Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 44ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir a Proposta de Emenda à Constituição nº 10, de 2024, que modifica o art. 231 da Constituição Federal para permitir aos índios produzir e comercializar livremente sua produção e prevê a obrigação da União de prestar-lhes auxílio técnico, conforme o Requerimento nº 57, de 2025, da CCJ, de iniciativa dos Senadores Jaques Wagner e Rogério Carvalho, e o Requerimento nº 65, de 2025, da CCJ, de iniciativa do Senador Zequinha Marinho. Esta reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. e dos Srs. Senadores e dos convidados, por sistema de videoconferência, para exposição e debate. Será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. Eu convido, para fazer parte da mesa, o Sr. Marcos Kaingang, Secretário Nacional de Direitos Territoriais Indígenas; o Sr. Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; o Sr. Luis Ventura Fernández, Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário; o Sr. Márcio Santilli, Presidente do Instituto Socioambiental; a Sra. Silvia Waiãpi, que vai falar de forma remota, ex-Deputada Federal; Sr. José Lucas Duarte, remoto, cacique da etnia tucano; Sr. Ubirajara Guajajara, cacique da Aldeia Amarante, Maranhão; e Sr. Felisberto Cupudunepá Filho, também remoto - tanto o Sr. Ubirajara Guajajara, remoto, assim como o Sr. Felisberto Cupudunepá. |
| R | Como temos um horário, a sessão do Senado deve começar às 16h, para que a gente possa ter um tempinho, eu vou dar uma fala inicial de cinco minutos para cada um dos convidados. Vou começar com o Sr. Luis Ventura Fernández, Secretário-Executivo do Conselho Nacional Indigenista Missionário. O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ (Para expor.) - Boa tarde a todas e a todos. Queria agradecer o convite ao Conselho Indigenista Missionário para estar nesta audiência pública. Agradeço ao Presidente, Senador Rogério Carvalho. Estamos em tempos em que matérias muito sensíveis para os povos indígenas estão sendo permanentemente desafiadas, e, por isso, eu acho importante este tipo de audiências públicas. A Constituição Federal reconheceu direitos fundamentais aos povos indígenas, como fruto da participação audaz dos povos e de seus aliados, como fruto também do convencimento dos Constituintes. Entre esses direitos garantidos, direitos fundamentais, está o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam, com destaque nesse caráter originário; o direito às formas próprias de organização social, e aqui devemos compreender também as formas econômicas próprias; e o direito ao usufruto exclusivo dos bens que existem em seus territórios. Esses três direitos, que estão no art. 231, que a PEC nº 10 pretende alterar, são direitos fundamentais e configuram o núcleo principal, o cerne do direito dos povos indígenas a viver em suas terras demarcadas e protegidas da forma como livremente decidem. E esse é o núcleo que a PEC nº 10 pretende desconfigurar, no nosso entendimento. Insisto em que os povos indígenas têm o direito assegurado a seus territórios, às suas formas de organização e a usufruir, de forma exclusiva, dos bens que existem nesses territórios. Portanto, a decidir livremente seus caminhos. A Constituição Federal também determinou que as terras indígenas são inalienáveis, ou seja, elas não podem ser transferidas, não podem ser alugadas, não podem ser arrendadas, não podem ser vendidas, e que os direitos dos povos indígenas são indisponíveis. Portanto, exclusivamente, dizem respeito aos povos indígenas e não podem ser disponibilizados para terceiros. É claro que desde 1988, os setores econômicos vêm tentando desconstituir, desconfigurar esses direitos, o que significa romper o consenso constitucional. E isso é feito de várias formas, através da violência, do esbulho, da invasão de terras, mas também através de iniciativas legislativas. E é aqui que deve ser compreendida, no nosso entendimento, a PEC nº 10. |
| R | Qual é o objetivo fundamental da PEC nº 10? No nosso entendimento, não é o que aparenta, não é o que aparece na ementa, no sentido de garantir aos povos que possam produzir e comercializar e exigir ao Estado políticas de apoio. Até porque isso, de fato, já é algo que se dá aos povos indígenas: produzem em seus territórios da forma como eles livremente decidem e não há vedação para a comercialização de seus produtos. Se esse fosse o objetivo, os Senadores deveriam estar preocupados com garantir a condição fundamental para que os povos possam produzir livremente, conforme seus usos e costumes. E essa condição fundamental é a demarcação e a proteção das terras indígenas - essa que é a condição indispensável. O que se precisaria não seria, portanto, emendar a Constituição, mas cumpri-la: cumprir o art. 231, da forma como ele está. O objetivo fundamental, portanto, da PEC 210, no nosso entendimento, é outro e está escrito dentro da proposta, quando fala da possibilidade de arrendamentos e de acordos, contratos e parcerias, ou seja, o objetivo da PEC... (Soa a campainha.) O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ - ... é abrir os territórios indígenas à possibilidade de serem explorados por terceiros, e isso é impossível porque significaria uma afronta ao direito do usufruto exclusivo, que é um direito fundamental, e uma afronta ao caráter inalienável das terras e ao caráter indisponível dos direitos dos povos indígenas. Concluo, termino dizendo que emendar a Constituição Federal não pode ser afrontá-la. Todo poder reformador tem limitações concretas, entre elas não retroceder em direitos adquiridos e não alterar direitos fundamentais. A Comissão de Constituição e Justiça, sem dúvida, tem um papel muito importante no Congresso Nacional, e o papel é, principalmente, de zelar pelo cumprimento da Constituição Federal, e não pela sua desconfiguração em matéria de direitos fundamentais, e de garantir o que já está previsto no art. 231, que é, insisto, o direito originário aos territórios, o direito às próprias formas de organização social e econômica e o direito ao usufruto exclusivo por parte dos povos indígenas. Portanto, não há outro caminho, no nosso entendimento, senão a rejeição desta proposta. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Quero agradecer ao Sr. Marcos Kaingang e... (Pausa.) Não, ao Sr. Luis Ventura Fernández pela participação, e quero colocar a Sra. Silvia Waiãpi no remoto. A SRA. SILVIA WAIÃPI (Por videoconferência.) - Olá, posso me pronunciar? O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Pode. A senhora tem cinco minutos para a sua manifestação. Obrigado. A SRA. SILVIA WAIÃPI (Para expor. Por videoconferência.) - Tudo bem. Quero apenas falar que quem deve definir, ou não, deve ser o Poder Legislativo, porque é o Poder Legislativo que define, justamente pelo pedido da população, como deve ou como não deve ser a nossa legislação. Obviamente, o pedido dessa PEC, dessa alteração na Constituição, dessa emenda ao art. 231, é para garantir justamente o pedido de indígenas que querem produzir. Então, no momento em que nós dizemos, por exemplo, que as iniciativas do Legislativo desconfiguram o direito, na realidade nós estamos cerceando a autodeterminação dos povos. Se existem comunidades indígenas que querem produzir, elas devem produzir, não nos moldes, por exemplo, que o Cimi quer determinar, que seja como se fosse em 1500. Não. Hoje nós já temos técnicas modernas que podem ser garantidas para que indígenas alcancem a sua autonomia e a sua independência financeira, sem com isso precisar todas as vezes de repasses e mais repasses do Governo Federal, como, por exemplo, os parecis têm feito no seu território, produzindo, plantando, para o desenvolvimento agropecuário dentro daquelas unidades, daquelas terras. Então, no momento em que nós cerceamos a autonomia dos indígenas, nós estamos, sim, lesando o seu direito principal. |
| R | Uma outra coisa... É prevista na Lei nº 6.001/73, o Estatuto do Índio, a criação de colônia agrícola indígena, assim como também já era prevista a exploração do território no art. 46. Tudo isso foi mudado com o Código Florestal. Aí agora nós vemos que isso sim foi o cerceamento do direito do indígena, simplesmente ele foi condenado a viver em 1500, então, por isso, não tem por que criar obstáculos para que haja a emenda na Constituição, garantindo o direito e a autonomia de que indígenas possam se desenvolver economicamente. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado, eu queria passar a palavra para o Sr. Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. O SR. KLEBER KARIPUNA (Para expor.) - Oi, oi, oi, oi, o.k.? Bem, primeiramente, uma boa tarde a todos e todas presentes. Gostaria de saudar o Exmo. Senador Rogério Carvalho e, na sua pessoa, saudar todos os Parlamentares, presentes fisicamente ou no formato virtual. Gostaria de saudar os companheiros aqui da nossa mesa: o Secretário Marcos Kaingang, do Ministério dos Povos Indígenas; o companheiro Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental; o companheiro Luis Ventura, do Conselho Indigenista Missionário; e todas as lideranças presentes e virtualmente também, lideranças legítimas do movimento indígena. Bom, Senador Rogério, eu queria, primeiramente - talvez nos cinco minutos iniciais não seja possível, mas a gente depois complementa -, trazer acho que alguns pontos importantes para ressaltar. Acho que primeiro quero dizer que a PEC não discute apenas os interesses e atividades econômicas das terras indígenas, ela traz algo muito mais danoso e mais grave. Só para ressaltar, o próprio Estatuto do Índio e a própria Constituição, quando garantem usufruto exclusivo, já trazem essa prerrogativa dos povos indígenas no seu modo tradicional, na sua forma de produzirem. Há vários exemplos, a gente pode passar a tarde inteira aqui, o dia inteiro, citando vários exemplos de povos indígenas que já fazem trabalho nos seus territórios, produzem a partir do seu modo próprio de vida, sem necessariamente explorar ou deteriorar ou destruir os seus territórios. Vou trazer só um exemplo, um exemplo simples, rápido, que é da minha própria região. Todos que estão aqui podem perguntar quem é Kleber Karipuna lá no Território Indígena Uaçá, no Município de Oiapoque, no Estado do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, onde, muito eximiamente, as nossas comunidades ali na região, através de um projeto chamado Projeto Uasei, fazem um trabalho excelente de beneficiamento do açaí, do fruto do açaí, produzindo não só o suco, mas artesanatos, a partir da matéria-prima do açaí, e comercializam no município, na fronteira com a Guiana Francesa, e para o estado como um todo. |
| R | Necessariamente, não precisam de uma legislação que vá ampliar essa produção para a destruição do território, para a ampliação da produção, a partir de um modo de vida que é muito mais baseado na exploração econômica do que a produção sustentável da qual ele se produz. Ele se mantém beneficiado com essa produção, comercializa, tem a sua renda ali básica, sem visar a questão econômica, sem visar somente ao lucro dessa renda, dessa produção. Só queria trazer esse destaque. Talvez alguns parentes que estão aqui, principalmente no formato virtual, e alguns, enfim, que não sei se têm a mesma legitimidade de falar pelo povo, porque já foi, inclusive, contestada pelo povo a sua legitimidade ou não de falar pelo povo. Inclusive, gostaria até de citar o próprio caso do povo waiãpy. Qualquer um de nós aqui, Senador Rogério, se chegarmos lá no território waiãpy e falar se eles querem a PEC 10, se eles querem abrir o território waiãpy para a produção de atividades econômicas, eu sei muito bem qual vai ser a resposta, porque eu conheço a realidade - diferente de alguns que estão aqui presentes, principalmente no formato virtual. Então, eu queria trazer, com isso, que a PEC 10, para nós, ela é não só inconstitucional; ela é um efeito muito maléfico que fragiliza a nossa Constituição, abre brechas e precedentes significativos e preocupantes, não só para o direito dos povos indígenas, mas para o direito de várias outras ditas minorias no nosso país. Traz também processos de abertura de desconstitucionalização do direito originário dos povos indígenas, direito esse que é antecedente à própria institucionalização do Estado brasileiro como um todo, direito esse que, garantido na nossa Constituição, ele é originário. O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu o quanto os direitos dos povos indígenas são cláusulas pétreas da nossa Constituição, portanto mexer nesses direitos que trazem respeito à dignidade humana e à sobrevivência física e cultural de um determinado povo é mexer com direitos garantidos na cláusula pétrea de nossa Constituição. Então, nesse sentido, a PEC 10 é bastante preocupante e danosa para os povos indígenas como um todo. Um ponto importante também para frisar aqui, Senador, em relação ao que a PEC 10 tenta trazer para o debate, para além do interesse econômico: se vocês visualizarem e lerem atentamente o texto da PEC, ela visa muito à questão econômica - e somente a questão econômica - no seu texto, na tentativa de mudança do art. 231 da nossa Constituição, deixando de se preocupar com o direito originário dos povos indígenas, a demarcação dos seus territórios, a proteção desses territórios, o direito de que o Brasil é signatário da consulta livre, prévia e formada, e a própria Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Então, joga fora esses direitos consagrados e ratificados pelo nosso país e o próprio processo de reparação histórica que, até os dias de hoje, nós vivemos no nosso país em relação aos povos indígenas - verdadeiros, originários desse nosso imenso Brasil - e joga também fora... (Soa a campainha.) O SR. KLEBER KARIPUNA - ... a preocupação com a dignidade, com a integridade, com o modo de vida, com o bem viver, com a cosmologia, com a cultura e a espiritualidade dos povos indígenas nos seus territórios. Então, dito isso, Senador Rogério, nessa primeira intervenção, eu queria trazer a nossa posição em relação... contrária à PEC 10, à tramitação da PEC 10, e fazer um apelo para esta Casa, principalmente para esta Comissão de Constituição e Justiça - diga-se de passagem, que é uma Constituição que tem que zelar pela nossa Constituição Federal de 1988 e por tudo o que venha atingir a nossa Constituição. Faço um apelo para que essa PEC não seja mais tramitada; e a nossa posição política é que a PEC não pode avançar em momento algum, dadas todas essas fragilidades, ilegalidades e inconstitucionalidades que essa PEC traz não só para o direito dos povos indígenas no Brasil, mas de toda a sociedade brasileira e também da humanidade, ainda mais vindo uma semana depois... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado. O SR. KLEBER KARIPUNA - ... da COP 30, em que o mundo está preocupado com o futuro do planeta como um todo. Obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado. Eu quero, agora, convidar o Sr. José Lucas Duarte, no sistema remoto, para, em cinco minutos, fazer suas considerações iniciais. O SR. JOSÉ LUCAS DUARTE (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde. (Pausa.) Boa tarde. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Estamos ouvindo bem. O SR. JOSÉ LUCAS DUARTE (Por videoconferência.) - Estão ouvindo bem? O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Muito bem. O SR. JOSÉ LUCAS DUARTE (Por videoconferência.) - Bom. Boa tarde, Excelência, Senador Presidente da mesa, e demais autoridades presentes. Este é um momento oportuno e, para mim, de suma importância, tendo em vista que nós estamos batalhando em prol das populações que querem trabalhar nas suas terras indígenas. Em primeiro lugar, eu quero aproveitar e externar alguns agradecimentos ao Senador Zequinha, que é o autor da PEC, e ao Senador Plínio, que fez a CPI das ONGs, na qual escutou diretamente das bases o que a população indígena, de fato, quer. Nesse sentido, também agradeço ao Governo e o parabenizo pela criação da Câmara Temática do Produtor Indígena Sustentável e pela indicação da indígena macuxi, que é a Irisnaide. Também quero agradecer à Dra. Elisangela, que é a Presidente da Agro Indígena Brasil, e ao Dr. Roldão, que está também fazendo um excelente trabalho a respeito da questão de licenciamento ambiental. Enfatizo também o pessoal lá do Mato Grosso, a família Lacerda, o ex-Deputado Marcio Lacerda, o Senador José Lacerda e o Irajá, hoje Secretário-Executivo do Mapa, que estão fazendo um excelente trabalho, porque é o seguinte: nós estamos, aqui, lutando pelos direitos conquistados na Constituição de 1988. Vejam só: quando se fala de constitucionalidade, eu vejo que nós estamos desconstitucionalizando a questão indígena. Nós queremos trabalhar. A PEC 10 só tem um erro, na parte em que fala de arrendamento. Nós não queremos arrendar terra nenhuma; nós queremos fazer e celebrar contratos, parcerias, trabalhar no nosso terreno e produzir da forma como a gente quer. Não queremos intervenções para dizer o que nós queremos. Há vários anos, o indígena é tratado como coitado e como incapaz, mas cadê o fomento? Cadê a ajuda de quem vem dizendo que é indigenista? Não tem política indigenista que queira valorizar. A gente viu a COP 30, que veio revestida de preservar o meio ambiente, mas por interesses internacionais; e onde é que fica o índio? Onde é que fica o indígena? Celebram parcerias, sem ver quem está na ponta ou quem vai receber esses benefícios. |
| R | Não adianta mais dizer que o índio está bem. Nós queremos trabalhar, trabalhar a nossa terra demarcada para produzir, tendo em vista que nós queremos ter autossuficiência, sem depender de ninguém. Nós temos inúmeras riquezas dentro do nosso território, queremos trabalhar. Vejam só: não adianta estar falando de arrendamento na PEC porque vai condicionar o indígena a receber o dinheiro e ficar parado. Aí o que recai? "O índio é preguiçoso". Não! Nós não queremos intervenção, não. Queremos que seja feito como está lá: que nos ajudem tecnicamente a produzir, gerar as nossas rendas e gerar independência econômica, ser autossuficiente. Nós ouvimos, na CPI das ONGs, diretamente das bases que estão cansados de ser massa de manobra. Projetos em cima de projetos sobre os indígenas, mas a gente não vê nada. Então, está na hora de regulamentar, de colocar a emenda constitucional em condições, de dizer lá que o indígena tem condições de celebrar parcerias, fazer os contratos para trabalhar dentro da reserva dele, porque, sem nenhum tipo de parceria, não vai. Viver, vendendo cipó, vendendo açaí, carocinho de açaí, não leva à nada. Nós queremos também, como brasileiros, ser empreendedores. Aí, sim, vamos valorizar nossa cultura, preservar o nosso meio ambiente. Aí, sim, temos como valorizar o nosso povo tradicional. Salvo conduto, quem não quiser não faça, mas, para quem quiser, nós queremos que seja dessa forma. (Soa a campainha.) O SR. JOSÉ LUCAS DUARTE (Por videoconferência.) - Muito obrigado pelo espaço e agradeço de coração a todos os brasileiros que comungam com a nossa ideia, principalmente a população indígena. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado, Sr. José Lucas Duarte, Cacique da Etnia Tukano. Quero agora passar a palavra para o Sr. Márcio Santilli, Presidente do Instituto Socioambiental (ISA). O SR. MÁRCIO SANTILLI (Para expor.) - Boa tarde, Senador Rogério. Boa tarde a todos e a todas que nos ouvem. Quando eu tomei contato com o texto da PEC 10, eu fiquei bastante assombrado com o texto, porque há que se ressaltar nele uma palavra que salta aos olhos: arrendamento. A prática do arrendamento é inviável do ponto de vista constitucional, porque o status jurídico das terras indígenas é especialíssimo no nosso país. Os indígenas não são proprietários da terra, têm a posse permanente e o usufruto exclusivo. O arrendamento subtrai essa posse permanente e esse usufruto exclusivo. Mesmo que essa expressão fosse introduzida através de PEC, ela colidiria com o restante do texto constitucional, no qual esses princípios são muito fortes, muito consistentes, muito recorrentes em todo o texto da Constituição. |
| R | No mais, Senador Rogério, eu fiquei bastante surpreso com o texto, porque a impressão que a gente tem, quando a gente lê o texto, é que não existem atividades produtivas, que não existem parcerias, que não existem contratos e que é preciso quebrar algum bloqueio constitucional, através de uma emenda constitucional, para que essas atividades possam se desenvolver, o que evidentemente não tem nenhum sentido. Os povos indígenas sobreviveram até hoje no Brasil com todas as condições desfavoráveis, historicamente falando, porque tinham sua própria economia, porque têm sua própria produção, porque têm a sua própria estratégia de vida, de sobrevivência, independentemente, inclusive, da nossa sociedade. No entanto, eu queria apresentar algumas imagens que caracterizam essa situação hoje da produção indígena nas diferentes regiões do país, chamando aqui de economia dos povos indígenas, e temos aí alguns dados. Dos produtos extrativistas, pelo IBGE, apura-se um total de R$17 bilhões, no ano de 2023, em produtos que são oriundos do extrativismo vegetal. Essa não é uma produção exclusivamente indígena, ela é também uma produção de outras comunidades tradicionais - ribeirinhos, extrativistas - e é uma subnotificação porque, na verdade, a produção é muito maior do que essa, e isso é o que o IBGE pôde apurar. Pode passar. De 28 terras indígenas que são vinculadas a essa plataforma chamada Origens Brasil e que comercializam 16 produtos in natura, nós temos esse acumulado de R$21,2 milhões comercializados através dessa plataforma. Então, é uma plataforma de uso sustentável dos recursos naturais, 28 terras indígenas são vinculadas a ela e essa é a produção contabilizada através dessa plataforma. Temos aqui o caso de projetos de Turismo de Base Comunitária, que o Ministério do Turismo calcula... (Soa a campainha.) O SR. MÁRCIO SANTILLI - ... para o ano de 2025, 146 iniciativas indígenas de 93 etnias, com R$1,8 milhão de renda dessas atividades. Está aí a atividade de formação de eletricistas do povo uaurá. Em muitas aldeias, o domínio dessa tecnologia de geração de energia limpa é, hoje, uma constante. A formação de eletricistas indígenas, homens e mulheres, para gerir esse tipo de tecnologia. Nós temos aqui uma oficina de processamento de látex, ministrada por uma empresa, numa relação de parceria com os indígenas da Terra Indígena Xipaia. A apicultura, a produção de mel dos indígenas, que desenvolvem essa atividade já há muitos anos; aqui, no caso... (Soa a campainha.) O SR. MÁRCIO SANTILLI - ... é o povo kisêdjê. A colheita do buriti, o extrativismo: a coleta é, no caso, na Terra Indígena Pimentel Barbosa, no Mato Grosso. As roças tradicionais das aldeias, que são potentes. E é uma produção invisível, que não é contabilizada, mas que, seguramente, garante, não apenas a subsistência das comunidades indígenas, mas a geração de excedentes e de relações comerciais com a vizinhança. O manejo de gado feito pelos macuxi na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A produção... Olha que abacaxi maravilhoso! Que beleza, né? |
| R | Então, o que nós vemos é uma fartura, uma variedade de produtos imensa em praticamente todas as regiões, praticamente todos os territórios. Aí, a produção de sementes para restauração florestal, produtos vários industrializados, manufaturados, que são feitos por comunidades indígenas. Empresas que mantêm parcerias regulares com comunidades e povos indígenas do Brasil todo. E temos várias leis que asseguram políticas públicas nessa área e que hoje estão se abrindo cada vez mais para absorver essa produção dos povos indígenas, dos quilombolas, de outras comunidades tradicionais, uma produção que sempre foi inviabilizada e pouco canalizada para esses programas de políticas públicas que nós estamos a ver aí, né? O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - O.k. O SR. MÁRCIO SANTILLI - Finalmente, Senador, eu queria mencionar a questão dos serviços ambientais. O Congresso Nacional aprovou uma lei nesse sentido, do pagamento dos serviços ambientais. A aprovou uma outra lei que trata do mercado de carbono. Então, são questões novas, frentes novas e que possibilitam, sem dúvida nenhuma, uma nova fronteira de atividades econômicas a serem desenvolvidas por essa população, para elas terem compensação pelos esforços históricos de manejo sustentável dos seus territórios, dos recursos existentes nos seus territórios. Então, veja o senhor, Senador, que o que não falta é iniciativa econômica, o que não falta é produção, o que não falta são possibilidades e contratos, parcerias que são crescentes em todo o território nacional, de maneira que eu não vejo por quê. Teríamos que colocar no texto da Constituição aquilo que já está garantido na prática, na legislação... O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - O.k. O.k. Conclua, por favor. O SR. MÁRCIO SANTILLI - ... E é a contribuição que eu tenho a trazer. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado. Obrigado. Eu quero convidar agora o Sr. Ubirajara Guajajara, Cacique da Aldeia Amarante, Maranhão, pelo sistema remoto. (Pausa.) Você habilita o seu microfone no computador? No Zoom? (Pausa.) Bom, vamos fazer o seguinte, enquanto ele se acha ali... Conseguiu? O SR. UBIRAJARA GUAJAJARA (Para expor. Por videoconferência.) - Já dá para ouvir? O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Bem-vindo. Bem-vindo. Está-se ouvindo bem. Todo mundo ouvindo bem. Obrigado. Pode começar. O SR. UBIRAJARA GUAJAJARA (Por videoconferência.) - Então, eu sou o Ubirajara Guajajara, do Município de Amarante, do Maranhão, da Terra Indígena Araribóia. |
| R | Então, sobre as propostas de emenda do PL 10, eu sou muito favorável com relação a essa proposta, porque isso garante a nossa produção e a comercialização. E um dos fatores principais que enfrentamos no decorrer dos tempos é esse obstáculo, que impede o desenvolvimento dos povos indígenas. E tem muito ainda contribuição de organizações não governamentais, que alimentam ainda muito mais. Por hora, tenho que discordar de uma proposta dessa emenda, que é o arrendamento de terra. Sou contrário com relação ao arrendamento. Mas, assim, a gente defende muito a produção e a comercialização. Isso nos traz independência financeira e dignidade. Está dando para ouvir? O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Muito bem, pode continuar. O SR. UBIRAJARA GUAJAJARA (Por videoconferência.) - Então, assim, como já dito, eu defendo essa proposta. Assim como outros parentes, também, outros povos, acho que é um sonho deles também defender essa pauta. Mas, como eu disse, discordo da proposta de arrendamento em terras indígenas. Estou aqui à disposição para questionamentos. Por hora, é só. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado. Vou passar agora para o Sr. Felisberto Cupudunepá Filho, Cacique do Mato Grosso. O SR. FELISBERTO CUPUDUNEPÁ FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, boa tarde a todos. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Bem-vindo. O SR. FELISBERTO CUPUDUNEPÁ FILHO (Por videoconferência.) - Primeiramente, gostaria de cumprimentar o Presidente Rogério Carvalho. Quero dizer que somos favoráveis, também, ao texto da PEC, com esse único destaque, em relação à parte do arrendamento. A gente entende que o arrendamento traz uma certa comunidade, mantém o indígena no assistencialismo. E hoje, boa parte dos povos indígenas sobrevivem desses tipos de auxílio ofertado pelo Governo. Então, o que a gente quer, realmente, é autonomia para a gente definir os rumos dos nossos territórios, os rumos das nossas comunidades, melhorar as nossas condições de vida. Vale ressaltar que, quando você propõe parceria, há uma transferência de tecnologia. Então, o indígena que não sabe trabalhar com determinado equipamento, com determinado maquinário, ou qualquer que seja a atividade em que ele não tem esse pleno domínio, ele passa a adquirir esse conhecimento e, a partir daí, com dois, três anos, ele consegue tocar sua atividade dentro do seu território de forma autônoma. O que a gente não tem hoje é uma unanimidade, digamos assim, na questão de representatividade. Vale destacar que, hoje, quando o parente ali falou de representatividade para falar dos povos indígenas, essa representatividade vale para todas as organizações que dizem representar os povos indígenas. Porque nós, que fazemos parte de um movimento que quer ver os povos indígenas prosperando, gerando renda, melhorando a qualidade de vida, entendemos que cada povo tem uma realidade, cada bioma tem a sua realidade. Então, somos mais de 305 povos, e não tem como uma única instituição, uma única organização, querer falar em nome dos povos indígenas dizendo que representa esse quantitativo. |
| R | Hoje eu posso falar aqui em nome do Grupo de Agricultores Indígenas do Brasil, que representa mais de 70 povos que buscam essa autonomia, e essa legitimidade a gente tem para falar em nome desses povos, porque a gente esteve junto com esse grupo na semana passada, no segundo encontro que aconteceu lá no Ministério da Agricultura, em Brasília, no auditório do Ministério da Agricultura - a gente até agradece o espaço cedido lá -, no qual foi criada uma câmara temática para discutir a política de desenvolvimento agrícola para os territórios indígenas. Hoje, nós não vivemos em 1500 mais. Hoje a realidade é outra. Então, cada povo tem uma realidade. Hoje a gente precisa de energia elétrica, a gente tem internet. Eu estou falando aqui da minha aldeia, usando a rede de energia, usando uma Starlink para poder me comunicar com vocês. Então, as necessidades são outras. Hoje a gente precisa de uma saúde de qualidade, de uma educação de qualidade. A gente tem custos para manter até a própria cultura nossa, a gente precisa de recursos para manter. Hoje o Estado brasileiro não oferece condições para que os indígenas consigam sobreviver exclusivamente da caça e da pesca, como se fazia tempos atrás. Então, o que precisamos é mudar essa realidade, claro que respeitando os direitos daqueles que querem manter a sua forma de vida do jeito que estão, mas também não se pode cercear os direitos daqueles que querem prosperar, querem progredir, querem mudar de vida e querem assegurar os direitos das suas comunidades, dos seus povos a ter uma melhoria. Então, nesse primeiro momento... (Soa a campainha.) O SR. FELISBERTO CUPUDUNEPÁ FILHO (Por videoconferência.) - ... agradeço, faço essa contribuição e destaco que a gente precisa realmente discutir esse tema com mais profundidade; e também quero sugerir aqui, como um encaminhamento, criar uma Comissão dentro do Senado Federal para a gente discutir política de desenvolvimento para os territórios indígenas, em que a gente consiga ouvir realmente os indígenas que estão na base, e não os indígenas que estão... Tem muitos por aí que querem falar em nossos nomes sem conhecer a realidade do que é cada território indígena deste país. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Obrigado. Eu passo agora a palavra ao Sr. Marcos Kaingang, Secretário Nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Originários. É isso? O SR. MARCOS KAINGANG - Isso. Está ligado, Senador? O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Está. O SR. MARCOS KAINGANG (Para expor.) - Então, quero só dar minha boa tarde aqui ao Senador Rogério, agradecer mais uma vez a esta Casa aqui pelo convite, Senador, aos demais membros também desta Comissão. Quero cumprimentar aqui o Kleber, o Luis também aqui, o meu conterrâneo, meu xará de nome, Marcos também, e os demais no modo remoto. Senador, vou ser bem sucinto e rápido, as demais a gente pode desenvolver num segundo momento. Nós, do Ministério dos Povos Indígenas, temos como atribuição e prerrogativa a proteção e o zelo do usufruto das terras indígenas pelos povos indígenas. No nosso ponto de vista, a PEC proposta, nº 10, aqui, proposta por esta Casa, num primeiro momento, viola integralmente o texto constitucional do art. 231 da Constituição por uma série de questões. Uma, porque nós temos um regime jurídico de terras indígenas lá que o Constituinte, em 1988, estabeleceu o usufruto exclusivo pelos povos indígenas. Então, a própria alteração desse artigo traria impacto direto a esse próprio texto constitucional. Segunda: o próprio Supremo Tribunal Federal, já no recurso extraordinário, no ano de 2023, através do Recurso Extraordinário 1.017, reforçou novamente o usufruto das terras indígenas pelos povos indígenas em mais de um momento, inclusive no julgamento, e por outros ministros inclusive. Isso consta, inclusive, nos acórdãos do próprio Supremo Tribunal Federal. |
| R | Também viola a Convenção 169 da OIT esse debate que entendemos que é muito mais profundo e complexo, como trazido pelos parentes dos povos indígenas, mas é óbvio que a propositura viola frontalmente a Convenção 169 da OIT e outros tratados internacionais também. Além de trazer, Senador, toda uma afronta direta à integridade territorial. Terra indígena, Senador e demais colegas também, é um bem patrimônio da União. Então, não pode ser objeto de convencionalidade dessas parcerias e iniciativas privadas. Então, você tem outro arcabouço jurídico também que impacta nessa direção. Ela não é um bem, eu diria, num regime e categoria de um bem particular, que pode ser convencionalizado nessa direção. Então, entendo que a direção do nosso debate, Senador, além das inconstitucionalidades já previstas, mencionadas aqui, tem que caminhar numa direção de que não é a nossa direção, enquanto Ministério dos Povos Indígenas, enquanto Poder Executivo também, é na direção de dar o suporte e a autonomia para os povos indígenas produzirem, para nós darmos a iniciativa, as condições para que muitos povos indígenas possam produzir seus alimentos e gerar sua renda, mas não que terceiros façam essa exploração das terras indígenas. Essa é a nossa grande preocupação, de fato, em que nós, Ministério dos Povos Indígenas e Poder Executivo, temos que avançar nessa direção, de que os povos indígenas tenham as condições de produzir seu alimento, que é a realidade em muitos desses territórios, já mostrada pelo colega aqui do ISA também, e em outras regiões do Brasil, em que, eu diria, hoje, Senador, que boa parte da produção que se tem em terras indígenas é a exceção dos povos indígenas que querem produzir com a parceria de terceiros. A grande realidade, de fato, é os povos indígenas produzindo com autonomia, mesmo com muitas limitações, não tendo acesso a financiamento. Acho que é outra questão, Senador, em que a gente precisa avançar, os povos indígenas não conseguem acessar, muitas vezes, a linha de financiamento para produzir a sua macaxeira e outros bens e insumos para o próprio consumo e subsistência no território. Então, são iniciativas que nós, enquanto Ministério dos Povos Indígenas, defendemos nessa direção, e não ceder um patrimônio que é da União, pensado no ano de 1988, um regime jurídico, destinado ao usufruto exclusivo dos povos indígenas, e não de terceiros. Inclusive, Senador, a própria 14.701, diante de toda a sua incongruência, sua inconstitucionalidade, também já vetou o item do arrendamento em terras indígenas, já aprovada por esta Casa a Lei 14.701, que versa sobre o marco temporal, mais conhecido, inclusive ela já vetou esse item de arrendamento. Agora, parcerias e outras iniciativas, a gente entende que violam frontalmente o texto constitucional, a iniciativa e todo o regime jurídico, que é pensado em uma terra indígena de bem patrimônio da União, Senador. É isso, inicialmente. O SR. PRESIDENTE (Rogério Carvalho. Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - SE) - Quero agradecer a você, Sr. Marcos Kaingang, Secretário Nacional de Direitos Territoriais Indígenas. Tem algumas questões aqui que já foram, de certa maneira, respondidas por todos os participantes: Sabrina, do Maranhão: "A PEC 10/2024 altera de alguma forma o princípio constitucional da autonomia dos povos indígenas sobre seus territórios?". Isso já foi respondido: sim. José, do Rio de Janeiro: "O que [se] entende por produção indígena? Cuidar do ambiente e viver integrado a ele [...] é caracterizado por produção? [...]". Também, de certa maneira, já foram expostas as posições que tratam dessa questão. Cristiano, de São Paulo: "A liberação da produção favorece a soberania alimentar indígena ou pode gerar dependência do mercado externo?". É óbvio que aqui, à medida que você abre a sua fronteira para a exploração ou arrendamento, você integra e você promove um processo acelerado de desterritorialização existencial dos povos indígenas. |
| R | Mônica, do Rio de Janeiro: "Os indígenas e suas comunidades podem praticar quaisquer atividades florestais e agropecuárias, inclusive desmatando?". Sim, porque está dentro de sua autonomia e obviamente que não é em escala industrial. Teresina, de Minas Gerais: "Qual tipo de produção indígena [...] será interessante apoiar [...] [artesanato, produção agrícola familiar]?". Bom, eu quero... Mariana também: "Como evitar que a parceria vire exploração? O lucro vai para a multinacional, a destruição fica na terra indígena. É justo?". Claudiane, do Amazonas: "Como a União pretende efetivamente regulamentar o auxílio técnico previsto na PEC?". Claudiane, do Amazonas: "Quais mecanismos de fiscalização serão implementados para garantir que a autonomia não resulte na exploração ou arrendamento das terras [indígenas]?". Eu quero fazer... Aqui são contribuições, são questões que foram postas. De certa maneira, a maioria delas foi respondida pelos participantes da audiência, mas eu queria fazer uma consideração. Esse não é um tema que pode simplesmente ser resolvido com a mudança da Constituição. Primeiro, porque existem cláusulas pétreas que não podem ser modificadas a não ser num processo constituinte, porque é basilar para a conformação da própria Constituição. Essa é uma primeira questão. É óbvio que a própria Constituição define que é preciso regulamentar esse tipo de atividade em terra indígena, abre a possibilidade. Nós temos um grupo de trabalho aqui que tem ainda, em torno, de sete audiências públicas a realizar para instruir a conformação de uma legislação que obrigatoriamente terá que considerar toda a complexidade que é o tema da terra indígena. Em primeiro lugar, é preciso que a gente elimine da nossa compreensão que os índios ou que os povos indígenas ou que os povos originários do nosso país não sabem o que querem ou que eles não conseguem ser capazes de lidar com a sua própria realidade, então, eu acho que nisso a gente precisa ter essa discussão. É óbvio que não dá para você simplesmente abrir uma atividade sem considerar os riscos que essa atividade vai imprimir e o tipo de neocatequização que está implícito nessa entrada econômica quando se propõe, por exemplo, uma atividade de mineração, que a gente sabe que é devastadora e é complexa. Portanto, acho que a gente precisa ter muito cuidado, muita cautela ao estabelecer uma normatização para garantir que as riquezas das terras indígenas estejam à disposição dos povos indígenas. Veja, devemos fazer isso de uma maneira que garanta, desde que seja a vontade desses povos, aquilo que precisa ser preservado dessas culturas, dessas nações. Nós estamos falando de nações que estão aqui há 10 mil, 15 mil anos. Como é que nós vamos simplesmente criar um mecanismo de entrada e de destruição daquilo que precisa, de certa maneira, por vontade das próprias etnias, das próprias nações, que querem que seja preservado. Certo? |
| R | Então, é um debate muito complexo, que requer de nós todos muita maturidade para que não seja feito... E, se fosse fácil, já teria sido regulamentado, já teríamos uma solução para isso. Quando não se tem uma solução, não se faz; mas não fazer também está ensejando muitas investidas em que pode acontecer o mesmo que aconteceu com o marco regulatório do licenciamento ambiental. Certo? O que foi que aconteceu? "Não pode por isso, não pode por aquilo", e isso gerou um acúmulo que acabou atropelando e destruindo aquilo que a gente já tinha acumulado de proteção. Certo? Então, é preciso que a gente, com maturidade, com discernimento, traga a complexidade, senão a gente fica num debate que é assim: "Eu sou contra"; "Eu sou a favor". Eu mostro... É contra o quê? Nós não vamos conseguir impedir que a mineração em terra indígena se dê algum dia. Nós não vamos conseguir impedir isso. Uma hora... E já está acontecendo. Nós já temos, por exemplo, invasão de terra indígena por garimpeiros. Nós não podemos permitir que o garimpeiro continue atuando em terra indígena, porque o garimpo é absolutamente destrutivo. O que pode ser feito? Eu acho que não dá para a gente não iniciar essa discussão com profundidade, analisando os riscos que isso produz para as nações indígenas, para a cultura, para a manutenção da história, das tradições, do modo de vida. Como é que tudo isso... Será que é possível, não é possível? Será que eles querem... Eles querem ou não querem tentar? Como eles vão se preservar? Qual é o papel do Estado? Como a atividade econômica entra nesse ambiente? Ou seja: ou a gente olha para esse objeto e tenta buscar o menor dano possível... porque, inexoravelmente, com o tempo, isso vai acontecer. E vejam: o mundo depende de alguns tipos de minério, a atividade econômica vai avançar. Há pressão sobre... Ou a gente cria mecanismos consistentes para proteger e para garantir que essa riqueza não seja tomada de assalto, como vem acontecendo, ou nós não vamos ter absolutamente nada ao final, se a gente não... Como, por exemplo, agora: eles atropelaram toda a regulamentação. Vai virar um problema, vai ser judicializado, mas nós vamos deixar uma lacuna enorme aí e, nessa lacuna, muita coisa vai acontecer que foge dos critérios razoáveis de preservação e de sustentabilidade. Então, eu queria agradecer a todos, dizer que todas as contribuições que foram apresentadas... Não tem nada conclusivo. Essas contribuições devem ser encaminhadas ao Relator e devem ser encaminhadas... Eu peço à nossa assessoria que também busque essas contribuições, para que a gente possa levar em consideração no debate que será feito oportunamente aqui na Comissão de Constituição e Justiça. |
| R | Sei que, em todas as contribuições aqui, todos concordam que não deve haver arrendamento, mas nem todos concordam que deve haver atividade minerária em terra indígena - também isso não é um consenso -, mas o próprio STF já demandou desta Casa que regulamente atividade minerária em terra indígena, ou seja, não adianta a gente resistir, porque essa resistência tem que se transformar em luta para que essa atividade não seja destrutiva - certo? -, sob pena de a gente perder para uma regulamentação muito danosa à preservação daquilo que é um patrimônio histórico, cultural, humano das nações originárias que estavam aqui quando os europeus e os africanos chegaram. Então, eu queria agradecer a todos e encerro a presente sessão. Obrigado. (Iniciada às 14 horas e 34 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 29 minutos.) |

