta.
Mas, na verdade, o que a gente verifica aqui é que esse regramento todo veio de onde? Ele veio de um provimento do Conselho Nacional de Justiça, que era o Provimento 180, depois virou o Provimento 149, de 2023, regulando o serviço notarial. Isso são procedimentos internos de serviço notarial. E eu pergunto... Isso, Presidente, eu acho que não é para estar no Código, isso são procedimentos operacionais, isso é algo para o próprio Conselho Nacional de Justiça, quando estava regulando, quando está regulando ainda... Esses provimentos já foram mudados 20, 30 vezes, porque são regulamentos operacionais, isso não é matéria perene, entendeu? Então, não era o caso estar aqui. Fora que ainda há umas contradições, eu vou citar somente uma para ser bastante sucinto.
Aqui, no art. 2.027-AW, nós falamos das assinaturas, assinatura eletrônica simples, avançada e qualificada. A qualificada está aqui como aquela disciplinada pela Medida Provisória nº 2.200-2.
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Tudo bem, até aí tudo certo.
Aí nós vamos então para o Capítulo X. Atos notariais eletrônicos e notariado.
Aqui temos aqui "assinatura eletrônica notarizada". Já é uma nova assinatura eletrônica: qualquer forma de verificação de autoria, integridade e autenticidade de um documento eletrônico realizada por notário, com a atribuição de fé pública.
Quer dizer, é como se fosse uma outra assinatura. E por que diz isso? Porque aqui, no inciso III, eles colocam "assinatura digital". Esse termo não existia na lei ainda e não estava aqui dentro das assinaturas. Aí fala "assinatura digital". O que é? É a Medida Provisória nº 2.200-2. Ué, mas como é possível, se aqui no inciso III, 227, a assinatura da Medida Provisória nº 2.200-2 é qualificada e aqui já aparece com o nome de "assinatura digital"? Então, quer dizer, é uma contradição que precisa ser corrigida, e a gente até entende por causa das várias matérias que estão sendo tratadas ao mesmo tempo.
Eu tive a felicidade de chegar um pouco mais cedo, e falei com o Dr. Flávio aqui, que é um dos organizadores, e a gente já chegou a alguns consensos em relação a isso - até fiquei de colocar isso - e acho que essa necessidade, essa busca da estabilidade jurídica, é o bem principal.
Então, vou-me manter por aqui, Excelência, somente com essas colocações, e agradeço mais uma vez a atenção de todos aqui.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. José Henrique Barbosa Moreira, por seu pronunciamento, por sua contribuição.
Agradeço, inclusive, essa reflexão sobre a questão de se positivar algo inerente à tecnologia, que é dinâmica por essência, não é? Então, a tecnologia evolui a cada momento e, naturalmente, ao se positivar conceito, é preciso ter essa cautela de compatibilização, assim como as abordagens que o antecederam, também, fazem algumas reflexões em relação a capítulos, a títulos e a dispositivos da alteração do Código Civil que remetem a leis recentemente aprovadas pelo Congresso Nacional - uma delas a Lei de Seguros. Cheguei a relatar essa matéria, antes de ser Presidente do Senado, depois ela foi aprovada, já na minha Presidência, assim como o marco legal das garantias, então, nós temos que fazer, com bastante cautela, essa compatibilização para evitar um bis in idem que gere insegurança jurídica.
Essa é uma cautela, de fato, que precisa ser considerada.
Por isso, agradeço o pronunciamento do Prof. José Henrique Barbosa Moreira e concedo a palavra neste momento ao Dr. Cristiano de Souza Zanetti, que é livre docente em Direito Civil e professor da Faculdade de Direito da USP.
O Prof. Cristiano vai participar pelo sistema remoto, já está conosco conectado, e tenho a satisfação de, a ele, passar a palavra.
Tem a palavra Prof. Cristiano.
O SR. CRISTIANO DE SOUZA ZANETTI (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado, ilustre Senador Rodrigo Pacheco.
Boa tarde, ilustre Senadora Tereza Cristina.
Prezadas e prezados colegas, na minha percepção, Senador, o projeto do novo Código Civil deve ser arquivado. No âmbito do Direito dos Contratos, em particular, o novo Código Civil propõe um regime jurídico incompreensível, arbitrário e, portanto, injusto. Dentre os muitos problemas que o projeto apresenta, gostaria de me concentrar, nesta oportunidade, em dois deles, que considero ser especialmente graves.
Em primeiro lugar, de acordo com o novo Código Civil, os contratos somente serão respeitados se observarem as noções de paridade e simetria.
Indo muito além da Lei da Liberdade Econômica, o novo Código Civil dispõe, em seu art. 421, que, abro aspas: "nos contratos civis e empresariais paritários, prevalece o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual", fecho aspas. Isso significa que, se não houver paridade e simetria, a intervenção judicial será constante, e a revisão do pactuado será a regra.
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Na mesma linha, há diversos outros dispositivos que autorizam a intervenção judicial nos contratos se não houver paridade e simetria. Isso ocorre, por exemplo, no art. 946-A, para generalidade dos contratos; bem como nos arts. 599, §2º, e 603, parágrafo único, a propósito da prestação de serviço; no 620, parágrafo único, a propósito da empreitada; no 629, a propósito do depósito; no 725, a propósito da corretagem; no 734, a propósito do transporte; nos 775, §2º, 768, §2º, 771, §5º, 771-C e 768, §2º, a propósito do contrato de seguro; e, finalmente, nos arts. 1.422, §3º, 1.428, §1º e 1.431, §2º, a propósito dos contratos de garantia.
Ocorre que nenhum advogado, nenhum juiz, nenhum promotor e, sobretudo, nenhum contratante sabe o que seja paridade e simetria contratual. Isso não deve causar surpresa, afinal são as diferenças que levam as pessoas a negociar e a contratar. O comprador adquire a coisa porque a prefere ao dinheiro, ao passo que o vendedor prefere o dinheiro à coisa. Se ambos estivessem na mesma situação, se tivessem interesses paralelos, a compra e venda nunca seriam celebradas. Nos contratos, as partes se vinculam porque querem o que não têm e, para tanto, assumem riscos que podem ou não vir a se materializar.
Na jurisprudência, igualmente sem surpresa, não se tem notícia de qualquer julgado que esclareça quais os critérios que devem ser levados em conta para aferir o que seja paridade e simetria contratual. Na ausência de critérios legais, doutrinários, jurisprudenciais ou mesmo práticos que permitam esclarecer o sentido das noções de paridade e simetria, o projeto de novo Código Civil submete os contratantes a uma disciplina incompreensível, arbitrária e, portanto, injusta, daí ser de rigor o seu arquivamento. Não fosse o suficiente, o projeto de novo Código Civil comete mais um equívoco irremediável ao tolher o caráter vinculante de qualquer contrato que viole a respectiva função social, conforme o projeto prevê em seu art. 421, §2º.
A função social do contrato se encontra na legislação há mais de 20 anos, e, até hoje, ninguém pode afirmar com segurança o que isso significa. A total falta de clareza da função social do contrato foi destacada por três membros da Comissão Temporária. De maneira enfática, um deles chegou a afirmar que, uma vez aprovado o novo Código Civil, abro aspas, "o contrato não será mais o que as partes previram, mas o que o juiz decidir", fecho aspas.
Não obstante tais críticas, o texto proposto foi aprovado por apertada maioria, sem que nenhum membro da Comissão Temporária tenha se dado ao trabalho de esclarecer o que se deve entender por função social do contrato.
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Na audiência pública da semana passada, a preocupação com a falta de sentido da função social do contrato voltou a aparecer. Foram, então, feitos três comentários em defesa do projeto de novo Código Civil.
Em um primeiro momento, afirmou-se que a noção de função social é, abro aspas, "absolutamente bem compreendidas pela doutrina, [...] bem compreendidas pelo Judiciário", fecho aspas. Trata-se de afirmação divorciada da realidade, seja porque não há qualquer uniformidade na doutrina, seja porque existem - e enfatizo esse ponto - mais de 51 mil julgados sobre o tema, cujo teor não poderia ser mais diverso. Não se tem notícia, aliás, de que tais julgados tenham sido discutidos, nem mesmo por amostragem, durante a elaboração do projeto de novo Código Civil.
Em um segundo momento, para conferir concretude à noção de função social do contrato, afirmou-se, na última audiência pública, que a sua violação ocorre sempre que, abro aspas, "a circulação de riquezas [...] [se der] de maneira ilícita, criminosa, fraudulenta, [ou] simulada", fecho aspas. Trata-se de afirmação que tampouco confere qualquer sentido à noção de função social do contrato, visto que ilicitude, fraude e simulação são vícios dos negócios jurídicos conhecidos desde o direito romano.
Em um terceiro momento, ainda a propósito do tema, afirmou-se que a dificuldade de lidar com a função social do contrato, abro aspas, "não é pequena", fecho aspas, e que, abro aspas novamente, "isso vai cair, sem dúvida, na mão do magistrado, para ele decidir", fecho aspas. Trata-se, agora, de uma afirmação cheia de sentido e que corrobora o que já havia sido dito nos trabalhos preparatórios, pois reconhece que, com o novo Código Civil, abro novamente aspas, "o contrato não será mais o que as partes previram, mas o que o juiz decidir", fecho aspas.
Como se vê, o projeto de novo Código Civil não tem em mira consolidar a jurisprudência, mas, sim, conferir ao direito brasileiro um caráter verdadeiramente singular, dado que as noções de paridade, simetria e função social do contrato não fazem parte da história do direito nem encontram abrigo no direito de qualquer país que seja. Das muitas inovações pretendidas pelo Código Civil, decorre uma importante ampliação do arbítrio judicial. Isso porque o Judiciário passará a decidir, caso a caso, instância em instância, se as noções de paridade, simetria e função social foram observadas e, consequentemente, se as cláusulas acordadas deverão ou não ser respeitadas. Ao pretender reger o direito dos contratos com base em noções desprovidas de sentido, como paridade, simetria e função social, o projeto de novo Código Civil põe em risco a autonomia privada, fomenta a judicialização dos negócios jurídicos e, o que é especialmente grave, impede que os contratantes saibam como devam se comportar para seguir a lei.
Nesse cenário, a afirmação, igualmente feita na audiência pública da última semana, de que o projeto visa a aumentar a segurança jurídica e a promover a estabilidade econômica, se mostra inteiramente gratuita, sobretudo quando se tem presente que não foi realizado qualquer estudo de impacto econômico que amparassem as muitas inovações propostas.
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Na minha percepção, os defeitos do novo Código Civil são irremediáveis e recomendo seu pronto arquivamento, pois desconheço razão que justifique a discussão de uma disciplina incompreensível, arbitrária e injusta.
Eu agradeço a oportunidade de me manifestar nessa sede e fico à disposição do Senado para debater o projeto.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço ao Dr. Cristiano de Souza Zanetti o seu pronunciamento e sua contribuição à Comissão Temporária de atualização do Código Civil, e, neste momento, tenho a satisfação de passar a palavra, pelo sistema remoto, à Profa. Rosa Nery, Relatora-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil.
A Profa. Rosa Nery está conectada? (Pausa.)
Profa. Rosa Nery, agora nós estamos visualizando V. Sa.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Estou aqui.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - V. Sa. pode se pronunciar.
Tem a palavra.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Está sem o áudio, professora.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY - ... e os...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora voltou o áudio.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Sem áudio?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora voltou - agora voltou.
Pode falar.
Obrigado.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Para expor. Por videoconferência.) - Saúdo V. Exa., a Senadora Tereza Cristina, o Senador Veneziano.
Hoje foi um dia memorável. Por certo, eu fico muito feliz de saber que tantas pessoas estão estudando direito civil. Confesso que fiquei surpreendida com tanta qualidade das observações feitas, das críticas feitas, que recebo com muito carinho e gosto. Penso que nós estamos indo pelo caminho certo. Que bom que nós estamos discutindo essas questões todas aqui, Excelência.
A começar pelo art. 391, eu faço gosto que cada um dos Senadores leia o que é impenhorável. Quem diz o que é bem impenhorável é o direito civil, não é o processo. O processo não diz o que é bem impenhorável. Isso é uma decorrência de um princípio muito simples, chamado imputação civil dos danos. É o direito civil que tem que dizer, exatamente como está no art. 391-A. Penso que vai ajudar muito colocar ordem na questão da excussão do patrimônio mínimo, que não pode ser excutido. Isso não é um problema de direito do consumidor, é um problema de direito civil.
Acho que nós devemos compreender as palavras que estão no Código: função social, ordem pública, simetria, paridade, precisam ser entendidas e debatidas. Elas não são um monstro. A função social é do direito, é dos institutos jurídicos. Todos os institutos jurídicos têm uma função social, porque, se não tivessem, não seriam institutos jurídicos. Portanto, o contrato tem uma função social, e não foi outra pessoa que disse isso com clareza, foi Miguel Reale, no Código Civil vigente. Função social e ordem pública são temas de direito civil.
Aliás, o Código português, que é um exemplo de erudição, vigente, tem 21 casos de ordem pública que redundam em nulidade do negócio jurídico. Nós, que estamos vivendo um tempo de uso da empresa e do contrato para a prática de crimes, devíamos dar mais atenção para o direito civil, porque não se resolvem certos problemas sociais que descumprem a função pública com o direito penal; é o direito civil mesmo que sabe decidir certas questões.
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Paridade e simetria são palavras que estão na língua portuguesa há séculos. Quem for ler Bluteau verá que simetria é algo que se refere às coisas, e paridade é algo que se refere às pessoas. Coisas simétricas são as que têm valor aproximado, é um termo conhecido da economia, por exemplo. Um dia desses, o antigo Presidente do Banco Central usou esse termo para se referir a coisas e sua valia. Portanto, não vejo essa surpresa que vem sendo trazida com tanta veemência. Eu não gosto das duas expressões, não gosto. Por mim, não precisaria que elas ficassem no Código de Direito Civil, não precisaria. Ela está na Lei de 20,e ninguém contra ela se pôs. Agora ela virou o motivo da discussão de que a reforma vai trazer insegurança jurídica. Que insegurança jurídica se estão sendo claras as questões postas? Há excessos? Estamos falando em simetria e paridade ad nauseam? Então, vamos retirar a palavra.
Eu lembro-me aqui, Senador Pacheco, V. Exa. com a sua mineirice, há de compreender o que eu vou dizer, certa vez, na época em que eu estava ainda no Ministério Público, um rapaz quis fazer a prova do Ministério Público e ele precisava fazer o psicotécnico. Não sabia o que o esperava. Foi procurar um psicólogo. O psicólogo disse a ele: "Meu filho, se te mostrarem um papel com preto e branco, você veja bem o que você vai escrever sobre o que viu. Não diga que viu um morcego, por exemplo". E o sujeito foi, fez a prova e voltou ao psicólogo. E ele, psicólogo, disse: "Como foi?". Ele disse: "Fui bem... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Eu não vou ficar sem a conclusão. (Risos.)
Vamos esperar a conexão. (Pausa.)
Profa. Rosa... (Pausa.)
Profa. Rosa...
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - ... mas que o morcegão estava lá estava.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Desculpe interrompê-la...
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Na verdade, as coisas não precisam ser ditas.
Diga.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Profa. Rosa...
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Alô? Alô?
Pois não?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Nós estamos ouvindo a senhora, todos aqui muito atentos e houve um problema técnico na conclusão do psicotécnico. (Risos.)
Então, eu vou pedir, Profa. Rosa, para repetir a história desde o começo, do aluno que ia fazer a prova do psicotécnico e procurou o psicólogo. Então, peço desculpas, mas houve um problema técnico que paralisou justamente na conclusão. Então, se puder voltar à história do psicotécnico e aí dar continuidade no tempo que a senhora quiser. Por favor. (Pausa.)
Ainda estamos sem conexão.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - Pesquisa no ChatGPT... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora está ainda sem conexão, Profa. Rosa.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Alô?
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora nós estamos ouvindo e não vendo ainda.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Alô?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora, nós estamos ouvindo, Professora.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Eu estou ouvindo V. Exa.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Nós estamos ouvindo, mas não estamos vendo a imagem.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Alô? Alô? (Pausa.)
Alô?
Pois, então, eu vou terminar o caso... (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - É, nós estamos com problema de conexão, Profa. Rosa.
(Intervenções fora do microfone.) (Risos.)
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. RODRIGO CAVALCANTE MOREIRA - Sr. Presidente, eu vou pedir um destaque para a gente... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Vou acolher a sugestão do Dr. Rodrigo Moreira, que pediu um destaque para a história do psicólogo, e nós vamos ouvir...
O SR. RODRIGO CAVALCANTE MOREIRA - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - ... ao final.
Mas nós não terminamos esta reunião de hoje sem ouvir essa conclusão. (Risos.)
Nós estamos sem conexão com a Profa. Rosa, infelizmente, mas nós vamos voltar a ela em instantes.
Então, vamos dar dinâmica em nossa reunião ouvindo o Prof. Flávio Tartuce e, na sequência, voltaremos à Profa. Rosa Nery.
Por favor, Prof. Flávio Tartuce.
O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Obrigado.
Boa tarde, boa tarde a todos.
Como eu sempre começo as minhas falas, mais um dia histórico para o direito privado brasileiro, em que pudemos ouvir críticas, compartilhar esse trabalho que nós começamos - elogios, isso também, Paulo - desde 2023, nós vamos entrar agora no quarto ano já de debate da reforma do Código Civil; quarto ano de debate!
Eu lembro que as leis recentes de Direito Civil, a gente conversava antes, Presidente, vieram de medida provisória. Todas elas, as leis recentes, desde a Lei da Liberdade Econômica, passando pela Lei do Serp, do marco legal das garantias, da lei das assinaturas digitais.
E aí eu pergunto aos senhores: quando, na história recente do direito brasileiro, nós tivemos um debate dessa natureza? Os senhores sabem? Nunca! Recentemente, nunca; com transmissão pela TV Senado, ouvindo os críticos e tendo esse debate sadio e muito pertinente para o direito brasileiro.
Eu destaquei aqui dez pontos para a minha fala.
Alguns dos temas a Profa. Rosa já começou a tratar e vai voltar a tratar. Nós fizemos aqui uma divisão prévia dos assuntos.
Primeiro, para esclarecer, com o devido respeito, que não há nada de consumerização no projeto de reforma. Aliás, o art. 421-B foi uma proposta da Profa. Rosa, fez bem a separação de quatro tipos contratuais para dizer que em cada contrato, esse foi um pedido da comissão de empresa, há uma natureza jurídica própria e uma função a ser respeitada.
As propostas de vícios redibitórios nada têm de influência do Código de Defesa do Consumidor. As propostas de vícios redibitórios traduzem o Enunciado 176 da III Jornada de Direito Civil e um julgado, aliás, outros julgados também do STJ, especialmente um julgado da Ministra Galotti, prevendo que há um prazo para o vício se manifestar, por isso que os prazos são maiores. Aliás, hoje o prazo já é maior, o prazo de imóvel é de um ano e a gente aumenta para dois porque tem um prazo máximo de dois anos, que é o prazo para alegação, como está lá no art. 205. O art. 445, na verdade, dialoga com o art. 205, então, com o devido respeito, não há consumerização.
Eu falei, na minha primeira exposição, que a gente tem uma regra inédita sobre contratos empresariais, que é o 421-C, algo inédito, uma separação dos contratos empresariais, um artigo que trata de princípios do direito empresarial para trazer segurança jurídica e seguindo a linha, inclusive, da jurisprudência do STJ, de que os contratos empresariais são diferentes.
Sobre o artigo dos contratos empresariais, que é o art. 421-C, na verdade, eu concordo com o Dr. Daniel, eu tiraria aquele §2º, mas eu fui vencido. Então, fui vencido neste debate, no §2º do 421-C, porque acho que não tem que se fazer uma distinção para os contratos empresariais e não se aplicarem as regras do 421, com aquela exceção final. Eu vou até aqui concordar com várias das exposições e falo pessoalmente, porque, como já disse aqui, por uma questão ética, em alguns temas fui vencido e não falo como Relator, falo aqui pessoalmente.
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A respeito também dos contratos de adesão, o conceito - nós aprovamos na III Jornada, Paulo, que os contratos de adesão não se confundem com os contratos de consumo, Enunciado 171 da III Jornada de Direito Civil, e não há nada de consumerização, a gente só precisa trazer o conceito de contrato de adesão, que está errado, mal colocado no Código de Defesa do Consumidor, trazer para o Código Civil -, com o devido respeito, não acho que contrato de adesão seja conteúdo, seja forma; toda doutrina classifica os contratos hoje de adesão ou por adesão e contratos paritários.
Por falar desse termo, não fomos nós que colocamos na lei, contratos paritários e simétricos estão no Código Civil, no art. 421-A. Aliás, vejo uma contradição: a gente está chancelando a lei recente, a gente está chancelando uma lei recente que passou por uma composição deste Parlamento. Nós atuamos, eu lembro, Senador Pacheco, V. Exa. tinha acabado de chegar ao Congresso, e nós mandamos propostas para V. Exa., para outros Senadores, participamos do debate - não propusemos o arquivamento da MP 881-, à época, participamos democraticamente do debate. É uma boa lei, no meu sentir, e acho que a gente precisa complementar aquilo que a lei trouxe, não é o caso de revogar o 421-A, revogar o art. 3º, inciso VIII da Lei da Liberdade Econômica, que trouxe vários avanços do ponto de vista dos grandes contratos, contratos empresariais, e é o meu objeto de trabalho. Acho que esses termos precisam ser mantidos e precisam ser ampliados, porque foi a Lei da Liberdade Econômica que acabou, num debate muito rico aqui no Congresso Nacional, trazendo essas proposições.
Quero agradecer ao Dr. Rinaldo Mouzalas, meu colega de Conselho Federal, já me coloquei à disposição para a gente fazer alguma alteração no dispositivo sobre fiança. Também já conversei com o Prof. Paulo Roque - muito técnico, como sempre -, e, além dos elogios que fez na parte de obrigações, a gente conversou aqui sobre as propostas para o 317 e o 478. E me dizia aqui o Carlos Pianovski que, na verdade, a revisão ficou mais dura, e talvez seja o caso de se fazer, ficou mais difícil a revisão contratual com critérios objetivos de revisão. Nós adotamos até, eu falei que ia comentar com você um enunciado que foi aprovado na IV Jornada, que é de sua autoria, o 366, está no conteúdo, quando fala em requisitos objetivos, Dr. Paulo, e V. Exa. é uma referência nesse tema, para talvez a gente melhorar a redação dos arts. 317 e 478.
Quero enaltecer também a fala do Dr. Biazi, fez proposições muito interessantes, eu concordo com todas elas, perdão, com exceção de uma: acho que está correto o 473 usar a expressão "notificação" e, na parte especial, falar propriamente em denúncia, porque a denúncia é própria dos contratos em espécie. Então acho que essas previsões, com o devido respeito, devem ser mantidas, as menções à denúncia na parte de contratos em espécie.
Quero dizer que, na minha percepção, pelos debates que tivemos, o 421, §2º, caiu, não foi bem recebida essa proposta, na minha visão, sobre invalidade por contrariedade à função social, já foi falado desde o início, e a gente, o Parlamento não aprovando, na doutrina nós nos reservamos às críticas doutrinárias, porque fica para um novo Código Civil, porque esse não é um novo Código Civil, essa é uma reforma do Código Civil.
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E acho que, quanto à lesão também, ficou bem claro que é bem divergente aquela proposta do parágrafo da lesão. Eu acho que essas propostas realmente são propostas polêmicas.
Eu quero dizer, sobre a função social, que da última reunião o que surgiu - e eu acho que o Parlamento tem que fazer essa escolha política - foi a gente colocar parâmetros para a função social do contrato. Então, desde a última reunião, já mandei para a assessoria do Senador Portinho, que encaminhou também para a assessoria do Senador Efraim, uma proposta que nós fizemos, com base no que foi construído sobre função social do contrato, na doutrina e na jurisprudência nos últimos anos, para trazer parâmetros objetivos para a aplicação da função social.
Quanto à fala do Dr. Guilherme, acho que ele fez boas pontuações, com exceção dos juros, porque eu acho que nessa proposta também a gente deve ficar com o que a lei aprovou, assim como no contrato de seguro, porque, quando nós mandamos o anteprojeto, ainda não tinha a alteração da matéria de juros e não tinha também a alteração em matéria de contrato de seguro, então eu acho que perderam o objeto. Se bem que eu falava aqui com o Prof. Paulo que ele preferia a nossa solução de 1%, mas o Parlamento fez a sua escolha recente.
Eu quero dizer, Dr. Guilherme - e eu lhe disse, eu tenho uma experiência arbitral já desde 2009, já participei de mais de 40 painéis arbitrais como árbitro, como parecerista -, que as propostas sobre os arts. 851 a 853 foram formuladas por mim para a Subcomissão de Direito Contratual, para tentar adaptar o Código Civil à Lei de Arbitragem. Eu acho que houve uma adaptação. E sei também que o termo "compromisso" já não é mais utilizado.
Então, Presidente, eu acho que talvez seja o caso de ouvir o CBAr e ouvir outras entidades arbitrais. Se há esse risco para a arbitragem, se há um conflito, é melhor revogar. Melhor talvez seja revogar essas propostas, como também o 488. Eu concordo com V. Exa. de que seria melhor tirar aquela menção à arbitragem e deixar só o termo médio.
Na fala do Dr. Daniel... Com o devido respeito, Daniel, no seu eslaide, quando você fala das cláusulas gerais...
(Soa a campainha.)
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Já vou.. Ainda falta um minuto.
Eu quero aqui destacar que V. Exa. esqueceu de todas as cláusulas gerais que a Lei da Liberdade Econômica incluiu no art. 113: racionalidade econômica não estava no seu eslaide, a primeira previsão... Todas aquelas V. Exa. esqueceu. E aí - até podemos debater - qual foi a insegurança jurídica que a Lei da Liberdade Econômica trouxe? Porque eu vejo o contrário: recheada de conceitos legais novos, cláusulas gerais. Eu, pela minha experiência, vejo o contrário. Racionalidade econômica é uma delas, que não se definiu ainda o que é, e eu não vejo uma realidade...
Vai tocar lá o "15 segundos" daqui a pouco.
Concluo: não vejo uma realidade nesse sentido.
Então, com o devido respeito, ficando bem claro que nós estamos indo muito bem debatendo os assuntos e que algumas das proposições que foram feitas aqui realmente nós temos que adotar - lembrei aqui a proposta do 473, §3º, que foi feita pelo Biazi, e eu concordo; concordo também com o Dr. José Henrique de que a gente tem que, talvez, enxugar a parte do e-Notariado -, mas não há a menor dúvida de que o debate, entrando no quarto ano, está posto. Esse é o tema do direito civil do momento e será nos próximos meses, até a entrega do relatório geral.
Essa reforma não é um novo código. Ela está muito além de interesses mesquinhos de algumas pessoas.
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Nós temos que debater como foi feito hoje, na data de hoje, este debate, inclusive de pessoas que são críticas, pessoas que são críticas do projeto, nós temos que debater e melhorar esse projeto.
Então quero agradecer a todos, colocar-me à disposição, já o fiz em relação a alguns de vocês, para que a gente possa seguir para a melhoria do texto do Código Civil em vigor em mais esta manhã histórica.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Prof. Flávio, obrigado, agradeço a sua exposição.
A referência feita, e é bem lembrada, à questão de que o anteprojeto foi encaminhado à Presidência do Senado, à época, e nesse ínterim houve a deliberação, pelo Congresso, de um projeto de lei, salvo engano, de autoria do Executivo, em relação à disciplina dos juros... Inclusive, à época, eu concordei que fosse o projeto, porque eu tinha um projeto de minha autoria em relação a essa questão dos juros, e concordei que ele fosse apensado ao projeto de autoria do Executivo, que foi votado, salvo melhor juízo, em regime de urgência, na Câmara dos Deputados, depois veio ao Senado e nós o aprovamos justamente nesse ínterim, nesse ato entre o trabalho da Comissão de Juristas e a própria apresentação do projeto pela Presidência do Senado...
E a outra disciplina de que eu lembro que conversamos a respeito é quanto à Lei dos Seguros, que já tramitava durante muito tempo no Congresso e que, por iniciativa do Executivo também, aproveitando um projeto do Congresso, esse, sim, de autoria de Parlamentar, nós fizemos aprovar aqui no Senado.
Então nós aprovamos duas disciplinas que têm correlação com o trabalho que foi feito pelo anteprojeto, sem prejuízo de outras, mas eu me lembro bem dessas duas, dos juros e da Lei de Seguros, e o que V.Sa. propõe agora é que possa fazer prevalecer aquilo que o Congresso decidiu em relação às duas disciplinas em leis recentes.
Então é essa inteligência que o debate proporciona, que cheguemos a esse tipo de conclusão. E outras tantas conclusões precisarão ser tiradas ao longo de muitos debates que aqui virão, justamente para que possamos entregar aquilo que seja verdadeiramente útil à sociedade brasileira em termos de atualização de reforma do Código Civil, fazendo prevalecer aquelas leis que conceitualmente são boas e que foram recentemente aprovadas.
E haverá situações evidentemente que, mesmo aprovadas recentemente, pode haver uma reflexão de consenso de que é preciso também alterar, por algum motivo, mas V.Sa. me faz lembrar bem esses dois temas, que merecerão ser considerados.
E essa questão da função social, de fato, que tem gerado muita polêmica, que já gerou a polêmica na Comissão de Juristas e que naturalmente merecerá muita atenção, assim como esses conceitos de paridade e de simetria.
E por falar nisso, a Profa. Rosa já está conectada novamente? Então, pedindo desculpas...
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Eu estou.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Ah, perfeito, Profa. Rosa.
Vamos só esclarecer: houve uma perda da conexão, eu vou retomar a sua palavra e peço que inicie com aquele "causo" do psicólogo e aí pode discorrer e concluir o seu raciocínio no tempo que quiser.
Profa. Rosa tem a palavra.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Para expor. Por videoconferência.) - Pois então, Excelência, eis que o sujeito fez a prova e volta ao psicólogo para contar o que se passou. E nesse momento, ele diz, "olha, eu recebi uma folha, um papel com um desenho preto e branco. Eu disse que era uma noite estrelada, mas que o morcegão estava lá, estava."
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Então, não adianta tirar a função social do texto, ela está lá. Não adianta tirar a ordem pública do texto do Código Civil; ela tem que estar lá. Não adianta dizer que as partes, se fizerem contrato e não tiverem entre si paridade de armas e respeito por essa paridade, não irão ao juiz; irão. Não adianta dizer que, se as prestações não forem proporcionalmente simétricas, se não estiverem de acordo com o bom para os dois, não irão à Justiça; irão. Então, nós temos que deixar tudo muito claro: pode não ter sido a melhor forma que nós tenhamos encontrado - aí é outra questão -, mas dizer que as palavras não devem estar na lei? Devem estar na lei, porque, mesmo que nós não as escrevamos, elas estão lá. Nós temos que ler que elas estejam lá.
Tem uma questão que eu gostaria de me lembrar, Excelência. O Ministro Ruy Rosado de Aguiar foi um dos grandes intérpretes do Código de 2002. Ele tem um artigo em que ele diz que seria o código dos juízes. Foi o Código de Processo Civil, de 2015, que deu para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal um fazer leis pela jurisprudência. Isso é outra coisa, não é o apurar das questões todas que o direito civil suscita no juiz de primeiro grau, que ouve a parte e vê as suas mazelas. Isso é que é bom, isso não é ruim, não é nada pejorativo.
E eu me recordo... Eu tenho um apreço especial pela Profa. Judith e gostaria de, aqui, reiterar e dizer que me recordo muito bem de uma expressão espetacular que ela, no começo das interpretações do Código Civil, escreveu, num trabalho organizado pelo Prof. Sarlet, em que ela diz que a eficácia irradiante dos direitos fundamentais deve pairar sobre as normas ordinárias. A eficácia irradiante dos direitos fundamentais do devedor que vai ter a casa penhorada? Não. Vamos irradiar os direitos fundamentais do direito civil, porque é assim que se faz o bolo, porque a receita está na Constituição. O fazer e o se alimentar da lei é no direito civil que acontece.
Perdoe-me a veemência, Excelência, mas eu gostei da nossa reunião de hoje: foi rock'n roll.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Profa. Rosa Nery, por sua contribuição, por mais uma bela contribuição a esta Comissão.
Meu agradecimento penhorado, muito sincero. Felizmente nós conseguimos ouvir a conclusão do caso do psicólogo, depois da interrupção da conexão, mas agradeço muito à senhora, assim como agradeço ao Prof. Flávio Tartuce, por sua dedicação a esse tema, participando, inclusive, muito ativamente, de todas as audiências públicas.
Por falar nisso, nós teremos agora, na próxima quinta, um feriado, e nós vamos precisar ajustar, então, ou para a próxima semana, em alguma outra data que não seja a quinta-feira, ou então ter a próxima reunião no dia 27. É uma decisão que a Presidência tomará oportunamente - apenas para a programação do Prof. Flávio Tartuce, para a gente decidir antecipadamente.
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Há algumas perguntas do e-Cidadania que eu gostaria de citar, mas nós já temos um horário um pouco adiantado... Eu vou fazer a citação e pedir aos nossos colaboradores, aos nossos expositores, que, se puderem dedicar um tempo para as respostas aos cidadãos e às cidadãs que contribuíram com a participação na data de hoje, esta Presidência agradece.
A primeira pergunta é da Meryelle, de São Paulo, que diz: "De que forma o PL garante a proteção do consumidor sem limitar a autonomia privada nos contratos civis?".
O Mikeias, do Paraná, pergunta: "Como o PL lida com contratos digitais e assinaturas eletrônicas nas relações civis modernas?".
O João, de São Paulo, pergunta: "As novas medidas devem impactar as relações atuais, no que se refere à segurança jurídica?".
Há também comentário.
Do Elias, de Minas Gerais: "A modernização do Código Civil deve equilibrar segurança jurídica e adaptação às novas dinâmicas sociais e econômicas".
Também do Mikeias, do Paraná, um comentário... Perdão: uma pergunta.
"O projeto contribui para simplificar o Código Civil ou tende a aumentar sua complexidade? Quais mecanismos punem corrupção passiva e ativa praticadas sob o manto de obrigação contratual?".
São algumas perguntas que foram formuladas pelo e-Cidadania, e peço, portanto, aos nossos expositores que possam se dedicar às suas respostas.
Eu consulto, após a fala dos Relatores da atualização no âmbito da Comissão de Juristas, do Prof. Flávio e da Profa. Rosa, se algum expositor gostaria de se pronunciar, de fazer algum comentário? A palavra fica livre para essa finalidade.
Prof. Rodrigo Cavalcante Moreira.
O SR. RODRIGO CAVALCANTE MOREIRA (Para expor.) - Sr. Presidente, se me permite só um pequena aparte...
Primeiramente, gostaria de elogiar e de agradecer o convite feito pelo Prof. Tartuce para que a comunidade de civilistas participe ativamente dessa construção de ajustes etc.
Eu levo para mim, na vida, que o mundo é daqueles que fazem, que se expõem, que assumem riscos. Quem se compromete a liderar uma iniciativa como esta vai ser um pouco de janela, e eu tenho respeito por pessoas que assumem essa posição.
Não significa que concorde com tudo, não é esse o ponto, mas esta é a Casa onde nós temos que ter este debate.
Portanto, se me permite, Prof. Tartuce, gostaria de fazer um agradecimento e um elogio para a sua iniciativa.
Dito isso, eu tenho uma observação.
Chegou a mim - a assessora do Senador Portinho me enviou - um texto que... Na verdade, era o texto da primeira minuta da reforma do anteprojeto sobre o conceito de função social dos contratos.
Sem querer reabrir essa discussão, porque, se tem uma coisa para qual a função social serve muito é para gerar discussão, analisando o texto - e eu já tinha me debruçado sobre ele uns dias atrás -, eu tenho uma preocupação, Sr. Presidente.
Eu vou ler o trecho, só para a gente saber do que a gente está falando aqui.
O trecho não consta do PL, mas consta da primeira minuta do anteprojeto. Diz lá:
O contrato cumprirá a sua função social que seja compatível com o seu objeto e a sua natureza, em especial quando [ e aí vêm dois incisos que seriam o conceito] propicia para as partes a fruição de direitos fundamentais e liberdades compatíveis com o seu objeto e a sua natureza [ um, ou seja, a promoção de direitos fundamentais e, dois] para eventuais efeitos perante terceiros, determinados ou não [e eu peço atenção, Sr. Presidente, para essa expressão "determinados ou não"], que sejam coerentes com a proteção do meio ambiente, a proteção da saúde pública, a livre concorrência, a proteção de sujeitos vulneráveis, para realizar os ditames da existência digna e da solidariedade.
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Bom, cada palavra aqui valeria uma tese de doutorado. Não é esse o ponto. Eu quero trazer, apenas para a atenção de S. Exa., um debate que eu acredito que deve existir em questões como essa, que é o lugar da discussão sobre a interferência do estado no domínio econômico nessas questões, porque eu proponho, eu coloco a S. Exa. o seguinte cenário...
Digamos um contrato de compra e venda de pneus, por exemplo, ou qualquer contrato cuja atividade - veja bem: atividade, não contrato - tenha de seguir determinadas normas regulatórias de questões ambientais. O compliance dessas normas, a observância dessas normas, é uma questão de Direito Regulatório, e as partes devem observar essas questões de direito regulatório porque, sim, isso não depende do Código Civil; depende de outras normas. São normas municipais, estaduais, federais etc.
Ao se dizer que o contrato deve observar questões relacionadas à proteção do meio ambiente, isso gera uma absoluta incerteza ao contratante, na medida em que ele não sabe o que é suficiente para o compliance de questões absolutamente relevantes, como, por exemplo, proteção do meio ambiente.
Então, veja: ao trazer para dentro do Código uma questão que é melhor analisada em termos de Direito Regulatório, a gente gera uma zona cinzenta, que, na verdade, não é boa para ninguém. Ela só gera, necessariamente, incerteza para quem contrata e abre espaço - e aqui eu sei que é uma questão de visão pessoal, aqui, e, obviamente, o Parlamento vai poder analisar essa questão - para que terceiros determinados e indeterminados, ou seja, qualquer pessoa, venham a juízo questionar um contrato, porque o contrato de compra e venda de pneus viola alguma questão relacionada com meio ambiente, com vulnerabilidade etc.
Não que isso não seja legítimo, mas existem outras vias para discutir essas questões. Existem outros meios para discutir essas questões, e que tenhamos debates específicos para permitir aos cidadãos e às empresas que saibam exatamente quais são as suas obrigações com relação a essas questões.
Pois, veja, esse é o meu maior temor. A função social gera debates muito acalorados, questões relacionadas a visões de mundo, mas, no que diz respeito ao conceito, nesse particular, eu, pessoalmente, acho que a melhor saída é manter a situação como está no Código atual, porque adotar um conceito como esse, que é um conceito, é legítimo...
Não há consenso na doutrina e na jurisprudência com relação a este conceito, mas, da forma como está posta e, eventualmente, proposta, eu tenho absoluta certeza de que isso vai gerar muito, muito, muito mais incerteza do que a que ela já gera na situação em que se encontra.
Então, eu faço esse comentário em respeito à proposta do Prof. Tartuce, de forma absolutamente correta e transparente, que disse: "Olha, a gente pode resgatar uma proposta que já foi ventilada na Comissão".
Ao final, a própria Comissão entendeu por não adotá-la, mas, até porque estamos aqui na Comissão de Direito Contratual, eu acredito que é razoável colocar essa questão, e esse era o único ponto que eu queria colocar, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Perfeito.
Muito obrigado, Dr. Rodrigo.
Prof. Dr. Paulo Roque Khouri.
O SR. PAULO ROQUE KHOURI (Para expor.) - Rapidamente, apenas queria (Fora do microfone.) deixar claro aqui a minha satisfação de participar deste debate e colocar duas questões.
Primeiramente, com relação aos juros, eu vi que V. Exa. já colocou a questão do 406, mas eu sei que tem colegas que são contra, mas só quem vive, na prática, a questão da contabilização dos cálculos dos juros pela Selic, os juros moratórios, sabe que não tem previsibilidade nenhuma aqui.
R
Nós tivemos um momento muito recente, em que a taxa Selic era de 2%. Então, o seguinte: a previsibilidade para o cidadão comum, e o Código Civil é a Constituição do homem comum, é estabelecer como sempre foi a tradição: um percentual. Qual é o juro de mora? Qual é a função dele? Punitiva ou função indenizatória?
Então, eu pediria que a Comissão pudesse, o que eu considero um avanço e elogiei no início da fala...
E quero também aproveitar o seguinte: já que o próprio Tartuce, o meu colega, falou da questão da simetria, que, se dependesse dele, se eu não estou equivocado - ou a Profa. Rosa Nery falou -, esses termos simetria e paridade não estariam no projeto, então vamos... "Ah, mas já está na lei da liberdade econômica". Eu concordo. Vocês têm razão mesmo. Não houve debate. Todo mundo elogiou a lei, etc., mas é um termo que vem da lei e tem causado profunda confusão.
Então, não é momento de perdurar no erro. É o momento de eliminar esse erro.
E eu, Senador Rodrigo Pacheco, muito humildemente, sugiro que a Comissão repense a retirada, a simples supressão, desses nove momentos que falam em simetria e paridade, porque eles são causa de confusão.
E, por fim, eu gostaria muito de elogiar a humildade do Flávio Tartuce, que está aqui conosco.
Eu me lembro desde a época da jornada de Direito Civil, quando ele vinha pagando para participar da jornada. Ele pagava do próprio bolso - ele e o Simão -, para participar da jornada, dado o grande interesse dele pelo assunto de Direito Civil, nós, que fomos colegas na Comissão.
E a V. Exa... É impressionante a sua paciência de estar aí e participando ativamente de todo o debate, muito concatenado.
E eu quero concordar numa coisa com a Profa. Rosa Nery: eu discordo quando ela diz que o ativismo judicial é fruto apenas do CPC. Não. O Código Civil está cheio de espaço para o ativismo judicial, e isso é perigosíssimo, porque isso tem nada a ver com segurança jurídica. Nós devemos é eliminar esses focos - não aumentá-los - e suprimi-los.
E, por fim, quero agradecer a grande oportunidade que foi dada aqui, hoje, de debater aquilo de que eu gosto muito, que é o Direito Civil.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Paulo Khouri, por sua contribuição.
Nos termos do art. 111, do Regimento Interno, submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e aprovação da Ata da 6ª reunião, realizada em 6 de novembro de 2025.
As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
Não há mais nada a ser tratado.
A Presidência, oportunamente, comunicará a data e o horário da próxima reunião, para discutir os temas relativos à responsabilidade civil.
Eu agradeço muito a presença de todos, em especial àqueles que se dedicaram às suas ricas exposições, numa manhã e tarde muito proveitosas no Senado Federal, na discussão sobre Direito Civil.
Meu agradecimento aos Relatores da Comissão de Juristas, Prof. Flávio Tartuce e Profa. Rosa Nery.
A todos os nossos servidores que colaboraram com as suas atuações, a todas as senhoras e senhores que nos acompanharam presencialmente ou pelos veículos de comunicação do Senado Federal o meu muito obrigado.
Declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 10 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 31 minutos.)