10/12/2025 - 44ª - Comissão de Assuntos Econômicos

Horário
O texto a seguir, após ser revisado, fará parte da Ata da reunião.

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O SR. PRESIDENTE (Laércio Oliveira. Bloco Parlamentar Aliança/PP - SE. Fala da Presidência.) - Bom dia às senhoras e aos senhores.
Havendo número regimental, declaro aberta a 44ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 10 de dezembro de 2025.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de oportunizar a apresentação da evolução do quadro fiscal brasileiro, inclusive das receitas, despesas, dívida pública, renúncias fiscais e outras variáveis econômico-fiscais relevantes, com base nos trabalhos publicados pela instituição, nos termos da Resolução do Senado Federal nº 42, de 2016, art. 1º, §13.
despesas, dívida pública, renúncias fiscais e outras variáveis econômico-fiscais relevantes, com base nos trabalhos publicados pela instituição, nos termos da Resolução do Senado Federal nº 42, de 2016, art. 1º, §13.
Convido, para tomar lugar à mesa, com muita honra, o Sr. Marcus Pestana, Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal e, além disso, ex-Deputado Federal, meu colega quando fui Deputado Federal. Uma pessoa por quem eu tenho respeito, admiração e muito carinho, e eu quero dizer - viu, Marcus? - que eu me sinto muito feliz em tê-lo aqui na manhã de hoje. É um prazer muito grande estar ao seu lado.
Antes de passar a palavra ao nosso convidado, eu comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelo expositor.
Na exposição inicial, o convidado poderá fazê-lo de acordo com a sua vontade. Ao fim das exposições, quem quiser interagir com o palestrante também poderá fazê-lo.
Com a palavra, com muita honra, como eu já falei aqui, o Diretor-Executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, Marcus Pestana.
O SR. MARCUS PESTANA (Para expor.) - Meu caro Senador Laércio, meu amigo e ex-companheiro na Câmara dos Deputados, é um prazer estar aqui. Agradeço a V. Exa. e ao Presidente Renan Calheiros.
Há uma previsão na Resolução 46, de 2016, que criou a IFI, de que a Instituição Fiscal Independente esteja presente na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ao final de cada semestre, para um balanço sobre o quadro fiscal brasileiro.
Eu vou procurar ser o máximo objetivo. Eu sei que, esse final de ano, até por ter sido Parlamentar, essas duas últimas semanas são extremamente sobrecarregadas e, portanto, agradeço muito ao Senador Laércio por estar aqui presidindo esta sessão.
Bem, eu optei por uma apresentação pequena, são apenas três eslaides. Mas eu optei por não apresentar, proporcionar, a vocês todos que estão nos assistindo, uma imersão profunda num calhamaço de números, numa torrente de números, porque o nosso relatório de acompanhamento fiscal sairá na próxima quinta-feira e ele trará exatamente - a equipe está trabalhando nisso nesse exato momento - as projeções para dez anos de todas as variáveis fiscais - receita, despesa, dívida, a questão das renúncias fiscais, a projeção de resultado primário, de resultado nominal - e, portanto, nós estamos com a mão na massa para produzir o último relatório
estamos com a mão na massa para produzir o último relatório de 2025, que trará uma projeção de médio e longo prazo, porque, em política econômica, em análise econômica, interessa mais o filme que a foto. É muito mais importante capturar o movimento das principais variáveis. Eu vou procurar dar um ou outro exemplo aqui dessa dinâmica.
Ao projetar dez anos de desempenho das principais variáveis fiscais, a IFI estará certamente gerando para seus clientes, que são, prioritariamente, os Parlamentares, Senadores e Deputados, a imprensa especializada, a academia, os centros de pesquisa da área econômica, os stakeholders, o mercado, os investidores que procuram prestar atenção... A IFI acaba de completar agora, no final de novembro, nove anos de existência. Felizmente, nós conseguimos grandear aquilo que a OCDE preconiza, que é um grau de transparência e de penetração na mídia para alcançar o objetivo de publicizar as séries históricas, as projeções e os alertas fiscais.
A própria resolução do Senado que criou a IFI prevê que a IFI não entra na avaliação de mérito das políticas propostas, das medidas votadas. Isso cabe aos mandatários, aos Senadores e Deputados, que são eleitos pela população para tomar decisões. Então, cabe ao Presidente da República, ao Ministro da Fazenda, aos Deputados e Senadores, os tomadores de decisão, escolherem o rumo. A IFI não entra no mérito da qualidade da política econômica ou da correção ou não de uma ou outra medida, mas ela procura ser a guardiã da legislação fiscal, procura checar os dados e oferecer projeções em números independentes, de qualquer viés político, ideológico, econômico, empresarial e, ao mesmo tempo, consolidar um leque de alertas fiscais, para que os tomadores de decisão, tendo isso como insumo, tomem as atitudes que julgarem convenientes.
Então, em vez de cansá-los com tabelas e mais tabelas, eu resolvi apresentar hoje um roteiro de discussão com base nos números apresentados e que serão realimentados pelo nosso relatório da semana que vem.
Meu caro Senador Laércio, V. Exa. é um empresário, um empreendedor e sabe que o julgamento sobre o fracasso ou o sucesso depende dos objetivos que você traça, do horizonte. Cada termômetro depende da sua meta, do seu horizonte estratégico.
Eu queria alertar - porque há uma discussão que sempre é pública sobre cumprimento ou não de metas - que nós estamos diante - e isto é importante porque ano que vem será um ano eleitoral - de dois tipos totalmente diferentes
eleitoral de dois tipos totalmente diferentes de ajuste: um ajuste que eu apelidei de ajuste profundo e estrutural ou um ajuste de fôlego curto, de curto prazo.
Qual seria o objetivo da política fiscal brasileira numa perspectiva ousada, numa perspectiva de recolocar o país nos trilhos do desenvolvimento sustentado? Seriam dois objetivos centrais: estancar o crescimento da dívida pública - porque a nossa dívida já é uma das maiores entre os países comparáveis, latino-americanos e emergentes -, estancar esse crescimento, porque a trajetória, como eu vou demonstrar, é preocupante, quase explosiva. Isso tem consequências: o endividamento contínuo.
Qualquer dona de casa, qualquer trabalhador sabe que uma família não pode, indefinidamente, ano após ano, gastar mais do que tem e a dívida ir acumulando e tomando a feição de uma bola de neve, em que os juros são cada vez maiores, porque o emprestador mede o risco, e, quanto mais endividado é o tomador de recursos, maior é o prêmio que o emprestador exige.
Então, há uma conexão direta entre o equilíbrio fiscal do setor público e a taxa de juros, e a taxa de juros implica, em grande parte, na determinação do ritmo de crescimento da economia.
Então, você tem um ajuste superficial... O que eu chamaria de um ajuste superficial? Como a gente está fazendo das tripas coração, suando a camisa para cumprir as metas fixadas e usufruindo de descontos, de excepcionalizações sucessivas. Serão, nos três primeiros anos de vigência... Lembro bem ao nosso espectador da TV Senado, dos sistemas de comunicação do Senado, que, até 2022, vigeu o teto de gastos votado ainda no Governo do Presidente Michel Temer, em dezembro de 2016, que era o teto de gastos.
A PEC da transição, em dezembro de 2022, extinguiu o teto de gastos e propôs que se votasse um novo arcabouço. Isso foi feito pelo Congresso Nacional, por proposta do Executivo, no segundo semestre de 2023. Em três anos de vigência, 2024, 2025 e 2026, nós teremos R$170 bilhões de excepcionalização: precatórios; desastre climático do Rio Grande do Sul; queimadas; risco ambiental; agora, mais recentemente, a decisão de tirar os gastos da defesa nacional - já se fala em segurança pública...
E eu queria dizer, do ponto de vista neutro, que a natureza do gasto não importa muito nesse sentido macroeconômico. Gasto é gasto: pode ser salário, pode ser para pagar gasolina, aluguel, telefone, energia elétrica, pode ser para construir ferrovias e estradas. Gasto é gasto, e, qualquer gasto, institucionalmente, legalmente, excepcionalizado ou não da meta, é transfusão
excepcionalizado ou não da meta, é transfusão na veia da dívida.
Qualquer déficit real, efetivo, alimenta o processo de endividamento. Pode, eventualmente, estar fora do cálculo, da base de cálculo, mas isso não quer dizer que a despesa com precatório, isso não quer dizer que as despesas feitas corretamente com o Rio Grande do Sul ou eventos como, por exemplo, apoio a empresas que foram afetadas pelo tarifaço do Governo americano, independente da qualidade do gasto vai alimentar a dívida.
E, além de tudo, a polêmica recente que envolveu o Tribunal de Contas da União, o próprio Congresso e o Executivo, se é possível o Governo mirar na banda inferior das metas fiscais. Lembrando que o arcabouço, aprovado em 2023, prevê dois pontos básicos, um teto de gastos, que pode crescer acima da inflação de 0,6 a 2,5 e uma meta de resultado primário.
Como eu disse, desses dois termômetros, dessas variáveis, por decisão do Congresso Nacional e por proposta do Executivo, foram retiradas uma série de despesas que vão somar, na projeção da IFI, R$170 bilhões em três anos, nos três primeiros anos de vigência.
E, além de tudo, houve essa recente polêmica se ao Governo é permitido mirar não a meta, mas a banda inferior de tolerância. É preciso dizer que o arcabouço fiscal foi inspirado no sistema de metas inflacionárias, em que há uma banda. Há uma meta que o Conselho Monetário Nacional fixou em 3%, com um 1,5 para baixo e 1,5 para cima. Tanto que a inflação estava fora da banda de tolerância, o Banco Central, dentro da sua autonomia, está com uma política monetária rígida para trazer a inflação para a meta.
A gente nunca vê o Presidente do Banco Central ou um membro do Copom falando em mirar o 4,5. Meta é meta, tolerância é tolerância. Tolerância foi imaginado para choques externos e eventos não planejáveis, como é o caso, por exemplo, de uma pandemia, de um desastre ambiental na dimensão que teve do Rio Grande do Sul, são coisas que não estavam planejadas no orçamento, e aí a excepcionalização é até cabível, mas despesas rotineiras...
E aí houve a recente polêmica, que foi pacificada. O TCU tomou uma decisão, falou que não é recomendável, é arriscado, mas não é ilegal o Governo mirar, porque o centro em que o Governo mira determina a política de bloqueio e contingenciamento. Então, houve essa polêmica e o Congresso achou por bem legitimar a ideia de que é possível mirar a banda de tolerância, o que representa, na prática, se aceitarmos como é o sistema de metas inflacionários, que houve um rebaixamento
como é o sistema de metas inflacionárias, que houve um rebaixamento da meta, porque tolerância é tolerância, meta é meta. A meta, este ano, era 0% - zero a zero - 0% de déficit primário. Vamos ter 0,25%, e, no ano que vem, a meta subia para 0,25%, com a tolerância até zero, e aí vamos mirar em zero. Então, acaba que a referência virou a banda inferior de tolerância.
Por que isso é importante? Num ajuste profundo, que eu contrasto, você precisava cumprir dois objetivos: estancar a dívida. Para estancar a dívida, a Instituição Fiscal Independente estima... ela, que vai fechar este ano em torno de 77%, 78% do PIB, no critério do Banco Central - porque no critério do FMI é mais ou menos dez pontos acima, mas no critério do Banco Central, que não permite comparações internacionais, quando vamos fazer comparações internacionais temos que levar em conta o critério do FMI - no critério do Banco Central vamos fechar este ano com 77%, 78% do PIB, com tendência crescente de 83% ano que vem, tendendo a 100% do PIB em 2030.
Semana que vem teremos precisamente as nossas projeções, por isso eu não quis trazer os números, porque os números estão no forno, ainda não estão prontos para o consumo.
Além de estancar o crescimento da dívida, que demandaria 2% de superávit primário, outro objetivo com que eu acho que todos os Senadores, todos os técnicos hão de concordar, é o substantivo aumento do investimento público federal. O desenvolvimento brasileiro foi capitaneado sempre pelo Governo Federal, pelo seu investimento. Tivemos na era Getúlio, JK, Geisel, em todo o curso da história, a liderança do Governo central. Hoje, nos últimos anos, municípios e estados já investem mais que o Governo Federal. No PAC, que é um programa estratégico de investimento - são investimentos selecionados pelo próprio Governo como sendo portadores do futuro do país -, são orçados em apenas R$60 bilhões, R$60 bilhões numa receita total livre, disponível, de R$2,5 trilhões - R$60 bilhões!
Eu tenho feito uma comparação para se ter dimensão: os brasileiros têm apostado nas bets R$300 bilhões por ano, cinco vezes mais do que o programa estratégico do Governo Federal. Num país que precisa de ferrovias, estradas, portos, aeroportos, investimento habitacional, saneamento, projetos de irrigação, ciência e tecnologia. Quanto nós estamos investindo em robótica, inteligência artificial, em biotecnologia?
Então, para um ajuste ousado, e é isso que eu queria contrastar, a análise de sucesso ou fracasso depende do horizonte que você traça. Então, eu queria começar registrando isso: um horizonte de fôlego curto, que é, aos tropeços
Um horizonte de fôlego curto, aos tropeços e com excepcionalizações, mirando a tolerância inferior da meta - cumprir por tabela e por regra do jogo, a meta -, ou ter uma visão muito mais ousada de país do ponto de vista fiscal?
Então, há três objetivos centrais: estancar a dívida, recuperar investimento federal e flexibilizar o Orçamento.
Eu costumava falar que o Brasil tem o Orçamento público mais engessado de todo o mundo, aí eu descobri que o Equador já está lá - já é um jogo de faz de conta. Lá as despesas obrigatórias já são maiores que as receitas disponíveis. Então, já virou um jogo em que se cumpre umas coisas e não se cumpre outras, mesmo sendo obrigatórias. E até as coisas obrigatórias não estão sendo mais obrigatórias.
Aqui, não sou eu que digo, é o projeto original da Lei de Diretrizes Orçamentárias que foi votada pelo Congresso. O projeto, nos seus anexos, enviado pelo Ministério do Planejamento, pelo Ministério da Fazenda, tinha um quadro lá onde, em 2027, as despesas discricionárias eram negativas, crescentemente negativas, em 2027, 2028 e 2029.
Isso quer dizer o quê? O Presidente da República se elege, mas não tem margem de liberdade para implantar programa de Governo nenhum, porque 100% do Orçamento é obrigatório.
Aí o que foi feito?
A Emenda Constitucional nº 136, que retirou, a partir de 2027, quando teria o que a IFE há muitos meses está apontando, um shutdown à brasileira, um shutdown tropicalizado, porque não temos a figura do shutdown que os Estados Unidos têm - esse estrangulamento pleno do Orçamento em que o Presidente da República seria uma rainha da Elizabeth, rainha da Inglaterra, do ponto de vista orçamentário, porque não teria liberdade alguma... Foi criado um pequeno espaço fiscal de 110, 115 bilhões, que ainda assim será, ao longo do tempo, pressionado pelo crescimento das despesas obrigatórias.
Então teríamos que ter três objetivos, gerar superávit primário para estancar a dívida. Segundo, aumentar, pelo menos multiplicar por cinco o investimento federal.
Se na China ou na Índia, ou em qualquer país asiático, contassem que o país aposta em bets cinco vezes mais que o programa estratégico do Governo Federal, ninguém acreditaria. Ninguém acreditaria. Na China isso seria impensável.
Então esses objetivos, nós estamos caminhando para o engessamento completo do Orçamento. Aí vamos adotando saídas provisórias, gambiarras temporárias, mas o Orçamento tem investimento baixíssimo para um país continental e com tantas carências, tem uma rigidez a toda prova, que tira a margem de manobra de se governar, do Presidente eleito governar e
de o Presidente eleito governar, uma dívida crescente e déficits primários recorrentes. É preciso que se registre que o Brasil tem déficits primários desde 2014; o Brasil está no vermelho desde 2014. Então, já vamos para mais de uma década em que o resultado é negativo, e - como eu disse -, do ponto de vista estratégico, nós teríamos que produzir um superávit de 2%, para estancar a dívida, e mais uns 2% de mudança da qualidade do gasto, para permitir investimentos.
Então, esse é o painel geral, o pano de fundo no qual a discussão fiscal tem que se colocar; e eu acho que isso vai estar na mesa, na discussão. O momento eleitoral de 2026 é um momento de eleições gerais no Brasil, e eu espero que essa agenda e esta discussão estejam em pauta.
Bem, para cumprir esses objetivos, se tem uma regra fiscal. A União Europeia tem sua regra fiscal; lá, o limite para déficit nominal, porque ninguém trabalha com déficit primário nos países desenvolvidos, mas se inclui a despesa de juros... E lá há o déficit nominal, que leva em conta não só as despesas operacionais do governo - folha, previdência, custeio e investimento - mas também as despesas financeiras. Então, o limite, na regra da União Europeia, é 3% de déficit nominal e 60% do PIB de limite da dívida.
Quando eu falo que vale mais o filme que a foto, vamos pegar um exemplo: a Grécia. A Grécia teve a maior crise da União Europeia, que gerou uma intervenção da União Europeia com o FMI, e a dívida chegou a 220% do PIB; hoje, está em 150%, tendendo a 130%, e ela tem uma política fiscal consistente - a Grécia ganhou grau de investimento.
Pelo filme, a França, por exemplo, já vai fechar este ano com um déficit primário superior a 5% e uma dívida que já está em 115%, na curva inversa, de deterioração, assim como o Brasil e a nossa curva. Eu vou finalizar, e vocês vão ver que a tendência da nossa curva - e esse é o papel da IFI, de oferecer isso - é diferente da curva com a qual o Ministério da Fazenda trabalha, porque os pressupostos são menos otimistas que a SPE oferece ao Tesouro, e, portanto, a nossa curva é crescente, e a curva oferecida pelo Ministério da Fazenda faz uma montanha, uma curva, como se fosse estabilizar e cair a partir de 2029.
Entendam, claro, o seguinte: tudo que eu estou falando é ceteris paribus, dentro das condições de temperatura e pressão presentes
Entendam, claro, o seguinte, tudo que eu estou falando é ceteris paribus, dentro das condições de temperatura e pressão presentes, das regras presentes. Se alterar o regime fiscal, se alterar tudo, é outra coisa. Nós estamos fazendo essas projeções dentro da regra do jogo atual.
Então, na União Europeia tem essa regra, que é de 3% no máximo de déficit nominal e mais, no máximo, 60% da dívida, e uma regra de punições e convergência para os objetivos. Nos Estados Unidos, nós acabamos de ver o mais longo shutdown. O Congresso aprova o orçamento - e o orçamento é historicamente deficitário, típico de um país emissor da moeda equivalente universal, que é referência para os sistemas de troca global; os déficits fiscais são programados. Quando o Governo quer gastar mais, ele tem que pedir ao Congresso. Se o Congresso não aprovar, entra-se em shutdown. Foi a isso que nós assistimos recentemente. Então, a regra lá é outra, mas tem lá o seu sistema de ancoragem fiscal.
Como eu disse, o nosso sistema está preso a duas variáveis fundamentais: um teto de gastos e um objetivo de primário fixado pela LDO, com uma banda de tolerância. Qual é o objetivo de qualquer regime fiscal, regra fiscal, arcabouço fiscal? São dois objetivos: disciplinar a despesa, para que não haja produção de déficit e agravamento da dívida, ou seja, disciplinar o gasto; e, segundo, ancorar expectativas. Como você tem uma posição deficitária, e o Governo precisa financiar esse déficit, ele recorre ao mercado, ele lança títulos do Tesouro Nacional para se financiar. E todo mundo acha que a dívida é toda amarrada na Selic. Não; 45% só da dívida é Selic. Tem títulos que são negociados no mercado. E o prêmio que tem sido exigido para o Brasil é muito alto. A taxa de juros que é negociada em leilões é de 7% ou 8% acima da inflação. Então, a taxa é uma das mais altas do mundo. Isso é o prêmio que o investidor que empresta para o Governo cobra por emprestar, analisado o risco.
Então, você tem que disciplinar o gasto e ancorar a expectativa. Se o arcabouço fiscal perde a capacidade de fazer as duas coisas, ele perde o sentido. Será que isso está acontecendo no Brasil? Porque são tantas excepcionalizações... Tivemos uma mudança de meta em 2024 - no primeiro ano, houve uma mudança de meta -; no segundo ano, houve uma mudança de regra tirando os precatórios a partir de 2027; houve essa disputa conceitual sobre se pode mirar na banda inferior - embora o Banco Central nunca fale em mirar a banca superior de inflação, e foi o que serviu de inspiração. Enfim, ficou estabelecido, e não nos cabe julgar a decisão dos tomadores de decisão, mas a gente, na interlocução com investidores
mas a gente, na interlocução com investidores, com agências de rating, a IFI tem muito intercâmbio com steakeholders do mercado, da academia e da imprensa especializada. Muita gente já não presta atenção no dado de desempenho primário e, sim, abandona isso, porque o déficit efetivo existe e ele vai para a dívida. Então, o analista, o investidor, presta atenção na trajetória da dívida e na tendência dela.
Bem, como nós chegamos a isso em um terceiro plano? Independente da qualidade do gasto, da natureza, da lógica, nós tivemos uma aposta, nós já estávamos em situação deficitária. Foi represado o pagamento de precatórios no Governo anterior, porque nós já estávamos numa situação deficitária desde 2014. A PEC da transição autorizou uma série de gastos, acomodou uma ampliação significativa de gastos em 2023.
A partir de 2024, houve a vigência do novo arcabouço fiscal, mas, desde 2023, independente, e aqui não vai juízo de valor, que a IFI não emite juízo de valor sobre as políticas públicas, mas cinco decisões foram tomadas que pressionam o gasto público e colocam em risco o cumprimento do arcabouço.
A primeira, na PEC da transição, se extinguiu o teto de gastos e, portanto, automaticamente se retomou a vinculação de saúde e educação.
E, oh, não há nenhuma idiossincrasia ou julgamento de mérito. Só para que todos saibam, eu fui oito anos Secretário de Saúde de Minas Gerais e Presidente do Conselho Nacional de Secretário Estadual de Saúde. Então, não há nenhuma idiossincrasia ou visão apriorística crítica.
O que o teto de gastos pensava? De não ter uma postura pró-cíclica, de não ter vinculação à receita, de tornar independente e deixar o Congresso e o Executivo arbitrarem, a cada ano, o que é necessário investir em educação e saúde, porque, quando vem o boom, as vacas gordas, a receita sobe e aí a despesa sobe junto.; quando vêm as vacas magras, a receita cai e a despesa cai junto.
Então, quis-se desarmar essa lógica da indexação à receita, ao comportamento da receita. Isso foi retomado e isso teve impactos no crescimento da despesa de educação e saúde, independente de juízo de valor sobre a qualidade das políticas públicas.
Uma segunda medida foi o retorno da política de valorização do salário-mínimo com aumentos reais, acima da inflação, que poderia ser uma política voltada para o mercado privado, mas permanecendo a indexação de quatro despesas que dão mais da metade dos recursos disponíveis.
Piso da Previdência, 60% dos benefícios
da Previdência, 60% dos benefícios do INSS são referenciados no salário mínimo: BPC referenciado no salário mínimo, auxílio desemprego e abono salarial também. Essas quatro despesas darão, este ano, uma coisa em torno de R$1,4 trilhão, num total de R$2,4 trilhões, então é bem mais do que a metade do dinheiro disponível. Ao impor um ritmo acima da inflação, você determinou um crescimento dessas despesas acima do crescimento do PIB e acima do crescimento das receitas.
Um terceiro foi uma decisão anterior, de 2020, que foi um aumento substancial da participação da União no Fundeb. Vai sair de coisa de R$15 bilhões anuais para R$75 bilhões anuais. Então, houve, além da volta da vinculação do orçamento da saúde às receitas, uma decisão de aumentar - e esse ciclo se fecha ano que vem, vamos chegar ao limite da transferência para o Fundeb - recursos federais.
Outra medida de extremo impacto foi tomada ao longo da pandemia, depois reforçada no antigo Governo e mantida pelo atual Governo: foi a manutenção do valor de R$600 para o Bolsa Família.
E, por último, num grande avanço institucional da economia brasileira, que foi a reforma tributária - e o Senador Laércio foi um dos grandes protagonistas como Líder empresarial e Parlamentar focado na economia brasileira, no seu desenvolvimento, contribuiu muito -, foram criados fundos que vão fluir a partir de 2029 e que não são de impacto desprezível, tanto o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional quanto o Fundo de Compensação por Benefícios Fiscais, para desativar a guerra fiscal e erguer um novo padrão de política de desenvolvimento regional. Isso chegará a ter um impacto de até R$80 bilhões por ano, num fluxo crescente. Isso já deveria estar sendo provisionado, em tese, a partir de 2026, mas se decidiu que vai ser com base na execução financeira e que vai começar a fluir em 2029.
Então, você tomou decisões que provocaram quase esse estrangulamento, em 2027, que eu mencionei, que é o de as despesas obrigatórias tomarem o orçamento todo e não ter espaço algum para as despesas discricionárias. Aí é aquela coisa um pouco - dizem os cientistas políticos - anti- Maquiavel. O Governo fez... As decisões foram: todas as bondades no início e o ajuste no final. O Governo teve que correr atrás de receitas
o Governo teve que correr atrás de receitas. Houve dois pacotes de aumento de impostos: um em 2023... E correções importantes, justas, embora não caiba a IFI... Mudar a lógica de tributação dos fundos exclusivos e dos fundos offshore é uma coisa correta. Mudar a lógica de resgate dos créditos tributários, o fluxo, também é legítimo que o Governo faça isso. Houve esse primeiro pacote, em 2023, que teve êxito, mas não necessariamente são frutos recorrentes. Por exemplo, tributar o estoque de fundos offshore ou fundos exclusivos só ocorre uma vez. Então, esse impacto ocorreu totalmente em 2024, 2025. Você vai tributar só o fluxo, que é bem menor que o estoque. Então, não gera um efeito, um ajuste permanente. Foram tomadas essas medidas, mas havia ameaças em 2025 e há ameaças em 2026.
Um novo pacote foi feito em 2025. Vieram a tributação das bets, das fintechs, a mudança da lógica do resgate dos créditos tributários, tributação de LCAs e LCIs e o aumento do IOF. O Congresso, interpretando um sentimento que eu acho presente na sociedade brasileira, não aprovou a Medida Provisória 1.303 e derrubou, através de um decreto legislativo, o decreto presidencial de aumento do IOF. Instalaram-se um impasse e um diálogo entre o Congresso, como tem que ser na democracia... Chegou-se a uma medida intermediária. O Supremo foi chamado a dirimir uma dúvida sobre a questão do IOF. Parcialmente, os efeitos foram reestabelecidos do decreto presidencial em relação ao IOF. No Congresso, agora, falta... O Senado o aprovou - a CAE aprovou em caráter terminativo - e foi para a Câmara. Ainda está para ser votado, até semana que vem, o aumento - foi relatado pelo Senador Eduardo Braga. O formato está lá. Houve redução de alíquotas das propostas do Executivo, houve também espaçamento do calendário. Então, os efeitos são menores do que o Governo esperava, mas são essenciais para fechar o orçamento de 2026 e ainda está pendente de votação na Câmara.
Um outro projeto que está na Câmara, que tem uma semana para ser votado, é o que reduz em 10% os gastos tributários, os benefícios fiscais de parte deles, porque a expectativa do Governo é a de que gere 20 bilhões ano que vem, 10% tomando... A base de cálculo foi 200. Só que as despesas tributárias estão estimadas em R$650 bilhões por ano. Então, não se abrangeu nessa redução tudo. Naquilo que é constitucional não se mexeu. Então, está
Naquilo que é constitucional não se mexeu.
Então, está se fazendo uma redução de 10% sobre um terço dos gastos tributários. Ainda assim, ele ainda tem que ser votado na Câmara e vir para o Senado. E falta uma semana para o ano acabar. E isso é essencial. Esses 20 bilhões, mais os 10, 15 do que foi da CAE em caráter terminativo do Senado para a Câmara, esses 30, 35 bilhões das duas medidas são essenciais para fechar o orçamento do ano que vem, que já está com uma base muito otimista - pressupostos. Por exemplo, a IFI trabalha com um PIB no ano que vem de 1,7. O orçamento levou 2,4. Nós trabalhamos com uma inflação de 4,1, 4,2. O orçamento foi feito com 3,6%. Isso tem impactos. O orçamento de 2026 que será votado pelo Congresso tem muitas interrogações e incertezas.
Agora, por que o Congresso reagiu no meu ponto de vista? Porque a carga tributária brasileira já é campeã entre os latino-americanos e os emergentes - 34% do PIB. Ou seja, o setor público brasileiro drena da sociedade, da sua produção de riqueza, de todos os serviços e bens gerados pela economia no âmbito privado, do que a sociedade gera, o Governo extrai uma carga tributária de 34%, segundo o critério da Fundação Getúlio Vargas, que difere um pouco do critério do Tesouro, porque a Fundação Getúlio Vargas considera as contribuições para o Fundo de Garantia e para o Sistema S na carga tributária.
Então, dá uma diferençazinha de 2%, mas a nossa carga tributária de 34% é a maior, disparada, entre os países latino-americanos - a Argentina está em segundo lugar com 29% - e disparada entre os emergentes, se formos ver China, Índia, Coreia do Sul, os países asiáticos. Isso tem a ver, inclusive, com o nível de investimento da economia. Os países asiáticos, emergentes, estão investindo 35% do seu PIB. O Brasil está investindo 17%.
Investimento é a semente do futuro. Isso é que aumenta a produtividade. Custeio, transferência de renda são muito importantes para se enfrentar a fome, a miséria, a pobreza, mas não transformam a realidade. Enfrenta-se com isso uma realidade dada, mas é o investimento em infraestrutura, em ciência e tecnologia, que pode alterar o perfil da economia. Se a gente comparar Brasil e Coreia do Sul, em 1980, a Coreia do Sul tinha uma renda per capita menor que a do Brasil, hoje 3,4% maior do que o nosso PIB per capita, a nossa renda per capita. E apostou em quê? Em educação de qualidade e em investimento, ciência e tecnologia e infraestrutura, tendo foco.
Então, não adianta apenas esboçar um orçamento público transferidor de renda. É preciso que ele carregue
esboçar um orçamento público transferidor de renda, é preciso que ele carregue a semente da transformação, e isso está no investimento - investimento em ciência e tecnologia e infraestrutura.
Então, para finalizar, Senador Laércio, sem cansá-los: você teve esse esforço de aumento de receita, o projeto do Imposto de Renda... Preciso deixar claro para o espectador da TV Senado, dos canais do Senado que estão nos assistindo: o projeto do Imposto de Renda não está na lógica de ajuste fiscal; os objetivos eram de equidade tributária. E é outra questão, uma interrogação que está sobre o orçamento do ano que vem, porque a lógica é que seria do ponto de vista fiscal neutro, que você desoneraria aqueles que ganham até R$5 mil - fazendo justiça tributária - e, parcialmente, os que ganham até R$7,35 mil, e, ao mesmo tempo, compensaria isso, para o efeito ser neutro, nos super-ricos.
Só que os mais pobres são numerosos e facilmente capturáveis pela Receita Federal, os ricos e super-ricos são muito poucos, mas têm muita mobilidade. Então, a renúncia fiscal é líquida e certa, as compensações não são líquidas e certas, porque há uma coisa elegante - um jeito elegante de falar -, que é o planejamento tributário. Os super-ricos têm ótimos advogados tributaristas, muito sofisticados economistas e assessores, consultores; e, toda medida, Laércio... Eu costumo brincar que, em qualquer medida de política econômica numa economia de mercado, é aquela história do Garrincha em que o técnico descreve o perfeito: "Você faz isso, faz isso, passa para você e tal...", e a pergunta ingênua, e engraçada, é "Você combinou com os russos?". Então, qualquer medida de política econômica tem que pensar nos russos, em como eles vão reagir.
Naturalmente, nós já estamos vendo uma antecipação de pagamentos de dividendos, uma corrida das grandes empresas para fugir da tributação. Então, é uma coisa a ser verificada no futuro, mas esse projeto não se insere na lógica que eu descrevi, do pacote de 2023 e de 2025: não é para aumento de receita e ajuste fiscal, é para fazer justiça tributária, cobrar menos, porque os pobres, no Brasil, pagam, proporcionalmente, muito mais impostos, já que a nossa matriz tributária é focada prioritariamente nos impostos sobre consumo, nos impostos que não diferenciam ricos e pobres.
Bem, em termos de resultado final, na semana que vem, nós enviaremos à CAE e distribuiremos a todos os interessados o nosso relatório, que projetará... Esses conceitos e essas variáveis aqui estarão presentes no RAF que a gente soltará na quinta-feira, com a projeção dessas variáveis - receita, despesa, crescimento de dívida, renúncias fiscais e tudo mais - para os próximos dez anos.
Então eu agradeço muito o convite
próximos dez anos.
Então, eu agradeço muito o convite, desculpe em ter me alongado, mas o tema é complexo e, na semana que vem, a CAE disporá das...
Tenho, só para não deixar...
Essa é a curva da dívida no cenário otimista, base e pessimista. Então, não é uma trajetória confortável.
A principal variável fiscal é a relação dívida/PIB. A relação dívida/PIB é feita de três números: o crescimento da economia medido pelo PIB; a taxa de juros implícita na dívida; e o resultado primário.
A conjugação dessas três variáveis, nos próximos anos, nos coloca numa trajetória inversa da que eu descrevi para a Grécia. E o mercado, os investidores, os financiadores do déficit público brasileiro, os compradores de título prestam atenção é nessa curva aí.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Laércio Oliveira. Bloco Parlamentar Aliança/PP - SE) - Em nome do Presidente Renan Calheiros, Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, eu quero agradecer muito ao Prof. Marcus Pestana pela sua exposição aqui, muito lúcida, muito esclarecedora.
Um tema, como o senhor falou, complexo, mas que se torna compreensível a todos nós pela didática que V. Exa. imprime nesse seu belíssimo trabalho que o Instituto Fiscal Independente realiza, que foi trazido aqui para conhecimento de todos que acompanharam pela TV Senado.
É um cenário do quadro fiscal brasileiro, a nossa realidade e a receita de um dever de casa que nós precisamos fazer. Cabe à sociedade como um todo, cabe aos especialistas e cabe ao Parlamento brasileiro se debruçar sobre o assunto, procurar entender, buscar nas fontes de sabedoria, como é a sua, os caminhos necessários para fazer a transformação e avançar com o país melhor.
Eu fico impressionado quando eu escuto relatos sobre a Grécia e a virada de mesa que eles deram em função de tantos problemas que enfrentavam há tempos recentes, talvez algo menos de dez anos atrás, e hoje começa-se a enxergar na Grécia uma mudança totalmente diferente em função daquilo que a gente assistiu e que nos deixava bastante preocupados. Afinal de contas, nós vivemos num mundo globalizado.
Eu quero agradecer muito a sua presença, é um carinho enorme poder revê-lo.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e declaro encerrada a presente reunião.
Obrigado.
(Iniciada às 10 horas e 23 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 19 minutos.)