11/12/2025 - 10ª - Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei n° 4, de 2025 (Art. 374 RISF)

Horário
O texto a seguir, após ser revisado, fará parte da Ata da reunião.

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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 10ª Reunião da Comissão Temporária para examinar o Projeto de Lei nº 4, de 2025, que dispõe sobre a atualização da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, (Código Civil), e da legislação correlata.
A presente reunião se destina a continuar os debates relativos ao tema da responsabilidade civil. Participarão desta audiência os seguintes convidados: S. Exa. o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Herman Benjamin, a quem agradeço penhoradamente pela presença e atenção com o Senado Federal, emprestando sua inteligência e sua autoridade para a discussão desse tema; seja muito bem-vindo, Presidente Herman Benjamin!; igualmente, para a nossa alegria e satisfação, recebemos a Ministra Maria Isabel Diniz Gallotti, Ministra do Superior Tribunal de Justiça, que se dedicou junto com outros pares à Comissão de Juristas que apresentou o anteprojeto de atualização do Código Civil; muito obrigado pela presença, Ministra Isabel Gallotti.
Também teremos a exposição do Prof. Fábio Floriano Melo Martins, que é Professor da FGV, Presidente do Instituto de Direito Privado; também da Profa. Gisela Sampaio da Cruz Guedes, Professora da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Advogada; da Profa. Juliana Cordeiro de Faria, Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e Advogada; do Dr. Luiz Fernando Dalla Martha, Diretor de Conhecimento e Impacto do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa; do Prof. José Roberto de Castro Neves, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da FGV Rio, e também Advogado; da Diretora do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Advogada, Dra. Caitlin Sampaio; do Prof. Rafael Viola, Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Advogado; do Prof. Rafael Peteffi da Silva, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e Advogado; Prof. Nelson Rosenvald, Professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e advogado; do Prof. Flávio Tartuce, Coordenador e Professor do Programa de Mestrado da Escola Paulista de Direito e que foi o Relator-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil; e também da Profa. Rosa Maria de Andrade Nery, Livre Docente da Faculdade de Direito da PUC de São Paulo e Relatora-Geral da Comissão de Juristas para atualização do Código Civil. A Profa. Rosa participará pelo sistema de videoconferência.
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Comunico aos presentes que a audiência pública funcionará da seguinte forma: cada convidado terá dez minutos para a sua exposição. Após a fala dos convidados, será franqueada a palavra ao Relator, eminente Senador Veneziano Vital do Rêgo, e aos demais Parlamentares presentes que queiram fazer uso da palavra.
Comunico novamente que o prazo final para a apresentação das emendas à Comissão é 3 de março de 2026 e que, para ter conhecimento das emendas recebidas, esta Presidência pede que se acesse o PL 4, de 2025, por meio do link disponibilizado na aba "Comunicados", no Portal da Comissão.
Esta reunião é interativa, transmitida ao vivo pela TV Senado, aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, também pelo telefone da Ouvidoria do Senado, 0800 0612211.
Dando início às exposições nesta manhã de hoje, agradecendo uma vez mais a presença e a dedicação de todos os convidados que aqui estão e que participarão pelo sistema de videoconferência, tenho a honra de passar a palavra ao eminente Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Herman Benjamin, para sua exposição.
Com a palavra, Ministro.
O SR. HERMAN BENJAMIN (Para expor.) - Muito obrigado, inicialmente, pelo convite.
Agradeço muito ao Senador Rodrigo Pacheco, que eu admiro de muito tempo. Eu não preciso dizer, mas quero dizer, insisto em dizer: é uma das figuras notáveis da nossa República e do mundo jurídico nacional.
O Senador Carlos Portinho, que eu também tive já o prazer de conhecer, acompanhar suas intervenções no Senado, com muita eloquência, muita combatividade, e tenho certeza de que esta experiência desses dois Senadores, juntamente com o meu conterrâneo, Senador Veneziano, nos encaminha para um... Vou fazer um trocadilho aqui, Senador Portinho: para um bom porto.
Nós chegaremos a um bom porto neste trabalho, que é absolutamente necessário, em qualquer âmbito do Direito, nós olharmos sempre para a legislação que temos e sem outras preocupações que não sejam o confronto da lei com a realidade, verificar se a lei precisa de ajustes ou não.
Os legisladores sabem e os professores também que, no instante em que uma lei é aprovada, já naquele momento... Primeiro, nós nos arrependemos de algumas coisas que pusemos lá. Arrependimento menor é pelas coisas que nós não colocamos lá, porque as coisas que nós não colocamos lá podem ser corrigidas mais facilmente. E, em terceiro lugar, um arrependimento por não saber e por não ter debatido adequadamente aquela matéria, o que não é o caso, evidentemente, deste PL que está aqui sendo discutido.
Eu peço licença para saudar todas e todos, professoras e professores, especialistas que falarão hoje, nas pessoas da minha colega, Ministra Maria Izabel Gallotti; da minha amiga de muito tempo, a Profa. Rosa Maria de Andrade Nery, e do Prof. Flávio Tartuce, que também é um notável jurista do nosso país e eu admiro muito.
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Quero já dizer que muitas vezes eu não concordo com a Ministra Maria Isabel. Podem assistir aos debates da nossa Corte Especial e vão verificar, primeiro, que ela não concorda comigo, na maioria das vezes - eu tenho que implorar lá: "Ministra Maria Isabel, por favor, desta vez, que eu lhe apresentei antes, num ato quase de piedade, me acompanhe uma única vez" -, mas que também, em reciprocidade objetiva não tem nada, muitas vezes, eu discordo dela. Faço essa observação que não é necessária, mas ao mesmo tempo é, para que fique claro que aqui eu não estou falando nem como Presidente do Superior Tribunal de Justiça, nem como Ministro e nem como amigo de vários dos membros da Comissão, entre os quais o próprio Ministro Luis Felipe Salomão.
O tema para o qual eu fui convocado - não fui convidado - é a responsabilidade civil. Na verdade, eu gostaria de ter sido convidado para outros temas.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HERMAN BENJAMIN - Depois eu passo uma...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Já está feito o convite permanente da Comissão.
O SR. HERMAN BENJAMIN - E eu já aceitei, mas o convite veio para a responsabilidade civil, possivelmente porque, no decorrer da minha carreira acadêmica também, eu tenho me dedicado... Ultimamente abandonei esta temática, e nós sabemos da centralidade da responsabilidade civil no direito das obrigações e do próprio direito das obrigações para o arcabouço jurídico de qualquer país, seja de common law, seja de civil law, seja de sistema islâmico.
Aqui, neste PL, eu vou me limitar a três pontos: primeiro, a função preventiva da responsabilidade civil, a função pedagógica e o dano futuro. Já confesso, sem receio, publicamente, que eu não li nenhum dos trabalhos que certamente já devem ter sido escritos sobre essa temática e peço já desculpas se eventualmente eu for falar alguma coisa que já está quase que ultrapassada nesses estudos que eventualmente tenham sido feitos.
Na minha carreira, eu presidi e participei de várias Comissões legislativas. E aprendi algo que eu gostaria de dividir aqui com todas e todos. Quais são os tipos normalmente de críticas que um projeto, sobretudo um projeto abrangente como é o de reforma do Código Civil... Como nós podemos classificar essas críticas? Isso é importante. Em primeiro lugar, existe a crítica política, que é legítima: essa matéria não deve ser tratada neste momento, essa matéria é imprópria ou, então, essa matéria está muito bem tratada hoje no que nós temos; é algo vago, mas acontece.
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A segunda crítica é de natureza dogmática, aí já olhando para os institutos; não para a minúcia dos institutos, mas para o panorama geral desses institutos. E as divergências começam a surgir aí. Então, se olharmos, por exemplo, para o Código Civil atual, uma das críticas foi: rompe com o paradigma da responsabilidade civil subjetiva. Na época, se formos buscar, vamos encontrar esta crítica veemente. E rompeu e tinha que romper, porque o nosso Código ainda refletia uma posição acerca da responsabilidade civil que não se encontrava mais em lugar nenhum do mundo, nem mesmo naqueles sistemas jurídicos nos quais o nosso Código Civil, o de 1916, se inspirou, no Código Civil francês. Não havia compatibilidade.
Terceiro, é a crítica técnica. Essa é muito importante, porque, às vezes, não é uma discordância política, não é uma discordância dogmática, é acerca do modo como a técnica foi usada ou, eventualmente, pessimamente utilizada - técnica jurídica de redação. E isso é grave, porque, se o Congresso Nacional não resolve - vou usar uma expressão vulgar -, a batata quente passa para o juiz e a juíza. Qualidade de vida para juíza e juiz depende da qualidade da lei. Eu acho que é por isso que eu estou aqui hoje; não é como professor. É porque eu quero uma lei boa que nós, juízes, e, bem, eu já estou mais para o final do que... Já passei muito do meio, eu quero para os jovens juízes e juízas, que não deparem com tantas dificuldades que existem hoje no Código Civil, como ainda se vem enfrentando.
Finalmente - e é algo que eu não vou tratar aqui, só vou mencionar lá em um ou dois pontos - a questão redacional. Porque, muitas vezes, em banca de doutorado ou mesmo de mestrado, o examinador passa meia hora destruindo o vernáculo ou a falta do vernáculo da coitada ou do coitado do candidato. Eu nunca faço isso, porque isso daí, agora com inteligência artificial, joga-se o texto e sai pronto. Eu quero saber se as ideias estão bem-organizadas, se há criatividade no caso de uma tese de doutorado. A mesma coisa se aplica, e com maior otimismo, num texto legislativo, porque, em seguida, feitos esses acertos, haverá quem cuide adequadamente da redação para haver precisão, algo que não existia no passado - éramos nós mesmos que tínhamos que fazer.
E o último ponto de crítica, eu não me furto a mencionar, porque é o elefante, em qualquer iniciativa legislativa, que está - se quiserem, a manada de elefantes - no meio da sala: o aspecto pessoal. Não é incomum que projetos sejam muito criticados em decorrência das animosidades naturais que existem na academia, no Judiciário ou até mesmo, me permitam, no Parlamento: "Eu não gosto do Relator, eu não gosto do Presidente, enfim, de A, B ou C". Este ponto é inadmissível, porque, quando se legisla, se legisla para o país, para a nação e para o futuro.
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Temos que construir um muro de Berlim adequado para evitar esse tipo e filtrar esse tipo de crítica que não traz contribuições verdadeiras, porque não são genuínas, acerca de um texto legislativo. Tudo isso eu falo em decorrência da minha experiência legislativa.
Passemos agora às premissas.
Quais são as premissas que nós devemos procurar num projeto como esse da responsabilidade civil, Senador Portinho? Primeiro, a aceitação. Eu já não estou nem falando em convencimento, porque eu não acredito que alguém pense de modo diverso de que o paradigma da responsabilidade civil e do direito como um todo, desde, Senador Portinho, o direito de família até o direito da propriedade intelectual, em tudo, é a transição que nós já fizemos - isso está muito claro no direito brasileiro - entre um direito de danos para um direito de riscos. Nós, juízes, somos os piores árbitros para o dano. E, muitas vezes, na maioria das vezes, o dano não pode ser reparado in integrum ou, então, de uma forma adequada, minimamente adequada.
Lá no início, quando nós debatíamos o Código de Defesa do Consumidor, eu citava um comercial, uma publicidade da televisão de uma seguradora - eu até tinha isso, não sei onde anda -, em que aparecia um senhor, assim, de algum peso, como é o meu caso, talvez um pouco maior, barbudo, que puxava uma fotografia da esposa e dizia: "Sabe qual o preço desta pessoa maravilhosa? É minha esposa"; puxava uma outra fotografia e era da filha ou do filho. Isso para dizer: "Faça um seguro". Era um pouco grosseiro, mas passava a mensagem.
Então, esta há de ser uma premissa desse esforço legislativo na responsabilidade civil. E nós, juízes, e espero que você também, reconheçamos que nós somos péssimos - não estou sendo generoso aqui - em tratar com o dano, exceto quando o dano se pode resolver até numa modalidade de escambo: um carro destruído, eu lhe dou um outro carro; fundiu o motor, saiu da concessionária, bem, eu lhe dou um carro novo. Tirante as hipóteses de escambo, não é possível realmente nós imaginarmos um sistema jurídico de responsabilidade civil baseado no dano, mas nós não podemos desconhecer o dano. A prioridade há de ser o risco. E eu vejo isso no texto do seu capítulo, da sua parte, Senador Portinho.
O segundo ponto, a segunda premissa - há outras, mas eu paro por aqui - é que esta responsabilidade civil que está sendo tratada aqui... E esses dois senhores que estão aqui, essa senhora, eu e vocês todos, nós somos sujeitos do Estado social, e as leis que nós aprovamos precisam refletir os fundamentos do Estado social, que é a Constituição.
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E aí, Senador Portinho, não importa que Governo está no poder. Vejam o Governo anterior. Tirou a malha de apoio do sistema social? Dos pobres, as várias bolsas, etc. Não. Ou seja... E o status social é mais que isso, mas se reflete muito na responsabilidade civil.
Eu me arriscaria a dizer o seguinte: diga-me que modelo de responsabilidade civil você tem, e eu direi quem és e que status social ou não de direito está presente. Para mim, essas são as duas premissas principais.
Vamos passar... E não sei quantos minutos eu tenho, já devo ter passado...
Vamos passar, então, aos dispositivos que me pareceram... que é o 927-A: "Todo aquele que crie situação de risco, ou seja responsável por conter os danos que dela advenham, obriga-se a tomar as providências para evitá-los". Vejam que há pleonasmo na adoção do risco, porque o risco é um lado da moeda, e o dever de prevenção o outro. Esse dispositivo me parece perfeito. Eu melhoraria a redação, mas a inteligência artificial vai resolver isso aqui muito, muito facilmente.
Depois: "Toda pessoa tem o dever de adotar, de boa-fé [...]", eu acrescentaria boa-fé objetiva; em tudo que houver, Senador Portinho, Senador Rodrigo Pacheco, sempre que a boa-fé for mencionada, a boa-fé objetiva "[...] e de acordo com as circunstâncias, medidas ao seu alcance para evitar a ocorrência de danos previsíveis que lhes seriam imputávei [...]", de novo a questão da redação: "que lhes sejam imputáveis". [...] mitigar sua extensão e não agravar o dano, caso esse já tenha ocorrido". Eu retiraria "ao seu alcance", porque é implícito.
E aqui nós vamos abrir uma linha de discussão, o que é "ao seu alcance". Não está incorreto, mas nós devemos evitar expressões na lei que possam criar correntes jurisprudenciais.
Eu me recordo de que - um parêntese aqui - uma vez eu, muito aborrecido, num projeto de lei que eu estava coordenando com a Profa. Ada Pellegrini Grinover, e o Prof. Damásio disse: "Olha, Herman, cuidado com a redação, porque eu..." O Damásio tinha aquele... Nossa, era a nossa bíblia, era o Código Penal anotado, um livrão de capa dura. Aquilo nós usávamos em tudo. Ele disse: "Uma vez, numa das edições desse livro, na tipografia - na época era tipografia -, um 'não' sumiu", e a falta do "não" deixava a interpretação do que estava escrito lá uma aberração, pois até a próxima edição surgiu uma outra corrente jurisprudencial, com aberração, e ele disse que ficou com pena depois, na edição seguinte, de desautorizar aquela outra.
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Então, temos que evitar expressões que sejam desnecessárias, para ser um filtro. "É realmente necessária essa expressão?". Não é, porque, evidentemente, o juiz vai levar em conta isto, o seu alcance, porque, veja, trazer os marcianos para funcionar no caso concreto, o juiz não vai pensar nisso, mas pode criar uma série... vai haver tese de doutorado, dissertação de mestrado, etc.
No §3º, quando se diz, "sem prejuízo do previsto na legislação especial", a tutela preventiva do ilícito é destinada a inibir, desencorajar ou dissuadir a prática, e aqui já é, de novo, o aspecto preventivo, mas educativo, da responsabilidade civil. Todo o direito é educativo. E eu não entendo por que nós não falamos isso no primeiro dia de faculdade de direito. Porque, se ensinássemos isso para os estudantes, a questão da efetividade da norma ficaria muito mais clara, porque a ineficácia, a inefetividade da norma, deseduca no que se refere ao Estado de direito, que não é um estado de leis, mas é um estado que também depende das leis e da sua implementação.
Aqui eu acrescentaria, além do inibir, o desencorajar ou dissuadir, o dissuasion do direito norte-americano, é o deterrence do direito norte-americano. Alguém pode dizer que já está no inibir, não basta. E entram também, na teoria do deterrence, dois tipos de prevenção, a prevenção geral e a prevenção especial. Eu acho que eu fui o primeiro a escrever isso há 30, 40 anos, e hoje já nem citam. Antes colocavam lá a nota de rodapé, agora... eu não me incomodo, porque o importante é que esteja lá, que as pessoas estejam debatendo o tema e acertando.
Então, a prevenção geral... a prevenção especial é para o mesmo que está lá, o réu numa ação de responsabilidade civil. E a prevenção geral é a educação, é para todos os outros que estão em posição assemelhada e que poderiam praticar o mesmo comportamento, seja uma ação, seja uma omissão e, com isso, se encaixar naquela hipótese tipológica do texto normativo.
Encaminhando-me já para o final, gostei também, no §4º, da utilização de eficácia. Podem procurar na legislação anterior ao Código de Defesa do Consumidor - refiro-me ao direito privado, que não vão encontrar eficácia nas normas de direito material, porque o papel do Código Civil era estabelecer direitos e obrigações, remédios, mas não cuidar de eficácia. Eficácia, alguém cuide disso. Hoje, nós temos todos clareza de que a lei sem eficácia é uma lei incompleta, é uma lei que sofre de um handicap - vou usar a expressão em inglês -, e interessa a todos os ramos normativos.
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Senador Portinho, no art. 944-A está dito: "A indenização compreende também todas as consequências da violação da esfera moral da pessoa natural ou jurídica", fautor da coletividade, porque nós temos o dano. É o 944-A, caput.
Em seguida: "Na quantificação do dano extrapatrimonial, o juiz observará os seguintes critérios, sem prejuízos de outros". Aí vem I, II, III.
Eu já acrescentaria, no inciso I, a gravidade da conduta, porque é possível se deduzir a gravidade da conduta dos outros dispositivos, mas eu acho que este é o ponto fundamental. Então, já põe lá em cima, não precisa retirar dos outros. O pleonasmo legislativo pode ser feio, mas é útil. E eu não tenho problema nenhum com o pleonasmo, repetir em vários... Isso é próprio da técnica legislativa norte-americana, que a gente critica muito. Então, claro, não vamos fazer o que eles fazem lá, mas não há preocupação em repetir.
Eu tenho um problema no inciso II, quando diz: "quanto à extensão do dano, as peculiaridades do caso concreto, em confronto com outros julgamentos que possam justificar a majoração ou a redução do valor da indenização". Esta é uma trava histórica de paralisação do sistema normativo. E se não houver jurisprudência? E as hipóteses novas que surgem? Nós vamos precisar da jurisprudência exatamente para as hipóteses que não estão postas. E isso vale para o confronto entre pessoas jurídicas, no direito comercial, na propriedade intelectual, na área de tecnologia... Na área de tecnologia, tudo é novo; não vai haver jurisprudência. E, por isso, "em confronto", não. Tira isso daí, porque, do contrário, nós vamos ter um dispositivo que, indo em oposição ao que pretende a Comissão e todos nós, vai paralisar um retrato da realidade.
Imaginem, por exemplo, a abolição da escravatura. Os precedentes que nós tínhamos eram quais? E as dúvidas que, se a Princesa Isabel e lá o Congresso... se a lei não fosse tão simples, né? É um artigo só, a lei mais simples do Brasil - um único artigo. Essa lei, se tivesse vários artigos, ficaria paralisada na interpretação, porque não haveria este padrão jurisprudencial para se fazer o confronto. E não é incomum que o padrão jurisprudencial seja errado e que precise ser renovado. Nós juízes erramos. Não gostamos de reconhecer isso, mas erramos - e erramos muito.
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No §3º, há outra crítica que eu queria fazer. É que se utiliza "havendo dolo ou culpa grave". Nós devemos evitar a qualificação da culpa. Isso é medieval, é da Inquisição. Então, em tudo que nós já legislamos, evitamos, dentro do possível, nas leis novas, essa missão impossível para o juiz de caracterizar a culpa como gravíssima, grave, leve e levíssima. Isso é missão impossível! Nós juízes não temos como fazer isso. Nós juízes sabemos o que é dolo, sabemos o que é dolo eventual e sabemos o que é culpa. E, depois, se você vai fazer essa gradação sem qualificação, normalmente o que o juiz vai dizer, ou a juíza, é que não há culpa, quando sai daquele padrão do que seria normal ou anormal.
No §4º, de novo há algo que é desnecessário. Diz: "O acréscimo a que se refere o §3º [...]" , etc., etc., e, aí lá no final, "[...] a ser demonstrada nos autos do processo." Por que colocar isso? Vai ser demonstrado onde? É na caderneta do juiz? Nas suas anotações pessoais? No seu blogue? Porque juiz agora tem blogue. Evidentemente que não, é no processo. E eu deixo essa sugestão.
E, no §5º, está "Na fixação do montante a que se refere o §3º, o juiz levará em consideração eventual condenação [...]" judicial, mas não vamos esquecer as condenações administrativas. Alguém que, reiteradamente, viola a lei, que é condenado administrativamente, transita em julgado, não entra com mandado de segurança para desconstituir ou ação de anulação, enfim, qualquer um desses instrumentos que são bem conhecidos... Esse tem um histórico importantíssimo tanto no plano comercial como em outros planos. Pode ser também em outras áreas, não necessariamente nessas de que nós estamos tratando aqui, da diversidade do Código Civil.
E o meu ponto derradeiro é no §6º, quando diz sobre exigências processuais e devido processo legal, "Respeitadas as exigências processuais e o devido processo legal, [...]". O que é o devido processo legal? Não é exigência processual? Ou não?
Mas isso não é importante, depois vocês vão corrigir.
O que é importante para mim é o que eu gostaria de sugerir quando se fala que esses recursos "[...] poderão ser destinados à proteção de interesses coletivos ou de estabelecimento idôneo de beneficência no local em que o dano ocorreu". O que é o local? Pode ser a região. Um desastre lá em Furnas, por exemplo, pega tudo, inclusive a sociedade.
Aí vai ser só naquele local, eu diria: no local ou região. Se quiserem, pode falar microrregião, mas não deixem apenas o local. Porque, muitas vezes, o dano ocorre no local, perdão. As causas do dano ocorrem no local - isso aqui não está muito claro -, mas o dano se expande.
E minha palavra final é sobre o 944-B. Eu não tenho a solução, mas vou falar: “Art. 944-B. A indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros".
Hoje em dia, a ideia de dano certo é incompatível com a realidade. E aqui é incompatível com a redação. Porque se são danos indiretos e danos futuros, e os danos futuros existem, talvez o melhor fosse dizer: a indenização será concedida ainda... ou nos casos em que o dano seja direto, indireto, atual ou futuro. E nós deixamos de fora o "certo", porque, em termos redacionais, é incompatível com o que está...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HERMAN BENJAMIN - ... exatamente, e a premissa.
Sei, Senador, que haveria muito mais a dizer, mas eu já falei muito. Lembro que esta função preventiva, só para recapitular, a função preventiva nós todos temos que defender - todos -, porque nós não somos, e não podemos estar presos ao passado, isso aqui não é mais Roma.
No que tange à função pedagógica, eu já fiz a referência, todo direito é pedagógico e tem que ser. O direito do Estado, o direito parte do pressuposto de que as pessoas são educadas pela educação formal e pela aplicação da lei. Isso inclui a responsabilidade civil.
E, terceiro, o dano futuro existe. E eu imagino um futuro não distante, em que tal qual os processos estruturais de que nós temos jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça, são processos em que a res judicata fica aberta, no que tange a sua execução. É possível, em alguns casos, que nós venhamos, no futuro, a ter processos de responsabilidade civil em que o an debeatur é definido, os padrões do an debeatur, mas não só o quanto debeatur, mas também o leque de sujeitos protegidos fica em aberto. Eu dou um exemplo e com isso eu encerro.
Havia um programa na Amazônia, da Funasa - é jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça -, em que,
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - Ministério da Saúde -, em que, em determinados períodos ou permanentemente, em canoas, barcos, voadeiras, agentes de saúde saíam com pulverizadores, jogando DDT para matar o mosquito da malária. DDT é proibido para tudo, mas hoje ainda é permitido para essa finalidade, é como a talidomida, que é proibida para tudo, mas ainda tem uma ou duas enfermidades em que a talidomida é a única forma.
Bem, um bom número... Gente de Minas ia para lá, do Espírito Santo, do país como todo. Um bom número dessas pessoas contraiu câncer e outras enfermidades. Então, começamos a ter ações de quem não havia contraído o câncer ainda. Foi exposto e dizia: "As estatísticas estão aqui, eu quero proteger o meu futuro", porque entrar com uma ação quando já se está com câncer terminal, terminal vai continuar, e com passaporte para o outro mundo antes de ver a decisão judicial acerca daquela matéria.
Então, o dano futuro é possível e é uma realidade. Agora, nós não podemos é estabelecer como padrão generalizado o dano futuro. O padrão é aquele que nós conhecemos, da responsabilidade civil, mas nós não podemos fechar a realidade, ou melhor, as portas da lei à realidade. A pior lei é aquela que desconhece a realidade.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Eu agradeço ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Herman Benjamin, fazendo aqui um público reconhecimento à sua condução e à sua gestão à frente do Tribunal da Cidadania, tão fundamental para o nosso país.
Sou testemunha da dedicação do Ministro Herman Benjamin sob todos os aspectos de interesse do Poder Judiciário e da própria cidadania. Diversas reuniões que fizemos, sobre temas muito relevantes, que estão no âmbito do Congresso Nacional e que merecerão, de nossa parte, todo o tratamento a partir dessa dedicação do Presidente Herman Benjamin.
Então, esse meu reconhecimento de sua dimensão institucional como Presidente do Superior Tribunal de Justiça. E, aqui, um agradecimento muito especial à dimensão do acadêmico, do jurista, do homem que conhece do direito, que é uma grande referência do direito do consumidor e do direito ambiental no Brasil e também aqui demonstrando a sua capacidade de pormenorizar os aspectos da responsabilidade civil, que é o tema aqui hoje tratado.
Além das premissas por ele fixadas inicialmente, também desceu a detalhes e a pontos da legislação, inclusive quanto a técnicas legislativas que foram aqui utilizadas e que eu estou de acordo que mereçam o devido reparo, contribuindo sobremaneira para a nossa Comissão Temporária, para o Senado, na discussão desse projeto de lei.
Portanto, Ministro Herman Benjamin, meu agradecimento em nome de toda a Comissão Temporária. Justifico aqui a ausência do nosso Relator, Senador Veneziano Vital do Rêgo, seu conterrâneo da Paraíba, que, hoje cedo, me ligou - disse que ligou para V. Exa. - para poder justificar a sua ausência em função de um compromisso inadiável no Estado da Paraíba, e sente muito a impossibilidade de estar aqui conosco hoje
Estado da Paraíba, e sente muito a impossibilidade de estar aqui conosco hoje, mas certamente colherá, a partir da gravação desta audiência, as contribuições dadas pelo Presidente Herman Benjamin.
Então, quero agradecer e, antes que eu me esqueça também, eu vi aqui um aspecto do art. 944-B e peço à nossa consultoria, aos nossos colaboradores, e ao eminente Relator, que, quando se usa o plural na expressão "dos danos certos, diretos, indiretos, atuais ou futuros", talvez o correto, sob o ponto de vista de técnica legislativa, seja no singular, porque há casos em que não são danos, que é um dano apenas.
Então, apenas um pormenor aqui para a nossa atenção, além de todos aqueles aqui destacados pelo Presidente Herman Benjamin.
O Presidente Herman Benjamin, naturalmente, com o seu excesso de atribuições no âmbito do Superior Tribunal de Justiça... Fique à vontade, tanto para permanecer, para ouvir os demais expositores, mas também compreenderemos se V. Exa. precisar se ausentar antes do término desta sessão. E o meu muito obrigado pela sua presença aqui no Senado, uma vez mais, Presidente Herman Benjamin.
Neste instante, concedo a palavra...
A Ministra Isabel Gallotti ouvirá alguns expositores para depois também se pronunciar e agradeço o tempo e a dedicação da Ministra Isabel Galotti de permanecer conosco.
Concedo a palavra agora ao Prof. Fábio Floriano Melo Martins, que é Presidente do Instituto de Direito Privado.
Temos aqui a observância do prazo de dez minutos. Obviamente que não é um prazo muito fatal, mas, o quanto possível, peço aos expositores que possam observá-lo para que tenhamos a oportunidade de ouvir a todos dentro de um prazo condizente.
Portanto, tem a palavra o Prof. Fábio Floriano Melo Martins.
O SR. FÁBIO FLORIANO MELO MARTINS - Bom dia.
Cumprimento todas as pessoas que nos acompanham, presencialmente e virtualmente, nas pessoas dos Senadores Rodrigo Pacheco, Carlos Portinho e também dos Ministros Herman Benjamin e Maria Isabel Galotti.
Agradeço, penhoradamente, ao Senador Laércio Oliveira a honra de ter me indicado para participar desta audiência pública e de poder fornecer alguns subsídios ao Senado Federal para sua tomada de decisão no contexto da tramitação do PL nº 4, de 2025.
Aproveito, também, para agradecer a todos os servidores desta Casa e a todas as assessorias dos gabinetes com os quais eu tive a oportunidade de conversar, pela forma sempre muito cordial e atenciosa com que fui recebido e tratado.
Dividirei minha exposição em três partes. Num primeiro momento, tenho como título que o PL nº 4 contém uma proposta de alteração dos pilares de sustentação da responsabilidade civil. No PL nº 4, de 2025, a matéria mais afetada, sem sombra de dúvidas, foi a da responsabilidade civil. A gente tem um título Da Responsabilidade Civil, no Código, que vai do art. 927 ao artigo 954. Foram alterados, na proposta, todos os 28 artigos e estão sendo propostos outros 11 novos artigos. E, na audiência anterior sobre responsabilidade civil, Senador Portinho, V. Exa. usou uma metáfora para tratar sobre a possibilidade de derrubada de paredes e não de colunas da responsabilidade civil.
Quero esclarecer, Senador, que, na minha visão, estão sendo propostas alterações nos pilares de sustentação da responsabilidade civil. E quais são esses pilares? São os pressupostos da responsabilidade civil.
Então tem proposta de alteração na questão da ilicitude, do art. 927; na discussão do dano do art. 944, § 2º; na possibilidade, apesar do caput, de a indenização não mais se medir pela extensão do dano; na discussão do nexo de causalidade, também - a discussão, por exemplo, do nexo causal probabilístico, do artigo 927 § 1º; a discussão também do tema dos danos indiretos no art. 944-B... Há também, além das mudanças nos pressupostos, propostas de mudanças relevantíssimas nos critérios de imputação... Destaco só o 927-B na discussão sobre
nos critérios de imputação, destaco só o 927-B na discussão sobre o conceito de risco. E isso tudo chegou a um cenário, como foi dito na audiência passada... É um trabalho inovador. Eu abro aspas aqui, foi usada a expressão "um novo sistema de gestão de riscos". Nesse contexto, a gente tem que, se é um trabalho inovador, se é um novo sistema de gestão de riscos, não é uma atualização.
Então, nós estamos discutindo aqui, obviamente, e submetendo subsídios para a decisão de V. Exas., sobre alterações nos pilares de sustentação do prédio da responsabilidade civil.
Acho que essa é a primeira premissa que eu gostaria de deixar destacada.
E passo para o meu segundo ponto, a questão de um sistema de responsabilidade civil. Para análise de um sistema, eu tenho que analisar não só o Código Civil. Eu tenho que analisar microsistemas, situações específicas e o Código Civil. E quero já, desde o primeiro momento da minha exposição, nesse segundo tópico, destacar a relevantíssima atuação do Poder Legislativo.
E aqui eu destaco um ponto. Considerando muitas das razões e dos exemplos que foram dados na audiência passada, eu peço licença aos senhores e às senhoras para fazer uma brevíssima recapitulação, para demonstrar que nós não estamos, no Brasil, em hipótese nenhuma, sobre terra atrasada e muito menos sobre terra arrasada na matéria de responsabilidade civil. Nós estamos muito longe disso, e aqui eu abro aspas de uma expressão que foi usada na audiência passada, de um "sistema de responsabilidade civil de Caio e de Tício". Nós estamos muito à frente disso.
O Brasil é vanguardista em muitas matérias, e passo a destacá-las. Cito, a Lei da Ação Popular, de 1965. Nós temos uma Lei de Ação Civil Pública, de 1985, que, no seu art. 1º, já trata de ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais ao meio ambiente, ao consumidor, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, nos seus incisos I, II e IV. Depois, essa lei foi alterada, em 2014, para incluir a honra, a dignidade, o patrimônio público social.
Destaco o papel relevantíssimo da Constituição Federal, no seu art. 5º. Vou poupá-los de ler, porque V. Exas. conhecem o tema melhor do que eu.
Temos um microssistema de Código de Defesa do Consumidor, que é uma referência mundial - a Lei 8.078, de 1990. No Código Civil de 2002, é equivocada a afirmação de que só se tutelam direitos individuais e patrimoniais. Vou dar só um exemplo. O art. 12 trata da questão dos direitos de personalidade, inclusive, Ministro Herman, com a questão de cessar a ameaça ou a lesão aos direitos de personalidade. E, no seu parágrafo único, trata até da hipótese do morto.
Então, já é uma legislação que tem muitos pontos a serem destacados.
Destaco mais, a Lei 13.848, de 2019, tratando, Senador Portinho, de um outro ponto muito importante, trazido por V. Exa.: a questão do papel das agências regulatórias nessas matérias. Temos os Procons, temos a Senacon.
E, agora, eu vou pedir especial atenção nesse ponto, porque, obviamente, todo mundo se sensibilizou muito com a questão do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho. E, quero destacar, este Parlamento respondeu prontamente a essa situação.
A Lei 14.750, de 12 de dezembro de 2023, Senador Pacheco, trata exatamente sobre isso e trata sobre a relevância da defesa civil nesse papel de prevenção, nesse papel de prévia análise do licenciamento.
Vou além, senhores. A Lei 14.755, de 15 de dezembro de 2023, os direitos das PAB, que são as Populações Atingidas por Barragens, é uma situação específica. O Parlamento está atento a isso. Tratou uma situação específica com uma lei específica.
Então, o que eu quero destacar de tudo isso é que o Senado está atento, o Parlamento como um todo está atento. Nós temos, agora, em tramitação, o PL das fake news, temos o PL da inteligência
está atento. Nós temos, agora, em tramitação, o PL das fake news, temos o PL da inteligência artificial, então as situações específicas estão sendo bem tratadas.
À luz desse brevíssimo dado e desse brevíssimo cenário - peço desculpa a todos, eu teria muitos outros exemplos, mas eu estou olhando, muito atento aqui, para o tempo, Sr. Senador Pacheco, muito obrigado pela sua cordialidade -, eu quero destacar que está claro um trabalho muito forte do Parlamento. O Parlamento brasileiro está analisando isso. A gente não está num cenário de terra atrasada ou de terra arrasada.
O que eu acho, e isso eu acho que é muito bem-feito, é que o regramento tem que ser de microsistemas; o regramento tem que ser de situações específicas, como foi feito, por exemplo, nos casos das barragens, nessas leis às quais eu fiz referência; e, lógico, têm as questões gerais que têm que ir para o Código Civil. Mas não é tudo que tem que ser jogado dentro do Código Civil.
E, mais, Ministro Herman, tem uma legislação de muita vanguarda: tutela coletiva, CDC, dano moral tratado até na Constituição, que, quando a gente vai para o exterior, todo mundo fica atento a isso: tratamento específico para vítimas de barragens.
E aí, Senador Pacheco - vou respeitar o meu tempo -, fui buscar dados para responder a um problema que foi trazido por V. Exa. na audiência passada, sobre a questão do exemplo da aviação civil. E eu quero destacar: o exemplo da aviação civil, em sua imensa maioria dos casos, é tratado pelo Código de Defesa do Consumidor, de modo que um local adequado para resolver essa situação é uma reforma do CDC, das matérias, e não aqui dentro do âmbito do Código Civil.
Mas eu quero destacar esse exemplo para mostrar que os mecanismos individuais e essa aposta nessa punição são muito arriscados, e trago dados para V. Exas., com todas as fontes aqui destacadas. Depois, eu vou fazer com questão de passar esses dados.
O Brasil é responsável por 1,2% do total mundial de voos domésticos e 0,7% do tráfego da movimentação internacional - 1,2% e 0,7%. O Brasil tem 95% das ações do mundo em discussões de responsabilidade. Vou além nesse dado: considerando o total de condenações, de 2020 a 2023, 82% dos processos tiveram pedido de dano moral. Vou além ainda: a média de condenação dos danos morais representa 88% do valor das condenações. É mais do que quatro para um; então, é um de dano material para cada quatro de dano moral.
Lógico, coincidência ou não, e, obviamente, têm vários outros fatores, mas, nos últimos cinco anos, as três maiores companhias aéreas que operam no Brasil tiveram que ir para a recuperação judicial. As empresas low cost não conseguem entrar no Brasil. Essa conta está aqui, essa conta está feita, e ninguém está dizendo que as vítimas não têm que ser atendidas, longe da gente. Mas como é que tem que analisar isso? É por agência regulatória? É por uma questão de tutela coletiva?
Então, diante desse cenário, a gente tem algumas opções. A gente vai dobrar - não, na verdade não é dobrar -, na verdade a gente vai quadruplicar a aposta nas sanções do 944, §4º. E aí, eu quero destacar um ponto: a gente vai ter um claro mecanismo de consumerização da responsabilidade civil, porque a jurisprudência já é tranquila no sentido de que o consumidor pode recorrer à lei que lhe é mais benéfica. É muito mais benéfico para ele ir ao 944, §4º, que está dentro do Código Civil, do que ir ao CDC.
Então, eu vou ter uma consumerização da responsabilidade civil. Um fenômeno semelhante ao que está acontecendo na matéria de contrato...
O SR. CARLOS PORTINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RJ) - Esse efeito reflexo vai acontecer. Por isso, muitos dos casos que a gente cita aqui têm mais a ver com o CDC até do que com o Código Civil, mas eu preciso fazer, porque eu já percebi isso também.
O SR. FÁBIO FLORIANO MELO MARTINS - E aí o ponto, Senador, é que essa questão tem que ser endereçada lá.
Qual é uma outra possibilidade de solução?
é que essa questão tem que ser endereçada lá. Qual é uma outra possibilidade de solução? A gente vai tropicalizar novos problemas, oriundos de ordenamentos que não são aderentes à realidade brasileira?
Então, assim, o direito estrangeiro é diferente do direito comparado. Direito comparado tem que analisar as peculiaridades de cada ordenamento e não simplesmente transpô-las. E o direito brasileiro tem um dano moral à brasileira que precisa ser estudado à parte, que precisa ser apreciado com muito rigor e muito método.
Então, a discussão de guerra da etiqueta é um problema que tem no ordenamento italiano, que tem um conceito de dano injusto; eu não tenho esse problema aqui. Interesse merecedor de tutela, que é outro problema que tem em outro lugar, eu não tenho no ordenamento brasileiro - não vamos internalizar.
A discussão de função social do contrato - Ministro Gallotti, assisti com atenção à sua manifestação na discussão do art. 421, §2º, que discutia a hipótese de nulidade com relação à função social do contrato - e a gente tem uma explosão de função social do contrato que, se for para dizer o que está acontecendo no mundo, é uma discussão superada da função social do contrato como um todo na Itália há décadas. E esse ponto do 421 e seguintes foi reduzido pela lei da liberdade econômica. Eu tinha esperança ali, mas agora teve uma explosão.
E, por fim, para poder cumprir o meu tempo, a gente tem uma discussão que eu acho muito importante, e aí me parece um caminho para uma reflexão conjunta, porque um problema há, e todo mundo está de acordo, a gente tem que discutir profundamente e ajustar os nossos bons mecanismos.
A gente já tem uma legislação interessante, a gente tem agência regulatória, Procon, tutela coletiva, a gente tem um direito material que, é lógico, um ajuste ou outro a gente tem que fazer, mas eu não acho que seja alterar as estruturas desse prédio o melhor caminho.
E aí, para destacar, e me encaminhando realmente para o fim, e feliz porque estou cumprindo o meu prazo, o Prof. Menezes Cordeiro - que é, sem dúvida nenhuma, a maior autoridade em direito civil de Portugal, para usar também uma questão de análise estrangeira, e aí fico feliz que o Ministro Herman esteja concordando comigo - trouxe a seguinte exposição, e essas são palavras dele de um artigo publicado na internet.
Ele diz: "Na minha terra, eu sugeriria que a parte da responsabilidade civil fosse retirada do universo da reforma, se esta for considerada premente e dever prosseguir. No Brasil, a doutrina e o Legislativo melhor dirão."
Eram essas as minhas contribuições no tempo que me foi concedido. Eu sigo totalmente à disposição de V. Exas. É confortante, como cidadão, ter a oportunidade de expor as nossas ideias para as V. Exas. E eu estou, à luz do que eu já vi nesse processo legislativo, certo de que o Parlamento, que bem representa o povo brasileiro, vai tomar a melhor decisão sobre os rumos a serem adotados em relação ao Código Civil.
Muito obrigado a todos pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Prof. Fábio Floriano Melo Martins, Presidente do Instituto de Direito Privado, por sua contribuição, por sua exposição.
Passo imediatamente a palavra à Profa. Gisela Sampaio da Cruz Guedes, que é doutora em direito civil e advogada.
Tem a palavra, Professora.
A SRA. GISELA SAMPAIO DA CRUZ GUEDES (Para expor.) - Exmos. Senadores, ministros, professores e demais autoridades aqui presentes, eu cumprimento a todos, nas pessoas dos Senadores Rodrigo Pacheco e Carlos Portinho.
As minhas críticas se dirigem ao Projeto de Lei nº 4 e, pelo pouco tempo, eu vou me concentrar aqui em dois dispositivos: os artigos 944-A e B. E eu já adianto que a minha crítica é estritamente técnica.
O art. 944-A pretende introduzir, no nosso sistema, a possibilidade de o jogador incluir no bojo da indenização dos danos extrapatrimoniais uma sanção pecuniária de caráter pedagógico, que eu vou chamar aqui de sanção punitiva.
Na forma como foi redigido, o PL subverte completamente a função da responsabilidade civil, aquela a que apenas a responsabilidade civil é capaz de atender, que é a função indenizatória. É claro que a responsabilidade civil acaba exercendo na prática funções subsidiárias, inclusive um papel dissuasório
exercendo na prática funções subsidiárias, inclusive, um papel dissuasório e indireto. Mas a punição com esse protagonismo dependeria de uma série de técnicas e garantias que a responsabilidade civil nunca teve nem foram trazidas pelo PL.
Essa não é a primeira vez que se tenta atribuir à responsabilidade civil uma função punitiva, mas é, sem dúvida, na minha opinião, a mais inusitada. Primeiro, porque a norma diz que o julgador pode incluir uma sanção punitiva. E aqui eu peço a atenção dos senhores para o verbo "incluir", porque isso dá a entender que a sanção punitiva não será uma verba apartada da indenização, mas só um fator de aumento do valor a ser pago. Ou seja, o ofensor não vai saber quanto vai pagar a título de indenização e em razão da sanção punitiva.
Segundo, porque o art. 944-A tem um §4º que permite que o julgador multiplique a sanção punitiva por quatro. Em casos, abro aspas, "de especial gravidade", que é um conceito absolutamente aberto e indeterminado. O dispositivo não estabelece um piso para a sanção punitiva, nem muito menos um teto. O juiz poderá multiplicar por quatro uma sanção básica que, por si só, já seria ilimitada.
Terceiro, porque o PL ainda afirma, nesse §4º, que o juiz deverá multiplicar por quatro, considerando os critérios já estabelecidos nos parágrafos anteriores, que por sua vez já leva em conta, abro aspas, "o grau de ofensa ao bem jurídico". Ou seja, aqui o PL está estabelecendo sanção sobre sanção e possibilitando que o juiz multiplique por quatro. Quer dizer, enquanto o direito penal proíbe o bis in idem, o direito civil tenta agora inaugurar um inusitado quater in idem, que desafia e coloca em xeque a própria Constituição.
Muito se disse na primeira audiência sobre a necessidade de se modernizar a responsabilidade civil, como foi feito no Código Civil argentino e no belga. Acontece que nenhum desses dois diplomas - repito, nenhum dos dois - atribui à responsabilidade civil uma função punitiva.
O Prof. Ricardo Lorenzetti, que foi Presidente do Supremo Tribunal da Argentina por anos e presidiu a comissão elaboradora do Código argentino, numa oportunidade recente em que esteve na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirmou com todas as letras que o Código Civil argentino não imprime qualquer caráter punitivo à responsabilidade civil.
Aliás, muito pelo contrário, o Código Civil argentino tem dois dispositivos importantes que vale a pena mencionar aqui: o art. 1.708, que deixa claro que as disposições do título de responsabilidade civil se aplicam exclusivamente para prevenção e reparação de danos, e o art. 1.714, que vai na direção oposta ao PL, estabelecendo que, se houver punição irrazoável ou excessiva na esfera administrativa, o juiz deve considerá-las exatamente para conter tais excessos.
Mesmo na França, onde há uma previsão excepcional da função punitiva, a sanção é bastante contida e necessariamente destinada a fundos públicos. No Código Civil francês, o art. 1.254 estabelece que, nos danos produzidos em série, o juiz pode, a pedido do Ministério Público, e, abro aspas, "por uma decisão especialmente fundamentada", condenar o ofensor a uma sanção civil cujo produto é inteiramente destinado a um fundo para financiar ações coletivas.
A condenação ao pagamento da sanção, na França, só pode ocorrer em hipóteses muito específicas e tem teto pré-definido. Nada parecido com o que sugere o PL, inclusive para danos individuais, com a sua, na minha opinião, pedagogia do excesso, que chega mesmo a lembrar as Ordenações do Reino, que são anteriores ao Código Civil de 1916.
No Brasil Colônia, sim, os julgadores estavam autorizados a multiplicar penas. Mas será que isso faz sentido nos dias atuais? Como se isso não bastasse, o §5º determina que, na fixação da sanção punitiva, o juiz leve em consideração a eventual condenação anterior do ofensor na esfera administrativa. Mas o PL não explica como.
O §6º, por sua vez, estabelece que o juiz poderá reverter
O §6º, por sua vez, estabelece que o juiz poderá reverter parte da sanção punitiva em favor de fundos públicos para proteção de interesses coletivos, mas não informa qual parte: 99% ou 1% da sanção punitiva? Ou seja, na proposta do PL, não só o ofensor, mas também a vítima seguirá às cegas. Aliás, devo dizer, não só às cegas, mas também desprotegida, porque o PL falha também na função indenizatória, em diversas situações. E aí, eu vou dar só um exemplo, tá?
Se, por exemplo, numa demanda indenizatória o advogado da vítima perde um prazo, além de perder a chance de obter a indenização, a vítima nem sequer poderá responsabilizar o seu advogado, já que o PL transforma o advogado no único profissional liberal da história a só responder por dolo ou fraude, mesmo sem ele exercer um múnus público, como o magistrado, a quem ele jamais deveria ser equiparado.
Por fim, essa sanção punitiva não dialoga, na minha opinião, com outros dispositivos do mesmo PL. Vou dar um exemplo. No texto proposto no §2º do art. 942, havendo dois ou mais responsáveis solidários pela indenização, aquele que efetivar o pagamento à vítima poderá ser reembolsado pelos demais responsáveis, com base no critério da causalidade, ou seja, de tal modo que quem tenha contribuído de forma mais eficaz na produção do dano arque, ao final, com a maior parcela da conta. Mas como é que eu posso punir com base na culpa e dividir a conta com base na causalidade? Não necessariamente quem atuou com maior grau de culpa teve participação mais relevante para causar o dano; então, a pena poderia ser facilmente transferida para a pessoa errada. O modelo que se propõe, na minha visão, é desfuncional, ou seja, a responsabilidade civil não só estaria exercendo uma função indevida, a de punir, de forma igualmente indevida, desafiando a legalidade e a própria Constituição, mas também com métodos ineficazes, que não distinguem reparação de punição; como ainda por cima se estaria correndo o risco de se punir a pessoa errada.
O PL, para mim, inaugura uma nova tentativa de trazer para o nosso sistema uma versão abrasileirada e, na minha visão, eu devo dizer, piorada dos punitive damages, que nos Estados Unidos são aplicados de forma totalmente diferente, em apenas cerca de 3% dos casos e, no mais das vezes, guardando estreita relação com o montante da indenização.
Considerando o potencial desse dispositivo de incentivar litígios, caberá ao Senado avaliar: primeiro, se não seria melhor deixar a função punitiva a cargo das agências reguladoras; e, segundo, como ficará o risco Brasil com a possibilidade de o juiz multiplicar por quatro uma sanção punitiva que não tem piso nem teto? - bem diferente do direito penal, campo em que vige o princípio da legalidade e se sabe precisamente qual é o mínimo e o máximo da pena.
O segundo dispositivo sobre o qual vou me manifestar é o art. 944-B, que estabelece, abro aspas, que "A indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros". A expressão "danos indiretos" pode remeter a, pelo menos, três sentidos, podendo significar: primeiro, os desdobramentos de um dano anterior; segundo, os prejuízos ligados ao fato danoso por uma cadeia causal que foi interrompida; e, finalmente, terceiro, os denominados danos por ricochete, que ocorrem quando a lesão é direcionada a uma determinada pessoa, a vítima direta, mas o dano acaba rebatendo em outra, a vítima indireta.
O PL mirou no terceiro sentido dessa expressão, mas ao fazer menção aos danos indiretos, tomou o gênero pela espécie e, ainda, ampliou a norma com referência aos danos indiretos futuros. O efeito perverso dessa proposta, na minha visão, é que o Judiciário será soterrado pelas mais criativas pretensões indenizatórias.
Cria-se, também, um outro problema sistêmico: como é que eu vou reparar o dano indireto? - se a redação do art. 403 do Código Civil, que, felizmente, não foi alterada, determina que as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito delas direto e imediato.
no art. 403 do Código Civil, que, felizmente, não foi alterada, determina que as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela, direto e imediato.
Não adianta substituir a expressão "dano indireto" por "dano por ricochete", porque o ponto nodal dessa discussão dos danos por ricochete é saber exatamente quem tem legitimidade para pleitear o dano por ricochete extrapatrimonial, mas disso o art. 944-B não cuida, limitando-se a prever o ressarcimento dos danos indiretos, atuais ou futuros, seja lá qual for o significado que se pretenda dar a essa expressão.
Na experiência estrangeira, o código argentino, por exemplo, vai na contramão do PL. O art. 1.741 afirma que quem tem legitimidade para pleitear consequências não patrimoniais é a vítima direta. Apenas em casos de morte ou de grande incapacidade é que se estende a legitimidade, precisamente, para ascendentes, descendentes, cônjuge ou quem convive com a vítima recebendo trato familiar ostensivo.
E aqui, já me encaminhando para o encerramento, a responsabilidade civil é a guardiã da confiança social na vida coletiva e, por isso mesmo, a sua disciplina não deveria ser reescrita sem atenção aos relevantes impactos que as alterações propostas hão de causar no nosso país.
Há poucos semanas, eu ouvi de V. Exas. que o PL é apenas um ponto de partida, mas o problema é que o capítulo de responsabilidade civil, tal como está redigido, não aponta para nenhuma direção segura. O texto precisa de uma revisão profunda. Aliás, como todo o PL.
Na condição de professora, não cabe a mim propor o destino político do projeto. Eu proponho apenas método, debater sem pressa, corrigir sem atalhos e, se for mesmo o caso de avançar, que isso seja feito sem romper a coerência do sistema.
Muito obrigada. Obrigada por me receber nesta Casa.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - MG) - Muito obrigado, Profa. Gisela Sampaio da Cruz Guedes, por suas contribuições.
Passo a palavra, imediatamente, à Profa. Juliana Cordeiro de Faria, minha conterrânea de Minas Gerais, Professora da Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre e Doutora em Direito, também advogada notável e respeitada no nosso estado e no Brasil, e que aqui dá voz também à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais.
É uma satisfação tê-la conosco, Profa. Juliana, e tem a palavra.
A SRA. JULIANA CORDEIRO DE FARIA (Para expor.) - Bom dia a todos.
Sr. Presidente, Senador Rodrigo Pacheco, Senador Carlos Portinho, Ministro Herman Benjamin, Ministra Isabel Gallotti, na pessoa de quem cumprimento todos os demais integrantes da Comissão responsável pela elaboração do PL 4, senhoras e senhores aqui presentes.
A Fiemg, primeiramente, agradece a oportunidade de poder contribuir com este relevante debate nesta, que é a Casa do Povo.
A voz da indústria, aqui, expressa uma preocupação que não é setorial; ela é institucional, transversal e está indicada, curiosamente, na própria justificativa da Comissão.
E permitam-me começar com absoluta clareza aqui: se o projeto entregasse exatamente aquilo que ele promete, Ministro Herman - segurança jurídica, racionalidade, previsibilidade -, nós estaríamos aqui para apoiá-lo. Mas, Srs. Senadores, o problema não está na promessa do projeto; o problema está no caminho que foi escolhido pelo texto apresentado, e isso precisa ser dito desde o início, porque todos nós desejamos o mesmo destino: menos discricionariedade, mais critérios objetivos, mais estabilidade, um ambiente institucional capaz de reduzir o risco Brasil e promover desenvolvimento econômico e social.
A divergência aqui, portanto, eminentes Senadores, não é sobre o destino
A divergência aqui, portanto, eminentes Senadores, não é sobre o destino; a divergência é sobre o caminho que foi escolhido. E, antes de mim, os Profs. Fábio e Gisela já mostraram, por vias distintas, que nós não estamos aqui diante de ajustes pontuais, mas de um redesenho profundo do sistema que altera toda a sua lógica e seus incentivos.
E, Senadores, é essencial compreender o que significa alterar um sistema sensível. E permitam-me aqui recorrer a uma imagem simples, mas decisiva: nos anos 60, Eduardo Lorenz mostrou que pequenos deslocamentos em sistemas complexos podem gerar grandes tempestades, é o famoso efeito borboleta. Pois bem, a responsabilidade civil funciona exatamente assim, um equilíbrio fino entre quatro pilares centrais: ilícito, dano, nexo, risco permitido. Quando se mexe no ponto certo, melhora-se o sistema. Quando se mexe no ponto errado, produz-se a tempestade.
Então, qual é, afinal, a direção revelada, a nosso juízo, pelo texto do PL que foi apresentado e que está em descompasso com os seus objetivos? Senadores, a direção proposta começa por uma mudança simples na aparência, mas profunda na essência. O novo art. 927, caput, troca o centro do sistema. E aqui, Ministro Herman, eu ouso discordar respeitosamente de V. Exa., tendo em vista que nós estamos aqui falando de um Código Civil. O Código Civil é o diploma, é a Constituição do cidadão. Então, nós precisamos mirar também os problemas que são de menor monta e de menor complexidade. E aqui nós não podemos negar que o caput do 927 está trocando o centro do sistema do ato ilícito, que deixa de ser o ponto de partida, e o dano é que passa a ser o gatilho imediato da responsabilidade. Então, nem aquela mudança do dano ao risco nós observamos diretamente nesse sistema, mas eu acredito que não deva existir. E verdadeiramente o próprio Código Civil da Argentina, que é tão elogiado na justificativa do projeto, coloca e insere no seu Artigo 1721 o ato ilícito como sendo o ponto de partida. Então, nós precisamos resgatar para o Código Civil, que é a Constituição do cidadão, o ato ilícito como tendo a centralidade, como pilar central da estrutura da responsabilidade civil.
E permitam-me ser muito direta: quando o dano, eminente Senador Rodrigo Pacheco, vira o ponto de partida, a gente tem um problema sério, porque o erro deixa de ser o que separa responsabilidade de fatalidade. É como se o texto dissesse: basta o dano, o resto a gente vê depois. E nós vamos ver, no art. 944, que hoje nem basta o dano, porque eu posso indenizar independentemente de prova de dano.
O passo seguinte feito na estrutura da reforma aprofunda ainda mais essa direção. Nós vamos ao art. 927-A: ele transforma qualquer ação de risco - e aqui é um risco não adjetivado, ele não tem adjetivo - em dever jurídico. E aqui o que nós observamos é que o dispositivo vai universalizar um dever de prevenção, como se houvesse um dever de presunção absoluto de evitar o dano. E nós sabemos, Senador Rodrigo Pacheco, que toda atividade humana cria um risco - viver é um risco, até preparar um café cria risco, um salão de beleza cria risco, um condomínio cria risco, um aplicativo de entrega cria risco -, mas nenhuma
Viver é um risco, até preparar um café cria risco, um salão de beleza cria risco, um condomínio cria risco, um aplicativo de entrega cria risco, mas nenhuma dessas atividades é considerada especialmente perigosa pelo direito atual - e todas têm algum risco.
Pense numa cabeleireira do bairro. Hoje ela só responde com culpa se age com culpa. Então, se ela vai fazer um procedimento e causa um dano à sua cliente, hoje ela só responde pelo Código de Defesa do Consumidor por culpa. E no regime do PL que está sendo implementado? Se ela comete a mesma falha, como a atividade dela está inserida numa estrutura de risco e a cliente perde um compromisso, tem danos significativos, nós vamos ter aqui a responsabilidade porque houve dano e não porque houve erro. E isso é muito sério para o cidadão comum. Quando eu pego esse cenário todo, o que acontece? Aqui o que nós estamos promovendo com essa estrutura é o desaparecimento do chamado risco permitido. Existe um risco permitido, que é aquela fronteira clássica que diz o que é tolerável no direito e o que é proibido em direito, e, quando o risco permitido desaparece, eminente Senador, qualquer atividade pode virar risco especial por interpretação judicial.
O art. 927-B fecha esse movimento todo. Ele permite que o julgador defina caso a caso o que é risco especial e diferenciado, com base em quê? Estatísticas, laudos e máximas de experiência, mas máximas de experiências, Srs. Senadores, não são regras, são percepções subjetivas, variáveis e desiguais. Então, assim, o que o PL chama de gestão de riscos vai se converter, na verdade, em uma espécie de reconstrução judicial do risco em cada processo, sem previsibilidade, sem uniformidade, sem limites normativos claros e objetivos. Então a soma dessa tríade toda revela o quê? Revela de forma inequívoca a direção normativa do projeto: centralidade do dano, risco ilimitado como fator de imputação e desaparecimento de critérios objetivos de contenção. E é essa mudança de eixo que produz a chamada "tempestade institucional" a nosso ver, um sistema em que não se sabe mais o que é permitido, o que é proibido ou o que é previsível. E é, por isso mesmo, um sistema incompatível com segurança jurídica, desenvolvimento econômico e gestão racional de riscos.
E aqui, Senadores, eu fico me perguntando: como gerir riscos se não sabemos o que é um risco especial ou risco diferenciado? Como contratar seguro, como calcular um prêmio, como planejar compliance, se a própria definição do risco dependerá da percepção individual do julgador? O que acontece se um empreendedor, seguindo normas setoriais e pareceres técnicos, conclui que a sua atividade não é de risco especial? Ele contrata um seguro e anos depois ele descobre, nos autos de um processo em que está se discutindo exatamente responsabilidade, que o juiz entende exatamente o contrário: que ali estava presente um risco especial e um risco diferenciado.
Senhores, nenhum sistema de gestão de riscos sobrevive quando o risco é definido a posteriori e caso a caso. Isso não é gestão, é o desenho da insegurança.
E, como o meu tempo já está terminando, eu gostaria de destacar também que, no art. 944, os §§1º e 2º exigem uma atenção bastante especial, principalmente o §1º, quando ele introduz a boa-fé como um fator para mitigação, redução de danos que são patrimoniais.
(Em execução.)
(Em execução.)
com vista à geração de valor sustentável para a organização, seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e dos demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio de interesse de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.
Nesse sentido, entendemos que as normas sobre responsabilidade civil devem ser formuladas de modo a não desestimular a criação de estruturas de governança, como conselhos consultivos, conselhos fiscais e comitês técnicos. Além disso, são necessários parâmetros claros sobre responsabilização de administradores para que as empresas consigam atrair profissionais qualificados para esses quadros.
O ordenamento jurídico deve oferecer segurança para que as empresas avancem na sua jornada de governança, em especial no atual contexto em que a governança pode ajudar empresas a lidarem com os desafios emergentes que se impõem, como riscos climáticos e ambientais, impactos da inteligência artificial, volatilidade geopolítica, novas tecnologias, entre outros.
A gente já ressalta que é muito meritória essa discussão de revisão do Código Civil e, como ressaltado na última audiência desta Comissão, é essencial que a modernização da responsabilidade civil avance com clareza e critérios objetivos. Isso garante segurança jurídica e reforça a confiança necessária para o exercício responsável da administração das organizações.
Nesse sentido, é muito bem-vinda a referência expressa à Lei nº 6.404, de 1976, no §2º do art. 1.011, por reforçar a convergência entre os deveres e responsabilidades dos administradores e os padrões já consolidados de boa prática societária, trazendo maior clareza e previsibilidade ao exercício da função.
Existe persistente falta de clareza sobre a aplicação de regras de responsabilidade dos administradores de sociedades por ações para as sociedades limitadas. Embora o mercado e juristas frequentemente apliquem analogamente as regras das sociedades por ações, a inclusão de previsão legal expressa aumenta a segurança jurídica e, por isso, a mudança proposta no PL 4, de 2025, é muito bem-vinda. Todavia, alguns pontos merecem atenção, uma discussão mais profunda e algum reparo, na opinião do IBGC.
Passando para esses pontos, a gente identifica alguns dispositivos cuja redação pode ser aprimorada.
Sobre o tema da responsabilidade civil, observamos que o novo art. 927-B amplia as hipóteses de responsabilidade objetiva para as atividades de, abro aspas, "risco especial e diferenciado". Essa expressão, sem definição clara, pode gerar interpretações distintas e aumentar a incerteza jurídica. Além disso, a transferência ao Poder Executivo da competência para definição de atividades de risco, antes consolidada pela jurisprudência, é um ponto sensível sob a ótica da governança corporativa, pois burocratiza, subtrai dinamismo e cria espaço para lobby regulatório.
No art. 1.031, por sua vez, que trata da apuração de haveres, a introdução de termos como, abro aspas, "ativos intangíveis gerados internamente" e "preço de saída", fecho aspas, geram dúvidas sobre o método de cálculo, na medida em que introduzem critérios inovadores e indefinidos para sua determinação.
A jurisprudência e o Código de Processo Civil já oferecem critérios adequados e pacificados, por isso entendemos que, neste caso, a manutenção da redação atual do Código Civil é a opção mais segura.
Em relação ao art. 1.060, observa-se que a inclusão da expressão, abro aspas, "salvo no caso de constituir-se por única pessoa", fecho aspas, introduz uma distinção normativa que não se justifica entre sociedades limitadas, unipessoais e pluripessoais quanto à forma de administração. Mesmo na hipótese de sociedades compostas por um único sócio, a possibilidade de gestão compartilhada deve ser preservada, por se tratar de prática alinhada aos princípios de controle interno e mitigação de riscos.
(Em execução.)
(Em execução.)
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