Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Bom dia a todos e a todas, quero dar as boas-vindas ao Ministro Mangabeira Unger e agradecê-lo, desde já, pelas contribuições que trará a este importante debate. Declaro aberta a 20ª Reunião Extraordinária... (Intervenção fora do microfone.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Desculpe-me, Senadora Simone, de fato, a nossa reunião ordinária é às 11h. Como estamos começando a reunião às 11h, pensei que era a nossa reunião ordinária. Mas Júlio tem razão, de fato é a reunião extraordinária, que estamos começando com atraso, não por culpa do nosso Ministro. Havendo número regimental, declaro aberta a 20ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura. Submeto à apreciação do Plenário proposta de dispensa de leitura da ata da reunião anterior e sua aprovação. As Srªs e os Srs. Senadores que estiverem de acordo com a proposição queiram permanecer como se encontram. (Pausa.) Aprovada. A presente reunião, convocada na forma de audiência pública, atende ao Requerimento nº 28, de 2015, de autoria da Senadora Simone Tebet, aqui presente, do Senador Cristovam Buarque e da Senadora Ana Amélia. Esta audiência tem como objetivo exatamente ouvir o Exmo Sr. Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Mangabeira Unger, sobre o projeto Pátria Educadora, a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional. Como já mencionei, quero aqui mais uma vez dar nossas boas-vindas ao Ministro Mangabeira. Desde já, agradeço pela contribuição que trará ao debate. |
| R | Quero adiantar também que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão, Alô Senado, através do telefone 0800-612211, e e-Cidadania, por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários ao Ministro via internet. Quero, agora, conceder a palavra ao Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Mangabeira Unger. Quero registrar a presença do Senador Douglas Cintra. Ministro Mangabeira, com a palavra. O SR. MANGABEIRA UNGER - Srªs Senadoras, Srs. Senadores, meus concidadãos, a qualificação do ensino básico, o projeto Pátria Educadora, é de fato uma obra de construção nacional, é a prioridade do Governo Federal e deve ser a prioridade de toda a Nação. De todas as causas brasileiras, é esta singularmente que tem o maior potencial para unir o País e é a mais decisiva para nosso futuro. Nesta minha explanação, destinada a suscitar o debate entre nós, percorrerei quatro passos. Em primeiro lugar, algumas preliminares destinadas a dissolver mal-entendidos que surgem no curso do debate. Em segundo lugar, os pontos de partida, as premissas da proposta. Em terceiro lugar, os eixos que definem o conteúdo desse projeto. Em quarto lugar, os obstáculos a transpor para sua execução. As preliminares. Em primeiro lugar, entender que o documento que foi amplamente difundido e que está em suas mãos não é o anúncio de uma politica pública acabada. É um teste preliminar destinado a provocar um debate nacional. A qualificação do ensino básico não é apenas um plano do governo que está momentaneamente no poder. É um projeto de Estado destinado a sobreviver ao atual Governo e a receber amplo apoio majoritário no País, de todas as correntes de opinião e de todas as forças políticas, independentemente de apoiarem ou não o atual Governo. A nossa tradição no Brasil, em matéria de formulação de políticas públicas, é adotar um processo decisório fechado. O Governo delibera as politicas públicas reservadamente, temendo que qualquer revelação de desavença dentro do Governo sirva como uma brecha que a oposição possa aproveitar. |
| R | A construção de projetos de Estado, porém, é incompatível com o processo decisório fechado. Um projeto de Estado exige, para a sua construção, um processo decisório aberto, que engaje todas as instâncias do Estado e todas as vozes da sociedade na formulação do projeto. Como estamos desacostumados ao processo decisório aberto, a difusão de ideias preliminares, como temos feito aqui com respeito à Pátria Educadora, pode causar um estranhamento. Paciência! Se quisermos ter no País projetos de Estado, precisamos acostumar-nos ao processo decisório aberto. A segundo preliminar tem a ver com o papel da Secretaria de Assuntos Estratégicos e sua relação com o Ministério da Educação. A Secretaria de Assuntos Estratégicos assessora a Presidenta da República. Agora, a nossa tarefa principal é assessorá-la e trabalhar com todos os Ministros na construção de uma nova estratégia de desenvolvimento nacional, uma estratégia pós-ajuste fiscal. Ajuste fiscal não é agenda nacional. É preliminar indispensável de uma agenda nacional, mas é apenas isto. Começamos a construir uma estratégia de desenvolvimento nacional baseada na ampliação de capacitações educacionais e de oportunidades econômicas. Portanto, uma democratização da economia do lado da oferta e da produção e da educação, e não apenas o lado da demanda e do consumo. Uma grande diferença entre democratizar a economia do lado da demanda e democratizá-la do lado da oferta é que a democratização da demanda se pode fazer só com dinheiro, enquanto que a democratização da oferta exige inovações institucionais. É nesse contexto que a Secretaria de Assuntos Estratégicos trabalha o projeto Pátria Educadora. Quem conduz o projeto é a Presidenta da República. O projeto é projeto dela e de todo o Governo. Desde o início, a Secretaria de Assuntos Estratégicos trabalha em sintonia com o Ministério da Educação na formulação desse projeto. O Ministério participou, desde o início, de todos os passos de formulação. A colaboração entre a Secretaria de Assuntos Estratégicos e o Ministério da Educação foi apenas momentaneamente perturbada pela sucessão que ocorreu durante esses meses na condução daquele Ministério. É ao Ministério da Educação que caberá evidentemente executar, junto com os Estados e os Municípios, esse projeto, uma vez que ele seja definido e transformado em iniciativa do Governo e em conjunto de ações legislativas. |
| R | A terceira preliminar tem a ver com a relação entre a Pátria Educadora e o Plano Nacional de Educação. Esta proposta se destina a executar o Plano Nacional de Educação, não tem contradição com o Plano Nacional de Educação. O Plano Nacional de Educação é uma lei arcabouço, define metas e procedimentos. As metas definidas no Plano Nacional de Educação são, sobretudo, metas quantitativas, que têm a ver com o acesso à educação. A premissa do projeto Pátria Educadora é que a onda de ampliação ao acesso tem de ser agora seguida de uma onda de qualificação do ensino básico. Quando o Plano Nacional de Educação se refere a metas qualitativas, refere-se a tais metas de forma genérica, como, por exemplo, dizer que há de haver uma qualificação do professorado. Ao mesmo tempo, o Plano Nacional de Educação invoca certos conceitos abstratos, como o conceito do regime de cooperação dentro da Federação, mas não dá conteúdo a esses conceitos. O grande perigo seria interpretar o Plano Nacional de Educação como se fora um projeto de transformação qualitativa do ensino, quando, na verdade, é apenas a organização do arcabouço processual e a definição das intenções ou das metas sobretudo quantitativas. Agora vem a ação, e o momento da ação é o momento do projeto Pátria Educadora. A quarta preliminar tem a ver com a relação entre o projeto Pátria Educadora e os cortes impostos pelo ajuste fiscal. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Ministro, só um segundinho. Eu quero convidar a Senadora Simone Tebet, que foi uma das autoras da presente audiência, para assumir agora a coordenação dos trabalhos, por favor. O SR. MANGABEIRA UNGER - Pois não. O ajuste fiscal indispensável à subsequente estratégia de desenvolvimento do Brasil exige cortes, exige sacrifício de todos, em todos os setores. Não há contradição entre a necessidade de absorver esses cortes e o compromisso com o projeto de qualificação do ensino básico; em primeiro lugar, porque os cortes são de curso prazo e temporários, enquanto o projeto Pátria Educadora é de médio e longo prazo. Em segundo lugar, porque os cortes têm a ver com projetos como o Fies e o Pronatec, que se destinam a ampliar o acesso ao ensino. O projeto da Pátria Educadora tem a ver com a qualificação do ensino. Em terceiro lugar, porque muitas das medidas propostas no projeto Pátria Educadora não custam um único centavo, são medidas normativas, como, por exemplo, o desenho da cooperação federativa na educação pública. O Brasil conseguiu, no último período histórico, um imenso avanço no acesso à educação. |
| R | Mas, agora, a onda da ampliação do acesso tem que ser seguida por uma onda de qualificação do ensino. Com esta observação, chego ao segundo passo da minha explanação e passo das preliminares para os pontos de partida. Compreender os pontos de partida desse projeto é tão importante quanto entender o seu conteúdo programático. O primeiro ponto de partida é que, como eu tenho insistido, a situação qualitativa do ensino básico no Brasil é calamitosa. Reitero a palavra: é calamitosa. Mas não é calamitosa de agora ou recentemente; é calamitosa historicamente. Não há como negar ou desmerecer o imenso avanço que o País conseguiu na ampliação do acesso. Agora, porém, que avançamos muito na ampliação do acesso, temos que mudar o foco e focar na qualidade do ensino público. Há muito a fazer ainda em matéria de acesso, mas não podemos esperar para tratar da qualidade. Não podemos esperar, porque a situação qualitativa do ensino brasileiro é uma ameaça ao futuro do País. Eu vou dar um exemplo. No final do ensino médio, algo como metade dos alunos tem dificuldade em ler. Eu não digo em entender, mas em ler um texto elementar. E a outra metade? A metade que consegue ler tem dificuldade em entender. Se alunos dessa outra metade são convidados a interpretar um texto, tipicamente oscilam entre duas abordagens. De um lado tendem a repetir o conteúdo do texto; e de outro lado entendem o exercício da interpretação como um convite para uma livre associação de ideias, embarcam num devaneio. Oscilam, portanto, entre a repetição e o devaneio. Não conseguem fazer o que é necessário: decompor o texto analiticamente em seus elementos, para poder criticá-los, para poder recombinar esses elementos, para poder mobilizar a interpretação do texto a serviço do pensamento. Que futuro pode ter um país no qual a maioria das pessoas não conseguem lidar construtivamente com o pensamento escrito? Terá de exportar minério de ferro e soja e pouco mais. Essa é a ameaça ao futuro nacional, e todos nós temos de nos rebelar contra esta situação. Esta indispensável rebeldia não deve servir como pretexto para explorações políticas; pelo contrário, deve ser razão para a união nacional em torno de um projeto de construção nacional. |
| R | O segundo ponto de partida é o reconhecimento de que esses grandes avanços, de que essa situação calamitosa coexiste com alguns grandes avanços que conseguimos, episodicamente, ou em pontos específicos do País. Esses avanços localizados foram, em grande parte, alcançados sob a égide daquilo que se poderia chamar de "paradigma empresarial". É um paradigma que define padrões de desempenho, insiste na meritocracia - por exemplo na escolha de diretores -, e organiza incentivos e mecanismos de cobrança. O paradigma empresarial produziu avanços, mas esses avanços são muito limitados e não servem como guia para um projeto nacional de qualificação do ensino básico. Em primeiro lugar, porque a sua eficácia rapidamente se esgota. Em segundo lugar, porque a eficácia tende a ser maior nos degraus inferiores do ensino básico do que nos degraus superiores. Em terceiro lugar, porque esse paradigma empresarial deixa intocado o currículo, a maneira de aprender e de ensinar no Brasil. E em quarto lugar, e mais fundamentalmente, porque essas iniciativas localizadas, inspiradas pelo paradigma empresarial, não bastam para inspirar uma mobilização nacional, uma mística, capaz de vencer os preconceitos e os interesses contrários a um grande projeto transformador na instrução pública. Nós precisamos, portanto, ultrapassar os limites do paradigma empresarial. O terceiro ponto de partida é que o projeto de qualificação do ensino básico exige uma reorientação radical do paradigma curricular e pedagógico. A característica saliente da educação no Brasil tem sido o enciclopedismo raso e a decoreba. É um ensino dogmático, dedicado à memorização enciclopédica em grande parte. Assim tem sido historicamente. Esta orientação pedagógica é incompatível com as exigências da ciência contemporânea e da produção contemporânea. Ela é uma forma exagerada ou degenerada de um modelo francês do século XIX. E, ao mesmo tempo, esta maneira de ensinar e de aprender, contradiz os pendores dominantes na nossa cultura. O Brasil é uma grande anarquia criadora, onde o sincretismo é, ao mesmo tempo, o problema e a solução. Esta maneira de ensinar e de aprender é a negação de nós mesmos. É como se em nosso País, afortunadamente sem guerras, tivéssemos decidido guerrear contra nós mesmos e transformar as crianças brasileiras de hoje em crianças francesas do século XIX. |
| R | Temos que acabar com isso! É uma camisa de força que suprime a criatividade do País. Agora é o momento de tirar a camisa de força. O quarto ponto de partida deste projeto é uma concepção do que deve ser um sistema nacional de ensino, do sentido em que deve ser um sistema e do sentido em que não deve ser um sistema. A educação no Brasil historicamente tem sido, ao mesmo tempo, desorganizada e uniforme. Nunca houve um sistema nacional de ensino no Brasil. Sequer houve um currículo nacional. O verdadeiro currículo no Brasil é o livro didático. Mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente, essa educação desorganizada e que não tem sistema nacional tem sido muito uniforme. Uniforme em práticas lenientes com a mediocridade. E nesta combinação de desorganização com uniformidade, o Brasil não tem sido muito diferente de outro país grande, desigual e federativo: os Estados Unidos. À primeira vista, agora que temos como tarefa organizar um sistema nacional de educação, pode parecer que devemos substituir a uniformidade desorganizada por uma uniformidade organizada. Mas este não é o objetivo! O objetivo é substituir a uniformidade desorganizada por uma diversidade organizada. Construir, dentro da Federação, um sistema que seja capaz de acomodar divergências e experimentos e, portanto, de evoluir. Esta é a razão profunda para rejeitar a ideia da federalização do ensino básico. Não é apenas porque somos um País imenso e diverso, é porque temos um interesse nacional em aprofundar o impulso experimentalista. E evitar tirar uma camisa de força apenas para impor outra. Agora, no Brasil, em diversos Estados e Municípios da Federação, há experimentos muito promissores na educação. Temos que cuidar para que a definição da base nacional comum, o novo currículo nacional, não imponha a todo o País um sistema que fique aquém desses avanços experimentais que já conseguimos, em diversas partes do País. Agora, passo para o terceiro momento da minha explanação. Havendo tratado das preliminares e dos pontos de partida, abordo os eixos que definem o conteúdo programático desta proposta apenas preliminar. Desta proposta que não é o anúncio de uma política de Estado, mas, ao contrário, uma provocação para engajar todas as instâncias do Estado e todas as vozes da sociedade na construção desse projeto de Estado. |
| R | O primeiro eixo é o desenho da cooperação federativa. Sem organizar a cooperação dentro da Federação, não podemos ter grandes avanços em matérias de qualificação do ensino básico. Tudo depende da maneira pela qual o Governo Federal, os Estados e os Municípios trabalharem juntos. E há duas formas de cooperação federativa, ambas importantes. Primeiro, a cooperação vertical entre os níveis da Federação. E, segundo, a cooperação horizontal entre os Estados e entre os Municípios. Há que se organizar a cooperação federativa! E, aqui, eu vou tratar agora, abreviadamente, do desenho da cooperação vertical dentro da Federação. A cooperação federativa vertical entre os três níveis da Federação, tem três elementos: avaliação, redistribuição e recuperação ou resgate. A avaliação é a área onde mais avançamos, estamos na vanguarda mundial em matéria de avaliação na educação. Mas há algo a acrescentar. Não adianta fomentar o experimentalismo inovador se não contarmos com mecanismos para identificar os experimentos que funcionam e para difundi-los dentro da Federação. Portanto, ou uma organização existente, como o Inep, assume esta tarefa, ou criamos outra entidade para desempenhá-la. O segundo elemento na cooperação federativa vertical é a redistribuição de recursos e, eventualmente, até de quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres. O Fundeb tem um sentido levemente redistribuidor, porque eleva os Estados mais carentes a um patamar mínimo de investimento federal. Mas nós precisaríamos contar com mecanismos muito mais fortes de redistribuição federativa. E há diferentes maneiras de fazê-lo: fortalecendo o Fundeb, promovendo iniciativas redistribuidoras que sejam financiadas pelo FNDE ou criando um terceiro fundo de orientação ostensivamente redistribuidora. O terceiro elemento no desenho da cooperação federativa é o mais polêmico, mas não há como evitá-lo: é a recuperação ou resgate. O que fazer quando uma escola ou uma rede escolar local, repetidamente, caia abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade? O princípio é que a qualidade da educação que uma criança brasileira recebe, não deve depender do acaso do lugar onde ela nasce. O direito da criança se sobrepõe às prerrogativas do gestor. O Governo Federal, os Estados e os Municípios podem, em uma primeira etapa, trabalhar juntos para apoiar as escolas e as redes escolares em situação crítica. |
| R | Muitas estão no Norte e no Nordeste do País. E este trabalho conjunto pode ser, depois, organizado em instituições colegiadas com a participação conjunta do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios, por analogia às comissões intergestoras do SUS. Mas suponha que este apoio, depois de certo tempo, não consiga resolver o problema e tirar a escola ou a rede escolar local do estado crítico. Aí é preciso decidir. Não se trata de propor uma intervenção federal, trata-se de organizar uma ação transfederal, uma cooperação federativa para assumir temporariamente aquela rede escolar em situação crítica, mobilizar recursos humanos e financeiros adicionais e devolvê-la consertada. Ou fazemos algo parecido a isto, ou dizemos: "É azar da criança, tentamos apoiar aquela escola, aquela rede escolar local, e não conseguimos". O princípio geral é o compromisso de reconciliar, dentro da Federação, padrões nacionais de investimento e de qualidade com a gestão das escolas pelos Estados e Municípios. É para isso que precismos desse terceiro elemento de recuperação ou de resgate no desenho da cooperação federativa. Este desenho com os três elementos que eu acabo de descrever pode avançar em três etapas. Uma primeira etapa é de mera reorientação de práticas, sem mudar qualquer lei. E muito pode ser conseguido por essas medidas infralegais. Por exemplo, o Governo Federal trabalhando junto com os quadros dos Estados e Municípios. Uma segunda etapa é uma etapa de revisão das leis. Por exemplo, desdobrar em lei o regime de cooperação invocado porém não descrito ou organizado pelo Plano Nacional de Educação, e regulamentar em lei o art. 23 da Constituição Federal que trata das competências comuns dentro da Federação. Uma terceira etapa, lá na frente, em um outro momento histórico, é debater eventuais revisões constitucionais se forem necessárias para aprofundar o movimento da cooperação federativa, em educação, como em outros setores das políticas públicas. O segundo eixo programático da Pátria Educadora tem a ver com o currículo e com a maneira de aprender e de ensinar. Há um consenso emergente de que precisamos promover um enxugamento curricular decisivo. Romper com esse enciclopedismo raso. A partir deste consenso surgem, porém, três debates. |
| R | E, da definição desses três debates, dependerá três debates dependerá o que fizermos em matéria de reorientação pedagógica e curricular. O primeiro debate tem a ver com a questão o que deve substituir a enciclopédia grande, que agora é o conteúdo curricular da educação brasileira. A primeira tese ainda predominante é que a enciclopédia grande deve ser substituída por uma enciclopédia menor, um rol de conteúdos consagrados. Não é, no meu ponto de vista pessoal, e esta não é ainda uma visão consolidada dentro do Governo ou muito menos no País, a melhor posição. A melhor posição é substituir o enciclopedismo, seja grande ou pequeno, por um currículo organizado como uma sequência de capacitações analíticas, focadas nas competências analíticas centrais, como são a interpretação da palavra escrita e o raciocínio lógico e matemático; uma sequência de capacitações, de competências analíticas. É claro que não se adquirem competências analíticas num vazio de conteúdo, mas não precisa haver, e talvez não deve haver, um rol de conteúdos consagrados. O que vale em matéria de conteúdo para a aquisição de competências conceituais não é a abrangência, é a profundidade; um ideal de aprofundamento seletivo itinerante ou mutável, um ensino organizado em torno de projetos. Esse ideal de aprofundamento seletivo se contrapõe à tese da enciclopédia menor. Agora vem um segundo debate. O segundo debate é se deve haver uma única sequência para todos os alunos ou se deve haver, dentro da educação, uma variedade de sequências. Por exemplo, para os alunos que encontram dificuldade em progredir dentro daquela sequência padrão, sequências alternativas. Se o aluno não aprendeu a primeira vez por um método, o que adianta ficar insistindo vinte vezes num mesmo método que não deu certo para ele? É tentar um outro caminho. E para os alunos que demonstram uma vocação extraordinária em determinado campo, sequência para poder aprofundar a sua vocação. Vou dar um exemplo em matemática: se o aluno tem uma vocação matemática, por que ter de aguardar o ensino superior para encontrar a matemática abstrata? Por que não poder ser introduzido à aritmética ou à álgebra por meio da matemática abstrata, como se faz em vários países, por exemplo a China? Aí surge um problema penoso, um problema controvertido, um problema candente em todas as grandes democracias do mundo: reconciliar o compromisso com a igualdade universal, com o reconhecimento dos talentos individuais. |
| R | Há dois equívocos a evitar: um equívoco é confundir igualdade com nivelamento e uniformidade; o outro equívoco é sacrificar o compromisso igualitário ao elitismo. Temos que encontrar um caminho, e o caminho não está em suprimir a genialidade, em prejuízo de todos, não apenas dos gênios. Os nossos darwins e newtons baixaram à sepultura sem se haverem descoberto. Essa é uma realidade intolerável no Brasil. Aí surge um terceiro debate, muito ligado ao segundo: um ensino ambicioso e exigente não pode ser acessível apenas aos filhos da classe média ilustrada, tem que ser acessível a todos. Nós sabemos, por investigação empírica em todo o mundo, que, numa sociedade de classes, os filhos das classes mais pobres, da massa trabalhadora, enfrentam certas inibições precognitivas com mais frequência do que os filhos da classe média. Há certas capacitações de comportamento que têm de ser combinadas com as competências analíticas. Sem essas capacitações de comportamento, o ensino analítico não pode ser integralmente aproveitado. E há duas grandes capacitações de comportamento, duas famílias de capacitações que parecem especialmente importantes: a primeira família são as capacitações de autodisciplina; não é a disciplina vinda de fora, é a disciplina que o aluno, a pessoa se impõe a si mesma, está ligado à ambição, à aspiração, à inquietude, à autoestima. A experiência mundial comprova que um elemento crucial no fomento dessa capacitação de autodisciplina é o vínculo entre a escola e a família. Quando a família é muito pobre e desestruturada, quando, por exemplo, a mãe tem de se dividir entre zelar pelos filhos e trabalhar, a escola precisa buscar a família proativamente e construir um vínculo com a família, assumir algumas das responsabilidades da família e trazer a criança para a escola num turno escolar ampliado. A segunda grande família de capacitações de comportamento tem a ver com a cooperação, a capacidade de cooperar. Tudo na ciência contemporânea e na produção inovadora depende da cooperação. E há uma espécie de hierarquia de formas de cooperação. As formas mais primitivas de cooperação são as formas hierárquicas, sob comando e controle. As formas mais avançadas são as formas horizontais, que dispensam a imposição de cima. A cooperação é a chave. A maneira de fomentar a capacidade de cooperar não é a escola doutrinar a cooperação, é a escola exemplificar a cooperação. |
| R | Toda a educação deve ser organizada em base de práticas cooperativas, equipes e redes de alunos e de professores. Esta é a maneira pela qual os indivíduos possam, reciprocamente, superar e corrigir seus defeitos, escapar das suas limitações. A cooperação como base da sala de aula é a alternativa ao que temos historicamente, que é a combinação do individualismo e do autoritarismo: o professor fica na frente, na lousa, e o aluno, confinado à sua mesa, afundando no isolamento e no tédio. O terceiro eixo do conteúdo programático dessa proposta preliminar da Pátria Educadora tem a ver com a qualificação dos professores e dos diretores, é uma vasta tarefa. Nós temos, no ensino básico, dois milhões de professores. Não há uma bala de prata, não há uma solução mágica. Nós temos de decompor um problema aparentemente insolúvel em partes menores e relativamente mais solucionáveis. Uma maneira de começar é definir o que queremos do professorado, que tipo de professorado queremos. Em primeiro lugar, nós queremos um professorado que seja uma carreira, uma profissão atraente e respeitada. Daí a conveniência de o Governo Federal propor aos Estados e aos Municípios, mediante mecanismos de adesão, diretrizes de uma carreira nacional de professor. Não é federalizar a carreira, é propor as diretrizes. E nesta carreira não podemos permitir que o debate a respeito das diretrizes seja devorado pelo debate a respeito do piso salarial. O piso salarial é um tema importante, porém subsidiário. E o piso precisa ser definido de forma que permita uma adequada progressão dentro da carreira e que respeite as diferenças regionais. Em segundo lugar, nós queremos um professorado composto por pessoas que entendam aquilo que vão ensinar. E a melhor maneira de o professor se formar é formar-se nos departamentos das respectivas disciplinas, não se formar apenas em escolas separadas para professor. Mais de 90% dos professores no nosso ensino básico são formados em instituições privadas de qualidade muito variada. Se estas instituições são financiadas pelo Estado brasileiro, o Estado tem de exigir, como contrapartida ou condição do financiamento público, critérios de desempenho ou de qualidade. Em terceiro lugar, nós queremos que os nossos professores não sejam formados apenas em determinados campos do conhecimento como cientistas, mas que sejam formados também na prática do ensino. E daí o papel das escolas de pedagogia. Elas não podem frequentar apenas as filosofias da educação. Elas têm de oferecer uma aprendizagem prática e que contemplem estágios práticos nas nossas salas de aula. O Projeto Pibid do Ministério da Educação é uma vanguarda nesta orientação, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Sob orientação, o estudante de pedagogia adquire prática didática na base. |
| R | E um quarto objetivo que devemos querer do professorado é um mínimo de versatilidade. Em princípio, o professor não deve ser formado numa única disciplina isolada, no mínimo deve ser formado num campo de conhecimento. Além das vantagens intelectuais dessa formação mais abrangente, há uma grande vantagem prática. A vantagem prática é que o professor com essa versatilidade mínima não terá de trabalhar em várias escolas; trabalhará numa única escola, que será a sua comunidade, com a qual ele se comprometerá, será o seu mundo. A partir destas orientações gerais, surge a ideia de formar centros de qualificação avançada dos professores em meio de carreira e centros regionais de formação dos diretores. Os centros de qualificação avançada dos professores fomentaria o experimentalismo pedagógico. E o diretor? O diretor é uma figura central na escola, é o líder da escola. A cultura da escola tende a refletir, em grande parte, o diretor. E há uma experiência mundial reveladora da eficácia de centros específicos destinados a formar os diretores. Nós podemos imaginar duas etapas: numa primeira etapa, os centros de formação de diretores trabalham apenas com diretores já em exercício e, numa segunda etapa, trabalham com candidatos a diretor. O Governo Federal não pode impor aos Estados federados um único critério, um único mecanismo de seleção dos diretores. Há uma grande variedade de métodos de seleção no País, inclusive a eleição. Mas o que o Governo Federal poderia propor aos Estados federados e aos Municípios é que todos os diretores sejam escolhidos entre candidatos habilitados por uma formação anterior nesses centros, o que ajudaria a assegurar um critério mínimo de formação e de compromisso com o ideário que motiva todo este projeto. Chego agora ao quarto eixo programático da proposta da Pátria Educadora: o aproveitamento das tecnologias contemporâneas. A tecnologia não é uma panaceia. Nós aprendemos, no Brasil e em todo o mundo, que simplesmente colocar computador e tablet na sala de aula não produz resultado. É um investimento com pouco resultado ou resultado nulo. Mas há um grande potencial das tecnologias nas aulas em vídeo nas humanidades, sobretudo, e dos softwares progressivos e interativos no ensino da matemática, das ciências naturais e das línguas. A inspiração pode vir de fora e sacudir a mediocridade na sala de aula. |
| R | A fecundidade das tecnologias não é uma constante, mas uma variável, e depende sobretudo de dois fatores. O primeiro fator é a prática cooperativa na educação. Quanto mais a educação for organizada de maneira cooperativa, maior o potencial para aproveitar as tecnologias. O segundo fator é o da cultura da escola. Quanto mais prevalecer na escola uma atitude experimentalista, antidogmática, mais promissor o uso dessas tecnologias. Acabo de esboçar os quatro eixos dessa proposta preliminar. Agora, por fim, havendo abordado as preliminares, os pontos de partida e os eixos programáticos, trato de obstáculos a transpor. Há três perigos que me afligem mais do que todos os outros. O primeiro problema é que um projeto ambicioso como esse de transformação até radical da educação básica exige, para sustentá-lo, uma vanguarda pedagógica. Um projeto como esse não pode ser construído, na prática, por um pequeno círculo de políticos burocratas, ideólogos e visionários. Há de haver algumas centenas ou até milhares de pessoas que construam esse projeto dentro do País. Eu não vejo essa vanguarda pedagógica claramente configurada no Brasil. Nós teremos que construí-la no meio do caminho. O segundo problema, o segundo obstáculo a transpor é que a rebeldia necessária ainda não foi abraçada pelo povo brasileiro. Quando a população é consultada em pesquisas de opinião a respeito da educação pública, algo como a metade ou mais da metade diz que a educação é boa. O País não vê a realidade calamitosa da qualidade de um ensino básico. Os brasileiros regularmente identificam as suas prioridades como saúde e segurança. A educação está lá embaixo. Não basta persuadir a Nação de que a educação é decisiva para o futuro nacional, é preciso que haja uma identificação pessoal íntima com a causa da educação, e essa identificação começa numa conversão de consciência. A educação não é apenas para a criança. A educação na juventude é o início de um processo de engrandecimento pessoal. A escola, numa democracia, não é para ser um instrumento da família ou um instrumento do Estado, a escola é para ser a voz do futuro. A escola é para reconhecer em cada aluno um profeta tartamudo e lhe dar os instrumentos para ter voz e ficar grande. A partir do momento em que a Nação compreender essa realidade íntima e existencial de que a educação tem a ver com sermos pequenos ou sermos grandes como pessoas, não apenas como país, teremos construído uma das bases indispensáveis à transformação do ensino básico. |
| R | O terceiro obstáculo tem a ver com a organização do debate nacional. Serei franco: se o debate for dominado apenas pelos agentes tradicionais que tratam dos problemas da educação no Brasil, ganhará, em cada área do debate, o lado pior. A única maneira de promover o debate é acender as luzes e ampliar radicalmente o rol dos participantes, é chamar o País todo a participar do debate. E daí a necessidade, por toda estranheza que provoque, de insistir naquilo que chamei, no início, de o processo decisório aberto. Ao Senado, peço que participe e que ajude a chamar toda a Nação a participar desta obra libertadora. O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Bom dia. Eu acredito que as Senadoras que me antecederam, Fátima Bezerra e Simone Tebet, já devam ter dado o bem-vindo à Casa ao Ministro Mangabeira Unger. É uma grande honra não só para esta Casa e para esta Comissão. Como Presidente, também tenho certeza de que, para o Brasil, a presença de V. Exª, aqui, é muito importante, neste momento. Como nós fazemos aqui, de praxe, vou voltar a entregar a Presidência desta audiência pública à autora do requerimento, Senadora Simone Tebet. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Então, faremos o seguinte: já que V. Exª é a autora do requerimento, será a primeira a fazer as perguntas. Vamos diretamente para as perguntas. Por favor, Senadora Simone Tebet. A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Obrigada, Sr. Presidente, Senador Romário. Mais uma vez, quero cumprimentar o nosso Secretário, o Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, e dizer que para nós foi uma aula. Nós já sabemos da biografia que o antecede, sabemos da sua competência e capacidade. Não é à toa que está assessorando a Presidenta da República numa questão tão importante como é a educação. Muitas das dúvidas, eu acredito que já tenham sido dirimidas pela sua exposição muito clara e, embora com um tempo longo, extremamente objetiva. Falar de educação em menos tempo seria efetivamente impossível, mas ficaram ainda algumas dúvidas, até para que a população que está nos ouvindo, neste momento, possa também acompanhar e esclarecer. Primeiro, no que se refere às preliminares, eu fiquei muito feliz com as primeiras colocações. Este é um documento que não está pronto, acabado, é um documento que vai ser entregue, no momento oportuno, para a sociedade, através do Ministério da Educação e demais associações ligadas à educação neste País. De qualquer forma, e por ser um projeto de Estado e não de governo, como foi colocado aqui, chamou-me a atenção, pela mídia, inclusive, e eu gostaria que ficasse muito claro para a população, Sr. Ministro, o seguinte ponto: qual foi a participação do Ministério da Educação neste estudo preliminar? Houve um grupo que acompanhou ou isso vai ser entregue posteriormente para possível análise? Até porque nós sabemos que o MEC vai ser, na realidade, o executor de todas essas políticas. Então, acho que isso precisa ficar muito claro até para não dar a sensação de que apenas uma etapa foi concluída. |
| R | Tenho vários questionamentos. Vou resumir a um particular que me preocupa muito, que é a questão do ensino médio. Muitas das questões colocadas, os próprios eixos colocados aqui serão executados a médio e longo prazo - nós sabemos disso -, mas acredito que tenham uma preocupação preeminente no que se refere ao ensino médio. No Brasil, diferentemente dos Estados Unidos e de outros países do mundo, a evasão escolar no ensino médio é assustadora: não chega a 40% os jovens, os alunos nessa faixa etária que permanecem na escola. Muitos alegam dois fatores: primeiro, a quantidade absurda de disciplinas nesse período e, segundo, a falta de atratividade das disciplinas. Temos um excesso de disciplinas obrigatórias, são 14, e o aluno chega a cumprir, em alguns casos, 10 matérias ao mesmo tempo. O conteúdo, naquilo que V. Exª já colocou, muito mais preza pela quantidade do que pela qualidade. O aluno vê tudo e não aprende nada ou não fica nada, porque também falta prática em relação a aquilo tudo que está sendo colocado. Dentro desta colocação, pergunto a V. Exª, embora não seja a melhor opção - e V. Exª já tratou aqui -, se não haveria necessidade urgente de se reduzir o número de disciplinas no ensino médio. Os jovens que entram no ensino médio já têm mais ou menos uma noção do que querem fazer no futuro, um curso profissionalizante ou uma faculdade. Na faculdade, ele tem pelo menos noção se é exatas, humanas ou biológicas. Aí vem a segunda pergunta: não seria o caso, no ensino médio, de termos turmas diferenciadas? Não vou entrar na questão da capacidade do aluno estar numa turma a, b ou c em relação ao seu intelecto ou ao seu grau de aprendizado, mas turmas diferenciadas no sentido de que se tenha um currículo mais voltado para a área de exatas, outro para humanas e outro para biológicas, já fazendo com que esse aluno esteja se preparando efetivamente para o futuro na questão da universidade. Em relação a isso também, não poderíamos substituir duas ou três disciplinas do currículo do ensino médio por uma disciplina que é essencial e que V. Exª comentou aqui, como ética e cidadania, uma disciplina que pudesse preparar o indivíduo enquanto cidadão, que falasse de ética, de cidadania e de meio ambiente, seja de forma transversal ou, de repente, dentro das próprias disciplinas, tendo capítulos específicos, ou mesmo uma disciplina começando no ensino fundamental, com ênfase no ensino médio. Gostaria, então, de ver qual é a visão do Ministério em relação ao ensino médio, que, a meu ver, foi o que menos avançou no Brasil. Nós avançamos, sim, na educação no Brasil, nos últimos anos, especialmente no ensino fundamental. Hoje, nós temos a universalização do ensino fundamental, mas, acredito que, neste momento, o que mais nos preocupa, pelo menos a mim, é a questão do ensino médio. Por fim, só uma colocação que V. Exª fez aqui em relação ao piso salarial. V. Exª disse que o piso salarial é importante, mas é subsidiário. Quem sou eu para poder aqui não concordar com V. Exª, mas, diante da situação que encontramos, na realidade fática dos problemas em relação à questão pedagógica, vemos cada vez mais pessoas vocacionadas desistindo do curso de pedagogia, às vezes até fazendo medicina, apesar do alto grau de dificuldade de se passar no Enem ou numa faculdade. Estamos perdendo talentos de sala de aula, porque pesa, no final das contas, para um jovem de classe baixa ou classe média, a questão salarial. Então, aliar toda essa proposta de valorização do professor, que sabemos ser muito mais que salário, à urgência de se ter um fundo, talvez numa cooperação entre União, Estados e Municípios, de forma mais incisiva. Acabamos de ver um corte de R$9 bilhões do Orçamento, nos ajustes fiscais, em relação à educação. Quem sabe cortarmos tudo, mas não cortarmos educação e saúde, para que possamos garantir que esses talentos perdidos de sala de aula possam efetivamente contribuir para a educação que todos nós queremos. Mais uma vez agradeço, dizendo que sou uma admiradora do seu trabalho e me coloco, como Senadora, à disposição para ajudar o Governo a melhorar a educação deste País. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Próximo na lista de chamada, Senador Telmário Mota, por favor. O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ministro, quero parabenizar V. Exª, sem nenhuma dúvida, fez uma fala em que demonstrou amplo conhecimento. Mas eu não queria nem me ater a pontos, porque acho que V. Exª explicou muito bem todos os detalhes. V. Exª fez algumas chamadas que eu achei interessante. Primeiro, classificou o ensino brasileiro como calamitoso, disse que é um método francês do século XIX, que se torna uma camisa de força para o desenvolvimento e a qualidade do ensino brasileiro. Sem nenhuma dúvida, o ensino brasileiro está falido e precisa dessa grande revolução. V. Exª começou sua fala também dizendo que esses ajustes fiscais são temporários, esperamos que sejam mesmo, e que a grande causa é essa agenda nacional para esse projeto qualificado por V. Exª como projeto ambicioso, com o que eu também concordo plenamente. Nós sabemos que hoje a educação passa por dificuldades inúmeras: pela qualificação do professor; pela grade curricular extremamente extensa, que não desenvolve mais a mentalidade para uma realidade de que precisamos; pela disparidade salarial; falta de incentivo. O professor hoje faz bico na sala de aula com dois, três empregos. De ordem que na aula um finge que ensina e outro finge que aprende. Essa é a grande verdade do ensino brasileiro. Vê-se que de dentro da sala de aula não se sai com conteúdo nem com uma mentalidade logística para fazer uma análise mais profunda. Se alguém quer passar em qualquer concurso, como do Senado, ele se submete a um período temporário nesses cursinhos que são dados extrassala de aula e periódicos. A partir dali, o cara até se especializa, são os concurseiros, etc. De ordem que o ensino brasileiro está muito aquém de um País que quer se desenvolver. Tive oportunidade de ler recentemente a revolução do ensino chinês. Vi aqui V. Exª, em alguns pontos, casar proposições com aquilo que é feito hoje na China. A China, por exemplo, valoriza o professor, o cara que ganha mais é aquele que tem mais capacidade, é mais intelectualizado e tem melhores condições de, pelo menos, ir à sala de aula abrir a mente do aluno. Então, sem nenhuma dúvida, esse projeto nacional ambicioso é de extrema necessidade, essa revolução educacional por que o Brasil precisa passar. Acho que V. Exª está preparado quanto a isso. Então, a grande causa, a grande questão e a grande discussão agora são o seguinte: como colocar isso em prática? Eu acho que essa, Ministro, que é a grande causa. V. Exª fala com muita propriedade que isso não é uma vontade só do Senado, só do Ministro Mangabeira, só do Ministro da Educação, tem de ser uma vontade nacional, a sociedade toda tem de estar envolvida nisso. Nós sabemos que para um projeto desses vingar, é um projeto longo, um projeto a longo prazo. Então, pergunto a V. Exª: dentro do próprio Governo, dentro do próprio sistema, como V. Exª está conduzindo e vai conduzir isso junto ao Ministério da Educação, junto aos outros Ministérios, do Planejamento, das finanças? Como vai trabalhar para envolver, por exemplo, a qualificação do professor? V. Exª falou uma coisa interessante. A escola tem que adotar a família. Na França, no Canadá, em Senegal e em outros lugares, há a figura do professor social, que eu acho que hoje não tem qualificação e não tem reconhecimento no Brasil. Seria um ponto, talvez uma gota d'água nessa grande proposta, mas isso já começaria a ter um grande sentido, porque se desloca só um profissional da área social para ir atrás do professor ou do aluno, e ele faz um estudo voltado para a questão social, mas, de logo, o professor iria, o diretor ou outro, à sala, à família. |
| R | Então, resumindo a minha pergunta, quero ver a sua sugestão de como deveremos fazer para que esse projeto tão necessário ao Brasil comece, de fato, a acontecer em todos os sentidos, porque o ser humano resiste às mudanças. É peculiar do ser humano. A moça está acostumada a sentar naquela cadeira ali. Se hoje o chefe daqui chegar e mudar aquela cadeira, ela terá resistência. O ser humano tem resistência à mudança de rotinas. É natural. E essa mudança é radical, é no professor, no reitor, no orientador, nas grades curriculares, não só no ensino básico. Como é que se forma um professor com a metodologia que há hoje, com uma grade curricular que há hoje no ensino pedagógico? Como se mudar uma mentalidade que está lá arcaica, ultrapassada, como diz V. Exª, numa camisa de força? Então, é preciso uma mudança, na linguagem mais simples, de cabo a rabo. Tem que pegar o ensino médio, o ensino básico como um todo, o universitário, etc. Então, eu queria saber de V. Exª como está se pensando em começar a colocar isso na prática e como vão se quebrar essas barreiras para esse projeto tão importante para a nação brasileira, esse projeto que, com certeza - eu concordo com V. Exª em todos os graus, em gênero, número e grau -, é o caminho para a revolução necessária para modificar o nosso País. Parabéns a V. Exª pela grande palestra que deu. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Agradecendo o Senador Telmário Mota, passamos agora a palavra à Senadora Marta Suplicy. A SRª MARTA SUPLICY (S/Partido - SP) - Bom dia, Ministro e Professor Mangabeira Unger, sempre é um prazer escutá-lo. Realmente, eu sempre fico impactada com a energia, a determinação e a convicção que V. Sª coloca nas suas ideias. Eu havia lido o paper antes e fiquei muito impressionada. Ele não pulou um item e não tinha uma anotação sobre o que estava colocando, o que é bem típico de quem o conhece. Suas ideias são sempre revolucionárias, inovadoras e, portanto, muito instigantes e muito difíceis de serem implementadas. A primeira coisa é saudá-lo pela persistência, porque realmente não é fácil ser vanguarda numa área tão difícil. Acho que o Senador Telmário colocou a dificuldade de introduzir mudanças, e a sua proposta é anos-luz do que nós temos como realidade. Ao mesmo tempo, também me impressionaram as informações que o trabalho contém. Então, não é um trabalho distante da realidade, de jeito nenhum. A equipe e V. Sª funcionaram muito bem, tiveram uma pertinência aos temas e conhecimento profundo da realidade. Agora, o proposto é muito distante da nossa realidade, e esta é a grande dificuldade da implantação. Eu percebi também dois tipos de dificuldade. Uma, primeira, é a cooperação dos entes federativos. Há diversidade. V. Sª coloca isso muito bem no seu trabalho. O País é imenso, as diversidades são gigantescas e, então, nós temos que ter pesos diferentes, recursos diferentes para os diferentes entes da Federação, mas essa cooperação só vai existir se a União se puser como carro-chefe, condutor, inclusive com recursos para isso, porque, hoje, as próprias secretarias de educação, estaduais ou municipais, não têm recurso para fazer o ínfimo do que aqui está sendo sugerido. A primeira tarefa é convencer a União, que tem Pátria Educadora como lema, que, primeiro, se nós não tivermos um projeto muito diferente do que nós temos hoje, não conseguiremos galgar o que temos, em poucas décadas. Não há possibilidade. Depois, os entes federativos precisam ser parceiros disso. Isso também não é tão fácil, mas tem que ser resolvido antes de pensar que nós podemos viabilizar. |
| R | Outras coisas e outros desafios são da própria classe educadora, que V. Sª colocou muito bem. Uma parte é dos tradicionais, que também vão se rebelar profundamente contra eles; e a outra parte é dos professores, cuja formação é muito inadequada, como é apontado, com o que concordo plenamente. Para se ter uma ideia, quando fui prefeita de São Paulo, as professoras de creche não tinham ensino fundamental, eram analfabetas funcionais. Nós tivemos de fazer um curso na USP de dois anos para que elas pudessem ter o mínimo de qualificação, pessoas que trabalhavam com muita generosidade, até, por vinte anos naquela situação, mas que não tinham formação, isso na cidade mais rica do País. Acho que talvez pudesse fragmentar isso para tornar mais possível. Como fazer com a creche, a pré-escola? Porque o ensino é muito ruim em todos os níveis, talvez com aspirações um pouco menores de formação, para que pudéssemos começar de baixo com uma formação menos precária do que hoje é. Há outro problema sobre o qual V. Sª talvez já tenha pensado. As crianças hoje, principalmente nas periferias das grandes cidades, mas nos Municípios também - aí não sei, mas imagino muito pobres - chegaram com déficit cognitivo. Quando comecei a ler sua parte de cognição, depois vi que era a outra coisa que estava se dirigindo. Porque essa parte cognitiva é muito importante para capacitação da aprendizagem, V. Sª estudou tudo isso. Então, por exemplo, há pesquisas que mostram uma criança com idade de alfabetização, ela pode chegar para ser alfabetizada de um lar tão carente que se você perguntar como se escreve elefante, ela não sabe que existe letra, porque ela nunca viu um livro ou uma revista. Ela vai dizer: "Elefante escreve grande, não é?" Quer dizer, ela não tem essa capacidade desenvolvida. Acho que não estaria tão errada se dissesse que uma parcela grande das crianças do nosso Brasil não tem isso desenvolvido. Temos que atentar a isso, porque todo processo depois tem um gap gigantesco de aprendizagem. Talvez pensar, se tivéssemos de quebrar todo o processo, em como fazer a formação desses primeiros. Agora, a formação é um desafio gigantesco, porque não há formação. Estou contanto esse exemplo de dez anos atrás de professora de creche de São Paulo sem ensino fundamental, imaginem nas outras cidades como seria. A outra questão que hoje no Brasil é um problema, como nós vemos no Paraná, nós vemos em São Paulo, nós vemos em todas essas cidades em que temos hoje greves de professores é o salário aviltante do professor. Eu concordo com V. Sª, demorei muito tempo para concordar com isso, mas hoje concordo, não é o salário que vai fazer a diferença para o professor, mas ele tem que ter carreira digna e carreira que permita a ele se construir como professor. Isso para o professor trará o salário melhor. Aí, V. Sª aponta no trabalho muito bem, que essa história de tocar uma escola como empresa tem seus méritos num certo nível, depois não acrescenta mais nada a meritocracia somente. Então, quero parabenizá-lo, acho que é um trabalho maravilhoso, que certamente não vai ser colocado em funcionamento com muita facilidade, mas o será, acho que ele é uma possibilidade para se discutir. Porque, nessas vertentes que V. Sª colocou, do ideário primeiro, esse é o primeiro embate: estamos todos de acordo de que temos de eliminar a enciclopédia? Vamos, então, fazer menos cursos e aprofundá-los? Quais? Como será esse currículo? Essa é uma grande de discussão que pode ser levada em termos nacionais, principalmente, seria a primeira forma de engajar o professor, porque ele está lá dando aquela aula. O que ele acha disso? |
| R | Depois, nas ações, nos primeiros passos, já colocando a importância da União e de os entes federativos se engajarem, a outra questão é que nós temos cidades no Brasil com prefeitos ou governadores que poderiam ter interesse. Não descartaria isso. Acho muito importante ter interesse em implementar algum desses passos, mesmo que não tenhamos conseguido ainda a cooperação total dos entes federativos, da União e de tudo o que fosse necessário. Acho que existem prefeituras que teriam interesse em: "Vamos ver como fazer!" "Está aqui isso, vamos tentar fazer!" E isso seria quase uma amostra piloto do que se pode fazer. E, depois, e esse debate é mais complicado, acho que vai ser um terceiro, vai ser fruto de alguns anos de experiências exitosas e da conscientização brasileira, porque, quando a gente fala: "O pai não reclama da péssima educação que o seu filho está tendo", olha, o que percebi é que não reclama mesmo, porque ele acha maravilhoso a criança estar tendo uma escola e comida, essa é a realidade. O pai não tem condição de informação para poder avaliar o que a sua criança está tendo. Então, na maioria deste Brasil, não podemos esperar dos pais grandes reivindicações. Temos que ter pessoas que saibam o que tem que se fazer. Parabéns, professor, pelo excelente trabalho! O SR. MANGABEIRA UNGER - Obrigado. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Obrigada, Senadora Marta Suplicy. Antes de passar a palavra, para considerações e respostas, ao Ministro Mangabeira Unger, gostaria, apenas, se me permitir, Ministro, de cumprimentar a sua equipe que se faz aqui presente, em nome do Sr. Vitor Chaves, que é Secretário Executivo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; do Sr. Felippe Nogueira Monteiro, que é o Chefe de Gabinete da Secretaria; do Sr. Daniel Vargas, que é o Secretário da Subsecretaria de Ações Estratégicas; do Sr. Alberto Lourenço, que é Secretário da Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável; do Sr. Carlos Sávio Teixeira, que é Assessor Especial da Secretaria; do Sr. Daniel Vila-Nova, que é Assessor Federativo; do Sr. Ramiro Santana, que é Gerente de Projetos da Secretaria; do Sr. Emmanuel Leal de Santana, que é Assessor Parlamentar das Relações Governamentais da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), que se faz aqui presente; do Sr. Felipe Farias, a quem agradeço a presença; bem como ao Sr. Walter Garcia, que é fundador do Instituto Paulo Freire; e ao Sr. Eduardo Jardim, que é Diretor da Associação Brasileira de Televisão (Abta), que, por assinatura, também se faz aqui presente. Passo, neste momento, para responder aos três Senadores, a palavra ao Ministro Mangabeira Unger. O SR. MANGABEIRA UNGER - Muito obrigado, Senadora. As três séries de indagações foram, ao mesmo tempo, úteis e instigantes. E gostaria, antes de respondê-las, começar por uma resposta de ordem filosófica. Estou acostumado, dado o meu temperamento e as minhas convicções, a encontrar a seguinte reação - e não estou dizendo que esta é a reação das Srªs Senadoras e dos Srs. Senadores, mas há uma ligação entre esta reação que vou descrever e um dos temas do nosso debate. Então, uma reação é: "Ele está muito bem intencionado, ele está se esforçando, é uma visão bonita, mas o mundo é uma muralha, e esta muralha vai desabar em cima da cabeça dele." Eu quero dizer algo sobre como entendo, em geral, a tarefa da ação transformadora e do pensamento programático. E vou dizer o que quero sugerir a esse respeito, na forma de um dilema característico que quem propõe alternativa no mundo todo os enfrenta. Se proponho algo muito distante do que existe hoje, as pessoas dizem: "É bonito, é muito bonito, é muito interessante, mas é utópico." Se proponho algo próximo ao que existe, as pessoas dizem: "É factível, mas é trivial." Então, neste clima de ideias que temos, no mundo de hoje, em que há uma ditadura de não alternativas, tudo o que se pode propor tende a parecer ou utópico ou trivial, e esse é falso dilema que resulta de um mal-entendido a respeito do pensamento programático e da ação transformadora. |
| R | Uma proposta transformadora ou uma ação transformadora tem dois atributos mais importantes: o primeiro atributo é que marque um caminho; e o segundo atributo é que defina, numa circunstância histórica específica, os primeiros passos, para começar a criar esse caminho. O pensamento programático não é arquitetura, é música; não é a respeito de planilhas, é a respeito de uma sucessão de passos. Então, tem de haver, em qualquer visão programática forte, um elemento profético que é a visão do rumo, mas tem de haver também o enfrentamento da realidade. É fácil ser realista, quando se aceita tudo. E é fácil ser visionário, quando não se enfrenta nada. O caminho é aceitar pouco e enfrentar muito. E aí chegamos à questão que foi levantada pela Senadora Marta Suplicy e pelo Senador Telmário Mota, e que também estava presente no seu questionamento, Senadora Simone Tebet. Como começar? E aí vou dar uma opinião pessoal minha, não é uma convicção ainda cristalizada no Governo. Vejo duas ordens de pontos de partida: um programático e outro processual e prático. A lei, o Plano Nacional de Educação, obriga o Governo a apresentar a chamada Base Nacional Comum, o currículo nacional, até meados do ano que vem. Portanto, é um prazo legal. A definição do currículo é uma obra conceitual. Custa um pouquinho, mas, basicamente, não custa dinheiro. Custa ideias, que são mais caras do que dinheiro. E o segundo ponto de partida programático é o desenho da cooperação federativa. É um desenho institucional, é uma obra de invenção jurídica e de negociação. Também não custa nenhum centavo, é uma ação normativa. A meu ver, essas duas ações conjuntas, o desenho da cooperação federativa em educação e a definição da base nacional como o currículo nacional, é que são os primeiros passos do ponto de vista programático. E há essa grande vantagem de que não custam dinheiro. Então, os constrangimentos do ajuste fiscal não são razão para não se deslancharem essas iniciativas. Mas essas duas ordens de ações, que são os dois primeiros passos no plano programático, têm de vir juntas com um primeiro passo de ordem prática, que é organizarmos, desde já, um debate a respeito da educação, diferente do tipo de debate que temos tido agora. Então, não pode ser apenas o debate entre os de sempre, porque, com o debate entre os de sempre, como eu dizia, vai ganhar seguramente o lado pior. E nós não vamos conseguir superar a aliança das ilusões teóricas, dos fetiches do politicamente correto e do corporativismo sindical, e, ainda por cima, da inércia burocrática. Então, como é que vamos quebrar isso? Não vamos quebrar sendo bem comportados e restabelecendo o tipo de debate que tivemos até agora. Só vamos quebrar tendo um debate diferente do debate que tivemos até agora, convocando os que não participaram até agora. |
| R | E esse é o sentido, Senadores, também da minha presença aqui. Estou pedindo a ajuda do Senado para acender as luzes e ampliar o debate. Agora eu quero responder mais especificamente a seus outros questionamentos, Senadora Simone. Vou combinar isso primeiro como observação a respeito de um comentário da Senadora Marta Suplicy. Este projeto, essa proposta, não contempla a questão dos primeiros anos, a primeira infância, fundamental para o desenvolvimento cognitivo. Nenhum de nós nega isso. Mas, aí, são ações que virão em um outro conjunto de propostas. Aqui, é o ensino fundamental e o ensino médio. A senhora me perguntou, Senadora Simone, a respeito da participação do MEC. Então, mais uma vez, eu quero ser claro: o Ministério da Educação participou desde o início, desde o primeiro momento. Eu assumi a Assuntos Estratégicos no dia 5 de fevereiro e, poucos dias depois, eu já estava trabalhando com o então Ministro da Educação e sua equipe. O Ministério da educação tem trabalhado em todas as etapas desse projeto, em todas as variações. Essa colaboração foi, evidentemente, perturbada pela sucessão inesperada que ocorreu na condução do ministério. Agora eu quero ser claríssimo: o projeto da Pátria Educadora não é meu. Quem conduz o projeto da Pátria Educadora é a Presidenta. A Secretaria de Assuntos Estratégicos tem uma equipe minúscula, não tem recursos financeiros consequentes e não tem poderes normativos. O que nós fazemos é assessorar - e assessorar a Presidenta, o Governo, o Estado e, se possível, até a Nação na organização desse debate sobre os projetos do Estado. Mas não sou eu que tenho o poder de decidir a sequência em que as coisas acontecem. Depois, a senhora me perguntou em seguida... A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Desculpe-me, Ministro. Se me permite para esclarecer - acho que V. Exª sabe -: nós temos um portal aqui, que é o Portal da Cidadania. O SR. MANGABEIRA UNGER - Sim. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - E, através dele, vários cidadãos e cidadãs podem elaborar suas perguntas. Eu, em função da escassez do tempo, vou entregar à sua assessoria algumas perguntas que já chegaram. Se puderem depois encaminhar por e-mail... Mas já dizendo que uma delas V. Exª acabou de responder. É do Tiago Guimarães de Oliveira, de Minas Gerais. Ele diz exatamente a respeito disto: "Críticas se ouve a respeito da não participação efetiva do MEC e de demais educadores na elaboração desta proposta inicial. [...] Por que o MEC e outros interessados não participaram?" Então, essa pergunta já foi respondida, e eu vou passar à sua assessoria as demais perguntas, que são várias, para que V. Exª possa responder. O SR. MANGABEIRA UNGER - Muito obrigado. A SRª MARTA SUPLICY (S/Partido - SP) - Pela ordem, Senadora. Eu ia sugerir - e agora V. Exª levantou... Esse portal é muito visto, Ministro. Não sei se, nesse portal, poderíamos colocar essa palestra, que já está aqui pronta, não é? E, talvez, o Ministro poderia estabelecer algumas questões focadas na palestra, para permitir uma interação. Isso para sindicatos de professores... O SR. MANGABEIRA UNGER - Ótimo. A SRª MARTA SUPLICY (S/Partido - SP) - ... para pessoas que não se interessam por sindicato, ou que não estão dando aula nessa área, mas que poderiam colaborar. Porque, se estamos aqui com essa ideia, que é muito instigante, interessante e possível, nós temos que começar a agitar. E, aqui, o Senado tem um pequeno instrumento. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Excelente sugestão, Senadora Marta. Nós já vamos solicitar ao Júlio, Secretário da Comissão, que, acatando a sua sugestão, possa colocar no portal pelo menos as diretrizes básicas da palestra do Ministro, não sem antes, claro, ouvir a equipe naquilo que possa entender mais importante e fundamental. O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Srª Senadora Simone Tebet, pela ordem. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Pela ordem, Senador Hélio José. |
| R | O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Queria cumprimentá-la pela direção dos trabalhos, Excelência, cumprimentar o nosso Ministro Mangabeira Unger, pela presença, e dizer que não pude chegar antes porque estava na Comissão de Ciência e Tecnologia e depois na Comissão de Assuntos Econômicos, também assuntos fundamentais para todos nós. Este projeto Pátria Educadora é muito importante. Eu não pude ouvir todo discorrer da apresentação do Mangabeira, mas eu pretendo ler toda sua explanação. Eu estou trabalhando no intuito, Mangabeira, de fazer um acordo, de fazer uma discussão com o Ministro da Educação, no intuito de juntarmos, em nível da qualificação educadora - que é de todos, e não de um, ou meia dúzia, ou grupinho A, ou do grupinho B, mas do interesse coletivo da nossa Nação -, e fazermos também o aproveitamento para melhor ensinar a utilização da energia - a energia notadamente elétrica -, porque sem energia ninguém faz nada neste País. Como engenheiro eletricista que sou, servidor público concursado, analista de infraestrutura, eu pretendo introduzir, nas várias escolas nacionais, a questão do aproveitamento da energia solar. Eu queria contar com sua parceria nessa questão desse diálogo que eu quero ter com o Ministério da Educação e também com o próprio Ministro da Saúde para que as nossas escolas e os nossos centros de assistência social sejam utilizados para educar nossa Nação sobre a questão da economicidade da energia. Podemos fazer uma parceria no intuito de trocar as luminárias de fluorescentes ou incandescentes para LEDs - 70% mais econômico e com maior luminosidade. E, principalmente, podemos discutir uma matriz energética limpa, saudável, que não seja geradora de chuvas ácidas, que não utilize hidrocarbonetos como insumo básico para geração. Inclusive, apresentei projeto nesta Casa visando, no médio e longo prazos, a acabar com essa utilização de diesel e insumos de petróleo para geração de energia, a não ser em casos extremos. Eu acho que nós poderíamos, a proveito desse debate tão relevante que o senhor faz aqui com relação ao Pátria Educadora, avançar, como eu fiz aqui em Brasília. Em Brasília, há 33 regiões administrativas. Como eu não tinha dinheiro para pôr em todas, eu escolhi uma escola em cada uma das principais cidades. No meu projeto - que eu tinha direito - impositivo, estou colocando verba para essas escolas serem autossuficientes em energia fotovoltaica e para que haja troca dessas luminárias com o principal objetivo: para que aqueles alunos que frequentam ali possam irradiar isso para suas casas, para suas famílias e para que sobre recurso para aquela escola - que está sendo gasto com essa tarifa enorme de energia - poder investir em recursos psicopedagógico. Fiz isso também, com a parte impositiva que eu tinha que fazer para a saúde, em três grandes hospitais do DF, que são: o Hospital Regional de Ceilândia, o Hospital Regional do Paranoá - concluindo, Srª Presidente - e o Hospital Regional de Samambaia. Eu gostaria de colocar isso pelo menos em alguns pontos pilotos nos 27 Estados brasileiros, por isso estou fazendo este pronunciamento aqui, dizendo ao senhor que me coloco - como membro de algumas comissões do Senado Federal, como Presidente da Frente Parlamentar da Infraestrutura, como membro da CMO, justamente na relatoria da indústria, do comércio e da micro e pequena empresa, como parceiro - à disposição para juntos atuarmos também nesse processo educativo tão importante para o desenvolvimento industrial, empresarial, sociológico do nosso País, que é a questão do bem utilizar da nossa energia. Muito obrigado. Parabenizo V. Exª. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Obrigada, Senador Hélio José. Aproveito a sua colocação para lembrar aos membros desta Comissão que já foi aprovado um requerimento convidando o Ministro da Educação para uma audiência pública. A Secretaria da Comissão está vendo a data mais oportuna para o Ministro, que se encontrava também fora do País em missão oficial. Eu volto a palavra ao Ministro Mangabeira Unger, para que ele possa continuar seus esclarecimentos. O SR. MANGABEIRA UNGER - Primeiro, Senador, só respondendo na mesma direção que o senhor propõe, mas em um tema distinto: uma das prioridades com respeito à base física da educação é a universalização da conectividade à internet. Isso é fundamental. Estamos elaborando um projeto focado nisso para o qual também precisaremos do apoio do Senado. |
| R | Agora, Senadora Simone, quero voltar as suas indagações. A senhora perguntou a respeito do currículo enciclopédico, um enciclopedismo exuberante. Existe de fato um consenso, agora, de que há de haver um enxugamento radical do currículo, mas, nesse ponto, surgem aqueles debates que eu enumerei, os três debates a fazer em seguida. Não creio que a substituição da enciclopédia grande pela enciclopédia pequena seja a melhor solução. O que eu quero é uma ruptura de vez com o enciclopedismo e a combinação de um ensino de orientação analítica com o ideal de aprofundamento seletivo, também conhecido como ensino por projetos. Depois, a senhora levantou o assunto da flexibilidade no currículo. Há uma grande vantagem, sobretudo nos degraus superiores do ensino básico, o ensino médico, em permitir ao aluno, até certo ponto, construir o seu próprio caminho, mas a flexibilidade não deve ser confundida com a especialização rígida. Esta é uma das tragédias da educação brasileira: obrigar os adolescentes a escolher o que vão ser na vida. Não há sentindo nisso. É um absurdo. E tivemos isso na etapa histórica anterior, na divisão entre os cursos clássico e científico. A flexibilidade não pode criar uma especialização que seja nem rígida nem irreversível. A senhora também pergunta sobre o ensino cívico e moral, e vou ser franco. Novamente é o meu ponto de vista, não é uma tese do Governo porque não foi objeto de debate. Há uma experiência mundial inequívoca de que ensino moral, doutrinação moral na escola não funciona. Acaba no ridículo e é repudiado. A escola não é para substituir a família, a igreja ou a consciência. É incompatível com a consciência republicana e com a missão libertadora da escola. Não devemos confundir aquilo que chamei da aquisição de capacitações e comportamentos, autodisciplina e cooperação com doutrinação moral. Aquelas capacitações e aqueles comportamentos são moralmente neutros. Por fim, a senhora me perguntou a respeito da importância do salário. A Senadora Marta Suplicy disse exatamente o que penso. O salário é um elemento importante, mas é um elemento importante no conjunto. Simplesmente aumentar salário, sem mudar o sistema, sem organizar uma carreira atraente e respeitada de professor, não funciona! Temos muitos experimentos inequívocos de que o aumento do salário por si só... Não é que produza pouco resultado, costuma produzir nenhum resultado! Portanto, o nosso foco deve ser a organização da carreira no conjunto como instrumento dessa transformação, dessa forma um salário digno é um elemento imprescindível dentro do conjunto. Fora do conjunto, vale nada! A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Só para deixar bem claro meu posicionamento, Ministro. São duas questões para ficarem claras. Comungo de muito do que V. Exª disse. Em relação ao piso, é óbvio que é fundamental a organização da carreira, mas o que sustento - é a minha colocação -, e, por isso, mencionei a questão do corte de R$9 bilhões, é a falta, realmente, de uma maior cooperação entre União, Estados e Municípios, talvez repensando a questão do Fundeb no sentido de um cofinanciamento maior. |
| R | A organização da carreira é fundamental. O que se paga, posteriormente, ao professor tem que ser em razão do mérito desse professor, o pós-graduado com salário diferente, mas o piso inicial, a meu ver, em um país, hoje, de oportunidades, porque avançamos muito nos últimos anos, é vergonhoso. Um aluno tem condições de sair do ensino médio, fazer um curso profissionalizante, por exemplo, pelo Pronatec, um dos programas fundamentais na área do trabalho, e ganhar mais do que um professor na carreira inicial. Então, quando falo em relação ao piso ser tão importante quanto à carreira, é para ter uma base. Essa base, infelizmente, é insuficiente para atrair verdadeiras vocações. É só nesse sentido. O SR. MANGABEIRA UNGER - Concordo. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Quantos talentos deixam de ir para a sala de aula, com vocação e com sonho de dar aulas por toda uma vida, porque falam que têm uma família para sustentar! É nesse sentido que coloquei a questão do piso salarial. O SR. MANGABEIRA UNGER - Concordamos, desde que não confundamos esse compromisso tão importante com aquilo que, e a senhora reconhece, seria uma ilusão, que é a ideia de que o salário por si só resolve. Não resolve! A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Sem dúvida. Por fim, a questão, sem aqui usurpar a função da Presidência, Senadora Marta, Senador Dalirio, é não instituir a volta de uma disciplina como educação moral e cívica, porque podemos correr o risco, dependendo do governo que se tenha, de má utilização dessa disciplina. Tivemos em um passado muito recente uma experiência não muito agradável. Digo talvez na transversalidade, senão na verticalidade de uma disciplina, quando estiver, por exemplo, dando análise sintática ou morfológica no português ou quando em história, em que há capítulos ou frases que o aluno vai estudar que são verdadeiras noções de cidadania, de meio ambiente, mesmo de ética, sem partir para essa questão da moral, porque, embora a escola não tenha obrigação de substituir a família e nem é o foro competente - e V. Exª está correto nesse sentido - para isso, de alguma forma temos que ajudar essa família muitas vezes desestruturada. Hoje, na parte de história, somos obrigados, e é muito bem vista essa sugestão feita recentemente, a colocar no currículo, por exemplo, história da raça negra, ou seja, a trazer para a escola noções de ética, de meio ambiente, cidadania, sem substituir efetivamente o papel da família. É nesse sentido que eu queria uma colocação de V. Exª, mas V. Exª já respondeu. Entendo o posicionamento e agradeço inclusive. Vou refletir a respeito dessas colocações. O SR. MANGABEIRA UNGER - Só um brevíssimo esclarecimento. Mais importante do que a doutrinação moral é cultivar a imaginação moral. Uma das melhores maneiras de se cultivar a imaginação moral é estudar literatura. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - V. Exª pode continuar. O SR. MANGABEIRA UNGER - Não, não... A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Já terminou em relação ao questionamento da Senadora Marta? (Pausa.) Então, passo a palavra, para suas considerações - é a última oradora inscrita, Ministro; se V. Exª aguardar mais um pouco, temos só mais uma Senadora inscrita -, à Senadora Fátima Bezerra. A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Ministro, quero pedir a compreensão de V. Exª e dos demais colegas Parlamentares, uma vez que tive que me ausentar, pois, naquele exato momento, a reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte tomava posse, e eu tinha que ir abraçá-la. Mas, enfim, Ministro, primeiro, já tive oportunidade de conversar um pouco com o senhor e, portanto, expressar, claro, o nosso sentimento pela iniciativa que V. Exª teve ao lançar o documento Pátria Educadora, movido, todos sabemos, pelo sentimento, pelo desejo patriótico que o senhor tem de ver avançar uma política pública de caráter estruturante para o desenvolvimento de uma nação que se pretenda generosa, inclusiva, com distribuição de renda, com inclusão social, que é a política pública relacionada à educação. |
| R | Entretanto, Ministro, como já disse também ao senhor em outras ocasiões, o senhor sabe que o documento despertou muita polêmica e muito debate, o que é bom, debate inclusive com algumas críticas que quero aqui dizer que não vêm só do movimento sindical, inclusive com toda legitimidade que tem o movimento sindical, que tem o movimento social. O documento recebeu críticas também, por exemplo, de uma das instituições, hoje, de maior legitimidade na luta em defesa da educação, que é o Fórum Nacional de Educação. Nesse sentido, Ministro, quero colocar aqui para o senhor, por exemplo, a nota que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação lançou quando se posicionou sobre o documento "Pátria Educadora: A Qualificação do Ensino Básico como Obra de Construção Nacional", que foi divulgado agora em maio. Na verdade, a crítica que a CNTE, repito, que representa mais de 2,5 de professores e servidores da educação, fez foi principalmente no que diz respeito ao documento Pátria Educadora não ter vindo associado às diretrizes e metas do Plano Nacional de Educação, e essa mesma leitura foi feita também pelo Fórum Nacional de Educação, quando coloca que: Para a CNTE, o norte da Pátria Educadora deve se concentrar no cumprimento integral da Lei 13.005, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024), observando-se o conjunto de diretrizes do Plano (art. 2º da Lei) e os prazos para implementação das 20 metas e das 254 estratégias. Aliás, Ministro, para falar do prazo exatamente de cumprimento de metas, estamos, neste exato momento, às voltas com o cumprimento de uma meta muito importante do PNE, que é a meta que estabelece que os Estados e Municípios têm até o dia 24 de junho para aprovar os seus planos municipais e estaduais de educação. Essa meta é importantíssima e estratégica, até porque o Plano Nacional de Educação só se realizará se de fato tivermos os planos municipais e estaduais. Segundo, diz ainda a nota da CNTE: E para que o PNE saia efetivamente do papel, é preciso, desde já, construir as bases para a regulamentação (institucional) do Sistema Nacional de Educação e do Regime de Cooperação na educação básica [...] A cooperação federativa, inclusive, deve prever a implantação do Custo Aluno-Qualidade (Inicial e Permanente) [...] Essa é uma meta também muito importante do nosso Plano Nacional de Educação, porque dialoga exatamente com o financiamento que se faz necessário para cumprir as metas do Plano Nacional de Educação desde a expansão da oferta educacional até a meta da valorização do magistério. Diz ainda: Embora haja coerência de parte do diagnóstico do projeto Pátria Educadora [que o senhor está coordenando] com as ações indicadas no PNE (regime de cooperação, valorização profissional, ênfase na aprendizagem dos estudantes), sua abrangência é limitada e as concepções de algumas políticas e ações indicadas como prioridades revelam retrocessos no debate educacional e precisam ser revistas, a fim de que o projeto alcance os objetivos maiores a que se propõe: (i) construir um ideário nacional em torno da educação; (ii) definir ações que sinalizem o caminho a percorrer e (iii) organizar o debate que engaje a Nação na definição e execução das tarefas. Essas são algumas considerações do documento, repito, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Quero, agora, também, Senadora Simone, só pontuar para o Ministro algumas considerações da nota do Fórum Nacional de Educação. |
| R | E estou fazendo isso, Ministro, porque eu acho que é importante, neste diálogo que aqui estamos fazendo, trazer as ideias fruto do debate dessas entidades tão emblemáticas e tão representativas da luta e do compromisso com a educação brasileira. Com relação à nota do Fórum Nacional de Educação, Ministro, aqui a nota também coloca - porque o Fórum, como o senhor sabe, é uma entidade que congrega as diversas instituições, seja no âmbito do Poder Público, seja no âmbito da sociedade civil, comprometidas com a luta em defesa da Educação, o Fórum, inclusive, que tem um papel institucional consagrado no próprio PNE - "que a ele compete, exatamente, acompanhar e monitorar, Senadora Simone Tebet, todas as metas e estratégias do novo Plano Nacional de Educação." Essa, inclusive, é uma atribuição institucional do Fórum, em parceria, claro, com o Legislativo, no caso, com as Comissões de Educação da Câmara e do Senado. Pois bem, o Fórum Nacional de Educação, instituído como órgão, manifesta-se no debate e coloca aqui, Ministro Mangabeira, sobre a pertinência e a urgência de dar consequência ao lema Pátria Educadora, além de saudar a iniciativa de V. Exª. No entanto, torna pública sua discordância com o processo de elaboração e o conteúdo do documento em debate, explicitando abaixo algumas divergências: a) reafirmamos que o PNE e o Documento Nacional da Conae/2014, realizada no período de 19 a 23 de novembro, tratam da Educação Nacional, em todas as suas etapas, níveis e modalidades, portanto, o direito a educação de todos e todas, que precisam ser considerados na sua diversidade e complexidade, não sendo reduzido ao conceito de ensino básico, reiterado diversas vezes no documento supracitado; b) o Sistema Nacional de Educação é fruto de uma construção histórica, com muitos embates já vivenciados e que alcançam, no século XXI, todo um esforço de realização das conferências municipais, distritais, estaduais e nacionais; a instituição dos fóruns municipais, estaduais e nacional, ainda distante da configuração de um federalismo cooperativo, todavia, nos habilita a discordar da visão de que [abre aspas]: "A educação pública no Brasil tem sido simultaneamente desorganizada e uniforme: uniforme no conformismo com a mediocridade"; c) em relação a maior organicidade entre financiamento e gestão da educação, reafirmamos a necessidade de assegurar a ampliação dos investimentos de forma a cumprir a meta de 10% do PIB, considerando a repactuação da distribuição desses recursos entre os entes federativos, implicando em mais do que uma rearticulação das funções do FNDE, em contraponto ao modelo sugerido no documento e na direção do que está previsto no PNE, conforme prevê o art. 7º, §5º, da referida lei que trata da instância permanente de negociação e cooperação; d) reiteramos que a pauta da valorização dos profissionais encontra-se equivocada em várias de suas considerações no documento: retoma o destaque para premiação por desempenho [abre aspas]: "Duas séries de iniciativas podem aproveitar, em grande escala, este potencial dos diretores para promover mudanças: as que premiam escolas por alcançar metas de desempenho e as que intervêm na formação dos diretores". Por fim, Ministro, eu quero aqui, também, na condição do Fórum, eu sou membro do Fórum Nacional de Educação, representando aqui o Colegiado desta Comissão, claro, dizer ao senhor que esse documento aqui é uma contribuição ao debate, e o senhor já tem conhecimento de que o Fórum está à disposição para fazer o debate com V. Exª, para que nós possamos aprofundar aqui toda a discussão. Finalmente, Senadora Simone, eu quero deixar aqui para o Ministro Mangabeira, para reflexão dele, alguns questionamentos para reflexão. Se for possível ele fazer essa reflexão agora, conosco, senão, em outro momento: primeiro, qual a diferenciação que V. Exª faz entre o conceito de ensino e o conceito de educação? O Plano Nacional de Educação, conforme eu já falei, foi sancionado sem nenhum veto pela Presidenta Dilma. |
| R | E digo mais, Ministro Mangabeira: eu fui, com muito orgulho, uma das articuladoras do Plano Nacional de Educação. Foi um dos momentos mais bonitos vividos pelo Congresso Nacional no que diz respeito a colocar a agenda em defesa da educação no centro do debate. Algo nos chamou a atenção naquele momento: foi o Plano Nacional de Educação ter recebido mais emendas, até então, do que o projeto recordista nesta Casa, que tinha sido, exatamente, o projeto da Constituinte, a Constituinte Cidadã, assim cunhada, saudada pelo Deputado, o então Presidente da Casa, Ulysses Guimarães. Pois bem, o PNE recebeu mais emendas do que o projeto, à época, da Constituinte. Segundo, Ministro, falo aqui, também, com a minha alma e sentimento de professora. Acho que o Plano Nacional de Educação é uma das mais bonitas apostas na luta em defesa da agenda voltada para a educação brasileira. Sabe por que, Senadora Simone? Porque no Plano Nacional de Educação trata exatamente disto, da Pátria Educadora. O que é que quer o Plano Nacional de Educação? O Plano Nacional de Educação quer mais escola, quer mais educação em tempo integral, quer mais creche, quer mais ensino superior, quer mais escola técnica, quer mais pré-escola, quer mais ensino fundamental, quer mais ensino médio. E ele não quer só isso, ele quer mais escola e ele quer mais educação, mas ele quer educação com qualidade. Por isso que nós não podemos, de maneira nenhuma, negligenciar, com as Metas 17 e 18 do Plano Nacional de Educação, que são as metas que tratam não só da questão salarial, mas da questão da formação. Eu acalento este sonho, Ministro Mangabeira, de ver, um dia, os professores do Brasil da rede básica, que são responsáveis pelo atendimento de mais de 50 milhões de estudantes por este País afora, eu acalento o sonho de ver esse professor, um dia, com o patamar de dignidade salarial que ele merece. A Senadora Simone, aqui, colocou, é evidente, que este salário inicial de R$1,917 mil está muito distante daquilo que o professor precisa, daquilo que o professor merece. V. Exª tem toda a razão, Senadora. Mas, infelizmente, nós vivemos num País em que, não faz muito tempo, meus colegas professores da rede básica ganhavam menos da metade de salário mínimo, e não era só na Região Nordeste, não. Até em outros Estados. Essa realidade começou a mudar a partir do advento da Lei nº 11.738, projeto de lei enviado ao Congresso Nacional pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa realidade começou a mudar a partir, exatamente, daquele momento. A Meta 17, do PNE, ainda está aquém, mas significa, claro, sem dúvida nenhuma, um passo importante, porque a Meta 17 trata de a gente, com base nos estudos do IBGE, equiparar o valor médio do salário do professor ao valor médio dos demais profissionais com formação equivalente. E, associado a isso, o quê? O plano da formação inicial, da formação continuada. Ministro Mangabeira, ora, por que não dar aos professores da rede de educação básica o direito que já é dado aos professores da universidade de continuarem a sua formação inicial para aperfeiçoar o seu processo de formação da meritocracia? O PNE coloca lá, como meta, que, nos próximos dez anos, a gente garanta que, no mínimo, 50% dos professores da rede de educação básica no País tenham o direito de fazer a sua pós-graduação. E isso exige financiamento, assim como o Custo Aluno-Qualidade. Tudo isso exige financiamento. Por isso, a luta, bem-vinda, dos 10% do PIB, por isso, a luta, bem-vinda, das novas fontes de financiamento, através dos royalties do petróleo e através dos 50% do Fundo Social do Pré-Sal. |
| R | Dessa forma, Ministro Mangabeira, acho que o caminho agora é o de aprofundarmos o debate cada vez mais, tendo como norte o Plano Nacional de Educação, tendo como norte o Sistema Nacional Articulado de Educação, para trazer, de fato, o regime de cooperação técnica e financeira, elencando prioridades, como, por exemplo, a nova reformulação do Fundeb, cuja vigência está expirando. Estamos fazendo este debate aqui e queremos manter o Fundeb. As crianças do Brasil precisam do Fundeb, mas de um novo Fundeb, não é, Senadora Simone? Precisam de um Fundeb que dialogue, inclusive, com o novo Plano Nacional de Educação. Por isso, vamos ter de ampliar a participação financeira da União junto aos Estados e Municípios. Mas é isto, Ministro Mangabeira: quanto mais debate houver em prol da educação, melhor será. A SRª PRESIDENTE (Simone Tebet. Bloco Maioria/PMDB - MS) - Obrigada, Senador Fátima Bezerra. Antes de passar a palavra ao Ministro para responder e fazer suas considerações finais, eu gostaria apenas de esclarecer que, na realidade, o requerimento de convite ao Ministro é de autoria da Senadora Ana Amélia, que se encontra na França em missão oficial, representando o Senado na 83ª Assembleia-Geral da Organização Internacional de Saúde Animal, junto com a Ministra Kátia Abreu. Por isso, ela não pôde estar presente aqui. Temos uma data também para a vinda em audiência pública do Ministro da Educação. Esse, sim, é um requerimento de nossa autoria. Essa audiência está marcada para o dia 9 de junho. Antes de passar a palavra ao Ministro, passo, por direito, a Presidência à Vice-Presidente da Comissão, Senadora Fátima Bezerra. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Com a palavra, o Ministro. O SR. MANGABEIRA UNGER - Muito obrigado, Senadora. Responderei brevemente. Primeiro, abordei o tema da relação dessa proposta preliminar com o Plano Nacional de Educação como a terceira das quatro preliminares de que tratei na minha explanação. Começo por reiterar que não apenas não há qualquer contradição entre essa proposta e o Plano Nacional de Educação, como também essa proposta é o complemento do Plano Nacional de Educação. Sem um desdobramento como esse ou outro, o Plano Nacional de Educação não alcança eficácia. O Plano Nacional de Educação é uma lei arcabouço, como eu dizia. Ele organiza procedimentos e fixa metas. A grande maioria dessas metas é de metas quantitativas, metas que têm a ver com o acesso ao ensino. O projeto Pátria Educadora é um projeto de qualificação do ensino básico, para transformar em realidade aquilo que o Plano Nacional de Educação quer. Nós fizemos na Secretaria de Assuntos Estratégicos um estudo pormenorizado da relação entre as propostas da Pátria Educadora e o Plano Nacional de Educação, artigo por artigo, demonstrando não apenas a compatibilidade, mas também a complementaridade entre o Plano Nacional de Educação e essas propostas. A lei arcabouço tem de ser preenchida de conteúdo, e aqui está uma proposta de conteúdo. A segunda observação que faço é que, na organização desse ideário e dessas propostas, temos procurado falar com todos, com todos. Eu, pessoalmente, já falei com meio mundo na educação brasileira e pedi uma oportunidade de discutir, em pessoa, com o Fórum Nacional de Educação. Já temos uma data marcada para esse debate. |
| R | Terceiro, como eu disse aqui na minha explanação, está escrito no documento oficial o que reafirmamos na discussão que tivemos aqui: não há projeto de qualificação do ensino básico que possa funcionar sem o professor e sem uma carreira respeitada, atraente e organizada que recrute alguns dos melhores talentos do País. Por fim, quero observar, com grande franqueza, que esse terreno da educação é um terreno minado. E uma das muitas maneiras pelas quais o terreno é minado é o apego a certos contrastes de nomenclatura que, do meu ponto de vista, à luz da experiência mundial, não fazem sentido. Então, é a geografia semântica do politicamente correto. Vou dar alguns exemplos: "currículo nacional é ruim, base nacional comum é boa", "capacitação é ruim, competência é boa", "ensino é ruim, educação é boa". Nós precisamos sair disso. Precisamos de conteúdo, precisamos de ideias, precisamos de iniciativas. O grande perigo desses contrastes taxonômicos é que eles servem como substitutos das opções candentes que temos de tomar à luz do pensamento e da experiência. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Terminou, Ministro? O SR. MANGABEIRA UNGER - Sim. A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Quero registrar a presença, com muita alegria, do nosso Senador Paim, que é Presidente da Comissão de Direitos Humanos. Pergunto ao Senador Paim se ele quer fazer uso da palavra. O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Só quero cumprimentar o Ministro Mangabeira. Eu estava numa série de reuniões e só consegui chegar aqui agora, mas estou sabendo que sua palestra foi mais brilhante do que o próprio documento. Então, meus cumprimentos a V. Exª! A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Ministro, nós queremos agora, no encerramento da presente audiência, mais uma vez, agradecer a presença e a participação dos nossos Senadores e Senadoras e dizer a V. Exª que, enfim, o caminho é este, o caminho de aprofundar o debate. Na terça-feira, dia 9, o Ministro da Educação, Renato Janine, vai estar aqui. Entendemos, Ministro, que o lema Pátria Educadora, volto a dizer ao senhor, deve se efetuar por meio da instituição e da efetivação do Sistema Nacional de Educação, reafirmando o federalismo cooperativo, garantindo políticas públicas articuladas intersetoriais, direcionadas à efetivação do direito à educação de todos e todas em todos os níveis, etapas e modalidades, assegurando o atendimento das especificidades das populações historicamente excluídas do processo educacional. Por isso, nós reafirmamos a necessidade de maior organicidade entre financiamento e gestão da educação, assegurando a ampliação dos investimentos, de forma a cumprir a meta de 10% do PIB, na direção da justiça social e da superação das assimetrias de toda ordem; a valorização dos profissionais da educação entendida pela articulação entre formação inicial continuada, salário, carreira, condições de trabalho e saúde; a concepção ampla de educação e de currículo, que ratifica a unidade nacional na diversidade, conjugando igualdade e diferença, superando o modelo homogeneizador e prescritivo centrado nas avaliações estandardizadas e classificatórias; a manutenção e ampliação das políticas de educação continuada, de alfabetização, de diversidade e de inclusão no contexto da concepção de uma formação que contemple a educação integral; a coordenação das políticas educacionais pela União e a articulação com os demais entes federados e com o sistema de ensino, na ampliação do diálogo e na garantia da efetiva participação social, destacando-se o fortalecimento dos fóruns nacionais, do Fórum Nacional, Estadual, Distrital e Municipal de Educação, e o papel das respectivas conferências da educação. |
| R | É isso, Ministro. Na verdade, quando ressaltamos aqui o papel do Plano Nacional de Educação, estamos exatamente movidos pela leitura que fazemos de que o Plano Nacional de Educação, na verdade, é a memória do povo, é a memória da sociedade. Por quê? Porque o Plano Nacional de Educação é o resultado de um debate que incorpora as conferências, como o senhor bem sabe e valoriza, e as conferências que foram retomadas, depois dos anos 80, não foram conferências quaisquer. A última conferência que fizemos aqui, em Brasília, foi uma das maiores conferências de educação realizadas nessas últimas décadas. É a memória da sociedade, porque, nessas conferências, estão exatamente o quê? Os representantes: os estudantes, os professores, os pais, os gestores, os intelectuais, enfim, todos aqueles e aquelas que têm compromisso com a luta em defesa da educação e que querem ver exatamente a educação avançar, repito, pelo caráter fundante que ela tem, pelo caráter exatamente estratégico que ela tem. Então, o que nós queremos, na verdade - é por isso que foi muito bom este debate; quero saudá-lo e agradecer a sua participação -, é avançar cada vez mais na direção da Pátria Educadora. Muito obrigada, Ministro. O SR. MANGABEIRA UNGER - Obrigado. (Palmas.) A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Antes de encerrar a presente reunião, solicito aos Srs. Senadores que permaneçam no plenário para a realização da 21ª Reunião Deliberativa, Extraordinária, da Comissão de Educação, a ser realizada em instantes. Senador, peço a sua compreensão e a do Senador Paim. Seremos breves. Agradecendo a presença de todos, declaro encerrada a presente reunião. (Iniciada às 10 horas e 48 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 16 minutos.) |
