02/12/2025 - 42ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 42ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei nº 5.582, de 2025, que institui o marco legal do combate ao crime organizado no Brasil; tipifica os crimes de domínio social estruturado e de favorecimento ao domínio social estruturado; e altera os Decretos-Leis nºs 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), 11.343, de 23 de agosto de 2006, 10.826, de 22 de dezembro de 2003, 9.613, de 3 de março de 1998, e 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), conforme o Requerimento nº 56, de iniciativa do Senador Relator Alessandro Vieira.
Esta reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. Senadoras, dos Srs. Senadores e dos convidados, por sistema de videoconferência, para exposição e debate, que será realizado em caráter interativo, ou seja, com possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria do Senado Federal, 0800 612211.
Tem uma lista de inscritos para as suas exposições.
Eu vou começar, a pedido - eu acato o pedido -, com o Sr. Georges Carlos Fredderico Moreira Seigneur, que vai usar a palavra. Por favor.
Vou convidar também o Sr. Pedro Paulo Guerra de Medeiros para que possa vir - porque foi pedida a inscrição - e se sentar à mesa e o Dr. Ricardo Andrade Saadi, que está no sistema remoto.
Após a exposição dos dois, eu determino à Mesa que abra o sistema remoto para o Dr. Ricardo Saadi utilizar o direito de colocar as suas posições.
Eu pergunto ao Relator se o tempo seria de dez minutos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Dez minutos para cada expositor.
Com a palavra o Dr. Georges Carlos.
R
O SR. GEORGES CARLOS FREDDERICO MOREIRA SEIGNEUR (Para expor.) - Muito obrigado, Presidente, Senador Otto Alencar, queria cumprimentá-lo, assim como ao Senador Relator Alessandro Vieira. Queria cumprimentar todas as autoridades e pessoas aqui presentes, autoridades e pessoas que nos assistem pela internet.
Eu venho, hoje, falar em nome do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), órgão que hoje eu presido. É uma honra estar aqui no Senado Federal para falar exatamente sobre o PL 5.582, que muito interessa ao Ministério Público Brasileiro.
O CNPG, que trata dos Procuradores-Gerais, está presente em todas as unidades da Federação, são 26 Ministérios Públicos Estaduais e 4 Ministérios Públicos da União: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, do qual eu sou o Procurador-Geral de Justiça.
Queria iniciar parabenizando o Governo Federal pela iniciativa em trazer essa discussão ao Parlamento, assim como também parabenizar a Câmara dos Deputados pelas discussões realizadas, esperando aqui, no Senado, possamos ter algumas discussões exatamente profícuas a fim de que nós possamos enfrentar um assunto tão delicado e tão importante no Brasil, que é a questão do combate ao crime organizado, de extremo interesse do Ministério Público Brasileiro.
Inicialmente é importante a gente ter um diagnóstico até do cenário por que estamos passando hoje. Na verdade, hoje o crime tem mudado, está claramente mudado e você tem facções prisionais, que acabam tendo uma estrutura, completamente, de comando à distância, ou seja, precisamos ter uma estrutura que combata isso, especialmente quando a gente fala de ataques à cidade, de infiltração no serviço público. Não é apenas um problema local e sim um problema do Estado brasileiro. Por isso que é fundamental essa discussão. E aí parabenizo o Senado Federal, não só como Procurador-Geral de Justiça, Presidente, mas como cidadão, por estarmos aqui discutindo esse tema.
Inicialmente, eu acho que é importante a gente... O tema traz alguns avanços que são fundamentais para todos nós. Inicialmente, temos uma ideia muito clara de que precisamos trazer os avanços jurisprudenciais para a legislação. Precisamos atualizar a nossa legislação, nós precisamos trazer, tanto na questão dos inquéritos, como nos procedimentos investigatórios do Ministério Público existentes, regras importantes para que nós possamos discutir, exatamente, a relevância que nós temos de combate ao crime organizado, como nós poderíamos organizar exatamente e atuar de forma conjunta.
Lembro que o crime organizado atua de uma forma muito transversa e, dessa mesma forma, o Estado precisa atuar, ele não pode atuar de forma isolada, apenas uma instituição, ou seja, precisamos raciocinar com todas as instituições somadas exatamente nesse combate, como acontece nos exemplos exitosos, e a gente tem um exemplo mais claro na Itália. Precisamos raciocinar da forma sofisticada como o crime organizado atua. Não adianta apenas... Não que não seja importante, é importante também prender o soldado do crime, mas é importante prender toda a estrutura, toda a cadeia criminosa. Vamos fazer um combate realmente a isso e nós temos, via Ministério Público, por exemplo, a atuação dos Gaecos, que foca exatamente nesses temas, como, por exemplo, a lavagem de dinheiro, a atuação de indivíduos como laranjas e, especialmente, a corrupção de agentes públicos.
R
Então, podemos pegar alguns exemplos. Dentro do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, Senadores, tem um ponto muito interessante, que é o grupo nacional que atua exatamente com relação aos Gaecos, e esse grupo nacional traz diversas atuações, ou seja, experiências conjuntas, porque ficou claro que a atuação do diálogo entre os ministérios públicos e, naturalmente, entre as instituições, se enriquece nesse tipo de combate.
A gente tem alguns exemplos, e eu queria pegar poucos exemplos, mas mostrar como os exemplos... Muitas vezes a gente pensa em São Paulo, por exemplo, nós tivemos a Carbono Oculto, nós tivemos a Tacitus, nós tivemos a Fim da Linha, a Poço de Lobato; em Minas, tivemos a Custos Fidelis, a Meetinghouse, mas também tivemos em Roraima, ou seja, como a Trem de Aragua, o que mostra que, na verdade, é um sistema que está em todas as unidades da Federação, e isso gera uma preocupação para todos nós.
Então, é muito importante a gente ter um aperfeiçoamento dos mecanismos de filtração, de ação controlada, para que, exatamente, possamos fazer esse combate; lembrando sempre, como eu falei, que ninguém vence o crime organizado sozinho, então nós precisamos muito ter uma atuação em rede e é importante que o projeto de lei traga isso de forma muito clara.
Naturalmente, precisamos separar em alguns pontos. Eu acho que são importantes os nossos avanços relacionados à inteligência. Eu falo isso porque é importante que nós tenhamos mecanismos mais fáceis de compartilhamento de informações; dessas informações devem ser, claro, respeitados a segurança e o sigilo necessários, mas é importante que as instituições tenham essa questão de uma atuação inteligente.
Precisamos de operações naturalmente coordenadas para evitar, por exemplo, o que a gente chama de "efeito balão", que é o crime ficar migrando de um lado para o outro, o que eu acho que é um ponto muito importante. E, especialmente, também precisamos garantir a segurança dos agentes. É muito importante a gente relembrar isso, porque temos que diluir o risco para que exatamente... A gente pensa muito não só na atividade policial, na atividade do Ministério Público, na atividade da magistratura, mas nós precisamos, muitas das vezes, ter essa preocupação.
Um outro ponto importante é a questão que a gente queria utilizar: o aumento de penas. É muito importante nós tratarmos em relação a isso. O Estado não pode ser complacente com relação ao crime organizado, tem que ter um combate duro, ter leis importantes, leis que tragam, de forma muito mais dura, esse tipo de combate. Lembrando: precisamos de uma polícia equipada, nós precisamos de atuação pericial para que nós possamos ter uma análise probatória mais consolidada, exatamente para que nós tenhamos a comprovação.
E uma preocupação que trago é a questão da... Só um ponto a ser trazido, que foi alterado na Câmara, é a questão do Tribunal do Júri, em que os crimes praticados, exatamente envolvendo as condutas de crime organizado, seriam afastados, na verdade, teriam um juízo próprio. E essa é uma preocupação que a gente tem porque a gente acredita que, na verdade, até pela cláusula pétrea do júri, é importante que a gente tenha soluções, sem sombra de dúvidas, há uma preocupação, especialmente no interior, e até como sugestão, não querendo... Mas acho que é um ponto importante, é a gente talvez facilitar um mecanismo de desaforamento, até porque a previsão do Tribunal do Júri é uma previsão constitucional, talvez nós colocarmos desaforamento para capitais ou comarcas de entrância final como uma possível solução para que a gente tenha esse tipo de atuação, sem a gente exatamente ter a questão da discussão constitucional sobre o crime doloso contra a vida. O Júri é eficiente na atuação, temos que garantir exatamente a proteção das pessoas envolvidas no Tribunal do Júri, mas eu acho que afastá-lo não seria exatamente, data maxima venia, a forma mais adequada.
R
Já encaminhando para o final, um último eixo é exatamente a ação civil de extinção de domínio. É importante que nós tenhamos a noção de que o combate ao crime organizado precisa ser um combate financeiro. Então nós não temos como imaginar... Uma facção criminosa não tem poder se ela não tiver dinheiro. E é muito importante que... Uma frase comum: "sem patrimônio, não há máfia". Então a gente precisa ter a ideia de que precisamos avançar com relação a esse assunto, precisamos discutir bem claramente esses pontos, garantir que esses avanços sejam confirmados.
E, por fim, eu queria relembrar que o crime aposta no Estado dividido. E, no fundo, nós não podemos, como Estado brasileiro, admitir esse tipo de situação. É muito importante estarmos aqui todos reunidos, todas as instituições aqui...
(Soa a campainha.)
O SR. GEORGES CARLOS FREDDERICO MOREIRA SEIGNEUR - ... presentes, a sociedade civil, para que nós possamos aqui estar unidos dentro desse propósito de, com base no Estado organizado, não transformar o Brasil em um "narcoestado", que eu acho que é o objetivo de todos nós aqui. E, sem sombra de dúvidas, o Ministério Público brasileiro está junto, quer caminhar, quer dialogar com todas as instituições para que nós possamos trazer essa segurança à sociedade brasileira, seja em qualquer das frentes, seja nas ruas, seja nos tribunais, seja no Parlamento, onde for possível, o Ministério Público precisa estar presente.
Eu queria encerrar falando que o Ministério Público brasileiro assume a sua responsabilidade na defesa da integridade do Estado brasileiro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Quer fazer alguma observação?
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Sim, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador Alessandro Vieira.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - Bom dia a todos, a todas.
Dr. Georges, apenas uma contribuição a mais, eu peço de V. Exa. No tocante à sugestão de formato de integração entre os Gaecos e as Ficco. As Ficco, hoje, atuam e já têm uma razoável funcionalidade dentro da asa do Executivo. Você já tem um formato que está presente em todas as unidades da Federação, um acordo de cooperação técnica entre União e estados, mas ainda não temos a integração do Ministério Público. E é natural, porque existe uma dificuldade histórica entre algumas instituições.
Então eu queria colher de V. Exa. a contribuição sobre sugestões desse formato de integração. Se pela participação direta, se pelo acompanhamento, qual seria a sugestão?
O SR. GEORGES CARLOS FREDDERICO MOREIRA SEIGNEUR - Senador... (Fora do microfone.)
Opa, desculpe. Senador, a gente acredita que nós podemos ter alguns mecanismos... Nós temos já alguns acordos, especialmente locais, é importante que nós tenhamos esse tipo de atuação conjunta.
Eu acredito que, no campo do Senado, a gente pode ter atuações legislativas, e muitas das vezes são de compartilhamento de informações.
Eu acho que é fundamental que nós tenhamos essa mesma percepção de que o Ministério Público e os órgãos de segurança do Poder Executivo têm que atuar de forma conjunta. Não há como nós afastarmos isso. Então eu acho que quanto mais célere e direta for essa atuação das instituições, é importante que nós consigamos ter esse resultado de uma atuação, porque, muitas das vezes, a demora no processamento de informações, na obtenção dos dados, faz com que o próprio lastro probatório desapareça, e, com isso, fica muito difícil você obter um resultado efetivo.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Obrigado. (Fora do microfone.)
Agradeço ao Dr. Georges.
Passo a palavra ao Dr. Pedro Paulo Medeiros, representante da OAB.
R
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS (Para expor.) - Muito bom dia, eminente Presidente, Senador Otto Alencar, da Comissão de Constituição e Justiça; eminente Relator, Senador Alessandro Vieira.
Agradeço aqui, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Federal da OAB, a oportunidade de estarmos aqui e termos reconhecida a importância da OAB nesta discussão tão importante para a sociedade brasileira, até porque a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tem como função legal e constitucional a defesa dos preceitos constitucionais e interesses da sociedade brasileira.
Nós temos dúvida de que hoje a segurança pública é o interesse número um da sociedade brasileira. Então, estamos todos aqui envolvidos e imbuídos em como transformar esse combate à criminalidade na forma mais eficiente possível, sem descurarmos, sem descuidarmos também das garantias e direitos fundamentais que a Constituição nos assegura.
Saúdo todas e todos os eminentes Senadores e Senadoras que aqui estão, os colegas advogados e advogadas, os cidadãos que acompanham esta sessão.
Essa discussão é muito importante para o futuro da sociedade brasileira. Como trataremos o combate ao crime organizado e as facções criminosas, de novo, sem deixarmos de lado o respeito às garantias e direitos fundamentais.
Faço aqui um breve retrospecto: durante muitos anos não se falava em direitos e garantias fundamentais no mundo, até que nós tivemos a Segunda Guerra Mundial e, depois do nazismo, o julgamento de Nuremberg, em que se falou que há limites para todos os Estados e falou-se, pela primeira vez, o que seriam esses direitos e garantias fundamentais. E, então, fizemos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dizendo minimamente ao mundo quais seriam os direitos mínimos das pessoas que os Estados deveriam respeitar quando fizessem as suas legislações.
E, desde então, o mundo, os Estados, pelo menos os Estados contemporâneos, têm respeitado isso nas suas legislações internas, e a Constituição brasileira não fez diferente. Quando este Congresso Nacional Constituinte fez a nossa Constituição atual de 1988, incorporou a ela vários direitos e garantias fundamentais, até porque olhou para o passado e viu o que aconteceu no nazismo, onde não se respeitavam direitos e garantias.
Esses direitos fundamentais visam, então, a limitar a atuação do poder do Estado. E qual é a ferramenta que se entregou àqueles que visam falar em nome da sociedade, visando limitar a atuação do Estado? As prerrogativas de quem fala em nome da sociedade, de quem fala em nome de cada cidadão, cada cidadã: a advocacia. As prerrogativas da advocacia - e falo aqui em nome da OAB Nacional, da OAB federal - são ferramentas entregues a cada advogado, a cada advogada para limitar o poder do Estado em favor de cada cidadão e de cada cidadã.
As prerrogativas que o art. 133 da Constituição, ao reconhecer a importância da advocacia e ao regulamentar isso na Lei 8.906, que é o Estatuto da OAB, nos dá, a nós da advocacia, em verdade são prerrogativas da sociedade: ter voz e vez perante o Estado e limitar o seu poder, porque o poder do Estado, em tese, seria ilimitado.
E do que estamos aqui tratando? De sabermos como combater o crime, como combater o crime organizado, como combater as facções sem descurar dos direitos e garantias fundamentais de cada cidadão e de cada cidadã. Então, ao tempo em que agradecemos o reconhecimento da importância da OAB Nacional nesta discussão, nós reiteramos e dizemos que já encaminhamos a S. Exa. o eminente Relator, Senador Alessandro Vieira, uma nota técnica do Conselho Federal da OAB, indicando pontos no projeto - que é muito alvissareiro, muito bem-vindo, é do interesse da sociedade brasileira - com sugestões de adequação e equalização entre a necessidade de combate ao crime, com respeito às prerrogativas da advocacia e aos direitos e garantias fundamentais.
R
Entre os pontos que encaminhamos na nota técnica com pedidos a S. Exa., o eminente Senadora Alessandro Vieira, nós entendemos que o ponto em que trata de monitoramento nos parlatórios da conversa entre advogados e advogadas e seus clientes, quando investigados ou processados por crimes que estarão previstos nessa legislação de crime organizado, não podem passar por um escrutínio total, uma devassa total do conteúdo da conversa.
Entendemos que o sigilo entre advogado, advogada e seus clientes é um basilar do devido processo legal, direitos e garantias sobre os quais me referi agora há pouco.
Então, de igual forma, não estamos aqui a defender ou a proteger advogado ou advogada que, a despeito de ter uma carteira da OAB, uma habilitação profissional, comete crimes. A OAB não passa a mão na cabeça de advogado ou advogada que não cumpre com seus deveres legais e éticos. Esses não são advogados, são bandidos com OAB, mas os advogados e advogadas que exercem a sua função com lealdade e ética, esses não podem ser interceptados, terem as suas conversas, os seus sigilos simplesmente abertos sem qualquer justificativa pontual.
Portanto, entre as sugestões que encaminhamos a S. Exa., nós pedimos que, para que haja excepcionalmente uma interceptação de conversas entre advogado e advogada e seus constituintes, mesmo nos parlatórios, deverá haver uma decisão judicial prévia - daí a reserva de jurisdição, só pode acontecer isso com decisão judicial prévia -, individualizada e dizendo por que é que, naquele caso, aquele advogado, aquela advogada deverá ter a sua conversa monitorada.
Então, deverá haver uma justificativa individualizada, fundamentada, demonstrando com elementos previamente colhidos numa investigação, a necessidade de se violar o sigilo naquele caso concreto e não simplesmente dizer: "Aqui nesse parlatório, todas as conversas serão monitoradas, todas as conversas serão gravadas", isso não pode acontecer, senão se retira um basilar do devido processo legal, que é a prévia existência - e isso está na Lei Federal, que é o Estatuto da OAB -, que é uma prerrogativa de sigilo de conversa entre advogado, advogada e o seu constituinte.
Dizer que pode haver uma gravação de toda e qualquer conversa entre advogado e advogada e seu constituinte me parece uma violação às prerrogativas da sociedade e da Constituição Federal.
E tudo aquilo que advier dessa eventual gravação sem uma prévia decisão judicial, fundamentando e autorizando aquela gravação específica e fundamentada, nos parece que configurará prova ilícita - e a Constituição Federal diz que provas ilícitas não podem ser aceitas no Brasil.
Então, nós fizemos aqui uma ponderação e um pedido para que, em sendo investigado advogado ou advogada e, desde que haja uma prévia autorização judicial fundamentada, que haja então a investigação e a interceptação - mas, fora dessa excepcionalidade, não poderá haver.
Um outro pedido que fazemos também é para que não haja qualquer tipo de captação ambiental nos parlatórios, que possa ter leitura labial da conversa entre advogado e advogada, ou filmagem dos escritos, daquilo que for escrito entre advogado e advogada.
De novo, se o advogado ou advogada for investigado, com decisão judicial prévia, isso poderá acontecer, mas não de forma ampla e sem qualquer tipo de fundamentação universal.
Nós também fizemos, Excelência, um pedido para que, em respeito ao que já existe no Estatuto da OAB, que é no art. 24-A, que prevê que, em havendo um bloqueio geral dos bens dos investigados ou acusados, haja possibilidade de o advogado ou advogada receber os seus honorários com o percentual daqueles bens.
R
Isso já está na Lei Federal. Este Congresso Nacional já aprovou essa permissão, que é o art. 24-A do Estatuto da OAB, e pedimos apenas que seja reiterado isso nesse projeto e nessa lei, para que não pareça que, nesse sistema, haja uma excepcionalidade não em si, mas da regra geral. Pedimos apenas que se repita a possibilidade de que os advogados também recebam os seus honorários como uma reserva, mesmo que haja o bloqueio universal.
Já me encaminhando para o final, há também um ponto muito sensível, que é o de que a Constituição Federal prevê o sistema acusatório. O sistema acusatório é: as partes levam ao juiz as suas versões e o juiz decide. O juiz é um receptor de pedidos. O juiz é inerte. O juiz não pode ter lado. Eu não quero ser julgado por um juiz que tenha lado, nem do meu lado, nem do outro lado. Acho que ninguém aqui quer.
Então, o que é que nós pedimos? Que se mantenha um sistema acusatório respeitado, também na lei. Porque hoje, no projeto como está, há uma possibilidade de o juiz agir de ofício. O que é isso? O juiz age sem ninguém pedir. Isso não existe. O juiz que age sem ninguém pedir não é isento.
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Então, o que é que nós pedimos? Que se retire essa possibilidade de o juiz agir de ofício, mas somente quando provocado pelas partes legítimas. Então, retira-se a possibilidade de o juiz agir de ofício, mas somente quando provocado pelas partes legítimas. Por quê? Há um princípio na Constituição brasileira, que é o sistema acusatório. O juiz só age se provocado, e não de ofício. Isso é um benefício para a sociedade. É o respeito ao devido processo legal.
Então, já aqui me encaminhando ao final, eu agradeço aqui, em nome do Conselho Federal da OAB, como Presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, que são, repito, prerrogativas da sociedade, elogiando ao Senado da República por essa oportunidade, por esta audiência pública, e agradecendo pelo honroso convite que o Conselho Federal recebeu.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Quer falar? (Pausa.)
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador Alessandro Vieira.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - Dr. Pedro Paulo, obrigado pela colaboração. Antecipo que as garantias e a preservação do sistema acusatório já estão contempladas na minuta de relatório, que a gente vai divulgar mais adiante, após os ajustes decorrentes dessa audiência.
Mas questiono com relação a um ponto sensível, que é a hipótese de lavagem de dinheiro, utilizando o serviço da advocacia. Já é uma demanda antiga; a Ordem dos Advogados está em mora nessa regulamentação. Eu gostaria de colher de V. Exa. essa observação. Qual é a situação de momento com relação à hipótese de lavagem de dinheiro com a utilização do serviço da advocacia.
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Posso falar, então? Não sei se o Sr. Presidente fez menção de que falaria...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Concedo a V. Exa. a palavra.
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS (Para expor.) - Muito obrigado, Presidente. Obrigado, Relator, Senador Alessandro Vieira.
Esse é um assunto que certamente é uma das preocupações da OAB Federal, porque não há dúvida de que nós temos visto no mundo que o grande problema - hoje, no mundo, do combate à criminalidade - não é mais combater simplesmente os grandes crimes organizados - tráfico de drogas, tráfico de armas e tráfico de pessoas -, mas você tem que tratar o que é que eles obtêm com isso. Você tem que desincentivar em toda a equação. É pegar o dinheiro que eles obtêm. É a retroalimentação.
Então, nós estamos no Conselho Federal da OAB tratando desse tema. Nós temos discutido esse tema, nós temos orientado a advocacia brasileira para que insiram nos seus contratos, nas suas relações comerciais com os seus clientes, que exijam prévia comprovação da origem lícita dos valores recebidos. Isso já é tratado internamente. Nós não somos - nós, a advocacia - não somos pessoas obrigadas ainda, mas a todo tempo nós somos lembrados de que nós não somos ainda pessoas obrigadas pelo sistema de lavagem, porque nós temos um voto de confiança; mas, para mantermos esse voto de confiança, nós temos que, a todo o tempo, lembrar a advocacia de que ela tem que se manter dentro dos limites, para que nós não sejamos, em algum momento, obrigados a comprovar a origem ilícita do dinheiro recebido.
R
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Então, não há dúvida: isso é uma preocupação; e nós estamos, dentro do Conselho Federal, discutindo esse assunto.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Agradeço a V. Exa.
Convido, para tomar assento à mesa, o Dr. Marivaldo de Castro Pereira e o Dr. Tarcísio José Bonfim, da Conamp.
Passo a palavra, pelo sistema remoto, ao Dr. Ricardo Saadi, que é Presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Peço à Secretaria da mesa que disponha a possibilidade para a intervenção do Dr. Ricardo.
O SR. RICARDO ANDRADE SAADI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia!
Estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Ouvindo, mas sem a imagem ainda. (Pausa.)
Ah, sim.
V. Exa. pode fazer a apresentação, porque já está aqui na tela.
O SR. RICARDO ANDRADE SAADI (Por videoconferência.) - Bom, perfeito.
Então, primeiro, bom dia a todos.
Primeiro, agradeço a oportunidade de estar presente aqui com vocês e de poder falar um pouquinho sobre...
Vamos fazer, aqui, sem a apresentação - acho que fica mais fácil.
Estão conseguindo me enxergar bem ou não?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Ouvindo bem.
O SR. RICARDO ANDRADE SAADI (Por videoconferência.) - Tá, vamos lá.
Então, pessoal, primeiro agradeço a todos pela oportunidade de estar presente e pela oportunidade de estar conversando e debatendo com vocês este tema; e, em primeiro lugar, eu gostaria de realçar a alegria em esta Casa, o Senado Federal, dar abertura a todos, para que possam se manifestar em um diálogo bastante produtivo entre membros do Poder Executivo, do Poder Legislativo e da sociedade civil, para que nós possamos chegar a um texto que seja bom a todos.
Inicialmente, eu gostaria de dizer que tem alguns aspectos do projeto de lei que são bastante interessantes, como, por exemplo, o agravamento de pena em algumas situações, como, por exemplo, quando protege magistrados, agentes de segurança pública e membros do Ministério Público, com o aumento de pena quando envolve o ataque a esses membros do Estado.
Segundo, também, o aumento de pena quando os criminosos miram a infiltração no aparato estatal através da corrupção; e, também, o aumento de pena quando a gente está falando da proteção dos jovens - proteção da juventude -, quando há o aliciamento de menores para a prática desses crimes.
Outro ponto bastante interessante desse projeto de lei é a questão do foco na asfixia patrimonial da organização criminosa, que traz algumas novidades, como, por exemplo, a ação civil de perdimento de bens, anteriormente também conhecida como ação de extinção de domínio, que já foi tratada em alguns momentos; e, também, a relação da inteligência unificada com a criação desse banco nacional de dados de organizações criminosas.
R
Um dos grandes problemas do Estado brasileiro hoje é a questão da fragmentação de dados; então, é extremamente importante que nós tenhamos uma inteligência unificada.
Só que dentro dessa questão da asfixia financeira das organizações criminosas, hoje eu posso dizer com bastante tranquilidade que o Coaf tem um papel central nessa questão. A partir do Coaf, a gente consegue detectar transações suspeitas, detectar o caminho do dinheiro e encontrar bens a serem apreendidos e sequestrados.
Eu vou trazer algumas rápidas propostas.
Nós enviamos uma nota técnica para senhor, Senador Alessandro, ontem com essas propostas, que certamente ajudarão bastante o Estado na localização e no bloqueio de bens. Então, eu vou fazer alguns rápidos comentários em relação ao PL para depois ir para as propostas.
Primeiro, a questão do conceito de organização criminosa ultraviolenta nos traz um pouco de preocupação. Por que a preocupação? Porque traz a questão de uma interpretação subjetiva, traz eventual conflito com a Lei 12.850, fazendo com que nós tenhamos uma fragilidade da tipificação penal.
Há também, nessa definição, o uso de expressões abertas como domínio territorial e controle social. Temos que pensar que, ao colocar essas expressões, nós estamos declarando a falência do Estado naquele local em que permitiu um domínio territorial e um controle social. Aí nós temos que ver até como isso seria recebido pelo Governo responsável pela segurança naquele local.
Uma outra questão a ser colocada é que nós estamos em um momento em que todas as forças devem atuar em conjunto, nós temos que somar forças. Quando a gente traz no art. 6º, §6º, a colocação das regras do PIC do Ministério Público, de alguma forma acaba induzindo as investigações a serem feitas através de PIC. Eu acho que esse §6º é desnecessário ou, eventualmente, se for mantido, a gente teria que colocar que quando conduzida pelo Ministério Público seguiria as regras do PIC, quando conduzido pela polícia seguiria as regras do inquérito policial, apenas para deixarmos claro que essas investigações podem ser feitas tanto no inquérito policial quanto no PIC do Ministério Público.
Por fim, quando a gente fala em medidas assecuratórias, o art. 9º traz, no seu §3º, condições que talvez inviabilizem essas medidas assecuratórias. Quando o juiz ou membro do Ministério Público ou delegado de polícia devem demonstrar "os potenciais efeitos sistêmicos ou o alcance esperado da medida, de modo a prevenir impactos sobre pessoas, empresas ou serviços não vinculados à organização criminosa [...]". Esse seria um trabalho que vai muito além da questão de investigação e acabaria por de alguma forma inviabilizar esse trabalho.
Agora, Senadores, eu vou tomar liberdade para fazer algumas pequenas propostas para adição no texto a fim de fortalecer a inteligência financeira. Repito, nós estamos com um discurso que já é comum entre todos, sobre a necessidade da asfixia financeira das organizações criminosas.
R
E, repito, hoje, em dez, de cada dez das grandes investigações, nós temos presente o relatório de inteligência financeira produzido pelo Coaf. Nesse tema específico de combate ao crime organizado, os relatórios de inteligência se fazem cada vez mais presentes, cada vez mais necessários.
Então, a primeira proposta que fazemos é a integração automática do Coaf ao banco nacional de facções criminosas para que possamos fazer o monitoramento dessas movimentações financeiras.
Na nota técnica que enviamos ontem - mandamos, inclusive, o texto, que vou tomar liberdade para ler rapidamente aqui...
O texto do artigo seria: "O Coaf terá acesso direto ao Banco Nacional de [...] [membros de facções] para fins de monitoramento e eventual elaboração dos respectivos Relatórios de Inteligência Financeira".
Então, o Coaf, tendo acesso a esse banco de dados, vai automaticamente cruzar com os seus bancos de dados e, se for o caso, já emitir um relatório de inteligência financeira para as autoridades responsáveis pela investigação.
A segunda proposta que fazemos.
Como vocês sabem, o insumo do Coaf hoje são as informações recebidas dos setores obrigados. A Lei nº 9.613 trouxe alguns setores considerados sensíveis à lavagem de dinheiro e esses setores têm algumas obrigações. Dentre as obrigações, está a de fazer comunicações de operações suspeitas ao Coaf. Então, o que estamos propondo aqui é um texto para deixar bem claro que as pessoas obrigadas deverão ter especial atenção em operações que, eventualmente, envolvam facções criminosas.
O texto seria - tomando também liberdade aqui, eu vou ler. Altera o art. 11, inciso I, da Lei nº 9.613, dizendo: "I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se", notadamente quando se tratar de operações relacionadas a facções, milícias ou grupos paramilitares.
Então, estamos deixando bem claro, dando um recado bastante direto aos setores obrigados, de que eles devem ter especial atenção quando a operação suspeita se relaciona à atividade de organizações criminosas.
A próxima proposta, só temos mais três propostas, bem rapidamente, seria a integração com bloqueios judiciais.
Seria garantir que o Coaf seja informado quando o juiz determinar medidas patrimoniais contra pessoas físicas ou jurídicas.
Por que isso?
Porque uma vez informado, o Coaf vai poder buscar, no seu banco de dados, eventuais comunicações de operações suspeitas relacionadas àquelas pessoas físicas ou jurídicas que tenham, eventualmente, sido alvo de medidas de bloqueio de bens e poderá emitir algum relatório de inteligência complementar.
Então, a proposta seria: "O Juiz comunicará ao Coaf as decisões de bloqueio, arresto, sequestro, indisponibilidade ou perdimento extraordinário, no prazo de 24 horas.
Parágrafo único. O Coaf poderá utilizar as informações para:
I - elaboração de relatórios de inteligência financeira;
II - identificação de patrimônio oculto".
Como funcionaria? Uma vez o Coaf comunicado, cruzaria com o seu banco de dados e, se eventualmente identificasse alguma operação suspeita, comunicada em nome daquelas pessoas, o relatório seria produzido e seria encaminhado ao Poder Judiciário, à polícia e/ou ao Ministério Público, para que possam tomar as medidas judiciais cabíveis.
R
Já partindo para o final, a próxima proposta seria em relação à questão de informações complementares de operações suspeitas. Repito, hoje o Coaf trabalha prioritariamente com informações que ele recebe das pessoas obrigadas: bancos, corretoras, imobiliárias, lojas de bens de luxo e alto valor, joias e outros. Então, o que nós estamos propondo seria um §4º ao art. 11 da Lei nº 9.613, que diria que: O Coaf poderá, ao analisar as comunicações a que se referem os incisos anteriores, requisitar informações complementares sobre as operações suspeitas. Então, uma vez tendo uma comunicação suspeita envolvendo uma facção criminosa, eventualmente o Coaf poderia fazer a requisição de informações complementares às pessoas obrigadas. Hoje, repito, o Coaf trabalha de forma passiva, recebendo as informações, e não buscando as informações junto aos setores obrigados.
Por fim, a última proposta que nós estamos fazendo aqui... O Coaf, repito, é ator central e preponderante no combate à lavagem de dinheiro. O Coaf, isso é uma coisa que é importante ser dita, não é um órgão de investigação. Quem faz a investigação é a polícia e é o Ministério Público. Porém, o Coaf é um órgão central na medida em que recebe comunicação de operações suspeitas, as analisa e encaminha para a polícia e para o Ministério Público. Então, a proposta que nós estamos fazendo seria de fortalecimento institucional do Coaf, principalmente através do fundo que existe na lei de lavagem de dinheiro. A proposta que o Coaf tem seria a alteração do art. 7º da lei de lavagem para dizer que a regulamentação prevista no §1º deverá observar a destinação mínima de 5% - somente 5% nós estamos pedindo - dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada ao Coaf. Então, nós estamos pedindo uma parcela de 5% apenas do valor dos bens que são perdidos em favor da União, de acordo com a Lei 9.613.
Então, essas são as considerações principais, mas eu vou me permitir aqui, Senador Alessandro, manifestar a minha opinião em uma questão que o senhor colocou na pergunta ao Ministério Público. As FICCOs... Eu hoje estou Presidente do Coaf, mas eu sou oriundo da Polícia Federal, e a criação... Não a criação, mas a disseminação das FICCOs foi feita na minha gestão na Polícia Federal, foi quando nós disseminamos as FICCOs para todos os estados e com várias instituições.
Hoje, já há uma integração entre os GAECOs e as FICCOs. Na maioria dos estados, há, sim, uma relação próxima entre Gaeco e Ficco, até porque toda investigação policial tem que ter o acompanhamento de um membro do Ministério Público, e esse acompanhamento, em geral, é feito pelo membro do Gaeco daquele estado em que a investigação está. A questão da inserção física do Gaeco dentro da Ficco, o que se diz é que vai criar um cenário de disputa institucional absolutamente e completamente desnecessário sobre quem está fazendo a investigação, se é a polícia ou o Ministério Público. Da forma como está, está havendo uma integração muito boa nos estados com a polícia, através da Ficco, polícia e demais instituições, e o Ministério Público, através dos GAECOs, com uma ótima integração em vários dos estados.
R
Então, são essas as considerações. Se alguém tiver algum questionamento, eu fico muito feliz em poder respondê-los.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador Alessandro Vieira.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - Obrigado, Dr. Ricardo. Parabéns pelo trabalho na Polícia Federal e agora no Coaf.
São três pontos. Com relação à demanda de infraestrutura e pessoal do Coaf, se ela é próxima do suficiente, sabemos que não, mas qual seria o ideal, infraestrutura e pessoal? E a sua manifestação com relação à urgência e necessidade de regulamentação do mercado de criptos, porque sabemos que hoje uma parte significativa da lavagem caminha por esse meio.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Não seria interessante que as sugestões que ele pontuou ele pudesse encaminhar aqui para a Secretaria? (Pausa.)
Já encaminhou? Então, ótimo.
Passo a palavra agora ao... (Pausa.)
Ele vai responder? (Pausa.)
Dr. Ricardo.
O SR. RICARDO ANDRADE SAADI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, vamos lá. Primeiro, Senadores, obrigado pelas perguntas.
Em relação à questão de infraestrutura e pessoal do Coaf, o que acontece é o seguinte, o Coaf até agora tinha uma estrutura necessária e o.k. em relação à forma como o combate ao crime organizado ocorria. A partir do momento em que o foco das autoridades, o foco do Ministério Público, o foco da polícia está na asfixia financeira da organização criminosa, o Coaf passa, sim, a ser um ator central e passa, sim, a ter a necessidade de uma melhora na estrutura. Inclusive, nós já fizemos uma reunião na semana passada no MGI, apresentando uma proposta de reestruturação e de indicação de pessoas para irem ao Coaf. Estamos trabalhando em parceria com o Ministério Público, em parceria com a polícia e em parceria com o setor privado, no desenvolvimento de um novo sistema tecnológico para o Coaf porque, além da questão de pessoal, o Coaf necessita da questão tecnológica, porque recebe diariamente aproximadamente 35 mil comunicações de operações suspeitas ou de operações em espécie. Então, por mais que nós tenhamos um quadro de pessoal de mil pessoas, ele não será suficiente se nós não tivermos um sistema tecnológico bastante eficiente, bastante moderno. Já estamos trabalhando isso com total apoio do Banco Central e do Governo para que possamos fazer a atualização do sistema tecnológico.
Em relação ao quadro de pessoal, Senador, se o senhor me permitir, eu posso enviar depois para o senhor um estudo que nós fizemos com uma estimativa do número de pessoas que seria interessante para estar no Coaf e também com a estrutura que seria importante, inclusive de cargos, para que possamos ter uma estrutura condicente hoje com a importância e com o volume de trabalho do Coaf.
Em relação à segunda questão, que é a urgência e a necessidade da regulamentação das criptos, já há uma regulamentação nova do Banco Central que deve entrar em vigência nas próximas semanas, mas esse é um mercado, por mais que nós tenhamos uma regulamentação forte aqui no Brasil, como tem em outros países também, não é algo fácil de se fazer porque, a partir do momento em que o mercado de cripto atua de forma absolutamente independente dos governos no mundo inteiro, as questões não necessariamente têm que passar pelo Brasil. Então, a eventual carteira de cripto pode estar hospedada em outros países e dificilmente uma regulamentação no Brasil vai ter o condão de acabar com essa questão, mas é claro que é importante que o Brasil tenha uma regulamentação forte. Esse é um problema que não somente acontece no Brasil, mas acontece no mundo.
R
Eu tive a oportunidade de trabalhar como Oficial de Ligação do Brasil na Europol, durante dois anos e meio, entre 2020 e 2022, e posso dizer com bastante tranquilidade aos senhores que essa preocupação, em relação às criptos, não é uma preocupação exclusiva, preocupação e dificuldade, não é uma preocupação e dificuldades exclusivas do nosso país, mas é de todos os países que atuam no combate ao crime organizado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Obrigado a V. Exa.
Passo a palavra ao Dr. Marivaldo de Castro Pereira, Secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA (Para expor.) - Muito bom dia a todos e todas. Quero cumprimentar o Senador Otto Alencar, o Senador Alessandro, o Senador Angelo Coronel, o Senador Mourão e todos os demais presentes aqui.
Eu queria, inicialmente, antes de colocar nossos pontos em relação a este projeto, enaltecer aqui a postura do Senador Alessandro e de toda a sua equipe de, desde o primeiro momento em que foi designado Relator, abrir o diálogo com o Poder Executivo, propor esta audiência pública. Então, adotou uma postura digna do prestígio que tem, da abertura que tem o Parlamento para dialogar, debater e construir propostas normativas.
Eu queria, também, cumprimentar, na figura do nosso Diretor da SAL, Marco Antônio, da nossa Diretora, Juliana, todos os servidores do Poder Executivo, que vêm se debruçando sobre esse texto desde a primeira minuta de parecer que foi publicada.
Como todos acompanharam, este texto nasce a partir da autoria do Poder Executivo e, quando é designado o Relator na Câmara, foi apresentado um novo texto totalmente diferente do originalmente apresentado pelo Poder Executivo. E, a partir daí - e é natural, isso é legítimo que aconteça, comum, os Parlamentares têm todo o direito de avançar nessa linha -, nós passamos a nos debruçar sobre esse texto. E o nosso objetivo central, desde o início, foi assegurar as prerrogativas da Polícia Federal, foi assegurar que o texto que fosse aprovado não implicasse qualquer prejuízo à atuação que a Polícia Federal vem desempenhando, sobretudo porque, nos últimos meses, nós assistimos à Polícia Federal desenvolver, em parceria com a Receita, em parceria com o Ministério Público, em parceria com a polícia civil dos estados, operações que vão entrar para a história como as operações que mais impacto tiveram no combate às organizações criminosas. Então, no momento em que a Polícia Federal chega a uma situação de eficiência muito importante no combate a essas organizações, é fundamental que a gente preserve as prerrogativas, as competências, os instrumentos que a Polícia Federal tem para realizar essa atuação. E foi assim que passamos a proceder, passamos a dialogar.
Não conseguimos avançar no diálogo na Câmara, mas, felizmente, o Senador Alessandro proporcionou um espaço de diálogo que, certamente, será muito importante para o amadurecimento do texto e para a preservação da competência da Polícia Federal, das prerrogativas da Polícia Federal, das prerrogativas da Receita Federal, que vem desempenhando um papel fundamental também nesse sentido e, com isso, não preservará o sistema atualmente existente e buscará um aprimoramento, porque este era o objetivo central: aprimorar o sistema já existente.
R
E, em relação ao texto que veio para o Senado, tem uma preocupação essencial. A gente conseguiu derrubar muita coisa do que estava na Câmara, mas ficou um ponto lá que para a gente é central e precisa ser revisto, que é a questão dos fundos federais. Hoje, há um consenso muito grande, tanto na Câmara como no Senado, na sociedade, de que nós temos uma limitação de recursos muito grande no âmbito do Poder Executivo para o financiamento da segurança pública, de maneira que nós deveríamos estar nos dedicando a buscar novas fontes de financiamento para a atuação do Governo Federal no combate ao crime organizado, mas a proposta que veio da Câmara, infelizmente, retira recursos da União para o combate ao crime organizado; retira recursos da Polícia Federal, então, recursos que antes iriam para o Funapol passam a ir para o Fundo Nacional de Segurança Pública, obrigando a Polícia Federal a disputar esse recurso junto com os estados, junto ao Fundo Nacional de Segurança Pública; retira recursos do Fundo Nacional Antidrogas, que tem previsão constitucional - parágrafo único do art. 243 -, que é o fundo que recebe os bens perdidos em razão do tráfico. Então, isso também gera uma descapitalização dos fundos nacionais, e o nosso pleito é para que não seja alterada a sistemática de recursos dos fundos nacionais.
Tem um outro ponto muito importante. Ao dispor sobre a divisão de recursos como está no texto que veio da Câmara para o Senado, ele cria um incentivo à não integração porque, na medida em que a Polícia Federal atua em conjunto com a polícia dos estados, os bens que forem perdidos naquela operação terão que ser divididos, e a mesma coisa os estados. Isso gera um incentivo para que uma investigação, após três anos, quando você for deflagrar a operação, que é o momento em que você precisa dessa parceria, você não faça essa parceria para que não tenha que dividir o recurso. Exatamente por isso, toda a legislação que dispõe sobre perdimento de bens dispõe de acordo com o tipo de crime e não com quem participa da operação, para não criar nenhum tipo de bloqueio a essa integração; integração essa que é essencial para a proteção da vida dos agentes de segurança pública e para a eficiência das operações. Então, o nosso primeiro ponto é que seja mantida a atual sistemática de distribuição de recursos dos fundos que financiam a segurança pública em âmbito nacional.
Um outro ponto que chamou muita preocupação, e esse é de caráter mais estruturante, foi o fato de termos uma legislação paralela à atual Lei de Organizações Criminosas, e todos os operadores do direito sabem que, quando você tem dúvida sobre qual legislação é aplicável, você abre espaço para a interposição de recursos, e quem se beneficia com o espaço para a interposição de recursos é quem está sendo investigado. Se o juiz aplica uma norma você questiona: por que não a outra? Se aplica a outra: por que não aquela norma? Então, isso gera uma confusão jurídica que vai prejudicar substancialmente o combate às organizações criminosas. Então, ter normas paralelas tratando do mesmo tema não é saudável em sistema jurídico nenhum, sobretudo no sistema penal.
E uma outra preocupação que a gente tem, não bastasse a norma paralela do texto que veio da Câmara, é que a gente tem uma previsão absolutamente aberta: não há uma definição específica sobre o que é organização criminosa ultraviolenta e, a partir dessa definição, joga-se este termo, organização criminosa ultraviolenta, e começa-se a dispor sobre dezenas de condutas que, se praticadas por membros dessa organização que não está devidamente delimitada, vão implicar penas de 20 a 40 anos. Entre essas condutas, está lá no inciso III: interromper temporariamente vias. No inciso IV: obstruir, de qualquer forma, operação policial ou operação de manutenção da ordem. Ou, lá no inciso X, você ocupar uma escola, por exemplo - está lá previsto.
R
Qualquer uma dessas condutas, se for praticada por membro da organização criminosa ultraviolenta cujo conceito não está devidamente delimitado na norma, pode resultar numa pena de 20 a 40 anos. Homicídio simples tem previsão de seis anos. Então, só para a gente ter uma ideia, assim, da complexidade que é a adoção desses termos abertos.
Mas não para por aí. No §3º, vem uma previsão de que várias das condutas previstas no inciso, ainda que praticadas por quem não é membro de organização criminosa, vão incidir numa pena de 12 a 30 anos. Ou seja, se você pegar ali a obstrução, por qualquer forma, de operação de manutenção da ordem pública ou uma ocupação de escola, você pode pegar uma pena de 12 a 30 anos, mesmo não sendo membro de organização criminosa. Ou seja, já não tem a definição da organização criminosa ultraviolenta, e aí você tem a previsão de que, ainda que não seja membro dessa organização, você vai responder por 12 a 30 anos.
Sem dúvida alguma, isso traz um problema muito grave, porque leva a uma possibilidade de criminalização de movimentos reivindicatórios legítimos - legítimos: o movimento dos caminhoneiros; os movimentos dos apoiadores do anterior Presidente que estavam à frente dos quartéis, por exemplo. Todos os movimentos reivindicatórios poderão ser enquadrados nessa norma, se ela é aprovada da forma como está.
Uma outra preocupação muito grande é em relação ao tipo de favorecimento que está lá no art. 3º. Assisti ao Fantástico domingo e lá tinha uma previsão de que...
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - ... 20 pessoas que estavam fugindo da operação policial entraram com um fuzil na mão na casa de um morador. Da forma como está, há a possibilidade de que esse morador possa ser enquadrado por favorecimento, porque ele teve a sua casa utilizada.
Veja, há comunidades em que os moradores são proibidos de trancar as portas. Como é que um morador vai se opor a 20 pessoas armadas com um fuzil? Como é que um morador vai se opor? Ou seja, há um risco de revitimização da população trabalhadora, que já é vítima do crime organizado. Então, acho que isso também é uma preocupação muito grande que a gente tem em relação a esse tema.
E, por fim - o tempo passou rápido; são muitos pontos, o projeto é longo -, há uma preocupação também - reitero aqui, reforço aqui o coro - com as colocações sobre a atuação da Polícia Federal. Há dispositivos na proposta que trazem limitações que podem prejudicar a atuação da Polícia Federal. Já encaminhamos à assessoria do Senador Alessandro - a quem agradeço muito o espaço aberto para o diálogo -, mas vou citar aqui o §3º do art. 9º, que prevê uma lista de requisitos para o bloqueio de bens.
Hoje, quando o Ministério Público ou o Delegado de Polícia pede o bloqueio de bens, o juiz analisa se a origem é ilícita, se não é ilícita, se está sendo utilizado para o crime ou não, e o juiz decide ou não pelo seu bloqueio. Se a gente aprovar aquele dispositivo, o juiz vai ter que cumprir aquele checklist ali sob pena de o advogado da parte roubar o bloqueio desses bens. Isso pode comprometer, por exemplo, operações como a Carbono Oculto, que teve como grande mérito o bloqueio de um valor substancial de recursos de uma organização criminosa, que é o ponto central que a gente precisa combater para enfraquecer o crime organizado.
R
Eu queria concluir, mais uma vez, agradecendo muito ao Senador Alessandro, pela abertura que deu para o debate e pela realização desta audiência pública, Senador Otto, que eu acho que é uma demonstração muito importante de abertura do Senado sempre para o diálogo com o Governo Federal, para o diálogo com os demais membros da sociedade e para o diálogo com toda a população, porque este tema é de interesse de toda a população.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador, Alessandro, quer fazer alguma observação?
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fora do microfone.) - Não, obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Passo a palavra, então, ao Dr. Tarcísio José Sousa Bonfim, pela Conamp, e convido, para tomar assento à mesa, o Delegado Alexandre Luiz Rollo Alves - não sei se ele está presente. (Pausa.)
Não está presente?
Então, Dr. Thiago Frederico de Souza Costa, Secretário Executivo do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública, sente-se, por favor.
Passo a palavra ao Dr. Tarcísio.
O SR. TARCÍSIO JOSÉ SOUSA BONFIM (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas.
Quero, inicialmente, cumprimentar o Senador Otto Alencar, nosso Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, agradecer, Senador, pela oportunidade e parabenizá-lo pela condução dos trabalhos da CCJ. O senhor sempre nos atende com muita atenção, de forma muito atenciosa, e nos permite trazer, aqui, o olhar do Ministério Público.
Falo em nome da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) - representamos 16 mil colegas dos Ministérios Públicos estaduais - estramos nos 26 estados da Federação -, os membros do Ministério Público Militar e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Então, receba o nosso abraço e o nosso agradecimento, parabenizando-o pela condução dos trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça, Senador Otto.
De igual modo, gostaria de me referir e agradecer ao Senador Alessandro Vieira, o Relator do nosso projeto, do nosso PL antifacção, que também, de forma muito horizontalizada, tem conduzido este trabalho, sob uma perspectiva de colher conhecimentos e experiências para uma grande construção, Senador.
A segurança pública, o combate ao crime organizado e o trabalho das instituições do nosso país, dos Poderes e instituições previstos na nossa Constituição, somente alcançarão a efetividade a que nos propomos - todos nós, enquanto agentes públicos -, se tivermos uma postura de horizontalidade, de unidade e de cooperação.
Cada um tem, no texto constitucional, a sua missão e as suas atribuições definidas, mas o somar dessas atribuições, o desempenhar dessas atribuições de forma eficiente é que produzirá o fruto maior. E qual é a responsabilidade maior de cada um de nós? É o bem comum da nossa população.
A sociedade brasileira, há um tempo, era demandada, através de pesquisas, Senador Otto, Senador Omar, Senador Mourão, a manifestar quais eram as demandas - o que a sociedade gostaria de nós, seus representantes. E ela sempre vinha se manifestando sobre educação de qualidade, saúde de qualidade, oportunidade para que ela pudesse viver, se reger e exercitar a sua dignidade.
Mas, hoje, a principal pauta da sociedade é a violência; a principal pauta da sociedade é combater o crime organizado. E, para combater o crime organizado, nós temos três partes indissociáveis, para alcançarmos essa efetividade: nós temos que ter uma boa investigação, uma boa responsabilização e uma boa execução da pena. Não adianta investigarmos bem e não termos instrumentos que nos permitam responsabilizar.
R
Não adianta investigarmos bem, fazermos um processo de responsabilização e não termos uma boa execução de pena: "Ah, um faccionado foi condenado a 30, 40, 50 anos de prisão", mas não cumpriu a pena, não houve efetividade.
Então, nós temos que nos preocupar com todos os passos relacionados a essa atividade. E cada carreira aqui representada tem dimensão das suas atribuições, Senador Alessandro, das suas responsabilidades. O nosso olhar aqui é um olhar de contribuição, de tentar somar, de trazer um olhar do Ministério Público sobre diversos temas que estão sendo ventilados no PL antifacção.
Gostaria de registrar também a importância da iniciativa do Governo de fomentar este debate, de levar este debate para a Casa do Povo, para o Congresso Nacional. E, a partir daí, V. Exa. tem conduzido e permitido, e a audiência pública é um instrumento importante de canalização desses olhares, para que possamos somar e alcançar um resultado que alcance essa efetividade, mas eu queria, nessa realidade, nessa perspectiva, realçar aqui a importância de encaminharmos para um ponto de centralidade - aliás, dois pontos de centralidade.
O primeiro ponto de centralidade diz respeito ao lucro. O crime organizado opera uma atividade empresarial. Ele cria empresas com o objetivo de desempenhar, com o objetivo de potencializar o lucro relacionado a essa atividade. E cabe a nós termos instrumentos que nos permitam realizar um confisco ampliado eficiente.
Acompanhei aqui a fala de alguns antecessores, nesta audiência pública, e ouvi uma preocupação com relação ao direcionamento. O que vamos fazer com esse confisco? Então, o antecedente é nós termos instrumentos eficientes de confisco desses bens, um outro antecedente é termos as nossas instituições capacitadas para realizar esse confisco, e o terceiro - a preocupação que foi externada por alguns dos que nos antecederam - é a preocupação de para onde vão esses recursos, mas, ao final, eu também queria fazer uma sugestão, Senador, direcionando, no sentido de sugerir para onde vão esses recursos.
A temática é por demais vasta, mas eu queria me prender a um ponto importante: ao Tribunal do Júri, Senador. O Tribunal do Júri foi criado, institucionalizado, implantado no nosso ordenamento jurídico, a partir de uma manifestação contundente do Legislador Constituinte originário, quando trouxe lá, no art. 5º, XXXVIII, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a realidade, fixando a competência do julgamento dos crimes dolosos contra a vida perante o Tribunal do Júri.
Nós defendemos que continue a ser assim. Nós defendemos que não haja essa substituição para a criação de um novo foro competente, de um novo juiz natural para apreciar e julgar os crimes dolosos contra a vida, quando relacionados ali à atividade da organização criminosa ou à atividade relacionada à disputa de poder, à disputa de território e outras nuances que estão relacionadas à atividade do crime organizado nas nossas comunidades na realidade da sociedade brasileira.
Então, no nosso primeiro ponto, eu queria realçar que, a despeito de algumas falas, o Tribunal do Júri se apresenta como um instrumento eficiente. Nós trouxemos aqui, Senador, um recorte da realidade de 4 mil processos, entre 2020 e 2025, lá no Ministério Público de São Paulo. Nós temos ali um percentual de 77%, no sumário da culpa de pronúncia, de faccionados que são demandados, são denunciados pela prática de crimes dolosos contra a vida relacionados à atividade do "narcocídio", atividade do narcotráfico; e nós temos, no Plenário, um percentual de 82% de condenação dessas pessoas.
R
Eu explico por que esse formato se apresenta e garante esse grau de eficiência, porque nós temos o sistema da íntima convicção, que está lá no art. 472 do Código de Processo Penal. O jurado tem possibilidade, de forma ampla, globalizada, de analisar todo o conjunto probatório que foi produzido relacionado àquele determinado crime.
Nós temos uma mecânica de sorteio e de sigilo das votações, e isso foi implementado por esta Casa, quando aprovou a Lei nº 11.689, de 2008, que trouxe uma realidade, por exemplo, de não se apurar, de não se escrutinar mais os sete votos. Alcançando a maioria para a votação, ou você tem uma realidade de absolvição ou uma realidade de condenação, o que permite que se mantenha, também ali, o sigilo das votações.
Uma outra realidade que para nós é importante é a execução imediata da pena, Senador Otto. Por quê? Porque nós temos a soberania dos veredictos lá na Constituição e o Supremo, ao apreciar o tema - Tema 1.068 -, acentuou a execução imediata da pena fixada no âmbito do Tribunal do Júri. Então, à guisa desses três fundamentos, nós estamos aqui levantando e defendendo a eficiência, Senador Alessandro, do Tribunal do Júri.
Uma outra realidade que eu queria trazer é que nós precisamos incluir, além dessa preocupação de combater o crime organizado de forma eficiente, de forma efetiva, a centralidade das vítimas. A nossa atuação tem esse objetivo. Nós temos o Estatuto das Vítimas, que está aqui no Senado.
Inclusive, eu quero fazer um agradecimento público ao Senador Weverton Rocha, que é o Relator do Estatuto das Vítimas, aqui no Senado Federal. Foi aprovado na CDH do Senado, inclusive em regime de urgência, e temos hoje a relatoria nas mãos do Senador Wilder Moraes, que estamos procurando, dialogando, e temos trabalhado.
Queremos pedir ao senhor, Senador Alessandro, que traga esse olhar de centralidade das vítimas para a discussão de qualquer projeto antifacção, de qualquer projeto relacionado à segurança pública.
Nesse contexto, eu queria pedir essa reflexão do Senado Federal, Senador Alessandro, com relação ao 245 da Constituição. Nós temos, na Câmara e no Senado, hoje, 14 projetos de lei para regulamentar o fundo de assistência às vítimas dos crimes dolosos contra a vida. E por que uma parte desses recursos de confisco não pode nutrir esse fundo para que possamos minimizar o sofrimento das vítimas do crime organizado?
(Soa a campainha.)
O SR. TARCÍSIO JOSÉ SOUSA BONFIM - Então, fica aqui a nossa primeira sugestão.
Uma outra sugestão também - nosso tempo está acabando - é que nós façamos um aperfeiçoamento do instituto do desaforamento, levando para as capitais ou levando para os municípios maiores, municípios acima de 300 mil. É um critério, uma sugestão. Claro que o senhor, ao seu alvedrio, e todo o Senado Federal, vão analisar essa proposta.
A criação de uma lista específica de jurados. No crime organizado, nós temos que ter ações centrais, ações específicas e ações especializadas para combater o crime organizado. Por que não se cria uma lista específica de jurados?
Sorteio específico e reservado. Até o momento da sessão, nós manteremos ali a lista de jurados em sigilo e, no momento da sessão, você identifica os jurados. Seção, também, de proteção dos jurados. Então, defendemos aqui a inclusão de uma seção, no CPP, para que possamos estabelecer instrumentos.
Vedação da transmissão ao vivo da imagem do conselho de sentença; possibilidade de alojamento reservado e escolta dos jurados; tratamento de dados sob a égide da LGPD; participação do acusado por videoconferência, onde se tem apenas a visualização do acusado e não o acusado do conselho de sentença. Criar, também, um tipo penal específico relacionado a punir a exposição indevida de jurados.
Uma outra sugestão, Senador, seria nós utilizarmos a Lei do Provita, a Lei 9.807, de 1999, que trata de testemunhas e de vítimas, e incluirmos também os jurados, porque os jurados são magistrados.
R
Então, enfim, Senador, o tempo é pequeno, eu queria pedir a V. Exa. que o art. 2º, §8º, fosse realmente suprimido do texto, porque nós entendemos, nós conhecemos, nós trabalhamos e nós defendemos a importância do Tribunal do Júri para a nossa sociedade.
Quero dizer que a Conamp continua à disposição deste Parlamento. Parabenizo o senhor e o Senador Otto pelo trabalho, quero dizer que acredito muito que, quando se trabalha de forma horizontalizada, quando se trabalha de forma cooperada, podemos construir um modelo de legislação que atenda os anseios da sociedade nesse grande problema que é o combate à criminalidade.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Eu agradeço ao Dr. Tarcísio.
Pela ordem, passo a palavra ao Senador Omar Aziz.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM. Pela ordem.) - Presidente Otto, quero cumprimentá-lo, cumprimentar o Relator, o meu amigo Alessandro Vieira, e dizer que, primeiro, não teria pessoa mais adequada para ser Relator aqui no Senado do que o Senador Alessandro Vieira. É uma pessoa que conhece, viveu, vive e tem essa expertise que poucos de nós temos.
Quero cumprimentar a Mesa, o Senador Mourão, e parabenizá-lo pela vitória do Flamengo. Sei que V. Exa., como flamenguista, vibrou muito. Mas, ouvindo o Dr. Tarcísio...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Por falar em flamenguista, eu quero parabenizar o juiz que apitou o jogo Palmeiras e Flamengo, porque o jogador do Palmeiras teve uma fratura exposta na perna, e ele deu um cartão amarelo ao cara do Flamengo. (Risos.)
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Acho que tinha que entrar, acho que nós tínhamos que ver nessa...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Fratura exposta.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Eu não sei se o Alessandro pode colocar aí um artigo sobre isso, Alessandro, sobre essa questão de árbitros de futebol...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Não é crime organizado? Ainda não... (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Queria que V. Exa. colocasse isso.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Mas com bets, não tenha dúvida que chegaremos ou já chegamos, e a gente não tem conhecimento ainda. Não tenha dúvida sobre isso!
Aliás, vão acabar com o futebol brasileiro as bets. Já falei sobre isso, a gente tem falado, mas o pessoal, como é financiado hoje pelas bets, não fala nada, e tudo bem.
Vamos para outra pauta.
Ouvindo V. Exa., eu pedi para o Senador Otto, e peço desculpas aos outros, para falar um pouco sobre o meu entendimento sobre a questão do tráfico e do narcotráfico.
Eu concordo com tudo o que V. Exa. falou , só que, na prática, não dá para funcionar. Você tem comarcas no Norte, no Nordeste e em outros estados brasileiros que não têm juiz ou, quando têm juiz, não está o Ministério Público ou, quando não está o Ministério Público, não têm um defensor público, e você não faz julgamento sem ter as três partes. Não dá para fazer! E depois que inventaram que juiz pode despachar por videoconferência, aí é que o negócio foi para baixo mesmo.
Tem uma coisa... Eu tenho cobrado isso do CNJ, tenho conversado com o Ministro Mauro sobre isso - que é lá do meu estado, uma pessoa que nós temos um respeito muito grande -, sobre a presença do juiz na comarca, mas nós estamos tratando aqui sobre esse projeto, já do acontecido.
O Governo brasileiro há muito tempo tinha que ter criado uma Secretaria de Segurança Pública ou um Ministério da Segurança Pública - eu diria Ministério da Segurança Pública. É uma coisa que é uma pauta do Brasil.
Você tem uma atividade-fim que não tem um ministério específico para isso. Você tem um ministério específico para a saúde, que é uma atividade-fim, você tem o Ministério da Educação que é uma atividade-fim, e você não tem um ministério específico para a segurança pública.
R
Quando nós estamos tratando aqui, nós estamos tratando de pena, de julgamento e tal. Mas qual é a origem? E aí o Senador Mourão, que é da minha região e conhece bem até porque serviu, teve o prazer de servir no maior comando militar do Brasil, que é o Comando Militar da Amazônia, e todos aqueles que passaram pelo Comando Militar sabem da importância da nossa soberania em relação ao Comando Militar da Amazônia...
Para você ter uma ideia, nós temos seis, sete policiais federais na fronteira com a Colômbia e com o Peru, para tratar sobre uma questão prioritária, que é não deixar chegar a droga.
Os morros do Rio de Janeiro... Aqui em Brasília, não se produz cocaína, ela chega - essa cocaína. Com a saída do Estado, quem ocupou esses espaços... E quando V. Exa. fala sobre a participação do poder público, e aí a gente fala Governo Federal, Governo estadual, Governo municipal, não é só um ente, tem que ter os três, junto com o Ministério Público, Polícia Federal, polícia civil, polícia militar, para que a gente faça, evite, faça prevenção. Quanto maior a prevenção, menor será o dano lá na ponta.
Nós não produzimos AR-15. Um cidadão de bem não anda com uma metralhadora ou um revólver passeando nas ruas das cidades, coisa que a gente está vendo, vê diariamente.
Então, quando se faz uma operação dessa, e tem que parabenizar, mas já é com o efeito que aconteceu, nós não conseguimos evitar.
A primeira coisa que acontece, para se fazer a lavagem lá na ponta, é você arrecadar o dinheiro aqui na origem. E onde está essa origem? Nos municípios. Onde faz o tráfico? Onde que se vende a cocaína? Onde que se vende a droga? Onde é que se vende... para fazer depois a lavagem do dinheiro? Quando chega aqui o dinheiro, agora vamos lavar de que forma? Vamos lavar através disso, daquilo, coisas que nós estamos vendo diariamente.
Então, Senador Alessandro, eu sei que V. Exa. está tratando um assunto, o assunto só não resolve, não é a gente aumentar pena, ou diminuir pena, ou falar se é isso ou é aquilo - é a gente tratar na prevenção.
É inadmissível que no Amazonas entre, no meu estado, entre droga pela Venezuela, que nós temos uma fronteira grande; entre droga pelo Peru, que nós temos uma fronteira grande; entre droga pela Colômbia, que o Amazonas tem. E eu estou falando do Amazonas, do meu estado, que é onde 80%, 90% da droga passa pelos rios da Amazônia, ou pelo Solimões, ou pelo Japurá, ou pelo Rio Negro; fora aquilo que entra pelo Peru, pelo Acre, que desce o Purus.
Então, eu estou falando de uma realidade que eu conheço. Eu fui Secretário de Segurança de Estado e sei muito bem do que eu estou falando. Agora, não adianta você achar que a polícia vai resolver o problema quando já chega no bairro, quando você já atingiu o jovem que já se viciou, que começa a furtar dentro de casa.
Eu não conheço - não conheço - não tenho conhecimento de qualquer chefe de facção que tenha virado avô; ou o cara é preso, ou é morto. E há uma renovação, é jovem de 17, 18 anos comandando isso. Nós temos uma realidade no Brasil e essa realidade nós temos que enfrentar - ou a gente enfrenta, ou a gente vai perder essa guerra.
Essa guerra, aliás, nós estamos perdendo, porque nós estamos perdendo diariamente jovens por narcotráfico, garotos que são menores de idade e que...
(Soa a campainha.)
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - ... para alimentar a família, viram "avião", leva a droga e sabem que não vai ser punido, porque a lei não permite que eles sejam punidos. Você não interna mais um jovem desses. O Estado brasileiro não cuida dos doentes. Eu não acho que uma pessoa que se torna um viciado em cocaína seja um marginal, um bandido, é uma pessoa que se tornou doente, que tem que ser tratada como uma pessoa doente, e nós não temos esses cuidados.
R
Então, por mais esforço que vocês tenham, se a gente não cuidar disso, da origem do problema... A origem do problema não está lá na atividade-fim, na lavagem do dia, a origem do problema está na entrada de drogas. E, quando a polícia ou civil ou militar ou federal diz que prendeu duas toneladas de droga, já passaram cem. É simples, e eu lhe digo como. Lá na Amazônia, eles afundam uma balsa, colocam lá uma antena com satélite, deixam a balsa atravessar a fronteira, afundada - uma balsa. Eles afundam a balsa com a cocaína, ela atravessa a fronteira, ela vai bater num barranco qualquer lá depois já de entrada no Brasil. Quando bate naquele barranco, não tem policiamento, não há como ter... até porque eu sou favorável à gente criar para a Amazônia a Polícia Federal hidroviária, equipada com tecnologia, para que a gente possa cuidar dos nossos rios.
Aqui tem um projeto meu, na CCJ, que obriga o Governo Federal a fazer um concurso público a partir do momento em que 5% do contingente da Polícia Federal deixar... Porque você não faz novos concursos. Sabemos também que tem um problema muito sério em relação aos delegados de polícia, tanto da Polícia Federal, como da polícia civil, porque a pessoa passa num concurso de delegado da polícia civil, a gente treina aquela pessoa, gasta dinheiro para treiná-la, depois tem um concurso do Ministério Público, ele vai, faz o concurso do Ministério Público e larga a delegacia, larga a polícia civil ou a Polícia Federal, ou um concurso de juiz ou de procurador. E isso também nós temos que regulamentar, porque o Estado não pode fazer concurso toda hora e se gasta dinheiro para se formar um delegado, não é de graça, se investe nele, e a gente o perde para outro concurso. Isso acontece no Brasil todo.
São questões pontuais que nós temos que resolver, porque só a penalidade... O cara que já está condenado a 50 anos de prisão, tanto faz 10 anos a mais ou 10 anos a menos, não vamos nos iludir com isso, e vamos tratar isso de uma forma que o Governo Federal, os Governos estaduais e municipais estejam unidos juntamente com os órgãos da polícia e o Ministério Público...
(Soa a campainha.)
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - ... porque o Ministério Público tem uma importância muito grande nessas ações, com a investigação de que V. Exa. falou. É lógico que tem que se investigar, mas nós temos que proteger as famílias.
Dificilmente, em uma família brasileira hoje, não se tem uma pessoa que seja dependente químico, é muito difícil. Ou está dentro da família ou você conhece. E esse jovem destrói uma família, esse jovem destrói a relação do pai e da mãe, destrói uma relação com os filhos, destrói uma relação com amigos, e, muitas vezes, esse jovem vai se tornar um marginal ou será morto ou será preso. E não tem uma mãe, que coloque um filho no mundo, que queira que o seu filho seja preso ou seja morto por causa de droga.
Era a minha contribuição que eu queria dar. Eu tenho uma opinião sobre isso. O Senador Alessandro Vieira é a pessoa ideal para discutir. Na semana passada, eu conversava com ele, ele está conversando com o Presidente Hugo Motta e com o Relator da Câmara para que a gente chegue a um texto que seja bom para o Brasil. A Polícia Federal não pode perder, de forma nenhuma, nenhum tipo de... Não é benefício, mas de recurso que ela tem. Pelo contrário, nós temos hoje tecnologias que o Brasil não tem.
R
Vamos ser sinceros, os Estados Unidos não conseguem, nem com muro, conter a entrada de droga do México nos Estados Unidos, e olhe a tecnologia dos Estados Unidos. Então, veja a nossa realidade. Lá é tudo por terra, aqui não. São rios que são mares, quem conhece a Amazônia sabe que o Rio Solimões é um mar, você não consegue olhar de uma margem para outra - você não consegue enxergar de uma margem para outra -, e passa droga com uma facilidade muito grande.
Era a minha...
(Soa a campainha.)
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - ... contribuição. Espero, Alessandro... Tenho certeza de que o Senador Otto, como Presidente da CCJ, fez a escolha certa; e tenho certeza de que o relatório do Senador Alessandro terá nosso apoio total, ele sabe disso, porque está em boas mãos.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fora do microfone.) - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Eu agradeço ao Senador Omar Aziz.
Passo a palavra...
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Permita-me só um comentário...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Você vai fazer um comentário?
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - É só para registrar a importância do que o Senador Omar Aziz pontua e para antecipar que a gente está tratando disso no relatório.
Pela própria experiência, a gente sabe que o financiamento é um ponto central nisso. Não adianta só aumentar a pena. Eu tenho feito sempre um registro que passa, às vezes, despercebido do senso comum: com a legislação antiga, o Marcola já está condenado há mais de 300 anos, isso não acabou com o PCC. Então, é preciso uma ação integrada, inteligente e muito bem financiada, e que vai, em algum ponto, envolver, inclusive, as Forças Armadas, particularmente nas nossas fronteiras.
Mas antecipo para você, Omar, e para os colegas que eu venho realizando uma série de reuniões com o Executivo: Ministra Simone Tebet, Ministro Fernando Haddad, Ministro Lewandowski, Polícia Federal, para que a gente tenha consciência de que é preciso uma ação mais contundente. Este Congresso vai viabilizar o financiamento necessário. Eu não tenho a menor dúvida. O que eu tenho demandado, e às vezes eles demoram a responder, porque parece que a gente está mudando um pouco a lógica da coisa, é quanto. Eu preciso fortalecer o combate ao crime na Amazônia: quanto custa? Eu preciso saber disso, para colocar no papel, indicar a fonte e resolver.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - AM) - Só para você ver, estão dizendo que estão dando 1 bilhão para a Amazônia, não sei o quê, e tal. Por que não se pega esse dinheiro do Fundo Amazônia, que muitas vezes é colocado em ONGs que não fazem absolutamente nada, e não se investe na segurança da Amazônia?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - O Dr. Alexandre Luiz Alves, Diretor Substituto de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal.
Dr. Alexandre, com a palavra.
O SR. ALEXANDRE LUIZ ROLLO ALVES (Para expor.) - Bom dia, bom dia a todos.
Quero cumprimentar aqui o Senador Otto Alencar, Senador Alessandro Vieira, Relator aqui do projeto de lei, os demais Senadores, Dr. Sergio Moro, Dr. Mourão, Senador Omar, demais autoridades aqui presentes, meus colegas policiais federais aqui presentes, cidadãos aí que estão acompanhando ao fundo.
R
Quero dizer que a oportunidade de fazer parte da construção de um projeto de lei que visa ampliar a atuação do Estado contra o crime organizado é algo que nos faz agradecer bastante, porque nada melhor do que ouvir quem atua, quem vive, quem respira o combate ao crime organizado no seu dia a dia. Essa é a realidade não só da Polícia Federal, como das demais polícias dos estados, das polícias civis, militares e também dos demais órgãos que atuam em conjunto com as polícias, cada um com as suas atribuições, mas hoje a realidade do crime organizado não nos permite mais imaginar que o combate se faz somente com a atuação policial. É necessário - as maiores operações que vêm sendo deflagradas aí nos últimos tempos demonstram isso - atuação conjunta, garantindo cada um com a sua função típica, como diria um sábio cidadão francês há 200 anos, Montesquieu, a separação, a repartição dos Poderes, que na verdade não são mais Poderes, são deveres, porque a gente só tem essas características para poder melhor servir a sociedade, então, é dever e não Poder, mas a separação nos permite evitar absolutismos. Já migramos há muito tempo para uma democracia que nos faz ver que cada um com a sua função típica colabora, constrói para que a gente chegue ao fim único que é servir, atender a sociedade. Então, a Polícia Federal investiga, o Ministério Público participa, acompanhando a investigação da Polícia Federal e acusa, a defesa defende o cidadão, o juiz julga, os demais órgãos como Receita Federal atuam na sua fiscalização tributária, e, com tudo isso, todo esse conjunto, servimos melhor o cidadão no combate ao crime organizado.
Quero dizer que a Polícia Federal já vem há muito tempo tendo reconhecimento, ela tem um nível de excelência reconhecido mundialmente no combate à macrocriminalidade, que é a nossa especialidade técnica. Há décadas, a Polícia Federal já vem atuando dessa forma, no combate à macrocriminalidade, ao crime grande. A microcriminalidade - aqueles inquéritos ali que visam apurar fatos pontuais - não vem sendo algo em que a Polícia Federal se debruça, a Polícia Federal envida mais esforços neste combate, no combate com descapitalização, por isso, a nossa excelência, o reconhecimento de outras polícias internacionais.
A Polícia Federal é referência no mundo como uma das melhores polícias, então, o povo brasileiro pode se orgulhar da polícia que tem, porque a gente dá exemplo, a gente troca conhecimentos com as melhores polícias do mundo. A gente, lógico, pode se abeberar ali de bons exemplos, de boas práticas, mas muitos países também tomam as nossas boas práticas para implementar na sua sistemática de atuação contra o crime organizado nos seus respectivos países, para dizer que a gente não precisa ter esse espírito de cão vira-lata, de achar que os outros são melhores do que a gente, porque a gente também é referência em todas as nossas áreas de atuação, não só na polícia, mas também nos demais órgãos que atuam, Ministério Público, Justiça, Receita Federal. Todos nós temos excelentes exemplos de atuação.
Só que, para chegar e esse modelo, a esse modo, a essa referência, a gente precisa muito de investimento, porque o crime organizado também investe em si próprio. Eles dispõem, hoje, de alta tecnologia para o cometimento de crimes. O Dr. Saadi falou sobre o uso de criptoativos para lavagem de dinheiro. E, para a gente combater, efetivamente, esse tipo de crime, é necessário estruturar, aparelhar também os nossos órgãos de combate.
R
E, com certeza, isso não se faz, e é um retrocesso tirar qualquer centavo de investimento da Polícia Federal, porque, se acontecer esse tipo de retrocesso, esse recuo, o crime organizado vai continuar evoluindo com os seus investimentos e a Polícia Federal vai acabar sendo sucateada. Isso não pode acontecer. Isso é um passo atrás que vai colocar em risco e não vai permitir que a gente consiga alcançar o nosso escopo principal, que é aumentar, efetivar, ter maior eficácia no combate à criminalidade organizada.
Então, não se pode pensar, quando a gente fala em implementar melhorias de combate ao crime organizado, em retirar recursos da Polícia Federal. Isso é inviável. Um sucateamento de uma polícia que é referência, com a falta de aparelhamento devido, acaba trazendo, na verdade, um retrocesso que o crime organizado vai acabar até agradecendo.
Quando a gente fala, inclusive, de criar outras polícias, a Polícia Federal tem especialidade, por exemplo, no combate à criminalidade nas fronteiras; a gente atua nos rios, a gente tem os nossos NEPOMs, a gente atua, por exemplo, lá na fronteira com o Paraguai. A Polícia Federal tem uma expertise, já conhece aquela atuação, aquela forma. Eu mesmo, Senador, fiquei nove anos no Norte, morei nove anos em Rondônia, isso fez parte da minha formação, da minha carreira, e isso daí faz com que o investimento na Polícia Federal, por exemplo, para aumentar a repressão à criminalidade na fronteira, com compra de equipamentos, sejam embarcações, sejam aeronaves, permita que a gente tenha maior efetividade no controle das fronteiras, na atuação, impedindo a entrada de drogas.
Talvez a criação - e eu respeito, aqui, a posição do Senador Omar - de uma polícia hidroviária vá começar do zero, e a Polícia Federal já tem muito conhecimento a respeito disso daí. Por que não investir numa polícia que já existe, em vez de criar uma nova polícia?
Quero dizer aqui para que as leis permitam maior dinamismo no combate ao crime organizado, é muito importante criar maior celeridade. Eu cito, aqui, como exemplo, o prazo da interceptação telefônica, Senador Alessandro Vieira. O prazo da interceptação telefônica é uma legislação que regula da época em que o crime utilizava o telefone fixo, em que você pedia uma linha telefônica e aquela linha era fornecida com atraso de, sei lá, dois, três meses. Você pagava R$2, R$3 mil para ter uma linha telefônica, entrava em lista de espera. Por isso, 15 dias, naquela época, eram bem interessantes: você pedia uma interceptação, e ela só tinha validade de 15 dias, porque não era dinâmica, era estática. O criminoso tinha que usar aquele telefone fixo e não tinha oportunidade de jogar fora um aparelho, comprar outro, trocar de chip.
Hoje, a realidade é outra, hoje a interceptação telefônica necessita de um dinamismo maior, e a gente já saiu, há muito tempo, ali, da época do absolutismo. Hoje a gente já teve uma evolução democrática de entender que cada autoridade tem a sua responsabilidade e que atua de acordo com as leis, sem cometer abusos. Essa é a lógica. A presunção da legitimidade da atuação estatal tem que ser a lógica. A gente não pode colocar maiores restrições na atuação de uma polícia, que tem que combater o crime, que é dinâmico, de uma forma estática. Dependendo de diversas representações, isso acaba entupindo o Judiciário com necessidade de reapreciação...
R
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE LUIZ ROLLO ALVES - ... o tempo todo, de medidas que são pedidas, que, com um simples acompanhamento, já permitiria maior evolução.
Outro exemplo é tratar o inquérito policial com prazo de dez dias se o indiciado estiver preso e, com 30 dias, se estiver solto. Esse prazo se aplica àquele crime simples com o qual, antigamente, a polícia mais se deparava. Hoje, com a complexidade, quebras de sigilo bancário, telemático, fiscal, você nunca vai conseguir nem receber esses dados para tratar em menos de 30 dias. Então, por que manter esse tipo de prazo? É lógico também que a gente não pode se deparar com uma eternidade. A Polícia Federal vem atuando, através da sua Corregedoria-Geral, com a redução do prazo do inquérito. A gente tem uma redução muito grande ali. Hoje, os inquéritos não duram mais do que 420 dias em média, somando todos os inquéritos. E a gente vem trabalhando para diminuir cada vez mais o prazo, mas a gente sabe que as investigações complexas - e aí estão as investigações que visam o combate à criminalidade organizada - duram muito mais do que o prazo razoável de 300 dias da média dos inquéritos do Brasil, porque você precisa implementar medidas muito mais complexas, você precisa identificar o patrimônio que está sendo incorporado na organização criminosa. Para tudo isso, a gente precisa se debruçar um pouco mais, imergir e buscar mais informações para trazer maior efetividade no estancamento da atuação criminosa contra a sociedade brasileira. Por isso, a gente não pode trabalhar com prazos reduzidíssimos. Tem que ter limite de prazo, sim, mas trabalhar com prazo de 30 dias, hoje em dia, para combater o crime organizado, é um absurdo. Isso daí realmente, há muito tempo, era lógico, mas, hoje, já não. A gente precisa realmente evoluir e adaptar a nossa legislação, o nosso direito àquilo com o qual, hoje, a gente se depara no dia a dia, na realidade. Assim, a gente consegue maior efetividade.
Existe uma previsão com relação à cooperação policial internacional, em que a Polícia Federal defende a necessidade de ter um ponto focal, de ter uma autoridade representativa do Brasil perante as demais autoridades internacionais. No caso, a gente defende que seja a Interpol. Isso daí não é por uma vaidade da Polícia Federal, mas, sim, pela necessidade, porque os outros países, às vezes, não entendem a metodologia, a forma, eles não sabem com quem se comunicar internacionalmente entre os países, se você não tiver uma autoridade local. Todos os países possuem. A Polícia Federal, já há décadas, é quem representa as autoridades policiais no cenário internacional. Não é à toa - e isto é uma referência à nossa atuação no cenário internacional - que, pela primeira vez na história da Interpol, que já abrange mais de 180 países, foi nomeado um Secretário-Geral da Interpol brasileiro, quiçá o primeiro representante do Sul Global do mundo na Interpol, que é o Delegado Urquiza, que vem desempenhando excelente papel.
R
No mais - eu não quero me estender -, a gente precisa, sim, ter uma maior eficácia na perda dos bens. Não adianta a gente apreender carros de luxo e deixar os carros parados no pátio. Isso aí causa um prejuízo para o combate ao crime e causa um prejuízo para a recuperação patrimonial. Você deixar um carro, você deixar um dinheiro parado numa conta judicial, quando a gente tem os fundos, Senador, que já existem, que trazem rentabilidade, que trazem investimento. Daqui a 15 anos, se esse dinheiro estiver depositado no fundo, e a pessoa for absolvida, por não terem sido produzidas as provas que trouxessem a condenação, em que ficasse demonstrado que essa pessoa não cometeu nenhum crime, ela vai receber o seu dinheiro de volta. Agora, ele pode receber um carro que ficou parado 15 anos ali, no pátio de uma delegacia, que não vai mais rodar de jeito nenhum. Ele vai ter um prejuízo patrimonial.
Então, a aplicação, com alienação rápida dos bens apreendidos e o depósito do dinheiro à liquidez num fundo, como os que existem já o Funapol, o Funad e, agora - o Senador, muito bem, fez uma proposta de criação de um novo fundo -, o Funcoc, de combate às organizações criminosas, vai trazer maior liquidez não só para recuperação patrimonial como também, nos casos de absolvição, para a devolução do valor sem perdas para a pessoa que não cometeu o crime, mas porventura teve ali um bem apreendido até conseguir explicar a razão pela qual adquiriu aquele patrimônio de forma lícita.
Quero lembrar que o dinheiro que cai no fundo, que serve para o aparelhamento da Polícia Federal - e das demais polícias, nos fundos estaduais -, não é uma perda. Toda polícia é superavitária; a polícia não só traz dinheiro para o Governo, para a União, para a sociedade, através de recuperação patrimonial, porque, também, a gente evita muito dano, a gente evita muito prejuízo. Todo ano a Polícia Federal recupera bilhões de reais; no entanto, evita bilhões de reais de danos aos cofres públicos. Então, toda polícia é superavitária. Quanto mais a gente investe na polícia, mais a gente tem retorno para o país, a gente tem retorno para os estados. Só não vai ter retorno, é lógico, para o crime organizado, que vai perder o dinheiro, vai perder toda a estrutura, e, com isso, perde o poder e acaba não conseguindo mais atuar.
Com isso, eu agradeço o espaço.
Desculpem-me até, por ter me estendido um pouco no tempo, mas, como disseram aqui os colegas que falaram anteriormente, é um debate muito importante, um texto extenso e necessário. E a Polícia Federal se mantém à disposição para poder ajudar a participar dessa construção com a expertise, com a vivência que tem e com toda a disponibilidade de poder ajudar a sociedade brasileira.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador Alessandro.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - Obrigado, Presidente.
Dr. Alexandre, é apenas para deixar registrado porque, ao longo do processo de tramitação desse projeto, se discutiu se seria necessário algum tipo de grande alteração legislativa para viabilizar a colaboração de outros países, a cooperação internacional. É apenas para que o senhor confirme que isso não é necessário, porque, de fato, essa cooperação já acontece reiteradamente.
E, também, para que o senhor mostre seu posicionamento ou aponte, mesmo que de forma incipiente, sua posição com relação a uma inclusão que faremos no relatório, que é de regulamentação de ferramentas de intrusão em análise de dados - é fundamental. Infelizmente a legislação não acompanhou a dinâmica da tecnologia, e o fato é que nós temos hoje, em uso, na segurança pública, pelo país afora, ferramentas de intrusão sem a devida legislação que dê amparo depois para o uso desse dado como prova.
R
Então, são esses dois pontos: cooperação internacional e ferramentas de intrusão e análise.
O SR. ALEXANDRE LUIZ ROLLO ALVES (Para expor.) - Bom, os dois assuntos são extremamente importantes, com relação à atuação internacional.
Como eu disse, é importante ter uma referência, um ponto focal para dialogar com os demais países, e a Polícia Federal cumpre muito bem esse papel. Não é à toa que hoje a autoridade maior da Interpol é um brasileiro, e a gente tem que se orgulhar disso daí. Não é da noite para o dia que se constrói isso daí; é através de uma atuação sedimentada, com reconhecimento de todos os outros mais de 180 países que também atuam nessa rede de troca de informações, porque o crime, há muito tempo, é globalizado, e a repressão também deve ser.
A gente não quer, de forma alguma, impedir que outras polícias consigam interagir com autoridades de outros países, mas a gente quer facilitar esse canal de comunicação, e através do ponto focal, porque, se você tiver diversas pessoas responsáveis... É como se fosse uma negociação de crise: se você tiver diversos interlocutores, você não vai conseguir gerenciar uma crise.
O canal precisa ser realmente unificado para uma padronização, para que as demais autoridades internacionais possam saber com quem se comunicar para conseguir resultados aqui, no Brasil. Da mesma forma, o Brasil para fora do país, senão cada um vai criar a sua própria forma de se comunicar, e isso vai trazer uma despadronização, uma desorganização, e os demais países vão querer se afastar da relação internacional com o Brasil.
Com relação a essas ferramentas, é lógico: toda ferramenta - a ferramenta de intrusão, de investigação mais intrusiva - precisa ser regulamentada, mas lembro que, a partir do momento em que você traz uma regulamentação bem clara, as autoridades vão exercer os seus deveres - e não poderes - de atuação em prol da sociedade, com as suas responsabilidades.
Há muito já vem sedimentado, e a gente sabe que quem abusa da autoridade responde legalmente pelos seus abusos. Então, é lógico, a regulamentação é importante, mas também trazer uma liberdade, um dinamismo para a investigação é muito importante, porque o crime organizado é dinâmico, não é estático. Se você tiver muita burocracia para você conseguir combater o crime organizado, você vai sempre estar um passo atrás, e isso é muito prejudicial para a sociedade brasileira.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Agradeço a V. Exa. e passo a palavra ao Senador Sergio Moro para a sua intervenção.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Muito rapidamente aqui, primeiro eu quero cumprimentar todos os integrantes da mesa, e até pedir escusas ao Relator, porque não pude estar aqui antes por conta de outros compromissos.
Esse projeto é bastante importante. Elogio aqui a disposição para que nós possamos votá-lo e aprimorá-lo neste ano.
Aproveitando a presença do Delegado e a pergunta ali que foi feita, e as suas referências sobre a lei de interceptação telefônica... As pessoas hoje praticamente não utilizam mais tanto o telefone; utilizam mais esses mecanismos de mensageria, que geram uma série de dificuldades, principalmente pela utilização da criptografia.
R
No meu entendimento, a lei de interceptação telefônica pode ser utilizada para buscar, tentar fazer a interceptação também telemática desses aparelhos. Claro que, muitas vezes, existem óbices tecnológicos para tanto, mas se V. Sa. pudesse falar um pouquinho sobre isso, como isso está sendo tratado dentro da Polícia Federal, resguardado, evidentemente, o que pode ser dito e o que não pode ser dito.
E se entende como necessária uma atualização legislativa da 9.296, não tanto em relação ao prazo, embora eu até concorde com V. Sa., mas em relação à mudança da legislação para talvez ali regulamentar melhor ou deixar mais explícita essa possibilidade da interceptação telemática desses aparelhos, de realizar espelhamento, de realizar medidas dessa espécie; ou seja, nós precisamos mudar a Lei 9.296 para tanto? Parece-me que não, mas, talvez, seja até interessante fazê-lo para deixar explícita na legislação essa possibilidade, com mais clareza e com uma regulação mais detalhada.
Então, gostaria de ouvi-lo a esse respeito.
O SR. ALEXANDRE LUIZ ROLLO ALVES (Para expor.) - Obrigado pela pergunta, Senador Sergio Moro.
É lógico que, como eu disse, e citei o exemplo da lei de interceptação telefônica pelo prazo de 15 dias, assim como citei o prazo também do inquérito policial, para demonstrar que algumas leis que ainda vigem já não estão mais no mesmo compasso da dinâmica da atuação do crime organizado, o que acaba trazendo um certo prejuízo para a velocidade de atuação do sistema de justiça criminal como um todo, porque, quanto mais vezes eu tenho que visitar, por exemplo, a autoridade judiciária, quanto mais vezes eu tenho que provocar um parecer do Ministério Público para ter acesso a um dado que, digamos assim, está acobertado ali por um sigilo constitucional, eu tenho uma dificuldade de alcançar o crime da melhor forma.
É lógico que a legislação 9.296 é uma lei que atende às necessidades, não é à toa que a gente tem várias operações, e operações policiais exitosas, com grande recuperação patrimonial, com desmantelamento de organizações criminosas; no entanto, a gente precisa, lógico, trazer alguns ajustes, e esses ajustes se constroem no diálogo entre os atores do sistema de justiça criminal, como, por exemplo, a questão da preservação do armazenamento de dados, a regulação na velocidade do fornecimento das informações pelas operadoras e pelas fintechs.
Às vezes, num atraso, você tem que tomar até um cuidado. Por isso que eu digo que é necessário esse diálogo, se abeberar um pouco do conhecimento de quem está vivendo o dia a dia na ponta. A gente defende ali a aplicação de multas para operadoras que não atendam em tempo razoável a determinação judicial do fornecimento da disponibilização dos dados.
No entanto, é lógico que a gente não pode querer tratar essa aplicação da multa dentro do mesmo processo em que foi feita a representação, porque pode acontecer, no momento ali, quando a autoridade judiciária, quando o juiz consegue uma constrição do patrimônio, seja do dinheiro na conta, seja de um bem da operadora, eles podem contratar qualquer advogado. Eu digo qualquer advogado porque as operadoras, as grandes operadoras do Brasil têm serviços terceirizados de advocacia em alguns municípios, e esse advogado pode ter acesso a informações extremamente sigilosas de uma investigação, tudo por conta do interesse em tirar essa restrição da multa. Então, quem acaba vivenciando isso no dia a dia pode trazer esse conhecimento que permita que esse tipo de situação não ocorra em futuras investigações.
R
Então, é importante ter esse diálogo, essa troca de conhecimentos, para que a nossa legislação seja a legislação mais atual, mais efetiva, para que a gente possa realmente combater da forma como deve ser combatido o crime organizado, sem causar prejuízos, no decorrer da investigação, com a vulnerabilidade do sigilo, que é necessário para que a gente consiga ter sucesso no resultado do trabalho.
Só, Senadores, eu queria deixar, porque acho muito importante falar isto aqui: no trabalho da Polícia Federal, como um trabalho imparcial, eu costumo comparar a polícia com uma máquina do tempo, porque geralmente a atuação da polícia judiciária, como muito bem disse o Senador Omar, é a ultima ratio, o crime já aconteceu, todas as camadas não foram eficientes, e o crime ocorreu. E a nossa função é a função de bem servir o sistema de justiça criminal como um todo. Aí conta não só o magistrado que vai julgar, mas a acusação, que vai apresentar a denúncia, e a defesa, que vai fazer a defesa. Quanto mais próximo a gente chega da realidade de como os fatos ocorreram, e só se alcança de forma imparcial e com as melhores ferramentas de investigação possível a preservação de cadeia de custódia, quanto mais próximo a gente chega dessa realidade, maior vai ser a justiça aplicada, porque o sistema de justiça criminal vai poder se abeberar de como os fatos ocorreram, ou mais próximo de como os fatos realmente ocorreram, para poder analisar e aplicar a lei ao caso concreto.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador Sergio Moro, satisfeito com a resposta?
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Sim, só mais uma questão aqui, que acho pertinente colocar porque, em outros países, se utiliza com muita intensidade aquelas undercover operations, no caso dos Estados Unidos, operação disfarçada, infiltração de agentes. Aqui, no Brasil, é muito raro; um ou outro caso porventura ocorre.
O que está faltando nesse caso? Legislação ou desenvolver essa prática, essa tradição?
O SR. HAMILTON MOURÃO (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - RS. Fora do microfone.) - É uma operação de alta complexidade.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Exatamente, a gente sabe que é de alta complexidade.
Agora, também tem uma situação que para mim é muito clara, em que, às vezes, falta um pouco de tradição, porque mesmo lá nos Estados Unidos, onde eles utilizam, eles fazem o que eles chamam de infiltração profunda, infiltração média e uma interação momentânea do agente policial disfarçado com um criminoso, até na compra de drogas na rua. Aqui não se faz isso.
No entanto, lá em 2019, até nós mudamos a legislação, Senador Mourão, para prever que a venda de droga a um policial disfarçado não era crime impossível. Para fugir de uma jurisprudência, a meu ver, equivocada do Supremo Tribunal Federal, colocamos expressamente na lei que a um agente policial disfarçado, se o traficante vender a droga, ainda assim continua sendo crime; não seria crime impossível.
Mas ainda assim isso não se desenvolveu, e aqui na verdade não estou fazendo uma atribuição de culpa, evidentemente, à Polícia Federal, mas no fundo a gente está discutindo uma questão dos nossos métodos de investigação e por que a gente não pode enveredar mais para essa área específica, seja a Polícia Federal, sejam as polícias estaduais.
R
O SR. ALEXANDRE LUIZ ROLLO ALVES (Para expor.) - Mais uma vez, agradeço a pergunta, Senador Sergio Moro, e digo que a Polícia Federal tem, sim, essa preocupação. Nós encaminhamos ali, dentro das nossas propostas, para robustecer o projeto, algumas questões que envolvem infiltração policial, com regularização inclusive da criação de pessoas fictícias de uma forma mais adequada, para a gente conseguir preservar a atuação dos agentes de investigação. Dentro de uma estrutura criminosa, a gente precisa realmente ter algo muito mais sedimentado, para que traga uma segurança maior na atuação, e a gente se depara às vezes com algumas questões burocráticas que colocam, digamos assim, de uma forma muito vulnerável, o policial, dentro de uma situação ali de risco à integridade, não é? Então, é lógico que a gente tem sempre que medir a melhor ferramenta que a gente vai implementar, mas existe ali um compasso com o trabalho que vem sendo realizado aqui pelo Senado Federal, que nos permitiu um encaminhamento de proposta. E dentro das nossas propostas vêm alguns dispositivos voltados especificamente para infiltração policial.
Lembro que também a gente atua de forma cibernética nas infiltrações, numa atuação que a gente vem tendo muito destaque ali, principalmente na nossa Diretoria de Repressão a Crimes Cibernéticos, mas no combate ali à pornografia infantil, em que a gente tem atuação de policiais infiltrados ali e que trazem excelentes resultados. A gente teve investigações que trouxeram maiores frutos, em razão dessa técnica investigativa, que é a infiltração policial. É muito interessante e importante trabalhar no aprimoramento dessa ferramenta, que realmente pode, como em outros países, trazer um custo-benefício muito grande ali para as investigações.
Mas nós fizemos ali apontamentos, não é, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Agradeço a V. Sa.
Vou convidar, para ocupar lugar à mesa, o Coronel PM Renato dos Anjos Garnes.
Agradeço ao Dr. Tarcísio, ao Dr. Alexandre e também ao Dr. Bruno Dias Cândido.
Passo a palavra ao Dr. Thiago Frederico de Souza Costa, Secretário Executivo do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública.
V. Sa. tem a palavra.
O SR. THIAGO FREDERICO DE SOUZA COSTA (Para expor.) - Obrigado, Presidente.
Quero aqui, em nome do Consesp e do nosso Presidente, Dr. Sandro Avelar, agradecer o convite e agradecer aqui ao Senador Otto Alencar e ao Senador Alessandro Vieira, Relator da proposta.
Esse tipo de debate enriquece muito e aperfeiçoa as propostas legislativas, principalmente quando se fala de um tema tão sensível e tão caro à sociedade brasileira.
Enquanto Conselho Nacional dos Secretários de Segurança Pública, eu, que sou Delegado da Polícia Civil aqui do DF, tenho acompanhado os trabalhos do Consesp já pela quinta gestão, como Secretário Executivo. Então, eu tenho percebido muito as dores dos estados. Tal como aqui o nosso Coronel Renato, Presidente do CNCG, a gente pode trazer aqui um pouco da experiência e da realidade dos estados. E aqui, enquanto Senado Federal e representante dos estados, a gente pode compartilhar um pouco dessas dores.
R
Nessa experiência do Consesp, eu tenho reparado, já ao longo do tempo, as reclamações dos secretários de segurança pública, e elas batem em dois pontos muito importantes, que estão sendo tratados aqui hoje. A gente sabe que o projeto de combate ao crime organizado traz a questão da elevação de penas, que é um ponto importante, mas não está restrito a isso, ele traz uma série de aperfeiçoamentos necessários e importantes.
Então, foi louvável a iniciativa do Poder Executivo, neste momento, em tomar a iniciativa de apresentar essa proposta. Foi muito feliz também o trabalho realizado na Câmara dos Deputados, inclusive com o apoio do Conselho Nacional de Secretários ao trabalho do Relator, do então Secretário de Segurança Pública de São Paulo, o Deputado Derrite. Foi um trabalho que aperfeiçoou, trouxe experiências e sugestões dos próprios secretários de segurança pública, além de diversos outros atores, e aperfeiçoou dois aspectos que eu tenho dito, que tratam de pacto federativo. Embora a gente fale aqui, Senador, de combate ao crime organizado, a gente também trata de pacto federativo, que é o pano de fundo dessa conversa. O Consesp tem feito muitos trabalhos envolvendo a questão.
E, quando a gente fala de pacto federativo, dois pontos vêm à baila: a questão de divisão de competências e financiamento. Então, a fala de vários atores, que me precederam aqui, abordou essa questão da destinação de bens, a questão de um suposto enfraquecimento da Polícia Federal. E eu gostaria de trazer aqui uma abordagem rápida - o nosso tempo é muito curto - sobre esses dois aspectos: financiamento e repartição de bens, e a questão da cooperação entre os órgãos estatais.
Dentro do Consesp, aprovamos recentemente, em julho, num encontro aqui em Brasília, um pacote de anteprojetos legislativos. O Consesp, sempre se colocando ao diálogo, em parceria com o Ministério da Justiça, sempre buscou participar ativamente, de uma forma proativa. Então, isso passou pela PEC da segurança pública. A partir do momento em que os secretários tomaram conhecimento do texto, eles fizeram uma análise detalhada e apresentaram um texto alternativo ao próprio Ministério da Justiça. Para que o senhor tenha uma noção, Senador Alessandro, essa proposta alternativa do Consesp teve aprovação unânime de todos os secretários e foi submetida ao foro de Governadores inclusive, onde teve a aprovação de 26 Governadores. Então, a gente está falando aqui de uma proposta que está acima de questões ideológicas ou partidárias. A gente está tratando de um tema de forma técnica, dentro de um conselho técnico, que envolve profissionais da área de segurança pública. E não foi diferente com relação a propostas que tratam de combate ao crime organizado.
Então, em julho, o Consesp apresentou um pacote de nove anteprojetos de lei. Nós encaminhamos essas propostas ao Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e ele prontamente distribuiu essas propostas, e oito projetos já foram apresentados. Desses oito projetos apresentados, quatro já foram aprovados na Câmara, em tempo recorde, e já estão aqui no Senado. Para um deles eu chamo a atenção, que é justamente o que trata da questão da cooperação entre as agências.
Muito se fala, quando se fala de inteligência e compartilhamento de informações, que a gente precisa de cooperação, integração. E um dos projetos vem muito ao encontro do que disse o Presidente do Coaf, o Dr. Saadi, que é a necessidade de fortalecer os órgãos de controle administrativo. Eu percebo que, dentro do PL 5.582, se teve essa preocupação em ressalvar a atuação da Receita Federal e dos demais órgãos de controle, só que o que falta - e aí eu quero complementar aquilo que o Dr. Saadi disse - é que tem que ser uma via de mão dupla.
R
Eu acho que o Coaf tem que ser fortalecido, mas a gente tem que também tratar do caminho inverso. A gente tem que buscar tratar isso no texto, a exemplo do que nós fizemos no Projeto 4.498, de 2025, que foi aprovado na Câmara e já está aqui no Senado, que trata exclusivamente dessa cooperação entre os órgãos de controle administrativo e os órgãos de persecução penal - Ministério Público e polícia judiciária. Então, a gente tem que ver esse caminho de mão dupla para que eles também tenham a obrigação legal de comunicar os órgãos de persecução penal na medida em que tomem conhecimento de fatos que possam caracterizar infração penal. Então, precisamos fortalecer os órgãos de controle - tribunais de contas, Coaf, Receita Federal -, mas também que eles tenham esse... Na linha do que trata o projeto do banco de dados de crime organizado, que o Coaf tenha acesso a ele, mas que o Coaf também alimente esse banco de dados. Então, nesse aspecto de cooperação, a gente tem que observar esse ponto, que eu acho muito importante.
E o ponto que eu acho o mais sensível, sempre tendo como pano de fundo a questão de pacto federativo - e a gente está aqui na Casa dos representantes dos estados - é: quem financia a segurança pública no Brasil? É a pergunta. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no 19º Anuário, o gasto com o eixo segurança pública foi na Casa de R$153 bilhões no Brasil: os estados participaram com R$118 bilhões, a União com R$21 bilhões, e os municípios, já próximos do nível de gasto federal, com R$13 bilhões. Essa é uma publicação oficial do Fórum Brasileiro. E aí a pergunta é: quem está combatendo de fato? Não é para criar uma cisão entre Polícia Federal, órgãos federais e estaduais, mas para atentar para uma justiça distributiva, porque quem carrega o ônus também tem que receber a receita do trabalho.
E aí eu quero citar o exemplo que foi tratado pelo Senador Omar Aziz, muito bem colocado - eu gostaria muito que ele estivesse aqui para ouvir. No Estado do Amazonas, no Estado da Bahia, de Sergipe ou aqui, no Direito Federal, onde eu atuo, qual é a realidade das polícias estaduais, da polícia civil e da polícia militar? É prender traficante. Essa droga está vindo de onde? Não está sendo produzida aqui na sua grande maioria. O tráfico de armas está vindo de onde? Então, os estados de fronteira, principalmente, carregam um grande encargo que é da União. As Forças Armadas têm a faculdade de poder atuar na Faixa de Fronteira, mas aí fica a critério dela. Então, a gente não tem uma determinação legal; a lei complementar faculta. A Polícia Federal tem a obrigação legal, só que a Polícia Federal... Não é o projeto de lei que vai desfalcar a Polícia Federal. Todos os recursos de perdimento e de bens apreendidos sempre foram para a União. Tem sido assim, e o crime organizado cresceu. Não é a proposta que busca fazer uma justiça distributiva desses recursos que vai afetar a Polícia Federal. A Polícia Federal é um órgão extremamente importante e precisa ser fortalecido, mas isso passa pela própria dedicação ou pelo próprio esforço do Governo Federal em investir em recursos da Polícia Federal. A Polícia Federal, se eu não estiver enganado - eu assisti a uma entrevista do Dr. Andrei recentemente -, tem 13 mil policiais, para um complexo de competências enorme, para dentro de um território gigantesco, continental.
Então, a gente precisa atentar para isso, por quê? As polícias estaduais de Mato Grosso, Paraná, Mato Grosso do Sul, por exemplo, estão ali com unidades específicas de atuação na Faixa de Fronteira, atuando em matérias que em tese não seria delas, por meio de um convênio com o Ministério da Justiça em que elas não recebem nada em troca. Então, você tem o custo operacional, logístico, policial, o custo de armazenamento da droga, o custo para destruição da droga. E para onde vai todo o recurso perdido no caso de drogas, Senador Otto? Vai tudo para a Senad, vai para o Governo Federal. No Código Penal, o perdimento de bens vai para onde? Vai para a União. Uma mudança legislativa para tentar corrigir...
R
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO FREDERICO DE SOUZA COSTA - ... isso aconteceu na Lei de Lavagem de Dinheiro, na medida em que ela passou a prever, de forma inovadora, o perdimento para os estados nos crimes em que a ação tivesse sido do estado.
Então, dentro do Consesp, o que se tem defendido - e existe uma proposta já nesse sentido, um projeto de lei - é que o ente federativo que atue na repressão tenha que ser o destinatário do produto daquilo que foi apreendido ou arrecadado. É justiça federativa e justiça distributiva.
Quando a gente ouve falar... O Dr. Marivaldo, do Ministério da Justiça, falou aqui: "A gente vai enfraquecer a Polícia Federal". Não está enfraquecendo a Polícia Federal, até porque isso vai para o caixa único da União, não vai direto para a Polícia Federal.
O que eu acredito que a gente pode aperfeiçoar no texto, Senador Alessandro, que é o Relator da proposta, e Senador Otto, Presidente da Comissão, é que eu acho que ele foi tímido, o projeto. Na verdade, a gente não tem que rever, a gente tem que ampliar, porque ele fez alterações no Código Penal e na lei de lavagem de capitais, faltou alterar a Lei de Drogas nesse aspecto.
Eu acho que o Dr. Marivaldo falou que está retirando dinheiro da Senad, mas não está. Na verdade, esse ponto não consta do projeto, e a gente gostaria que se fizesse constar e que a atuação da polícia estadual, polícia militar, polícia civil... Quando a apreensão da droga, dos bens, decorrerem de atuação do estado, esses recursos têm que se reverter ao estado. Aí a gente poderia pensar: "Não, é uma briga por recursos, vamos acabar com isso, vamos criar um fundão em que um percentual vá para os estados e um percentual para a União". Não resolve, sabe por quê? O controle desse fundo vai continuar com a União e, como acontece hoje com o Fundo Nacional de Segurança Pública, em que a parte da arrecadação das loterias tem que ser dividida para os estados, o Ministério da Justiça baixa uma portaria e estabelece uma série de condicionantes, e aí o estado fica travado.
A gente assistiu e tem assistido a um aperfeiçoamento muito importante na execução do fundo: o trabalho da Senasp, da Dra. Camila Pintarelli principalmente, que tem aumentado muito a eficácia da execução do fundo, mas a gente ainda, enquanto estado, fica condicionado a vontades do Governo do ente maior, do ente federal.
Para finalizar a minha fala porque já se esgotou o tempo e o tema é muito interessante, da parte de financiamento existe um projeto, também do Consesp, que está com a urgência aprovada na Câmara dos Deputados, que é a destinação de recursos das bets, que foi falada aqui pelo Senador, para a área de segurança pública. Se quem sofre as consequências danosas do vício no jogo... Quem sofre as consequências danosas é quem tem que receber o aporte do recurso para atuar no combate ao vício no jogo, ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, que está permeando ali aquela atividade.
Então, quero aqui neste tempo, já pedindo desculpa por extrapolar o prazo, dizer que as sugestões do Consesp, Senadores, vão ser encaminhadas formalmente e vão se resumir a três pontos, que é com relação a essa questão do financiamento, para que a gente possa ampliar também para a Lei de Drogas, e a questão da atuação cooperada. O art. 6º, §1º, fala que as forças-tarefa dependerão de termos de cooperação. A gente acredita que isso é desnecessário, porque a atuação entre as polícias judiciárias, polícia civil e Polícia Federal, ou entre Ministério Público, polícia civil e Polícia Federal, tem que independer de termos de cooperação.
R
E no art. 6º, §6º, a gente ficou com uma séria dúvida com relação ao alcance do dispositivo, que fala da aplicação das regras dos GAECOs às forças-tarefas, e não a aplicação das regras do inquérito...
(Soa a campainha.)
O SR. THIAGO FREDERICO DE SOUZA COSTA - ... à atuação do MP.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Esse ponto será suprimido.
O SR. THIAGO FREDERICO DE SOUZA COSTA - Isso é um agradecimento. Obrigado.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - Só sendo objetivo, esse último ponto, que faz a confusão entre as regras do PIC com regras de inquérito, vai ser suprimido no relatório. Parece-me que foi apenas uma falha de técnica legislativa.
No tocante a financiamento, a gente está encaminhando uma proposta de um novo fundo, alimentado com uma Cide criada sobre as bets, destinado, de forma taxativa, ao combate ao crime organizado, com gestão e recursos compartilhados entre estados e União. A gente vai fechar esse desenho ao longo do dia de hoje.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Determino à Mesa que possa agora atender os que estão no sistema remoto, a começar pelo Dr. Alexandre Camanho de Assis, Subprocurador-Geral da República.
Dr. Alexandre, com a palavra.
O SR. ALEXANDRE CAMANHO DE ASSIS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos. Estimado Presidente, estimados Senadores, senhoras e senhores, eu agradeço muito a gentileza de me fazer ouvir.
S. Exa. o Procurador-Geral da República pediu que eu dissesse alguma coisa em nome do Ministério Público Federal. E é evidente que eu quereria começar dizendo que, se é dado ao Ministério Público, como fiscal da lei, dizer alguma coisa sobre uma lei ainda na sua gênese, eu quereria começar louvando a iniciativa, porque evidentemente preenche uma lacuna e vem ao encontro de um reclamo urgente da sociedade, motivo por que eu quereria começar agradecendo e parabenizando o Congresso Nacional por essa iniciativa.
Eu fui chamado pelo Procurador-Geral da República para fazer uma leitura do projeto de lei à duodécima hora, de forma que eu até quereria me desculpar se alguma ponderação minha parecer, a esta altura, com as alterações de última hora, anacrônica.
Eu quero justamente começar falando do art. 6º, que me pareceu central. Evidentemente há uma ideia muito boa de recrudescimento de penas, e isso evidentemente sempre é meritório. Mas me parece muito importante que tenha havido essa preocupação com como nós podermos ter uma atuação integrada. Parecerá intuitivo a todos que o crime organizado, a criminalidade violenta não conhece limitações topográficas e o Estado de direito está sempre adstrito às atribuições de cada um e às suas fronteiras, às suas divisas. Na hora em que é permitido aos órgãos de repressão, de prevenção à criminalidade e de inteligência ter uma atuação integrada, isso representa, constitui, a meu juízo, provavelmente o maior mérito do projeto de lei.
Eu tenho algumas ponderações, algumas anotações que eu quereria partilhar. Eu li que, em alguns trechos, se ainda não foi retirado, há uma exclusão do auxílio-reclusão. Isso preocupou-me, na medida em que é possível que quem esteja sendo prejudicado com a retirada do auxílio-reclusão seja justamente alguém que mais precise disso e que, num âmbito de dependência ainda maior, acabe atendendo uma vocação da criminalidade, de forma que gostaria que houvesse essa ponderação acerca da retirada do auxílio-reclusão.
R
Também me pareceu, se não foi retirada... É sobre a questão do deslocamento da competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos - praticados, eventualmente, por agentes da criminalidade violenta - para um outro foro. Essa é uma demarcação constitucional que me parece difícil de ser superada. Certamente haverá problemas, problemas esses que serão invocados inclusive na tribuna da defesa quando esses feitos deixarem de ser julgados pelo Tribunal de Júri e passarem para um foro distinto daquele que foi constitucionalmente delimitado.
Há um parágrafo que fala da prisão preventiva, dizendo que o cometimento de determinados atos previstos no projeto de lei acarreta, ipso facto, a possibilidade de prisão preventiva. Isso redundaria na ideia de uma prisão preventiva ex lege, e a jurisprudência é muito consolidada no sentido de nunca ter autorizado o uso automático da prisão preventiva na hipótese do acontecimento ou da satisfação apenas de um requisito legal. A prisão preventiva, ordinariamente, precisa ser fundamentada, e a invocação da regra legal, certamente, vai parecer insuficiente em determinado habeas corpus, na decretação da prisão preventiva.
Temos ainda algumas ponderações que foram feitas já, pela Associação Nacional dos Procuradores da República, e que eu também gostaria de secundar aqui. Parece-me importante que haja inclusão de crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro que favoreçam facções criminosas. Nós sabemos que a criminalidade violenta se serve de servidores corruptos e se serve do estratagema da lavagem de dinheiro, de forma que acrescentar crimes no rol daquilo que já foi colocado vai propiciar maior eficiência em relação a isso.
Não sei se está previsto, mas os Procuradores da República também sugeriram que a lei acolhesse a possibilidade de uso de software de intrusão em investigações e processos por crimes praticados por facções criminosas. Tão importante quanto isso, estimados Senadores, é também a possibilidade de espelhamento imediato dos aplicativos de mensagem mediante infiltração digital. Em uma investigação que está tendo curso, se isso se faz presente, se esse estratagema, se esse utensílio se torna possível por autorização legal, devidamente - evidentemente, com autorização judicia e isso redunda, evidentemente, em prejuízo para a investigação.
R
O que penso também que já foi proposto ou sugerido pelos Procuradores da República é que se pondere a ideia de se fazer bloqueio administrativo emergencial de ativos financeiros. Não há dúvida de que esses bloqueios de ativos financeiros precisam ter a chancela judicial, mas se a autoridade administrativa pudesse imediatamente promover esses bloqueios, nós evitaríamos, evidentemente, a dissipação do patrimônio havido ilicitamente com a consequente análise judicial e sua eventual chancela. Com o que se parecer, ao fim e ao cabo, legítimo à autoridade judicial, daquilo que fez, em primeira mão, a autoridade administrativa, o juiz chancela esse bloqueio. Se lhe parecer que não, ato contínuo, o juiz libera esse patrimônio. Isso também me pareceu importante.
Estou secundando isso tanto quanto - e aqui eu encerro - a necessidade de fazermos uma revisão acerca da eficácia do quanto diz o colaborador premiado. Há uma jurisprudência no sentido de que o que diz o colaborador premiado não deve ser automaticamente visto como verdadeiro. Isso é intuitivamente válido. Entretanto, se a palavra do colaborador premiado depender, para a sua corroboração, de uma atitude posterior de verificação e essa atitude posterior de verificação consuma-se diferida no tempo, nós estaríamos perdendo uma informação valiosa.
De forma que a questão do que diz o colaborador premiado em relação a determinadas informações, que tenha um proveito cautelar probatório ou patrimonial, poderia ser válida e, evidentemente, é importante ser chancelada, também, pelo Poder Judiciário.
Sr. Presidente, são as ponderações que eu gostaria de fazer em nome do Ministério Público Federal.
Eu sei que os Procuradores da República vêm mantendo um proveitoso diálogo com S. Exa. Eu gostaria de me colocar à disposição do Senado e do Relator.
Momentaneamente, sou o Coordenador da Câmara Anticorrupção do Ministério Público Federal e, se parecer conveniente ou útil para o Senado Federal e para o Relator, para a Presidência, eu me coloco à disposição, evidentemente a rogo de S. Exa. o Procurador-Geral da República.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Agradeço ao Dr. Alexandre Assis, que representou agora o Procurador-Geral da República, Dr. Paulo Gonet.
Passo a palavra ao Coronel PM Renato Garnes, pelo tempo de dez minutos. Em seguida, nós vamos para o remoto com o Dr. Glaucio Roberto Araújo, Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
R
O SR. RENATO DOS ANJOS GARNES (Para expor.) - Obrigado pelo convite, pela oportunidade.
Quero cumprimentar aqui o Senador Otto Alencar, o Senador Alessandro, o nosso Senador General Mourão, cumprimentar todos os que estão presentes nesta audiência, bem como os que estão nos acompanhando.
Como Presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais, estamos aqui neste momento para contribuir com essa luta, essa gloriosa luta contra o crime organizado, com iniciativas desta Casa, da Câmara Federal, dos nossos governantes, enfim, de todos, em prol de, realmente, fortalecer a segurança pública e a gente, de fato, erradicar o crime organizado no nosso Brasil.
Nós estamos atentos ao tema e quero só corroborar o papel das polícias militares no combate ao crime organizado. Aqui nós não estamos falando da importância, se uma instituição é mais importante que a outra. Todas têm seu papel constitucional, sua atribuição, sua competência institucional.
Eu ouvi várias falas aqui e todas as falas convergem num só tema, que é o investimento, porque, sem o investimento, nós não vamos avançar nem nos estados nem em nível federal. E, realmente, o investimento é o que aflige todas as instituições e as forças de segurança pública no nosso país.
A gente vê a iniciativa do Governo Federal, tentando fazer a distribuição da melhor forma possível, tentando ser o mais justo possível para que possa atender não só aos estados, mas também às instituições do Governo Federal. É nesse sentido que nós temos que caminhar.
Falando em polícias militares do Brasil, na nossa contribuição, um dos temas aqui é a tipificação do domínio social, o favorecimento do domínio social. A Polícia Militar tem um papel crucial nesse trabalho, porque é com a ostensividade, policiamento ostensivo, que a gente evita que esse território seja dominado. Então, quando se fala em investimento, vamos pensar, inicialmente, lá na ponta, nos nossos operadores de segurança pública, que precisam de investimento para manter o território sob domínio do Estado, porque, quando se perde a mão, quando se perde a manutenção, quando o Estado não consegue fazer a prevenção, existe só um método de agir, que é a restauração da ordem pública.
Este é o papel constitucional também das polícias militares: restaurar a ordem pública, e, para isso, faz-se uma ação enérgica, como vimos, recentemente, no Estado do Rio de Janeiro, porque não existe outra forma de dominar o território novamente se a gente não usar todos os meios que nós temos da força do Estado para que isso ocorra dentro do que rege a legislação do nosso Brasil.
Eu quero fortalecer aqui a fala do nosso Delegado Thiago, que representou a Consesp. Qual é o papel também dos estados no combate ao crime organizado? Falou-se muito aqui de fronteira. Os nossos estados estão investindo maciçamente nesse combate do tráfico na região de fronteira.
R
Vou falar aqui, rapidamente, do Mato Grosso do Sul. Nos 1.614km de fronteira, desde a década de 80, nós temos um departamento ostensivo de fronteira exclusivo para combater o tráfico de drogas na fronteira. Eu acho que isto é o que tem que ser fomentado nos estados: utilizar a expertise e o conhecimento das forças estaduais, das polícias militares no terreno e fortalecer e investir nos estados também para que eles criem os seus batalhões de fronteira, os seus departamentos ostensivos de fronteira. Nós estamos contribuindo, mas só que nós estamos ficando somente com o ônus.
Mato Grosso do Sul, se a gente observar, é o estado que tem a maior, em termos de 100 mil habitantes, renda per capita de presos oriundos de outros estados; enquanto se fala em 300 presos por 100 mil habitantes para cada estado, nós estamos com 700. Nós estamos ficando só com o ônus, mas e o bônus? O que o Governo Federal está investindo nos estados no tocante a isso?
Nós estamos trabalhando, nós estamos prendendo, nós estamos encaminhando e, quando se fala naquele momento de a gente ter nos estados um pouquinho desse recurso, que é no combate ao tráfico de drogas, nós criamos celeumas com outras forças. Eu acho que tem que ser justo: aquele que prende não tem que ter só um ônus no seu estado, mas sim um bônus, que é o objetivo maior.
O que nós estamos querendo é que os senhores, que são legisladores, sejam justos, mas nós temos que fortalecer todas as instituições. Foi muito bem dito aqui pelo Thiago sobre as bets. Vamos tentar captar recursos para a segurança pública, vamos, realmente, de fato, pensar em criar um Ministério da Segurança Pública. Acho que já passou da hora. Qual é o tema do nosso Brasil hoje? Todo mundo está falando de segurança pública, mas nós não temos um ministério específico para isso.
Então, nós temos que pensar diferente, mas nós temos que manter a integração. Nós temos as FICCOs, que estão funcionando muito bem nos nossos estados, essa integração entre os órgãos de segurança pública no combate ao tráfico de drogas; nós temos os GAECOs no nosso estado, que fazem um trabalho de excelência, com parceria com as forças de segurança e, principalmente, aqui eu falo pelo meu estado, com a polícia militar no combate ao crime organizado. Então, nós temos que fortalecer as instituições que já existem na nossa Constituição Federal.
O que falta - e eu volto a dizer aqui - é investimento, porque vontade de combater o crime organizado não falta, mas nós não podemos também ter instrumentos que possam impedir a ação dos operadores de segurança pública, como ocorreu no Rio de Janeiro, na ADPF 635, e impedir que o estado mantenha a ordem em determinado território. Isso é a falência do estado, é a falência da segurança pública. Então, nós temos que nos preocupar com isto também, que um poder não possa inferir na atribuição do outro poder. E, para isso, Srs. Senadores, nós precisamos dos senhores, para que, realmente, canalizem e fortaleçam as nossas forças de segurança pública, quer seja federal, estadual ou municipal. Acho que o objetivo maior aqui é a gente combater o crime organizado.
R
Essa é a minha contribuição, estou à disposição.
As polícias militares, com mais de 400 mil policiais militares em todos os rincões do estado, estão em todos os 5.571 municípios, porque, esses dias, mais um município foi criado. Nós estamos em todos realmente buscando manter a ordem pública, manter a preservação da ordem pública, contribuindo para esse nosso Brasil que é muito rico e maravilhoso.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Senador Alessandro Vieira.
O SR. ALESSANDRO VIEIRA (Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Como Relator.) - Obrigado, Presidente.
Coronel Renato, parabéns pelo trabalho. Que o senhor possa me apontar é como se dá a atuação do Batalhão de Fronteira, qual é a tecnologia embarcada que os nossos policiais têm para a atuação, e qual seria a demanda ideal para que a gente possa chegar ao enfrentamento verdadeiro do crime.
O SR. RENATO DOS ANJOS GARNES (Para expor.) - Em relação ao nosso Departamento Ostensivo de Fronteira, no nosso estado, são 100% policiais militares.
Nós temos a delegacia especializada também de fronteira, que são policiais civis, mas que operam de forma integrada tanto na investigação como no trabalho operacional no campo, nas nossas barreiras. Nós temos essa força deste, eu posso dizer assim, batalhão, que são 100% policiais militares, mas que estão vinculados à nossa Secretaria de Segurança Pública. Nós estamos distribuídos em toda a fronteira e, quando se faz necessário, nas nossas hidrovias no Rio Paraguai e no Rio Paraná, mas nós precisamos fortalecer isso.
Eu vejo que o Governo Federal pode muito bem fomentar os estados para que eles criem os seus batalhões de operação de fronteira, no nível de estado, porque nós já temos essa expertise, desde a década de 80.
Só para os senhores terem conhecimento, em termos de números, as polícias militares apreendem anualmente a média de 1.102 toneladas, como foram os números do ano passado, 2024 - e não é diferente. Mato Grosso do Sul tem a média de 500, 600 toneladas/ano de drogas.
Aí eu deixo bem claro a seguinte situação. Não é só o Departamento Ostensivo de Fronteira, essa unidade especializada, mas todas as nossas unidades diárias, nossas unidades especializadas, rodoviária estadual, que tem uma apreensão semelhante ao Departamento Ostensivo de Fronteira, nossas unidades do Choque e do Bope, todas fazem essa cobertura: primeiro, a ação da unidade de fronteira, que são as unidades diárias, nossos grandes comandos; o DOF fazendo essa cobertura, que é o Departamento Ostensivo de Fronteira; e vem uma terceira frente, que são as nossas unidades especializadas, que fazem a frente nas rodovias. A nossa polícia ambiental, hoje, no nosso estado, é a única que faz, de fato, policiamento nas nossas hidrovias.
A PEC da segurança pública estava trazendo uma exclusividade para a polícia viária, e isso é muito preocupante. Não podemos ter exclusividade de ninguém para combater o crime. Nós temos que, sim, fortalecer para que todos possam agir dentro da sua competência.
E hoje, no estado, a polícia militar e a polícia civil estão fazendo esse papel de excelência no nosso Brasil, não só no Mato Grosso do Sul. A gente vê os números do Paraná, números de excelência também no combate ao tráfico, enfim; no Amazonas, há combate muito acirrado das polícias estaduais, das forças seguranças estaduais.
Eu digo que nós precisamos do quê? Realmente de investimento, fomento para que a gente possa fortalecer esse trabalho no combate ao crime organizado nas fronteiras.
Eu digo aqui, aproveitando o General Mourão, que, quanto às Forças Armadas, nós trabalhamos em operações em conjunto também, como a Operação Ágata, mas são pontuais. Nós precisamos fomentar mais isso, General. Lá nós operamos com as Forças Armadas, nossos policiais estão em conjunto com as Forças Armadas operando, mas em determinados períodos, e isso tem que ser fomentado cada vez mais.
R
E é um trabalho em conjunto, porque ninguém vai conseguir vencer o crime organizado sozinho. Nós temos que realmente unir, de fato, as nossas forças, cada um com sua competência, uma dando subsídio à outra, mas o principal: com investimento, porque sem investimento a gente não consegue tecnologia, que hoje nos auxilia muito nesse trabalho tão árduo que é o enfrentamento ao crime, bem como o cuidado com o ser humano que está atrás da farda, que está operando, que está colocando a sua vida em risco.
E, quando a gente vê uma iniciativa dessa - se me permite só mais um pouquinho - tipificando o crime de domínio social, a gente só tem que enaltecer e apoiar, porque o pior que eu posso dizer que tem para o nosso policial que está lá na ponta, para o operador de segurança pública, é quando ele coloca a sua vida em risco para efetuar a prisão do cidadão e, no outro dia, ele está na rua. Quando a gente pensa que ele vai ficar preso, está novamente na rua. É difícil, mas nós temos n exemplos, quando por 60, 70 vezes o cidadão foi preso e está solto. Imagine os crimes que ele cometeu e não foi preso!
Então, nós temos que mudar realmente, de fato...
(Soa a campainha.)
O SR. RENATO DOS ANJOS GARNES - ... para que o cidadão possa ficar preso, mas que ele também possa ter oportunidade de ser ressocializado, que ele volte, de fato, para a sociedade, para viver uma vida como cidadão comum e de bem.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Agradeço ao Coronel.
Pelo sistema remoto...
O SR. HAMILTON MOURÃO (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - RS. Fora do microfone.) - Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - O Senador Hamilton Mourão com a palavra.
O SR. HAMILTON MOURÃO (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - RS. Pela ordem.) - Presidente, só queria fazer um comentário sobre toda essa questão, uma vez que houve a citação do papel das Forças Armadas.
É importante destacar que a Força Armada que está com permanência na fronteira é o Exército, o que tem tropa no terreno. A Força Aérea atua aí dentro da questão da Lei do Abate, e a Marinha participa do patrulhamento dos rios ali na Amazônia - no caso ali da região de Mato Grosso, a Marinha tem uma base em Ladário para também o patrulhamento de rios.
O que ocorre - e aí tem que se compreender - é que é verdade o ponto que o Coronel tocou, e eu o considero também pertinente que deverá haver maior permanência desse tipo de operações. Agora, eu quero colocar aqui, para que conheçam a questão do problema, que o Exército tem que equilibrar as suas missões de defesa da pátria - ele não pode deixar de se preparar para a defesa da pátria, para aquilo que é um conflito, vou chamar assim, convencional - e, ao mesmo tempo, tem que participar desse tipo de operação, que são operações tipo de polícia, inseridas naquilo que se chama de garantia da lei e da ordem.
Um outro problema: o nosso Exército ainda é um Exército de conscrição. Todo ano o Exército incorpora 70 mil novos soldados. A imensa maioria desses dá baixa ao final do ano e alguns poucos permanecem, mesmo que, em áreas de fronteira, a gente procure ter efetivos de tropa profissional numa percentagem maior do que aquela tropa, vamos dizer assim, formada pelo que a gente chama de recruta. Então, é importante entender essas limitações, quando se coloca essa participação.
Mas eu volto a deixar claro: eu julgo que, no esforço que o Estado brasileiro tem que fazer, as Forças Armadas terão que dar uma contribuição maior do que tem dado hoje.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Obrigado, Senador Hamilton Mourão.
R
Pelo sistema remoto, nós vamos ouvir agora o Dr. Glaucio Roberto de Araújo, Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça.
Peço à Secretária da Mesa que o coloque para que ele possa expor as suas ideias.
O SR. GLAUCIO ROBERTO BRITTES DE ARAÚJO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. Me ouvem?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Estamos ouvindo bem.
O SR. GLAUCIO ROBERTO BRITTES DE ARAÚJO (Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Gostaria de cumprimentar os Senadores, as Senadoras e demais autoridades presentes, na pessoa do Presidente. Também agradeço a oportunidade ao Senador Alessandro de ouvir o Judiciário.
Eu vou ser muito breve, para fazer alguns apontamentos complementares a respeito do texto legal, que, de fato, causam alguma preocupação, inclusive imaginando algumas objeções de inconstitucionalidade, dificuldades exegéticas do texto, que podem comprometer o enfrentamento do crime organizado, sob a perspectiva de nós magistrados, do julgador, do aplicador da lei. Acho que é um momento adequado para alguns ajustes.
A par do mérito da iniciativa e do projeto, nós não pretendemos, em nenhum momento - na nossa nota técnica, está bem evidente isto -, fazer qualquer tipo de juízo de valor sobre o mérito do projeto, que é de competência exclusiva desta Casa, mas apontamos alguns problemas que podem ser superados agora com ajustes terminológicos e com algumas reflexões um pouquinho mais profundas sobre a repercussão dos dispositivos à luz dos princípios constitucionais.
Inicialmente, o conceito da organização criminosa qualificada - independentemente do nome que venha a ganhar, se facção, se ultraviolenta, enfim - poderia ser mais bem delineado porque permite um pouco uma confusão com a organização criminosa comum e até a associação criminosa. Por exemplo, o número mínimo de três para esse delito plurissubjetivo vai contra a harmonia do sistema no conceito de organização criminosa comum e pode levar a alguma confusão com a associação criminosa.
Também quanto à descrição de várias condutas como complementares a esse conceito de organização criminosa - diferentemente da Lei 12.850, que contém os núcleos de forma bem objetiva, bem clara, quais são as ações, as condutas incriminadas -, aqui a gente tem uma redação um pouquinho confusa, porque se fala em condutas tendentes a, dando uma noção de um crime de perigo, quando nos dispositivos seguintes há hipóteses de crime de resultado.
Nós temos também uma dificuldade, à luz do princípio da legalidade, da taxatividade, com a identificação de algumas condutas e da distinção em relação a outros crimes que já existem, o que pode gerar uma objeção de dupla punição, de ofensa ao non bis in idem. Por exemplo, na descrição de crime cometido contra a instituição financeira com uso de arma, a gente já tem isso no ordenamento. Então, eu acho que a definição mais clara de quais são as condutas que estão sendo incriminadas - até porque o preceito secundário é assaz rigoroso - é bem-vinda.
Há também um problema com relação à milícia. Nós temos a figura do art. 288-A, que já contempla a milícia. Em que medida essa milícia aqui é uma figura qualificada, diferente da outra?
R
Com relação à prisão preventiva automática, já houve essa ponderação, mas eu faço aqui coro, porque há uma preocupação à luz do princípio da presunção de inocência, da exigência de requisitos de cautelaridade para prisões provisórias e da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, há um risco de que esse dispositivo possa ser declarado inconstitucional: a prisão provisória, tão somente por conta da gravidade dos atos aqui descritos.
Outra questão que já foi tocada, mas acho que merece também atenção é a da previsão da exclusão de crimes dolosos nesse contexto do Tribunal do Júri, em razão da previsão constitucional dessa garantia.
Também gostaria de destacar um problema aqui que nos atinge, que é a criação de uma responsabilidade para o CNJ de fiscalizar bens e destinação dos bens declarados objeto de perdimento, porque há um sistema recursal para isso, há as próprias unidades judiciárias e os juízos para esse tipo de controle de decisão. Então, acho que se afigura um pouquinho fora da missão constitucional do CNJ.
Também quero destacar aqui uma preocupação com a incriminação de atos preparatórios, e isso, à luz do princípio da intervenção mínima do direito penal, da última haste do direito penal, pode ser também objeto de arguição de inconstitucionalidade, porque equipara o ato preparatório a um início de execução, e com uma causa de diminuição de pena diferente daquela regra geral do art. 14 do Código Penal.
Também há o problema da vedação dos benefícios da anistia, do indulto, da fiança e do livramento condicional na execução, em razão do princípio constitucional da individualização da pena. Então, acho que essa é uma questão que também merece uma reflexão, um debate mais profundo.
O fim do auxílio-reclusão, por conta do princípio da intranscendência da pena, da personalidade da pena, da proteção da família, crianças e adolescentes.
A questão da incriminação do apoio, de qualquer forma dessa incriminação da participação, inclusive de menor importância, numa norma própria, porque é até um pouco contraproducente, porque, se a gente tem o art. 29, a regra geral do Código Penal para poder alcançar qualquer tipo de contribuição para essa modalidade criminosa, na medida em que há especificação só de algumas condutas, se esvazia um pouco do alcance da norma geral e cria-se aqui um problema, que já foi mencionado, do risco de se criminalizar um apoio a um protesto por outras razões, que não relacionadas a crime organizado.
Também acho que é importante destacar a questão da audiência de custódia. Essa inversão da regra geral para o caso específico de crime organizado parece-me despicienda e pode gerar um problema de controle de convencionalidade, inclusive. E hoje nós, magistrados, sabemos que, na prática, a gente realiza - principalmente nessas situações de risco à integridade de autoridades, testemunhas -, em regra, as audiências de maneira virtual, por videoconferência. Então, havendo motivo, o juiz pode realizar, sem necessidade de se prever justamente uma regra que vai excluir a presencialidade.
Também na questão do cadastro público nacional eletrônico dos condenados, só a questão da publicidade e do prazo pode despertar algum tipo de preocupação perante o instituto de reabilitação, os fins da pena, mormente o de ressocialização, o direito a esquecimento e toda forma de etiquetamento de alguém que pode futuramente se desligar, não ter mais envolvimento, não ser mais membro de uma organização criminosa. Então, talvez aqui a gente precisaria de um abrandamento dessa regra ou de criar algumas condições.
R
Também há um problema no art. 9º, da expressão "sem autorização judicial expressa"; parece-me que ali haveria a possibilidade de um bloqueio administrativo de operações que violaria a reserva de jurisdição. Talvez um complemento para que isso fosse imediatamente submetido ao Judiciário para convalidação, porque há um risco, de fato, de se esvaziar a função jurisdicional nesse ponto.
No art. 10, há uma inovação muito salutar; embora em alguns lugares a gente, em varas de crime organizado, já SE tenha essa experiência das intervenções em pessoa jurídica, Essa expressão "beneficiada" pode excluir as pessoas jurídicas que são utilizadas na prática delitiva, em detrimento, em prejuízo do próprio patrimônio. Então, a expressão talvez pudesse ser substituída.
O perdimento de bens: Aqui a gente tem a possibilidade - um risco, no art. 17 - de perdimento em ofensa ao direito constitucional de propriedade de bens de quem foi absolvido, acobertado por uma excludente de ilicitude, por exemplo, uma legítima defesa. Também quem foi absolvido por insuficiência de provas. Então, na medida em que há uma restrição à absolvição por inexistência do fato, há um risco de perdimento de bens de forma ilícita, ilegítima. E também a possibilidade de inovação civil de perda de bens, mesmo quando ela já foi julgada improcedente no mérito, o que violaria a coisa julgada, a segurança jurídica. Então, acho que é uma questão que também merece a reflexão dos Srs. Senadores.
E, por fim, eu gostaria de destacar aqui que - eu acho que já se falou -, sobre a medida securatória não ser decretada de ofício à luz do princípio acusatório, também há um problema dos instrumentos: a necessidade de ressalvar o terceiro de boa-fé dos instrumentos, não apenas dos bens apreendidos, dos instrumentos delitivos.
Há uma questão de competência que eu acho que também merece atenção: no art. 18, quando se fala da legitimidade para a ação civil de perdimento de bens, se coloca a administração direta ou indireta, a União ou o Ministério Público, e isso pode gerar um conflito de competência. Certamente vai ser um problema na aplicação do diploma, assim como um prazo extenso de mais de 365 dias para a vigência de tutelas de urgência, o que poderia levar a algum tipo de leniência no ajuizamento das ações principais.
E, também, o percentual fixo de 10% do administrador dos bens, ou da pessoa jurídica, isso manieta um pouco o juiz. Então, eu acho que o trabalho do administrador deve ser avaliado, no caso concreto. Então, talvez, um percentual que tivesse um piso e um teto fosse interessante.
Por último, eu acho que isso é uma questão, claro, de discussão parlamentar e de decisão, mas no art. 41-A consta quem pode pedir o monitoramento das conversas, das entrevistas dos advogados, mas não se diz para quem - se esse pedido é feito ao juiz, se há reserva de jurisdição nessa questão ou se é ao diretor do estabelecimento. E quando se fala em penitenciárias, não se fala nos estabelecimentos penais estaduais. Então, isso poderia gerar por parte da defesa, por exemplo, uma objeção de que não há monitoramento quando o preso estiver em estabelecimento estadual.
Por fim, na questão das penitenciárias de segurança máxima federais, se essa regra automática - eu acho que é importante avaliar - não vai comprometer, justamente por questão de vaga, os fins do cumprimento da pena.
E acho que só mais uma questão, se houver tempo. Em alguns dispositivos da nossa legislação, foi previsto aumento de pena, em razão da condição de o agente ter relação com a organização criminosa ultraviolenta, mas há um risco de dupla punição: na medida em que o juiz reconhecer concurso material das infrações fins, da infração própria de organização criminosa e mais a causa de aumento de pertencer à organização criminosa, isso vai gerar, certamente, um problema na aplicação da lei, assim como a figura do tráfico armado, por exemplo, porque a gente já tem o tráfico mais o porte de arma e vai ter uma causa de aumento em razão do tráfico armado. Então, isso vai trazer um problema e aí, como todos sabem, claro, na aplicação da lei, a gente tendo dificuldade, isso gera um espaço para recurso, um espaço para comprometer a eficiência da prestação jurisdicional.
R
Desculpe por me alongar, me penitencio aqui se não fui muito claro, mas gostaria de trazer os apontamentos principais, complementares, diante de tudo que foi dito aqui hoje.
E, aqui no CNJ, o Presidente do Supremo e do CNJ têm como pauta prioritária essa discussão, essa questão. Estamos fazendo um diagnóstico interno para saber como o crime organizado está sendo... Como essa questão está sendo tratada pelo Judiciário internamente, os gargalos, as dificuldades, para a gente, num segundo momento, conseguir aperfeiçoar a prestação jurisdicional nessa área.
E coloco-me à disposição para qualquer tipo de contribuição.
Muito obrigado.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - BA) - Agradeço ao Dr. Glaucio Araújo, que é o Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, passo a palavra ao Dr. Bruno Candido e convido o Dr. Rogério Antônio Lucca, que é o Secretário-Executivo do Banco Central, para ocupar aqui a mesa. Logo depois nós vamos ouvi-lo e, na sequência, ouviremos também o Dr. Gabriel Sampaio, Diretor Adjunto da Conectas Direitos Humanos.
Foram vários que participaram. Aqueles que ficaram por último aqui não foi maldade minha não, porque estavam inscritos e fui chamando cada um deles.
Então, passo a palavra ao Dr. Bruno Candido.
O SR. BRUNO DIAS CANDIDO (Para expor.) - Boa tarde a todas e todos. Já estamos passando do meio-dia - não é, Senador Alessandro Vieira? -, o que demonstra o quão profícuos estão sendo os trabalhos nesta Casa.
Gostaria de cumprimentar todos os presentes, presencial e virtualmente, na pessoa do Presidente Otto Alencar, e cumprimentar de forma especial o Senador Alessandro Vieira pela condução dos trabalhos nesta Casa e pela forma democrática como vem conduzindo este projeto de lei sob a sua relatoria. Esta audiência pública é prova disso, ouvindo vários segmentos da sociedade para que possamos ter um projeto de lei que efetivamente atenda, com segurança jurídica, aos anseios da sociedade.
Gostaria, Presidente, Senador Alessandro Vieira, de agradecer, em nome do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, órgão a que tenho a honra de pertencer, e em nome do Presidente, que represento aqui hoje, André Garcia, o convite para que possamos participar deste importante debate em prol da sociedade.
Também quero dizer que somos, está na Lei de Execução Penal, no art. 61, inciso I, o primeiro órgão da execução penal. E, dentre as nossas atribuições, previstas no art. 64 da mesma lei, está traçar diretrizes para a política criminal e penitenciária. Portanto, é muito oportuna a nossa participação nesta audiência pública para tentar contribuir sobremaneira para os trabalhos.
Senador Alessandro Vieira, um ponto que percebi aqui... Ficar por último às vezes é bom, Presidente Otto, porque vamos aprendendo e já vamos analisando, de forma mais objetiva, os apontamentos que temos que fazer.
R
Uma questão que nós entendemos aqui - e que foi o uníssono e que é um ponto alto da lei, muito importante, que vai corroborar muito e que nós gostaríamos de ratificar - é o art. 6º, no ponto que traz a integração dos órgãos de investigação, dos órgãos de inteligência e persecução penal no combate ao crime e à organização criminosa. Tal instituto é imprescindível e se mostra necessário para que tenhamos um profícuo trabalho e para que o espírito da lei seja efetivamente alcançado na prática. Nós temos exemplos recentes de operações que foram feitas de forma integrada e que demonstraram êxito muito superior do que ações isoladas, data venia.
Então esse é um ponto muito importante e pode ser colocado com uma segurança jurídica muito tranquila. Por quê? Porque o Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema, trazendo a possibilidade de compartilhamento de dados sigilosos entre as instituições de investigação, obviamente dentro da razoabilidade, proporcionalidade, do sigilo e das garantias constitucionais. Tem uma ADI julgada pelo Supremo e uma ADPF nesse sentido. Então é uma evolução muito profícua, e, parece-me, é consenso essa integração e compartilhamento de dados.
Do ponto de vista do CNPCP, uma situação que nos traz uma preocupação no projeto de lei - que já foi dita aqui por alguns órgãos, inclusive pelo Ministério Público -, é a prisão preventiva automática. prevista no art. 2º, §9º. Por quê? Nós não estamos dizendo que não tem que haver a prisão preventiva. Ela, desde que necessária e fundamentada pela autoridade competente, que é o magistrado, tem que ser decretada, mas não de forma automática, porque a sua decretação de forma automática pode estar encarcerando alguém que não há necessidade de responder ao processo preso, violando o princípio da presunção de inocência, princípio constitucional, que pode ser, inclusive, objeto de fundamentação de inconstitucionalidade nesse sentido. E mais: aumenta a população prisional, o que pode, ao nosso juízo, ao invés de ajudar a fortalecer o combate ao crime organizado, sim, aumentar a população prisional, e até mesmo fortalecer as facções, porque esses membros vão estar lá a serviço dessas organizações criminosas. Não se defende a inexistência, obviamente, de prisão preventiva, mas que ela se dê de forma fundamentada, conforme a legislação determina, e não de forma automática. Esse é um ponto importante de se ressaltar, eminente Senador Alessandro Vieira.
Outro ponto que também parece que foi uníssono aqui - eu vi o Conselho Federal da OAB se manifestar e vi também representantes do Ministério Público - é quanto ao deslocamento da competência do Tribunal do Júri. É uma questão que pode gerar uma inconstitucionalidade, enfraquecer a lei, porque a previsão do Júri é prevista em cláusulas pétreas constitucionais. E mais, com seus problemas - que todos os instrumentos da Justiça têm, mas que podem ser aperfeiçoados -, é consenso tanto na advocacia, no Ministério Público e na sociedade que o Tribunal do Júri vem funcionando bem, razão pela qual esse deslocamento pode ser maléfico ao invés de benéfico. Então nós colocamos também essa ponderação para análise de V. Exas.
E outro ponto que também já foi dito é a questão do recrudescimento das penas. Nós não estamos dizendo que as penas não têm que ser mais rigorosas, mas, sim, têm que obedecer a um critério razoável e proporcional para se evitar uma inconstitucionalidade e até mesmo uma incoerência no sistema penal. Nós temos condutas aqui a bens juridicamente tutelados que não são tão graves como, por exemplo, a vida, que é um bem jurídico, talvez um dos mais valiosos protegidos pela legislação penal, você tem, no homicídio simples, uma previsão de pena de seis a vinte, e no qualificado, de 12 a 30 anos. E aqui nós teremos tipos penais com outros bens juridicamente não tão relevantes quanto nesse ponto, que nós teremos pena de 20 a 40 anos, talvez desproporcional, uma ofensividade acima da média, o que pode, inclusive, gerar o acionamento da Justiça para a declaração da inconstitucionalidade nesse sentido. Isso pode também gerar o encarceramento por um tempo maior do que o necessário para a ressocialização desse indivíduo, com o aumento da população prisional e, também, com o enfraquecimento do combate ao crime organizado, e, sim, gerando um efeito contrário.
R
Então, são essas as breves considerações, Senador Alessandro Vieira, que nós gostaríamos de trazer à apreciação de V. Exa., dentro de uma análise técnica do nosso conselho, do CNPCP, notadamente entendendo que o ponto alto é a integração e o compartilhamento de informações para o combate ao crime organizado. Isso, sim, vai gerar um efeito muito eficiente no combate ao crime organizado, que é o intuito, é o espírito da lei e é aquilo pelo qual a sociedade anseia, mas trazendo essas preocupações do ponto de vista técnico da prisão preventiva automática, do recrudescimento excessivo de penas com bens juridicamente tutelados não tão intensos, ou seja, sopesando... Por exemplo, no crime de latrocínio, que tem uma pena de 20 a 30 anos, nós teremos conduta menos gravosa, digamos assim, com uma pena de 20 a 40 anos. Isso pode ser questionado e pode gerar o encarceramento daquele cidadão para além do necessário no cárcere.
Então, são essas as considerações. Renovo os agradecimentos, a satisfação de estar nesta Comissão de Constituição e Justiça e a honra do nosso conselho de tentar, ainda que minimamente, contribuir para os trabalhos. Parabenizo, novamente, V. Exa. pela condução democrática, nesta Casa, de um projeto de lei importantíssimo.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Muito obrigado, Dr. Bruno.
Pergunto se V. Exa. tem o número de vagas que precisamos criar para atender a população carcerária deficitária, com a legislação atual, e se temos uma expectativa com relação à mudança que será feita.
O SR. BRUNO DIAS CANDIDO - Sr. Senador, não tenho o número exato, mas posso afirmar, com tranquilidade, que é insuficiente no atual momento. E, caso prevaleça o encarceramento inadequado de forma automática da prisão preventiva e também de penas exacerbadas, será ainda mais insuficiente.
Nós podemos trazer também a V. Exa. o número exato, mas posso afirmar, com segurança, que é insuficiente e, se essa insuficiência permanecer ou aumentar, trará ainda mais insegurança.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado.
Passo a palavra para o Sr. Rogerio Antonio Lucca, Secretário-Executivo do Banco Central do Brasil.
O SR. ROGERIO ANTONIO LUCCA (Para expor.) - Obrigado, Senador. Bom dia. Agradeço ao Senador Alessandro Vieira. Primeiro, quero parabenizá-lo pela realização desta audiência e agradecer o convite para o Banco Central participar desta audiência.
Bom, inicio fazendo uma ressalva de que o Banco Central não tem diretamente nenhuma competência e nenhum objetivo diretamente relacionado ao combate ao crime, motivo pelo qual, até numa análise preliminar do projeto de lei de que trata esta audiência, a gente não traz nenhuma sugestão, nenhuma avaliação em relação à matéria que está sendo tratada, dada a ausência de competência direta que o Banco Central tem para tratar do tema em questão. Não obstante, o Banco Central tem, sim, o objetivo legal de zelar pela estabilidade e pela eficiência do Sistema Financeiro Nacional e, nesse âmbito, acaba se deparando com questões relacionadas a condutas e uso do sistema financeiro, de uma forma geral, que podem acabar acarretando ilicitudes, fraudes e golpes.
Nesse sentido, acho que vale a pena a gente ressaltar que, no Brasil, hoje em dia e, principalmente, nos últimos anos, a gente acabou desenvolvendo um sistema financeiro que é muito eficiente, competitivo, inclusivo e seguro. Gerou uma inclusão financeira muito grande essa evolução que a gente teve no sistema financeiro nos últimos anos. A título de exemplo, a gente tem que, nos últimos sete anos, o número de clientes com uso frequente do sistema financeiro praticamente dobrou, mostrando a efetividade que o país teve nessa política de aumentar a eficiência, a segurança, a inclusão e a concorrência nesse setor financeiro.
R
Não obstante, a gente tem observado que o crime organizado, de uma forma geral, tem identificado fragilidades na forma como o sistema financeiro, hoje em dia, é organizado - na forma como ele se organiza - e tem se utilizado dessas fragilidades e desses buracos, por assim dizer, na organização do sistema para aplicação de golpes, de fraudes ou mesmo para uso do sistema financeiro para transações ilícitas, principalmente no que diz respeito à digitalização do sistema como um todo e ao aumento de crimes cibernéticos, em contradição a crimes mais físicos, por assim dizer, se a gente puder fazer essa comparação. A gente costuma falar que, se 10, 15 anos atrás, a gente tinha agências bancárias e caixas de ATM sendo explodidas, hoje em dia você tem invasões em sistemas digitalizados de instituições financeiras. Isso trouxe uma relevância muito grande para a análise, para a regulação e para a supervisão do risco cibernético das instituições financeiras, o que é corroborado por um crescente número que a gente tem de reportes de incidentes cibernéticos que são feitos ao Banco Central.
A gente publicou, recentemente, o nosso Relatório de Estabilidade Financeira, e nele a gente apresenta alguns números e chama atenção de que, até 2023, a gente recebia, em média, algo em torno de 20 reportes de incidentes de instituições autorizadas por ano ao Banco Central. Esse número praticamente triplicou nos últimos dois anos, e aumentou também muito a relevância daqueles incidentes que tentavam, de certa forma, subtrair recursos por parte das instituições financeiras.
É notório que, principalmente nos meses de julho e agosto, a gente teve alguns incidentes que concentraram, em maior magnitude, do ponto de vista financeiro, ataques a instituições financeiras ou instituições de pagamentos autorizadas a funcionar pelo Banco Central. A gente teve, basicamente, oito incidentes ali, em que você teve a subtração de algo em torno de R$1,5 bilhão dessas instituições.
É importante sempre ressaltar que, em nenhum desses eventos, os sistemas operados pelo Banco Central foram invadidos ou foram fraudados, e nenhum cliente bancário também foi prejudicado nesses ataques, mas a gente teve, efetivamente, ali, um aumento da ocorrência - por parte do crime organizado - de fraudes e de ataques a instituições autorizadas pelo Banco Central.
A gente acabou vendo, também, algumas operações da Polícia Federal que diziam respeito a uso ilícito de serviços financeiros ou serviços de pagamentos por parte do crime financeiro, uso esse de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central. O Banco Central reagiu rapidamente a esses eventos, à concentração desses eventos.
De novo, a pauta de estabilidade e de segurança do sistema financeiro é um objetivo permanente do Banco Central. Muita coisa já vinha sendo discutida nos últimos anos, e até mesmo por isso a gente conseguiu agir rapidamente, dado que a gente já tinha um amadurecimento muito grande de muita coisa que estava em debate, mas, de certa forma, essa concentração de ocorrência acabou acelerando a adoção de algumas medidas. Só para levantar alguns números, nesses últimos meses, a gente realizou 20 inspeções extraordinárias em instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, em decorrência desses casos que foram amplamente divulgados na mídia; a gente fez duas suspensões cautelares em prestadores de serviço de tecnologia de informação; a gente suspendeu sete instituições do Pix, de forma cautelar; e a gente excluiu definitivamente 33 instituições participantes do Pix, que, de certa forma, não mostraram procedimentos adequados para lidar com esses ataques. Vale ressaltar sempre que o sistema financeiro é um sistema regulado, compete ao Banco Central regular e supervisionar, mas, no final das contas, o sistema financeiro é um sistema regulado com necessidade de autorização para entrada em funcionamento e de obediência de alguns requisitos, no caso específico aqui, principalmente no que diz respeito a requisitos de segurança, que justamente demonstrem que existem procedimentos que devem estar em lugar, devem ser adotados por parte dessas instituições, para poder evitar esse uso ilícito das instituições e a ocorrência de fraudes e de golpes. Não obstante, como eu comentei, a gente adotou algumas medidas, citei alguns números aqui de algumas medidas processuais que o Banco Central adotou, vale a pena também ressaltar algumas medidas do ponto de vista de aperfeiçoamento regulamentar que a gente adotou nos últimos anos. Como comentei anteriormente, boa parte delas já vinham sendo discutidas internamente no Banco Central, no âmbito da sua competência permanente, mas foi, de certa forma, acelerada a sua implementação, em função da ocorrência desses eventos.
R
Um primeiro ponto que vale a pena ressaltar é que a gente desenvolveu alguns sistemas do acesso das instituições financeiras aos sistemas do Banco Central, o que permite que elas tenham uma informação mais apurada em relação àquilo que está acontecendo na movimentação dos seus recursos no Banco Central, inclusive com a possibilidade de que elas se autoderrubem, se autobloqueiem, caso tenham identificado que tenham sido vítima de algum ataque.
A gente fez um aperfeiçoamento também que vale a pena ressaltar, no mecanismo de devolução do Pix. O mecanismo de devolução do Pix é um instrumento que permite que, se eu for vítima de uma fraude ou de um golpe, eu conteste aquela transação e tenha capacidade de obter aquele recurso de volta. A gente fez um aperfeiçoamento aprimorando o acesso e a profundidade, a agilidade e a profundidade de acesso a esse mecanismo, de forma a aumentar a probabilidade de que aquela pessoa fraudada ou que sofreu um golpe tenha possibilidade de recuperar aquele recurso que foi indevidamente subtraído da sua posse.
A gente tinha também possibilidade de que instituições de pagamento começassem a operar no sistema sem necessidade da prévia autorização do Banco Central. A gente identificou isso como uma fragilidade que permitiu alguns desses golpes que se iniciaram nessas instituições, sem autorização do Banco Central, então a gente proibiu a entrada de novas instituições de pagamento sem prévia autorização do Banco Central e, ao mesmo tempo, a gente antecipou o cronograma que a gente tinha para autorizar aquelas instituições que já estão em funcionamento. Então, nenhuma nova instituição pode começar a operar sem a prévia autorização do Banco Central, e a gente tinha uma previsão de que aquelas que já estão operando pudessem solicitar autorização para o Banco Central até 2029...
(Soa a campainha.)
O SR. ROGERIO ANTONIO LUCCA - ... e isso foi antecipado para o primeiro trimestre do ano que vem.
R
Acho que, a bem do tempo aqui, vale a pena ressaltar também que, no âmbito do Pix, até correlacionado ao aprimoramento que a gente fez no mecanismo de devolução, na medida em que há o reconhecimento de que uma conta foi utilizada para realizar fraude, aquela instituição que detém aquela conta passa a ser obrigada a bloquear o acesso àquela conta, para evitar a realização de novos golpes. E a gente aumentou também a penalidade de instituições que dão curso a transações ilícitas e não têm procedimentos adequados para poder fazer esse acompanhamento no âmbito do Pix, prevendo inclusive, no caso de reincidência, potencialmente a exclusão dessas instituições, no âmbito do Pix.
Sobre os últimos aprimoramentos regulamentares - eu acho que vale a pena ressaltar os mais recentes e alguns até aqui citados -, a gente fez uma mudança na metodologia de cálculo de patrimônio mínimo para início de operações no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, que, na maior parte das vezes, aumentou de forma considerável o capital mínimo que é necessário para entrar no sistema. A gente obrigou... na verdade, a gente esclareceu a obrigatoriedade de que as instituições financeiras devem encerrar contas que não são claramente identificadas, comumente chamadas de contas bolsão, que são aquelas contas que você não permite a identificação do cliente final. Então, a gente esclarece que a instituição financeira é obrigada a ter a identificação do cliente final da transação e do detentor daquela conta e, inclusive numa regulamentação mais recente que a gente fez, na última sexta-feira, se eu não me engano, daqueles serviços que comumente são chamados de Banking as a Service (BaaS), em que uma instituição não financeira acaba ofertando a sua carteira de cliente para as instituições financeiras. A gente esclareceu que, nesse caso, inclusive, há a obrigatoriedade de a instituição, autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, fazer a devida identificação daquele cliente. Isso continua sendo responsabilidade dela.
E por último, como até foi questionado pelo Senador a um palestrante anterior, a gente fez a primeira regulamentação no âmbito legal dos prestadores de serviços de ativo virtual, que acaba sendo um setor mais recente e que já havia uma legislação que atribui ao Banco Central a competência de regulamentar, e a gente editou agora uma primeira regulamentação, que obviamente fica sujeita a aperfeiçoamento contínuo por parte do Banco Central.
Só para finalizar, aproveitando a oportunidade de a gente estar na CCJ, onde tem uma discussão que eu acho que é muito pertinente ao Banco Central, dada toda essa agenda que a gente tem, essa responsabilidade que a gente tem do ponto de vista de manter a estabilidade e a eficiência do Sistema Financeiro Nacional, é salientar e alertar a conveniência da continuidade do debate de um assunto que está nesta Casa, hoje em dia, que é o aprimoramento institucional do Banco Central nessas esferas administrativas, orçamentárias e financeiras, que visa garantir ao Banco Central a disponibilidade dos recursos necessários para poder se desincumbir dessa missão de uma forma permanente.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Obrigado, Sr. Rogerio.
Eu questiono o senhor no tocante, primeiro, a reafirmar a relevância da regulamentação do mercado de ativos virtuais, do mercado de cripto, claramente por conta do seu uso, em determinado momento, para lavagem de dinheiro, e a confirmação por V. Exa. de uma informação que o senhor mesmo prestou a esta Casa da movimentação de pessoa física para bets. O senhor informou aqui que, nos meses de janeiro a março, os apostadores destinaram até R$30 bilhões por mês às bets.
R
Peço a confirmação desse número, por favor.
O SR. ROGERIO ANTONIO LUCCA - Obrigado, Senador.
Confirmo o número do primeiro trimestre, de R$30 bilhões em média, que foi transacionado para bets. A gente não tem a atualização desse número, infelizmente - vou ficar devendo -, mas o número do início do ano eu confirmo, sim.
Em relação à regulamentação dos prestadores de serviços de ativo virtual, como eu comentei, a lei dá competência ao Banco Central para ser o regulador setorial na prestação de serviços. Como eu comentei, essa foi uma primeira edição de uma primeira regulamentação, mas acho que, no âmbito do questionamento, vale a pena ressaltar que, mesmo nessa primeira regulamentação, há a obrigatoriedade da identificação dos clientes e de todos os procedimentos relacionados à prevenção à lavagem de dinheiro por parte desses prestadores de serviços também.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - A gente faz esse registro porque existe uma iniciativa na Câmara dos Deputados para a derrubada dessa regulamentação. Aí, a gente tem que ter o cuidado com isso.
Para dar continuidade aqui, Dr. Gabriel, da Conectas Direitos Humanos - agradecemos pela sua presença -, que é fundamental para o trabalho que a gente está fazendo. Foi uma coincidência feliz estar aqui para o encerramento das falas.
Com a palavra, Gabriel.
O SR. GABRIEL SAMPAIO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Alessandro Vieira, na pessoa de quem cumprimento todos os Senadores, Parlamentares desta Casa, colegas de mesa, público que nos acompanha.
Quero saudar a importância deste debate. É uma responsabilidade grande, Senador, aqui ser um representante da sociedade civil, num debate tão rico, trazendo aqui contribuições que perpassam a nossa atuação enquanto Conectas Direitos Humanos e também contribuições que foram endereçadas a V. Exa. pela Rede de Justiça Criminal. Acho que aqui tem um ponto importante a se destacar, e o nosso papel enquanto sociedade civil é também oferecer esse olhar crítico baseado em evidências. Acho que esse é um primeiro ponto a ser observado nesse tipo de legislação.
Eu acompanhei muito vivamente, Senador, em outra função que exerci - também já fiz parte da equipe nesta Casa Parlamentar -, a discussão que redundou na Lei das Organizações Criminosas. Foi um debate muito rico, que envolveu diversos setores, a participação da Enccla; debates muitas vezes até acalorados, mas que vivamente envolveram setores da advocacia, da sociedade civil, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do CNJ. Foi um debate longo no tempo, mas que envolveu os agentes. E digo isso da importância, porque é uma lei de sucesso, como V. Exa. observou - e tenho observado as falas de V. Exa. O problema atual não está tão endereçado à questão necessariamente das penas ou de uma absoluta falta de instrumentos.
Eu acho aqui que um passo importante, além do aprofundamento de elementos de debate, é também algo que se discute muito, que é a análise do impacto legislativo. Qual é o impacto legislativo que as legislações sucessivamente aprovadas têm produzido para enfrentar o tema? Nós não estamos falando de um tema trivial. Se fosse trivial, não estaríamos mobilizando tanto pensamento, tanta inteligência e tanto esforço deste Parlamento.
Então, eu trago aqui... Acho que tem um balanço primeiro, inicial, em relação a uma análise do que é hoje o fenômeno, do que representa hoje o fenômeno das organizações criminosas. E aqui é preciso entender um tripé.
R
Acho que, de fato, tem uma análise em relação à base territorial, ao poder que organizações exercem sobre o território. Isso oferece uma infraestrutura importante para a sua atuação. Acaba sendo um meio de legitimação da sua atuação.
Mas aqui entro num tema e num conceito que, do ponto de vista da legística, causa muita preocupação, porque o cerne da legislação está calcado na ideia da organização criminosa ultraviolenta. Primeiro, é um conceito jurídico indeterminado, Senador. Isso é péssimo para a construção legislativa. Temos que ser assertivos em relação a isso. Isso gera insegurança jurídica. É base do princípio da legalidade a taxatividade da lei penal.
Quando se diz que é ultraviolenta, na literatura hoje, nós que a estudamos percebemos que a violência hoje, na atual etapa das organizações criminosas, é um instrumento, não é necessariamente um fim. À medida que elas se estabilizam, inclusive na base territorial, a tendência é que instrumentalizem o uso da violência. Então, quando se coloca como base da legislação a ultraviolência, talvez eu até pegue, na história e na construção das organizações criminosas, aquelas que ainda não estão absolutamente estabilizadas enquanto base de controle territorial. Esse termo, data máxima vênia aqui ao debate legislativo, na minha opinião, deve ser refutado, sob pena de causarmos um nível de insegurança jurídica ou optarmos, do ponto de vista legislativo, por uma ferramenta interpretativa que está absolutamente desconectada do que é o avanço dessas organizações. Então é uma sinalização que eu acho importante.
Se compreendemos então que um poder armado é um instrumento estratégico e até pode ser disciplinado, também precisamos entender o quanto é importante, nesse tripé que estou comentando, a legalização dos recursos para expansão e perpetuação das organizações criminosas.
Então hoje o que é o sinal mais importante da eficiência do Estado é conseguir atender a essa base do tripé, que é pouco comentada. Muitas vezes, se dá muita visibilidade às operações bastante exitosas em relação a esse tema, mas dada a envergadura que as organizações assumem hoje, é muito pouco. Se fosse eleger, dentro do tripé... Estou falando que a necessidade é da totalidade, mas houve um erro, na minha opinião, em identificar, com esses equívocos jurídicos que já apontei, o tema da ultraviolência e deixar desassistido o tema da sustentabilidade financeira e dos meios de legalização do recurso.
E aqui se formou um eixo. V. Exa. e sua equipe já observaram. Também quero enaltecer muito o trabalho e a abertura de sua equipe para o diálogo. Em tudo que o projeto trata sobre a base econômica, ele tem esse erro fundamental que é se basear num conceito jurídico indeterminado e que, de resto, não dialoga com a construção da Lei de Organizações Criminosas. O próprio conceito!
R
Quer dizer, nós temos um conceito de organização criminosa, um conceito de associação criminosa, e aí surge, no texto vindo da Câmara dos Deputados, de forma pouquíssimo técnica - desculpem-me pela ênfase, mas é num sentido respeitoso -, um terceiro conceito, que vai gerar insegurança jurídica.
Talvez, o melhor caminho, se me permitir, Sr. Senador, seja dialogar com o que já está criado e alterar esse mecanismo ou essa base conceitual.
Então, se é fundamental compreender que as organizações criminosas têm nessa sua base econômica um elemento fundamental para a sua permanência, aí nós temos que entender a história da etapa que nós estamos vivendo agora. As organizações se fortalecem, na nossa história recente inclusive, por essa capacidade de atuarem até de forma transnacional, por meio de conseguirem controlar os espaços da logística, os espaços fundamentais para a manutenção do seu poder e, inclusive, para corromperem instituições do Estado.
E aqui, Sr. Senador, a gente faz um debate que é muito respeitoso aos direitos e às garantias fundamentais. E é por isso que a amplitude do debate é importante. Quando nós defendemos as garantias e dizemos que o Estado, a cada avanço no seu poder punitivo, precisa prever uma garantia e instrumentos eficazes de controle, essa também é uma forma de proteção da institucionalidade, porque também é preciso usar o argumento utilitarista.
Se se expande a capacidade do Estado de investigar, de atuar, de apurar sem ter a contrapartida do controle, no sentido tanto administrativo quanto externo, da accountability da sua atuação, nós podemos ter consequências graves até do ponto de vista da organização do crime organizado, porque é evidente que fica mais fácil se aproveitar da falta de ferramentas e de instrumentos de controle e buscar a infiltração por meio da institucionalidade estatal do que investir num nível de inteligência na sua atividade para burlar a atuação estatal.
Então aqui, no nosso sentido, é importante tomar cuidado em relação a cada uma dessas etapas. É preciso ter a accountability das atividades estatais e da expansão das atividades estatais. Isso é um elemento essencial.
Avaliando hoje...
(Soa a campainha.)
O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... problemas sérios da segurança pública... E aí o projeto trata... Se trouxe o tema da violência, é porque também há um sentimento em relação às preocupações com a violência. E aí é preciso recuperar bases de problemas essenciais que nós temos hoje.
Homicídios no Brasil. Qual é o nível de esclarecimento sobre isso? Se o Parlamento optar pelo tema da ultraviolência como tema central ou vértice de trabalho, como a gente identifica as origens e a responsabilidade dessa ultraviolência só pensando em mortes violentas no país? Nós temos taxas que não passam de 30% de esclarecimento.
E nós temos que falar de instituições do Estado que não têm capacidade, no sentido operacional, de fazer perícia. É algo muito essencial, né? Fala-se de as organizações criminosas chegarem a um patamar logístico de atuação transnacional, mas o Estado não consegue oferecer condições para se realizar perícia de crimes muito básicos, muito elementares.
Desculpem. (Pausa.)
Somos um país com taxa de esclarecimento baixíssima. Tenho que ressaltar, até pela minha origem, que, desses crimes, 75% das mortes violentas ocorrem contra pessoas negras e pobres no Brasil, e esse é um tema que tem muito pouca resposta institucional, em termos de planos, de metas e de objetivos para conter.
R
Mais do que isso, nós temos vivido hoje - e essa é uma preocupação, Sr. Senador, quando eu falo da institucionalidade - uma preocupação grave, que é - no sentido que V. Exa. certamente compreende e sobre o que tem se manifestado - uma politização do uso das ferramentas do Estado e até da violência estatal. Isso é algo que deve ser repelido neste momento histórico, porque abre as portas para a ausência de controles e, sobretudo, para o aproveitamento lamentável dessa atuação estatal em favor dos interesses, muitas vezes, das próprias organizações criminosas.
Então, se é necessário garantir algo que contenha e traga elementos para avanço do Estado, é preciso profissionalizar essa atuação. Essa profissionalização passa por menos foco nessa ideia mais repressiva, muito focada no aumento de penas e com conteúdo técnico ainda deficiente, migrando para uma atuação que seja mais focada na inteligência.
Tem outros conceitos aqui indeterminados dentro do projeto: domínio social estruturado. E aí, essa técnica legislativa que soma muitos verbos tem que ser vista com muito cuidado. Do ponto de vista da legística, se há uma conexão lógica entre os verbos, tudo bem, então, a gente está atendendo aqui uma ideia da taxatividade, que coloca dentro de uma tipificação penal situações que são similares. Não é o que acontece aqui, Senador. Muitas vezes, o que se observa são verbos absolutamente distintos e de lesividade distinta.
Não se pode deixar de observar aqui que a consequência que o texto vai gerando é um tipo de criminalização que não vai afetar o andar de cima da criminalidade. Estou chamando de andar de cima, porque... Entenda, nesse aspecto que não está necessariamente ligado à atuação territorial mais ostensiva.
Acho que o meu tempo deve estar acabando, não é, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE. Fora do microfone.) - Já acabou, na verdade.
O SR. GABRIEL SAMPAIO - Já acabou há algum tempo. (Risos.)
Eu só queria, então, enaltecer, em termos de redação, para não deixar V. Exa. sem repassar pontos que, para nós, da Rede Justiça Criminal, eram muito importantes. Primeiro, corrigir os conceitos indeterminados. O art. 2º, quando fala do domínio social estruturado, traz uma tipificação demasiadamente ampla. Essa soma de verbos confunde, do ponto de vista da técnica legislativa. No §5º do art. 2º, fala-se dos atos preparatórios. No fim, eu acho até que há uma gradação dos atos preparatórios para o crime consumado. Mas, de novo, quando os conceitos são indeterminados, esse nível de punição para os atos preparatórios é seríssima. Ela, de fato, pode gerar um efeito de criminalização, que é aquele que mais distrai a atividade do Estado. Pega ali aquele grupo, entre aspas, "que nem sempre tem um conjunto probatório formado" e protege aqueles grupos que são os mais relacionados à sustentação, à sustentabilidade, à manutenção das organizações criminosas.
R
Então, defendo que o §5º, do art. 2º, seja removido do texto.
No §6º, do art. 2º, veda-se o auxílio-reclusão para dependentes das pessoas presas. Isso é um tipo de técnica legislativa que não contribui, Senador, ou, mais do que isso, lembro que, quando falta técnica na construção do texto, a possibilidade de criminalização e de repressão de pessoas que não necessariamente são o cerne do objetivo legislativo pode gerar consequências graves e uma dependência maior no território das pessoas que são inadequadamente criminalizadas.
Eliminaria também os incisos II, III...
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Para concluir, por favor, Gabriel.
O SR. GABRIEL SAMPAIO - ... V e VI - Ah, desculpa! -, do art. 6º, que fala do favorecimento. Aqui há uma técnica legislativa que é relacionada à Parte Geral do Código Penal que identifica a culpabilidade de acordo com a participação no crime. Então, quando se equiparam determinadas condutas de forma tão ampla, eu acho que gera um risco grande - e, nesse caso, já foi apontado pelo Dr. Marivaldo, pelo Dr. Bruno e pelo Dr. Glaucio - a respeito de criminalização de pessoas, inclusive de movimentos sociais ou reivindicatórios.
Também a rejeição por completo da emenda que proíbe o voto de presos provisórios. Também essa é uma garantia constitucional, e, de novo, o Estado tem que ser eficiente, e a eficiência é também a sentença condenatória transitada em julgado, e, antes dela, preservar os direitos fundamentais.
Desculpe-me por ter me estendido no tempo, encaminharemos oportunamente as contribuições.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alessandro Vieira. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - SE) - Agradeço pela colaboração, todas elas muito oportunas.
Antecipo que os pontos do auxílio-reclusão e do direito a voto serão retirados do texto em razão da sua flagrante inconstitucionalidade, sem adentrar na discussão do mérito que cabe, mas aí, sim, através de uma proposta de emenda à Constituição.
Quero registrar a presença das diversas autoridades que passaram por aqui e ainda estão presentes, inclusive, em particular, o meu amigo Dr. Nilzir Soares Vieira Junior, Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Quero registrar aqui que o Dr. Robinson Barreirinhas, Secretário Especial da Receita Federal, justificou a sua ausência, e que as representações da Cufa e do Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil não se fizeram presentes sem justificativas.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Agradeço aos senhores. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 12 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 46 minutos.)