27/11/2025 - 8ª - Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei n° 4, de 2025 (Art. 374 RISF)

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 8ª Reunião da Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei nº 4, de 2025, que dispõe sobre a atualização da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil, e da legislação correlata.
A presente reunião se destina a deliberar os requerimentos constantes na pauta e a discutir temas relativos à responsabilidade civil.
Participarão da audiência pública os seguintes convidados: Prof. Flávio Tartuce, Coordenador e Professor do Programa de Mestrado da Escola Paulista de Direito e Relator-Geral da Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil; Prof. Julio Gonzaga Andrade Neves, Doutor em Direito Civil, Professor e Advogado; Profa. Lara Soares, Mestra em Direito Público, Professora e Vice-Presidente da Comissão de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Prof. Nelson Rosenvald, pós-Doutor em Direito Civil, pós-Doutor em Direito Societário, Advogado, Professor e ex-Membro do Ministério Público de Minas Gerais; Prof. Pablo Malheiros da Cunha Frota, Doutor em Direito das Relações Sociais, Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás e Advogado; Dra. Patrícia Carrijo, Juíza de Direito e Presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás; Prof. Rodrigo Toscano de Brito, Doutor em Direito Civil, Professor da Universidade Federal da Paraíba e Advogado; e a Profa. Rosa Maria de Andrade Nery, Livre Docente da Faculdade de Direito da PUC/São Paulo e também Relatora-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil.
R
A todos os participantes, presencialmente e por via remota, os agradecimentos desta Presidência pela dedicação ao tema e a disponibilidade do tempo para o debate nesta audiência.
Comunico aos presentes que a audiência pública funcionará da seguinte forma, cada convidado terá dez minutos para a sua exposição. Após a fala dos convidados será franqueada a palavra ao Relator, Senador Veneziano Vital do Rêgo, e aos demais Parlamentares presentes que queiram fazer uso da palavra.
Comunico novamente que o prazo final para a apresentação das emendas à Comissão é de 3 de março de 2026 e que para ter conhecimento das emendas recebidas pedimos que acessem o PL 4, de 2025, por meio do link disponibilizado na aba "Comunicados", no Portal da Comissão.
Esta reunião é interativa, transmitida ao vivo pela TV Senado, e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, e também pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Com os cumprimentos ao eminente Senador Carlos Portinho, atuante membro desta Comissão, eu gostaria de passar a palavra ao primeiro orador para a sua exposição, o Prof. Nelson Rosenvald, membro da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil, a quem eu tenho a satisfação de passar a palavra.
Com a palavra, Prof. Nelson Rosenvald.
O SR. NELSON ROSENVALD (Para expor.) - Bom dia a todos.
Senador Pacheco, é uma honra tê-lo comigo hoje, que tão bem representa Minas Gerais, com tanta fidalguia, com tanta competência. É um prazer!
Senador Portinho, um Senador tão atuante, incrivelmente aberto a nos receber para um debate muito franco sobre responsabilidade civil. Muito obrigado!
Rapidamente, estendo o meu agradecimento ao Ministro Salomão, à Profa. Rosa e ao Prof. Tartuce, que são os protagonistas desse projeto, atuando de uma forma incrivelmente eficiente.
Apenas para concluir essa parte inicial, como Sub-Relator da Subcomissão de Responsabilidade Civil, eu quero dizer que foi muito prazeroso trabalhar com a Ministra Isabel Gallotti e a Juíza Patrícia Carrijo. A Patrícia estará aqui em breve e a Ministra Isabel Gallotti, Senador Pacheco, estará conosco na segunda audiência pública, mas não fomos apenas nós três que trabalhamos nesse período; muitos advogados, professores e magistrados estiveram envolvidos nessa tarefa de construir um projeto.
Iniciando, eu gostaria que vocês soubessem que a responsabilidade civil no Código Civil, de 2002, conta com apenas 27 artigos. Senador Portinho, isso é 1,5% do Código Civil. Então, por que tamanho interesse nessa disciplina?
Hoje todos sabem que a responsabilidade civil é a espinha dorsal do Código Civil, mas não era esse o sentimento do Código Civil de 2002. O Código Civil de 2002, Senador Pacheco, à época em que entrou em vigor, foi muito criticado na parte de responsabilidade civil, porque basicamente trazia o Código Civil de 1916. Ele reproduziu o Código Civil de 1916 com uma única mudança, que foi a introdução da cláusula geral de risco da atividade, e eu acrescento que nos últimos 20 anos não houve sequer uma atualização legislativa em matéria de responsabilidade civil.
R
Portanto, qual era o estado da arte em 2002? O Prof. Tartuce sabe, porque ele leciona comigo há tantos anos, que, em 2002, os manuais de direito civil tratavam a responsabilidade civil como algo periférico. Nas faculdades, a disciplina de responsabilidade civil era uma disciplina optativa.
Então, por que tanta gente hoje discute responsabilidade civil? A resposta é singela: porque as fronteiras da responsabilidade civil se ampliaram, se ampliaram demais. E o que acontece? O Código Civil de 2002 não acompanha esse ritmo, porque ele só trata do dano como se o dano fosse um dano individual e patrimonial: um atropelamento, uma quebra de um simples contrato. Só que, em 2025, senhoras e senhores, o que interessa à sociedade brasileira não são os danos individuais e patrimoniais, são os danos metaindividuais, são os danos extrapatrimoniais, são os danos anônimos, que não sabemos de onde partem, são os danos dispersos, cujo nexo causal é fluido, são os danos catastróficos - e como o Senador Pacheco viu muito bem, das Minas Gerais, em Mariana e Brumadinho -, são os danos irreparáveis.
Então, diante disso, em qualquer jurisdição da civil law se indaga: "É possível, em 2025, cogitar que a responsabilidade civil se resume a uma única função, a uma função de compensação de danos?". A resposta é: não. Hoje, muito mais do que um sistema de transferência de danos, a responsabilidade civil é um sistema de gestão de riscos.
E como não se trata aqui de um novo Código Civil e, sim, da reforma do código atual, temos que lembrar Miguel Reale, o culturalismo de Reale. Para Reale, o direito é uma experiência jurídica do cidadão comum. E eu pergunto a vocês: qual é a experiência jurídica do cidadão comum hoje, em 2025? É uma explosão de lides de responsabilidade civil.
Se vocês forem à Justiça cível, a maior parte das demandas são demandas de responsabilidade civil. E qual é a resposta que o Código Civil oferece para isso? Pouca. Por quê? É uma insuficiência textual, é uma ausência de sistematização, não há um papel de centralização que o Código Civil deveria ocupar. Ele deveria dialogar com os microssistemas. Ele não dialoga com a LGPD, ele não dialoga com o ECA Digital, ele não dialoga com o PL 2.338, que V. Exa. relata e está na Câmara dos Deputados, ou seja, se não existem critérios objetivos, não existe o quê? Previsibilidade.
E o que vem e nos preocupa, Senador Portinho? Isso dá margem à discricionariedade dos juízes. Os juízes não agem assim porque querem, é porque eles pedem por balizas legislativas. Muitas pessoas que defendem que a reforma de responsabilidade civil deve ser meramente cosmética dizem que a jurisprudência pode resolver: "Vamos deixar para a jurisprudência". Só que a jurisprudência, como a Ministra Isabel Gallotti escreveu num recente artigo, a jurisprudência brasileira é esparsa, é assistemática, vivemos num país continental e não somos common law. Então, a meu ver, não cabe uma reforma meramente cosmética da responsabilidade civil.
Rapidamente, um panorama mundial. Em 2015, a Argentina pulou de 15 artigos para 72 artigos em responsabilidade civil. Em 2025, este ano, a Bélgica pulou de seis artigos para 55 artigos em responsabilidade civil. E a França e outros países estão no mesmo caminho.
R
Então, rapidamente, para ser muito pragmático, para mostrar aos senhores e às senhoras que a previsibilidade é a nossa ideia, eu quero trazer quatro exemplos que estão na reforma.
Vamos lá, primeiro eslaide. (Pausa.)
Isso.
Olhem aqui.
O art. 927 é o primeiro. Ele já começa com uma sistematização da responsabilidade civil. Ele diz: quais são os três nexos de imputação? Quais são os três fatores de atribuição da obrigação de indenizar? O ato ilícito, o risco especial e a responsabilidade indireta. E, a partir daí, Senador Pacheco, desse artigo, todos os outros vêm explicando todas essas situações de forma detalhada.
Segundo artigo, por favor.
Risco da atividade, que eu disse há pouco tempo que foi a única novidade do Código Civil de 2002. Hoje, o 927-B é a repetição no caput, Senador Pacheco, daquilo que nós já temos. Quando o magistrado lê: risco da atividade e ele diz que vive numa sociedade de risco, ele, magistrado, diz que qualquer dano gera responsabilidade objetiva, porque o risco é da essência da vida. Então, por exemplo, um simples atropelamento de carro numa via pública para muitos juízes já é caso de responsabilidade objetiva, porque conduzir carros é um risco. E o que nós queremos? Proteger a livre iniciativa, reduzir essa discricionariedade da ideia de risco, dizendo: "Não, risco, para gerar responsabilidade objetiva, tem que ser um risco especial, diferenciado". Só para aquelas atividades, Senador Portinho, que causem danos qualitativamente graves ou quantitativamente numerosos, só para aquelas atividades cuja potencialidade lesiva é intrínseca e inerente a elas. E esse §1º simplesmente é uma reprodução, Senador Pacheco, do enunciado 448 da V Jornada de Direito Civil, que está aí desde 2011, e todos estão trabalhando com ele pacificamente.
Continuando, o próximo.
Quantificação do dano extrapatrimonial. Senhoras e senhores, não existe hoje uma regra no Código Civil de quantificação do dano extrapatrimonial. O que nós fizemos? Não inventamos nada, Patrícia; homenageamos a regra que existe desde 2011 no STJ, projeto do saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que é o critério bifásico do dano extrapatrimonial. Por que isso, a nosso ver, será extremamente proveitoso para os magistrados? Primeiro, porque trazemos critérios objetivos para que os magistrados possam, em cada decisão, avaliar a extensão do dano e a medida da indenização dentro das vicissitudes de cada vítima. E, segundo, e eu acho isso muito importante, Senador Portinho, ao trazermos a denominação dano extrapatrimonial como gênero, como guarda-chuvas, tentamos abolir a chamada guerra das etiquetas. O que é a guerra das etiquetas? Os magistrados no Brasil, Senador Pacheco, usam terminologias distintas: dano biológico, dano corporal, dano psíquico, dano a um projeto de vida. Isso traz uma tremenda insegurança jurídica. Então, para terminar com isso, trabalhamos com a expressão dano extrapatrimonial.
Próximo eslaide, por favor.
R
Função pedagógica da responsabilidade civil. Senhoras e senhores, um alerta: isso aqui não tem nada a ver com punitive damages, nada a ver com importação à crítica de institutos alienígenas. Muito pelo contrário, o que nós visamos aqui - saúde, Senador! - é a uma normatização daquilo que hoje os juízes, desde o juizado especial até o STJ, fazem de maneira equivocada. E o que eles fazem de maneira equivocada? Eles anabolizam o dano extrapatrimonial, há uma hipertrofia do dano moral. E eu explico! Imaginem um exemplo de um racha de automóveis, de uma pessoa que participa sempre de um racha de automóveis e, numa dessas situações, atropela um transeunte que sofre lesão corporal. O que todo juiz pensa de uma forma bem-intencionada? "Bom, se fosse um atropelamento normal, em razão de uma distração desse condutor, eu fixaria um valor de R$20 mil pelo dano extrapatrimonial, mas esse condutor agiu com culpa grave, esse condutor reitera ilícitos, esse condutor tem uma grande capacidade econômica, então, em vez de R$20 mil, eu fixarei em R$80 mil, R$100 mil". Aqui há um incrível erro. Por quê? O que esse juiz está fazendo, por mais que bem-intencionado, é trazer uma sanção punitiva sem lei, sem tipicidade, sem proporcionalidade, sem controlabilidade. Por que sem controlabilidade? Porque não se sabe, nessa sentença, qual é a parcela compensatória e qual é a parcela punitiva, ou seja, não há ampla defesa, o que há é uma loteria e, às vezes...
(Soa a campainha.)
O SR. NELSON ROSENVALD - ... até mesmo com o enriquecimento injustificado da vítima.
Então, o que nós queremos trazer com relação à função pedagógica, Senador Pacheco, são limites, critérios, contraditório onde não existe.
E, para quem pensa que a expressão pedagógica é apenas politicamente correta, não. A expressão pedagógica é acertada porque a grande finalidade dessa norma, Senador Portinho, é prevenir novos ilícitos, é uma função preventiva da responsabilidade civil, prevenir novos ilícitos por parte daquele agente que os praticou e da sociedade de um modo geral, é a ideia de um desestímulo.
Então, diante de tudo o que eu disse, qual é o foco da reforma, para terminarmos? É uma palavra só: segurança jurídica. Mas, Senador Pacheco, segurança jurídica, em matéria de responsabilidade civil, é um equilíbrio muito delicado. Por que muito delicado? Porque, de um lado, nós temos que proteger a livre iniciativa, mas, por outro lado, temos que proteger as vítimas e conceder a elas uma reparação integral. É um equilíbrio delicado, mas esse é o foco.
Agora, não é o foco a discussão de conceitos indeterminados, esse não é o foco. Por quê? Isso é um sofisma. Isso é um sofisma por duas razões: primeiro, no Código Civil de 2002, Flávio, abundam conceitos indeterminados e cláusulas gerais; segundo, é próprio das sociedades tecnológicas, senhoras e senhores, os conceitos determinados, os significados granulares. O marco legal dos seguros está lotado de conceitos jurídicos determinados.
O PL 2.338, da Lei de Inteligência Artificial, está lotado de conceitos indeterminados. Mas isso é normal! Por quê? Porque hoje, depois da legislação, vem a regulação. E, na fase da regulação, por cada atividade, por cada setor, são concretizados esses conceitos indeterminados. Mas, Senador Portinho, eu jamais posso me eximir, como jurista, de participar, ao seu lado e dos demais Senadores, na correção de eventuais imperfeições que existam hoje.
R
Mas eu insisto: nós não podemos perder o foco. E qual é o foco? Ajustar as diretrizes do Código Reale à complexidade da vida atual e mirar nos países que fizeram reformas da responsabilidade civil, cujo índice de desenvolvimento humano o Brasil pretende alcançar. Ou seja, o nosso PL é seguro, técnico, coerente com o sistema e ele fala sobre a vida real das pessoas e das empresas.
Então, na pessoa do Senador Pacheco, eu gostaria de agradecer ao Senado, parabenizar vocês, Senador Portinho, Senador Pacheco e demais Senadores, pelo debate plural. Continuamos à sua disposição.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Nelson Rosenvald, por sua consistente exposição, como sempre. Agradeço pela contribuição dada à Comissão de Juristas e pela presença, contribuindo, uma vez mais, para esta Comissão e para o Senado Federal. Muito obrigado.
Concedo a palavra, neste instante, à Dra. Patrícia Carrijo, Juíza de Direito, membro da Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil.
V. Exa. tem a palavra, Dra. Patrícia.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO (Para expor.) - Obrigada, Presidente, Senador Rodrigo Pacheco.
Quero iniciar cumprimentando: bom dia a todos e bom dia a todas que estão aqui presentes. É uma grande honra estar nesta Mesa, Senador Rodrigo Pacheco; Senador Carlos Portinho, Relator deste projeto; meu colega de Comissão, Nelson Rosenvald; nosso Relator, Prof. Flávio Tartuce; Profa. Rosa Nery, que provavelmente está lá online. Não posso deixar de render as homenagens ao Presidente Luiz Felipe Salomão, que acredito que esteja acompanhando, também online, porque eu sei que está na Itália; e a todos os colegas de Comissão.
Foi um grande desafio estar neste grande projeto, neste grande, vamos dizer assim, histórico... E eu tenho certeza de que, daqui a alguns anos, a gente vai se lembrar do que é e da contribuição que a gente está deixando para o nosso país.
A parte de responsabilidade civil, Senador Rodrigo Pacheco, eu poderia dizer aqui que, hoje, diante do que a gente vê no âmbito do Poder Judiciário - nós recebemos aqui o Ministro Edson Fachin, recebemos ministros da Argentina, o Ministro Ricardo também esteve aqui, recebemos vários Ministros do STJ -, a parte de responsabilidade civil é onde culminam todos os problemas no âmbito do Poder Judiciário. E nós tivemos a honra - da Subcomissão da parte de responsabilidade civil - de ter a parte prática, porque a Ministra Isabel Galotti, representando ali os Ministros do Superior Tribunal de Justiça... Estivemos - eu - ali ouvindo todos os magistrados, nós abrimos e estivemos em tribunais de justiça do país todo. Abrimos, através da AMB, para que diversos magistrados contribuíssem. E tivemos a parte acadêmica, que é essa mente aqui, o Prof. Nelson Rosenvald, que a gente sabe que é um grande estudioso da área. Então, nós pudemos nos reunir por diversos dias, por diversas vezes, em várias audiências públicas, de Norte a Sul, ouvindo todos os desafios, estivemos em várias escolas da magistratura.
A parte de responsabilidade civil é dirigida aos operadores do direito e, hoje, diante do abarrotamento de processos, a gente sabe que a sistemática atual não tem funcionado, principalmente diante do mundo digital. Todos os dias, a gente sabe que a responsabilidade civil nos dá sinais de que não está funcionando, afinal de contas, o dinheiro hoje não repara os danos. E eu poderia aqui trazer vários exemplos. A desinformação, o sistema de desinformação... Não há como se sustentar que a mera reparação de danos possa ser suficiente. E aqui eu poderia trazer como exemplo a própria vida política dos senhores. O sistema de desinformação, hoje, nas redes sociais, acaba com a vida política de qualquer um dos senhores e não há como se sustentar que uma reparação de danos possa ser suficiente.
R
Pensando nisso, a multifuncionalidade do nosso sistema, da responsabilidade civil, é o nosso cerne, é o esteio do nosso trabalho. E a gente sabe que se a reparação, pensando no aspecto patrimonial, não é mais suficiente diante do mundo digital em que a gente vive - aqui eu vou pedir para colocarem, por favor, os eslaides -, se hoje a reparação dos danos não é mais suficiente, por óbvio, a gente precisa trabalhar, Senadores, com a prevenção de danos. E é o grande esteio da nossa proposta, o artigo 927-A. A gente sustenta que isso não é uma invenção da Subcomissão ou da Comissão como um todo. A prevenção de danos, hoje, vai ao encontro do que acontece nas reformas realizadas já há década na França, realizadas há década na Argentina. E a gente precisa caminhar junto com a legislação mundial, porque, realmente, no formato que hoje acontece, nós precisamos incentivar as empresas a ter um dever, uma cautela de como agir.
Então, a multifuncionalidade traz a função preventiva para se inibir a prática ou a reiteração do ilícito. Vou pedir para passar e já ir direto para o 927-A, por favor, que é o eslaide seguinte, que traz, justamente, lá no nosso caput, que todo aquele que crie qualquer situação de risco, ou seja responsável por contê-lo, que dela advenha, obriga-se a tomar as providências para evitá-lo. Isso é uma situação, Senadores, meio que, eu diria, até óbvia. Quem cria uma situação de risco tem o dever geral de inibi-lo, tem o dever geral de preveni-lo. E as empresas, principalmente as de tecnologia, hoje, estão no cerne desse tema, estão no cerne desse assunto.
E o código, o art. 927-A - eu tive a oportunidade aqui de trazer na audiência da parte geral -, o 927-A conversa com um livro de direito digital que trata também do dever de prevenção, que é uma preocupação nossa.
O §1º traz o dever da gente de mitigar a extensão e não agravar o dano caso esse tenha ocorrido. Ou seja, no 927-A, eu não preciso esperar que a casa do meu vizinho pegue fogo para eu agir. Aqui eu trago um exemplo: eu não preciso esperar que a casa do meu vizinho pegue fogo para eu agir. No §1º, se a casa do meu vizinho está pegando fogo, eu não preciso esperar que esse incêndio aconteça para eu comprar um extintor. E se eu compro um extintor, eu tenho o direito depois de exigir do meu vizinho que me devolva o dinheiro do extintor que eu comprei. É o dever de eu ser reparado porque mitiguei os danos.
R
E o §2º traz que, em caso de potencial estado de necessidade que eu tenha providenciado pela forma menos gravosa, eu seja reparado. É a tutela inibitória material. Na tutela inibitória material, eu não preciso esperar que a casa desabe, eu posso chamar o bombeiro. E o §3º ali vem também de encontro com, justamente, a parte da reforma do próprio Código de Processo Civil, que trata já da tutela inibitória processual, que permite ao juiz que adote medidas práticas.
E aí, esse artigo 927-A... Aqui eu estou trazendo um exemplo prático da casa do vizinho, mas eu poderia trazê-lo para o mundo digital, que hoje é o que a gente mais visualiza. Eu traria para os senhores diversos exemplos aqui da inteligência artificial. Imaginem os senhores a situação de um algoritmo que esteja ali discriminando mulheres numa contratação ou numa seleção de trabalho. O Ministério Público não precisa esperar que centenas de mulheres sejam segregadas para ele agir. Ele pode muito bem já pedir a correção daquela IA para que aquelas mulheres não sejam retiradas antes que o dano aconteça. Eu estou falando de prevenção.
Imaginem os senhores a situação de uma plataforma que esteja disseminando alguma desinformação relacionada à saúde. Eu não preciso esperar que diversas vidas sejam colocadas em risco para que a gente tenha uma atuação judicial para evitar essa desinformação.
Imaginem os senhores um vazamento de dados que esteja em vias de acontecer. Uma empresa que gasta R$500 mil e investe em um determinado software. Ela vai ficar impedida de, depois, cobrar daquela inteligência esses R$500 mil que ela investiu? Ou ela vai ter que esperar que aconteça esse vazamento de dados, que é o que acontece hoje, já que a responsabilidade civil no nosso país está preocupada unicamente com a reparação dos danos.
Então, a nossa maior preocupação, o esteio da nossa sugestão, friso - vou pedir para passar para o eslaide seguinte -, é pensando no direito comparado e - demonstrando aqui para os senhores o art. 1.252 do código francês - pensando justamente no Código Civil da França, no Código Civil argentino, que trazem justamente a prevenção como esteio da responsabilidade civil, conversando, dessa forma, com todo o direito comparado, com os direitos fundamentais.
E avançando nessa sistemática, eu quero deixar bem claro que a multifuncionalidade, Senador Portinho, o direito à prevenção, à função preventiva, não é uma ideologia. A prevenção vai muito além. A prevenção é uma imposição, hoje, ética; a prevenção, hoje, é um imperativo jurídico.
Vou pedir para passar, por favor. Pode seguir.
E, pensando nisso, eu volto aqui ao art. 927, que foi mencionado pelo Prof. Nelson Rosenvald, e trago o inciso III, em que a gente acrescentou a tecnologia. "Aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo"... Essa parte de tecnologia é essencial, Senador Rodrigo Pacheco, porque, se a gente retira a tecnologia, a gente estará ferindo o princípio da isonomia, o princípio da função social da responsabilidade civil, e tratando de forma diferente, hoje, quem mais lucra neste país, que são as empresas voltadas ao direito digital, que atingem massivamente a população e, por esse motivo, precisam ser incluídas. Nós estamos falando aí de drones que fecham aeroportos, nós estamos falando de inteligência artificial, nós estamos falando de algoritmos.
R
Para encerrar, eu quero deixar claro, Senadores, que o livro de responsabilidade civil é feito principalmente, hoje, para julgadores que têm em seus ombros inúmeros processos e precisam ficar criando soluções, muitas vezes, apriorísticas, uma vez que há uma grande lacuna legislativa. E, diante da grande dimensão, inclusive, continental do nosso país, isso tem nos causado grave insegurança jurídica, já que nós temos muitas vezes decisões que não vão de encontro às nossas realidades e isso, como muito bem colocado pelo Prof. Nelson, até na quantificação dos danos. Pensando nisso, todas as sugestões que foram por nós colocadas dentro da reforma já vêm de precedentes, de encontros, de jornadas de direito civil. Nós precisamos, Senadores, abandonar a ideia do Caio versus Tício e ter um livro de responsabilidade civil que seja feito para uma sociedade hoje globalizada, uma sociedade moderna, uma sociedade que invista hoje pensando realmente na modernidade que há, em que a gente vive e que a gente sabe que é uma realidade do nosso país, assegurando, dessa forma, os direitos do nosso cidadão. Essa é a nossa sociedade do século XXI.
Dessa forma, nós vamos ter muito mais segurança jurídica. Dessa forma, nós vamos ter realmente uma Constituição Federal que dialoga com o nosso Código Civil e com as demais legislações esparsas, previstas em leis de proteções de dados, de inteligência artificial e tantas outras.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dra. Patrícia Carrijo, por mais uma bela contribuição a esta Comissão, a V. Exa., que foi membro da Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil.
Neste momento, nós teremos a participação remota do Prof. Pablo Malheiros da Cunha Frota, a quem eu tenho a satisfação de conceder a palavra.
Tem a palavra o Prof. Pablo.
O SR. PABLO MALHEIROS DA CUNHA FROTA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Pacheco, Senador Portinho, membros da Comissão de Juristas, Relatores Flávio Tartuce e Profa. Rosa Nery, demais servidores e servidoras do Senado e quem está nos ouvindo.
Queria agradecer, primeiramente, esse honroso convite para poder dialogar com o Senado da República e com a comunidade jurídica sobre a proposta de reforma do Código Civil. E aqui eu louvo, Senador Pacheco, a iniciativa de V. Exa. em relação à montagem da Comissão de Juristas, que foi uma Comissão plural, uma Comissão amplamente democrática, que recebeu propostas do Brasil inteiro, que fez audiências públicas no Brasil, em todas as regiões do país. Então, eu tive a oportunidade de acompanhar de perto, Profa. Rosa, o quanto a Comissão propiciou diálogo com a comunidade jurídica. Quem não quis participar por algum motivo, não participou, mas todos que quiseram participar tiveram voz e tiveram a possibilidade de dialogar com a Comissão nas várias audiências e nos vários momentos de debate sobre esse texto.
R
E eu queria louvar, Senador Pacheco, também a subcomissão de responsabilidade civil, em nome do Prof. Nelson Rosenvald, da Dra. Patrícia Carreiro e da Ministra Isabel Gallotti, porque eu, como estudioso do tema, gostei bastante das proposições que foram feitas, de um modo geral, na parte de responsabilidade civil.
Queria propor aqui, sobretudo me colocando à disposição desse Senado para qualquer diálogo, qualquer ajuste no texto - vou propor, Profa. Rosa, Prof. Tartuce -, algumas sugestões e vou centrar o meu comentário em relação à função pedagógica da responsabilidade civil.
Primeira sugestão, primeira questão, a do art. 926, Prof. Nelson. Queria parabenizar a Comissão por manter a técnica da linguagem e escrever "dever de reparar", porque dever, como a Profa. Rosa sempre nos ensinou, é gênero do qual obrigação é espécie.
E sugiro, Prof. Tartuce, acrescentar, Senador Pacheco, um inciso IV no art. 927 e acrescer o abuso do direito, previsto no art. 187 deste Código, que também é um fator que pode gerar reparação de danos. O abuso do direito - não é, Prof. Rodrigo Toscano? Eu o saúdo de Lima, e ele está em Lisboa - pode gerar várias eficácias, uma delas a reparação. Então, eu sugeriria, Profa. Rosa, acrescentar um inciso IV no art. 927 para colocar também o abuso do direito e fechar sistematicamente com a Parte Geral. Assim eu teria o ato ilícito stricto sensu, que seria com imputação subjetiva, no caso, análise de culpa e dolo; teria a questão do risco especial, que abarca, Prof. Nelson, o critério de imputação objetiva; teria a responsabilidade indireta, no inciso III - e isso é corrente no direito brasileiro -; e também, Profa. Rosa, teria o abuso do direito - né, Prof. Tartuce? -, do art. 187, fechando sistematicamente o art. 927. Então, eu louvo aqui o art. 927, sugerindo esse acréscimo do inciso IV sobre o abuso do direito.
Queria parabenizar também a Comissão pela multifuncionalidade. Vejo que o que há de mais contemporâneo no direito atual foi observado na proposta de reforma do Código Civil.
A Dra. Patrícia já falou do art. 927-A, da função preventiva da responsabilidade.
Nos arts. 932 e 933, nós temos, Prof. Tartuce, a função demarcatória, que é demarcar - né, Prof. Toscano? - o quê? Quem será responsável, poderá ser responsável por aquele fato, mesmo que não pratique; por exemplo, os pais em relação aos filhos e às filhas.
E aí nós temos também a função pedagógica, no 944-B, e eu já vou falar sobre ele; e temos, obviamente, a função reparatória, que abarca os danos materiais e os danos extramateriais ou extrapatrimoniais, como foi colocado no texto da reforma.
Então, me deixa bastante feliz, Prof. Tartuce, o Código estar em consonância com outros códigos do direito estrangeiro, por exemplo, o Código Civil da Argentina, que é de 2015; a reforma do Código Civil dos franceses, agora em 2025; e a reforma, Prof. Toscano, do Código belga, também em 2025, que abarca essas questões de multifuncionalidade. Então, eu queria louvar essa proposição da Comissão.
R
Eu queria fazer... Vou dar um salto, para o art. 952-A, Prof. Tartuce, que trata... Eu vou ler o texto: "Art. 952-A As pessoas naturais ou jurídicas, de Direito Público ou Direito Privado, terão a obrigação de reparar [aqui, Profa. Rosa, eu utilizaria a mesma nomenclatura do 927, que seria "dever de reparar", eu sugeriria essa alteração] integralmente os danos causados ao meio ambiente, por sua atividade, independentemente da existência de culpa".
Eu sugiro que o §2º se transforme em parágrafo único e que se retire o §1º, Senador Pacheco, porque ele diz o seguinte: "A responsabilidade prevista neste artigo pode ser afastada em caso de fato exclusivo de terceiro".
Aqui nós podemos estar em confronto com a questão do risco integral, que abarca a questão ambiental. Isso pode ser uma tutela que desprivilegie a vítima. E aí, como os exemplos dados pelo Prof. Nelson, de Mariana e Brumadinho, isso talvez fosse um problema para a reparação daquelas comunidades e das pessoas que vivem naqueles locais. Então, eu sugiro, com o maior respeito à Comissão, a retirada do §1º e transformar o §2º do 952-A em parágrafo único.
Mas agora, Senador Pacheco, eu vou, então, centrar o meu comentário na questão da função pedagógica. Eu tenho uma linha, Senador Pacheco, que é minoritária no Brasil: eu defendo que o 944 atual, que fala que a reparação mede-se pela extensão do dano, já abarcaria a multifuncionalidade, mas reconheço que a proposição da Comissão facilita a estabilidade decisória do tema. Por isso é que eu louvo essa colocação do art. 944-A para a função pedagógica.
Então, eu sugeriria aqui, Prof. Tartuce, a substituição do termo "indenização" pelo termo "reparação", porque aqui nós estamos a trabalhar com danos extrapatrimoniais, para ficar mais técnica a redação e abarcar corretamente os institutos. Então: "A [...] [reparação] compreende também todas as consequências da violação da esfera... ". Se o Código, Prof. Nelson, utiliza o termo "extrapatrimonial", como o senhor falou, eu tiraria a "questão moral" e colocaria "extrapatrimonial", para fazer um ajuste de linguagem e coerência em relação ao texto do capítulo. E aí colocaria: "... esfera extrapatrimonial da pessoa natural jurídica" e, no §1º:
§ 1º Na quantificação do dano extrapatrimonial, o juiz observará os seguintes critérios, sem prejuízo de outros:
I - quanto à valoração do dano, a natureza do bem jurídico violado e os parâmetros de [...] [reparação] adotados pelos Tribunais, se houver, em casos semelhantes;
Aqui eu trabalho, Profa. Rosa, em diálogo com o Código de Processo Civil, com o art. 926 do Código de Processo Civil, quando eu tenho a questão do respeito à coerência e integridade decisória. Então, se há casos semelhantes, eu vou trazer o princípio que extrai desses casos semelhantes para saber se eu aplico na reparação desse caso que eu estou julgando agora.
II - quanto à extensão do dano, as peculiaridades do caso concreto, em confronto com outros julgamentos que possam justificar a majoração ou a redução do valor da [...] [reparação].
Aqui também em diálogo com o Código de Processo Civil, art. 926.
R
Veja, Senador Pacheco, que a Comissão foi muito cuidadosa em trazer esse diálogo do Código Civil com outras legislações, como, no caso aqui, o Código de Processo Civil, aprovado por este Congresso Nacional.
§ 2º No caso do inciso II do parágrafo anterior, podem ser observados os seguintes parâmetros:
I - nível de afetação em projetos de vida relativos ao trabalho, lazer, âmbito familiar ou social;
II - grau de reversibilidade do dano; e
III - grau de ofensa ao bem jurídico. 
Esses critérios são bastante utilizados pela literatura jurídica e pelos julgados não só no Brasil, como no exterior, para você fazer uma reparação integral à vítima e adequada, porque a reparação integral não quer dizer - não é, Profa. Rosa? - pegar todo o patrimônio do ofensor e entregar para a vítima, não, mas a adequada àquela extensão daquele dano naquele caso concreto.
E aí, Prof. Tartuce, o §3º diz o seguinte: "Ao estabelecer a indenização por danos extrapatrimoniais em favor da vítima [aqui eu sugiro trocar "indenização" por "reparação"], o juiz poderá incluir uma sanção pecuniária de caráter pedagógico, em casos de especial gravidade, havendo dolo ou culpa grave do agente causador do dano ou em hipóteses de reiteração de condutas danosas". Aqui, Dra. Patrícia, Prof. Nelson, eu sugiro acrescentar também as hipóteses de critério de imputação objetivo, porque aqui pode parecer que a função pedagógica, Prof. Tartuce, abarcaria somente os casos de dolo e culpa grave. Eu tenho hipóteses de condutas reiteradas em critério de imputação objetivo que também pode ter o acolhimento da função pedagógica.
No §4º: "§ 4º O acréscimo a que se refere o § 3º será proporcional à gravidade da falta e poderá ser agravado até o quádruplo dos danos fixados com base nos critérios do §§ 1º e 2º, considerando-se a condição econômica do ofensor e a reiteração da conduta ou atividade danosa, a ser demonstrada nos autos do processo". Aqui me preocupa, Prof. Tartuce, analisar a condição econômica do ofensor, porque eu posso gerar um dano à pessoa que acabe com a vida dela. Imagine que eu escreva um livro em relação ao Prof. Toscano, fazendo um monte de fake news e causando um dano quase irreversível à honra dele. Será que analisar a condição econômica vai contribuir para a reparação adequada do Prof. Rodrigo Toscano? Eu tenho dúvidas. Eu não colocaria esse critério de condição econômica do ofensor.
§ 5º Na fixação do montante a que se refere o § 3º, o juiz levará em consideração eventual condenação anterior do ofensor pelo mesmo fato, ou imposição definitiva de multas administrativas pela mesma conduta.
§ 6º Respeitadas as exigências processuais e o devido processo legal, o juiz poderá reverter parte da sanção mencionada no § 3º em favor de fundos públicos destinados à proteção de interesses coletivos ou de estabelecimento idôneo de beneficência, no local em que o dano ocorreu.
O artigo, para além das sugestões de redação, Prof. Tartuce, que eu sugiro, está em consonância com o Código Civil como um todo. Vou dar alguns exemplos. Essa função pedagógica da responsabilidade já existe em outras áreas do direito civil. Por exemplo, quando eu tenho a pena de sonegado, nos arts. 1.992 e seguintes do Código Civil, eu tenho uma sanção pedagógica aqui. Quando eu tenho a designação, no art. 1.961 do Código Civil, Profa. Rosa, eu também tenho essa função pedagógica. Quando o art. 1.259 do Código Civil trata da indenização pelas perdas, da reparação pelas perdas e danos por quem, de má-fé, constrói em terreno alheio, também está presente a função pedagógica. Quando eu falo no art. 940 do Código Civil, de restituição em dobro por aquele que demandou indevidamente uma prestação de outrem, também estou com essa função pedagógica presente.
R
Então, essa proposta da Comissão e do Senador Pacheco no projeto é muito adequada porque traz estabilidade decisória, traz a dupla dimensão necessária para nós repararmos ou prevenirmos ou gerarmos uma pedagogia em relação à responsabilidade civil. Por quê? Porque ela traz critérios legais para que quem for decidir tenha essa possibilidade de decidir de forma adequada e também combate, como a Dra. Patrícia Carrijo falou, a antijuridicidade, justamente porque, se eu conceder essa função pedagógica em cada caso concreto, eu vou ter um decote desse valor em relação à função reparatória e vou tratar de casos de direitos individuais e direitos não individuais, como os individuais homogêneos, coletivos e difusos, de forma adequada, decotando esse valor e mostrando: "Olhe, a função reparatória tem um valor de 100, a função pedagógica vai ter um valor de 50, de 60 e vai justificar o porquê disso". E nós já temos isso em vários julgados dos nossos tribunais. Então, a função pedagógica não é nenhuma novidade no sistema jurídico brasileiro, mas agora está sendo esmiuçada e mais bem adequada ao que nós precisamos por uma decisão correta e adequada.
Eu queria agradecer, Senador Pacheco, a oportunidade de estar aqui e dizer que estou à disposição do Senado da República para esse diálogo, à disposição da Comissão de Juristas, à disposição da comunidade para que a gente possa construir o melhor texto possível para tutelarmos o direito civil brasileiro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Professor Pablo Malheiros da Cunha Frota, que é Doutor em Direito das Relações Sociais, Professor da Universidade Federal de Goiás e Advogado. Muito obrigado por suas contribuições. O Professor fez vários apontamentos que merecerão atenção dos nossos pares e do eminente Relator.
Concedo a palavra, neste momento, também pelo sistema remoto, ao Professor Rodrigo Toscano de Brito, que é Doutor em Direito Civil, Professor da Universidade Federal da Paraíba e Advogado.
Tem a palavra, com muita satisfação, o Professor Rodrigo Toscano de Brito. (Pausa.)
Professor Rodrigo, o seu áudio está desligado.
O SR. RODRIGO AZEVEDO TOSCANO (Por videoconferência.) - Muito bem, Senador Rodrigo Pacheco.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora sim, estamos ouvindo V. Sa., que tem a palavra.
O SR. RODRIGO AZEVEDO TOSCANO (Para expor. Por videoconferência.) - Maravilha. Muito bem.
Em primeiro lugar, Senador Rodrigo Pacheco, eu gostaria muito de agradecer a oportunidade de poder contribuir também aqui na construção da reforma do nosso Código Civil.
Também quero fazer referência ao Senador Carlos Portinho, que se encontra presente hoje nesta sessão. Aliás, em todas as sessões, não é? Eu tenho acompanhado de perto todas as sessões da Comissão Temporária da reforma do Código Civil e tenho visto realmente a presença do Senador Carlos Portinho o tempo inteiro, em todas as sessões. E aqui fica um parabéns especial ao Senador Carlos Portinho, que é o sub-relator para a parte que diz respeito à responsabilidade civil.
R
Eu também gostaria, mesmo não estando presente... Pelo menos daqui eu não consigo observar a presença dos Senadores Efraim Filho e do Senador Veneziano Vital, ambos meus conterrâneos. Eu preciso deixar aqui consignado e declarado que são Senadores da mais alta estirpe no nosso Estado da Paraíba, pessoas por quem eu tenho uma ampla admiração e amizade. Portanto, fica aqui também esse registro.
E eu não posso deixar de também me referir a todos que fizeram parte da Comissão que tratou do anteprojeto da reforma do nosso Código Civil e assim o faço nas pessoas do Prof. Flávio Tartuce, da minha querida Profa. Rosa Nery, que também está comigo aqui, presencialmente, nesta sessão virtual que está acontecendo aqui entre todos nós - infelizmente nós não podemos estar hoje em Brasília -, e também do Prof. Pablo Malheiros, que já está em Lima. Saudações rubro-negras ao Prof. Pablo Malheiros, que vai torcer pelo nosso Flamengo no próximo sábado.
Muito bem, Sras. e Srs. Senadores, eu trago aqui um ponto muito específico a respeito da reforma do Código Civil, e o Senador Carlos Portinho tem tratado especificamente sobre o tema. Eu aqui vou abrir uma discussão realmente que tem interessado bastante e que diz respeito aos danos futuros e indiretos que estão mencionados especificamente no art. 944-B da reforma do nosso Código Civil. Esse tema tem chamado a atenção, já tem sido objeto de análise em outros artigos também científicos, que têm sido escritos sobre o assunto, alguns contrários, outros a favor logicamente ao tema. E eu gostaria de abrir essa temática aqui no âmbito da Comissão Temporária da reforma do Código Civil.
Em primeiro lugar, eu quero deixar bastante claro que o nosso âmbito de análise aqui, o foco de debate mesmo é o dano. Esse é um ponto importante, porque eu tenho visto algumas críticas em torno da redação do 944-B, que, de fato, foge da questão relacionada especificamente ao dano, que é o ponto de destaque dentro do art. 944-B, ou seja, não há dúvida alguma de que vai ser necessária sempre a demonstração da causalidade da ilicitude. Portanto, causalidade e ilicitude são um pressuposto, nós precisamos analisar causalidade e ilicitude de todo modo. A questão aqui relacionada é realmente voltada para o dano.
O 944-B diz aqui o seguinte: "A indenização será concedida, se os danos forem certos...". E aqui eu já faço um primeiro ponto de destaque: "... se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros.", ou seja, não resta nenhuma dúvida de que a certeza do dano é fundamental para a sua qualificação. A gente não pode confundir a incerteza do dano, a eventual incerteza do dano que nem sequer é possível, com a futuridade dele. Esse é um ponto que me parece aqui que tem sido objeto de uma certa confusão, com todo o respeito, logicamente, a quem tem tocado no assunto.
Portanto, o dano, conforme está dito na redação do art. 944-B, tem que ser certo, logicamente, na sua regra geral, mas ele pode ser um dano direto, pode ser um dano indireto, pode ser um dano atual e pode ser um dano futuro. Então, essa colocação que eu vou passar a fazer a partir de agora mergulha justamente nesses qualificativos, ou seja, o dano é certo, o.k.? Não há dúvida de que o dano tem que ser certo, mas ele pode ser direto, indireto, atual ou futuro. E é a partir dessa perspectiva que nós vamos trabalhar agora.
R
Em primeiro lugar, sobre o dano direto não resta dúvida alguma. Nós trabalhamos com o dano direto. Portanto, quando a pessoa sofre uma lesão diretamente ao seu patrimônio ou à própria pessoa, logicamente que sofre um dano direto, não há dúvida alguma, isso é clássico dentro da responsabilidade civil. Mas o que nos chama a atenção e às vezes pode causar uma certa instabilidade, que não existe, em rigor, diz respeito ao dano indireto, que também é chamado, entre nós, de dano reflexo ou por ricochete. E é este o ponto que trouxe o nosso projeto de Código Civil: a possibilidade de se pedir a indenização pelo dano indireto também.
Isso é novidade entre nós? Não, isso não é novidade entre nós. O dano indireto diz respeito a evento que não atinge somente a vítima direta, mas também, reflexamente, um conjunto de pessoas que está no entorno da vítima diretamente. E isso não é novidade entre nós. O próprio art. 948 atual do nosso Código Civil trata da hipótese, só que trata da hipótese mencionando o caso do homicídio. Depois todos podem analisar o 948 atual. O artigo diz o seguinte: no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações. E, no inciso II, já prevê, na prestação de alimentos, as pessoas a quem o morto devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. Portanto, nós já trabalhamos com a hipótese. O que a proposta de reforma do Código Civil faz é ampliar, tirar só da hipótese do homicídio e ampliar a hipótese de reparação pelo dano indireto também.
Aliás, é importante observar que o próprio art. 12 do Código Civil, artigo que trata dos direitos da personalidade, também diz que pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei - isso já está dito no art. 12 atual do Código Civil. E o parágrafo único diz: "Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau". Portanto, nós já tratamos da hipótese aqui no nosso Código Civil atualmente.
Fora isso, quando nós paramos para discutir esse tema em jornadas de direito civil, foi criado, salvo engano, na VI Jornada de Direito Civil, o Enunciado 560. Esse Enunciado 560, analisando aquela regra que está lá no art. 948 do Código Civil, deixou bem claro o seguinte: "No plano patrimonial, a manifestação do dano reflexo ou por ricochete não se restringe às hipóteses previstas no art. 948 do Código Civil". Portanto, essa ampliação já vem sendo tratada pela doutrina há um certo tempo e com uma certa estabilidade - aliás, com muita estabilidade. E estabilidade mesmo há sobre esse tema na própria jurisprudência. Vejam, apesar de nós não termos um dispositivo que trata especificamente do dano indireto, de modo mais geral, como se pretende agora na reforma, com acerto, no meu modo de ver, a própria jurisprudência do STJ trabalha com a hipótese, já há um certo tempo, com um grau de estabilidade elevado.
R
E, para preparar essa minha fala hoje aqui, trazendo subsídios para a Comissão, pesquisei aqui, por exemplo, o AREsp 1.099.667, do nosso STJ, que diz claramente o seguinte:
Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o vínculo presente no núcleo familiar, e que interliga a vítima de acidente com seus irmãos e pais [portanto, os que sofreram dano indiretamente], é presumidamente estreito no tocante ao vínculo de afeto e amor, presumindo-se que desse laço se origina, com o acidente de um [portanto, daquele que sofreu dano direto], a dor, o sofrimento, a angústia [...], o que os legitima para a propositura da ação [...] de indenização [...].
Portanto, isso já é objeto de análise do nosso STJ, não só nesse caso, mas também em outro, muito interessante por sinal, quando se diz aqui, na própria ementa do julgado, que, "conquanto a legitimidade para pleitear a reparação por danos morais seja, em princípio, do próprio ofendido, titular do bem jurídico tutelado diretamente atingido [...], tanto a doutrina como a jurisprudência têm admitido, em certas situações, como colegitimadas também aquelas pessoas que, sendo muito próximas [...] [também podem pedir a indenização]". Portanto, não vejo necessidade de uma grande celeuma em torno desse assunto.
Como também não o vejo na hipótese do dano futuro. Essa questão do dano futuro tem sido trabalhada amplamente no direito comparado. No Código Civil português, por exemplo, se diz claramente que "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis" - isso está dito no Código Civil português. Do mesmo modo, no Código Civil argentino, há menção expressa a um dispositivo muito próximo ao que se pretende colocar no caso brasileiro. E já agora, recentemente, como disse ainda agora há pouco o Prof. Pablo Malheiros, na Bélgica - a reforma é recente, do ano de 2025 -, também se diz claramente que o dano futuro é indenizável, se for consequência certa de uma violação atual ou futura - uma violação atual de um interesse pessoal legalmente protegido.
Em razão disso e de eventual celeuma que possa se trazer em torno do assunto - e claro que há sempre necessidade de colocação de alguns filtros, eu também sou a favor disso -, eu vou deixar uma sugestão sobre essa questão do art. 944-B, nos utilizando do que se pretende reformar no Código Civil francês, que está em andamento também. E me parece que a ideia melhor aqui seria nós mantermos a redação do 944-B - "a indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros" - e criarmos um parágrafo, um parágrafo único talvez, aqui no próprio 944-B, que diga que o dano futuro é indenizável quando constitui a continuação certa e direta de um estado de coisas atual. Como nós temos a palavra "certos" já no caput, me parece que a ideia melhor seria: o dano futuro é indenizável quando constitui a continuação direta de um estado de coisas atual. Portanto, aquilo que já se sabe que vai ser provocado, como acontece com as pessoas que, por exemplo, sofrem um acidente, têm mutilação e vão precisar, logicamente, de tratamentos médicos ad futurum.
Portanto, Sr. Presidente Rodrigo Pacheco, eu sei que o nosso tempo é um tempo extremamente curto para essas colocações todas. Eu desci aqui ao detalhe do nosso art. 944-B e espero ter trazido alguma contribuição nesse ponto.
R
E quero deixar à disposição do Senador Carlos Portinho, inclusive, o material que eu preparei, Senador, para que possa eventualmente também contribuir com os futuros debates que existirão em torno certamente do art. 944-B da reforma do nosso Código Civil.
Senador Rodrigo Pacheco, muito obrigado.
Estou sempre à disposição para outros momentos de ajuda aqui na Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Rodrigo Toscano de Brito. Em nome da Comissão, agradeço V. Sa. pela excelente exposição nesta manhã de hoje, na nossa Comissão Temporária. Muito obrigado por sua contribuição.
Eu passo a palavra neste momento à Vice-Presidente da Comissão de Direito Civil do Conselho Federal da OAB, Dra. Lara Soares.
Tem a palavra, Dra. Lara.
A SRA. LARA SOARES (Para expor.) - Bom dia, Presidente Senador Rodrigo Pacheco. Bom dia, Senador Carlos Portinho, todos os presentes, professores, professoras, meus colegas advogados.
Eu, inicialmente, gostaria de agradecer essa oportunidade, esse diálogo, esse processo, que tem sido muito democrático.
Eu gostaria de reforçar a importância dessa reforma legislativa. O Código Civil brasileiro é a lei - não tenho dúvidas - mais importante do nosso sistema. E quero parabenizar a Comissão de Juristas, meus professores, aqui representados por Nelson Rosenvald e meu querido Flávio Tartuce.
Eu vou, Presidente, concentrar a minha fala detidamente em dois aspectos que tratam sobre a responsabilização familiar, precisamente sobre o art. 932, que vai tratar justamente sobre a responsabilização por fato de terceiro, Senador Portinho, porque penso que esses aspectos atravessam a sociedade e as famílias brasileiras de um modo muito sentido.
Inicialmente, quero registrar até meu agradecimento enquanto advogada, porque a Comissão realizou a alteração - pelo menos é o texto que está previsto na reforma, no Projeto de Lei nº 4 - do inciso I, com a supressão, a pretendida supressão da expressão "em companhia". Esse é um artigo, Excelências, que trata sobre a responsabilidade, portanto, a reparação civil de forma objetiva, sem qualquer tipo de apreciação de culpa pelo ato praticado por terceiros. E, no caso do inciso I, do art. 932, há a responsabilização dos pais, no texto da reforma, pelos fatos praticados pelos seus filhos, quando em sua autoridade, sob a sua autoridade, suprimindo a expressão "em companhia".
Eu gostaria muito de registrar a satisfação que é identificar essa supressão, porque é uma alteração coerente - essa é uma alteração coerente -, não apenas porque a jurisprudência do STJ já caminha efetivamente nesse sentido, mas não se pode imaginar que os pais, com autoridade parental, apenas respondam pelos atos praticados pelos seus filhos, numa circunstância de o evento danoso, ou o fato danoso ter ocorrido ao seu lado, em sua companhia. Essa interpretação seria absolutamente inaceitável, e é assim que a jurisprudência, aliás, caminha, do mesmo modo que nós temos o Enunciado da Jornada de Direito Civil nº 450, que chama a atenção para as famílias reconstruídas, as famílias, portanto, que têm pais separados em que - frequentemente, identificamos isso no Poder Judiciário - nós temos uma disputa quando tratamos sobre fatos praticados por crianças e adolescentes, com o objetivo de excluir aquele pai ou aquela mãe, mas, normalmente e quantitativamente falando, essa é uma alegação dos pais porque, no sistema em que nós vivemos no Brasil, nós identificamos que, efetivamente, o dever de cuidado costumeiramente recai sobre a mulher.
R
Então, essa é uma discussão também... Além da importância social que essa redação empresta para a sociedade brasileira, tem também uma importância de gênero, e isso precisa ficar registrado. Não é sem razão, aliás, que atualmente nós temos identificado e enfrentado a valorização do assunto que decorre do dever de cuidado, do cuidado, dessa realização de cuidado, inclusive com o projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados e, para além disso também, com a própria valorização da discussão no que se refere à responsabilização por abandono afetivo.
Então, estou convencida e muito satisfeita com a redação proposta na reforma em relação a isso. E digo mais: penso que essa redação proposta na reforma tende, inclusive, a gerar diminuição de conflitos, porque nós saímos - inclusive, isso para a advocacia é um ponto positivo - do ambiente em que a lei diz uma coisa, que é o que acontece atualmente, na redação que nós temos atualmente, e diferentemente observamos na jurisprudência. Então, com essa acomodação, a gente percebe, inclusive, uma valorização dos métodos próprios - eu, enquanto processualista -, dos métodos autocompositivos, e as pessoas, então, com esses ânimos, me parece aí, no ambiente de família, menos acirrados. Então, eu gostaria de fazer esse registro e de pontuar isso.
Ainda no 932, disse que faria apontamentos específicos, e é exatamente isso. Quero tratar sobre o inciso IV, que vai tratar sobre a responsabilidade objetiva dos guardiões, Senador Carlos Portinho. O inciso IV pretende responsabilizar, independentemente de culpa, os guardiões pelos fatos das pessoas que estão sob sua guarda. No que se refere a esse inciso, a essa redação, eu proponho uma reflexão. Tenho uma preocupação...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. LARA SOARES - O 932, inciso IV, Excelência.
Eu proponho uma reflexão. Por quê? Porque a guarda é distinta da curatela e da tutela. A guarda não destitui, não retira, não exclui a autoridade parental.
Então, o que acontece? Nós podemos ter um guardião e continuamos a ter pais para aquela criança e aquele adolescente. Portanto, essas pessoas com autoridade parental podem ser responsabilizadas perfeitamente. A curatela e a tutela são institutos que, a despeito de terem as suas semelhanças com a guarda, são muito mais vastas, inclusive operando efeitos e registros no cartório civil de pessoas naturais, diferentemente da guarda.
Socialmente percebemos, Excelências, um hábito social que decorre, inclusive, da nossa própria evolução humanitária e social: com a vida mais corrida, as famílias vivem menos concentradas. Nós percebemos que há um costume social de transferência de guarda para uma avó, muitas vezes até com intenções educacionais, às vezes, sim, em circunstâncias que percebemos essas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Não me parece... E aí eu gostaria de sugerir, talvez, uma colocação de essa responsabilização acontecer quando se está em companhia. Para mim, a expressão "em companhia" aqui faz mais sentido, porque nós teríamos uma responsabilização desse guardião enquanto estivesse, efetivamente, com essas crianças e esses adolescentes. Caso contrário, me parece, inclusive, que, do ponto de vista social, a gente pode ter um desestímulo a esse tipo de arranjo que muitas vezes é para facilitar o cuidado, é para permitir que aquelas famílias tenham o seu próprio sustento, enfim, diante da nossa realidade social que efetivamente existe.
R
Então, eu gostaria de fazer esse apontamento. Talvez, se fosse até o caso, retirar essa responsabilidade objetiva, pensar em uma responsabilidade subjetiva, mas a expressão "em companhia" aqui me parece fazer muito sentido, se pudéssemos acrescentar - e essa seria uma sugestão.
Mas outro ponto, em relação ainda a esse inciso IV - e que aí me parece que realmente precisaria de um melhor esclarecimento -, é a situação dos dirigentes de instituições de acolhimento. Por quê? Porque o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) confere aos dirigentes de instituições de acolhimento a guarda legal a essas pessoas daquelas crianças e adolescentes que, sim, estiveram em situação de risco e muitas vezes foram abusadas, violentadas. E nós falamos de um ambiente em que esses dirigentes já têm inúmeras responsabilidades do ponto de vista estrutural, do ponto de vista de comunicação e de relacionamento com o próprio poder público, com o próprio Poder Judiciário; e, quando essa instituição acolhe essas crianças e adolescentes em absoluta situação de vulnerabilidade, é razoável que, efetivamente, alguém possa, alguém tenha de falar, de representá-los. É o que acontece, por previsão normativa do ECA.
Pois bem, imaginarmos responsabilizar essas pessoas de forma objetiva, sem absolutamente nenhum tipo de divagação ou de identificação de culpa, eu não sei se é justo, se é razoável, se é coerente, e é por esse motivo que eu proponho a reflexão neste ponto específico. E aí, talvez, efetivamente... Porque, reparem, eu não sei se os senhores conhecem a realidade de instituições de acolhimento, mas essas crianças, esses adolescentes - que até 17 anos, 11 meses e 29 dias ainda são adolescentes - saem para a escola, têm momentos de lazer. Como controlar? Como esse dirigente pode controlar, pode vigiar, pode saber efetivamente o que essas crianças que - precisamos identificar - não estiveram sob os seus cuidados anteriormente, cujos conceitos do que é viver em comunidade, sob esses balizamentos, não foram assentados por essas pessoas, Prof. Nelson? Então, por isso, a sugestão da reflexão e de, de repente, pensarmos em uma responsabilização subjetiva ou limitada aos atos praticados no contexto da supervisão desses lugares.
Então, é o que eu gostaria de propor.
Agradeço a oportunidade, mais uma vez, e, rigorosamente obedecendo ao prazo regimental, eu devolvo a palavra ao Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Eu agradeço à Dra. Lara Soares por sua exposição muito consistente, representando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Eu, que sou egresso da Ordem dos Advogados, fui Conselheiro Federal da casa, fico muito feliz de a entidade estar sendo muito bem representada por V. Exa., Dra. Lara, com uma bela exposição, que nos adverte para temas que realmente são muito relevantes. E eu peço a atenção dos nossos pares e do eminente Relator para a exposição da Dra. Lara Soares, em nome da OAB.
Eu concedo a palavra, neste momento, ao Dr. Julio Gonzaga Andrade Neves, que é Doutor em Direito Civil, Professor, Advogado e que também representa, nessa assentada, a Confederação Nacional da Indústria.
Tenho a satisfação de passar a palavra ao Prof. Julio.
R
O SR. JULIO GONZAGA ANDRADE NEVES (Para expor.) - Exmo. Sr. Senador Rodrigo Pacheco, é uma distinta honra me dirigir a V. Exa. nos trabalhos de hoje. É também uma distinta honra fazê-lo em nome das indústrias do Brasil.
Caros colegas, eu gostaria de estruturar a minha fala em torno de três proposições. A primeira dessas proposições é uma constatação factual. A participação da indústria no PIB do Brasil diminuiu sensivelmente entre 1990 e 2025. Nós passamos por um processo de desindustrialização proporcional. Nós saímos da década de 80 e entramos na década de 90 com mais de 30%, entre 30% e 40%, de participação da indústria no PIB. Chegamos a ter um pico de quase 48%. Ano passado, 24,7%, já com um viés de crescimento. E eu saio do fato - essas são estatísticas concretas - para uma opinião: isso é ruim para o país.
Nós não passamos por um processo proporcional de desindustrialização, Senador Pacheco, migrando para uma economia mais madura de serviços, mas regredindo para uma dependência maior de commodities. Nós não nos comparamos com os países avançados que tiveram esse processo de redução proporcional. Nós tivemos um decréscimo civilizatório econômico com essa perda proporcional da indústria. E, com essa perda, perdemos os melhores empregos, mais estáveis, com os melhores salários, perdemos progresso no nosso projeto de desenvolvimento nacional. Essa é a primeira constatação.
A minha segunda proposição é que... É claro que um fenômeno dessa complexidade em um país complexo como o nosso tem causas diversas, mas me parece razoavelmente consensual afirmar que o custo Brasil está como um dos fatores centrais dessa perda de protagonismo da indústria. E custo Brasil é um pouco uma designação guarda-chuva para todos os nossos desafios estruturais, institucionais. Nós temos uma terra em que, se plantando, tudo dá, mas o solo para a indústria é pedregoso. É difícil empreender no Brasil. E entre esses desafios do, assim dito genericamente, custo Brasil, a hiperjudicialização é uma parte importante desse fenômeno. E, dentro da hiperjudicialização, a responsabilidade civil tem um papel central.
Eu tenho algumas estatísticas que são estarrecedoras e são, de novo, números, números postos. Em 31 de outubro, já eram 75 milhões de processos pendentes de julgamento no Brasil. Até a mesma data, 33 milhões de novos casos. Em 2024, 9,6 mil pedidos de dano moral por dia no nosso país. A meta por juiz é fluida e varia conforme a distribuição, mas ela está sempre na ordem de milhares de processos para serem sentenciados por ano. E eu estou flanqueado por uma magistrada. Sentenciar é só uma parte pequena do trabalho de um magistrado. Além de milhares de sentenças, milhares de outras providências na condução dos processos.
Esses fatos levam a um cenário que é patológico. Eu tomei a primeira providência de conversar não só com industriais brasileiros, mas também com multinacionais, para ter o benefício da visão estrangeira, e ouvi de todos uma variação do mesmo tema, Senador Pacheco, Senador Portinho. O Brasil é, invariavelmente - invariavelmente, não na maioria, para 100% dos industriais com quem eu conversei -, o maior litigante proporcional do mundo. Em alguns casos, com certa frequência, ele é o maior litigante em números absolutos, mesmo tendo apenas uma fração dos negócios globais.
Ontem, o Supremo Tribunal Federal, por decisão monocrática do Ministro Toffoli, suspendeu um andamento de casos em todo o Brasil para discutir dano moral por atraso ou cancelamento de voos em caso fortuito ou força maior. Esse é o nível de penetração da matéria da responsabilidade civil no Brasil.
R
Parece-me que existe uma inflamação no tecido social brasileiro, que é de uma desmedida litigiosidade. Nós poderíamos nos autocongratular e tentar empacotar isso em uma espécie de acesso à Justiça. O acesso à Justiça é um valor inegociável, e não me parece que seja isso. O acesso à Justiça franqueará acesso aos casos que queremos ver julgados. O que parece é que há uma explosão de casos que contamina a atividade econômica do país e a nossa saúde como indústria.
E, do ponto de vista material - porque nós não nos ocupamos, no processo civil, de acesso à Justiça, absolutamente não é matéria da minha intervenção -, a disciplina de responsabilidade civil é permissiva demais? Ela parece sugerir esse fenômeno que é constatado de uma nociva, de uma perniciosa hiperjudicialização? E a minha resposta é que parece que não. Nós temos hoje um sistema predominante de conduta culposa ou de responsabilidade por risco, dependente de um nexo causal direto e imediato, resultando em danos emergentes, que é aquilo que efetivamente se perdeu, ou em lucro cessante, aquilo que razoavelmente se deixou de ganhar. Isso está em par com o resto do mundo, mas o resto do mundo não tem o nosso cenário patológico de danos à sociedade, como decorrência de uma hiperjudicialização da responsabilidade civil.
Diante de um projeto que se propõe a modernizar a responsabilidade civil e o Código em geral, objetivo que deve ser comum a todos, eu devo perguntar, na qualidade de representante da indústria, se esse projeto é indiferente a esse problema, se ele ajuda na resolução ou se ele agrava essa hiperjudicialização. E há aspectos desse processo sobre os quais eu gostaria de me debruçar que me causam profunda consternação, profunda preocupação com o agravamento desse problema.
Nós saímos de um cenário, que acabo de descrever, de pressupostos de responsabilidade civil para um cenário em que a conduta por atividade lícita e essencialmente não perigosa pode dar ensejo à responsabilidade desde que haja risco especial e diferenciado. O Prof. Nelson fazia referência a isso agora. Eu leio essa chave interpretativa do artigo, porque esse vernáculo, esse léxico, não consta historicamente na nossa doutrina de jurisprudência. Preciso propor uma interpretação. Eu leio de maneira muito diversa. Não é apenas o risco extraordinário, porque o mesmo artigo diz que a atividade é não perigosa, a atividade é não defeituosa. Ela cria um risco especial diferenciado para alguém, sendo lícita, e gera responsabilidade. Isso é uma ampliação dos casos de responsabilidade civil.
O pleito, que hoje é ruim, passa a ser bom. O nexo de causalidade, que é direto, imediato e haverá divergência sobre causalidade adequada, passa a ser admitido por probabilidade, não por constatação de imputação, e passa a ser admissível a partir da lente de máximas de experiência do juiz. E máximas de experiência do juiz, em um país continental como o nosso, em um cenário de inflação de pleitos indenizatórios, parece um critério demasiadamente vago.
O dano material, quando é de pequena monta, pode ser arbitrado sem prova, com base nas mesmas máximas de experiência do juiz, do magistrado. Posso dizer que, se ele for de pequena monta, não é um problema grave, mas o problema da hiperjudicialização não é dos danos de grande monta, não é das grandes... É dos danos de pequena monta, que se avolumam, machucando profundamente a economia nacional, e, para esses, nem sequer a constatação da extensão deverá haver. Pode haver apenas arbitramento pelo magistrado, ou pior, lateralmente... O projeto diz textualmente que, como alternativa aos danos, é um novo gênero, poderá haver o pedido por um valor razoável arbitrado pelo juiz para compensação da violação do direito. Esse valor razoável não é dano emergente, não é lucro cessante, porque é letra do projeto: alternativo aos danos. É uma disciplina nova, alternativa. Eu não sei o que é, não me parece que ninguém saiba o que é, mas é necessariamente uma hipótese ampliativa.
E esse dano, quando constatado, não vai ser apenas o direto e imediato, mas também o indireto e futuro. E indireto... Eu tenho sérias dúvidas e vou propor, na sequência, uma breve pergunta sobre qual é a extensão, porque é uma hipótese muito diversa; é, claro, prever um dano em ricochete, em hipótese específica de morte, prevista no Código, bem acolhida na jurisprudência, e criar um conceito indeterminado que demandará construção a partir de grupos de casos.
R
O dano moral, por fim, que talvez seja o mais frequente dos pedidos patológicos no cotidiano do Judiciário, atravancando escaninhos de magistrados do Brasil de norte a sul, passa a admitir, para fins punitivos e pedagógicos, diz o Prof. Nelson... A pedagogia é mais a da palmatória do que a da conversa com a diretora aqui, ela é claramente sancionatória. Eles passam a ser quadruplicados, o que gera um receio natural de simplesmente se multiplicar por quatro o padrão de dano moral estabelecido pelo grupo de casos julgados hoje.
É claro que... Eu concordo com o Prof. Nelson quando diz que criticar conceitos jurídicos indeterminados é um sofisma. Claro que é, não há sistema que dependa da subsunção pura e simples. Aliás, nós concordamos também no diagnóstico de hiperjudicialização do Brasil e de hipertrofia do dano moral, para usar as palavras do Professor.
O que me parece é que nós temos que ter muito cuidado quando olhamos para os estrangeiros... E se fez referência à França repetidamente, com justiça, porque a França é uma referência em responsabilidade civil para o estudo de todos nós, e me fez lembrar um aconselhamento que é de Descartes no seu discurso sobre o método. Ele afirma que é importante olhar para os países estrangeiros para não se presumir que o jeito que nós fazemos a coisa é o jeito natural e o único possível, mas é importante não olhar demais e se tornar estrangeiro na sua própria terra, porque eu sei que França, Bélgica e Argentina promoveram demandas, mas eu sei também que França, Bélgica e Argentina não sofrem, nem de longe, com uma hiperjudicialização tão aguda, tão profunda quanto a nossa. E a proposta de lei, as nossas propostas como sociedade para resolução, olham, prioritariamente, inspirados, com humildade, para a doutrina estrangeira, para a solução legislativa estrangeira, mas olham para os problemas desta terra, deste país. E me parece que esse conjunto de conceitos indeterminados - não a ideia de conceitos indeterminados, mas esse específico conjunto de conceitos indeterminados - é gasolina na fogueira desse problema de hiperjudicialização.
Eu proponho a dúvida: fornecimento de uma máquina não defeituosa - não defeituosa tira do artigo específico de defeitos em produtos, artigo que até ganha clarificação no projeto -, pelo outro fundamento, de criação de um risco especial, cria um risco especial diferenciado de afetação da produção industrial ou de lesão do trabalhador? Porque uma máquina não cria riscos da porta para fora, mas, da porta para dentro, existe um risco próprio ali? Esse risco passa a ser fundamento para a indenização? Se houver uma lesão ao funcionário, se houver uma paralisação da linha de produção, esses danos diretos, sem defeito da máquina, passam a ser danos indenizáveis diretos? Constando danos indiretos, supondo que tenha defeito na máquina - porque aí não tem dúvida, tem defeito na máquina - e que parou sua linha de produção, os danos indiretos tornam indenizáveis as perdas de faturamento do comprador do insumo que sairia dessa linha de produção? E o do distribuidor que compraria deste comprador do insumo para a sequência de manufatura? Nesses círculos que vão se expandindo, onde é que para a natureza? Até onde ricocheteia essa bala? É a pergunta, porque eu não tenho critério... Quer na qualidade de advogado, quer na qualidade de professor, hoje eu não tenho critério objetivo para aconselhar os meus clientes, o que é uma circunstância de insegurança profundamente indesejável.
E, nessa nova categoria do valor razoável, olhando para cada um desses círculos, se não houver um dano emergente claro ou um lucro incessante evidente, qual é o valor razoável equivalente a esse ilícito? Eu também não tenho critérios objetivos para dizer. E, daí, de novo, na ideia de que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, aqui me parece que existe uma grave sobredosagem de indeterminação nessa fiada específica, e não tem um exercício criativo meu, eu vou seguindo, artigo por artigo, as hipóteses indeterminadas que o projeto propõe.
R
Isso me autoriza a chegar à minha terceira e última proposição, que é esse conjunto normativo. Esse fio normativo do projeto que acabo de destacar parece ter o potencial de agravar muito um problema que nos machuca como sociedade, a indústria em particular e a sociedade como um todo. Ninguém duvida do espírito cívico e da dedicação de 100% daqueles que se engajam na construção de um projeto que demanda muito tempo próprio. Eu espero ter o benefício de que enxerguem as minhas ponderações com o mesmo espírito cívico de construção de um ordenamento mais saudável.
Eu falei solitariamente pelos dez minutos, que acabam de se esgotar, mas eu espero que a minha intervenção não seja de modo nenhum vista como um monólogo. A primeira fala é dada pelo projeto, essa fala é a sequência de um diálogo. E, com essa referência do diálogo, eu tenho de novo a distinta satisfação e a honra de devolver a palavra a V. Exa., Senador Pacheco, que comanda o diálogo de todos nós.
Eu agradeço muito a oportunidade e devolvo a palavra a V. Exa.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dr. Julio Gonzaga Andrade Neves, Doutor em Direito Civil, Professor e Advogado, que representa também a Confederação Nacional das Indústrias nesta Comissão. Sua contribuição é muito bem-vinda. V. Exa. expôs com muita eloquência, com muita contundência e com muitos bons argumentos.
Quando V. Exa. se refere ao excesso de judicialização e de litigiosidade no Brasil, de fato é um fenômeno que a gente busca perseguir para identificar as causas e buscar efetivamente dirimir, porque isso de fato gera o chamado custo Brasil, que inibe o nosso desenvolvimento econômico. E, ao inibir o nosso desenvolvimento econômico, inibe também o desenvolvimento humano e o desenvolvimento social, cujo pressuposto é o desenvolvimento econômico de uma nação. E é preciso perquirir isso, Prof. Nelson Rosenvald, não só à luz da condição de Senador ou da condição de um jurista, de um professor, de um advogado, mas na condição de cidadão.
Eu me lembro, ouvindo o Prof. Julio falar, de que eu nunca fui de exercer os direitos na Justiça. A gente acaba sendo, no dia a dia, lesado por uma porção de fatores, numa relação de consumo, por exemplo, de companhia aérea ou de uma prestadora de serviço de comunicação, enfim. A todo instante, são dissabores que, para o nosso critério, há quem decida ir para a Justiça reclamar e há quem decida buscar resolver dentro daquela compreensão às vezes de que é melhor um mau acordo do que uma boa demanda.
E eu me lembro... Embora seja advogado e, em casa de ferreiro, o espeto seja de pau, eu nunca fui muito de litigar e me lembro de um único caso em que eu acabei, Senador Portinho, decidindo processar alguém. Eu era Deputado Federal e, como Deputado Federal, vinha sempre de Belo Horizonte para Brasília às segundas ou terças-feiras. Na terça-feira, na companhia aérea, havia um voo pela manhã e um logo depois, na hora do almoço. E a companhia aérea passou a, sistematicamente, em razão da falta de passageiros de manhã, no voo que antecedia, começar a cancelar esse voo que antecedia, no qual eu estava marcado, para poder aglomerar todos os passageiros no segundo voo, que era um pouco mais tarde. Então, acabavam usando esse método sistematicamente. Isso aconteceu comigo uma vez, aí eu perdi meus compromissos que eu tinha marcado em Brasília; depois aconteceu uma segunda vez numa outra semana; depois foi acontecendo... Lá pela quinta vez que aconteceu, eu falei: "Ah, vou tomar uma providência". Contrariei o que era uma essência minha de não querer litigar e ajuizei uma ação contra a companhia aérea. Inclusive, é uma companhia que eu estimo, da qual conheço os diretores, mas eu resolvi fazer esse ajuizamento da ação e fui muito malsucedido. Eu entrei com a ação através de um advogado cível, porque eu não consigo fazer nenhuma petição inicial de matéria cível, e acabou que fui muito malsucedido na ação.
R
E eu fiquei a pensar o seguinte: o que fez levar alguém que não tem esse espírito de litigiosidade a buscar reparar um dano relativamente pequeno de uma coisa assim? Naquele instante, era exatamente isto: era a frequência, era o desrespeito, era o conjunto de fatos que vão gerando uma indignação até que alguém decide judicializar algo que poderia ser resolvido dentro de uma composição e algo que poderia ter sido resolvido num ambiente regulatório, se tivessem corrigido aquela sistemática infração contra consumidores.
Então, é uma engrenagem muito complexa e são vários os fatores que fazem com que, no Brasil, haja esse excesso de litigiosidade, fruto realmente de uma engrenagem muito complexa e que precisa funcionar. Por certo, tivesse a companhia aérea sido instada a resolver esse problema pela agência reguladora, isso não teria acontecido e, assim como eu, outros tantos eventualmente não teriam ajuizado a ação por essa natureza ou por essa causa especificamente; seriam algumas ações a menos no Brasil.
Então, eu considero que esse é um tema que precisa ser profundamente refletido. Isso passa por uma série de fatores que é de ter efetividade da aplicação da lei, de haver um ambiente regulatório que seja fortalecido e bem equilibrado, porque, ao se resolverem as questões antes, se evita a judicialização.
Vejam que, nos últimos anos, nas últimas décadas, inúmeros institutos foram concebidos no ordenamento jurídico brasileiro de arbitragem, de mediação, de composição civil de danos, de juizados especiais cíveis e criminais em matéria penal, uma série de medidas que evitam o processo, como transação penal, conciliação em composição civil, suspensão condicional do processo, acordo de não persecução penal. E, ainda assim, nós continuamos com esse excesso de processos judiciais no Brasil, mesmo com todas essas medidas. Então, essa engrenagem precisa ser profundamente estudada em vários aspectos.
Há, inclusive, um deles que está em debate no Senado, Senador Carlos Portinho, que já passou pela Câmara, que é essa questão do ajuste ou do reajuste das custas da Justiça Federal, que são hoje muito defasadas e acabam estimulando a judicialização, ou seja, é preciso ter clareza que custa litigar. Obviamente, aquele que tem justiça gratuita deve se dar a ele o acesso à Justiça gratuita, mas a outros tantos casos não. Então, não pode haver, em razão de uma defasagem de custas judiciais, esse estímulo à judicialização, que acontece efetivamente hoje na Justiça Federal em razão dessa defasagem.
Então, há realmente uma engrenagem muito ampla. Vários pontos precisam ser atacados e dirimidos. E, de fato, o Prof. Julio Gonzaga Andrade Neves tem toda razão na sua exposição, porque esse é um grave problema para o Brasil, inclusive para a evolução da nossa indústria, das nossas atividades produtivas. E é uma obrigação do Congresso Nacional de buscar desjudicializar cada vez mais, pacificar cada vez mais, fazer com que as engrenagens funcionem tanto no âmbito privado quanto no âmbito público para evitar essa, por vezes, indignação daqueles que procuram a Justiça por assuntos que poderiam ser plenamente evitados.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Então, a sua exposição nos insta a uma reflexão muito importante e que haverá de ser considerada, especificamente em relação a esse tema da responsabilidade civil, para que tenhamos segurança jurídica, previsibilidade, e não ampliemos esse leque de obrigações por responsabilidade civil objetiva que possa aumentar a judicialização e não diminuí-la.
R
Muito obrigado por sua contribuição.
Antes de dar sequência com os Relatores...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Fora do microfone.) - Permite-me um aparte?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - ... eu vou passar a palavra ao nosso Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Pela ordem.) - Aproveitando a carona da sua fala, Presidente Pacheco, eu tive o mesmo caso, mas eu tive melhor sorte, a Dra. Débora, que deve estar nos assistindo aí, conseguiu a reparação. (Risos.)
Mas você traz essa questão e eu queria fazer um aparte porque você toca num ponto muito importante, até para que os nossos próximos debatedores possam se debruçar um pouco sobre isso, porque esse é um ponto em que eu tenho recebido algumas sugestões e certamente trarei para debate.
V. Exa. falou muito bem. Há falha no poder regulatório, há inércia muitas vezes do Ministério Público em buscar os danos coletivos na reincidência, na frequência de atos que causam para indivíduos - e com frequência para muitos indivíduos - danos efetivos, como no caso de você perder um compromisso, ter feito um contrato que previa o seu embarque, o seu horário de embarque e tudo mais.
No anteprojeto, para inibir isso - e eu entendo a lógica, porque é inibir -, ele busca um dano punitivo. Além de todos os outros lucros cessantes, dano moral e por aí vai, também um dano punitivo, mas, na ausência justamente de o Ministério Público demandar para os coletivos, de a agência reguladora, no caso específico que foi citado, tratar do assunto como deve ser tratado, e a gente estar, com isso, jogando uma judicialização maior ou talvez... E aqui eu já externo algumas críticas ao dano punitivo, provocando um bis in idem, porque a empresa vai ter um dano positivo em várias ações individuais e ainda vai responder a um dano coletivo, se o Ministério Público acionar, e administrativo, se a Anac, nesse caso específico, ainda advertir ou multar.
Eu deixo esse ponto para reflexão, porque a questão do dano punitivo é um fato novo e é lógico que vai gerar debates. Ninguém melhor do que a Profa. Rosa e o Prof. Tartuce, que são os próximos debatedores, para descascarem esse abacaxi.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Senador Portinho.
Na sequência dos debates, nós vamos voltar também a palavra a V. Exa., vi que anotou muita coisa para a sua exposição.
A Dra. Patrícia gostaria de fazer um aparte.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Dois minutos.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Pois não.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO (Para expor.) - Na verdade, é porque... O que acontece? Eu quero primeiro reforçar que a preocupação do Prof. Julio é a preocupação do Judiciário. Então, nós estamos na mesma linha, porque, na verdade, a preocupação maior do Judiciário é realmente com a demanda. A gente sabe que o sistema de responsabilidade civil não é suficiente, porque o Professor trouxe diversos números e, segundo dados do CNJ, hoje, Senador Rodrigo Pacheco, 72% das ações cíveis que tramitam entre os juizados e os tribunais superiores estão relacionadas ao tema da responsabilidade civil. Então, a função reparatória não funciona, e isso é um fato inegável, os números dizem por si só. Então, essa é uma preocupação e nós estamos alinhados aqui que realmente é um fato. É uma preocupação minha, da Ministra Isabel e isso foi muito debatido com o Prof. Nelson Rosenvald.
R
Sobre a função punitiva, Senador Carlos Portinho, isso foi muito debatido na Subcomissão. E aqui eu peço um adendo para falar que o Prof. Nelson Rosenvald até trouxe, inicialmente, como sugestão, uma função punitiva. E eu e a Ministra Isabel, depois de muitos debates, refutamos. E a gente conversou muito com o Prof. Nelson Rosenvald e viu que não era o melhor caminho, realmente, a função punitiva dentro do nosso trabalho da responsabilidade civil. Então, não existe função punitiva no nosso trabalho. E, se alguém estiver falando isso, não é verdade. O que a gente propõe é uma função pedagógica, que se aproxima do sistema austríaco. É uma função pedagógica em que existe limite, o que em nada se assemelha à função punitiva, justamente porque a gente sabe da dificuldade e nós não queríamos trazer mais trabalho para os juízes. Isso era uma preocupação, inclusive, minha, e, em vários momentos, falei isso para o Prof. Nelson Rosenvald.
A função pedagógica relacionada a esse sistema austríaco está muito preocupada com aquelas empresas que não levam a sério a jurisdição no Brasil, que não levam a sério uma decisão judicial. É aquela pessoa que também não merece estar atuando como empresa no nosso sistema. Por quê? Porque aquela empresa que não respeita as nossas normas, que não respeita as agências reguladoras, de fato, onera a nós, os cidadãos. Por quê? Porque esse sistema, nos spreads bancários, no serviço, no preço, vai chegar a nós consumidores finais.
Então, nós, em momento algum... Dentro da Subcomissão, nós debatemos muito a função punitiva, nós conversamos bastante e colocamos limite. É aquela empresa que reiteradamente não cumpre decisões, não leva a sério as agências reguladoras. Tanto é que a gente colocou aí, no art. 944, Senador Carlos Portinho, inclusive o grau. Essas empresas precisam ser classificadas - grau leve... - em como é a responsabilidade dela para a gente falar sobre isso.
Então, existe muita fake news também no mundo doutrinário, está bom? Só para poder deixar isso bem claro.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dra. Patrícia.
Eu vou passar a palavra agora à Profa. Rosa Nery, que está acompanhando pelo sistema remoto, para o seu pronunciamento; e, na sequência, ao Prof. Flávio Tartuce.
Profa. Rosa Nery, é uma satisfação tê-la uma vez mais na nossa Comissão Temporária de atualização do Código Civil, e eu concedo a palavra com muita satisfação a V. Exa. neste momento. (Pausa.)
Profa. Rosa, temos apenas que ativar o áudio.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Por videoconferência.) - Acho que consegui.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agora, sim. Perfeitamente. Nós estamos ouvindo a V. Exa.
Tenha a palavra.
A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Para expor. Por videoconferência.) - Respeitáveis Srs. Senadores - Senador Rodrigo Pacheco, Senador Portinho, Senador Veneziano -, é uma alegria estar aqui de volta e poder ouvir nossos colegas a respeito desse tema tão candente.
É muito importante nós levarmos em consideração, Excelências, que o tema responsabilidade civil está em vários sistemas de direito brasileiro. Também está no Código de Defesa do Consumidor. Os temas mais candentes a respeito do problema que foi trazido, por exemplo, por V. Exa., Senador Rodrigo Pacheco, são de direito do consumidor. E, para essas demandas, nós temos as ações civis públicas, que poderiam em muito reduzir as ações individuais.
Nós aqui no direito civil temos um sistema diferente do que há no Código do Consumidor. Não tem nada em comum com o sistema do direito do consumidor, a não ser o fato de que alguém busca indenização por um dano que sofreu. Essa é a semelhança. Mas o sistema que gera ações no Judiciário e que eu estatisticamente observo é causado por demandas relacionadas com o direito do consumidor. Não estamos tratando disso aqui quando tratamos do sistema de responsabilidade civil do Código Civil.
R
Eu reconheço que o trabalho feito pela Comissão capitaneada pelo Prof. Nelson Rosenvald, da qual participaram a Ministra Gallotti e a Juíza Carrijo, foi inovador, porque efetivamente teve a intenção de atualizar o sistema de responsabilidade civil, tarefa que V. Exas., Srs. Senadores, nos incumbiram de desempenhar. Um novo sistema de gestão de risco, foi essa a intenção e foi para isso que nós trabalhamos quando enfrentamos a questão da responsabilidade civil.
O sistema da responsabilidade civil leva em consideração que alguém sofreu um dano e que esse dano precisa ser ressarcido. Alguém, então, tem uma pretensão, e o outro tem uma obrigação de pagar a dívida correspondente exatamente ao dano sofrido.
As atividades laterais para, eventualmente, trazer uma pedagogia de comportamento mais cívico foram intenção da Subcomissão. Ela é uma inovação, mas uma inovação que tem a ver com essa nossa necessidade de tornar a vida civil mais civil, menos tribal. E nós temos tido dificuldades de ordem gravíssima a respeito da irresponsabilidade cívica, da irresponsabilidade civil.
Nós podemos dizer que, em matéria de responsabilidade contratual, Excelências, a indústria está absolutamente protegida. Eu ouvi com atenção as ponderações do Dr. Julio, excelentes ponderações, que respeito demais, mas, veja, é na minutagem de um contrato civil - nós estamos falando de contrato de consumo, de adesão - que está o segredo da responsabilidade civil, sobre que riscos estão garantidos, sobre que obrigações as partes têm que desempenhar, sobre quando há o inadimplemento.
E eu chamo atenção, Excelências, para os arts. 413 e 416 da nossa proposta, pois estão ali balizas seguras e eficientes para o equilíbrio do valor da indenização. E esses mecanismos vão depender exclusivamente da vontade dos contratantes, limitando em muito a atuação do juiz. Esses dois fatores, arts. 413 - peço que deem atenção a ele - e 416, dão à indústria, dão ao comércio, dão às empresas, nos negócios que entre si travam, o direito de escrever e dizer "eu respondo por tanto, e não por mais que isso", limitando as cláusulas penais, o valor das cláusulas penais. Eu penso que é um contraponto necessário para o instituto da responsabilidade civil, que agora alcança a responsabilidade extracontratual de uma maneira mais ampla.
R
E, com relação à responsabilidade extracontratual, o que dizer? As novidades já foram expostas pelo Prof. Nelson Rosenvald com extrema clareza, e os problemas que os juízes sofrem também o foram pela nobre Juíza Carrijo, mas a crítica que eu tenho lido constantemente, Excelências, é relacionada com a vagueza de certos termos, o que daria um poder imenso aos magistrados.
Antes de mais nada, é necessário dizer que, se alguém vai à Justiça buscar uma solução, haverá necessariamente de se curvar à vontade interpretativa do juiz - não tem outra saída. Agora, será que é a reforma do Código Civil proposta pela Comissão que está trazendo essa vagueza, esse aumento exagerado de termos abertos que vão dar muito poder para o magistrado? Fala-se que "risco especial" é uma palavra dificílima; que "não essencialmente perigosa" é uma palavra que "meu Deus, quem vai interpretar isso?"; que "máximas de experiência" são palavras horríveis, que vão dar muito poder ao juiz.
Mas vejamos o que está no Código Civil vigente - não na proposta da reforma. "Risco de vida", alguém sabe o que é isso? "Segregação de riscos", alguém sabe o que é isso? "Risco do negócio", "pôr em risco a saúde das pessoas"... São todos termos vagos. O que é "patrimônio especial"? "Finalidades econômicas e sociais da propriedade"? Já está no Código Civil - está lá. Patrimônio segregado, patrimônio suficiente, patrimônio inteiro, patrimônio separado... Todas essas questões precisam ser interpretadas. É com isso mesmo que nós lidamos na Justiça, no direito. Nós só estudamos isso, os segredos das palavras. O critério do juiz... Mais de 30 vezes o Código de Processo Civil repete essa expressão, "a critério do juiz". Critérios gerais de ponderação, está lá no Código de Processo Civil; definição de critérios de apuração de haveres, uma briga, está lá no Código de Processo Civil; critérios uniformes do Conselho Nacional de Justiça, está lá no Código de Processo Civil; fins sociais, está lá na Lei de Introdução ao Código Civil, agora Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, desde 1942; exigências do bem comum: quando ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, a lei e os atos e as sentenças não valerão. Tudo isso, Excelência, está na nossa legislação. Nós dependemos dos magistrados. Não adianta reclamar. O que precisamos é ter o argumento.
É por isso que eu chamo aqui a atenção, Excelência, para a necessidade de nós vermos com tranquilidade a proposta da Subcomissão de Responsabilidade Civil. E eu confesso que aprendi com os nobres componentes da Subcomissão. Eu tinha uma visão mais restrita, mas confesso que, dentro dos critérios que eles apresentaram, existe verdadeiramente uma modernidade, existe verdadeiramente uma atualização. Concordo com as propostas do Dr. Toscano, da Dra. Lara e do - como é o nome dele? - outro advogado que também fez excelentes propostas, concordo com elas.
R
Acho que precisamos atualizar e ajustar alguns pontos que precisam ser mais bem ditos, principalmente com relação à responsabilidade dos guardiães, que foi mencionada pela Dra. Lara. Eu pedi a ela que passasse aos senhores a proposta que tem para nós podermos juntos também estudar.
Na verdade, Sr. Senador Rodrigo Pacheco, quem tem razão é o seu conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, quando diz:
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Muito obrigada, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito bem, Profa. Rosa, muito obrigado. É sempre muito bom ouvi-la e testemunhar a sua enorme inteligência, que contribui muito para esse projeto, para esta Comissão.
Muito obrigado, Profa. Rosa Nery, que fez uma referência aqui sobre a concordância às exposições feitas pela Dra. Lara Soares, que representa o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Dr. Rodrigo Toscano de Brito, Professor da Universidade Federal da Paraíba, e também, imagino, pelo Dr. Pablo Malheiros da Cunha Frota, que é da Universidade Federal de Goiás, que antecedeu o Dr. Toscano na sua exposição.
Portanto, agradeço à Profa. Rosa Nery, uma vez mais, por sua contribuição.
Concedo a palavra imediatamente ao Prof. Flávio Tartuce, que foi Relator Geral da Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil.
Tem a palavra, Prof. Flávio.
O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Obrigado, Presidente. Saúdo V. Exa. e também o Senador Carlos Portinho.
Quero agradecer também a bela fala da Profa. Rosa Nery, sempre uma aula para todos nós.
Quero também parabenizar a Dra. Lara, minha colega do Conselho Federal - muito bem representado o nosso conselho -, que trouxe propostas pontuais, que acho, na minha opinião, todas devem ser adotadas. Também parabenizo o Prof. Toscano, que fez uma proposta muito interessante para resolver o problema - se há problema sobre dano futuro -, até porque o dano tem que ser certo. Lembro de uma fala do Aguiar Dias: "Não se repara o dano hipotético ou eventual". Isso foi adotado pelo projeto de reforma, e acho que a proposta do Prof. Toscano, e a fala dele, demonstram que realmente já é algo debatido há muitos anos no nosso país.
Sobre o dano indireto, aliás, essa preocupação inicial da indústria, além dos artigos mencionados pela Profa. Rosa, é possível, pelo art. 946-A - que venho destacando desde o início das minhas participações -, em grandes contratos, contratos empresariais, excluir a indenização, excluir dano indireto. Não vejo essa preocupação, até porque são contratos, muitas vezes, de insumos, não contratos de consumo. Então, é possível se fazer essa exclusão como uma forma de alocação de riscos.
Também as contribuições do Prof. Pablo Malheiros gostaria de enaltecer e lembrar sempre que a história sempre foi assim: divide aqueles que contribuíram entre aqueles que contribuíram e aqueles que não contribuíram, que tentaram só boicotar o trabalho que foi feito por outras pessoas que quiseram melhorar a lei do país. E esses colegas hoje trouxeram, sem dúvida alguma, grandes contribuições.
Eu quero aqui relembrar, Profa. Rosa, que há 15 anos, eu defendi meu doutorado, na Universidade de São Paulo, sobre responsabilidade civil. E a senhora foi minha examinadora, uma examinadora dura, mas uma examinadora muito contributiva.
R
Eu escrevi, à época, sobre concorrência de risco, sobre contribuição causal. Aliás, é o que se adota no art. 945 do Código Civil no projeto, nesse ponto, para proteger até o ofensor, para a redução do quantum indenizatório, não só na responsabilidade subjetiva, cujo artigo hoje é insuficiente, mas também na responsabilidade objetiva - a ideia de concorrência de risco e contribuição causal que está aqui adotada no projeto.
Eu confesso aos senhores - a gente sai do doutorado entusiasmado - que a responsabilidade civil me frustrou nos anos seguintes. Eu vou continuar dizendo e sustentando isto, deixando bem claro: na minha opinião, senhores, a responsabilidade civil no Brasil não funciona - com o devido respeito a quem pensa de forma contrária.
Indenização por dano moral no Brasil - eu vou reproduzir o que eu falo em palestra - não é indenização, é esmola. Vocês me desculpem esta minha visão: é esmola, as indenizações são pífias. E é por isto, Presidente Pacheco, que V. Exa. só demandou uma vez: porque o senhor não vai perder o tempo - e perdeu ainda o processo - por conta de indenizações que são pífias! Dano moral no Brasil, nos últimos 20 anos, não funcionou.
Eu disse isso ao Nelson no início dos nossos trabalhos. Eu escrevi um livro de quase 2 mil páginas sobre responsabilidade civil. E me frustra esse tema, porque não funciona. É curioso, na minha experiência como professor já há muitos anos, que, quando eu leciono para advogados - eu tive a honra de ter sido o Coordenador da maior escola de advocacia do país, que é a ESA da OAB São Paulo -, o que os advogados dizem é que os juízes, Dra. Patrícia, não dão indenização por dano moral. Não dão. E, quando eu vou lecionar para a escola de magistrados - todos os anos eu leciono em escola de magistrados, aliás, este ano eu destaco a Escola da Magistratura de Rondônia, Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro; eu falo abertamente -, os juízes dizem que os advogados não sabem pedir. Os advogados não sabem pedir, e os juízes não dão.
Qual é o problema? Falta de critério na lei. Nós não temos critérios de quantificação de dano moral na lei. Temos só lá na reforma trabalhista, que, inclusive, passou pelo crivo do Supremo. Não temos isso nem no Código Civil nem no CDC.
E aqui a gente estava debatendo, nas audiências anteriores, consumerização do Código Civil. Aliás, o Carlos Pianovski já me disse que vai publicar agora, no Migalhas, um texto rebatendo essa consumerização. O que nós vamos adotar aqui é o oposto: nós vamos adotar critérios no Código Civil que servem também para outras searas. Aí vai ser a civilização do consumo.
Eu tenho para mim, com o devido respeito, que a gente precisa aproveitar essa oportunidade. Talvez fazer algumas reformas, algumas alterações no art. 944-A, para dano pedagógico. Eu não vejo dano punitivo; eu vejo esse artigo como uma soma de três contribuições, no art. 944-A: o método bifásico do Ministro Prof. Sanseverino; o caráter pedagógico de um clássico, que é o Carlos Alberto Bittar; e a indenização do chamado dano social, que é a contribuição do Prof. Junqueira, que defendia que a indenização deveria ser destinada para um fundo de proteção ou para uma instituição de caridade, que era o que ele defendia nesse artigo.
Então, eu não vejo nada de extravagante nisso. Eu gosto de uma fala também do nosso consultor da Comissão, Senador Portinho - que eu acho que é um desafio -, do Prof. Bunazar. Vamos lá. Todas as sentenças, todos os acórdãos, todas as decisões falam que a indenização tem caráter pedagógico ou punitivo. Certo ou errado? Em 90% das demandas. E adotam quais critérios? Ou muitas vezes fala que tem caráter pedagógico e fixa uma indenização de R$1 mil, que é uma esmola.
R
Então, quer dizer, é um sistema caótico - com o devido respeito, Dr. Julio - que não funciona, pelo menos na minha visão.
E eu quero encerrar o tempo que eu tenho com duas considerações sobre a fala de V. Exa.
V. Exa. disse que não há debate sobre estatística, prova técnica, critérios do julgador... Pois bem, esse é o Enunciado 444, aprovado de forma unânime na V Jornada de Direito Civil, uma contribuição do Claudio Luiz Bueno de Godoy, Prof. Titular da USP, Desembargador do TJ de São Paulo, com base na doutrina do Massimo Franzoni e do Pier Giuseppe Monateri. E, amplamente - essa é a vantagem de ter feito doutorado em responsabilidade civil, a gente lembra as coisas, às vezes, de cor, né? - utilizado pela jurisprudência para trazer critérios para atividade de risco.
É o oposto do que V. Exa. defendeu aqui. O senhor está dizendo que isso vai gerar judicialização. Pelo contrário, a lei só fala de atividade de risco. A gente está colocando filtro para trazer mais segurança jurídica.
E eu quero encerrar, nos dois minutos, trazendo uma notícia de agora, que eu fui pesquisar, do CNJ, para reflexão de todos. Notícia do CNJ, 7 de novembro de 2025: "Diagnóstico do CNJ aponta alto índice de deferimento de pedidos em saúde e baixa conciliação". O que causa judicialização, na minha visão, desde quando eu fiz doutorado, é descumprimento de lei e de contrato.
Os senhores sabem qual é o índice de procedência das ações de plano de saúde? Quase 90 - 87%. Deferimento das cautelares, das liminares: 73%. Só esse diagnóstico - já que V. Exa. citou tanta estatística... Só essa estatística - e a gente vai continuar debatendo porque eu vou trazer outras, de banco, de telefonia, de companhia aérea - deixa muito claro, a estatística, que o que causa judicialização é descumprimento de lei e de contrato. Não é o consumidor que demanda muito.
Todos nós temos nossas experiências pessoais. E eu vou deixar, claro, na segunda audiência, para trazer outras experiências pessoais.
Então, com devido respeito - e eu acho que isso aqui que vai ter que ser debatido a partir de agora -, o sistema de responsabilidade civil no Brasil tem que ser levado a sério. Isso foi dito aqui pela Patrícia Carrijo. Não é levado a sério. Não é levado a sério nem o Judiciário e não é levado a sério nem a advocacia porque nós não temos critérios.
É barato descumprir lei e descumprir contrato no Brasil, com o devido respeito a quem pensa de forma contrária. Os senhores podem me convencer de forma contrária, mas, estudando a responsabilidade civil, que foi meu tema de doutorado nos últimos anos, escrevendo, trabalhando com ela, trabalhando com a alocação de riscos, inclusive de empresas, o que eu percebo é que, infelizmente, o nosso sistema de responsabilidade civil precisa ser levado a sério. Ele é quase vergonhoso. Ele precisa ser levado a sério.
E a reforma propõe isso, com função preventiva, com função pedagógica, além da reparatória, com alocação de riscos, com mais previsibilidade. E, aí, eu acho que, com esse panorama, as empresas vão olhar para o nosso sistema legal e vão pensar duas ou mais vezes o que é mais barato e se compensa ou não descumprir lei e descumprir contrato no Brasil.
Muito obrigado, Srs. Senadores. Foi uma honra. Mais uma audiência histórica. Para mim, eu já marco lá, quinta-feira, porque para mim é muito importante vir aqui, neste momento histórico, debater o direito civil, a doutrina, a jurisprudência, com V. Exas., que são os nossos legisladores.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Flávio Tartuce, por sua contribuição, Relator-Geral da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Agradeço a V. Exa.
R
Eu vou passar a palavra, agora, ao Senador Carlos Portinho e, na sequência, darei a palavra aos demais participantes.
Portanto, tenho a satisfação de passar a palavra ao Senador Carlos Portinho, pelo tempo que desejar.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ. Para interpelar.) - Muito obrigado, Presidente Rodrigo Pacheco.
Quero dizer aos nossos colegas que eu pedi, até por lealdade, que eu pudesse falar antes da réplica de V. Exa., para dar essa oportunidade, porque quem me acompanha aqui e em outros projetos sabe: o meu interesse aqui, único, é, de mente aberta - e todos nós temos que tê-la -, enfrentar o desafio da atualização de um Código, e, como eu disse lá atrás, sem derrubar as colunas dele. Podemos derrubar as paredes, mas não as colunas, até porque o Código Reale é o que nos guiou até aqui, e a atualização do Código Reale tem que ser tão boa quanto o próprio Código Reale é, ainda que algumas imperfeições, na prática, tenham sido notadas, e ainda que seja necessário positivar alguns casos, alguma jurisprudência - positivá-la na lei -, mas não fugindo de uma dicotomia que o anteprojeto traz.
Para muitos - e eu tenho aqui que expressar as críticas, porque é em cima das críticas que a gente vai construir um Código muito melhor - parece que a exposição de motivos não dialoga muito com o que objetivamente traz os seus artigos. A gente fala, por exemplo, em positivar a jurisprudência.
Eu fiz um roteiro aqui para ler, gente. Eu não consigo ler o papel, peço desculpa.
Positivar a jurisprudência é muito importante, mas a gente tem casos aqui, por exemplo, em que o Legislativo quer contrariar a jurisprudência, porque talvez a jurisprudência tenha ido muito além da vontade do legislador.
Eu vou dar um exemplo aqui - o Senador Pacheco teve que ir ao toalete - que nada tem a ver com o Código Civil. O STF decidiu sobre a liberação das drogas, ou a descriminalização do uso de drogas, o que nunca foi o interesse do legislador, e este Senado Federal - projeto, inclusive, do Presidente Rodrigo Pacheco - positiva o que é o interesse do legislador, porque foi além a jurisprudência.
Pode ser que a jurisprudência, os enunciados, a gente tenha que rever para ver se essa é a intenção do legislador, e não simplesmente absorver tudo ou tratar casuisticamente de algumas questões, "porque o caso de Brumadinho foi assim, a gente tem que dar uma resposta". O direito tem que tratar de forma genérica, e não casual, dos assuntos, ainda que seja preciso aperfeiçoar a lei para dar alguma resposta. Mas não por causa de um caso específico.
Então, essa é a primeira ressalva que faço, no espírito de construir. Aliás, não só eu, mas também a minha equipe que acompanha e é formada por advogados distintos, e que tem me auxiliado inclusive nessas audiências. Hoje, aqui, para todos saberem da dificuldade do legislador, a gente está com uma sessão do Congresso e, ao mesmo tempo - tão importante quanto -, esta audiência, por isso me faço presente.
Faço uma ressalva. Poderia ficar com um elogio de que estive presente em todas, mas eu gosto de ser honesto; na última eu não pude estar presente, e acompanhei depois - assisti ao vídeo dela já, posteriormente -, porque a nossa dinâmica aqui, infelizmente, não permite. Mas permite que a gente possa debater com toda a sociedade civil.
R
O anteprojeto é o pontapé inicial. O Prof. Nelson, por exemplo, teve a oportunidade de estar comigo, e a gente tratou de artigo por artigo, e eu até disse a ele: "Não vou chegar na parte da fixação de indenizações. Sobre isso a gente ainda vai sentar e conversar, porque com minha equipe eu fui até a parte anterior".
Mas aqui, é lógico, é uma audiência pública, eu tenho conhecimento, a gente acaba avançando. A Profa. Patrícia não pôde ir, na oportunidade, mas terá outras, não tenham dúvida.
É muito ver a Lara aqui, representando a OAB. E Lara, suas posições, seus pontos... Por acaso recebi uma sugestão, e discutimos no nosso grupo exatamente o que você falou.
Inclusive, eu trouxe um fato curioso. Eu vou ficar muito preocupado com essa disposição do novo anteprojeto. Tem uma mãe de um amigo do meu filho - meu filho está com 17 anos -, que é uma mãe exemplar, ela junta 14, 15 meninos na casa dela no fim de semana. Talvez, com esse Código novo, ela não faça mais isso. Eu, como advogado, advertiria para ela não fazer. Uma pena, e eu sei que essa não é a intenção, mas o Código traz uma preocupação para quem está na companhia ou na guarda, e a gente vai ter que discutir isso. Você trouxe a questão do ECA, é interessantíssimo. Os asilos que cuidam das pessoas idosas. Estamos levando a responsabilidade para aqueles que fazem o bem ou não? Ou tem como a gente atenuar isso?
Eu vou fazer também uma crítica, Lara - e, por favor, não é a você, porque você está aqui presente -: esse tema da responsabilidade civil, até porque se coliga, se conecta com tantos outros temas do direito civil, ele é tão abrangente, tão largo, que eu venho aqui pedir à OAB Nacional que não traga só a Lara, que traga seus Presidentes de Comissão, que vá fundo, nos ajude no debate de outras questões, porque a Lara trouxe dois pontos, mas são inúmeros pontos com que a gente vai ter que lidar.
A OAB do Rio de Janeiro pediu audiência pública, a de Minas também, e nós faremos nas suas sedes, segundo já declarou o Presidente Pacheco, mas a gente precisa da OAB Nacional aqui, com os Presidentes das suas Comissões. Quem é que está lá na Comissão de Responsabilidade Civil? Quem é que vai fazer a análise sistêmica desses artigos? A oportunidade é agora. Não queriam um debate? O debate é agora. E a gente tem incluído. A próxima audiência, inclusive, Senador Pacheco, a gente vai ter que dividir em duas, eu confesso, porque são mais de 19 indicações em responsabilidade civil.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fora do microfone.) - No dia 4.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - É, no dia 4 eu estarei ausente. A gente vai achar duas datas, porque a gente tem que abrir esse debate, e de mente aberta, gente. Isso aqui é uma dificuldade. Já é uma dificuldade para quem fez o anteprojeto; reformar o Código Reale, imagina para a gente.
E aqui é o pontapé inicial. Mesmo o que a gente estabelecer aqui - e buscar os consensos... -, ainda vai para o Plenário do Senado e da Câmara, ainda vai receber inúmeras emendas. A gente tem que procurar deixar essa bola bem redonda para, quando chegar lá, pelo menos a gente tratar de uma questão pontual ou outra, porque, se não, não terá fim e a gente não vai lograr o que todo mundo quer: uma atualização, mas que respeite as relações jurídicas, que passe segurança jurídica, aí eu vou para a exposição de motivos elogiando, que possa, inclusive, Prof. Julio, reduzir a judicialização.
R
Eu tinha algumas questões para colocar. Vou passar primeiro para as minhas anotações.
Eu falei um pouco aqui dessa confusão entre interesse individual e coletivo. Eu vou chamar de ponto de atenção, porque eu não tenho ideia fixa sobre isso. Estou colocando isso para a gente discutir, por isso eu quis falar antes até, Profa. Carrijo.
Eu tenho muita preocupação com o Dr. Julio, e isso já foi, inclusive, no meu grupo de estudo, levantado. Esse interesse individual é individual. Quando a gente traz o dano punitivo ou pedagógico... Desculpem-me, é um sofisma chamar de pedagógico: ele é punitivo. O que se quer é punir para que não se reitere - vamos falar português claro -, essa é a intenção.
A gente está entrando também na seara dos direitos coletivos, das ações coletivas, como disse a Profa. Rosa, da ação civil pública, da atuação das agências reguladoras. A gente não pode transformar isso em bis in idem. A pessoa toma...
Foi falado em percentual - eu não tenho exatamente o número -, mas, em cada uma dessas ações que gera esse percentual de 70% de cautelares, por exemplo, a gente, no final, vai ter um dano individual e punitivo também acrescido a cada uma dessas, ainda vai ter ação civil pública, que vai ensejar outra reparação; ainda vai ter, provavelmente, ou deveria ter... Se tem esse volume de ações, Prof. Tartuce, é porque a agência reguladora de saúde não está fazendo seu papel, e ainda vai ter várias punições lá. Isso é bis in idem, o que é uma prática vedada. É básico isso no direito.
Então, a gente vai ter que discutir, sim, esse dano pedagógico, até porque, como disse o Prof. Tartuce, na visão dele - e eu até concordo -, muitas vezes, ele é ínfimo. O juiz diz que está colocando ali também um caráter pedagógico da pena e tudo mais, e dá R$1 mil.
Uma questão que não foi dita aqui... Eu contei a história da mãe de um amigo do meu filho, mas eu vou aqui manifestar outra preocupação sobre a qual ninguém falou: a OAB devia estar muito preocupada com isso e com a judicialização em massa que vai causar a responsabilidade do tomador de serviço, gente. Isso é um fato completamente novo, Presidente Pacheco. Significa que, se eu moro na cobertura, o meu condomínio contrata uma obra e essa obra causa um dano, a pessoa, que, em tese, iria demandar da empresa, escolhe de quem ela quer demandar. E ela vai demandar do morador da cobertura, porque ele é o tomador de serviço e é parte do condomínio.
É muito preocupante essa questão da responsabilidade do tomador de serviço, até porque, muitas vezes, tem uma relação consumerista por trás e, como disse, pode ser que o que a gente esteja tratando aqui depois se replique ou se interprete também em outros ramos do direito, em outras causas que não expressamente em relações civis estritamente.
Outra questão que me preocupa muito é premiar o terceiro que evite um dano, porque estamos querendo antecipar para que não aconteça o dano. Eu fico imaginando um assalto em que um terceiro... um assalto à mão armada por um motociclista. Acontece todo dia, a gente vê na internet, na rua das cidades - no Rio de Janeiro é frequente. Estão assaltando um carro e eu quero evitar esse assalto. Eu atropelo o motociclista bandido e ainda vou ter o direito de exigir da pessoa que ia perder a sua vida um prêmio pelo que eu fiz. A gente não vai incentivar a judicialização de benfeitores? Muito cuidado com isso. São benfeitores, eles não estão objetivando um lucro, uma reparação. Às vezes é por instinto.
R
Eu estou muito preocupado com o que o Prof. Julio trouxe, e isso falei com o Prof. Nelson. Quando a gente passa - eu vou usar um termo que não é o apropriado, mas é o que veio - a criminalizar as atividades de risco, a gente não vai demover o empreendedor? A gente não pode estar causando uma consequência na oferta de serviços de risco? E aí, olhando para a atividade de risco e o balanço de probabilidade, quanto maior o risco, então o código quer dar uma maior pena, ou, quanto maior o risco, menor a pena?
Porque, vamos lá, vou dar um exemplo prático, para que a todos se ilustre o que eu quero dizer: um acidente de avião comercial de passageiros - graças a Deus, o último no Brasil foi o da Air France. Se tiver um acidente comercial - a sua atividade é de risco -, por um novo Código, a sua pena vai ser agravada ou, nesse balanço de probabilidade, vai ser atenuada, porque há mais de 20 anos não tem um acidente com avião comercial? Esse é o perigo, Profa. Rosa, quando o Código foca no dano e não no ato ilícito, que é a base - a base - do nosso direito, da responsabilidade civil no Brasil. O caput do artigo em vigor fala: "ato ilícito".
Eu escutei dizer o professor...
Perdão, espere aí, que a gente está aqui ao mesmo tempo, eu tenho que votar lá no Congresso.
Cadê a Fran? Fran...
Perdão, espere aí... Até interrompeu aqui o meu raciocínio.
Ache aqui. Ache aqui e me dê aí que eu aperto.
A cédula está pronta, tá, gente? Eu sei o que eu estou votando, não se preocupem. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - É importante dizer, para quem é do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, que se está votando o Propag, de que eu tenho a satisfação de ser o autor...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - ... de solução da dívida dos Estados de Minas, do Rio, Rio Grande do Sul, de Goiás e São Paulo.
São os vetos, e eu também não estou conseguindo votar, então já fica aqui: caso termine a votação sem meu voto, eu quero declarar meu voto favorável ao Propag.
Pode continuar, Senador Carlos Portinho.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - É... Espere que eu me perdi.
Onde é que eu estava, gente? Perdão.
O SR. FLÁVIO TARTUCE (Fora do microfone.) - Da ponderação da indenização...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Da indenização do balanço probabilidade.
O SR. JULIO GONZAGA ANDRADE NEVES - Eu acho que V. Exa. faria referência à fala do Prof. Toscano, fazendo referência à necessidade do ilícito como pressuposto...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Ah, eu estava falando era disso, do ilícito.
O Prof. Toscano disse que, embora não esteja mais no caput, ele entende, pela análise sistêmica desse capítulo, que o pressuposto do ato ilícito, do nexo de causalidade, ele remanesce. Desculpa, eu não vejo. Como foi dito e repetido aqui, o foco agora é o dano. Poxa, dano sem ato ilícito? Dano sem nexo de causalidade? Eu, particularmente, pode ser que... Não tem aquela música do Djavan, "eu nasci assim, eu cresci assim"? É difícil, para todos nós advogados. Como a gente estudou a base do Código Reale, que está firmada no ato ilícito, no nexo de causalidade, na responsabilidade civil, eu tenho muita dificuldade.
R
"Ah, mas está lá no inciso". Prof. Nelson, eu pesquei tudo que a gente conversou. "Está lá no inciso", mas tem outros incisos, então, permita-me que eu admita que ele não é pressuposto. Ele é, talvez, uma causa, uma razão, mas não é a regra geral como é hoje e isso é uma mudança de 180 graus em nosso direito civil.
Pode ser, eu tenho a mente aberta, mas confesso - eu e muitos advogados -: eu acho que eu estou vocalizando aqui o que eu recebo, o que eu escuto, o que eu tenho debatido com outros advogados, porque o código diz as motivações, e eu concordo muito com a motivação. Juro! Concordo muito com a motivação.
Reduzir a capacidade interpretativa, mais objetividade, por isso a positividade e tal, mas ele traz novos temas abertos. A Profa. Rosa diz: "Já tem". Mas a gente precisa trazer mais. A ideia não é reduzir a judicialização? Não é que ele seja mais claro, não ao operador do direito, mas ao cidadão, que é o titular?
Ele fala na exposição de motivos aqui. "É certo que do ponto de vista estilístico e linguístico necessitamos de um Código Civil simples e compreensível a todos". Mas os temas abertos não permitem isso, e precisamos de mais ainda.
Dra. Patrícia, assisti atentamente... Não vamos transformar a responsabilidade civil numa persecução das plataformas, das redes sociais e da tecnologia. Eu tenho preocupação do risco com relação à atividade empresarial, porque vai aumentar o custo de seguro, tem tantos reflexos econômicos em cima disso, custos de serviços. Uma passagem de avião vai custar muito mais caro se a resposta à minha pergunta for: quanto maior o risco, maior a pena, que é o que me parece, quando no balanço de probabilidades - eu dei o exemplo de que talvez fosse menor a pena.
E aí, eu acho que, quero dizer, Dra. Patrícia, a tecnologia é inexorável, ela faz parte da evolução humana, do desenvolvimento social. Ela nos trouxe, se a gente botar num balanço de probabilidades, muito mais resultados positivos do que negativos, embora seja lógico que a gente vá se pegar em alguns negativos, porque eles são exceção; os positivos são a regra, ninguém vai falar disso. E, aí, quando a gente fala em desinformação... Eu não gosto nem um pouco dessa palavra, desinformação, fake news, isso sempre existiu na vida cotidiana, chamavam-se boatos, mentiras, calúnias, e isso já é tratado na lei.
A plataforma é só um veículo, atrás da tecnologia existe o homem. Ele é o responsável pelos seus atos, não é a tecnologia! E eu já tive uma discussão sadia, na última, sobre o direito digital, porque eu falei que estão querendo dar personalidade jurídica para a tecnologia e, na responsabilidade civil, estão dando obrigações e responsabilidades mais à tecnologia, esquecendo que por trás do drone, por trás da inteligência artificial tem um homem, tem um titular, tem uma pessoa jurídica, tem uma pessoa física.
Não vamos culpar a tecnologia, porque vamos certamente atrasar o nosso desenvolvimento com isso.
R
E, falando especificamente de desinformação, como é que era antes? Antes uma pessoa ia à rádio e defenestrava um político. Vou dar um exemplo aqui comum. A gente tinha que entrar com uma ação para pedir direito de resposta; hoje as redes sociais me permitem responder imediatamente ao que chamam de desinformação e fake news, eu não preciso de um juiz. Eu posso ir a juízo para buscar reparação porque eu já tenho previsão legal para isso. A culpa não é da tecnologia e os instrumentos já existem.
Essa questão do dano como foco me preocupa muito, como eu disse. Eu sou da velha guarda: ato ilícito, nexo de causalidade. A gente tem que evitar o ato ilícito, o dano é consequência dele.
Isso eu já falei.
Dr. Rodrigo, causalidade, ilicitude é realmente pressuposto? Não está positivado no anteprojeto. Prefiro a redação anterior, mas estou aberto a tentar incluir os incisos, conversei sobre isso com o Prof. Nelson, inclusive. Parece-me realmente que o foco é o dano e não o ilícito, uma guinada de 180 graus.
Profa. Lara, como lhe falei, eu recebi sugestões na mesma linha da sua preocupação, também a nossa, dei até um exemplo próprio.
Prof. Julio, você vocaliza muito bem a preocupação do setor produtivo, que também recebi: aumento de custos, custo Brasil, aumento de judicialização, que é justamente contrário à exposição dos motivos.
E é curioso, olha só, aí um fato muito recente, que, curioso, ninguém falou sobre isso hoje: a decisão do Ministro Toffoli desta semana, de suspender todas as ações em sede de consumidor que versem sobre transporte aéreo, quando a gente está discutindo aqui, foi dito, que justamente era trazer a jurisprudência para criar parâmetros. Estou de acordo com isso e, se são ínfimos, como disse o Prof. Tartuce, a gente também tem que se debruçar sobre isso, não sobre o caráter punitivo ou pedagógico, mas, se a reflexão dos danos morais é proporcional.
Mas, enquanto a gente está tentando, segundo a exposição de motivos, reduzir a judicialização, trazer a jurisprudência consolidada - e nessa matéria a jurisprudência é muito consolidada com relação ao dano e o dever de reparar e a indenização -, o Ministro Toffoli resolve suspender. Por quê? Porque quer agora ver se aplica o Código de Aviação ou o Código de Defesa do Consumidor. Para mim é muito difícil, eu trabalhei com o Código de Defesa do Consumidor desde seu nascimento, é óbvio que tem uma relação consumerista. E, se a profusão das indenizações está assoberbando o Judiciário e está causando danos maiores às companhias, é justamente o que a gente está querendo discutir aqui.
Então, vejam que a motivação de querer positivar a jurisprudência, nem esse objetivo a gente vai alcançar, porque vão lá e vão discutir qual é a lei aplicável. Isso aconteceu ontem e ninguém falou sobre isso aqui. Eu não tenho problema nenhum de comentar decisões do STF onde estou, mas vejo com muita preocupação. Preferiria, aí sim, criar parâmetros aqui para este tipo de dano: o dano da companhia aérea - esses que abarrotam o Judiciário -, os dos planos de saúde. Porque também é natural que tenha uma profusão de ações: são serviços de massa; sem eles, a gente não vive, literalmente. E a gente não pode criminalizá-los ou superpenalizá-los, porque não vai ter quem os faça.
R
O setor elétrico já é um exemplo. No Rio de Janeiro, tem gente que não gosta da Light - a companhia que foi fundada quase junto com a minha cidade. Tem gente que não gosta da Enel. E vai entrar qual? Quem é que vai assumir esse risco? Essa profusão de ações indenizatórias? A gente vai ficar na mão de uma, do monopólio, e o serviço vai ser mais caro. É isso que vai acontecer.
Tem uma outra questão que ninguém tratou aqui. O Código traz também uma guinada de 180 graus em uma coisa que é muito cotidiana: a mera cobrança vai agravar as indenizações, o direito de indenizar e a judicialização - a mera cobrança! -, quando hoje, também, já está sedimentado que ou ela é vexatória - e cabe indenização - ou ela é demandada.
Minha mãe outro dia me cobrou que eu não passei o dinheiro da obra que ela estava fazendo lá. Falei: "Mamãe, já mandei há um mês o comprovante para você". Eu vou buscar uma indenização contra ela? Isso é boa-fé? Se eu posso simplesmente - se fui cobrado devidamente - mandar o comprovante de pagamento para a empresa?
A jurisprudência diz exatamente o contrário do que o anteprojeto quer positivar. Ela exige que seja vexatória ou que haja uma demanda judicial, e eu ainda vou além: poderia ser por cartório, aquela que constrange a pessoa, tem alguma forma de constrangimento. Para a gente ver que a exposição dos motivos e o texto, muitas vezes, não se encaixam, embora o propósito seja válido - seja na parametrização de indenizações, principalmente no caso dos serviços de massa, seja, por exemplo, no caso que eu citei aqui da cobrança.
Lara, por favor, veja, é muita coisa. Você trouxe duas... você é uma guerreira de estar aqui. Mas a OAB tem que estar muito mais presente nessa discussão. Eu não sou senhor da verdade, de forma alguma. Eu quero debater, e com a minha classe, ainda por cima.
Rosa, minha querida Professora, o Código traz questões que dizem respeito a leis específicas, especiais e próprias. O art. 931 do anteprojeto, com todo o respeito, é completamente descabido. Ele trata de relação de consumo, que está lá no Código de Defesa de Consumidor. A gente está tratando aqui de dano ambiental dentro do Código Civil. O que vamos fazer, então, com a legislação específica? Vai ter um bis in idem?
Se eu cortar uma árvore no meu prédio - por acaso tem uma dentro do terreno -, eu vou responder pela legislação ambiental e também pelo dano ambiental com base no Código Civil? A gente quer trazer para dentro do Código Civil questões que já são tratadas em outros códigos? Isso é uma pergunta; eu não sei. Porque ele traz também muitas questões do Código de Processo Civil aqui para dentro, que já estão pacificadas lá.
O instrumento do direito civil é o processo civil, e ele tem um código próprio. A gente fala em dano pedagógico, dano positivo, dano disso, dano daquilo, quase como no direito criminal - o Presidente Pacheco conhece melhor do que eu; no final, o juiz vai lá somando as penas de cada conduta. Eu acho que é esse o interesse, para que fique claro, inclusive para quem lê a sentença: o porquê da fixação.
R
Compreendo essa lógica, mas olhem que curiosidade: quantas vezes vocês já viram um juiz reduzir astreintes? Então, a gente quer aumentar dano, a gente acha que ele é ínfimo, mas, na hora que a empresa não cumpre uma decisão judicial e que o valor se agiganta, o juiz, o tribunal vai lá e reduz astreintes do cara que não cumpriu a própria decisão judicial. Isso é incoerente com a lógica do que a gente está tentando trazer aqui ou não?
Prof. Tartuce, indenização pífia versus a nossa vontade de reduzir indenização - a judicialização, perdão -: a parametrização eu acho que é muito importante. No caso de uma companhia aérea, por exemplo, um cara recebe R$1 mil, outro recebe R$5 mil, outro não recebe nada. Tem que ter alguma parametrização. Nesse aspecto tem toda concordância, sim, mas a gente, também, querer sobrelevar a indenização com os penduricalhos do pedagógico e outros vai estimular a judicialização, quando, na verdade, a parametrização deveria ajudar a composição extrajudicial, ou por arbitragem, ou, como no Rio de Janeiro, por foros próprios de conciliação - no caso de companhia aérea, plano de saúde, temos lá no Rio. Em muitos estados, sei que tem também.
"Os advogados não sabem pedir" - eu sei que não foi V. Exa. que falou isso, foi um juiz que falou para a V. Exa. Rapaz, mas eu estudei Direito na faculdade e, trabalhando 30 anos com responsabilidade civil, depois, no meio dessa minha trajetória, eu descobri que eu podia pedir a perda de uma chance, porque não é só o juiz que é criativo não, o advogado é muito criativo, e o direito da perda de uma chance, de indenização, eu acho uma das maiores criatividades do advogado. E é muito bem fundamentado - quero dizer aqui -, muito bem fundamentado, mas eu quero dizer que não vai esgotar. São esses penduricalhos - de que eu chamei aqui -: o pedagógico, a perda de uma chance, e a gente vai criando...
O advogado é criativo, ele sabe pedir; mais do que isso, ele sabe desenvolver muito bem as teses e sabe convencer o juiz. Por isso, eu não concordo: o advogado sabe pedir muito bem. A gente pode tentar ser conciso aqui, criar parâmetros... O advogado vai pedir e o juiz vai inventar - inovar, melhor dizendo -, porque foi assim que a tese da perda de uma chance, muito bem construída, aconteceu e que, em muitos casos... A gente sabe, por isso que a gente não pode tratar de modo genérico: muitas vezes, ela está certa; muitas vezes ela é mal aplicada pelo magistrado, porque talvez ele queira aumentar a pena, ele fique acanhado de dar R$1 mil, aí ele dá mas não sei quanto pela perda de uma chance. Também acho que tem que parametrizar, é melhor lá dar R$10 mil e dizer que é o dano - o dano. O dano engloba tudo, na minha opinião. Fora o patrimonial e o dano moral, eu acho que o dano deve englobar tudo. E coloco em discussão se a gente deve escalonar - "Não, é por isso o valor tal; por isso..." -, como é no Código Penal".
Já quase indo para o final.
R
Esse balanço de probabilidade é um conceito novo, é de difícil compreensão. Por acaso, no direito internacional desportivo - eu dei o exemplo aqui -, ele é muito comum, mas eu dei um exemplo que muitas vezes é mal utilizado. No caso do jogador Jóbson, quando chegou na corte arbitral do esporte, no balanço de probabilidade, o tribunal entendeu que ele não era um dependente químico. Aí o puniu, ele voltou a jogar; pum, de novo! Ele era um dependente químico. Então, esse juízo de probabilidade é perigoso, é novo e a gente vai ter que se debruçar sobre ele e escutar mais, ouvir os advogados, ouvir os magistrados, ouvir os nossos participantes do anteprojeto e de mente aberta, por favor.
Com isso, eu chego ao fim, até vou ver se tinha alguma outra questão específica, que me escreveram aqui, me resumiram, mas eu não consigo ler, peço desculpas. Eu gosto de estimular...
Ah, a questão... Por final - desculpe-me, Pacheco -, a responsabilidade de administradores de pessoas jurídicas. - o Julio saiu agora, é uma pena, porque isso diz respeito a quem empreende - também é um conceito que está lá na Lei das S.As. Mas o que vai valer? Um ou outro?
Os administradores de uma S.A. vão se guiar pelo que diz a Lei das S.As. ou pelo Código Civil? Esse é o problema de a gente trazer para o Código Civil questões que são tratadas em leis específicas, que mudem as leis específicas ou que as anulem e tragam para o Código Civil. Isso me preocupa!
Eu queria colocar esses pontos, reafirmar que eu estou de mente aberta. É lógico que tem críticas, a gente está mudando o Código Reale, está atualizando, eu prefiro dizer assim. Existe toda uma classe de advogados formada em cima desse Código, não significa que a gente não possa formar outro, com outras visões de mundo até, mas é por isso que tem as críticas.
Quero reafirmar aqui, se eu puder, Presidente Pacheco, que a gente vai chegar ao final desse projeto o mais próximo do que a sociedade quer, porque esse é o papel do Parlamento, atualizando o Código e não o derrubando, porque, embora todas as nossas divergências, eu acho muito possível a gente atualizar e buscar um consenso, inclusive com os operadores de direito de forma geral, eu me refiro a advogados, a magistrados e ao nosso STF.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Senador Carlos Portinho, por sua contundente contribuição com o seu pronunciamento.
Quero dizer que há, realmente, uma vasta comunidade acadêmica e de juristas formados com base no Código Civil de 2002. Não é o nosso caso e de muitos aqui, mas, de fato, é um Código que merece todo o nosso apreço, o nosso respeito, está muito bem estruturado e a razão de ser do projeto é, de fato, uma atualização e não a formulação de um novo Código Civil.
As ponderações do Senador Carlos Portinho são muito objetivas, bem balizadas e devem ser consideradas pela Comissão Temporária.
Eu gostaria de também agradecer à Fran, que me ajudou a votar na sessão do Congresso, a missão está cumprida, votando pela manutenção integral do projeto de lei complementar que instituiu o Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados), que interessa sobremaneira ao meu Estado de Minas Gerais, ao estado do Senador Carlos Portinho, Rio de Janeiro, e outros estados endividados, na solução da dívida desses estados com a União. Eu quero crer que será aprovado da forma como foi proposto - a proposta, derrubada dos vetos -, para a higidez do projeto aprovado pelo Congresso Nacional.
R
Eu também registro aqui a presença do Dr. Carlos Jacques, que é Consultor Legislativo do Senado Federal, uma mente brilhante, hoje emprestado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), como um de seus Conselheiros. É uma alegria recebê-lo, Dr. Carlos Jacques, que contribuiu tanto em diversos projetos à época da minha Presidência do Senado Federal, especialmente na área econômica, e antes da Presidência, quando fui Relator do projeto de lei de reforma da Lei de Falência e Recuperação Judicial, que teve o Dr. Carlos Jacques como o meu principal orientador naquele momento, naquela oportunidade.
É uma alegria recebê-lo, como também é uma alegria receber o Prof. Bruno Renzetti, que também é do Cade e traz a mim o convite para participar de um evento sobre a reforma do Código Civil, sobre a atualização do Código Civil e seus próximos passos, a ser realizado no mês de fevereiro no Insper, em São Paulo - um convite que eu recebo, desde já aceito para que estejamos juntos no Insper para debater a reforma e a atualização do Código Civil.
Eu passo a palavra ao Prof. Nelson Rosenvald, mas, antes disso também, eu gostaria de agradecer a participação das pessoas que contribuíram, através do e-Cidadania, com seus questionamentos, com suas afirmações. A Consultoria e a Secretaria da Comissão selecionaram algumas perguntas que foram formuladas e eu peço, sempre peço, àqueles que vieram fazer as exposições, se puderem, para se dedicar às respostas a esses cidadãos e cidadãs que contribuíram com as suas indagações.
O Marcel, do Distrito Federal, indaga: "Como garantir maior clareza conceitual na responsabilidade civil? Quais mecanismos podem assegurar a efetividade da reparação às vítimas?".
O Victor, do Paraná, indaga: "Quais alterações estão sendo propostas para a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e como elas se integram ao Código Civil?".
O Lucas, do Ceará: "Como será garantida a preservação da imagem em meios digitais? Em quais situações o uso de imagem de outra pessoa poderá [...] configurar crime [ou ilícito civil]?" - é a indagação do Lucas.
Então, ao Marcel, do Distrito Federal; ao Victor, do Paraná; ao Lucas, do Ceará, os nossos agradecimentos pela participação nesta manhã-tarde de hoje. Peço, portanto, ao nosso eminente Prof. Flávio Tartuce e aos demais participantes, se puderem, para se dedicar às respostas aos nossos colaboradores.
Portanto, passo a palavra ao Prof. Nelson Rosenvald para as suas considerações.
O SR. NELSON ROSENVALD (Para expor.) - Já agora, boa tarde, Senador Pacheco, Senador Portinho.
Como eu já falei dez minutos antes, até um pouquinho mais, eu serei muito econômico, até pelo passar da hora; e, para não ser mal-educado, eu vou pedir mil desculpas porque, logo que acabar a minha fala, eu tenho que sair correndo para o aeroporto porque meu voo é 2h20, então não quero perder o avião. Depois, você sabe - né, Senador? -, para Belo Horizonte só tem um voo às 7h30 da noite. Então não quero perder esse voo.
Mas, sendo bem pragmático e me direcionando exatamente às preocupações que eu compartilho com o Senador Portinho a respeito de tudo que aconteceu, começando de trás para a frente, a responsabilidade, a norma de responsabilidade, Senador Portinho, da pessoa jurídica - que ela entra agora na reforma do Código Civil -, ela corresponde a uma atualização da Lei de Melhoria do Ambiente dos Negócios, de 2021, que revogou o art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil. Então, nós estamos seguindo estritamente a mudança legislativa.
R
E o senhor perguntou como ficaria na Lei das S.As.? A Lei das S.As. tem uma norma específica para a responsabilidade dos administradores, que não é contrária a essa. E o que é da S.A. é da S.A. Nós estamos trabalhando com os outros tipos de estruturação societária. Esse é o primeiro ponto.
Segundo ponto: responsabilidade civil do 931 com relação ao Código de Defesa do Consumidor. Não se trata de um fenômeno de consumerização da responsabilidade civil, porque o 931, Senador Portinho, só vai se aplicar às situações em que o dano for causado a um comerciante, relações civis. Toda vez em que a vítima for um consumidor ou um bystander, nós continuamos trabalhando com o Código de Defesa do Consumidor, mas, residualmente, essas situações podem se dar em nível interempresarial, e aí aplicamos o 931 do Código Civil.
Seguindo a ordem. Dra. Lara, excelente preocupação com relação aos guardiões. Estou de acordo com o Senador Portinho. Ele já tinha me adiantado essa preocupação em nossa reunião; porém, eu lembrei da existência do parágrafo único do 932 desse artigo, que diz o quê? Uma coisa é relação entre pais e filhos onde há afetividade; outra é curadores, tutores, guardiões. E aí vem o parágrafo único, uma inovação muito interessante, que diz que, sendo o caso de curadores, tutores ou guardiões, haverá indenização de acordo com a contribuição causal, ou seja, já há uma espécie de mitigação, dependendo de se os guardiões contribuíram casualmente, contribuíram para aquele dano. Há uma questão, então, relacionada à causalidade, tanto para curadores, como para tutores, como para guardiões. Então, é muito importante olhar para o parágrafo único.
Prosseguindo. O receio do Senador Portinho com relação a tomadores de serviços e prestadores de serviços. Tomadores de serviços, Senador Portinho, de acordo com a jurisprudência do STJ atual, só serão responsabilizados pelos danos que prestadores causarem a terceiros quando houver preposição, relação de subordinação, tal como há na CLT. Se houver terceirização, não há o menor risco de responsabilidade civil. Então, separamos aquilo que é da preposição, da subordinação daquilo que é da terceirização, mas podemos, tranquilamente, voltar a esses assuntos.
Agora, os pontos principais.
A questão da ilicitude da causalidade continua como base da reforma do Código Civil. Tanto é que nós aperfeiçoamos isso, Flávio, no art. 186 do Código Civil. A Parte Geral já dá esse valor enorme à ilicitude e à causalidade. Quando entramos no 927, Senador Portinho, que eu trouxe aqui, ele já coloca no inciso I a questão da importância do ato ilícito e traz os outros nexos de imputação.
Então, naquela norma que fala sobre o dano futuro e sobre o dano indireto, prezado Julio, é claro que ali já se pressupõem a causalidade e a ilicitude, porque a ilicitude e a causalidade estão na regra. É necessário que haja norma clara quando trouxermos responsabilidade objetiva. Aí há necessidade de que a norma diga: é responsabilidade objetiva, mas nós temos várias normas hoje no Código Civil, de 2002, de responsabilidade subjetiva que não dizem sobre a ilicitude, porque justamente já é a regra.
Prosseguindo, a questão da sanção punitiva. Vamos de sanção punitiva, tudo bem, ou pedagógica; ela não é uma novidade. É isso que eu trouxe no meu discurso, Senador Pacheco.
R
Enquanto nós fazemos esta audiência pública, mil juízes por todo o Brasil estão aplicando sanções punitivas em casos simplórios de responsabilidade civil. E eles estão aplicando isso, Senador Portinho, não em relações empresariais, em situações A, B, sem que haja qualquer regra, previsão para isso, controlabilidade dessas decisões.
Então, quando vêm aquelas normas sobre sanção punitiva, apenas queremos colocar organização em uma verdadeira loteria judicial que existe atualmente.
Concordo com o seu receio, Senador Portinho, a respeito da possibilidade de uma condenação administrativa de uma empresa e, posteriormente, de um bis in idem. Por isso, o §3º dessa regra diz que, se eventualmente existir alguma sanção administrativa, uma sanção penal ou uma sanção de outro nível, ela será abatida ou excluída, justamente para evitar o bis in idem, justamente para evitar essa situação.
Eu e o Dr. Julio concordamos nesse ponto da hiperjudicialização, é um fato no Brasil. Concordo com o seu diagnóstico, Senador Portinho: ações coletivas, fundamentais; sanções administrativas, em nível de regulação; o processo estrutural também é muito importante nisso, mas a colaboração que o projeto de reforma do Código Civil traz, em adicional, é a função preventiva para que esses ilícitos não se tornem danos e, acima de tudo - e eu acho isso muito importante aqui, a gente tem que considerar -, é que a questão hoje da responsabilidade objetiva, pelo risco da atividade, é completamente solta.
Então, a ideia de criar outros parâmetros não é para liberar essa situação do risco da atividade e tornar a atividade empresarial sufocada. Não, muito pelo contrário, é para privilegiar o empreendedor, privilegiar o empresário e apenas gerar responsabilidade objetiva em situações extremas, sem banalizar essa situação.
Eu quero dizer que haveria outras situações que eu gostaria de colocar, mas o fundamental: o Senador Portinho nos permite esse diálogo, é um Senador extremamente democrático. Eu terei grande honra de voltar ao seu gabinete dez vezes para a gente evoluir esses temas, e quantas vezes forem. E, como eu não terei a oportunidade de falar dessa forma na próxima reunião, é que eu tomei a liberdade de, neste momento, trazer alguns temas e adiantá-los.
E, novamente, Senador Pacheco, desculpe-me a falta de educação do mineiro carioca, mas a minha necessidade de ir é premente.
Muito obrigado pela sua atenção.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Perfeito. Muito obrigado, Prof. Nelson.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Só para fazer um aparte rápido, antes de o Prof. Nelson sair...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Pois não.
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - ... para agradecer por toda a disponibilidade.
Eu fiz questão de levantar alguns temas que a gente conversou, inclusive, para que V. Exa. tivesse a oportunidade de, publicamente, esclarecer a orientação que seguiu, não para insistir no debate. Eu tenho conhecimento da lógica que V. Exa. empregou e quis exatamente trazer aqui a todos.
Quero aproveitar uma questão só, que até diz respeito à especialidade do Presidente Pacheco, que eu não falei e eu vou colocar, talvez a Profa. Patrícia ou o Prof. Tartuce, a Profa. Rosa, possam falar, que é uma questão nova que traz e que foi advertida pelo meu grupo de estudos.
No direito penal, ao final, pode ser cominada também uma pena indenizatória e, em via de regra, essa pena é a abatida da ação civil e, no projeto, não fica claro isso, no projeto, parece que são distintas e podem ser somadas, inclusive. Isso é uma questão de deixar claro, porque me pareceu também esse assunto... Falei com o Prof. Nelson, e ele acho que adiantou que não era a questão. E peço só que inclua aí nas falas. Perdão.
R
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - O Prof. Nelson Rosenvald tem os agradecimentos desta Presidência. Está liberado para poder pegar o seu voo para Belo Horizonte. Agradeço penhoradamente sua participação.
E apenas também para a informação do Prof. Nelson Rosenvald e dos demais, nós vamos continuar o debate sobre responsabilidade civil nos dias 11 e 18 de dezembro, reservaremos duas datas para a continuidade desse debate com outros expositores, com a presença do Senador Carlos Portinho. Não haverá, então, no dia 4 o debate sobre responsabilidade civil.
E a proposta desta Presidência, Profa. Laura Porto, é que possamos, no dia 4 de dezembro, fazer um debate sobre direito digital, o livro de Direito Civil Digital e a relação com o projeto de lei da inteligência artificial, que foi aprovado no Senado, que foi uma proposta anteriormente feita, convidando aqui não só os responsáveis pelo livro de Direito Civil Digital, mas também aqueles responsáveis pelo projeto de inteligência artificial, que é de minha autoria, mas que teve a participação do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, da Profa. Laura Schertel Mendes e de tantos outros que colaboraram com esse projeto de inteligência artificial. Então reservaremos o dia 4 para essa discussão sobre direito civil digital e inteligência artificial e, nos dias 11 e 18, voltaríamos à responsabilidade civil.
A palavra continua franca.
Profa. Dra. Patrícia Carrijo.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO (Para expor.) - Obrigada, Senador. Nossa, a gente vai precisar realmente de duas sessões porque é bastante coisa para a gente debater.
Eu vou aqui só argumentar alguns pontos colocados pelo Senador Portinho.
Senador, no art. 927 o senhor falou sobre tecnologia. E retirar a palavra "tecnologia", Senador, seria na verdade hoje a gente deferir aí um salvo conduto para aqueles maiores criadores de risco do mundo. E eu concordo com o senhor, eu acredito que hoje realmente a tecnologia é nosso maior aliado. Veja o senhor, a Profa. Rosa Nery nos deu uma verdadeira aula à distância, e isso não seria possível se não fosse a tecnologia. E a gente tem vários motivos aí para falar: a própria medicina, o quão avançada ela está; a nossa comunicação; e a pandemia que nos trouxe, após essa revolução tecnológica, essa situação.
Mas veja o senhor, em 1916 havia uma preocupação com os animais, e o Código Civil prevê a responsabilidade por fato de animal, prevê também por atos relacionados a coisa. E nós estamos falando agora em tecnologia, e a reforma nos traz e nós não podemos ficar alheios. Nós estamos falando de uma reforma, num momento agora do século XXI, que precisa estar atenta por 50 anos pelo menos, e o momento é o momento realmente de olhar para a tecnologia, porque, senão, Senador, eu convido o senhor a explicar para aquela mãe que busca no Judiciário uma indenização, que tem o seu filho adolescente que comete suicídio por um fake news, ou aquela mulher que tem fotos íntimas divulgadas e acaba retirando a sua própria vida, porque uma mera indenização não é suficiente hoje para reparar e falar que isso vai devolver a dignidade. São situações a que as redes sociais nos expõem, a que a tecnologia nos expõe, a que a inteligência artificial nos expõe, então nós precisamos ter esse olhar atento sobre a necessidade desta palavra tecnologia, sob pena... Repito: a Comissão, infelizmente... Nesse ponto, Senador Rodrigo Pacheco, o Senador Portinho falou sobre a necessidade da presença da OAB, mas a Comissão é formada em grande parte por membros da OAB, que advogam para grandes empresas: o Prof. Flávio Tartuce é advogado; o Prof. Nelson Rosenvald é advogado... O que nós menos temos ali são pessoas que, de fato, estão só preocupadas com interesses econômicos, ou de grupos, ou de representantes de empresas. Na verdade, nós estamos preocupados ali tão só com direitos das pessoas, em assegurá-los, porque nós estamos todos os dias ali julgando processos e sabemos que, muitas vezes, a resposta estatal não está sendo ofertada a contento - e não é porque o juiz não quer, não é migalha que o juiz quer oferecer, Prof. Flávio Tartuce; é porque nós vivemos um momento... E, lá em 1988, quando a Constituição Federal foi alterada e veio o dano moral, coube ao Judiciário encontrar mecanismos, e o mecanismo, infelizmente, hoje, não tem sido suficiente. O dano moral realmente não está ofertando a resposta que a gente precisa.
R
Complementando, no que o senhor falou aí, no art. 927-B, sobre o risco especial e diferenciado, vou fazer uma leitura e vou pedir para o senhor colocar nas suas anotações: Enunciado 448 da VI Jornada de Direito Civil, de 2011, Senador, que já vem sendo aplicado desde 2011 em todas as decisões do Poder Judiciário. Depois vou pedir para o senhor dar uma olhadinha, por favor, porque já existe, desde 2011, o Enunciado 448.
Seguindo, sobre o tomador de serviço, eu só quero trazer um exemplo prático para complementar o que o Prof. Nelson Rosenvald colocou. Imagine o senhor na situação de um cliente no shopping center que é vítima, ali, de um acidente por um erro num serviço de limpeza. O shopping toma o serviço daquela empresa de limpeza e acontece ali, infelizmente, um acidente. O senhor, hoje, teria que demandar a empresa de limpeza, na forma que hoje existe no Código Civil.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Pelo Código de Defesa do Consumidor, eu demandaria o shopping.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Hoje, no Código Civil; mas, na reforma que a gente está propondo, na relação civil, na sugestão, o senhor poderia demandar diretamente o shopping e, claro, o shopping poderia, posteriormente, demandar o tomador de serviço. Nós não temos aquela preocupação como o Prof. Nelson colocou.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Mas eu sou tomador de serviço do serviço de limpeza do shopping? Eu sou o tomador?
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Não, o shopping é o tomador, o shopping é o responsável pelo tomador do serviço de limpeza, o shopping é o tomador.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Sim, mas, desculpe, só para entender, vamos só alinhar aqui o entendimento. Eu tenho uma relação consumista com o shopping. Eu posso demandar o shopping por esse acidente. E o shopping, como tem um contrato com a empresa de serviço...
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Ele vai poder.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - ... por força do contrato, ele vai sempre ter ação.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Mas isso não está no Código Civil, que é o nosso coordenador do sistema. E aí...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - É um ato ilícito. Por isso que é um ato ilícito fora do caput... Aí obriga a fazer isso.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - E, veja mais, sobre as relações que o senhor também mencionou - outro ponto -, as relações coletivas, o Ministério Público só pode demandar nas ações coletivas. Nós estamos falando ali também, hoje, de ações privadas, e a gente teria várias, como são as ações relacionadas, por exemplo, ao direito digital, como essas próprias ações que eu citei aqui, que a gente sabe, de danos aí de direitos à imagem, vazamento de dados, etc. A gente poderia mencionar inúmeras.
R
E, só para rebater, o senhor falou... Vamos falar o português claro, né? E aí eu fiz questão de vir aqui, no GPT. Vamos falar o português claro: punitivo, pedagógico. O que acontece? Profa. Rosa Nery falou para o senhor sobre pedagógico e punitivo; Prof. Flávio Tartuce, doutorado em Responsabilidade Civil; Prof. Nelson Rosenvald dedicou toda a academia dele à responsabilidade civil; eu, em meu mestrado, responsabilidade civil, na Espanha, posteriormente extensão na Itália. Afirmamos para o senhor com propriedade, com nossos humildes conhecimentos acadêmicos, que pedagógico não se mistura com punitivo. Mas o senhor disse, vamos falar um português claro, que é a mesma coisa.
Mas fiz questão de pedir ao próprio GPT: punitivo é sancionar o ofensor. Em momento nenhum é o objetivo desta Comissão. O pedagógico é desestimular condutas lesivas, promovendo comportamentos socialmente adequados. É aquele que, mesmo sem transformar a responsabilidade civil em punição, reforça a ideia de que a condenação deve educar o agente e a sociedade, criando incentivos para que o ilícito não volte a ocorrer. O Supremo e o STJ já reconhecem essa perspectiva, especialmente em casos de graves violações, reincidência ou condutas economicamente abusivas.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Muito bom. Esse é o debate, esse é o espírito, gente. É isso.
É lógico que eu estou aqui hoje como Senador... Eu ia até dizer isto na minha fala: no colégio eu aprendi a cantar o Hino Nacional e não sabia por quê. Agora eu sei, porque, a cada cerimônia que eu vou, eu tenho que cantar o Hino Nacional. Ainda bem que eu aprendi, todo dia, a cantar o Hino Nacional. A mesma coisa, a responsabilidade civil. Embora eu não tenha tido tempo ou oportunidade para fazer uma especialização mais a fundo, são 30 anos de carreira, e, poder debater com quem tem esses diplomas, para mim é um motivo que me engrandece. Na verdade, não me envaidece, porque eu não tenho isso, mas me engrandece e me desafia, e isso é muito bom - e desafio, no bom sentido, tá?
Eu queria só fazer aqui, rapidamente... Os exemplos que você citou da rede social são crimes. Eles já têm um tratamento próprio, inclusive que responsabiliza as redes sociais. É porque você trouxe, na verdade, "desinformação" de modo genérico. Foi por isso que eu tratei. A questão dos crimes, ele já tem o tratamento.
Eu falei da OAB, e eu sei, eu sou advogado, também estou aqui de certa maneira como membro, como o Senador Pacheco, representado a classe de advogados, mas, institucionalmente, é que eu quero dizer. A OAB não pode ficar fora desse debate. A OAB do Rio, quer a OAB nacional, por seus membros, que são membros de conselho... Eu queria só ter as Comissões temáticas para que a gente possa... A Lara deu uma grande contribuição aqui hoje. Imaginem se tivéssemos, nessas questões que estamos debatendo, a OAB, institucionalmente, começando a estimular não só o debate, mas a formação de um posicionamento.
Assim como - só para concluir, Prof. Tartuce - também a gente... Eu acho, e até vou sugerir ao Prof. Pacheco, que a gente tem que escutar aqui a classe dos magistrados, que lidam com isso, que lidam no dia a dia, e não só a Profa. Carrijo, que a muito bem representa, mas a associação, a AMB e a Amaerj, no caso do Rio, e tantas outras.
Só para terminar, Professor... Você não quer perder o fio da meada? Vai, vai...
R
O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Não, era só para...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Vai, vai, vai.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - Sobre a questão da OAB. Eu sou conselheiro federal, e a gente estava inclusive conversando, semana passada, que o Conselho Federal imaginou que era um representante só. O Presidente da Comissão de Direito Civil, que é o Pedro Alfonsin, está nos assistindo. Então, seria interessante sinalizar a possibilidade de vir mais de um representante, porque o Presidente da Comissão de Responsabilidade Civil, que é o Dr. Eduardo Barbosa, inclusive tem contribuição. E eu concordo, Senador Portinho... Uma das preocupações de V. Exa. é com a expressão "ponderação" do 927, §2º. Inclusive, ele vai trazer um estudo sobre essa questão, e eu concordo que essa expressão tem que ser retirada, porque aqui há uma confusão entre a atribuição da atividade de risco para fins de responsabilidade civil e a quantificação - e ele vai trazer essa contribuição de fala.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO (Para expor.) - E a gente concorda também.
O SR. FLÁVIO TARTUCE - É, que essa expressão tem que ser retirada. Então, até o Pedro Alfonsin está nos ouvindo, acho que a gente pode, sem dúvida alguma, trazer mais contribuições do Conselho Federal da OAB, como essa que o Eduardo Barbosa deve trazer.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Com relação aos enunciados, eu respeito e, como advogado, uso muito, mas eu sei que são meros enunciados, eles não são rígidos a ponto de criar uma força coercitiva àquele que julga, né?
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Desculpa, mas aí a gente acaba usando, e infelizmente...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - O advogado também.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - ... infelizmente, eu não posso criticar decisões judiciais, não estou na mesma posição que o senhor, sob pena de responder a um procedimento administrativo disciplinar...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Não, nem quero, por favor, hoje em dia nem é bom.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Por isso que é importante a gente ter previsibilidade legislativa...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Sim.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Porque, se esta Casa que representa o povo não nos dá parâmetros objetivos - e hoje nós temos míseros artigos na parte de responsabilidade civil, e veja o senhor, nós já temos mais duas audiências públicas para tratar de responsabilidade civil -, se nós não tivermos o mínimo de previsibilidade legislativa, Senador, o senhor vai estar aqui criticando mais e mais...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Pior, vou estar algum dia do outro lado, criticando.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - ... decisões do Supremo Tribunal Federal, constantemente, ou do STJ, ou do juiz de primeiro grau.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Não, eu queria voltar a falar de um tema importante que você abordou, e é por isso, também acho que a gente tem a questão do dano pedagógico ou punitivo, que eu trato como um sofisma - e cuidado com o ChatGPT, porque, segundo o Código, ele pode também responder por isso.
Mas o que eu quero dizer, eu imagino, por isso que é importante aqui ter aqui não só V. Exa., mas também a associação de magistrados, a que até endereço essa questão: quando a gente trata do caso, o caso específico, o juiz está lidando com aquele caso; quando a gente trata de um dano pedagógico, ele traz para aquele caso uma repetição de outros casos e acaba somando àquele dano individual, e é mais ou menos essa lógica que está sendo trazida. O que eu quero dizer é que o dano individual é individual, não deve perpassar a pessoa que demanda, embora a sua frequência, na minha opinião - e eu acho que isso é uma coisa que a gente pode aperfeiçoar... Eu acho que esses casos repetitivos, como plano de saúde, como disse o Prof. Tartuce, empresa aérea e tudo mais, os magistrados deveriam municiar, por força de lei, o Ministério Público dessas repetições, para que ele possa, diante dessas repetições e dos casos individuais, demandar coletivamente e cobrar, porque isso é pedagógico - isso é pedagógico -, na minha opinião.
Vamos falar a verdade, a gente que é advogado de contencioso - a maioria aqui, V. Exa. lida com contencioso -, todo mundo sabe que as empresas de massa separam mensalmente um valor para fazer acordos. Isso é financeiro, para ela não é o bem jurídico, para ela tanto faz. Então, se a condenação é de mil, é ínfima para quem recebe, mas para ela, que tem lá 20 condenações, são R$20 mil. Se estiver dentro do orçamento dela, bola que segue; ela vai continuar praticando o ilícito - o ilícito -, que vai acarretar, como consequência, o dano.
R
E é por isso que as ações coletivas são tão ou mais importantes do que essa série de ações individuais, porque elas precisam ser demandadas coletivamente para que interrompam a frequência desse dano, para que sejam dadas as astreintes, e o juiz, depois, como acontece em muitas ações coletivas, não reduza as astreintes quando ele não cumpre uma decisão judicial, porque chegou a um valor que é desproporcional. Desproporcional a quê, comparado com o número de repetições com que move o Judiciário, com o custo que dá para o Judiciário? Naquele processo é desproporcional? Depende, é relativo, comparado com o dano que ela está causando à coletividade pelo número e repetições de ações.
Então, talvez positivar como caráter, aí sim, pedagógico, que tenha a obrigação o magistrado de encaminhar um a um ou por estatística, indicando cada caso que julgou, cada repetição desses casos, para o Ministério Público, para que seja tomada a atitude da ação coletiva, porque, senão, é pena de prevaricação, inclusive.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Eu concordo 100% com o senhor. Eu não sei se o senhor sabe, mas eu falo que a gente ocupa várias funções, não é mesmo Prof. Flávio Tartuce?
Eu estou aqui nesta Comissão de Reforma do Código Civil, aceitei esse grande desafio, mas eu também estou como Vice-Presidente da AMB, então, é muita coisa.
O que acontece Senador? Na verdade, o juiz reduz, sim, as astreintes, mas a gente reduz porque a reforma do Código de Processo Civil, em 2015, impôs essa redução, porque a reforma do Código de Processo Civil, em 2015, feita pelo Congresso, preceitua que as astreintes não podem ultrapassar o valor do objeto discutido e isso realmente trouxe o risco-proveito, porque o bem muitas vezes discutido, um carro...
Vou pegar um exemplo, a pessoa compra um carro importado, o carro vem com defeito. O juiz fixa ali uma multa para que troque aquele determinado veículo, e a empresa não cumpre, não cumpre, rapidamente o veículo fica num valor acima, ou, então, aquele plano de saúde em que a pessoa precisa de uma cirurgia, rapidamente o valor supera o da cirurgia, e o plano de saúde insiste em não cumprir. A pessoa vem à óbito e posteriormente o juiz é obrigado a reduzir as astreintes porque isso está na norma.
Então, para mim, é uma norma falha e a gente não pode falhar de novo aqui.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Como a gente está concordando, eu não sei se ela é falha - é exatamente a visão que eu estou trazendo -, porque a astreinte é no processo individual. Quando ela supera o valor patrimonial do que está sendo demandado, ela faz sentido...
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Mas o risco-proveito...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - ... Mas, na ação coletiva, ela nunca vai superar o valor patrimonial.
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Mas 70% das ações, Senador... Em 70% das ações...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Mas é por isso que é importante...
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - ... os interesses são individuais.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Mas é por isso que é importante não punir individualmente em cada processo, mas que as agências reguladoras funcionem e que as ações coletivas sejam propostas com base nessa estatística que está sobrecarregando e onerando não só o Poder Judiciário e o Estado brasileiro, ou que está permitindo um risco...
Como é que se diz? (Pausa.)
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - O risco-proveito.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - O risco-proveito.
R
A SRA. PATRÍCIA CARRIJO - Até porque hoje as seguradoras estão...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Porque numa ação individual, ele vai provavelmente extrapolar, mas numa ação coletiva, não, porque numa ação coletiva não é a questão patrimonial, é o descumprimento da ordem judicial. Na verdade, o bem tutelado que está sendo violado numa ação coletiva é quando a empresa descumpre a decisão judicial, porque você mandou-a fazer, e ela não o fez - ela trabalha com risco-proveito.
Na ação individual, o Código de Processo Civil eu não acho que está errado, porque ele está tratando individualmente aquele caso. Quando ela supera o valor da obrigação, faz sentido, mas na ação coletiva ele tem um infinito, porque, inclusive, está sendo desrespeitada a decisão do magistrado.
É só uma questão para a gente colocar aqui como tema.
Acho que o Julio queria falar alguma coisa ainda sobre o tema, e depois vou perguntar à Profa. Rosa, rapidamente... Se alguém quer falar, para a gente poder chegar ao final... Teremos mais duas audiências; então, a gente vai ter chance de debater ainda melhor.
O SR. JULIO GONZAGA ANDRADE NEVES (Para expor.) - Senador Portinho, muito obrigado pela palavra novamente. Meu sotaque me denuncia rapidamente como conterrâneo de V. Exa., e é um prazer dialogar com um Senador da minha terra natal e com todos aqueles que construíram o projeto.
Eu reitero, no esforço cívico e no serviço público prestado à nação, são muitas horas para construir um projeto. A divergência é uma caminhada natural da construção da melhor resposta à nação; divergência com admiração intelectual e com engajamento de autoridade para a construção verdadeiramente do diálogo. O que me satisfaz muito é que há vários pontos que são de convergência, sobretudo em diagnóstico.
Existe um problema de hiperjudicialização no Brasil. Historicamente, a responsabilidade civil não respondeu aos anseios da sociedade com relação a esse problema de hiperjudicialização e com relação a diversos outros aspectos que nos parecem patológicos no nosso convívio social. Há visões diversas; isso não é um problema. É rico porque é parte do processo; não é um problema no processo de debate - é o próprio processo de debate. Há divergências é nas respostas a isso. Há respostas estruturais para problemas estruturais; a responsabilidade civil é pensada fundamentalmente, de maneira individual, para responder a problemas individuais, e a respostas estruturais as mais variadas, que nações que nós admiramos - não de maneira a render vassalagem, por interesses, mas como povos que conquistaram vitórias para o seu povo, nações que conquistaram vitórias para o seu povo, que também nós queremos para nós - se valeram dessas ferramentas, as mais variadas, e todas elas surgiram de maneira consensual no nosso debate. Seguros coletivos, agências reguladoras fortes, demandas coletivas, todas essas são ferramentas a ponderar.
Eu não quero acrescentar nenhum ponto de mérito, mas apenas agradecer as ponderações de todos, sobre as quais eu refletirei com muita atenção, e reforçar o debate central, que não é meu; eu sou mandatário nessa cadeira. É uma mensagem da indústria, da disposição para o diálogo, para a compreensão, para a construção da melhor norma, para responder àquele que é o interesse, é o direcionamento de todos nós, que é o melhor interesse na construção de um projeto nacional virtuoso para a população.
Então, de novo, agradeço a V. Exa. pela oportunidade de fazer o uso da palavra, agradeço a todos os integrantes pelas ponderações que fizeram, de divergência e de convergência com a minha intervenção, e reitero minha disponibilidade para o diálogo aos gabinetes, aos colegas e a todos.
Muito obrigado, devolvo a palavra a V. Exa.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Muito obrigado. Vamos estimular muito este debate. É muito importante o trabalho a que todos se dedicaram, um grande desafio. Vocês são heroicos por terem se dedicado à atualização do Código Civil, e eu só posso agradecer a participação de cada um de vocês que vêm aqui, a todas as sessões e debatem de mente aberta, porque é o que a gente tem.
R
Eu vou dar a última palavra - depois vamos para o encerramento - para o Doutor em Direito de Relações Sociais e Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás, Dr. Pablo Malheiros da Cunha Frota, que queria fazer uma pequena intervenção.
O SR. PABLO MALHEIROS DA CUNHA FROTA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador Portinho. Eu queria também agradecer ao senhor pela oportunidade de ter me recebido em seu gabinete para dialogarmos, na mesma data em que recebeu o Prof. Nelson Rosenvald.
Em relação à função pedagógica, eu queria trazer um exemplo que até é um exemplo do cotidiano de V. Exa., porque o senhor trabalha com direito esportivo. Na função pedagógica, muitos exemplos que foram dados aqui foram de relações de consumo. Eu quero me centrar, Profa. Rosa, como a senhora trouxe na sua bela fala, em um caso de direito civil. Então, vamos lá.
Quando eu pratico um ato racista, dentro da arquibancada de um jogo de futebol - quando eu pratico, Profa. Rosa, um ato racista -, em relação a um jogador de futebol, essa relação não é de consumo, essa relação é civil. O torcedor terá o seu efeito penal, terá o seu efeito desportivo, porque ele é retirado do estádio pela organização do estádio e, às vezes, pela própria torcida, para o clube não ser punido, mas também o jogador tem direito a uma reparação civil em relação a esse torcedor que fez um ato racista. E isso é bem comum no futebol hoje, infelizmente.
Eu pergunto: a reparação, Senador Portinho, seria só pela sua função reparatória, com o valor que ele vai receber, ou isso é tão ultrajante à nossa dignidade da pessoa humana, como sempre lembra a Profa. Rosa, no art. 1º, inciso III, da Constituição, que ele merece um plus em relação a esse fato para desestimulá-lo a não fazer isso e para desestimular também outras pessoas que vão torcer no estádio a não fazer esse tipo de coisa? Então, me parece que, sim, o dano coletivo é um aspecto em que você consegue exemplificar a função pedagógica da responsabilidade civil, mas nós também temos, como a Profa. Carrijo disse, as questões individuais. E esses casos de racismo, por exemplo, nos jogos de futebol, infelizmente, são reiterados. Então, sim, a vítima desse ato de racismo tem direito a uma reparação que vai cumprir sua função reparatória, mas também sua função pedagógica, para que desestimule aquele ofensor ou ofensora a causar aquele dano. Esse é um exemplo claríssimo de função pedagógica que não precisa de uma conduta reiterada. Uma vez só que eu cometa um ato de racismo contra alguém, já tem que ter uma reparação diferenciada, porque o meu ato é ultrajante. Então, a função pedagógica, Profa. Rosa e Prof. Tartuce, é aplicada como um plus no momento em que eu tenho ou esse comportamento reiterado - e não estou ultrapassando da pessoa que causou o dano, porque eu estou olhando o comportamento reiterado daquela pessoa e não de terceiros - e também nas questões de direito individual, porque eu posso ter uma conduta ultrajante contra mim em uma discussão de direito individual.
Por exemplo, a Profa. Rosa, que está na Alemanha, pode sofrer um ato preconceituoso por ser brasileira no aeroporto, por outra pessoa que não esteja em relação ao consumo, e ela tem esse direito a reparar, civilmente, a sua honra no caso. E, se for um caso de ato ultrajante que viole a dignidade da pessoa humana, por exemplo, ela tem direito a um plus nessa reparação, e aí, sim, entraria a função pedagógica. E o código vai bem, Senador Portinho, porque traz critérios para essa reparação. O magistrado e a magistrada... A Dra. Patrícia, quando for fazer a sua sentença, tem o dever de trazer esse decote do plus da função pedagógica. Quando não for caso de função pedagógica - não é, Prof. Tartuce? -, vai ser a função reparatória que vai gerar a possibilidade de quantificação do dano.
R
Eu queria também, para terminar, Senador Portinho, dizer que o nexo causal - eu tenho uma tese de doutorado sobre o nexo causal, defendido na Federal do Paraná - não está fora das hipóteses nem de responsabilidade negocial nem de responsabilidade extranegocial na proposta de reforma. O nexo causal continua sendo extremamente importante, tanto que, nos casos de concausalidade que existem no Código Civil e na proposta, ele está mantido. Se eu concorrer para o dano, a minha responsabilidade vai ser aferida também. Então eu não tenho essa expulsão ou essa retirada do nexo causal na responsabilização negocial - hoje negocial - no nosso Código.
Então, de novo, queria agradecer.
Senador Portinho, como eu moro em Brasília, estou à disposição do seu gabinete, do gabinete de todos os Senadores e Senadoras, para dialogar sobre essa reforma do Código Civil.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Pablo, muito obrigado.
O meu gabinete é aberto - você já esteve lá - para a gente poder discutir. A gente vai discutir individual e coletivamente aqui, em audiência pública, em grupos de discussão, na OAB do Rio, de Minas, porque é assim que a gente cria ou aperfeiçoa o trabalho que foi feito ou o deixa mais claro, como, por exemplo...
Hoje, aqui, eu saio convencido de que o ilícito e o nexo causal não são apenas pressupostos, são a cabeça do caput, porque todos aqui falaram - acabou de dizer de novo - que não se pode afastá-lo. Então, isso tem que ficar mais claro. Esse é um consenso nosso, então saímos daqui com consenso. Eu achei que o foco era só o dano. Agora eu saio daqui convencido de que o interesse do anteprojeto também não foi afastar o ilícito e o nexo causal, mas a gente tem que trazer isso mais claro, porque isso está dando muita discussão no meio jurídico.
Talvez o exemplo não tenha sido o melhor - eu vou ser sincero -, o do direito esportivo. Eu vou explicar por quê. Primeiro porque o direito desportivo, embora seja transversal a muitas matérias - e essa é que é a beleza do direito esportivo -, a praticamente todas, inclusive consumidor, civil, é basicamente um código de penas, está muito mais próximo do direito penal.
Segundo - eu sou vencido, eu confesso, e muitas vezes tentei superar e levantar a minha tese -, eu quero dizer que essa responsabilidade objetiva do clube, que o direito desportivo aplica, comina a pena, como perda de mando de campo e outras, não alcançou o seu caráter pedagógico, exatamente porque... A não ser que fosse o clube que incentivasse o racismo. O clube não tem o menor controle sobre isso, mas, por força da responsabilidade objetiva, a ele é cominada a pena.
Eu advoguei muito tempo e gosto de dar o exemplo de time pequeno, de menor investimento, aqui do Brasiliense. Foram inúmeros casos de invasão de campo e não se alcançou o caráter pedagógico, a não ser que fosse o clube que incentivasse isso.
R
O racismo no futebol pode punir um clube quantas vezes quiser. Como é que ele vai impedir uma pessoa que é racista de se manifestar? O clube não tem... O que vai impedir, vai ter o caráter pedagógico - aí, eu vou passar ao direito desportivo à parte -, o que vai ter o caráter pedagógico é a prisão, é que o Judiciário não releve, não; prenda, que é o exemplo, isso é pedagógico, para que isso não se repita. O que vai ser pedagógico para aquela pessoa que certamente nunca mais vai praticar de novo é que ela responda, também no direito civil, com uma indenização que o atleta lhe demande, e responda, e pague uma indenização. Aquela pessoa não vai reincidir - dificilmente -, seja ela presa, seja cominada a ela uma indenização. Agora, não necessariamente a indenização por si só vai afetar toda a torcida.
Por isso que, trazendo para o direito civil, eu acho que a gente tem que aperfeiçoar os instrumentos de ações coletivas, e é uma boa oportunidade, porque isso é pedagógico. Só porque trouxe, por acaso, um tema... Ah, isso eu posso dizer, nisso eu tenho especialização. (Risos.)
O SR. PABLO MALHEIROS DA CUNHA FROTA (Por videoconferência.) - Senador Portinho, só para esclarecer, um minuto. É o seguinte: o que eu disse é que o ato de racismo praticado por um torcedor ou por uma torcedora num campo de futebol tem várias eficácias: a sua eficácia desportiva, a sua eficácia penal e a sua eficácia civil. Então, é um exemplo que eu trouxe para dizer que o jogador que sofreu ou a jogadora que sofreu o ato de racismo tem uma demanda reparatória contra a torcedora ou o torcedor, e que, se for adequadamente reparado o dano com a função pedagógica nesse caso, porque é ultrajante o racismo, isso pode gerar um efeito borboleta para, no futuro, não só essa pessoa, mas outras não o cometerem. Agora, eu não tratei da questão do direito desportivo nem do direito penal. É só para dizer que é possível ter uma repercussão civil em que a função pedagógica apareça com muita tranquilidade, é só isso.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Portinho. Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Não, eu entendi isso, mas o que eu quis dizer é que a indenização que a pessoa vai sofrer no âmbito civil vai provavelmente ser pedagógica a ela para não reincidir, mas não para que outros não o façam. Daí a importância das demandas coletivas, inclusive os grupos de representação que combatem o racismo serem nessas ações coletivas beneficiados, revertido o recurso, como muitas delas são.
Gente, vamos terminar aqui. É muito rico. Muito obrigado, Pablo. Obrigado ao Prof. Tartuce; à Profa. Rosa; à Profa. Patrícia Carrijo, Excelência, nossa magistrada; ao Prof. Nelson, que não está aqui; à Laura Porto, que está nos acompanhando aqui - quando eu falo em tecnologia, ela mexe-se ali na cadeira, mas isso é instigante -; ao Prof. Julio; à Lara, representando a OAB, muito obrigado, é muito importante ter a OAB aqui; e a todos os colegas que eu vejo aqui da advocacia presentes.
Eu preciso, antes de encerrar, fazer aqui a leitura da...
Sigo aqui? (Pausa.)
Então, tá.
Aprovação da ata. Nos termos do art. 111 do Regimento Interno, submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da Ata da 7ª Reunião, realizada em 13 de novembro de 2025.
As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
A parte deliberativa.
Nos termos do art. 89, inciso I, do Regimento Interno do Senado Federal, coloco em votação os Requerimentos nºs 4, 11, 16, 19, 31, 36, 38, 39, 47, todos de 2025, que, inclusive, dizem respeito aos nossos convidados das próximas audiências, assim, então, conforme a pauta publicada.
1ª PARTE
ITEM 1
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Solicita a inclusão do seguinte participante na audiência pública da Comissão sobre “Responsabilidade Civil”:
1. Fábio Floriano Melo Martins, Presidente do Instituto de Direito Privado - IDiP.
Autoria: Senador Laércio Oliveira
1ª PARTE
ITEM 2
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Solicita a inclusão dos seguintes participantes na audiência pública da Comissão sobre "Responsabilidade Civil":
1. Dra. Gisela Sampaio da Cruz Costa Guedes;
2. Dr. Leonardo Amarante; e
3. Dra. Maria Celina Bodin de Moraes.
Autoria: Senador Carlos Portinho
1ª PARTE
ITEM 3
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Solicita a inclusão dos seguintes participantes na audiência pública da Comissão sobre "Responsabilidade Civil": 1. Dr. Nelson Eizirik; 2. Dra. Juliana Cordeiro de Farias.
Autoria: Senadora Tereza Cristina
1ª PARTE
ITEM 4
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Solicita a inclusão do seguinte participante na audiência pública da Comissão sobre "Responsabilidade Civil": 1. representante da Confederação Nacional da Indústria - CNI.
Autoria: Senador Fabiano Contarato
1ª PARTE
ITEM 5
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Solicita a inclusão do seguinte participante nas audiências públicas da Comissão sobre "Responsabilidade Civil" e "Direito das Coisas e Direito Empresarial": 1. Luiz Fernando Dalla Martha, Diretor de Conhecimento e Impacto do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC.
Autoria: Senadora Soraya Thronicke
1ª PARTE
ITEM 6
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Solicita a inclusão dos seguintes participantes na audiência pública da Comissão sobre "Responsabilidade Civil": 1- Dr. José Roberto de Castro Neves; 2- Dra. Caitlin Sampaio Mulholland; 3- Dra. Judith Martins-Costa; 4- Dr. Rafael Peteffi da Silva; 5- Dr. Rafael Viola; 6- Dr. Daniel Amaral Nunes Carnaúba; e 7- Dr. Rodrigo Verdini.
Autoria: Senador Carlos Portinho
1ª PARTE
ITEM 7
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Requer a participação dos doutores Eugênio Facchini Neto, Alexandre Mello Guerra, Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho e Thais Venturi em audiência pública sobre Responsabilidade Civil.
Autoria: Senador Flávio Arns
1ª PARTE
ITEM 8
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Requer a participação do Ministro Herman Benjamin, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, e dos doutores Eugênio Facchini Neto, Alexandre Mello Guerra, Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho e Thais Venturi em audiência pública sobre Responsabilidade Civil.
Autoria: Senador Veneziano Vital do Rêgo
1ª PARTE
ITEM 9
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Requer a participação da professora Juliana Cordeiro de Faria para participar de audiência pública sobre o tema de Responsabilidade Civil.
Autoria: Senador Cleitinho
R
Aqueles que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovados os requerimentos.
Votação de requerimento extrapauta.
Consulto o Plenário sobre a possibilidade de inclusão de requerimento extrapauta. (Pausa.)
1ª PARTE
EXTRAPAUTA
ITEM 10
REQUERIMENTO Nº , DE 2025
Requer a realização de audiência pública sobre o tema “Direito Digital e as implicações relacionadas à Inteligência Artificial”, com os convidados que especifica.
Autoria: Senador Rodrigo Pacheco
De autoria da Presidência desta Comissão.
Nos termos do art. 89, I, do Regimento Interno, coloco em votação o requerimento.
Aqueles que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Encerramento.
Nada mais havendo a tratar, agradeço realmente a presença e a participação de todos e declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
(Iniciada às 10 horas e 18 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 45 minutos.)