Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 9ª Reunião da Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei nº 4, de 2025, que dispõe sobre a atualização da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil, e da legislação correlata. A presente reunião se destina a discutir temas relativos ao direito digital e às implicações relacionadas à inteligência artificial. Participarão da audiência pública os seguintes convidados: Dra. Christina Aires Corrêa Lima, Advogada, representando a Confederação Nacional da Indústria; Prof. Flávio Tartuce, Coordenador e Professor do Programa de Mestrado da Escola Paulista de Direito e Relator-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil; Profa. Laura Porto, mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento, Professora e Advogada; Dr. Pedro Zanette Alfonsin, Mestre em Direito, Advogado e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que participará por videoconferência; Profa. Rosa Maria de Andrade Nery, Livre-Docente da Faculdade de Direito da PUC-São Paulo e Relatora-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil, que também participará por videoconferência; Dra. Tainá Aguiar Junquilho, Doutora em Direito, Professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e Advogada. Comunico aos presentes que a audiência pública funcionará da seguinte forma. Cada convidado terá dez minutos para sua exposição. Após a fala dos convidados será franqueada a palavra ao Relator e aos demais Parlamentares presentes que queiram fazer uso da palavra. Comunico novamente que o prazo final para apresentação das emendas à Comissão é de 3 de março de 2026 e que, para ter conhecimento das emendas recebidas, pedimos que acessem o PL 4, de 2025, por meio do link disponibilizado na aba "Comunicados", no Portal da Comissão. Esta reunião é interativa, transmitida ao vivo pela TV Senado, aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, e também pelo telefone da Ouvidoria: 0800 0612211. Para dar início à nossa audiência pública, com muita satisfação, passo a palavra à Advogada Christina Aires Corrêa Lima, que representa a Confederação Nacional da Indústria. Tem a palavra, Dra. Christina. A SRA. CHRISTINA AIRES CORRÊA LIMA (Para expor.) - Muito obrigada, Senador Rodrigo Pacheco. Agradecemos demais a nossa participação. E é muito bom sempre vir ao Senado, uma Casa que sempre nos acolhe tão bem para ouvir as preocupações da indústria. Queria também parabenizar esta Comissão, que, além de um esforço hercúleo sobre todo o Código Civil, ainda entra num tema que a gente sabe que, hoje em dia, mesmo que a gente não concorde com todas as disposições, precisa ter debate. O mundo inteiro está debatendo. E nós vemos agora a União Europeia fazendo uma reformulação do AI Act, que acabou de ser editado. Então, é uma regulação... |
| R | E o que a CNI quer colocar é exatamente a diferença, para o Senado avaliar, se nós vamos por uma codificação rígida num Código Civil, em que nós sabemos que a estrutura de direito é muito mais de direitos que vêm da nossa sociedade, das relações jurídicas, para incluir um tema que ainda é volátil... Então, a gente está pensando em uma estrutura rígida ou em um caminho de uma flexibilidade estratégica, como a União Europeia até vem encampando agora, inclusive tendo como fonte modelos outros de flexibilidade regulatória, como o do Japão, o da Inglaterra e até o dos Estados Unidos. O que a gente traz dessa síntese? A proposta do Código Civil quer incluir um capítulo de direito civil digital, que é atualizar a legislação contemporânea, de 2002, para a realidade tecnológica contemporânea, que deu um salto, e o resultado imediato é que essas críticas foram - especificamente para o capítulo de direito digital - pela falta de flexibilidade para acompanhar essas alterações tecnológicas. E aí a gente tem algumas falhas estruturais e de técnicas legislativas que a gente gostaria de apontar. A primeira é a quebra de uma lógica sistêmica do Código Civil. A criação de um livro autônomo de direito digital rompe com aquela estrutura pandectista do Código, isolando o direito digital em vez de integrá-lo. Então, tem regras aqui que são superinteressantes, por exemplo, para você dispor sobre questões de herança digital, etc. Isso não seria mais adequado para colocar dentro de um livro da herança digital, se o Congresso entender que já há maturidade para dispor dessas questões, do que colocar num livro separado de direito digital? Outra questão. Tem uma ordem de capítulos não muito sistêmica e meio frágil, em que você coloca dentro do Livro de Direito Digital princípios que já estão na Constituição, na LGPD, no marco civil da internet e de uma forma muito geral, o que não dá efetivamente uma concretude a esses princípios. E a CNI se preocupa muito com essa sobreposição regulatória, porque depois fica difícil a sua aplicação, principalmente para a indústria que trabalha com certificação. Para colocar um produto da indústria no mercado, nós precisamos estar certificados de que está tudo de acordo com a lei. E, quando a gente tem sobreposições regulatórias, essa insegurança jurídica para os investimentos, para o desenvolvimento científico-tecnológico se amplia. E outra questão: temas de neurodireitos também. Nós entendemos que, além de estar deslocado, pois que deveria estar lá nos direitos de personalidade do Código Civil, são temas que - nós estamos vendo, inclusive, vários projetos de lei sobre isso - têm que acompanhar o desenvolvimento também da biotecnologia. Aí a gente tem aqui o dilema de Collingridge, que é: ou você regula muito rápido e pode ficar fora das inovações... A gente se lembra da questão da Dolly e das questões de genética, em que os Estados Unidos vedaram a regulação, depois se arrependeram, porque todo esse desenvolvimento científico foi trazido em outros países, e depois tiveram que correr atrás. Também não podemos ficar tão atrás da regulação que, depois, alguns direitos ou riscos podem se concretizar. Então, esse balanceamento do momento da regulação de novas tecnologias é muito importante. |
| R | E isso também traz uma questão de mecanismos mais flexíveis da regulação digital, e não só mecanismos flexíveis de regulação, como sandbox, autorregulação regulada, como de regulação responsiva. Nós estamos vendo aqui no Código Civil, que também é uma das preocupações da CNI no PL de inteligência artificial, que é usar a velha técnica do comando e controle com multas. E nós temos visto o TCU colocando que a gente não arrecada nem 3% das multas que todos os nossos órgãos administrativos aplicam. Por quê? Porque é inadequado. A administração pública aplica a multa e acha que fez seu papel; as empresas, muitas vezes, pagam e acham que está tudo bem ou discutem judicialmente, porque a legislação é inaplicável ou inadequada. E a finalidade da regulação, que é de resolver os problemas a que a legislação se propõe, fica perdida nesse emaranhado de discussões. Então, o que nós propomos e o que tem sido feito - inclusive, a Anatel tem algumas questões, a CVM - é a regulação responsiva. Traz-se a empresa frente... (Soa a campainha.) A SRA. CHRISTINA AIRES CORRÊA LIMA - ... ao regulador, e ele vai, junto com a empresa, entender quais são as dificuldades e qual o melhor caminho para se chegar àquele ponto. A União Europeia fez isso. Após fazer uma norma abrangente, chamou os stakeholders para ouvi-los e viu dificuldades imensas em aplicar a legislação. Para se ter uma ideia, ela está mudando até o conceito de dados pessoais da GDPR, que nós temos também na nossa lei de dados pessoais, que é muito avançada, que é muito boa, mas que estava impedindo o treinamento de IA, por causa da questão de dados identificáveis. Dados identificáveis com IA todos são. Então, está indo muito mais no sentido da vedação do uso indevido do alto risco do que mesmo na coleta de dados. Outra questão que nós temos - e a gente já falou muito -: essa redundância e risco de conflitos normativos. No Código Civil, nós estamos vendo muito conflito com o marco civil da internet, com a LGPD e até com as decisões do Supremo, que nós vemos agora, sobre moderação de conteúdo, que é a questão da responsabilidade sobre a moderação de conteúdo. Ao regular aqui diferente do que o Supremo acabou de entender, além de ter esse conflito, a gente pode ter mais judicialização. Outra questão: responsabilidade objetiva para cadeia de valor de IA. É outra preocupação enorme da CNI. A cadeia de valor não é linear, ela é multifacetária, e nós dependemos de uma inovação prévia para outras. E o que dá mais segurança jurídica, além das documentações, é você restringir a responsabilidade da cadeia de valor. Vamos dizer: você tem um modelo geral; aí o Judiciário pega aquele modelo geral e vai fazer a sua API ou a sua fine and tone para aplicar no Judiciário; depois, um escritório de advocacia pega um modelo parecido para fazer as suas petições; se você for voltar lá ao início, quando a questão do problema pode ser o treinamento na base de dados da segunda API ou outra, você vai fazer uma digressão de responsabilidades e uma insegurança jurídica, que também é importante para desestimular a inovação. |
| R | Outra coisa que a gente já colocou, uma solução simples para problemas complexos... A nossa preocupação também no Código Civil é que, trazendo esses direitos fundamentais sem dar mais explicações, além da sobreposição regulatória, nós temos - é até uma dificuldade de levar isso ao Supremo - uma desproteção de direitos. Por quê? Quando você cita uns e não cita outros, será que é porque os outros não estão adequados? O que nós achamos é que todos os dispositivos, regulamentos, normas constitucionais, e mesmo tratados, já vão ser aplicados ao direito digital. Então, há essa preocupação de, visando proteger, acabar desprotegendo. E há uma preocupação também de que, quando se coloca direito constitucional em um Código e se regula infralegalmente, nós podemos tirar o acesso ao Supremo pela Súmula 280. Isso acontece, por exemplo, no Código de Processo Civil, com coisas julgadas, atos jurídicos perfeitos. O Supremo vem entendendo que, quando a legislação infraconstitucional dá critérios e determinações, a questão vira infraconstitucional, e você não chega ao Supremo. E são direitos fundamentais muito importantes. A ideia de se ter princípios é porque eles vão orientando, iluminando e atualizando as normas, com base nas suas compreensões. Outra questão muito importante que nós gostaríamos de colocar é que o foco da legislação europeia é menos complexidade regulatória e maior flexibilidade do mercado, com preservação do princípio da autonomia da pessoa humana. O que acontece aí? E, nisso, o alto risco deve ser o que é buscado, regular... E alto risco a quê? A direitos fundamentais, direitos humanos, dados pessoais. Na nossa legislação, que a gente está discutindo na Câmara agora, e também no Código Civil, nós não vemos essa diferenciação. É como se, na legislação europeia, nós tivéssemos um sinal com vermelho, amarelo e verde. O verde é o baixo risco, em que você exclui a aplicação da norma e onde está a maioria das aplicações industriais que não têm essas violações. Só que esses critérios e o baixo risco não estão previstos nem aqui, nem na norma. Isso faz com que a indústria entre no sinal amarelo, de alto risco, sem ter direitos fundamentais envolvidos, por falta de critérios legislativos. E o que nós vimos nessa regulação europeia? Ela vem dar mais ainda clarificação para tirar os riscos que não são altos ou indevidos. O risco mínimo e o limitado só têm a obrigação de informar a pessoa quando está interagindo com IA. E aí, para a indústria... Vou dar exemplos, porque eu acho que é o que mais esclarece a questão. Por exemplo, nós fomos agora, levamos algumas pessoas para conhecer a indústria, e fizemos um seminário na CNI para dizer o que a indústria faz com a IA. Aí, uma das questões que está colocada como de muito alto risco é o reconhecimento de padrões, de emoções faciais. Vocês vejam, é uma questão que pode ser muito importante, a depender do uso, mas, em caminhões, por exemplo, que já têm isso - é uma tecnologia antiga de carros e caminhões -, ela só avisa se a pessoa está cansada, para evitar acidentes. Esse dado não é guardado, é simplesmente utilizado em uma aplicação imediata, para evitar acidentes em estradas. Como ele entra no alto risco agora... (Soa a campainha.) A SRA. CHRISTINA AIRES CORRÊA LIMA - ... e não tem essa distinção, nós entramos com uma carga regulatória enorme em um uso que não vai afetar direito fundamental nenhum - acho que o meu tempo acabou. |
| R | Então, essas preocupações são preocupações muito relevantes, e nós entendemos que têm que ser discutidas em uma legislação específica. Ainda mais com as alterações da União Europeia, nós temos oportunidade de ver o que ainda está se aprimorando lá. Nós tivemos uma lei do Japão agora, também, que destravou investimentos. Então, evitar a sobreposição regulatória e fazer uma discussão com cautela - e olhando a paridade com a legislação internacional - é muito importante para a CNI. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dra. Christina Aires Corrêa Lima, por seu pronunciamento, por suas contribuições a esta Comissão. Passo a palavra imediatamente ao próximo orador, o Dr. Pedro Zanetti Alfonsim, Presidente da Comissão de Direito Civil do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que participará por videoconferência. Dr. Pedro, está conectado? O SR. PEDRO ZANETTE ALFONSIN (Para expor. Por videoconferência.) - Sim. Bom dia. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Estamos ouvindo V. Sa. Dr. Pedro, tem a palavra. O SR. PEDRO ZANETTE ALFONSIN (Por videoconferência.) - Bom dia. Perfeito. Bom, primeiramente gostaria de saudar o nosso Presidente da Comissão que cuida da matéria hoje da reforma do Código Civil, o Presidente Senador Rodrigo Pacheco. Queria saudar os membros da Comissão de Juristas, em nome também do Presidente Luis Felipe Salomão e dos importantes professores na matéria de direito digital, como o Prof. Ricardo Campos e a Profa. Laura Porto, pela coragem e pela visão de futuro de promover um debate tão denso sobre a reforma do Código Civil, no que toca à inteligência artificial e ao direito digital. Ora, o Brasil adota a tradição romano-germânica, em que a pacificação social nasce das leis - fruto de um trabalho dos representantes do povo. Em um sistema assim, inexiste segurança jurídica sem que o Parlamento cumpra seu papel de atualizar o ordenamento jurídico das transformações da sociedade. A ausência de legislação adequada, especialmente no domínio digital, tem contribuído para a proliferação de crimes, fraudes e abusos. Todos aqui conhecem os alarmantes números dos golpes virtuais. Nós, da Ordem dos Advogados, estamos extremamente preocupados, por exemplo, com os golpes do falso advogado, que ilustram, de forma dramática, como o vazio normativo alimenta uma indústria de prejuízos e sofrimento social. Regular o ambiente digital é, portanto, regular a própria vida contemporânea. Fazendo esse gancho, afirmo com convicção: não há tema mais urgente no direito privado brasileiro do que a legislação sobre o direito digital e a inteligência artificial. É uma falácia e, mais do que isso, um equívoco perigoso sustentar, pela dinamicidade da tecnologia, que deveríamos relegar às agências reguladoras, ao CNJ ou ao Poder Judiciário a tarefa de disciplinar questões como inteligência artificial e seus limites éticos, assinatura eletrônica e atos notariais digitais, transparência e segurança no ambiente digital, patrimônio digital e celebração de contratos digitais. |
| R | Todos esses temas aparecem densamente tratados, inclusive num estudo da FGV Justiça, que embasa este debate, mostrando o ambiente digital, que hoje sofre, como já havia dito antes, com golpes digitais e outros itens, e nós devemos apontar para a proteção de dados, a indexação até de responsabilidade de conteúdos, e também um olhar específico sobre a temática dos deep fakes. Nós todos somos conhecedores, por exemplo, da jurisprudência causada pela... (Falha no áudio.) ... da Volkswagen, que ilustra muito bem como nós devemos hoje investir na proteção, quer dizer, numa legislação que proteja efetivamente os direitos autorais. Nenhuma democracia contemporânea avança deixando questões entregues à interpretação isolada do Poder Judiciário ou à oscilação de políticas internas das plataformas. Uma boa regulação clara, sistêmica e moderna não trava a inovação, ela a viabiliza. Nós queremos dar previsibilidade e igualdade de condições, acima de tudo, paz social, que é o objetivo maior do nosso direito civil. O texto deve dialogar efetivamente com as normas efetivas trazidas pelo Código de 2002, e esse é um ponto efetivamente importante. Nós não estamos aqui querendo defender que se tenha simplesmente um minicódigo digital, mas que a gente integre o direito digital ao direito privado. E isso exige efetivamente cautela. Nós sabemos que hoje, no nosso Senado Federal, já foi levado adiante o PL em relação à tecnologia da inteligência artificial, que hoje está na Câmara, nós temos temas já legislados sobre contratos eletrônicos e assinaturas digitais, e isso foi efetivamente muito bem analisado quando foi trazido o tema da Comissão de Juristas, ou seja, a própria Profa. Laura Porto, na audiência anterior, e o Prof. Ricardo Campos, já trataram de como houve esse diálogo, e isso tranquiliza inclusive a todos, com a opção, olhando para a segurança jurídica, de que esse código ou esse capítulo novo trazido dentro do código digital olha para as questões principiológicas, olhando efetivamente para o direito comparado, para as melhores práticas legislativas trazidas pelos outros países, trazendo efetivamente uma temática de soluções para que a gente possa tratar efetivamente de temas como liberdade de expressão e proteção da personalidade, a regulamentação da inteligência artificial trazendo parâmetros de responsabilidade. E aqui nós queremos apontar para um futuro. É óbvio que nos traz extrema insegurança olhar para onde nós estaremos, por exemplo, daqui a dez anos, em 2035, em 2045, quando a gente trata do avanço da tecnologia artificial ou da inteligência artificial como um todo, e aí é preciso que inclusive o nosso Senado, daqui a pouco, tenha Comissões específicas tratando permanentemente de regulamentações e atualizações sobre essa matéria. Mas há um norte que não pode ser esquecido, além de tudo, como já foi dito antes, e aqui é algo que também é trazido: que o ser humano deve estar no centro do sistema jurídico. |
| R | Nós não podemos relegar, portanto, à inteligência artificial a liderança ou o poder que hoje deve emanar da nossa população. E isso não significa que a gente queira demonizar a tecnologia. Pelo contrário, significa reconhecer que ela, como instrumento, serve não como finalidade, mas como meio não destinatário da proteção jurídica. Portanto, encaminhando para o final da nossa fala, eu queria agradecer ao Senado Federal, e inclusive disponibilizar a outros conselheiros federais que aqui estejam ou a outros colegas advogados... Nós convidamos a Profa. Laura Mendes também para estar aqui hoje, e ela não pôde estar aqui hoje em decorrência de um congresso que está realizando, inclusive, na nossa Ordem dos Advogados, mas essa abertura do diálogo com a Ordem, já trazida na Comissão de Juristas, já com todo o diálogo, inclusive, que o nosso sempre Presidente e Conselheiro Federal Rodrigo Pacheco tem com o Presidente Beto Simonetti, com o nosso sempre Presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho, deve trazer otimizações, inclusive nesse capítulo de direito digital e em todos os itens trazidos, para que a gente possa enfrentar os desafios do presente e preparar o país para um futuro em que a tecnologia e a humanidade caminhem juntas. Muito obrigado, Presidente Rodrigo Pacheco. Também fico à disposição para eventuais contribuições. O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - Obrigado, Prof. Pedro Alfonsin, pela sua participação. Em seu nome, nós queremos registrar aqui a prestatividade com a qual a nossa OAB tem se demonstrado nesses debates que estamos a promover na atualização do Código Civil. O Presidente Rodrigo Pacheco pediu licença para atender a um telefonema e, enquanto do seu retorno, nós aqui estamos a presidir este momento. Eu convido a Sra. Tainá Aguiar Junquilho. Eu me pronunciei corretamente? (Pausa.) Seja bem-vinda! A Professora integra o Grupo de Trabalho de Inteligência Artificial do Conselho Nacional de Justiça. V. Sa. dispõe de dez minutos, e nós lhe passamos imediatamente a palavra. A SRA. TAINÁ AGUIAR JUNQUILHO (Para expor.) - Muito bom dia a todos e a todas. É uma alegria estar aqui nesta manhã ao lado de grandes colegas e grandes nomes do direito. Eu queria, em primeiro lugar, agradecer o convite que me foi feito respectivamente ao Senador Rodrigo Pacheco e ao Senador Veneziano Vital do Rêgo. Eu queria também parabenizar o trabalho hercúleo que foi feito, em especial, nos nomes do Ministro Luis Felipe Salomão, que presidiu a Comissão de Juristas e por quem eu nutro uma profunda admiração, assim como a Profa. Laura Porto, por quem eu também nutro uma profunda admiração, ao Senador Rodrigo Pacheco, ao Senador Veneziano e também aos professores, especialmente ao Prof. Flávio Tartuce e à Profa. Rosa Nery, a quem eu tenho acompanhado. Como eu acompanho aqui também todas as audiências públicas, vejo que eles sempre estão presentes, demonstrando também o esforço hercúleo para acompanhar as discussões. E a gente fica na expectativa de que todas essas observações que têm sido feitas aqui sejam incorporadas ao texto. Então, a gente fica muito feliz. Eu tenho uma apresentação e gostaria que fosse passada, por favor. (Pausa.) |
| R | Isso porque eu testei antes, viu, gente? (Risos.) Se quiser passar para outro convidado enquanto... O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB. Fora do microfone.) - Não temos pressa. A SRA. TAINÁ AGUIAR JUNQUILHO (Fora do microfone.) - Está bem. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Já solucionamos o problema técnico. Tem a palavra, Doutora. A SRA. TAINÁ AGUIAR JUNQUILHO - Obrigada. Zere o meu cronômetro, por favor. (Risos.) Gente, novamente aqui, como Professora de Direito, eu vou me ater ao tema desta audiência pública, que é o direito digital e implicações relacionadas à inteligência artificial. Então, eu trouxe aqui uma série de temas que eu acredito que sejam contributivos para o aperfeiçoamento do texto; críticas construtivas. Pode passar, por favor. |
| R | Bom, existem críticas gerais - a gente sabe que existem críticas gerais ao texto; a própria Cris falou, e a gente tem ouvido -, especialmente em relação ao texto do Livro de Direito Digital, se faz sentido falar em direito real versus digital, fazer um livro separado para isso; à questão dos neurodireitos - e eu acho corajoso também, para dizer o mínimo, enfrentar isso, embora a gente tenha aqui uma proposta de emenda constitucional inclusive, de autoria do Senador Randolfe, para inserir, no rol dos direitos fundamentais, os neurodireitos. Em resumo, acho que existem alguns conceitos do Livro de Digital que podem ser precisados, como, por exemplo, as plataformas digitais de grande alcance - mas existem outros exemplos -, mas acho que a gente tem que aprofundar este debate, especialmente porque este, e é por isso que eu acho que ele tem movido tantas paixões, é a grandessíssima novidade - não é, Professora Laura? Você teve aí essa responsabilidade. E é isto: com grandes poderes, vêm mesmo grandes responsabilidades, não é? E aí é natural, acredito que seja natural que venham críticas construtivas, até porque é a grande novidade. Óbvio, existem outras incorporações, novidades, porque é uma reforma de um Código Civil, mas a grande novidade é o Livro de Digital. Pode passar, por favor. Bom, então, como Professora, não poderia deixar de ser, eu trouxe algumas perguntas-guia aqui para demonstrar o conceito atual, vou falar um pouquinho do PL 2.338, de 2023, e trazer algumas sugestões. Pode passar, por favor. Gente, o contexto atual é que a inteligência artificial está em tudo o que nos cerca. Ela é uma tecnologia de propósito geral, a grande tecnologia da quarta revolução industrial: independentemente, a pessoa que nasceu hoje e a pessoa mais antiga do mundo estão vivendo nessa situação da inteligência artificial, sendo a tecnologia primordial dos nossos tempos, uma tecnologia de informação e comunicação e que, portanto, tem por base, como matéria-prima, um grandessíssimo conjunto de dados. E essa tecnologia, que é a grande tecnologia dos nossos tempos, traz uma série de benefícios. Ela já tem sido usada - a Chris pode falar melhor do que eu - na indústria fortemente, mas também no Poder Judiciário, na área da saúde, na área da agricultura de precisão e numa série de outros locais, espaços, mas ela traz, como toda tecnologia, uma série de riscos, como os vieses, a opacidade, a hipervigilância, as questões em relação ao direito autoral, enfim, que vão atingir, como uma tecnologia de propósito geral, todas as áreas do direito, incluindo o direito civil. Pode passar, por favor. Esta aqui é uma imagem. Uma vez, eu estava dando um treinamento para mulheres desenvolvedoras e eu falava do resultado que a gente tem da inteligência artificial. E eu não vou falar no Brasil, porque ele é a ponta do iceberg, porque a gente nem está... Não faz sentido nenhum, no calor que a gente vive, falar disso, mas é a ponta, é a copa da árvore. E, nas raízes e nessa copa da árvore - portanto, nos resultados que a gente vê da inteligência artificial -, existe uma série de decisões humanas que, portanto, podem ser controladas, como, por exemplo, em relação à tomada de decisão sobre qual base de dados utilizar, onde utilizar, em que momento, qual é a precisão aceitável para se aplicar determinado sistema. Pode passar, por favor. Então, tudo isso permite ser controlado. Esta aqui é a tese resultante do meu doutorado, "Inteligência Artificial no Direito: Limites Éticos", em que eu proponho... O Senador Eduardo Gomes, que é o Relator do Projeto 2.338, apresentou a emenda, ele é o responsável pela emenda constitucional que inseriu na nossa Constituição a proteção de dados pessoais para além da garantia da privacidade, num mundo como é hoje. E a grande proposta da minha tese, e eu não poderia deixar de falar isso, porque eu estou diante de Parlamentares do mais alto nível, é que se traga também... Já que a inteligência artificial é a grande tecnologia dos nossos tempos, que se acresça ao rol do art. 5º, dos direitos fundamentais, o desenvolvimento de inteligência artificial responsável como um direito fundamental. |
| R | Pode passar, por favor. A grande questão dos nossos tempos, e o mundo tem pensado sobre isso, é: como conciliar o azul, de que o Prof. Luciano Floridi fala, que é uma cor ligada à tecnologia, e o verde, do desenvolvimento sustentável? Pode passar, por favor. Mas a grande questão dos senhores legisladores, especialmente agora tratando do livro de civil, é a demanda por novas respostas regulatórias. E aqui eu botei uma imagem x que eu achei na internet, mas eu fiz o exercício - não botei aqui, depois vou mostrar para vocês privadamente - de jogar numa IA generativa "produza uma imagem de legisladores, do Senador Rodrigo Pacheco e do Senador Veneziano Vital do Rêgo, confusos em como regularem e darem uma resposta regulatória". Depois eu mostro o resultado para vocês. Pode passar, por favor. (Intervenção fora do microfone.) A SRA. TAINÁ AGUIAR JUNQUILHO - Não, esse não é o senhor. (Risos.) Eu o poupei - eu o poupei. A reforma do Código Civil traz a palavra... Olha como é importante esse tema! Eu fiz um simples "Ctrl+F" ali. A palavra "digital" aparece 184 vezes no texto e o termo "inteligência artificial", 11 vezes. Pode passar, por favor. Só que como anda a regulação da inteligência artificial no Brasil hoje? Nós temos a Agenda Brasil Digital, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, o art. 20 da Lei Geral de Proteção de Dados e o Projeto de Lei 2.338. Pode passar, por favor. A Agenda Brasil Digital traz a autonomia da Agência Nacional de Proteção de Dados, transforma a ANPD em agência, traz o ECA Digital, sanciona o ECA Digital, propõe o PL de mercados digitais e também o Redata, questões que interferem também no direito civil. Pode passar, por favor. Então, o desafio legislativo agora, mais do que respostas regulatórias, é como tornar essas regulações interoperáveis. E aqui é que vem a minha grande contribuição e algumas sugestões para que essas respostas trazidas pelo Livro de Digital sejam interoperáveis com as regulações já sancionadas ou que estejam em tramitação em estágio muito avançado, porque o PL 2.338 já passou aqui no Senado Federal. Pode passar, por favor. O PL 2.338, então, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco e de relatoria do Senador Eduardo Gomes, traz um caminho muito interessante, uma lógica que é de cinco eixos: princípios; direitos; classificação de riscos, que difere do AI Act, que traz quatro níveis de risco, e, no Brasil, você tem só dois, que são o risco excessivo ou proibido de uso da inteligência artificial e de aplicações e o de alto risco, que vai exigir mais deveres de governança; medidas de governança; e supervisão e responsabilidade. Pode passar, por favor. Então, a minha primeira sugestão é que o Livro Digital, em relação aos poucos artigos ali que tem de inteligência artificial, siga também os mesmos eixos do projeto, do PL 2.338. Atualmente, a inteligência artificial ali traz, e o Livro de Digital, fundamentos. Não traz princípios. A minha primeira sugestão é que traga princípios. Pode passar, por favor. |
| R | Então, tem alguns comparativos interessantes - depois eu posso passá-los para os senhores -, como, por exemplo, em relação aos neurodireitos, que são um assunto polêmico e não sei se vão permanecer no texto ou não. Se não permanecerem, eu acredito que o art. 13, inciso I, alínea "a", do projeto de lei já traz como alto risco a questão - aliás, risco excessivo, proibido - do uso da IA para instigar ou induzir comportamento de pessoa natural de maneira que cause danos à saúde. Então, acho que tem uma certa contemplação já. Pode passar, por favor. Algumas outras sugestões. O art. 2.027-AL traz ali: "O desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial deve respeitar os direitos de personalidade [...]", excelente. O inciso I fala da não discriminação, e isso foi uma coisa que foi debatida, e debati, nessa semana, com a Profa. Lilian Cintra a questão. Alguns modelos de inteligência artificial são chamados de IA discriminativa, justamente porque o papel delas é discriminar. Então, foi acrescido - isso mudou no 2.338, e sugiro que mude aqui também -, em vez de "não discriminação", "não discriminação ilícita ou abusiva", para precisar melhor e não confundir com essas questões. A questão das condições de transparência, auditabilidade, explicabilidade eu recomendo que siga a lógica de risco prevista em legislação específica, mas de acordo com a viabilidade técnica, porque existem algumas questões de explicabilidade em que é simplesmente impossível tecnologicamente explicar por que o modelo chegou. A palavra "acessibilidade" eu não entendi muito bem. Gostaria até de compreender. Ficou um pouco confusa para mim. Pode passar, por favor. Já estou terminando, tá, gente? Ainda no 2.027-AL, no inciso IV, na atribuição de responsabilidade civil. O PL 2.338 joga a responsabilidade civil para seguir o regime do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Então, só acho que pode dialogar com o 2.338, colocando os atores do ciclo de vida, exatamente para aquilo que foi falado aqui no início: que cada ator, de acordo com o que contribuiu durante o ciclo, seja responsabilizado, sim, integralmente. O parágrafo único desse artigo traz: "O desenvolvimento e o uso da inteligência artificial [...] em áreas relevantes para os direitos de personalidade devem ser monitorados pela sociedade [...]”. Eu sugiro reforçar o papel da ANPD aqui. Trocar "pela sociedade" por "pela ANPD", que já vai ser responsável pelo texto no SIA. Pode passar, por favor. O 2.027-AM traz ali a questão das decisões automatizadas. E eu recomendo, para garantir essa interoperabilidade legislativa, também garantida a lógica dos riscos - prevista em legislação específica -, a viabilidade técnica também e talvez alguma adaptação em relação ao art. 20 da LGPD, que já traz previsões e uma redação interessante para a questão de como devem ser os direitos relacionados ao tratamento automatizado de dados pessoais. Pode passar, por favor. E algumas outras sugestões. O 2.027-AN permite a criação de imagens de pessoas vivas ou falecidas por meio de IA em algumas condições. E aí eu sugiro dialogar também com a reforma do Código Eleitoral. O Senador Jaques Wagner propôs uma emenda proibindo deepfake, e o TSE tem uma resolução proibindo deepfakes para o uso eleitoral - no ano que vem, vamos passar por isso, infelizmente. Eu consegui, jogando o nome dos senhores, produzir uma imagem. Então, sugiro incorporar isso, também pela interoperabilidade, às questões do contexto eleitoral. A questão dos direitos autorais acho que pode também incorporar a lógica do PL 2.338 para não chocar mesmo. |
| R | Está ali condicionado o uso da imagem ao consentimento da pessoa ou do herdeiro. E aí, eu acho que cabe aqui uma discussão acerca: será que esse não seria um direito personalíssimo, e a gente não tem que pensar talvez em uma disposição obrigatória, como é a de doação de órgãos, sobre como você quer dispor da sua imagem post mortem? Porque a gente teve o caso relevante da propaganda que usou a Elis Regina, e aí, o Conar suspendeu por um tempo, proibindo a Volkswagen de passar, justamente porque ficou aquela questão: Será que a Elis Regina teria gostado? Os herdeiros autorizaram o uso, mas será que a Elis Regina teria gostado de que a Volkswagen usasse a imagem dela? Enfim, então, acho que é uma discussão. Será que é um direito personalíssimo de que os herdeiros podem dispor? Senti falta também de uma questão que está muito relevante, que são as deepnudes, o uso de inteligência artificial para a produção de imagens, especialmente de mulheres, infelizmente, nuas. Pode passar, por favor. Em resumo, gente, desculpe passar o tempo, mas queria garantir as contribuições. Acho que, em resumo, o papel aqui é que, a vingar o livro de digital, se garanta a interoperabilidade entre os textos, especialmente o PL 2.338. Eu sou suspeita, acredito muito que esse seja um excelente projeto de lei, que precisamos de uma regulação geral de inteligência artificial, mas que ele precisa dialogar com as demais legislações existentes no sistema. Acho que é isso, muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dra. Tainá Aguiar Junquilho. Agradeço por sua rica contribuição a esta Comissão. Passo a palavra à Profa. Laura Porto, que foi a Sub-relatora do Livro de Direito Digital elaborado pela Comissão de Juristas responsável pelo anteprojeto de lei da reforma do Código Civil Com satisfação, passo a palavra à Dra. Laura Porto. A SRA. LAURA PORTO (Para expor.) - Obrigada. Bom dia a todos e a todas. Começo agradecendo o Senador Rodrigo Pacheco, que é o Presidente desta Comissão e também foi o autor do PL 2.338, e posso dizer que é um Senador que tem uma visão de vanguarda aqui no Senado, sem dúvida, porque eu acho que, em todos os debates que estamos tendo aqui do digital, fica claro e fica nítido que a inteligência artificial e o mundo digital já invadiram as nossas vidas e é impossível dizer que esse tema não precisa ser regulamentado. Quero também dar o bom dia aqui para o Relator, Senador Veneziano, que também é uma grande liderança, e ficamos muito felizes com essa relatoria; o Prof. Flávio Tartuce; a Profa. Rosa Nery; e os demais colegas que estão aqui contribuindo. Agradeço à Tainá também, essa querida amiga, por quem eu tenho um grande apreço, que trouxe grandes contribuições, assim como o Prof. Pedro Alfonsin. Eu acho que já fiz essa abertura inicial aqui para dizer que fica óbvio que é impossível falarmos que não precisa hoje regulamentar o mundo digital, o digital em si e a inteligência artificial. Eu creio que esse tema já é um pouco superado. Estamos aqui falando mais do mesmo, ainda que eu respeite muito aqui o que o CNI trouxe, mas eu acho que é um tema que o próprio PL 2.338 - que foi uma grande inovação jurídica, ao regulamentar a inteligência artificial - também passou, e ainda passa, pelo que o Código Civil está passando, de "Nossa! Precisa regulamentar a inteligência artificial? Tem necessidade? Isso vai travar?" Com muita discussão e vendo o amparo nas melhores práticas mundiais, viram que, sim, é necessário ter uma regulamentação para trazer princípios e conceitos básicos. |
| R | Então, eu vou me ater aqui, no pouco tempo que temos, a falar do tema dessa audiência pública, que é a inteligência artificial e o projeto do Código Civil. Não vou defender mais aqui a necessidade de ter o livro ou de regulamentar o digital, porque eu acho que isso já está um pouco ultrapassado. Eu vou falar um pouco - eu trouxe até eslaides, não vou nem tanto me ater a eles - , mas eu queria mostrar o que tem ali específico para falar do direito digital, já que nessas audiências públicas nós temos muitas pessoas da sociedade acompanhando. E eu acho que é para isso que serve a audiência pública, para que a sociedade acompanhe nesse espaço democrático de debate para que nós consigamos levar para a sociedade o que foi feito, o que é que está sendo debatido, qual é o texto, porque eu imagino que muitos não tenham visto sequer o texto que foi proposto. Dentro do Livro de Direito Civil Digital, nós incluímos um capítulo específico para falar da inteligência artificial. Lá dentro, como nós já sabemos, já falamos por diversas vezes, o direito digital é um tema esparso e verticalizado, ele está em diversos temas e diversos livros do Código Civil, não só dentro do livro de digital. Então, tem na parte geral, responsabilidade civil, outros, mas ele também está ali dentro do direito digital civil específico. E, dentro desse livro, colocamos um artigo, um capítulo para falar só de inteligência artificial, e é, podemos dizer, um capítulo curto, tem apenas três artigos, mas artigos simbólicos. Eu gostei da referência da Profa. Tainá, de incluir mais coisas ali, eu fiquei com medo justamente por ter uma legislação específica, de incluir mais questões, mas eu acho essencial e acho que é o loco, sim, de colocar mais questões que digam do direito, de fato, da pessoa natural, da personalidade. E o que é que eu gostaria de mostrar para os senhores aqui? Muitos dos temas que estão ali dentro do livro de digital precisam de complementação de leis específicas, e isso já foi falado desde o começo, e o que fica aqui no livro de digital são bases conceituais, principiológicas e fundamentos para que esse tema se desenvolva. Como já foi dito aqui anteriormente, o tema está sendo debatido em vários lugares do mundo, o próprio conceito de dado pessoal vai sendo evoluído, com certeza, por isso que nós precisamos de fundamentos sólidos para que o tema continue sendo debatido e que a gente continue evoluindo, mas com fundamentos específicos. Então, o que nós propusemos aqui e o que eu quero que os senhores vejam - pode passar por favor - é que o Livro de Direito Digital e o PL 2.338 têm a mesma base axiológica: a centralidade da pessoa humana, a proteção da dignidade, a prevenção de danos e a transparência. Um vai organizar a governança da tecnologia e o outro organiza a lei voltada para a proteção da pessoa natural, então ele traz regramentos da pessoa, e, inclusive, eu gostaria, com certeza, de aumentar o texto. Aqui, o PL 2338 traz uma lei de caráter nacional, com foco em governança, categorização de riscos, direitos dos afetados, medidas de transparência, traz estruturas regulatórias que foram muito bem feitas, inclusive por muitos que estão aqui. |
| R | Eu parabenizo todo o trabalho que foi feito no PL 2.338, de grande relevância para o Brasil, que trouxe o SIA, que definiu a ANPD como autoridade competente e que trouxe a avaliação de impacto algorítmico. Essa questão da avaliação trouxe também grandes repercussões que nem se equiparam com o que se tem na Europa de categorização de risco. Está bem reduzido aqui do que temos lá. Enfim, ainda cabe muito debate. Então, ele tem uma natureza transversal, setorial e regulatória, voltado, de fato, a esses ciclos de vida, e com um forte componente técnico e regulatório, voltado também para políticas públicas. Pode passar para o próximo. E, aqui, tem o livro de digital. Dentro desse capítulo pequeno, ele insere a IA no núcleo duro do direito civil, especialmente no campo da personalidade. Fala também da responsabilidade civil nos demais livros e da projeção post mortem da imagem, de que eu vou falar um pouquinho mais. Pode passar, por favor. Então, aqui é só para que os senhores vejam que, do lado esquerdo nós temos o PL 2.338 e, do lado direito, o direito civil digital. Eu não vou ler um por um, mas é para que os senhores vejam que, como eu disse, a base dos dois está em total consonância. Ela foi feita em harmonia, para que os textos conversassem; então, na verdade, um sustenta o outro. Não tem, em nenhum ponto aqui, nenhuma divergência de texto, mesmo porque ele foi feito com embasamento num PL que já vinha sendo... Não tinha sido aprovado - eu não lembro - à época, mas, enfim. Nós fizemos com base no texto do PL que já estava sendo discutido aqui no Senado, como eu disse, com a grande autoria do Senador Rodrigo Pacheco. Então, mais uma vez, o que eu trago é a centralidade humana dentro desse debate. Pode passar para o próximo, por favor? E outro ponto muito relevante, voltando ao tema, é que, dentro do PL 2.338, nós temos o Capítulo V, do art. 35 ao art. 39. Para quem não viu o texto do PL, ele traz a questão da responsabilidade civil e, dentro da responsabilidade civil, faz a remissão ao Código Civil. Dentro dessa remissão ao Código Civil, ele fala, inclusive, do respeito ao direito do consumidor e da remissão, mais uma vez - como eu já falei -, ao Código Civil. E, dentro do Código Civil - nós vimos na audiência anterior e na audiência que se seguiu -, que temos ali capítulos específicos para falar... São artigos, na verdade, específicos para falar da responsabilidade ligada à inteligência artificial. Então, ao analisar esse PL, quando analisamos o texto para entregar para o Senador Rodrigo Pacheco, na Comissão de Juristas, nós não vimos nada que não estivesse, mais uma vez, em harmonia. E, na verdade, nós achamos, de fato, que um texto sustenta o outro, inclusive na parte de responsabilidade civil. Pode passar, por favor. Aqui é o último capítulo - sobre o qual a Profa. Tainá também comentou -, que é um capítulo muito relevante... É um artigo muito relevante, que trata da criação da imagem da pessoa, tanto viva como falecida, por meio da criação de imagem por inteligência artificial. É um tema que está em voga, de fato, e que vai estar ainda mais no ano que vem, no ano de eleições. Já foi proibido pelo TSE o uso da inteligência artificial para propagandas políticas, e já estamos vendo, recentemente, inclusive, alguns desdobramentos disso. Isso é algo que mostra a necessidade da atualização do Código Civil e não é um ponto que está no PL 2.338. E por que isso não está no PL 2.338? Porque não é o locus para estar de fato. Ele está regulamentando a inteligência artificial, e o locus para tratar desse tipo de questão, da questão de direitos da personalidade, é o Código Civil. Isso só pode ser feito com a atualização do Código Civil, porque é um direito da personalidade. |
| R | E aqui nós expusemos - e, de fato, cresceu mais essa questão com essa propaganda da Elis Regina - o fato: será que ela iria querer? Não iria querer? Então, eu não vou... como eu disse, não temos tempo para eu ler tudo que está no artigo, mas a pessoa iria querer ou não que a imagem dela fosse criada por inteligência artificial? Ela vai poder deixar isso testamentado. Se ela, no seu silêncio... aí os herdeiros poderão autorizar ou não, e respeitando o legado dessa pessoa. Então, pode passar. Ah, não, pode deixar. No inciso II, ali, tem tudo que tem que ser feito para o respeito ao legado da pessoa, e não se pode passar por cima disso. Nós trouxemos também isso aqui sobre a questão econômica - pode passar para o próximo, por favor -, que é tratada aqui nos incisos, nos parágrafos. Ali, no §1º: a criação de imagem de pessoa viva ou falecida para fins de exploração comercial sem o expresso consentimento é proibida. Então, assim, se não tiver o expresso consentimento nem da pessoa nem dos herdeiros, ela é proibida, e aqui a gente está falando de questões comerciais. A gente pode, de fato... hoje tem muitos aplicativos que são feitos, principalmente no Japão, para questões sentimentais e afetivas. A pessoa consegue colocar a imagem do falecido e ela fica se comunicando com aquele falecido. Hoje já estão sendo feitos vários estudos psicológicos sobre se isso faz bem ou faz mal, para quem está vivo, ficar mantendo essa relação. Enfim, isso é todo um outro grande aspecto desse tema. E outro ponto também, extremamente relevante, é o §3º, que fala que, em todas as imagens criadas por inteligência artificial, é obrigatório ter essa menção em sua veiculação. Porque, hoje - e nós nos deparamos com isso quando estávamos estudando para a elaboração do texto -, diversos influencers digitais são criados por inteligência artificial, e muitas pessoas interagem com esses influencers digitais. Quando fomos estudar, eles são imagens criadas por inteligência artificial e eles estão ali interagindo com as pessoas, vendendo produtos, falando que estão amando aqueles produtos, comercializando aquilo, monetizando, e ninguém sabe que aquilo é uma pessoa criada por inteligência artificial. Então, foi obrigatória a clara e expressa menção de que toda imagem criada precisa estar com o selo. Bom, meu tempo acabou, mas esse e diversos outros pontos eu acho que deixam muito clara a necessidade que nós temos de regulamentar a inteligência artificial, então, de aprovar o PL 2.338. Eu deixo, inclusive, talvez, um pedido para o Senador Rodrigo Pacheco: que, depois da aprovação na Câmara, talvez possamos redebater o tema, se ainda não tivermos finalizado este debate, porque algo indica que tenhamos algumas alterações relevantes - na Câmara - do texto, então podemos debater de novo. Dentro do Código Civil, o que foi proposto foram conceitos, fundamentos e princípios voltados para a dignidade da pessoa humana, que é uma base fundamental para que a gente possa desenvolver o tema com segurança. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Profa. Dra. Laura Porto, por sua inestimável contribuição a esta Comissão, sobretudo no livro do direito civil digital. Eu concedo a palavra neste momento... Na verdade, eu vou submeter ao Plenário, com a concordância do nosso Relator, o Senador Veneziano Vital do Rêgo, o Requerimento nº 50, de 2025, de autoria da Senadora Augusta Brito, que requer a inclusão da nobre Secretária Nacional de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Lilian Cintra de Melo, e do Diretor de Proteção e Defesa do Consumidor da Senacon, Osny da Silva Filho, como participantes desta audiência pública sobre direito digital e inteligência artificial, nos termos do art. 89, inciso I, do Regimento Interno. |
| R | Coloco em votação o requerimento. Aqueles que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Está aprovado. Tenho a satisfação de passar a palavra ao Diretor de Proteção e Defesa do Consumidor da Senacon, Osny da Silva Filho, para o seu pronunciamento. O SR. OSNY DA SILVA FILHO (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Rodrigo Pacheco, em nome de quem cumprimento a mesa. Quero cumprimentar também aqui os meus colegas de audiência, Secretária Lilian Cintra, os professores, Prof. Flávio Tartuce, Profa. Tainá, Profa. Laura Porto, e todos os demais presentes nesta audiência tão importante. Bem, hoje eu tenho a honra de dirigir o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Senacon, do Ministério da Justiça, mas já estou engajado neste debate a respeito do projeto de reforma do Código Civil desde 2023, mais especificamente em 2024, quando organizei um número especial da Revista Jurídica Profissional, da Fundação Getulio Vargas, de onde sou professor, dedicado ao anteprojeto de reforma. E esse volume cobriu então todos os livros propostos, exceto o Livro de Direito Civil Digital, então esta é uma boa oportunidade para a gente começar essa discussão aqui. Vou dividir aqui a minha exposição em três blocos. Vou fazer uma rápida introdução; em seguida, vou apresentar uma visão geral sobre o livro direito civil digital e, na sequência, vou falar de temas específicos. Em primeiro lugar, um contexto. Eu acho que esse projeto de reforma do Código Civil tem méritos bastante importantes que precisam ser reconhecidos. Em primeiro lugar, Prof. Tartuce, acho que o projeto teve disposição para inovar, e isso é algo louvável, sobretudo no direito privado, que é um direito que, em alguma medida, anda mais devagar do que o direito público. Acho que o segundo mérito importante é o caráter democrático e inclusivo da Comissão que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Civil. No entanto, com esses méritos, vêm também importantes riscos. Acho que com o primeiro mérito vem o risco da inovação. O projeto avança sobre temas a respeito dos quais não há unanimidade, temas bastante controvertidos. Em segundo lugar, o fato de a Comissão ter incorporado muitas vozes traz o risco da pluralidade e o projeto de reforma do Código Civil carece de unidade sistemática. Essas são minhas duas percepções preliminares e agora quero falar de um conceito que vem sendo apresentado por um sociólogo importante, alemão, que vai orientar minha visão geral sobre o Livro de Direito Civil Digital. É o conceito de aceleração do mundo, e o sociólogo que bolou esse conceito se chama Hartmut Rosa. O que ele diz? Ele diz que, de 50 anos para cá, o mundo se acelerou em pelo menos três sentidos. Em primeiro lugar, uma aceleração técnica. A gente se desloca com mais rapidez, a gente se comunica com mais rapidez. Imagina, a gente faz pesquisa de jurisprudência aqui no computador, antes a gente tinha que baixar revistas de jurisprudência. Isso acelera o mundo. Em segundo lugar, uma aceleração de mudanças sociais. Talvez há 40 anos fosse uma ofensa muito grande entrar na faculdade de Direito sem gravata, se você fosse uma pessoa que usava gravata. Hoje não mais, hoje as pessoas vão de bermuda à faculdade de Direito, não é, Senador? Então, terceira aceleração importante, uma aceleração no ritmo de vida. A gente se sente angustiado, a gente sente que, o tempo todo, está atrás do tempo, o tempo está andando mais rápido do que a nossa capacidade de acompanhá-lo. Acho que esses três aspectos da aceleração levantam uma questão geral sobre a introdução do Livro de Direito Digital, que é a seguinte: será que a melhor forma de manter atuais soluções para problemas tecnológicos é codificá-las? Digo isso porque as soluções, muitas delas boas, que o projeto de reforma do Código Civil ofereceu há doze meses, várias delas já se encontram superadas. Vou mencionar algumas, na sequência. Agora vou falar de inquietações específicas, começando pelo tratamento das pessoas no Livro de Direito Civil Digital. |
| R | Bom, eu vou me concentrar aqui no texto do art. 2027-S, que trata da chamada situação jurídica digital. Vou tomar a liberdade de lê-lo: O caput nos diz: Considera como situação jurídica digital toda interação no ambiente digital de que resulte responsabilidade por vantagens ou desvantagens, direitos e deveres entre: I - pessoas naturais; II - pessoas jurídicas (...) [e aí vem uma exemplificação]; III - entidades digitais, como robôs, assistentes virtuais, inteligências artificiais, sistemas automatizados e outros. Aqui há dois problemas, quer dizer, há duas alternativas problemáticas: primeiro, se as entidades digitais, referidas no inciso III, forem também pessoas, a gente está atribuindo personalidade a entes que até então não eram considerados entes personalizados. Isso tem uma consequência bastante importante no plano sistemático do Direito Civil: significa atribuir responsabilidade a esses entes, significa dizer que eles podem ser titulares de patrimônio, significa dizer que esses entes merecem respeito, assim como outras pessoas, não são tratados como coisas. Podem eventualmente ter até dignidade. Por outro lado, se nós enxergarmos as entidades digitais aqui como coisas, a gente vai ter uma dificuldade teórica, porque a gente vai estar afirmando relação jurídica entre pessoas e coisas. Bom, isso quanto à parte de pessoas. Faço agora duas observações a respeito da parte de contratos. E reparem que as minhas observações específicas, embora se dirijam ao Livro de Direito Digital, elas dizem respeito a temas tradicionais do direito privado, do direito privado patrimonial em particular. Em primeiro lugar, regras sobre manutenção coercitiva do contrato pelo tempo necessário para compensação dos investimentos aportados pelas partes. Isso é uma generalização de uma regra que hoje está contida em algumas modalidades de empreitada e que não é generalizada sequer para contratos que não são realizados no ambiente digital. Qual será a particularidade dos contratos realizados em ambiente digital que exige a continuidade coercitiva desses contratos? Minha segunda observação sobre direito dos contratos é a proibição de modificação unilateral de cláusulas em contratos de prestação de serviços digitais. Hoje a gente recebe atualização de termos de uso nas plataformas. A gente não precisa aceitar as atualizações, a depender do seu caráter, para que essas atualizações se tornem eficazes. Essa regra acaba com esse regime. Eu vou precisar aceitar especificamente. E se eu não aceitar especificamente? As plataformas ou os provedores de serviços digitais, como diz o projeto, vão ter que oferecer regimes diferentes para usuários que não se diferenciam? Duas observações agora sobre responsabilidade. Em primeiro lugar, regra que prevê perdas e danos para "cerceamento abusivo" de liberdade de expressão e de informação - eu coloco aspas entre cerceamento abusivo, em torno de cerceamento abusivo. Significa que não haverá perdas e danos se o cerceamento não for abusivo? Significa que essa regra se sobrepõe a outras regras que tratam da liberdade de expressão no ambiente digital? E eu me refiro especialmente aqui ao marco civil da internet, ao entendimento muito recente do Supremo Tribunal Federal a respeito da extensão da aplicabilidade do art. 19. |
| R | Segundo comentário sobre responsabilidade. O projeto prevê responsabilização objetiva para, abro aspas outra vez, "todos os provedores e usuários do ambiente digital". Isso é muito problemático. É claro - de novo, não é, Profa. Laura? -, Comissão grande, entram temas de que a gente discorda; o mérito do projeto se transforma em um risco, mas isso é um risco muito grande. Isso é atribuição de responsabilidade objetiva para pessoas que usam a internet. Dois comentários rápidos agora sobre sucessões. Na verdade, um comentário mais importante, e depois eu encerro. Regra sobre uma determinação de que o mero compartilhamento em vida de uma senha para um terceiro, como quando a gente diz "olha, pode acessar aqui o meu e-mail para pegar algum arquivo" - todos nós fazemos isso -, é um ato de disposição testamentária, e o cessionário dessa senha se torna sucessor do patrimônio digital da pessoa. E aqui faço um parêntese: acho que é uma inovação importante o patrimônio digital - é um tema a respeito do qual a Ministra Nancy Andrighi já vem refletindo há muito tempo -, mas essa regra pode ser bastante problemática. Bom, para aproveitar o último minuto que eu tenho aqui de fala, eu quero fazer referência a alguns outros temas que escapam do Livro de Direito Digital, mas que têm algumas importantes conexões. O primeiro deles diz respeito ao direito dos contratos: a multiplicação de regras sobre paridade e simetria. O Prof. Flávio Tartuce vai se lembrar de que estava ao meu lado quando foi editada a medida provisória da liberdade econômica, muito criticada pela comunidade jurídica; depois, com as correções legislativas, menos criticada. Essa foi uma medida provisória que, na sua versão original, a meu ver - eu usei essas palavras no artigo que escrevi no dia seguinte ao da edição da medida provisória -, foi uma medida provisória de autoajuda empresarial. Por quê? Porque, ao tentar prover liberdade econômica, ela restringia a liberdade econômica. Referências a paridade e simetria - e a primeira referência foi trazida pela Lei da Liberdade Econômica ao texto do Código Civil - foram multiplicadas por 30 no anteprojeto. Há 30 artigos que fazem referência a paridade e simetria! E estabelecem de maneira não clara novos regimes contratuais. Poderia aqui também mencionar - vai tocar o sininho, e eu tenho até medo de escutá-lo... Poderia mencionar questões de responsabilidade civil bastante controvertidas, questões de direito das coisas, mas vou saltá-las aqui para encerrar, Senador. Em primeiro lugar, essas críticas que eu estou trazendo aqui não são novas; são críticas que a gente já vem formulando desde que a primeira versão do texto do anteprojeto, que foi sendo aperfeiçoada, foi apresentada à sociedade. Elas têm sido localizadas há muito tempo. A mais importante das dúvidas que eu apresentei aqui, especialmente quanto ao Livro de Direito Civil Digital, é a adequação da técnica legislativa da codificação para tratar dos temas que estão postos lá. E o Livro de Direito Civil Digital tem boas regras - há regras, inclusive, que não são, a meu ver, de direito civil digital; há boas regras de direito notarial naquele livro -, mas o lugar dessas regras é o Código Civil? Tenho dúvida. Em segundo lugar, quero ressaltar que essas preocupações que eu aqui externalizo e que outros colegas vêm externalizando são preocupações de pessoas que, assim como os membros da Comissão, têm o interesse de prover uma lei que seja melhor para o Brasil. Então, ainda que haja divergências entre nós a respeito disso, todo mundo está olhando para o mesmo lugar. É importante que a gente não perca isso de vista. Obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Veneziano Vital do Rêgo. Bloco Parlamentar Democracia/MDB - PB) - A Presidência agradece a sua participação, Dr. Osny da Silva Filho, colaboração importante para o debate que nós estamos a promover. |
| R | A mim, me parece que estaremos diante da última participante, Sra. Lilian. Teremos mais? Doutora, jovem senhora, seja bem-vinda. Nós estamos recebendo a senhora Secretária Nacional de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Profa. Dra., assim me permito tratá-la, Lilian Cintra de Melo. Seja muito bem-vinda. V. Sa. tem a palavra. A SRA. LILIAN CINTRA DE MELO (Para expor.) - Bom dia a todas e todos. Cumprimento a Mesa também, na pessoa do Relator, o Senador Veneziano do Rêgo. Agradeço imensamente o convite para que o Ministério da Justiça, aqui na Secretaria Nacional de Direitos Digitais, possa trazer uma contribuição a este importante debate. Parabenizo também a discussão que vem sendo feita, não só com relação aos temas do digital, mas com relação a todo o novo Código Civil. E aproveito também esta oportunidade para congratular o Relator, o Presidente, na verdade, da Comissão de Juristas, o Ministro Luis Felipe Salomão; o Prof. Flavio Tartuce, que teve um papel muito importante; no caso específico do direito digital, a Profa. Laura Porto. E na verdade, hoje eu estou aqui numa tarefa árdua, considerando o nome da secretaria que eu hoje ocupo, que é a Secretaria Nacional de Direitos Digitais. O Governo Federal hoje tem 13 secretarias do digital, eu sou uma delas, e o fato de estar no Ministério da Justiça deu-me essa denominação Direitos Digitais. Mas algo que eu tenho tratado com muito cuidado é o fato de que, ainda que a secretaria tenha essa denominação, a gente tenha muito cuidado para não tratar o digital como algo muito distante do real ou muito distante do mundo analógico, offline, porque senão corremos o risco de criar proteções e medidas que são diferentes. Um debate que nós realizamos muito recentemente e que foi proposto por esta Casa do Povo e que foi recebido com muita alegria pelo povo brasileiro foi a aprovação do ECA digital. Imaginem então a situação em que a criança tem uma proteção, no mundo offline, completamente distinta de uma proteção no mundo digital. Seria uma situação difícil de explicar na prática e, no fundo, no fundo, pouquíssimo produtiva. Então todo o esforço que foi feito, de discussão, no ECA digital foi como a gente levaria um padrão de proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente para o ambiente digital. Então, Profa. Laura, eu faço esse comentário até para dizer que eu tenho sido uma ferrenha defensora da ideia de mais regulação no digital. O Governo Lula tem feito esse esforço de levar mais proteção, de deixar uma internet mais segura na casa das pessoas, e eu acredito firmemente no papel do Estado para que isso seja possível. Eu sei que, no ambiente digital, nós tivemos uma escolha inicial diferente, de um ambiente de governança multissetorial, em que o consenso prevalecia como um valor muito importante para chegar a essas decisões. E vivemos mais de dez anos nesse modelo, com pouca efetividade, com pouca autorregulação suficiente para levar essa segurança que o cidadão tanto quer. Então eu sou muito defensora do papel do Estado. |
| R | Mas ao mesmo tempo em que eu sou defensora desse papel do Estado, eu tenho muita preocupação em não criar essa diferença entre o digital e o analógico, entre o mundo real e o mundo em que a gente vive na internet. E por que isso? Principalmente porque eu entendo que, muitas vezes, esse argumento é utilizado principalmente pelo setor privado para criar o excepcionalismo do digital, para recriar regras e existir num vácuo regulatório por mais tempo, que faz com que eles sejam isentos de responsabilidade. Então, assim, esse esforço de usar regimes gerais também no digital foi algo que a gente, há muito tempo, vem fazendo. E em toda a colaboração com relação ao PL 2.338, o Governo tem levado essa óptica. E aí, o texto hoje da responsabilidade civil para a inteligência artificial no PL 2.338 foi uma colaboração do Governo Federal e eu posso lhe dizer: a lógica que está ali é oposta à que foi trazida aqui. O que nós colocamos lá foi: o regime geral de responsabilidade do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor é mais protetivo, ele é mais efetivo do que um regime especial. Então, em vez de termos uma regra de responsabilidade civil específica para a inteligência artificial, vamos nos balizar pela regra geral, porque ela é mais forte e mais protetiva. Então, trazer para o Código Civil uma regra especial de regime de responsabilidade seria desfazer a lógica levada ao PL 2.338, que hoje está aqui também em discussão no Congresso Nacional e que tem o amplo apoio do Governo Federal para que caminhe e para que a gente tenha, sim, uma regra para a inteligência artificial no Brasil, mas uma regra que foi pensada e sistematizada numa lógica de mitigação de riscos, numa lógica que já existe no ordenamento jurídico brasileiro com o Código de Defesa do Consumidor. Então, algo também que é importante e que nos leva para esse espaço da transversalidade da inteligência artificial é esse diálogo com outras normas. Eu trouxe aqui o exemplo já do Estatuto da Criança e do Adolescente. E aqui, no caso do Código de Defesa do Consumidor, já existe no Brasil, por exemplo, uma regra que diz que os serviços prestados devem ser transparentes e seguros. Essa regra é o Código de Defesa do Consumidor e esse, inclusive, é um dos nomes dados ao capítulo do livro de direitos digitais. E, na minha leitura, e na forma como nós temos tentado colaborar, é que, no digital, nós temos serviços digitais ofertados ao usuário de internet. E o que diferencia isso de um serviço analógico? Por que o serviço digital tem que estar isento de regulamentação, enquanto todos os outros fornecedores de serviço no Brasil precisam obedecer ao Código de Defesa do Consumidor? A lei não diz que existe essa exceção. O ordenamento jurídico brasileiro não aceita essa excepcionalidade. Então, já existe uma aplicação do Código de Defesa do Consumidor a esses prestadores de serviços digitais e já existe um dever de prevenção e de mitigação de riscos nesses casos. E esse foi o entendimento, inclusive, dado pelo Supremo Tribunal Federal na discussão do art. 19 do marco civil da internet, em que foi colocado ali, novamente, ainda que com algumas denominações alternativas, como "dever de cuidado", mas é, no fundo, no fundo, um dever de prevenção, de mitigação de risco, conforme o dano potencialmente causado. Essa é a lógica que existe também no PL 2.338. |
| R | Então, acho que essa é a principal contribuição que eu gostaria de trazer hoje aqui: que a gente pudesse olhar para esses regimes que são mais sólidos, para esses regimes que já existem no ordenamento jurídico brasileiro e trazer para dentro da discussão do novo Código Civil, com esse cuidado. Com um cuidado, principalmente, em que a gente consiga olhar para o funcionamento desses... vou chamar de "novos serviços", mas a gente poderia usar "plataformas" ou, enfim, "soluções de inteligência artificial", e mitigar e levar, cada vez mais, uma solução mais segura. Para isso, eu acredito muito no potencial do que já foi construído nessas normas e poder trazer para cá, com essa visão de racionalização, porque acho que a ideia do Código, desde o seu surgimento lá atrás, com o Código Civil de Napoleão, com as discussões teóricas do Savigny, tinha essa ideia de racionalização, uma preocupação muito grande com potenciais antinomias. Sei que é um pouco injusto, também, a gente debater dois projetos legislativos em paralelo - os dois sofrendo mudanças ao mesmo tempo. Então, é até complicado. O tempo nos coloca esse desafio aqui, mas acho que fica essa reflexão, que espero que seja no sentido, realmente, de uma crítica construtiva e para que a gente traga mais essa aproximação e essa lógica de que o que já existe no ordenamento jurídico brasileiro é um regime geral, é um regime mais robusto e que a gente consegue trazer para a inteligência artificial - como foi trazido já para o PL 2.338 -, para que a gente caminhe. E lembrando que existe sempre no digital esse desafio grande de compreensão do futuro, de compreensão de tecnologias que estão em desenvolvimento, e que nem sempre é possível prever quais são os potenciais riscos. Então, de novo, os regimes gerais nos ajudam a olhar para esse ponto importante. Vou fazer um último comentário para me ater ao tempo. Uma importante disposição que existe no projeto hoje é com relação a marcas d'água ou labels do que é artificial. Eu fiz inúmeras reuniões na Secretaria com desenvolvedores de inteligência artificial e, enfim, na qualidade de Presidente do Conselho Nacional de Proteção de Dados, que é o órgão consultivo da ANPD, e também no mercado que é quem hoje pensa em construir serviços com dados. Posso dizer, com certeza: o futuro é o dado artificial. A gente, no futuro, não vai ter que dizer o que é artificial; a gente vai ter que dizer o que é verdade, o que vem do humano, porque a gente vai ser a minoria no digital. Então, acho que esse tipo de preocupação com a neutralidade tecnológica ajuda também a trazer esse refinamento ao texto, mas eu reitero novamente o agradecimento pela possibilidade de fala aqui. Parabenizo a Comissão, o autor do projeto, nosso Presidente Rodrigo Pacheco, pela coragem e pelo espírito inovador de colocar esse tema para que o Brasil seja pioneiro, também, nessa área de tecnologia e nessa área de inteligência artificial. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dra. Lilian Sintra de Melo. Agradeço a sua participação, sua contribuição a esta Comissão, assim como agradeço também ao Dr. Osny da Silva Filho, por seu pronunciamento, pelas ponderações que trazem em relação a esse livro de direito de civil digital e à sua correlação com o projeto de lei da inteligência artificial. Quero pedir a ambos que levem as minhas melhores recomendações ao meu estimado Ministro Ricardo Lewandowski, de quem gosto muito e reconheço como uma mente brilhante que contribui muito para o Brasil no Ministério da Justiça. Diga-se de passagem, o Ministro Ricardo Lewandowski, hoje nós estamos tratando de um tema que é o tema que tem mobilizado muito a opinião pública de ontem para hoje que é a Lei do Impeachment, a Lei 1.079, de 1950, que mereceu um projeto de atualização, nesse caso, um projeto de revogação da lei anterior para um novo marco legislativo que é um projeto de também minha autoria. |
| R | E todos os projetos dos quais eu sou autor, esse projeto do Código Civil, o projeto de inteligência artificial, o projeto do devedor contumaz, o projeto da sociedade anônima do futebol, o projeto da solução da dívida dos estados, do Propag, e esse projeto da Lei do Impeachment e tantos outros, eu sempre recorri a juristas, além, obviamente, da nossa competente Consultoria do Senado, que é um corpo extraordinário de soma de mentes brilhantes e de inteligências para poder contribuir com a consecução de projetos, mas nesses projetos mais amplos e mais complexos eu sempre recorri a juristas para poder contribuírem com o Senado Federal. E nesse caso do projeto de alteração da Lei do Impeachment, da Lei 1.079, que é uma lei da década de 50, e que é um tanto anacrônica mesmo, não há dúvida alguma, eu recorri, à época, ao Ministro Ricardo Lewandowski. Ele, inclusive, presidiu essa Comissão e me entregou um anteprojeto que foi apresentado ipsis litteris como um projeto de lei que hoje tramita, está na Comissão de Constituição e Justiça, e visa justamente modernizar os comandos de impeachment no Brasil. Aliás, o caminho adequado é a alteração legislativa e não por decisão judicial, se me permita uma sutil crítica à decisão do nosso estimado Ministro Gilmar Mendes, mas, de fato, é o caminho correto de se limitar a legitimidade ativa ou não; de o processamento ser de uma forma ou de outra; a definição dos tipos de crimes de responsabilidade que não podem mais ser só aqueles de 1950; o alcance da lei também a outros personagens e a outros sujeitos que não aqueles que estão restritos na Lei 1.079. Então tudo isso é objeto desse projeto, agora me fugiu o número, que está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça e que teve a contribuição do nosso Ministro Ricardo Lewandowski, por isso peço a ambos do Ministério da Justiça que levem esse meu abraço ao Ministro. Continuando a nossa audiência, eu peço agora a atenção que passaremos a palavra à Professora Rosa Nery, que é a Relatora-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil, que falará por videoconferência. É uma satisfação enorme ter novamente a Professora Rosa Nery entre nós para poder falar a respeito do projeto. Com a palavra, Professora. A SRA. ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (Para expor. Por videoconferência.) - Srs. Senadores Pacheco e Veneziano Vital do Rêgo, Prof. Tartuce, Profa. Laura, senhores servidores do Senado, sempre tão gentis conosco, senhoras e senhores, o tema de hoje, Excelências, é fenomenologia jurídica. Estamos a cuidar de ocorrências que se dão no chamado "mundo virtual". Existe um novo espaço, um novo ambiente onde ocorrem os mesmos fenômenos da vida civil, mas com uma potencialidade diferente, porque a pessoa no mundo digital, Srs. Senadores, está revestida de uma armadura extraordinária de um lado e, por outro lado, de uma vulnerabilidade apavorante. Há quem diga que no mundo digital todos somos potencialmente atingidos por uma nova e curiosa vulnerabilidade, todos: empresas, pessoas jurídicas, pessoas naturais, pessoas capazes, incapazes, crianças, todos somos potencialmente vulneráveis por causa da forma como se mostra a exposição da nossa experiência civil nesse espaço. |
| R | Os Profs. Laura Porto e Ricardo Campos, Excelências, trouxeram para a relatoria geral um texto de grande criatividade e novidade e desafiaram a forma de tornar textualmente postas essas questões todas dessa experiência humana novidadeira. Não foi fácil trabalhar o texto que eles nos apresentaram. Como Relatores, eu e o Prof. Tartuce sofremos bastante, porque a matéria demandava terminologias muito distintas, muito novas, que precisavam ser acomodadas dentro de um texto de direito civil. Contribuições como as da Dra. Tainá, do Dr. Alfonsin, da CNI, da Dra. Lilian são fundamentais para nós aperfeiçoarmos o texto, não tenho dúvida nenhuma. Até há pouco tempo, Excelências, nós ensinávamos a uma criança que elas deveriam ter responsabilidade sobre o que falavam, sobre o que diziam das outras pessoas, e pedagogicamente nós fazíamos referência a uma figura de alguém que ia ao topo de uma montanha e espalhava um saco de penas. Nunca mais conseguiria recolher, pelo menos algumas delas. Hoje, qualquer criança da 5ª série precisa saber que um simples clicar espalha pelo mundo um potencial de efeitos deletérios que nunca mais poderemos recolher. Esses fenômenos da vida, Excelências, são jurídicos, são de direito civil e reclamam, e precisam ser colocados no radar de sua eficácia normativa. Evidentemente, há aspectos de direito do consumidor, de direitos fundamentais, não tenho nenhuma dúvida, mas, de que existem questões de direito civil que precisam ser enfrentadas, eu não tenho nenhuma dúvida. Existem contratos sendo realizados, existem atos lícitos e ilícitos sendo praticados dentro do ambiente virtual, e hoje com o auxílio de entes, como bem lembrou o Dr. Osny na sua fala. Aliás, com relação à fala do Dr. Osny, eu compreendo perfeitamente a perspicácia de S. Exa. Ele percebeu pontos dogmáticos fundamentais da teorização da fenomenologia jurídica do direito civil. Porém, eu pergunto a S. Exa.: nós temos como resolver as questões de direito civil digital sob a tradicional compreensão do que seja relação jurídica? Ou é necessária uma abertura de conhecimento teórico para nós compreendermos melhor todas essas circunstâncias? Se nós formos à história, Srs. Senadores, nós veremos que o Prof. Torquato Castro, que desde meados do século passado exercia o seu magistério civil - ensinando, inclusive, a necessidade que tínhamos de compreender o que era situação jurídica - e que fez parte da confecção do Código Civil de 2002... Esse tema não é novo, a expressão "situação jurídica" não é nova e, me parece, dialoga perfeitamente com o art. 35 do PL da inteligência artificial. E eu me coloco à disposição do Dr. Osny para trocar ideias a respeito desse ponto. Considero, sim, uma questão dogmática das mais difíceis. Estou absolutamente disposta a trabalhar esse tema com qualquer professor que queira discuti-lo e a auxiliá-los na decisão sobre como essas questões dogmáticas precisam ser apresentadas dentro do sistema, para que não ocorra que o Livro de Direito Digital fique mais velho do que ele possa vir a ficar, justamente por causa dessas novidades que correm com tanta rapidez na tecnologia moderna. |
| R | Eu adorei a nossa reunião de hoje, ouvi coisas muito importantes, penso que V. Exas. tiveram ocasião de compreender toda essa dificuldade e beleza que o tema traz. Parabenizo a Profa. Laura e o Prof. Ricardo, que, com tanta perspicácia e inteligência, trouxeram para a Comissão um texto tão bonito e que dá ensejo a essas discussões ricas que nós estamos tendo agora. Muito obrigada e, mais uma vez, agradeço a oportunidade de falar, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Agradeço à Profa. Rosa Nery por mais uma participação na nossa Comissão. Muito obrigado, Professora, por sua dedicação a esse tema. Antes de passar a palavra ao co-Relator da Comissão de Juristas, o Prof. Flávio Tartuce, eu gostaria de expor aos nossos expositores uma indagação do Senador Carlos Portinho, que me endereçou por via escrita - ele não pôde participar hoje; é sempre muito assíduo a esta Comissão, mas hoje não pôde estar presente. Diz o Senador Carlos Portinho o seguinte: Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, em documentos particulares firmados entre partes privadas, são admitidas quaisquer modalidades de assinaturas eletrônicas, bastando o acordo entre as partes quanto ao tipo de assinatura, inclusive, para que tais documentos possam ser considerados títulos executivos extrajudiciais. [Aí ele cita o precedente] (REsp nº 2.205.708, [...] [Relatoria da] Ministra Isabel Gallotti, julgado em 07/11/2025). [Então, muito recentemente.] Segundo o STJ [diz o Senador Carlos Portinho], isso é possível em razão do §4º do art. 784 do Código de Processo Civil, que permite o emprego de qualquer modalidade de assinatura eletrônica. Por sua vez, o PL nº 4, de 2025, prevê, em seu art. 2.027-AX, que somente será aceita em documento particular ou público a assinatura qualificada, entendida como aquela realizada mediante certificado digital no âmbito da ICP-Brasil. [Aí pergunta o Senador Carlos Portinho:] esse comando normativo não poderia ser interpretado como destoante do entendimento firmado pelo próprio STJ, no sentido de admitir outras modalidades de assinatura eletrônica e, nesse contexto, não haveria o risco de que tal exigência venha a representar um retrocesso no processo de desburocratização do ambiente de negócios e um aumento injustificado de custos, considerando a necessidade de pagamento para a obtenção do certificado digital? Essa é a pergunta do Senador Carlos Portinho, basicamente, da dissonância entre a proposta contida no projeto de lei, no art. 2.027-AX, com esse recente entendimento firmado pelo Superior Tribunal Justiça, da Lavra Ministra Isabel Gallotti. Com a palavra o Prof. Flávio Tartuce, se quiser, sobre essa consideração, mas para todas as outras considerações aqui expostas. O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Obrigado, Presidente, Senador Rodrigo Pacheco. Saúdo todos os participantes - mais uma vez, uma grande audiência pública - e eu começo respondendo a essa indagação do Senador Carlos Portinho: não há o afastamento do entendimento do STJ porque o art. 2.027-AX começa com uma locução: "Salvo disposição legal em contrário", e a norma do Código de Processo Civil, art. 784, §4º, é norma específica para título executivo. Portanto, não há nenhum prejuízo do projeto de reforma em relação a esse julgamento do STJ - aliás, julgamento preciso da relatoria da Ministra Gallotti, se não me falha a memória. Então, não há nenhum prejuízo. Afinal de contas, esse dispositivo das assinaturas eletrônicas trata substancialmente de uma maior segurança jurídica para atos notariais, por exemplo, exigindo assinatura qualificada. Então, essa locução no início, Senador Carlos Portinho, afasta qualquer prejuízo. |
| R | Eu quero seguir adiante no roteiro que preparei a partir das falas dos demais colegas na manhã de hoje. Primeiro, eu quero começar, Senador Pacheco, elogiando o excelente trabalho que foi feito pela Comissão de Juristas - se não me falha a memória, presidida pelo Ministro Cueva - do Projeto de Lei 2.338, de 2023, um projeto de lei, digamos assim, avançado sobre inteligência artificial e que dialoga perfeitamente com as outras legislações: a LGPD, o marco civil, o recente ECA Digital - que eu gosto de chamar de Lei Felca; é assim que eu vou denominar, afinal de contas, a iniciativa foi de um influenciador digital -, que, na minha visão, com o devido respeito, dialoga perfeitamente com o projeto de reforma do Código Civil, especialmente no tema de responsabilidade civil, afinal de contas, o art. 35 remete, no projeto de lei de IA, o tratamento, em se tratando de relação de consumo, para o CDC, e o art. 36 remete para o Código Civil. O Código Civil, Dra. Lilian, não tem um dispositivo específico sobre responsabilidade civil por inteligência artificial. Ele adota um regime geral e, na minha visão, dialoga, sobretudo, com essa proposta que foi formulada, inclusive com a atuação do Ministério da Justiça. E eu destaco, como nós estamos falando em outros encontros, o art. 927, que abre o livro de responsabilidade civil e foi debatido na nossa última audiência pública, que trata de tecnologia - fala expressamente de tecnologia -, e o art. 927-A, que prevê os casos de responsabilidade objetiva como exceção. A responsabilidade civil digital, com o projeto de lei aprovado, será em regra subjetiva; não será em regra objetiva. E, como exceção, ela será objetiva, se preenchidos os requisitos que estão no art. 927-A. Aliás, Presidente Pacheco, a minha geração de civilistas, que estudamos a responsabilidade civil e fizemos trabalhos acadêmicos antes do marco civil, defendia isso, a submissão ao Código Civil. Na minha visão, eu falei esta última expressão, "não funciona", e eu sei que ela acabou tendo uma repercussão muito grande nas redes sociais, mas o marco civil não funcionou - não funcionou. Com o devido respeito, mais uma vez, na minha visão, o marco civil não funcionou. E, como eu disse na última exposição aqui a V. Exas. e vou dizer hoje, mais uma vez nós vamos ter um desafio aqui de qual vai ser a centralidade; se a centralidade vai ser a pessoa ou a indústria. Com o devido respeito, a centralidade do projeto de lei nosso, como é o do outro projeto de lei, é a pessoa humana, é a proteção da pessoa humana. E essa vai ser a resposta que o Parlamento brasileiro terá que dar, porque a LGPD é uma lei centrada na pessoa humana; o projeto de lei de inteligência artificial é um projeto centrado na pessoa humana; e o projeto de reforma do Código Civil no Livro de Direito Civil Digital também é centrado na pessoa humana. |
| R | Eu gostaria aqui também de destacar outros diálogos desse projeto de lei de inteligência artificial e algumas previsões de que ele não trata, mas que o projeto de reforma trata, o que mostra, citando a Profa. Claudia Lima Marques, um diálogo de complementaridade. Para quem não sabe, a Profa. Claudia Lima Marques, que fez parte da Comissão de Juristas de reforma do código, é uma grande especialista na Teoria do Diálogo das Fontes, e, aliás, foi nesse sentido que ela propôs - e isso foi acatado na Comissão de Juristas - o tratamento da prestação de serviços digitais. É o único contrato típico que nós adotamos, com nova regulamentação, a prestação de serviços digitais. Então, por exemplo, no que a parte relativa aos direitos autorais dialoga no projeto de lei de inteligência artificial com o projeto de reforma do código? O Código Civil, que é de 1969... O Código Civil não é de 2002. Eu, em várias exposições, mostrei lá a placa da entrega do então projeto, no Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão, datada de dezembro de 1970. O Código Civil - e isso nós vamos debater em janeiro -, na parte de Direito das Coisas, trata de bens corpóreos, ele é centrado inteiramente em posse e propriedade sobre bens corpóreos e, nisso, ele é muito defasado, Senador Pacheco. Nós adotamos, no projeto de reforma, posse e propriedade também no que couber sobre bens incorpóreos, e, nisso, há um diálogo perfeito quanto à questão dos direitos autorais, como está tratado no projeto de inteligência artificial. O outro assunto que a lei não trata expressamente e que o projeto de reforma trata, e as duas leis vão se complementar: formação dos contratos pela via digital. Desculpe-me, Dr. Osny. Nós já debatemos isso, inclusive, em outras searas. O Código Civil, em matéria de formação de contratos digitais, adota duas teorias do século XIX. A segurança jurídica que há em relação, hoje, a contratos formados pela internet, contratos inteligentes é nenhuma - nenhuma segurança jurídica. Eu vejo os críticos falarem em segurança jurídica quando, em alguns assuntos, a segurança jurídica que há é nenhuma. Herança digital: segurança jurídica nenhuma; contratos digitais: segurança jurídica nenhuma; responsabilidade civil por inteligência artificial: nenhuma; hospedagem atípica, que nós vamos debater em janeiro, locação por aplicativo: segurança jurídica nenhuma. Então, com o devido respeito, falar em segurança jurídica, quando, no meio digital, não há nenhuma segurança jurídica de direito civil, é uma falácia, com o devido respeito, porque não há segurança jurídica em temas de direito civil digital no Brasil, sobretudo nesses temas que eu mencionei para V. Exas. Então, o que eu quero dizer, mais uma vez, é que o Projeto de Lei 2.338, um grande projeto - eu já o estudava e eu fico muito feliz de poder falar, eu sou um civilista, de temas aqui de direito civil digital -, é um grande projeto de lei e tem o meu total apoio, Senador Rodrigo Pacheco. É muito louvável essa sua iniciativa de trazer esse diálogo entre os dois projetos. E é muito louvável, Senador Rodrigo Pacheco, porque eu me lembro do nosso primeiro encontro para falar da reforma do Código Civil na Uninove, em 2023. Na minha fala, eu destacava como V. Exa., nos últimos anos, trouxe uma renovação do debate do direito no Brasil. Nós vivemos até então - e, até em certa medida, há pouco tempo - a regulamentação do direito civil por medida provisória, medida provisória feita em regime emergencial, com 90 dias de debate, sem tudo isso que nós estamos vendo aqui, sem aprofundamentos - foi assim com a própria Lei da Liberdade Econômica. Eu quero dizer ao Dr. Osny que o que a gente adotou com contratos paritários e simétricos foi a Lei da Liberdade Econômica, que recentemente foi aprovada por este Congresso e é aplicada no nosso país. Então, a gente adotou a mesma linha e acho que a gente precisa seguir esse aumento da liberdade para os contratos paritários e simétricos, que foi a adoção que o próprio legislador adotou aqui. Eu não vejo aí a indústria elogiar essas previsões que são favoráveis à indústria - são favoráveis à indústria -, e é um critério já adotado pela nossa legislação. |
| R | Senador Rodrigo Pacheco, eu venho dizendo aqui que V. Exa. trouxe este debate democrático como tem que ser. Nós já vamos entrar, Senador Rodrigo Pacheco... Nós começamos em 2023, 2024, 2025, nós vamos entrar no quarto ano de debate da reforma do Código Civil, um debate plural, um debate sem precedentes, com transmissão ao vivo, mais uma vez com os doutrinadores, com a jurisprudência, com os legisladores debatendo aqui o direito civil. Então, é importante este debate, mas eu quero deixar bem claro... Com o devido respeito, tivemos aqui grandes contribuições: Dra. Tainá, grandes contribuições para aprimorar o texto; tivemos grandes contribuições do Pedro Alfonsin; o Dr. Osny, também. Até cito aqui que o art. 609-E do projeto fala de contratos e inteligência artificial, prestação de serviços com uso de inteligência artificial, o que não está no outro projeto, mostrando também um diálogo necessário. Então, quero aqui reafirmar a importância deste debate e encerro a minha fala aqui, Presidente Pacheco, dizendo a V. Exa. que, ontem, à noite, eu recebi de um dos maiores civilistas vivos deste país, que foi meu Professor de graduação, foi meu Professor de doutorado, foi o autor da lei do bem de família - foi o mentor intelectual da lei do bem de família -, foi o autor da segunda lei da união estável - a 9.278/1996 -, participou da última Comissão do Código Civil, e eu acho que tem que ser um exemplo... Estou falando do Prof. Álvaro Villaça Azevedo, um dos maiores civilistas vivos deste país. Ontem, com toda uma humildade que lhe é peculiar, ele mandou uma relação com 35 propostas de aprimoramento do texto, que eu já encaminhei, já respondi, porque ele encaminhou para o Presidente da Comissão de Juristas, o Ministro Luis Felipe Salomão, e eu já encaminhei para o nosso Secretário, Dr. Henrique, para encaminhamento para V. Exa., porque eu acho que é disto que o país precisa: de contribuições, contribuições efetivas como essas que o grande civilista, um dos maiores civilistas da história deste país, o Prof. Álvaro Villaça Azevedo, um catedrático, um decano, nosso Professor, enviou para este Parlamento, para que nós possamos aprimorar o texto. Muito obrigado pela presença e pelas contribuições de todos. Eu acho que mais uma vez foi um grande dia de debates do direito civil, e seguimos em frente para aprimorar a lei mais importante deste país. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Flávio Tartuce, por sua contribuição nesta audiência, como em todo o desenrolar desse tema. Quero agradecer também ao Prof. Álvaro Villaça Azevedo pela contribuição, com os 35 pontos que S. Exa. destacou e entregou ao Ministro Luis Felipe Salomão, que foi o Presidente da Comissão de Juristas. A fim de proporcionar a participação popular nesta audiência pública, farei a leitura de algumas indagações enviadas por meio do Portal e-Cidadania e abro aos participantes que desejarem responder. A Meryelle, de São Paulo, indaga: "O [...] [projeto de lei] diferencia a responsabilidade do desenvolvedor de [...] [inteligência artificial] da responsabilidade do seu operador/usuário?". |
| R | O Lucas, do Ceará, indaga: "Se a IA deve respeitar princípios civis como a atribuição de responsabilidade, como será imputada essa responsabilidade a ela?". E a Vanessa, de São Paulo: "Além da regulação, quais seriam os principais desafios e implicações da inteligência artificial?". Continua o Cácio, de Pernambuco, que afirma - aqui são comentários -: "Os conteúdos produzidos por [...] [inteligência artificial] têm que ser certificados [...] [com identificação dos] responsáveis para responderem civil e criminalmente". O Dênis, de Minas Gerais: "Toda imagem e vídeo gerado por [...] [inteligência artificial] precisa ter uma marca d'água identificando a origem". O Orides, do Rio Grande do Sul: "Cabe às plataformas digitais que operam [...] [no Brasil] se adequar à legislação do país, independentemente de onde [...] [estejam] suas sedes". Então, são alguns comentários e algumas indagações. Em se tratando, Dr. Osny, desse tema de inteligência artificial, de fato, eu, como cidadão, quando acesso alguma imagem acessível pela rede social ou que me chega por alguém, começa a nascer, realmente, a dúvida se aquilo é real ou não, e isso é horrível. Nós não sabemos se aquilo é uma realidade ou não é uma realidade e, de fato, nós precisamos encontrar um caminho para que isso não seja um grande fator de instabilidade, de dilema, de ansiedade, de incompreensão e de falta de segurança. Então, realmente, esse é um tema muito atual e que merece toda a atenção do Congresso Nacional brasileiro. Finalizada a fala dos expositores e também dos nossos eminentes Relatores, Profa. Rosa Nery e Prof. Flávio Tartuce, eu consulto se mais alguém deseja se pronunciar, a respeito da fala dos Relatores ou das indagações feitas. Eventualmente, as indagações podem ser respondidas, pelo nosso sistema, por aqueles que desejem responder, e seria até interessante fazê-lo, em respeito àqueles que enviaram suas perguntas. Portanto, não havendo mais... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Pois não. A Dra. Christina tem a palavra. A SRA. CHRISTINA AIRES CORRÊA LIMA (Para expor.) - É só para responder a algumas perguntas e esclarecer que a CNI também entende que a regulação tem que ser com base na centralidade da pessoa humana e entende que essa questão da inteligência artificial está sendo muito bem encaminhada no PL 2.338. Nossas contribuições nós estamos fazendo na Câmara, e o que nós queremos não é sair da regulação, é aparecer na regulação. Quando a gente coloca as aplicações de baixo risco, é para a indústria aparecer e não entrar no alto risco, que viola direitos fundamentais, o que nós não fazemos. A segunda questão que nós gostaríamos de colocar mais pontualmente aqui, até respondendo à pergunta quanto ao art. 227-X com a aplicação do STJ, do Senador, é que nós entendemos que há, sim, uma incongruência também com o que a União Europeia fez agora, ao excluir os contratos digitais, de uma forma específica, da legislação europeia. Por quê? E aí vem bem ao que o Senador colocou: a diminuição de encargos burocráticos. Nós temos que o Código Civil já dá a linha do que é um contrato, do que deve ter no contrato: objeto lícito, agente capaz, forma prescrita ou não defesa em lei - e a IA é uma ferramenta. E por quê? Nos contratos internacionais, no negócio internacional, viu-se que os contratos inteligentes de todos os países, sem uma forma específica, é como se eles diminuíssem em 35% o mundo, na velocidade em que se deu em comércio internacional. E, às vezes, esmiuçar uma lei pode prejudicar com que nós consigamos fazer esses contratos de ordem internacional. |
| R | Outra questão. Essa regulação, também, de contratos eletrônicos aqui não nos parece adequada. Outra questão, atos notariais e e-notariados. Mais burocracia, e o CNJ já regula. O CNJ já altera constantemente essa regulamentação, porque ela realmente depende de uma evolução tecnológica. Para se ter uma ideia, a simplificação digital - para evitar também essa sobreposição regulatória, que nós entendemos que o Livro de Direito Digital, à exceção daquilo que nós colocamos, patrimônio digital - vai causar 5 bilhões de economia, só em burocracia para as empresas, e 1 bilhão de euros de economia para o Estado, que não precisa regular tanto. Então, essas simplificações regulatórias, colocando a IA realmente como uma ferramenta, são importantes. Outra questão, também, que nós entendemos. O ECA Digital já tratou das questões de direito digital, e muito bem-feito; é uma regulação excelente. Para que fazermos uma reprodução disso? As normas gerais que estão aqui estão reproduzindo ECA, LGPD, MCI... E o MCI foi uma regulamentação técnica de conceitos. Acho que um outro ponto, como o art. 19, que o Supremo regulou e nós estamos regulando aqui diferentemente, são questões específicas, que não demandam um capítulo de direito digital. Então, o que a indústria entende, afinal, é que esse capítulo de direito digital é uma sobreposição regulatória, vai causar apenas um aumento de litigiosidade, uma obsolescência muito rápida de uma questão que exige... o PL 2.338, de autoria de V. Exa., está encampando as questões muito melhor, e nós estamos levando as questões lá. Para que trazer isso tudo para dentro do direito civil? Então, essas são as... E vamos levar as contribuições por escrito, também, dos artigos específicos, principalmente essa responsabilidade de robôs e de IAs, ela é muito problemática. Nós tivemos um caso em que uma pessoa desenvolveu um produto com IA e levou para patentear em todos os países do mundo, dizendo que havia direito de patente de IA. O mundo inteiro negou, dizendo: "Não, é só uma situação humana", a não ser a China, que negou, mas falou: "Mas precisa-se ter uma regulação específica", não para dar o direito da IA, mas para reconhecer que, hoje, todo o desenvolvimento vai usar um pouco de IA, e aí você tem que resguardar direitos autorais, propriedades intelectuais. Então, é muito mais amplo, e mais específico, e mais complexo do que é um simples artigo dando responsabilidade, direitos e obrigações para a inteligência artificial. Por isso, nós achamos que uma legislação específica e adequada para o debate é mais frutífera para o país. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Dra. Christina. Professor Flávio Tartuce. O SR. FLÁVIO TARTUCE (Para expor.) - Obrigado. Obrigado pelas considerações também, Dra. Christina, só pontuando que o art. 2.027-AX não trata de contratos digitais. Contratos digitais estão na seção anterior; é um artigo de assinatura digital. Então, são coisas diferentes. E essa previsão, salvo disposição legal em contrário, mais uma vez, preserva a norma do Código de Processo Civil. Sobre a questão do e-notariado, eu venho falando desde o início - e essa foi uma iniciativa até minha, eu que propus isso para a Subcomissão de Direito Digital - que a regulamentação do CNJ é ilegal e inconstitucional, porque esses temas que estão aqui são temas de reserva de legalidade, e nós não podemos perder essa oportunidade, Senador Rodrigo Pacheco, de tratar desse assunto. |
| R | Em audiência pública anterior, inclusive, a gente já convencionou que esse texto pode ser enxugado, com regras mínimas sobre o e-notariado, sobretudo para se fazer escritura pública digital, mas isso aqui é mais do que urgente, porque, a qualquer momento, vem uma Adin contra essa normatização do CNJ porque não é o locus adequado. Eu quero só terminar, sobre a questão dos robôs. Isso já foi objeto de outra audiência e, na ocasião, eu não consegui falar. Eu falei muito rapidamente, porque eu estava online - foi a única, até aqui, de que eu participei online. É sobre a crítica que se faz a respeito do dispositivo que trata da relação jurídica digital. Primeiro, eu fui convencido - a Profa. Rosa acabou de defender essa tese - de que o correto não é, como se falava antes, se falar em relação jurídica, mas sim situação jurídica, porque é um conceito mais amplo, que ela expõe muito bem. E o inciso que está gerando polêmica é um inciso que trata dos robôs. Eu acho que aqui está muito claro que o primeiro inciso trata de pessoa natural, o segundo inciso trata... É o AS - se não me falha a memória - é o 2027-AS ou S... Deixe-me só consultar aqui, fica mais fácil. Ah, sim: é o 2.027-S, que trata de situação jurídica digital. O inciso I trata de pessoa natural, o inciso II trata de pessoa jurídica, e o inciso III não é nem pessoa natural, nem pessoa jurídica. Isso é uma técnica legislativa muito simples: se tem um inciso separado é porque não entra nem no inciso I e nem no inciso II. Então, no inciso III, entidades digitais, na minha interpretação, são entes despersonalizados, como robôs, assistentes virtuais e IA. Eu acho que esse é o tratamento adequado. Inclusive tivemos enunciado aprovado em jornada de direito civil. Esse é o tratamento adequado que o direito civil tem que dar para inteligência artificial e para robô, como ente despersonalizado, como o direito civil já lida com condomínio, com massa falida, com o espólio, e assim sucessivamente. Então, essa foi a solução que passou com os especialistas de direito digital e com os civilistas. A gente debateu muito essa previsão. Então, achamos que é a melhor solução que se pode dar para esse tratamento, e não é nem pessoa natural, nem pessoa jurídica e nem coisa; é ente despersonalizado. Agora, se o Parlamento entende que não é um tratamento adequado, é um tema a se debater. Obrigado, Excelência. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Obrigado. Professor Doutor Osny. O SR. OSNY DA SILVA FILHO (Para expor.) - Obrigado, Senador. Quero só estender meus cumprimentos aqui à Dra. Christina e ao Dr. Carlos Elias, na pessoa de quem eu cumprimento todos os servidores da Casa, e, especialmente, à Profa. Rosa Nery, que eu leio há tantos anos, desde o começo da faculdade. Eu já devo ter lido umas três vezes Introdução à Ciência do Direito Privado, e é um prazer poder dialogar com a senhora, Professora. A Profa. Rosa Nery pergunta se a gente ainda pode se valer da noção tradicional de relação jurídica para lidar com a situação das pessoas em ambiente digital. Essa pergunta vai um pouco na linha da pergunta do Lucas, aqui, do Ceará, de como é que a gente vai imputar à inteligência artificial, como é que a gente vai atribuir determinada conduta a um ente despersonalizado, de acordo com a leitura do Prof. Flávio. Veja, eu entendo que sim, que seja possível aplicar a velha noção de relação jurídica para as relações digitais, especialmente porque, a meu ver, o principal desafio das relações digitais tem outro nome: é intermediação. O nosso desafio nas relações digitais não é propriamente a nossa relação com as plataformas de maneira direta ou simplesmente quais são os conteúdos que nos chegam. Esses são problemas relevantes, que são resolvidos por outros campos do direito, mas eu vejo a intermediação digital como um tema que realmente carece ainda de regulação. Nós não temos ainda uma regulação abrangente a respeito da intermediação digital, e é possível que nem haja espaço para que tenhamos esse tipo de regulamentação abrangente. |
| R | Eu quero também reagir ao ponto da oferta e da aceitação, que o Dr. Flávio mencionou. Estou de pleno acordo. A disciplina da oferta e da aceitação no Código Civil é bastante envelhecida. O grande jurista, já morto, Carlos Ferreira de Almeida, acho que é o principal, tem quase um livro inteiro para tratar das transformações da oferta e da aceitação, e ele mostra como não só o Código Civil português, de referência para ele, mas quase todos os códigos civis estão bastante obsoletos a respeito disso. Então aqui a gente tem - mas não mais no Livro de Direito Digital; aqui eu estou falando, acho que do 435-A - uma novidade importante a respeito da disciplina da oferta e da aceitação. Acho que são regras, é uma regra, enfim, com várias sub-regras importantes, mas aqui a gente não está falando mais do Livro de Direito Civil Digital, estamos falando de um outro assunto do Código. Agradeço uma vez mais o espaço, Senador. Espero que nós tenhamos outras oportunidades de dialogar. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fala da Presidência.) - Muito obrigado, Dr. Osny. Nos termos do art. 111 do Regimento Interno, submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e aprovação da Ata da 8ª Reunião, realizada em 27 de novembro de 2025. As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.) A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal. Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos, em especial dos nossos expositores, e convido para a próxima audiência pública desta Comissão Temporária, a ser realizada no dia 11 de dezembro, neste Plenário, em continuidade aos debates sobre responsabilidade civil. Está encerrada a presente reunião. Muito obrigado. (Iniciada às 10 horas e 08 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 10 minutos.) |

