18/05/2015 - 3ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento do Senado Federal nº 115, de 2015, com a finalidade de, num prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião se destina à realização de audiência pública interativa com os pesquisadores indicados no Requerimento nº 1, de 2015, aprovado por esta Comissão.
Estão presentes os seguintes convidados:
- Prof. Dr. Ignácio Cano, professor fundador do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a quem peço que tome assento à mesa;
Prof. Dr. Marcelo Nery, pesquisador do Núcleo de Estados da Violência, da Universidade de São Paulo, que foi indicado pelo Professor Doutor Sérgio Adorno e o Prof. Dr. Michel Misse, professor do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Não puderam comparecer, justificadamente - esperamos tê-los conosco em uma próxima oportunidade - os Profs. Júlio Jacobo e Luiz Eduardo Soares.
Peço aos senhores convidados que tomem assento. Já tomaram devidamente.
Essa audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação das pessoas pelos diversos canais postos à disposição pelo Senado Federal por meio do portal e-cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania e no Alô Senado através do número 0800 61 2211.
Para organizar nossos trabalhos, informo que, após a exposição dos convidados, a palavra será concedida aos Srs. Senadores na ordem de inscrição. Terão preferência para uso da palavra o relator e autor do requerimento, o Presidente, membros titulares, suplentes e os não membros.
Inicialmente, vou conceder a palavra...
Os senhores consideram que o tempo de 15 minutos é suficiente, razoável? Se houver necessidade, ampliaremos esse tempo com flexibilidade, até porque o interesse é nosso.
Vamos, portanto, começar.
Concedo a palavra ao Prof. Ignácio Cano.
Deseja usar algum recurso?
Estamos iniciando, portanto, a nossa reunião de audiência pública da CPI de Assassinatos de Jovens no Brasil, com a palavra, por minutos, ao Prof. Ignácio Cano, que fará sua apresentação.
O SR. IGNÁCIO CANO - Muito obrigado, Srª Presidente.
Quero agradecer o convite para estar aqui hoje. Quero também parabenizar o Senado por ter criado uma CPI sobre esse tema, de extrema gravidade para o País, mas que, infelizmente, o Brasil tende a esquecer ou a negligenciar.
Vou apresentar aqui, brevemente, alguns dados de uma pesquisa que fazemos anualmente em pareceria com observadores de favelas, a Unicef e a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal sobre homicídios contra crianças e adolescentes na faixa de 12 a 18 anos.
Esse programa... no Rio de Janeiro está tudo tão difícil que até os micróbios se aproveitam do momento.
Pode passar, por favor.
Essa linha de trabalho que seguimos, em parceria com observadores de favelas, a Unicef e a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, constituiu o chamado Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens. Vou apresentar dados que foram trabalhados dentro desse programa. Na próxima semana, acredito que Raquel Willadino, do Observatório de Favelas, virá aqui também e apresentará outros componentes do programa.
Criamos um índice chamado Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), que permitisse mensurar e monitorar a incidência do fenômeno, que ajudasse a avaliar políticas públicas e que permitisse uma publicização e uma interpretabilidade do fenômeno do homicídio contra crianças e adolescentes. Queremos mobilizar a sociedade e o Poder Público para a gravidade do problema.
Pode passar, por favor.
O Índice de Homicídios na Adolescência representa o número de adolescentes que morrem por causa de homicídios antes de completarem 19 anos para cada grupo de mil adolescentes de 12 anos. O que esperaríamos seria um número próximo de zero. Ou seja: em muitas sociedades, não há praticamente casos de adolescentes que perdem a vida por homicídios antes de completar o ciclo da adolescência. Na nossa sociedade, infelizmente, esse número, como vamos ver, é dramático.
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As fontes são o Ministério da Saúde, o DataSUS, em relação às certidões de óbito, e o IBGE para as populações. A nossa unidade de análise são os Municípios com mais de 100 mil habitantes. Se a gente calcular para populações muito pequenas, o índice acaba sendo muito instável e pouco confiável. Então, a gente calcula apenas para populações com 100 mil habitantes ou mais.
Nós aplicamos também fatores de correção sobre idade desconhecida e sobre Município de residência desconhecido justamente para não favorecer os Municípios e Estados que têm pior qualidade de informação. Esses fatores acabam corrigindo a perda de informação.
Então, esses fatores acabam corrigindo a perda de informação.
O primeiro dado que eu queria apresentar é a evolução da proporção de mortes devidas à violência. Na série que vai de 2000 a 2012, último ano para o qual temos resultados definitivos do Ministério da Saúde. Já temos resultados provisórios para 2013, mas não ainda os definitivos.
Para a população em geral, aproximadamente, entre 4% e 5% das mortes são devidas a homicídio. Já para os jovens, o percentual é muito superior, como caberia esperar, mas o mais grave é que esse percentual está em aumento. E os dados do último ano, 2012, são os mais dramáticos de toda a série a partir de 2000. Se em 2000, 30% dos jovens e adolescentes morriam por causa de homicídio; em 2012, esse número sobe para 36,5%.
Considerando, então, a população desses 288 Municípios com mais de 100 mil habitantes, para cada grupo de 1.000 adolescentes de 12 anos, 3,32 perderam a vida vítimas de homicídio antes de completar a adolescência. Isso representa... Com licença, eu vou pegar uma bala. (Pausa.)
Isso representa um incremento de 17% em relação aos dados de 2011.
Se nada for mudado, isso significa que 42 mil adolescentes serão assassinados no Brasil apenas nesses Municípios, no período que vai de 2013 a 2019. A distribuição não é homogênea. O caso mais dramático é o Nordeste do País, seguido pelo Centro-Oeste; e a Região Sul apresenta o número menos grave. É importante que se explicite que, se há 15 ou 20 anos, homicídio contra jovens era basicamente um problema das metrópoles do Sudeste do Brasil, hoje em dia é sobretudo um problema das cidades do Nordeste.
Nós temos, em primeiro lugar, Alagoas, que mais do que duplica a média nacional. Em segundo lugar, a Bahia, Ceará e Espírito Santo. E no outro extremo, os Estados....
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Esse número é em relação a 100 mil habitantes?
O SR. IGNÁCIO CANO - Não. A cada 1.000 jovens de 12 anos quantos vão morrer assassinados antes de cumprir os 19.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Esse percentual que dá 36,5% de média nacional?
O SR. IGNÁCIO CANO - Não. Esse percentual é o percentual das mortes.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Esse daí é projeção?
O SR. IGNÁCIO CANO - De cada 1.000 jovens de 12 anos, quantos vão morrer assassinados antes de completar os 19, ao longo do ciclo da adolescência.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Mantendo-se o quadro...
O SR. IGNÁCIO CANO - Exatamente.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Isso é 2012?
O SR. IGNÁCIO CANO - De 2012, que é o último ano com os dados definitivos fornecidos pelo Ministério da Saúde.
No outro extremo, numa situação mais favorável, nós temos Santa Catarina, Acre e São Paulo, mas, de qualquer forma, todos esses valores ultrapassam 1, quando, na verdade, nós esperaríamos um valor realmente próximo de zero.
Por cidades, nós temos Fortaleza em primeiro lugar, com valor superior a 9. Depois, Maceió, Salvador e João Pessoa. Mais uma vez, o Nordeste acaba focalizando um número muito elevado de agressões e mortes contra jovens.
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Para os Municípios de mais de 200 mil habitantes, temos Itabuna com um valor de 17; Cariacica e Serra... Então, são Municípios, em geral, alguns do Espírito Santo; muitos da Bahia e de alguns outros Estados do Nordeste.
Quando comparamos pelo tamanho da população, vemos que o problema é mais grave nos Municípios de mais de 500 mil habitantes, com 3,5; e, depois, nos Municípios de 100 mil a 500 mil, 3,12.
O problema é menos grave nos Municípios pequenos, menos de 50 mil habitantes. Ou seja, embora o problema seja mais grave no Nordeste, ainda é basicamente um problema urbano.
Esse é o risco relativo por dimensão, que nos diz a comparação do risco de um grupo e outro. Vemos, por exemplo, que os adolescentes de sexo masculino têm um risco 12 vezes superior às adolescentes de sexo feminino. O risco de morrer assassinado por arma de fogo é 4,6 vezes superior a morrer assassinado por qualquer outro meio, o que vem a sublinhar, de novo, a importância do controle das armas de fogo em qualquer política de redução da violência letal.
Vamos voltar, por favor.
Por raça, temos que o risco dos negros, pretos e pardos é 3 vezes superior ao risco dos brancos. Por idade, vemos que vai aumentando. Na verdade, a faixa de maior risco é a faixa de 19 a 24 anos. Depois, vai caindo lentamente com a idade.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Depois da adolescência...
O SR. IGNÁCIO CANO - Isso.
O risco é relativamente baixo na infância, com menos 12 anos; sobe rapidamente na adolescência; e permanece muito elevado - o pico está entre 20 e 24 anos - e, depois, cai lentamente, só chegando a um nível comparado ao da adolescência muito tempo depois, quando as pessoas estão próximas à terceira idade.
Próximo, por favor.
Nesse eslaide, temos uma correlação entre os riscos relativos para cada uma dessas dimensões e o fenômeno em geral. O que nós vemos? Os Municípios onde há mais violência contra crianças e adolescentes são justamente os Municípios onde o percentual de homens mortos é maior, o percentual de jovens negros é maior e o percentual de mortes por armas de fogo é maior. Ou seja, quando há um agravamento do quadro de violência, esse agravamento afeta, sobretudo, o perfil da vítima preferencial, que são os jovens negros do sexo masculino mortos por arma de fogo.
A evolução ano a ano, a partir de 2005, desde quando a gente vem fazendo esse trabalho, mostra que, infelizmente, 2012, o último ano, apresenta o valor mais elevado de toda a série, ou seja, apesar dos esforços que o Brasil vem fazendo, a violência contra o jovem adolescente está aumentando.
Na evolução por Região, podemos perceber que, em 2005, as Regiões todas tinham mais ou menos o mesmo patamar, mas o Nordeste continua crescendo quase ininterruptamente em todos os anos e o Sul aumentou relativamente. O Sudeste foi a única região que experimentou um decréscimo significativo. Mas o quadro, no Norte e, sobretudo, no Nordeste, é dramático.
Baseado, então, em números de 2005, tínhamos predito que morreriam 35 mil jovens no período de 2006 a 2012, se as condições não mudassem. Infelizmente, o número foi muito próximo, 33.588. Ou seja, as condições certamente não melhoraram de forma significativa.
Vou apresentar também brevemente resultados de um estudo que fizemos há poucos anos sobre quais fatores correlacionam o índice de homicídios contra adolescentes e os Municípios, ou seja, quais características dos Municípios tendem a favorecer ou a dificultar a violência contra os jovens.
As dimensões analisadas são estrutura demográfica e socioeconômica, mercado de trabalho, educação, serviços urbanos, vulnerabilidade familiar, estilos de vida e políticas públicas. Esse é o modelo final. Resumindo, os Municípios com maior taxa de violência contra jovens e adolescentes são Municípios de maior tamanho que crescem demograficamente com rapidez, onde há muita troca de população, entradas e saídas, com uma baixa renda per capita, com má qualidade do sistema educacional medida pelo Ideb, que é um índice amplamente conhecido, com muitos deslocamentos de entrada e saída de Município e resultados um pouco mais controversos. Municípios que têm maior proporção de pessoas sem religião e com população evangélica.
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Nós interpretamos isso não no sentido de que as pessoas abandonaram Deus, mas no sentido de que há uma penetração maior, um crescimento maior da religião evangélica justamente em áreas pobres e degradadas que também têm maiores níveis de violência.
As duas dimensões, então, mais determinantes para afetar a taxa municipal de homicídios contra jovens são o crescimento populacional e as dinâmicas demográficas, a renda e também a educação. A renda está associada negativamente a risco de homicídio contra adolescente; entretanto, não é a renda do conjunto da população, é a renda da parte mais pobre da população a que mais relação apresenta com a taxa de homicídios.
Então, por exemplo, a correlação... o coeficiente vai de um a menos um, a correlação total é 0,25; a correlação da parte mais rica é 0,19; da quarta parte é 0,24; vai aumentando. E a correlação é máxima com a renda média dos mais pobres. Isso é muito importante, porque está nos dizendo que um programa de transferência condicional de renda pode ajudar a prevenir a violência contra os jovens.
Então, resumindo, Municípios com sistemas educacionais de boa qualidade estão prevenindo...
(Soa a campainha.)
O SR. IGNÁCIO CANO - ... a violência contra adolescentes...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É que é automático.
Fique tranquilo. Pode falar.
O SR. IGNÁCIO CANO - Não vou demorar muito, não.
Municípios onde há transferência de renda ou uma maior renda dos setores mais pobres são também Municípios com maior proteção em relação à violência contra os jovens.
Por último, para fechar minha apresentação...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ. Fora do microfone.) - Fique tranquilo, Ignácio.
O SR. IGNÁCIO CANO - Pode passar, por favor.
Algumas linhas políticas de atuação possível para prevenir homicídios contra adolescentes. A primeira e mais clara é o controle de armas. Mais de 80% dos homicídios, no Brasil, são cometidos com armas de fogo. Então, apesar dos avanços relativos que o Brasil viveu na última década, isso ainda é insuficiente. A arma de fogo continua sendo o vetor fundamental da violência letal.
Em segundo lugar, políticas de prevenção social, que, como acabei de manifestar, deveriam estar focalizadas sobretudo em transferência de renda às populações de risco - juventude das áreas periféricas -, melhora do sistema educacional e permanência dos jovens nas escolas.
Em terceiro lugar, uma melhora das taxas de esclarecimento criminal relacionadas a homicídios. Em muitos Estados, no Brasil, hoje, mais de 90% dos homicídios não resultam na punição de alguém. As taxas de condenação - na pesquisa que nós fizemos no Rio - são inferiores a 8%, ou seja, mais de 92% de cada cem homicídios não resultam na punição de alguém. Como a taxa de reincidência na área de homicídios é elevada, significa que esses homicidas continuarão a desenvolver a sua triste tarefa.
Então, em vez de o Brasil se debruçar sobre o aumento de penas - se as penas são de 20, 30, 40 anos -, o Brasil tem que se debruçar sobre o problema da quantidade de crimes que nunca são esclarecidos, particularmente crimes de homicídio.
Em quarto lugar, fortalecimento dos programas de proteção. Aí posso mencionar o PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte). Em vários Estados, os programas de proteção não têm financiamento suficiente, estão quase desmantelados, não têm apoio, não têm continuidade administrativa. Enfim, eu convido V. Exªs a se debruçarem sobre o problema dos programas de proteção no Brasil, que em muitos Estados é dramático.
Por último, nós estamos aguardando a criação de planos de prevenção ao homicídio em vários níveis: um plano nacional de prevenção a homicídios, um plano estadual e planos locais que têm de estar baseados em diagnósticos locais para se entender qual é a ideologia desse homicídio em cada localidade, para que então sejam tomadas as medidas preventivas.
O Governo Federal indicou que estaria pensando na possibilidade de desenvolver um plano nacional de prevenção de homicídios, e nós estamos aguardando.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. IGNÁCIO CANO - Desculpem-me a minha garganta.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada por essa exposição que dá início à nossa discussão.
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Eu vou passar a palavra, agora, ao Prof. Marcelo Nery, do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo (USP).
O SR. MARCELO NERY - Boa noite!
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Boa noite!
O SR. MARCELO NERY - Senadores, Senadoras, Srs. Professores, é uma honra e um privilégio falar com os senhores, com vocês aqui presentes e vocês pela internet. E venho falar aqui de um tema, representando uma instituição que trata desse tema há pelo menos 25 anos, 30 anos - é uma grande responsabilidade. E vocês vão verificar que algumas coisas vão soar como contradições àquilo que o Prof. Ignácio disse anteriormente, e eu gostaria que vocês entendessem como um complemento.
Gostaria de começar - o próximo eslaide, por favor, - falando o seguinte: se a gente vai falar de violência, homicídios contra jovens, alguns pontos são fundamentais. O primeiro ponto fundamental é o jovem, que é a principal vítima e o principal ator de violência. Isso é uma tendência mundial - é a principal vítima e o principal ator!
Próximo eslaide.
Outro elemento fundamental é que, dentro do perfil das principais vítimas, temos as pessoas de baixa renda. E existe uma relação entre violência e pobreza? Não necessariamente.
E menciono o que o Cláudio Beato já falou num artigo de que gosto muito. Ele retrata o seguinte: existem fatores de infraestrutura e renda que são sempre relacionados à violência, só que há outros fatores que são mais voláteis. Dependendo do momento, e do local, e do perfil da pessoa que você observa, isso pode ser uma verdade ou não - é uma verdade relativa essa relação entre renda e violência, e, consequentemente, homicídio, mas existem outros fatores sociais que a gente pode abordar.
O próximo, por favor.
Estou falando, então, do perfil, que são jovens, principalmente homens, pobres. Mas verificamos que jovem é uma tendência, mas, nessa questão da renda, não necessariamente.
Quanto à questão da raça, os negros são as principais vítimas. Vou mostrar dados que demonstram que são as principais vítimas as pessoas com essa característica. E por que eles são as principais vítimas? E a gente começa a pensar no aspecto mais cultural da questão, ou seja, negros têm relacionado a si a questão do preconceito, a questão da discriminação e dos estigmas, por exemplo, participei de uma CPI da Câmara que trata da violência contra jovens negros, e ficou muito claro o estigma que os policiais têm com pessoas que possuem perfil, isto é, se um negro jovem está num lugar específico, eles não tem dúvida de que essa pessoa é uma criminosa.
Há esse estigma vinculado à pessoa com esse perfil. Mas, além disso, há características relacionadas à pessoa da raça negra por uma questão histórica e social. Se você verificar pessoas que são principalmente atingidas por problemas médico-sanitários, habitacionais e educacionais, você verifica que há um viés racial sobre essas questões.
Próximo, por favor.
Sobre jovens negros e pobres no Brasil, quando falamos do Brasil, temos que nos lembrar da heterogeneidade que há. Segundo o Mapa da Violência com dados de 2012, o Brasil tem cerca de 22 por 100 mil habitantes como taxa de homicídio. Entretanto, a gente tem que pensar primeiro no que explica essa taxa, em por que essa taxa é importante, no que ela revela.
E essa taxa é importante, esse trabalho é importante, mas essa taxa fala muito pouco, porque 22 por 100 mil, num contexto no qual São Paulo, por exemplo, apresenta queda constante das taxas, enquanto em Estados, como Pará e Amazonas, o crescimento é constante... Então, dá para falar do problema nacional sobre violência? É muito difícil.
Próximo, por favor.
Diante disso, a gente vê esse trabalho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nesse trabalho, eles determinaram o risco de pessoas da raça branca e negra serem vítimas de homicídio. E verificamos, por exemplo, que, no Brasil, o risco de um negro ser vítima é de 70 por 100 mil, enquanto o da pessoa da raça branca é de 27, quase 28 por 100 mil.
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E isso muda nas diferentes Regiões do Brasil; isso muda mediante os diferentes Estados... Mas espere aí! Será que eu posso falar, então, não da violência no Brasil, mas por Região ou por Estado? Na verdade, muitas vezes você não consegue falar da violência em âmbito municipal. Eu vou mostrar isso para vocês.
O próximo, por favor.
Permitam-me falar do caso específico de São Paulo como exemplo.
O próximo.
Isso aqui é a evolução das taxas de homicídio calculadas pelo NEV entre 1981 e 2013.
Próximo. Um clique, por favor.
O que acontecia antes de 1981? No âmbito da cidade de São Paulo, a violência não era um problema até meados da década de 70. Por que não era um problema? Porque não era recorrente, havia muito poucas ocorrências ou porque ela atingia um grupo específico da população com maior frequência e, nesse grupo específico da população, não tinha grande repercussão a morte dessas pessoas? Isso era o cenário anterior, então, à década de 80.
Mas vamos falar - um clique, por favor - sobre 1995.
Um próximo clique.
Em 1995, o Jornal do Brasil fez uma pesquisa pelo Vox Populi e fez a seguinte questão: negros e brancos, pobres e ricos recebem o mesmo tratamento para crimes iguais? Resposta da população: 80% não tinham dúvida, "o pobre será julgado mais rigorosamente"; e 62% das pessoas pesquisadas disseram que "acreditam que o negro recebe punição maior".
Próximo, por favor.
No mesmo ano, o Núcleo de Estudos da Violência apresenta dados de uma pesquisa, ou seja, que foi feita antes de 1995. Mas em 1995 o NEV divulga a seguinte pesquisa: analisando dados de 1990, verificou-se... Pessoas que são acusadas de um crime, qual a chance de elas serem condenadas ou absolvidas, pensando na questão racial? E verificamos que, estatisticamente, havia diferença significativa entre brancos e negros. A chance, ao cometer o mesmo crime, de uma pessoa da raça branca era maior... Perdão, era menor o risco de essa pessoa ser condenada do que uma pessoa da raça negra.
Isso, então, dentro de um contexto na cidade de São Paulo.
O que essa pesquisa também retrata? Maior probabilidade de punição das pessoas negras, pobres e migrantes. E eu estou falando isso de um retrato de 1995.
O próximo, por favor.
Vejam, novamente, o gráfico da evolução dos homicídios.
Mais um clique.
Permitam-me demonstrar o que aconteceu em São Paulo a partir de 1991.
O próximo, por favor.
Isso aqui é um mapa de concentração de homicídios na cidade de São Paulo do ano de 1991. Como a gente interpreta esse mapa? Áreas em vermelho, alta concentração de homicídios; áreas em branco, não há nenhuma ocorrência de homicídio naquele lugar.
Vocês observam, por exemplo, na parte sul do mapa, uma área em branco. Aquela região é conhecida como Marsilac. E vejam como São Paulo é heterogênea: essa região de Marsilac, na zona sul, tem tribo indígena residindo. É um vazio urbano. Ali, naquela região branca, está Billings e Guarapiranga. Na região central, temos regiões como Sé, temos regiões como Brás.
Bem, esta aqui é a realidade de 1991.
Mais um clique, por favor, no eslaide.
Isso aqui representa uma taxa de 35 por 100 mil habitantes, este mapa aqui. Vamos ver...
De 1992. O próximo, por favor.
De 1993. O próximo.
De 1994, 1995.
Espere um pouco.
Aqui são 45 por 100 mil, no momento em que aquela pesquisa feita pelo NEV foi divulgada.
O próximo, por favor.
De 1996. Próximo.
De 1997. Próximo.
De 1998. Próximo.
Espere um pouquinho.
De 1999; é o pico de São Paulo. Nesse momento, vocês estão verificando uma concentração de homicídios que é retratada por uma taxa de 52 por 100 mil, o que representa mais de 5,5 mil pessoas mortas em um ano.
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Pois bem; eu poderia falar horas a respeito da cidade de São Paulo. Vejam, por exemplo, na região sudoeste, uma alta concentração de homicídios. Do lado esquerdo do mapa, há lugares como Capão Redondo, Jardim Ângela, Jardim São Luiz, que são famosos. Por quê? Porque, naquele momento, a ONU considerou esses uns dos lugares mais violentos do Planeta. As taxas, que, na cidade como um todo, eram de 52 por 100 mil, eram lá próximas a 150 por 100 mil.
O próximo, por favor.
Chegamos aos anos 2000, quando a taxa oscila, mas se mantém muito alta. Entretanto, a partir desse momento, até de maneira surpreendente, acontece o seguinte...
O próximo.
Vejam 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012. Chegamos ao final do período dos dados que eu tenho e observamos que - o gráfico também é representado por esse mapa - houve uma grande queda nas taxas de homicídio em São Paulo. Por quê? O que aprendemos analisando esse resultado?
Próximo eslaide, por favor.
Vejam, novamente, o gráfico dos homicídios de São Paulo que mostra esse crescimento e depois a queda.
Próximo clique, por favor.
Eu vou falar agora de um trabalho específico entre 1998 e 2008, que retrata parcialmente a situação de São Paulo.
Próximo clique.
O que analisamos? Verifiquem aqui, no gráfico, que há um gráfico que representa homicídios de pessoas da raça branca, da raça negra e de outras raças. O que eu vejo aqui? Vejo que a raça negra está sempre num patamar maior que o das outras raças. Vejo que, a partir de um certo período, há queda na taxa de homicídios de todos os perfis raciais. Contudo, percebam, por exemplo, que a taxa da raça branca cai antes da raça negra. Percebam também que, mesmo com a grande queda que houve na cidade de São Paulo, as pessoas da raça negra ainda morrem num patamar muito maior que as pessoas da raça branca - pessoas da raça negra, jovens, negros, normalmente, residindo em regiões periféricas da cidade de São Paulo.
Próximo, por favor. Mais um clique.
Agora, eu vou mostrar outro retrato, mas agora do período de 2000 a 2008.
Próximo clique.
O que descobrimos? Descobrimos o seguinte. Observando todos os homicídios registrados entre 2000 e 2008, há lugares que, mesmo com a queda dos homicídios, a taxa é sempre alta. Existem lugares onde, com a queda, a taxa é sempre baixa. E há lugares que, mesmo quando se matou quase 6 mil pessoas em São Paulo e mesmo hoje que se matam por volta de 1.500 pessoas na cidade no ano, não há um único registro de homicídio naquele lugar. Existe lugar onde a tendência é sempre alta, há lugar onde a tendência é sempre baixa. Há outras tendências, mas uma delas é que não há simplesmente registro de homicídio naquele lugar. O que acontece nessa cidade?
Próximo clique, por favor.
Novamente, o gráfico.
Mais um clique.
Eu vou falar de uma pesquisa feita especificamente no período de 2000 a 2008. O que descobrimos? Descobrimos, por exemplo, que não podemos explicar a queda como um todo.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO NERY - O que descobrimos?
Um clique, por favor.
Vejam que eu coloquei um risco por volta de 2004 a 2005. Por que isso? Porque os fatores que explicam por que um lugar é violento ou não na cidade de São Paulo no período de 2000 a 2004 não são os mesmos fatores que entre 2004 e 2008. Então, há essas grandes receitas de "vamos combater o homicídio de jovens aplicando uma política X para o País como um todo, porque os jovens negros da periferia são sempre as principais vítimas". Tudo bem, isso é um perfil, mas qual a razão? São sempre as mesmas? Não, isso muda mediante o lugar e o momento que você está observando. Se vocês observarem o período entre 2004 e 2000, vocês observam um conjunto de fatores, e de 2004 a 2008, outros.
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É interessante observar, por exemplo, que no segundo período, entre 2004 e 2008, fatores ganham maior relevância do que tinham no período anterior. Que fatores são esses? Renda, escolaridade, infraestrutura urbana.
Espera aí, Marcelo, o que você quer dizer? Eu quero dizer que os fatores que explicam o homicídio, no primeiro mapa à esquerda, no ano de 2000, não é mesmo de 2008; que, em 2000, fatores como educação e renda são importantes, sem sombra de dúvidas, mas não são tão importantes como hoje. Por quê? Em lugares onde a taxa de homicídio é muito alta, há fatores que ganham maior relevância, como presença de organizações criminosas, por exemplo. Nessa perspectiva, é fundamental agir do ponto de vista educacional? Sem sombra de dúvida. De infraestrutura? Sem sombra de dúvida. Mas não podemos nos esquecer de fatores como a presença de organizações criminosas.
Em são Paulo, também, a gente encontrou o seguinte indício: lugares onde não há homicídio - porque há lugares onde o padrão é não ter homicídios - simplesmente também não há indícios de presença de organizações criminosas. Daí vocês pensam: há tendência de presença de organizações criminosas onde? Onde a taxa é alta? Sim, mas também onde a taxa é sempre baixa. Há indício de o crime organizado servir como um regulador de homicídio, mantendo a taxa sempre alta ou sempre baixa. Mas tem homicídio lá? Tem.
Então, gravem isto: o que o Prof. Ignácio Cano, antes de mim, falou sobre a necessidade de um diagnóstico local, sem sombra de dúvida, e tudo isso que eu falei até agora retratam essa questão.
Próximo, por favor, estou finalizando.
Dentro desse contexto, o que a gente precisa para tentar reduzir a violência e os homicídios contra jovens? Primeiro, diagnosticar os problemas. Ah! Tudo bem, Marcelo. Então, vamos fazer um diagnóstico? Vamos. Mas com que informação e com que qualidade? Os dados que apresentei aqui são a exceção da exceção. Não há dados. Os dados que existem são raros e poucos e de qualidade muito questionável. Então, a primeira questão é: temos que diagnosticar, temos, mas temos que criar informações que tornem esse diagnóstico possível, realizar ações orientadas pelo diagnóstico e avaliar o impacto das ações, porque uma coisa que não tem neste País é avaliação de políticas. A gente fez o trabalho, a gente fez o projeto, a gente aplicou o projeto, e cadê a avaliação do projeto? Não tem.
Outra questão fundamental é construir uma tradição de inteligência criminal e de segurança. O que estou falando é que é uma coisa apartidária e apolítica, uma coisa que tem que ser uma tradição, o que no País não há até hoje. Por fim, que essa tradição envolva a sociedade civil. É fundamental o envolvimento da sociedade civil, a ideia de segurança cidadã, e que tenha profissionais qualificados em número suficiente capazes de aplicar essas políticas.
Percebam que, ao comparar o que o Ignácio falou, ele falou de maneira um pouco mais global, eu tentei dar uma perspectiva um pouco mais local para a questão, mas eu não posso lhe dizer dos fatores que permeiam todas essas questões locais, que são combater preconceito, discriminação e estigma.
Eu tive oportunidade de falar com policiais - e o Prof. Michel Misse vai tratar desta questão, depois de mim - e não há dúvida: criminoso tem um perfil para policial: eles estão em certo lugar, têm certa cor e certa classe social. Isso tem que ser quebrado
Outra questão fundamental é minimizar as desigualdades econômicas e sociais. Existem questões relacionadas à própria questão da juventude, por exemplo. Um jovem tem menos capital social do que uma pessoa com certa idade, conhece menos pessoas a quem pode recorrer, por exemplo, quando tem um problema que envolve a sua ação criminosa ou não. Isso deve ser levado em consideração.
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Era isso que eu tinha para colocar. Gostaria de ter sido claro. Encerro por aqui.
Muito obrigado pela atenção de todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradecemos muito a apresentação do resultado da pesquisa.
Concedo a palavra ao Professor Michel Misse.
O SR. MICHEL MISSE - Eu vou fazer um pequeno deslocamento na nossa discussão, que até agora tratou principalmente dos dados sobre vítimas. Eu vou fazer um deslocamento para discutir a questão da autoria.
Para tratar a questão da autoria, em qualquer país você se baseia na investigação policial, porque é a investigação policial que produz o esclarecimento do que aconteceu, a elucidação do crime. E é na investigação policial que você verifica como é que se deu o crime, a dinâmica do crime. É ali que você pode não apenas detectar melhor o perfil de autoria, como também os fatores que condicionaram, no plano local, no plano microssociológico, a entrada, a passagem ao ato, como se diz, ao sair da intenção para a ação.
Ocorre que nós, no Brasil, não temos dados sobre autoria. E se esta Comissão, à qual eu agradeço o convite pela presença e por partilhar desta mesa, se esta Comissão, a meu ver, pode cumprir um papel importante, particularmente importante nessa área, está exatamente em vincular a discussão do assassinato de jovens com a falta de dados sobre autoria.
Esse é um ponto fundamental. E, evidentemente, essa falta de dados decorre, como já foi dito antes pelo Professor Ignácio Cano, da baixa taxa de elucidação de homicídios; mas não só de homicídios, porque os homicídios não ocorrem isoladamente de outros crimes. Há uma certa articulação entre homicídios e outros crimes, com exceção dos homicídios que são mais facilmente elucidados, que são os crimes passionais. Os homicídios com uma frequência que em outros países é mais alta... Por exemplo, na Inglaterra, a taxa de elucidação de homicídios é de algo em torno de 90%. Desses 90%... Primeiro que a taxa é baixa, são poucos homicídios; segundo que 80% desses homicídios estão relacionados a crimes passionais, que são exatamente aqueles em que a vítima e o autor se conhecem. É mais fácil esclarecer o crime. Então não vai aí nenhum elogio à polícia inglesa e nenhum demérito à polícia brasileira. Apenas o fato é que a polícia brasileira enfrenta uma grande quantidade de homicídios, uma grande quantidade de crimes violentos no cotidiano, e não é capaz, nas condições atuais, de dar conta disso. Como ela não dá conta disso, nós não temos realmente dados.
Os dados que...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Professor, há uma taxa de elucidação de crimes de homicídios no País?
O SR. MICHEL MISSE - Não, não tem.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Ele falou em 8%.
O SR. MICHEL MISSE - Não, esses 8% eu não... Foi o Conselho Nacional de Justiça que circulou isso. Não existe pesquisa nacional que demonstre isso. Existem pesquisas em algumas áreas, em alguns Estados, em algumas cidades. Por exemplo: a primeira, a mais antiga pesquisa, foi feita pelo Luiz Eduardo Soares, no Rio de Janeiro, ainda nos anos 90, em que ele detecta, a partir de uma amostra de casos de processos, de inquéritos policiais, quantos efetivamente chegaram a ir a julgamento. Na época, 8%.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Ah, não foram 8% elucidados! Foram 8% a julgamento.
O SR. MICHEL MISSE - Que foram a julgamento.
Há pesquisas do Professor Ignácio Cano, há várias pesquisas, mas elas não são nacionais. São sempre pesquisas feitas em Estados ou em Municípios.
Nós fizemos - e eu vou apresentar agora - uma pesquisa que foi financiada e curiosamente... Bom, essas são as pesquisas que fizemos sobre a Polícia brasileira nos últimos anos.
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Vamos passar.
Essa pesquisa aí, O Inquérito Policial no Brasil, foi uma pesquisa que não foi financiada por nenhum órgão público, foi financiada por uma federação de sindicatos de policiais que nos procurou, quis que fizéssemos essa pesquisa, porque eles achavam que nós íamos encontrar o mesmo resultado que eles já conheciam na sua prática. Qual foi o resultado que nós encontramos?
Nós trabalhamos com vários Estados, trabalhamos com cinco Estados. Em média, com exceção de Brasília, a taxa de elucidação não chegava a 15%, variava de um Estado para outro, mas não chegava a 15%. Em Brasília, era maior no Plano Piloto porque foi considerada para pesquisa de Brasília a elucidação como sendo que a Polícia tivesse conseguido concluir o inquérito com autoria e materialidade, mas esse critério nós não usamos na pesquisa, nosso critério é: foi bem-sucedido o trabalho da Polícia se o Ministério Público aceitou esse trabalho e o transformou em ação penal. Se o Ministério Público devolveu para novas diligências, então esse trabalho não foi bem-sucedido.
Observem, no caso do Gráfico 1, no Rio de Janeiro, capital. Nós tivemos um total de registros policiais de homicídio doloso consumado e tentado, em 2005, de 3.167 registros envolvendo um número maior de vítimas. Desse total de registros, 2.928 se transformaram em inquéritos tombados no Ministério Público, então, um número bem próximo. A diferença ali no gráfico acentua, mas, na verdade, o número é bem próximo, o que significa que a maioria dos registros foi transformada em inquérito.
Continuemos.
Agora, desses registros policiais...
Bom, agora o roubo. Nós temos aí 69.621 registros policiais de roubo e 1.358 inquéritos tombados no Ministério Público. Aqui, a diferença é enorme, mostra que a taxa de elucidação de roubo... Roubo significa ameaça ou uso da violência para obter ou expropriar um bem de alguém. A diferença é muito gritante.
Pode continuar.
Aqui, no caso de estelionato, para 9.101 registros policiais de estelionato, um terço, 3.052, se transformaram em inquéritos tombados no Ministério Público.
Continuemos.
Vejamos agora o que aconteceu com os homicídios dolosos. Daqueles dois mil, novecentos e tantos que nós vimos lá, 2.400 voltaram para a delegacia para novas diligências, o que significa que não foram bem-sucedidos. Em 394 houve pedido de arquivamento porque não tinham elementos suficientes para prosseguir e apenas 111 se transformaram em denúncia até três anos depois, de um total - se vocês estão lembrados - de quase três mil inquéritos que chegaram ao Ministério Público, 111 se transformaram em ação penal.
Isso é importante porque, além do próprio fator da impunidade que está presente, isso demonstra: como é que nós podemos saber alguma coisa sobre autoria se nós só podemos trabalhar com 111 casos que efetivamente foram esclarecidos?
Por favor.
No caso de roubos, nós temos, daquele total enorme que vocês viram lá, 638 voltam para as delegacias, 370 são denunciados, 133 são arquivados. Esses 370 que são denunciados e que lotam as prisões brasileiras, na verdade, não representam quase nada em comparação com o total de roubos praticados na cidade.
Por favor.
O que verificamos? Verificamos que a única área em que sabemos alguma coisa de autoria, não muita, mas sabemos alguma coisa de autoria, é quando o homicídio foi praticado por um policial supostamente no cumprimento do seu dever. No Rio de Janeiro, nós tivemos, em uma década, mais de 10 mil civis suspeitos mortos pela polícia, supostamente em confronto legal.
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Então, aqui, o gráfico mostra - na capital em azul e no Estado do Rio de Janeiro, em marrom - o número de civis suspeitos mortos em confronto com a polícia.
Observem como nós temos um aumento regular a partir do final dos anos 90 e, agora, um decréscimo, a partir das políticas adotadas no Rio de Janeiro, como as UPPs e outras políticas de redução de riscos.
Continuemos.
A comparação entre o número de civis mortos pela polícia e policiais mortos em serviço mostra uma assimetria extraordinária.
Ninguém deseja que os policiais sejam mortos, evidentemente, mas essa assimetria nos deixa... Nós estranhamos isso, porque ou os suspeitos, os civis mortos são absolutamente incompetentes no uso daquelas armas poderosas que eles têm, ou, então, nós estamos assistindo, em uma parte ponderável desses casos, a uma política de extermínio e de execução.
Nós não podemos, também, garantir nada, porque o Ministério Público também não fiscaliza a atuação da polícia nesse caso, e nós não sabemos, efetivamente, quantos desses casos se deram, em que condições e qual foi a dinâmica do crime.
Por favor,
Quando nós vamos analisar o que aconteceu com os inquéritos de autos de resistência, isto é, que envolveram civis mortos pela polícia, se pegarmos o ano de 2005 e virmos o que aconteceu em 2007, ou seja, dois anos depois, constatamos que, em 2005, foram 707 vítimas da polícia, que resultaram em 510 registros de ocorrência, que se transformaram em 355 inquéritos no ano de 2005. Até dois anos depois, só havia 19 inquéritos tombados no Tribunal de Justiça até dezembro de 2007. Quer dizer, de 510 inquéritos, de 510 registros, nós só temos 19 inquéritos tombados, até dois anos depois, no Tribunal de Justiça.
Por favor.
O que aconteceu com esses 19 inquéritos? Destes, 16 foram arquivados por falta de provas, três foram denunciados - três! -, dois foram pronunciados, um foi a julgamento e um foi condenado.
Nesse caso aí, nós verificamos que havia policiais que já estavam com mais de 20 mortes de civis suspeitos nas costas e continuavam atuando.
Para dar um exemplo comparativo, nos Estados Unidos, quando um policial, num confronto, vê-se na necessidade de matar um suspeito ou um criminoso que está sendo perseguido, ele, imediatamente, é afastado do serviço e lhe é oferecido um conjunto de terapias, inclusive psicólogos para acompanhamento, porque se supõe que não é fácil para um policial matar alguém. Ele não é policial para matar; ele é policial para investigar, para prender, para produzir provas. Ele não é um policial construído para matar, mas um policial construído para exercer a proteção dos cidadãos.
Então, supõe-se lá que um policial precisa de apoio terapêutico quando se envolve numa situação dessa. Aqui, nós temos policiais que matam às dezenas e continuam em serviço.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - São promovidos, inclusive.
O SR. MICHEL MISSE - São promovidos.
Eu acho que esses dados... Eu tenho uma suspeita - e eu disse isso ao Ministro da Justiça há alguns meses: um número muito elevado de mortes de jovens no Brasil é produzido por policiais. Não necessariamente por policiais em serviço, e muito menos pelo polícia como instituição, mas por policiais vinculados a grupos de extermínio, a milícias e a outras formações que envolvem, inclusive, transações com outros grupos criminosos.
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Então, eu acho que essa questão da polícia é, hoje, a meu ver, decisiva para nós avançarmos nessa área. Não é possível mais continuarmos sem informação, sabendo que a Polícia está sendo autora de tantas mortes, o que não é normal, e sem que isso produza um impacto sobre o processamento desses crimes.
Continuemos.
Essa é uma nova pesquisa mais recente que fizemos para o Ministério da Justiça sobre o fluxo do trabalho de perícia nos processos de homicídios no Rio de Janeiro. Esperávamos, com esse trabalho, tentar identificar um pouco mais a dinâmica e, portanto, alguns dados sobre autoria.
Continuemos.
O que encontramos? Encontramos que, nesse período de três anos, 2009, 2010 e 2011, a taxa de elucidação na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, que é uma delegacia criada para centralizar a investigação de homicídios e que tem feito um trabalho bastante razoável, a taxa de elucidação ficou em 7%, 10,9%, 8,2% dos casos respectivamente. O total de inquéritos transformados em ações penais é muito baixo em relação aos números de homicídios dolosos e tentativas de homicídios. Nós incluímos, evidentemente, os autos de resistência, porque eles também precisam ser investigados e esclarecidos.
Continuemos.
Se observarmos agora, neste gráfico, os flagrantes em inquéritos de homicídios dolosos relatados, com autoria, à Justiça pela Polícia Civil, vamos verificar que as taxas, ali embaixo, são baixas. Cada cor é um ano: o azul mais forte é 2009, o seguinte é 2010, e o mais claro é 2011. Vocês veem que houve melhora na capacidade de esclarecimento desde a criação da Delegacia de Homicídios no Rio de Janeiro, mas essa melhora nunca conseguiu ultrapassar 14%, 15% de esclarecimentos. Esse é o limite. É onde bate no teto. Não se consegue ultrapassar 15%.
Por favor.
As conclusões da pesquisa sobre os laudos periciais são muito interessantes. A primeira conclusão é de que a perícia, que não é autônoma - está submetida à instituição policial como um todo, à Polícia Civil - não foi capaz, nesses casos estudados, de dar base técnica para a autoria. Isso significa dizer que o trabalho pericial, com todo o investimento que foi feito e tecnologia, em recursos humanos e tudo mais, não foi capaz de determinar a autoria do ponto de vista pericial em nenhum dos casos estudados. Ela só foi capaz de definir a chamada materialidade do homicídio, ou seja, definir que aquilo foi um homicídio intencional, deu-se dessa maneira. No entanto, quanto à autoria, ela não foi capaz de chegar a nenhum resultado. A análise do conteúdo dos laudos mostrou que uma das deficiências mais básicas da perícia é a ausência de definições metodológicas claras tanto nos laudos da perícia criminal quanto nos laudos da perícia médico-legal.
Esse fato é amplamente discutido por Alexandre Giovanelli e Grazinoli em livro, quanto afirmam que tanto a investigação policial quanto a prática pericial irão se pautar por esteriótipos socialmente construídos. Quer dizer, na verdade, prende-se o suspeito de sempre, e não com base em nenhum laudo técnico.
O aspecto meramente cartorário é predominante nas descrições da perícia. Isso vale tanto para a perícia médico-legal quanto para a criminal. Quer dizer, há todo um envolvimento de tempo e de trabalho numa dimensão absolutamente secundária, que é, digamos, a parte cartorária do inquérito policial.
Em linhas gerais, os resultados obtidos na pesquisa permitem refletir que o modelo pericial na delegacia de homicídios pode ser entendido como um modelo mais eficiente de fazer a mesma coisa; ou seja, não há uma mudança de paradigma a partir da criação da equipe de perícia da delegacia de homicídios do Rio de Janeiro, que vem fazendo um trabalho bastante razoável, como eu disse.
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Então, temos algo como se fosse um nó. Temos um nó, e esse no é de muito difícil resolução. Por quê? Porque ele está baseado no nosso modelo de inquérito policial. Eu tenho insistido muito sobre esse ponto, porque as pessoas confundem inquérito policial com investigação. Quem faz a investigação, no mundo inteiro, é a polícia. A investigação é um trabalho técnico, de produção de provas, de evidências empíricas, que possam servir de base para uma acusação.
A polícia brasileira não faz só a investigação, quando faz. Ela também produz um relatório juridicamente orientado, que é um inquérito policial. Ela toma depoimentos dentro da delegacia, depoimentos que são registrados com fé pública em cartório, sem a presença de contraditório, portanto sem a presença de qualquer produção de provas opostas àquela, como ocorre em outros países. E o resultado desses depoimentos é realizado no plano do Poder Executivo, porque a polícia pertence ao Poder Executivo. Portanto, o relatório teria que ser um relatório puramente administrativo, técnico, que será depois apropriado com base jurídica nas instâncias do Poder Judiciário. Não é o que acontece. Na verdade, o inquérito policial vai ser a única e exclusiva base do esclarecimento do crime, o que significa dizer que todo trabalho de elucidação está nas costas da polícia civil brasileira.
O Ministério Público vai repetir tudo outra vez, toda a tomada de depoimentos, para poder dar validade jurídica, judicial a ele, já que supostamente a tomada de depoimento na delegacia não vale nada. Repete-se tudo outra vez, isso leva a uma lentidão enorme e uma burocratização enorme no processo judicial brasileiro. E mais, o delegado tem um poder de indiciar, o que significa dizer que ele substitui claramente aquilo que em outros países é feito por um juiz de instrução ou pelo Ministério Público.
Então, é muito complicado mexer nisso, porque isso mexe em poder, mexe em relações de forças, mexe em relações de poder, que estão ligadas à criação dessa figura ambivalente que é o delegado de polícia. Por um lado ele é policial, por um lado ele está fazendo um trabalho que é feito por uma autoridade policial no mundo inteiro; e por outro lado, ele é bacharel em Direito, porque ele tem que fazer um relatório juridicamente orientado, ele já tem que fazer a instrução criminal numa etapa que é ainda administrativa, que ainda é prévia efetivamente à denúncia e à ação penal.
Esses são, a meu ver, problemas que exigem uma ampla reforma. Apenas eu falei sobre inquérito; evidentemente, que há muitos outros pontos importantes a serem modificados, a serem objeto de modernização na polícia brasileira.
Por favor.
Aqui nós temos uma correlação entre frequências de vítimas de autos de resistência e pessoas desaparecidas no Rio de Janeiro, entre 2003 e 2012. Eu poderia ter atualizado, não tive tempo, nós já temos dados mais atuais, que vão até 2014. Mas as duas curvas mantêm essa relação que é curiosa: quanto mais diminuem os homicídios e as vítimas de autos de resistência, vai aumentando o número de pessoas desaparecidas.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Professor, se me permite.
O SR. MICHEL MISSE - Senador, eu não quero dizer que haja uma correlação aí. O que eu quero dizer é o seguinte: eu suspeito que seja necessário estudar as pessoas desaparecidas, que é preciso verificar o que está acontecendo, não é isso?
Pois não, Senador.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A pergunta justamente era essa, porque fica claro esse processo no Rio de Janeiro. A gente já tem visto, há algum tempo, o aumento de desaparecidos e diminuição de vítimas de auto de resistência. É uma forma de mascarar.
O SR. MICHEL MISSE - Exato.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Mas não tem nenhum estudo conclusivo sobre isso?
O SR. MICHEL MISSE - Não tem. Não há estudo conclusivo porque apenas agora foi criada a Delegacia dos Desaparecidos. Nós solicitamos, pela OAB Seção do Rio de Janeiro, acesso aos dados dos desaparecidos para fazer construir uma amostra. Os dados não foram... Foram recusados, inclusive com base na Lei da Informação, à OAB, sob pretexto de que se tratava de sigilo.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Porque há essa correlação com o auto de resistência, mas há outra de homicídios. Houve uma redução de homicídios e também um aumento de desaparecimentos.
O SR. MICHEL MISSE - Na verdade, no caso de homicídios e pessoas desaparecidas, a correlação negativa é mais evidente ainda do que nesse caso.
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O Prof. Ignácio Cano, eu e outros especialistas no Rio fomos chamados para fazer uma pesquisa para uma organização não governamental e também não conseguimos os dados. Os dados não foram entregues até agora. Praticamente, estamos desistindo de fazer essa pesquisa que, digamos, surgiu a partir do caso do pedreiro Amarildo.
Então, são situações para as quais estou chamando a atenção dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito porque como podemos ter um diagnóstico que nos permita colocar foco em certas áreas se os dados são tão fracos ou são negados, não temos acesso a eles? Fica muito complicado.
Nesse caso das pessoas desaparecidas, temos uma única pesquisa que foi feita, muito bem feita, sob a consultoria do Prof. Gláucio Soares, que trabalhou com uma amostra, a meu ver, pequena, pouco consistente nesse caso, e chegou a resultados que já esperávamos: a grande maioria dos desaparecidos não tem o mesmo perfil das vítimas de homicídio doloso. Supostamente, não são o mesmo caso. Mas acho que precisaríamos avançar mais. Precisaríamos verificar não apenas o perfil, a semelhança, a diferença ou o contraste de perfis das vítimas, mas também buscar os casos em que há essa semelhança e que representariam cerca de 30% dos casos.
Por favor.
Pontos fundamentais da mudança. Temos em tramitação no Congresso a proposta do Senador Lindbergh Farias. Temos várias propostas que podem se complementar.
Vou apresentar apenas o que eu penso, a minha contribuição:
- Temos que deixar a cada Estado a decisão sobre a unificação ou não da Polícia Militar e Polícia Civil.
- Temos que desmilitarizar a Polícia Militar, transformá-la em política, porque militar não tem a ver com polícia. O militar é para matar, é para a guerra, não é para exercer o papel da polícia. Desmilitarizar ou então mantê-la apenas como uma força auxiliar, como no passado, dispensada o policiamento ostensivo, que seria feito por uma guarda civil.
- Acabar com o inquérito policial inquisitorial, substituindo-o por uma investigação técnica preliminar como em outros países.
- Caberá ao Ministério Público a tomada escrita de depoimentos, com contraditório, para decidir ou não pela denúncia.
- A investigação policial servirá apenas ao Ministério Público e não acompanhará mais o processo, substituída pelas provas técnicas obtidas na investigação e pelos depoimentos colhidos pelo Ministério Público, com contraditório.
- Polícias de ciclo completo, jornada de trabalho integral
- Perícia técnica autônoma e não subordinada às polícias
- Carreira única nas políticas, com fim gradual do cargo de delegado de polícia e da exigência de instauração do atual modelo de inquérito policial. Enfrentar também a necessária modernização da justiça criminal, transformando-a em um sistema verdadeiramente integrado, porque, atualmente, é um sistema fracamente integrado, quando se pode falar em sistema. Há especialistas que acham que não se pode nem chamar de sistema, porque simplesmente não há fluxo constante, sistemático entre as partes do que seria o sistema. É mais um arquipélago do que um sistema. A Polícia Militar é uma ilha; a Polícia Civil, outra ilha; o Ministério Público, outra ilha; o Judiciário, outra ilha; e o sistema penitenciário, outra ilha.
É basicamente essa a minha contribuição.
Agradeço muito o convite e espero estar à disposição sempre para contribuir com esta Comissão. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Gostaríamos de agradecer as três intervenções, que considero que darão uma contribuição muito importante ao nosso trabalho.
Passo a palavra ao Relator para que possa fazer as perguntas iniciais.
Saúdo a nossa Senadora Fátima Bezerra, a quem, logo após o Relator, darei a palavra, se assim desejar.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu passo logo a ela.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Está bom.
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O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A Senadora Fátima está nos prestigiando aqui desde o começo, faz parte desta CPI e viu os números do Nordeste, não é, Senadora? Viu o processo de interiorização da violência, o crescimento, principalmente nos Estados do Nordeste, não é, Senadora Lídice?
Então, falo logo depois da Senadora Fátima Bezerra.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Eu quero dar boa noite e agradecer ao Senador Lindbergh, Relator da CPI, e à Senadora Lídice, que a preside.
Cumprimento aqui os nossos convidados, Dr. Michel, Dr. Marcelo e Prof. Ignácio, pela importante contribuição que trazem ao trabalho da nossa CPI, que se insere exatamente dentro da realidade dramática no País que é a questão do assassinato de jovens.
A importante contribuição que os senhores trazem é fruto da pesquisa, Senador Lindbergh, e do estudo. De fato, os dados apresentados aqui pelos senhores chocam todos nós. Diante do quadro do Nordeste, ficamos a nos perguntar, Prof. Michel e Prof. Ignácio Cano: que fatores podem ter contribuído mais decisivamente para que naquela região tenhamos - como o Lindbergh falou - essa explosão de violência?
Tudo bem, o senhor mencionou, aqui na sua apresentação, a desigualdade social, a desigualdade regional, a importância da transferência de renda, os investimentos no campo do acesso à educação. Mas eu ousaria deixar para o Prof. Ignácio Cano a seguinte pergunta: esse alto índice de homicídio na adolescência no Nordeste, em uma região distante das fronteiras secas e menos urbanizadas que são o Sul e o Sudeste, se esse quadro, essa explosão de violência pode ter alguma relação com a cultura da violência, a questão patriarcal, do latifúndio? Estou colocando o questionamento para avaliação dos senhores.
O Rio Grande do Norte, infelizmente, figura aqui, juntamente com Maranhão e Bahia, entre os Estados em que, nessa última década, as taxas mais do que triplicaram, com Alagoas, Ceará e Paraíba. E o Rio Grande do Norte, infelizmente, continua apresentando essa realidade dramática.
De acordo com as pesquisas que estão sendo feitas no meu Estado, Senadora Lídice, somente nesses primeiros quatro meses e 18 dias, 373 jovens até 24 anos foram assassinados, de um total de 584; ou seja, 63%. Repito: nesses quatro meses e 18 dias. E ainda estamos com 19 não identificados.
Claro que volto a colocar que houve essa explosão no Nordeste com esse recorte que a violência tem com a questão do negro, com a questão do pobre.
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Além de toda essa análise que é feita de que isso tem relação com a desigualdade social e com a desigualdade regional, isso tem uma relação com a ausência de políticas públicas efetivas não só no campo do direito à educação, não só no campo do direito à cultura, ao esporte, ao lazer, etc.
Claro que não podemos aqui desconhecer o apartheid social que existe no País, em que pese, nessa última década, os esforços que houve por parte dos governos do Presidente Lula e dos governos da Presidenta Dilma. Algumas políticas sociais, e o próprio Bolsa Família é exemplo disso, vieram na direção de contribuir para diminuir esse fosso, para diminuir a desigualdade social. Mas o fato é que o quadro é ainda muito dramático.
Sobre o direito à educação, essa é a área, inclusive, em que milito, em que atuo mais. E gosto de trazer, para reflexão, um dado que me parece muito relevante, Lindbergh. São muito recentes as políticas que estão sendo adotadas neste País para começar a tratar do direito à educação do nosso povo como um direito universal.
E dou um exemplo: até o início desta década de 2000, não tínhamos políticas públicas voltadas para acolher as nossas crianças de zero a três anos. Essa política de promover o acesso da criança de zero a três anos à creche, como política pública, nasceu com Fundeb, nasceu agora, recentemente. E isso, por si só, ilustra exatamente a dívida que o Estado brasileiro tem com o acesso à educação das nossas populações, começando pela criança, passando pelo adolescente, até exatamente o adulto.
Então, não quero aqui me alongar. Quero dizer que acho que a ideia da CPI é importante, é necessária, porque ela vem exatamente na perspectiva de ser mais um espaço - não é, Senadora Lídice da Mata? -, de ser mais um instrumento para contribuir com a reflexão. Temos que fazer uma boa reflexão, temos que ter uma boa avaliação, temos que ter um bom diagnóstico, para, à luz disso tudo - não é, Senador Lindbergh? -, lutarmos pelo caminho mais adequado para reverter isso.
E não é simples. O senhor, inclusive, mostra aqui, por exemplo, a reformulação que teria que haver sob o ponto de vista do conceito do papel da polícia, sabemos disso. Acho que a coisa com que mais sonhamos no mundo, de repente, é com a Polícia Cidadã, a polícia da qual não se tem medo; pelo contrário, a polícia que seja amiga, e isso é um sonho de todo e qualquer cidadão.
Os problemas são enormes, porque vão desde a valorização dos trabalhadores da segurança pública, das condições de trabalho, por exemplo, da inteligência. Mais do que nunca, fala-se que, hoje, é fundamental você dotar as polícias dos instrumentos de inteligência, de forma suficiente para enfrentar essa realidade.
Então, quero deixar aqui essa nossa reflexão e aproveitar para dizer, Senadora Lídice da Mata, que estou apresentando já o requerimento, claro, para que a CPI possa também ir lá ao Rio Grande do Norte, até porque o nosso Estado, infelizmente, figura nesse mapa social da violência com esses índices alarmantes. É mais do que oportuno que façamos também uma boa audiência pública lá no Rio Grande do Norte, ouvindo os atores locais, a Polícia Civil, a Polícia Militar, a segurança pública, a Secretaria da Juventude, enfim, toda a área social. É importante também promovermos esse debate, esse diálogo lá, com o intuito exatamente de que possamos avançar na perspectiva de buscar soluções, e não apenas de fazer o diagnóstico, não apenas de constatar o problema, mas de buscar a solução.
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Senadora Fátima Bezerra.
Nós, esta semana ainda, tentaremos fazer uma reunião só para votação de requerimentos e poderemos votar esses e outros.
Agora, passo a palavra ao Sr. Relator, Senador Lindbergh.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Depois dos questionamentos feitos pela Senadora Fátima Bezerra, Presidente, vou começar me dirigindo diretamente ao Prof. Ignácio Cano.
Eu queria começar, como primeiro ponto, dizendo que, em um artigo de opinião escrito no jornal O Globo, "Faltam investigação e inteligência", o senhor afirma que, no enfrentamento à violência:
[Além de] políticas estruturais de longo alcance, como a inserção social dos jovens das áreas de risco ou a valorização dos profissionais da segurança pública [...] existem políticas de curto prazo que podem ser executadas sem grandes investimentos financeiros e sem mudanças legislativas. Entre elas [...]:
1. Plano de redução dos homicídios [...].
2. Diminuição da letalidade policial [...].
3. Adoção de um novo modelo de patrulhamento preventivo permanente [...].
4. Fortalecimento das corregedorias policiais [...].
Eu queria que o senhor falasse sobre isso.
Eu também gostaria que o senhor falasse mais sobre a diferença de concepções de segurança pública e segurança cidadã e sobre a importância e possibilidade do controle social sobre as polícias, conforme analisado em outro artigo de V. Sª, "Controle da polícia no Brasil".
Terceiro ponto, em relação à interiorização. Porque, na verdade, os dados trazidos pelo Prof. Ignácio Cano são muito fortes. Na verdade, tratava-se aqui de homicídios contra adolescentes. E estamos falando de juventude como um todo. Eu fiquei muito impressionado com os números, porque são homicídios contra adolescentes. E aqui há um processo de interiorização clara, principalmente no Nordeste e no Norte brasileiros. Eu gostaria que o Prof. Ignácio Cano falasse sobre isso.
Outro ponto é sobre política de guerra às drogas. A meu ver, é uma política que está fracassando no mundo inteiro. Eu queria saber a opinião sobre essa política de guerra às drogas. É uma política que coloca como centro da política de segurança não a defesa da vida, o controle de armas, mas o centro da política de segurança é o ataque ao tráfico de drogas. E temos visto concretamente no Brasil uma juventude que morre pela milícia, pelo tráfico e pela polícia; uma polícia que mais mata, mas também que mais morre.
Há um outro ponto aqui - e esta pergunta vamos fazer a todos -: os dados demonstram que a maior parte das vítimas de violência policial são homens jovens negros. A qual razão o senhor atribui esses dados?
Em relação à política de guerra às drogas também, Prof. Ignácio Cano.
Na verdade, Presidente Lídice, parece que há duas políticas. Há uma política dirigida às regiões da periferia, que é uma política clara. Eu não vejo uma política de guerra às drogas, por exemplo, no meu Estado, o Rio de Janeiro, em áreas nobres da cidade do Rio de Janeiro. Eu não vejo uma política de guerra às drogas em Ipanema e em Copacabana. Não vejo a polícia chegar atirando.
Então, eu queria... Esse é um ponto que acho importante, e é um dos temas que acho que temos, nesta CPI... Esta CPI abrange tantos temas! Eu falava aqui de reforma de Polícia. Vou falar sobre reforma de polícia, algumas questões, com o Prof. Michel Misse, mas acho que esse ponto de política de guerra às drogas é um ponto importante.
Por fim, a questão daquele número dos desaparecidos; gostaria que o senhor fizesse uma relação entre aumento dos desaparecidos e queda de homicídios, queda também nos autos de resistência. Essa é uma das perguntas para o Prof. Ignácio Cano.
Você quer que eu faça todas as peguntas?
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu queria que você pudesse fazer todas as perguntas, eu também tenho duas perguntas a fazer, e leríamos também os comentários do canal do e-Cidadania e da interatividade. Depois, passaríamos a palavra para que eles respondessem todos de uma só vez.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Ótimo.
Então, Prof. Marcelo Nery, tenho alguns questionamentos.
Quais os maiores desafios a serem vencidos em relação à apuração da epidemia de violência envolvendo jovens negros no País? Vi que há um estudo dos senhores sobre o caso de São Paulo, em relação ao caso concreto de São Paulo, já que há muitos dados na apresentação que o senhor fez.
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Aqui, nós sabemos que são jovens, negros, do sexo masculino. Ali, os senhores conseguem determinar, no Município, onde acontece. Mas eu queria também tratar de outros aspectos: a que horas acontece e em que situação acontece esse crime?
Eu falo isso, porque fui Prefeito de uma cidade na região metropolitana do Rio de Janeiro, e, lá, com Luiz Eduardo Soares - ele montou um gabinete de gestão integrada, em que juntávamos todas as polícias, prefeitura, governo do Estado -, em cima de um mapa, a prefeitura tomava algumas decisões a partir desses mapas concretos. Por exemplo, em relação a número de assaltos, às vezes, nós melhorávamos os números com políticas de iluminação pública. Em relação a homicídios na juventude, no caso de Nova Iguaçu - eu me lembro de que estudamos uma experiência de Diadema, que fez um levantamento -, também, essas ocorrências se davam, na maior parte das vezes, na sexta-feira, na madrugada, entre 22h e 4h da manhã; no sábado, na madrugada, entre 22h e 4h da manhã; e no domingo, também nesse ínterim.
Eu queria saber se existe esse nível de detalhamento no caso de São Paulo: em que situação e em que horas? Isso é muito importante para tirar consequências em termos de políticas públicas que se podem desenvolver naqueles horários, para determinado setor, em especial, para juventude.
Eu queria, encerrando a pergunta, Dr. Marcelo Nery, falar que, em sua participação na CPI da Violência contra Jovens Negros na Câmara dos Deputados, o senhor deixou claro que é preciso ter em mente que a violência não muda apenas no espaço, mas também no tempo; e que não é só a violência que muda, que não são só as relações sociais que mudam, mas os condicionantes que tornam o lugar mais ou menos violento. Eu cito a sua explanação: "Diante disso que estou falando, não dá para fazer uma política, uma ação de segurança pública nesse contexto e esperar que ela seja tão efetiva nesse outro contexto, simplesmente porque as coisas mudam no tempo e no espaço". Eu queria que o senhor aprofundasse esse tema aqui, para este nosso trabalho da CPI.
Em relação ao nosso Prof. Michel Misse, eu começaria com um questionamento. O senhor tem afirmado, em diversas entrevistas, que as polícias brasileiras não foram concebidas para conduzir investigações e que, para melhorar a segurança, é preciso modernizar a polícia e despi-la de seus aspectos militares. Que mudanças devem ocorrer para que isso aconteça? E como esta CPI pode ajudar?
Segundo questionamento. Em alguma entrevista, o senhor fala da necessidade de desmilitarização da polícia militar. Eu queria que aprofundasse esse tema.
A que motivo o senhor atribui a existência dos chamados autos de resistência, se existe a obrigatoriedade no Código de Processo Penal de que, quando a infração deixar vestígios, seja realizado o exame de corpo de delito?
O outro ponto é sobre o ciclo completo em relação à investigação. Há uma situação particular aqui, no Brasil, em que há a polícia militar fazendo o policiamento ostensivo e preventivo e outra polícia, a polícia civil, fazendo o trabalho investigativo. Na maior parte do mundo, o que acontece é que quem está lá na ponta e começa o trabalho preventivo faz também a investigação. Eu queria que o senhor avaliasse se isso interfere nessa baixa resolutividade de crimes no País, em especial em homicídios.
Por fim, sobre a polícia civil. É possível dizer que a precariedade da estrutura da polícia civil no País, em especial das perícias técnicas e dos institutos de criminalística, contribui para a ausência de investigação e permanência dos autos de resistência?
São essas as minhas perguntas.
Eu acho que seria importante, para nos ajudar na condução desta Comissão Parlamentar de Inquérito, para que daqui saíamos com proposições legislativas, com recomendações aos governos dos Estados e com participação do Governo Federal também, ouvir de cada um dos senhores uma opinião sobre esta CPI.
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São muitos temas correlatos. Qual a opinião dos senhores sobre esse trabalho? Por onde a gente deveria ir? Qual devia ser o centro do nosso trabalho aqui, nesta Comissão Parlamentar de Inquérito?
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Antes de fazer apenas três perguntas, quero ler aqui a participação daqueles que estão nos acompanhado.
O cidadão José de Paulo Santos, via Alô Senado (alosenado@senado.leg.br), de Minas Gerais, diz: "oitenta e nove por cento do povo brasileiro não mais acredita nesse atual sistema de segurança pública. Oito em cada dez brasileiros têm medo de ser torturados pelas polícias militares. A ONU já fez vários relatórios ao Governo Brasileiro propondo a desmilitarização das PMs."
Catarine Dias, por e-mail: "Com certeza, a causa primordial do fracasso vivido pelos jovens é a falta de investimento na educação."
Também via Alô Senado, Noêmia Maria Ferreira, de Goiás: "Eu acho que a violência acontece por falta de educação, estrutura familiar, influência do tráfico de drogas e a falta de apoio do Governo, para que o jovem possa continuar sonhando com a vida melhor."
Também via Alô Senado, Rodrigo Ferreira de Souza, do Distrito Federal: "Acredito que as mortes dos jovens brasileiros se dão em decorrência do uso de drogas lícitas e ilícitas."
José Paulo de Santos, de Minas Gerais, pelo Alô Senado: "Enquanto a bandidagem está mais armada do que as Forças Armadas, a PM de Minas prende homens honestos devido ter encontrado balas velhas dentro de baús velhos nas periferias. Quem mata no Brasil é a bandidagem, não os homens honestos."
Bruno Queiroz, do Distrito Federal: "É preciso ter igualdade na distribuição de renda e investimento na educação para jovens."
Dewilson Fernandes, do Rio Grande do Norte, Senadora Fátima: "Sugiro que existam mais iniciativas governamentais para jovens em situação de risco e que as iniciativas englobem os campos da cultura, do lazer, da educação, da responsabilidade social. Só assim daremos oportunidades para os jovens escaparem da violência."
Essas são algumas das contribuições que vieram através do portal e-Cidadania, do Senado.
Eu gostaria também de fazer três perguntas que complementam as perguntas do Senador Lindbergh.
A primeira é uma pergunta ao Prof. Michel Misse: diante daquelas propostas que o senhor apresenta, por que deixar a decisão para cada Estado em termos de unificação da polícia? A sua compreensão da modernização da polícia passa pela ideia de uma polícia mais fragmentada? Hoje nós temos polícias estaduais unificadas.
Eu, pessoalmente, acho que precisaríamos debater um sistema em que coubessem polícias municipais, polícias metropolitanas, descentralizadas e não unificadas em torno da Polícia Militar; que tivéssemos outro tipo de polícia em que pudesse até existir menos a autoproteção. Na medida em que há uma corporação grande, unificada, ela leva a uma atuação corporativa muito grande nos casos de infração, de defesa, de autodefesa, de autoproteção.
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Ponto dois: geral. A tese do deslocamento.
Há um deslocamento, pelas duas pesquisas apresentadas, do crime do Sudeste para o Nordeste, a migração do crime.
Há, geralmente, no Nordeste, por parte dos governos, uma explicação do aumento da criminalidade devido ao deslocamento, pelo combate mais intenso ao crime, principalmente ao tráfico de drogas no Sudeste do País, que levaria a um deslocamento do criminoso para o Nordeste brasileiro.
A relação é essa, a principal? As pesquisas indicam isso ou não há dados que possam explicar isso? Ou simplesmente a maior concentração de pobreza no Nordeste leva a essa concentração da criminalidade, relacionada portanto à falta de perspectiva, à falta de engajamento da juventude em projetos novos, o que a leva a ser atraída para o tráfico de drogas ou outros tipos de crimes?
E eu queria complementar, Senador Lindbergh. Não fiz um levantamento do fim de semana do meu Estado, mas apenas tenho notícias rápidas que chegaram e ficaram gravadas na minha mente neste fim de semana, na Bahia. Um jovem foi assassinado em Feira de Santana, no meio da rua, à luz do dia. Chegaram pessoas num carro, saltaram, mataram, executaram.
Outra notícia, do dia seguinte: os jovens foram retirados à noite de dentro de casa e executados no Alto de Coutos. É outro tipo de assassinato.
Falo de duas execuções: uma numa cidade do interior, a maior cidade do interior próxima de Salvador, a maior cidade do Estado, segunda maior cidade do Estado, e outra dentro de Salvador, num bairro popular, no subúrbio, que é a execução direta.
E uma terceira questão. Estamos investigando jovens, entre quem se concentra, pela pesquisa, o maior número de mortes violentas, entre 19 e 24 anos, portanto, na faixa etária dos jovens. Mesmo assim, a pesquisa abrange de 12 a 19, que é uma faixa de adolescência. E ainda diria que há também um grande número de crianças que são assassinadas na periferia das grandes cidades. Aí não dá para dizer que a criança é autora de crime. Você chega até a concluir...
No caso dos jovens que são assassinados, nesses dois casos que citei aqui, executados de forma específica, a população em geral não quer nem averiguar o crime. Para ela, a leitura está clara, e está também para as autoridades policiais. Trata-se de caso de mortes de envolvidos com o tráfico de drogas.
Esse enunciado dá, no Brasil, o direito de matar e o direito de morrer, digamos assim. É licença para matar e para morrer. Se está envolvido com tráfico de drogas, é como se houvesse a licença para matar e para morrer. E não se trata mais de a polícia investigar nada. É briga de quadrilha. A polícia está fora disso, o que é uma coisa extremamente estranha.
E o último caso a que eu ia me referir, a última notícia é de uma criança que recebe um tiro no rosto, com menos de onze anos de idade, enquanto estava passando no bairro com o seu pai. Uma bala perdida, uma bala vinda de algum lugar atinge a criança no rosto.
O número de crianças assassinadas e feridas nos bairros populares por balas perdidas é impressionante.
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Temos um caso exemplar, digamos assim, de um menino que foi assassinado, atingido por uma bala perdida, há dois anos, em Salvador, no Bairro do Nordeste Amaralina, dentro de casa, na sala, com o pai: ele é atingido e morre.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Isso para não falar no caso de um mês atrás, Eduardo Jesus Ferreira, lá no Complexo do Alemão, de dez anos de idade.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Exatamente. Esse menino tinha mais ou menos essa idade.
Veja bem, quando se trata dos casos de criança, também não há averiguação, também não há identificação dos responsáveis, e julgamento também não há.
Então, o discurso do tráfico de drogas é paralisado. Quando se trata de criança, não há o que discutir. Em geral, a origem, a autoria é da Polícia, em geral, mas há também a autoria de outros membros. Volto a dizer que, ainda assim, não há investigação; ainda assim, não há conclusão de inquérito; ainda assim, não há dados para que uma pesquisa chegue a uma conclusão maior.
Era só.
Voltando na mesma direção, passo a palavra para o Prof. Ignácio Cano.
O SR. IGNÁCIO CANO - Obrigado, Srª Presidente.
Vou tentar responder, então, alumas colocações. Depois, vou fazer também algumas colocações pessoais.
Em relação à situação do Nordeste, respondendo à Senadora Fátima, o fator cultural não é o melhor para explicar essa explosão de violência, porque a cultura é mais ou menso estável, muda lentamente e o que nós tivemos nos últimos dez ou quinze anos no Nordeste foi justamente uma explosão de violência.
O Nordeste se modernizou. É claro que os fatores culturais existem: o patriarcalismo, a violência no campo, etc. Mas, se esse fosse o problema central, nós teríamos vivido uma diminuição e não o aumento da violência.
A verdade também é que não sabemos o que explica essa explosão da violência no Nordeste. Só sabemos uma coisa: o Nordeste foi a área do País que mais se beneficiou dos programas de transferência de renda e de redução de pobreza. Nós sabemos que só diminuir a pobreza e a desigualdade não é suficiente para reduzir a violência; precisamos de outros elementos. Algumas das dinâmicas que podem ajudar a entender em alguma medida a situação do Nordeste é o rápido crescimento demográfico e econômico de algumas cidades, atração de populações jovens e atuação de círculos criminosos nesses contextos. Se não é uma explicação satisfatória, mas um princípio de explicação.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Bem rapidinho, professor, quero só dizer que concordo com a sua leitura, com a avaliação que o senhor fez. Fiz a pergunta exatamente para efeito de reflexão, mas concordo com essa leitura exatamente que o senhor faz.
Claro que, de repente, o que nos inquieta é o fato de que há a concentração da pobreza, mas reconhecemos, como o senhor mesmo colocou, que nesses últimos anos houve um combate maior à questão da desigualdade social. No entanto, a violência aumentou.
Mas, como o senhor mesmo está colocando, isso pode se dever ao fato do processo urbanizatório.
Só para dizer que concordo com a sua leitura.
O SR. IGNÁCIO CANO - Em relação também ao comentário da Senadora Lídice sobre possível deslocamento do Sudeste para o Nordeste, essa questão do deslocamento criminal se discute muito. Mas, realmente, do Sudeste para o Nordeste seria um deslocamento muito grande. As evidências que existem são pequenas, de que há pequenas infiltrações de alguns grupos criminosos do Sudeste no Nordeste, mas nada que ajude a entender essa explosão de violência.
A explosão de violência tem que ser entendida em função de dinâmicas internas e não em função da influência do Sudeste sobre o Nordeste.
Em relação aos desaparecidos, digo que essa correlação negativa entre desaparecimentos e homicídios se quebra em 2012, porque temos um aumento dos homicídios no Rio a partir de 2012 e os desaparecimentos continuam aumentando. É uma situação complexa que precisa ser estudada. Eu queria deixar claro que não é uma questão simples como pode parecer, as pessoas às vezes acham que: "Ah, então todos desaparecimentos são homicídios mascarados." Não são. A situação é bem mais complexa do que isso. Só para deixar esse alerta.
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Em relação a por que os negros morrem tanto neste País, há duas explicações claras: a primeira, como o Professor Marcelo Nery já disse, é a questão do preconceito. Nós temos uma pesquisa que mostra, por exemplo, que, se você entra em um confronto armado com a polícia no Rio de Janeiro, há duas situações: se você é branco, você tem 8% a mais de chance de sobreviver a esse confronto armado do que se você for negro. E isso funciona tanto dentro quanto fora da favela. Então, há o elemento do preconceito.
O segundo elemento, obviamente, é a desigualdade socioeconômica. Os negros, no Brasil, têm uma situação muito mais desfavorável do ponto de vista socioeconômico, e está claro - todos os estudos mostram - que as grandes vítimas do homicídio são pessoas de baixos recursos.
Então, os negros são afetados por esses dois elementos.
Nos últimos anos, nós vivemos - e acho isso positivo para o Brasil - uma reflexão sobre a questão racial na sociedade e na violência, que antes passava batido. Hoje, pelo menos, temos um início de reflexão nesse sentido.
Em relação à interiorização, só dizer que, às vezes, as pessoas interpretam que o crime e a violência foram para o interior do País, para os âmbitos rurais. Os dados mostram que não é isso. Foi para o Nordeste, mas foi para as cidades do Nordeste, cujas cidades com mais de 100 mil habitantes continuam sendo as que praticamente sofrem uma incidência muito maior da violência letal.
Sobre a questão da letalidade, nós temos, realmente, um problema sério no Brasil com a letalidade policial. Nós somos, provavelmente, o país, no mundo, cuja polícia mata mais gente. Os números são tão elevados que, às vezes, quando a gente os apresenta no exterior, as pessoas dizem que há um zero a mais, dois zeros a mais. As pessoas não acreditam que esses sejam os números de pessoas mortas pela polícia.
E isso, infelizmente, não gera uma reação nem do Poder Público, nem da sociedade como deveria. Então, falamos de controle da polícia, como o Senador mencionou, mas o controle não existe. O controle não existe, porque o Ministério Público, em muitos Estados, entre eles o Rio de Janeiro, não faz o seu trabalho de controle dessas mortes. Agora, o CNMP está começando a se preocupar com essa questão.
Mas é inaceitável que pessoas sejam mortas pela polícia sem uma investigação sistemática!
No Conselho de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro, nós acompanhamos algumas dessas investigações e descobrimos coisas como as seguintes: os depoimentos dos policiais que participavam do evento eram copiados e colados, não haviam sido tomados independentemente; a apreensão das armas era virtual. Na verdade, a arma era devolvida ao policial e não era apreendida. O Comandante do Batalhão era oficiado duas semanas depois para entregar essa arma, que tinha ficado essas duas semanas na rua sendo utilizada antes da perícia, inviabilizando obviamente a perícia.
Então, o Ministério Público, o Judiciário e a sociedade têm uma grande responsabilidade na fiscalização da letalidade policial.
Em relação à questão da...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Professor Ignácio Cano, eu, inclusive, queria dizer aos senhores todos, em relação a essa questão do Ministério Público - e esse é um ponto importante para a CPI -, que nós queremos ter uma conversa com o Conselho Nacional do Ministério Público. Então, seria muito importante se os senhores pudessem passar essas informações de forma mais detalhada, porque eu acho que este é o tipo de espaço em que esta CPI pode atuar, fazendo uma intermediação, conversando com o Procurador-Geral.
Então, esse é um ponto muito importante, ou seja, o papel do Ministério Público.
O SR. IGNÁCIO CANO - E do Judiciário também.
Eu convido V. Exªs a lerem a determinação judicial, no Rio de Janeiro, relativa àquela morte do suspeito chamado Matemático, que foi fuzilado por um helicóptero e cujas imagens... A determinação judicial que arquiva esse caso considera que aquilo foi perfeitamente justificado, que os policiais, inclusive, sofreram uma violação por serem investigados por aquela morte, que eles têm é que fazer mais operações daquele tipo.
Então, é importante a gente entender que a polícia mata não só porque a polícia mata, mas porque outros órgãos do Estado não fazem a sua parte.
Em relação à guerra às drogas, eu acho que fica claro, cada vez mais, para muita gente, que a guerra às drogas foi uma das grandes tragédias do século XX em que a humanidade embarcou. Gerou uma quantidade de vítimas muito grande, gerou corrupção, gerou violência e não resolveu o problema de saúde pública que as drogas obviamente provocam.
Então, recentemente, os Estados Unidos da América, que foram o país que patrocinou, que difundiu a guerra às drogas, já falaram, por meio do seu governo federal, que não se faz guerra contra os seus próprios cidadãos, que essa guerra foi um grande equívoco, cujo preço continua sendo pago até hoje. Países da América Latina, como a Colômbia, como o Brasil, sofrem um custo social elevadíssimo dessa guerra.
Infelizmente, ainda o Brasil não discute políticas de descriminalização das drogas como o Uruguai já está implementando e como outros países já estão discutindo.
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Infelizmente, o Brasil está na contramão da evolução da América Latina no mundo, no sentido de descriminalizar ou, pelo menos, promover políticas de redução de ganhos. O que vemos aqui é a internação compulsória de usuários, contra seus direitos fundamentais em vez de se trabalhar na direção redução de ganhos. Sem dúvida nenhuma, temos que desmontar essa guerra às drogas. Esse tipo de policiamento associado à guerra às drogas é perverso. É perverso para a sociedade e para a própria Polícia. Temos que gerar outro tipo de policiamento cujo primeiro objetivo deve ser abandonar essa ideia de guerra ás drogas. No Rio de Janeiro, temos as UPPs, cuja vantagem é justamente inverter a prioridade: em vez de correr atrás de drogas, tem que correr atrás de armas e atrás da violência. Tráfico de drogas existe no mundo inteiro, com níveis de violência muito interiores.
Às vezes, as pessoas acham que o problema são as drogas,. Drogas há em Copenhagen, há em Toronto, há em qualquer lugar. E são ilegais, mas não geram o nível de violência que sofremos. Até nas UPPs, hoje em dia, os policiais são premiados por apreender drogas. Ganham um ou dois dias livres por apreender drogas, ou seja, o incentivo continua a ser o de perseguir drogas como elemento central da política. isso tem que mudar.
Em relação ao que esta CPI poderia fazer, tenho duas sugestões: a primeira, mais importante, acho que esta CPI poderia conversar com o Governo Federal, que tem muitas ocupações obviamente, e tentar deslanchar esse Plano Nacional de Prevenção aos Homicídios, que o Governo Federal está considerando, mas que não acaba de sair. E, posteriormente, esta Casa poderia acompanhar a implementação desse plano. Ele tem que ter metas periódicas.
Então, esta Casa, o Parlamento brasileiro tem, acho, uma função muito importante: acompanhar a implementação desse Plano Nacional de Prevenção aos Homicídios.
Por último, embora não tenha sido perguntado, já que estou nesta Casa, vou me permitir a liberdade de dizer o seguinte: estamos falando da associação entre desigualdade e violência. A primeira desigualdade que existe neste País e está na lei é a prisão especial. É um escândalo que pessoas tenham direito a uma prisão mais favorável só porque têm terceiro grau. É uma forma de dizer o que a lei não teve coragem de dizer: que pessoas ricas, com educação, têm um tratamento penitenciário diferente.
No exterior, quando apresentamos isso, todos dizem: "ah, quer dizer que as pessoas dão um jeitinho, não é?" elas não acreditam que a lei brasileira diz isso. Então, acho que está mais do que na hora de a lei ser mudada.
As prisões brasileiras são terríveis? Devem ser iguais para todo mundo. E, talvez, se a elite brasileira for às prisões, elas melhorem em suas condições.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Professor, eu quero avisar que, a partir de agora, ou seja, a partir de um minuto, deixaremos de ser transmitidos pela TV Senado, por conta da nossa programação permanente, já estabelecida pelo Senado Federal, de acompanhamento do plenário. No entanto, continuaremos. Quem está nos acompanhando pode continuar a fazê-lo através do nosso site, que também está transmitindo. Nós poderemos continuar recebendo a sua colaboração pelo portal e-cidadania.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Apenas para reforçar, Senadora, lembro que esta audiência pública será retransmitida, na sua totalidade, durante a semana.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não teremos prejuízo. Quem puder assista depois,mas quem está assistindo neste momento não vai poder assistir ao vivo, diretamente, como estamos até agora. A partir de agora, não mais.
Eu gostaria de passar a palavra ao Dr. Marcelo para que ele pudesse responder.
O SR. MARCELO NERY - Há várias questões. Primeiro, falo aqui que, felizmente, concordo em quase cem por cento com o que o Prof. Ignácio Cano disse, o que é incomum para quem trabalha com segurança pública porque realmente há falta de consenso sobre várias questões. Felizmente, parece que essa banca aponta no mesmo caminho.
Com relação à possibilidade de verificar as informações por hora das ocorrências de homicídios, digo que, em 2008, ou seja, em um período anterior à Lei de Acesso à Informação, tive acesso a um conjunto de informações da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, oriundo do Infocrim.
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O Infocrim é um sistema informatizado dos boletins de ocorrência. Eu tive acesso a uma parcela desses dados e, com esses dados em 2008, foi realmente possível verificar a situação e o horário do dia.
E não só de homicídios, tive dados de roubos e furtos, por exemplo. Era interessante observar, por exemplo, que, em São Paulo, roubos ocorridos em transportes coletivos eram mais comuns no período noturno; enquanto o furto é no período matutino.
Com relação a homicídios também: naquela época, foi possível identificar que os homicídios aconteciam com maior frequência nos finais de semana, da noite até a tarde de domingo. Então, acontecia mais ou menos nesse período da semana com maior frequência e no período noturno era mais frequente do que no período matutino ou diurno.
Então, realmente existe essa informação, mas eu citei, tive acesso a essa informação no período anterior à Lei de Acesso à Informação, porque essa lei não resolveu nada. É muito comum, nós, pesquisadores, solicitarmos acesso à informação e simplesmente não é dada essa informação. Ou eles falam que é por uma questão de sigilo ou alguma questão estratégica, ou ainda eles relatam que foi formada uma comissão que vai julgar a pertinência do pedido do dado - uma comissão que, muitas vezes, ainda não existe e que, do ponto de vista de um período de pesquisa, retarda o acesso à informação até um ponto onde você não precisa mais daquela informação porque não adianta.
É uma vergonha que o dado a que nós temos acesso seja de 2012! Ninguém pode falar nada mais recente do que isso no País. É uma vergonha!
Mas uma coisa é existem dados, um conjunto de dados, que são raros, são poucos e aqueles a que a gente poderia ter acesso não tem.
A segunda questão, os maiores desafios para apuração dos homicídios, começa por aí. A gente não sabe o que acontece, porque é uma caixa-preta, a que muito poucas pessoas têm acesso. E a gente começa a especular por que a gente não tem acesso. Será que não é porque as pessoas acreditam que essa informação permitiria crítica ao trabalho? Ou será que as pessoas têm consciência do quão ruim é a sua informação a ponto de, se eu divulgar essa informação ruim do que jeito que é, vai ficar claro que meu trabalho é péssimo e, por isso,eu não vou dar acesso a essa informação? Tudo isso vale no ponto da especulação, porque simplesmente a gente não tem acesso a informações de qualidade.
Mesmo com o sistema nacional que nós temos hoje. Isso é um problema, na verdade, amplo, porque pensando na Conferência Nacional de Segurança Pública, por exemplo, houve uma no País. Enquanto sobre saúde houve dezenas. O problema da saúde é muito maior do que o da segurança neste País? Não. Mas, na história deste País, nós tivemos uma única Conferência Nacional de Segurança Pública. Uma! Então, parece que o problema não é tão grave assim.
Dentro desses nossos desafios, está a questão também da transparência no acesso à informação, o que não há hoje. Há necessidade de os dados serem nacionais e comparáveis para fazer uma análise não só do ponto de vista global, mas esses dados têm que permitir a análise local do problema. Então, vocês verificam que existe tecnologia? Existe. Existe dinheiro? Sinceramente, existe, porque o dinheiro investido em segurança pública neste País é um absurdo de alto. São milhões e milhões de reais direcionados à segurança pública. O problema é dinheiro? Atualmente, sou capaz de falar que o principal problema não é dinheiro, mas é a qualidade do uso desse dinheiro.
Bom, então, nós temos dados, nós conseguimos ter tecnologia, nós temos investimento, mas nós não temos transparência. Associando, por exemplo, o que foi falado pelo Michel Misse, o Prof. Sérgio Adorno, do NEV/USP fez um trabalho semelhante em São Paulo. Ele pegou dados de 1991 a 1997, boletins de ocorrência e verificou quantos se transformaram em inquérito, quantos efetivamente chegaram a julgamento. Coincidentemente, só 8% chegaram a julgamento.
Então, nós também vemos uma questão fundamental aqui, que é a questão da impunidade, porque nós sabemos da impunidade. Existem várias linhas teóricas que falam em custo/benefício. Qual é o benefício de eu cometer um crime neste País mediante o risco de eu ser preso? Enquanto estiver na mente das pessoas essa possibilidade de impunidade, o risco de a pessoa se envolver em um crime é muito alto. Isso é fato.
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Que fato? O fato de que, para muitos jovens da periferia, a única opção viável de conseguir dinheiro é se envolver com o tráfico de entorpecentes. Isso também é um fato.
É um fato falar para esses jovens, por exemplo, que droga é uma coisa que vicia, sim, mas é uma coisa que dá prazer. Então, eles têm que optar por não conseguir drogas, apesar do prazer que a droga dá. Temos que falar isso para o jovem? Temos. Temos que falar para o jovem: "Você não vai se envolver com tráfico de entorpecentes porque a chance de você ser morto é muito alta." Mas ele fala: "Pô, mas qual é a chance de eu ser pego? E, espera aí, eu trabalho o mês inteiro para ganhar o salário mínimo, mas com o tráfico eu consigo R$1 mil por semana." Tudo isso é dado objetivo. Tudo isso é um cálculo que pode ser feito. Tudo isso retrata a realidade do País no momento.
Citei já na CPI, e isso cito sempre, que a violência muda no espaço e no tempo. O que acontece? Vamos imaginar que existe um lugar muito violento. Imagine que você vai fazer uma política de segurança pública naquele lugar e a violência começa reduzir. A política de segurança pública que você começou a aplicar e começou a dar resultado, à medida que a violência cai, perde a força e se torna necessária uma política mais adequada àquele novo contexto naquele outro momento.
Outra questão: a mudança demográfica, como foi falado pelo Prof. Ignácio Cano, é fundamental. Imaginem uma comunidade onde só há casas e todas são vendidas. Agora, há prédios naquele mesmo lugar. A dinâmica social é a mesma? Não! A dinâmica da violência vai ser a mesma? Também não!
Com relação à migração, que foi falada aqui, uma coisa é a migração no sentido mais correto da palavra, antes da violência. Em São Paulo, por exemplo, depois que aumentaram a segurança em estabelecimentos bancários, houve uma migração do crime a banco para roubo de cargas. Isso é uma migração. Houve uma migração para o interior, do Sudeste para o Nordeste? Não, não houve uma migração nesse sentido. O que houve é que existem circunstâncias específicas naquele lugar, contextuais, relacionadas à questão da pobreza, da renda, da infraestrutura, do fácil acesso a armas, do fácil acesso a drogas, à questão do alto consumo de bebidas alcoólicas por jovens, tudo isso é contextual.
O problema é que não temos informação qualificada para identificar qual é o problema naquele momento. Então, vou para a questão fundamental: o que a CPI deve fazer? Concordo plenamente com o Prof. Ignácio Cano sobre o plano nacional de redução dos homicídios, mas esse plano é nacional pensando na perspectiva de que cada lugar tem um problema específico. Um plano nacional é um problema para todos no País? Sim. Vamos unir forças? Sim. Independe da questão partidária, eleitoral? Muito bem. De que maneira fazemos isso? Tem que ser uma mudança cultural também.
Tenho muito acesso a policiais, por exemplo. Para eles, eu poderia falar que, infelizmente, existe uma cultura que gera estereótipos, uma cultura que dificulta o trabalho deles, uma cultura que os torna vítimas também de homicídio, uma cultura que torna o trabalho dele, como várias vezes o NEV fala, de enxugar gelo.
O próprio policial fala: "Por que vou prender aquele moleque, se, daqui a pouco, ele vai estar aqui, na rua, de novo?"
Pensem nesse contexto. Pensem na impunidade. Pensem em tudo o que falei. E vocês vão ter o quadro que mostra o problema que temos.
Outra coisa fundamental, só para encerrar. O NEV/USP fez a seguinte pergunta em uma pesquisa de opinião: "Nos últimos 24 meses, você, população, se reuniu para discutir problemas relacionados à segurança pública?" Cinquenta e cinco por cento da população, e isso foi feito em 11 Estados do País, em 11 capitais, disseram que jamais ser reuniram para tratar da questão. Então, além da questão do plano nacional de redução dos homicídios, também essa CPI poderia pensar em um trabalho de sensibilização, não só do Poder Público, dos agentes da segurança, mas da própria sociedade, de que eles têm um problema.
Segurança cidadã é a única maneira de resolver o problema de segurança pública neste País.
Obrigado pela oportunidade.
Encerro por aqui. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Por último, o Prof. Michel Misse.
O SR. MICHEL MISSE - O tema é muito complexo. Nós estamos com acúmulo de questões.
Nós temos um paradoxo: temos um processo de encarceramento em massa, no Brasil, nos últimos anos, e, ao mesmo tempo, uma baixíssima taxa de elucidação de crimes. Isso é um paradoxo. Vamos aumentar a taxa de elucidação? Nós vamos aumentar mais ainda o encarceramento. Isso coloca claramente a raiz do problema.
Se olharmos o sistema penitenciário, vamos verificar que a maioria das pessoas que estão em prisão provisória ou cumprindo pena está ali por pequenos delitos, principalmente tráfico de drogas, geralmente são pequenos comerciantes a varejo de tráfico; furto, uma parte importante por furto; e outros crimes como estelionato, fraude, dano etc.
O número de homicidas que frequentam o sistema penitenciário é muito baixo. E a maioria dos que frequentam por homicídio são por crime passional, isto é, são aqueles que não matam constantemente. Então, esse é um lado do problema. Nós estamos prendendo mal, estamos condenando mal, por um lado. Por outro lado, não estamos conseguindo investigar e prender os casos em que efetivamente poderemos supor que seria necessário prender.
Portanto, essa questão está vinculada a um problema muito mais amplo que não vamos tratar aqui, mas é conhecido de todos. Quem está preso, quem está sendo processado são os subcidadãos. Não são os cidadãos, são os subcidadãos. Inclusive os menores, as crianças e os adolescentes que estão internados também são subcidadãos, isto é, são aqueles que não têm acesso aos direitos mais elementares. Então, estamos punindo quem não tem acesso aos direitos.
Esse é um ponto, a meu ver, nevrálgico, nesse momento, no Congresso Nacional, que está discutindo aumentar a maioridade, que está discutindo suavizar a lei do desarmamento. Então, esses são pontos nevrálgicos. Em vez de avançarmos, estamos...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Para trás.
O SR. MICHEL MISSE - Para trás. Indo para trás.
Então, esse é um ponto que eu gostaria de lembrar.
A questão que a Senadora Fátima Bezerra coloca é muito importante. Nós não temos pesquisas ainda suficientes. Já existem pesquisas em várias capitais do Nordeste, mas ainda não temos...
O que podemos dizer - e eu tenho defendido essa tese - é que os mesmos fatores que levaram ao incremento da violência no Sudeste, a partir dos anos 70, estão presentes agora, no Nordeste. Isso tem a ver com urbanização, tem a ver com toda essa mobilidade demográfica, tem a ver com a modernização da sociedade. Portanto, com o aumento da violência que aparece com grupos de proteção, de pistolagem, que existiam no meio rural e se transferiram para o meio urbano. E a expansão dos mercados ilegais, principalmente varejo de drogas.
Aí entra a questão, com a qual concordo inteiramente, de que essa guerra das drogas é um absurdo. Temos que romper com isso. Até mesmo políticos moderados em relação a essa discussão têm defendido claramente uma guinada nessa discussão. E, no entanto, isso não entra na pauta, não é tratado como deveria ser.
O Senador Lindbergh me pergunta sobre a Polícia, que deveria fazer, mas não faz a investigação. O problema é que essa Polícia tem que fazer a investigação, tem que tomar depoimento, tem que ter cartório, tem que fazer o inquérito.
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Ela está fazendo coisas demais. A ela caberia exclusivamente fazer...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - No caso, a Polícia Civil.
O SR. MICHEL MISSE - A Polícia Civil. Ela tem de fazer só a investigação. E a investigação não é essa confusão que eles criaram, porque eles já querem provar no plano da polícia. A polícia não tem que provar. A polícia tem que levantar evidências. Quem vai provar é, depois, lá no julgamento.
Então, essa preocupação que a polícia tem de construir uma verdade a respeito da dinâmica do crime é muito complicada. Isso não permite a ela uma eficiência no plano da produção de evidências, de evidências empíricas. Qualquer pesquisador produz rapidamente evidências que o policial tem mais dificuldade de produzir, porque ele está engatado, digamos, nessa carapaça jurídica que é o inquérito policial.
Por outro lado, há a questão da desmilitarização. A Polícia Militar não fazia policiamento ostensivo. Ela era uma força auxiliar. Ela era chamada para manutenção da ordem pública. Ela começa a fazer policiamento ostensivo durante a ditadura militar, isto é, a partir de 1969, 1970, e não saiu mais. Ora, com isso, nós passamos a ter duas polícias: uma polícia que fica nas ruas e outra polícia que não tem nenhuma relação maior com a primeira, que é encarregada da investigação. Evidentemente que isso não pode dar certo.
Por que eu proponho que isso seja resolvido em cada Estado? Por uma razão política. São polícias estaduais. O federalismo brasileiro não facilita absolutamente uma decisão nacional nesse plano. Se facilitasse, eu não teria nada contra, se houvesse uma formulação nacional. Agora, eu acho que politicamente é mais fácil avançar permitindo. Até porque também há diferenças em cada Estado. Há Estados onde essa separação pode ser melhor, pode ser mais eficiente, e há outros Estados onde não. Acho que isto permitira uma maior flexibilidade: tirar da Constituição esse engessamento e deixar que isso pudesse ser objeto de reformulações até que se chegasse a um modelo satisfatório.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Sr. Misse, se o senhor me permite, até porque sou autor da PEC 51, que foi elabora em conjunto com o Prof. Luiz Eduardo Soares, que trata dos temas - na verdade, trata da desmilitarização, do ciclo completo, de a polícia ter um ciclo completo e da carreira única -, nesse caso, está expresso na PEC 51 que os Estados é que decidirão sobre a forma de funcionamento das suas polícias. Dou o exemplo do caso do Rio de Janeiro. No caso do Rio de Janeiro, qual seria, no nosso entendimento, a melhor forma de funcionamento? A Polícia Militar viraria uma polícia civil de ciclo completo e a atual Polícia Civil nós transformaríamos em uma polícia civil de ciclo completo, mas ligada ao combate ao crime organizado. Nós faríamos isso, em vez de unificar. Claro que, se algum Estado decidir pela unificação, haveria a unificação. Mas acho que, dessa forma, se estabelece a possibilidade de os governos estaduais, por suas assembleias legislativas, organizarem melhor o funcionamento daquelas polícias. E como V. Exª falou aqui, há a possibilidade da existência de polícias municipais, polícias metropolitanas. No mundo inteiro, o Prof. Michel Misse sabe disso, as polícias, nos Municípios, são uma realidade e funcionam num trabalho de integração com outras polícias.
O SR. MICHEL MISSE - Eu sou inteiramente favorável à municipalização, desde que ela não siga, como está acontecendo no Brasil, o modelo da Polícia Militar. Quer dizer, em vez de você criar uma polícia mais próxima, uma polícia de proximidade, você está reproduzindo o mesmo modelo que já não deu certo, que é militarista. Inclusive, a questão do porte de arma é um problema em certas áreas, enfim.
Eu acredito que, se nós pudéssemos dividir entre as duas polícias as áreas de competência delas para que o exercício do ciclo completo pudesse se dar, seria certamente muito melhor. A Polícia Militar poderia ficar encarregada dos crimes de rua, aqueles em que ela pode realmente fazer a investigação, e a Polícia Civil ficaria encarregada dos crimes, como a Polícia Federal, que exigem investigação de mais longo prazo.
Bom, os fatores dos autos de resistência com o corpo de delito.
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Muitos casos de auto de resistência é que o corpo... Primeiro, a Polícia não diz que a pessoa morreu no local; diz que ela está ferida e vai ser levada para o hospital. Com isso, desmancha-se a cena do crime. E, na verdade, muitas vezes, a pessoa já morreu. Então, você está levando um cadáver para o hospital. Aí, quando chega ao hospital, o hospital constata que a pessoa está morta. Você já não tem mais a cena do crime, ela já foi desfeita, e a morte agora vai constar como tendo ocorrido no caminho para o hospital.
Exames de corpo de delito não são feitos porque quem está encarregado de investigar o caso está muito próximo do autor. Então, fica muito difícil também. Seria preciso que a investigação dos autos de resistência ficassem com um setor da Polícia Civil mais distante da circunscrição onde ele ocorreu.
Ministério Público.
Eu parto da posição da Profª Ada Grinover, que presidiu, aqui, no Senado, há muitos anos, uma comissão técnica. Ela sempre defendeu o seguinte: a polícia investiga, o Ministério Público acusa e o juiz julga. Essas diferentes funções, esses diferentes papéis têm que ser claros. Hoje, o Ministério Público quer investigar. Eu, particularmente, sou contra. Acho que quem está incumbido da acusação não deve investigar. Quem investiga é a polícia. Agora, o Ministério Público, sim, vai participar da formação da culpa, portanto da instrução criminal. E o juiz que estiver ligado, digamos, à liberação dos pedidos de mandados não pode ser o mesmo que vai julgar o caso. No Brasil, muitas vezes é o mesmo.
A Polícia Civil é precária, a perícia é precária... Em alguns Estados é muito precária, em outros, nem tanto. Em São Paulo, não é tão precária assim. No Rio, ultimamente também não está tão precária assim. O problema aí é a relação, nem sempre muito orgânica, entre a polícia judiciária e a polícia técnica, a ponto de, hoje, muitos representantes da polícia técnica defenderem a autonomia completa da polícia técnica em relação à polícia judiciária. Deixaria de ser polícia. Passaria a ser um corpo técnico, que seria consultado pela polícia.
A Senadora Lídice da Mata pergunta também se a modernização não implicaria uma polícia mais fragmentada. Eu não sou contra a ideia de termos várias polícias. Eu acho que o importante é que elas estejam conectadas, isto é, que você tenha um sistema interdependente. O que não pode é você continuar tendo arquipélagos. Aí você vai multiplicar os arquipélagos e a situação vai ficar mais complicada ainda. A Polícia Militar tem que estar, de algum modo, conectada com o trabalho da Polícia Militar, que é um trabalho de policiamento ostensivo. Por outro lado, a Polícia Militar tem, de algum modo, de fornecer elementos para que a Polícia Civil, nesse novo modelo que nós estamos discutindo, possa avançar no trabalho de investigação de crime organizado e situações mais complexas.
E o Ministério Público tem que estar acompanhando, fiscalizando todo esse trabalho, e não apenas esperando que o inquérito chegue à sua mesa para, então, decidir se transforma, ou não, em ação penal. É preciso que o Ministério Público esteja presente, como em outros países, acompanhando o trabalho da polícia e até ajudando, muitas vezes indicando alternativas. Isso, efetivamente, não vem ocorrendo.
É preciso um juiz de garantias, é preciso que o acusado, desde o primeiro momento, tenha a proteção dos seus direitos claramente garantida, e isso também não ocorre, pois o trabalho inquisitorial é dominante no Brasil. A pessoa é acusada e não sabe de quê. Às vezes, até a imprensa já noticia tudo e o próprio acusado não sabe exatamente de que está sendo acusado.
Volto à questão do Nordeste, para encerrar.
Eu acho que existe um efeito de demonstração. E esse efeito de demonstração produz esses resultados.
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Quer dizer, você tem mercados legais bem-sucedidos no Sudeste e, portanto, é uma área lucrativa e você vai ter uma reprodução desses mercados ilegais também no Nordeste.
O que esta CPI aqui poderia fazer?
Além de estar fazendo isso que está fazendo, que é um trabalho importante, e é bom lembrar que a primeira CPI sobre o nosso tema, um tema mais amplo, sobre a criminalidade, ocorreu em 1980. De lá para cá já ocorrerem várias CPIs.
Eu acho que a CPI atual poderia, com base no seu poder - a CPI tem o poder de investigação, de requerer dados, que os pesquisadores não têm conseguido obter - é colocar esses dados à disposição de todos os pesquisadores que queiram trabalhá-los.
Eu acho que esse é um ponto, a meu ver, que a CPI no seu prazo, um prazo curto - a CPI não tem um prazo tão longo assim - poderia requerer, exigir esses dados, e eu começaria pelos dados sobre desaparecimentos. Eu começaria por aí. E acho que outros dados, que são processuais, poderiam ser pedidos também tanto ao Ministério Público quanto à Justiça. Mas isso eu posso, depois, encaminhar, por escrito, em uma proposta.
Agradeço mais uma vez essa oportunidade e cumprimento todos os membros da CPI pelo trabalho que estão realizando.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós agradecemos a todos os presentes e aos que também estiveram nos acompanhando pela TV Senado e pelos demais meios de interação e interatividade do Senado Federal.
Agradeço aos convidados que iniciaram conosco esse trabalho. A fala de cada um servirá de base, de matéria-prima, durante a semana, na orientação das informações que precisamos construir.
A nossa ideia é que possamos ter outros convidados, pesquisadores, outros convidados de entidades, para cumprir uma função de levantamento de dados, de troca de informações e de opinião. Talvez tenhamos, ainda nesta semana, uma reunião administrativa para aprovação de requerimentos de viagens que realizaremos, buscando, também, colher dados, in loco, colher informações e depoimentos de familiares e de, eventualmente, vítimas também.
Na próxima semana, já na segunda-feira, também às 19h30, dia 25 de maio, ouviremos as entidades mencionadas no Requerimento nº 2, de 2015, que são o Fórum Brasileiro de Segurança Pública; a Anistia Internacional; Central Única das Favelas; o Observatório de Favelas e Justiça Global.
Também na próxima semana, ainda teremos um outro grupo de entidades.
Portanto, não havendo nada a tratar, agradeço novamente a presença de todos, inclusive dos nossos funcionários da Secretária.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 19 horas e 35 minutos, a reunião é encerrada às 22 horas.)