15/06/2015 - 39ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Declaro aberta a 39ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 21 desta Comissão, de minha autoria e de outros Senadores, para debater Direitos Humanos e Saúde, e a questão do HIV.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas aos nossos convidados, podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, link: www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Senador Hélio José está aqui presente conosco. Eu farei aqui uma pequena introdução, porque estamos ao vivo pela TV Senado, pela Rádio Senado e pela Agência Senado.
Vocês podem olhar no vídeo e fazer comentários sobre a importância desta audiência e, em seguida, quando vocês começarem a falar, naturalmente vocês serão ouvidos por todo o Brasil.
Eu vou fazer uma pequena introdução para situar todos sobre o tema do dia de hoje. Essa introdução que a gente faz é construída sempre pela Consultoria do Senado. Vocês têm direito de concordar ou de discordar. Mas sempre a intenção desta introdução é de situar o tema para o telespectador e de deixar que os debatedores coloquem o seu ponto de vista.
Esse é o objetivo da audiência pública. A intenção desse texto inicial, que eu sempre apresento, é de que eles saibam o que está sendo discutido aqui.
Na presente oportunidade, vamos discutir o tema “Direitos Humanos e Saúde”, com o foco na situação atual de combate à disseminação do vírus HIV. Antes de iniciarmos os debates, vamos tecer aqui alguns breves comentários sobre o tema.
Apesar dos recentes e importantes avanços da pesquisa médica relativa à aids, é preocupante constatar que a propagação do HIV continua aumentando no Brasil, especialmente quando analisados certos estratos da população. Apesar do aumento do número de pacientes submetidos ao tratamento antirretroviral no País - que passou de 165 mil em 2002, para 353 mil em 2013 - e do investimento em diagnósticos rápidos, quase instantâneos, para detecção da doença, o número de casos de contaminação do País cresceu, em resumo, 11%, de 2005 a 2013, na contramão do cenário global, em que as ocorrências de infecção apresentaram redução de 28%.
É um dado que eu também não sabia. Para mim tudo aqui é novidade. Como eu não censuro nada, eu leio aqui o que eu recebo.
Então, a contaminação no Brasil, de 2005 a 2013, aumentou 11%. Enquanto internacionalmente, diminuiu 28%.
Vou ler exatamente como está aqui: na contramão do cenário global, em que as ocorrências de infecção apresentaram redução de 28%. Os dados fazem parte do relatório divulgado em julho de 2014 pela UNaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids), que constatou, ainda, aumento de 7% de mortes pela doença no mesmo período.
Os jovens entre 15 a 24 anos formam um dos grupos que mais preocupam as autoridades e profissionais da saúde envolvidos com o combate à aids no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, em oito anos foram registrados mais de 30 mil casos da doença nesse grupo da população.
É um dado muito preocupante. Aqui está a razão desta audiência pública, provocada pelos senhores e pelas senhoras, pois os jovens constituem a reserva técnica, que garante o desenvolvimento do futuro de qualquer País.
Se essa reserva é dilapidada por guerras, por violência ou por epidemia, as Nações talvez não percebam os efeitos imediatos.
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Mas, certamente, irão experimentar decréscimos em todos os indicadores socioeconômicos, quando essa geração combalida se tornar protagonista no cenário local.
Outra situação que preocupa e entristece é a precarização do fornecimento dos chamados kits para o tratamento das pessoas vivendo com o HIV. São frequentes as reclamações dos Estados, que se ressentem de dificuldades no repasse dos kits por parte das autoridades.
A distribuição frequentemente esbarra na burocracia e nas longas licitações, o que espanta, pois tal política pública deveria ser tratada de forma prioritária, com regime mais simplificado de aquisição, dada a sua urgência e importância no âmbito da saúde pública.
Outro dado que nos põe em estado de alerta é que, se existe um declínio na eficiência das políticas públicas relativas à aids, por conseguinte, correm risco todas as medidas de combate às demais doenças sexualmente transmissíveis, como, por exemplo, a sífilis e algumas variações de hepatite.
Embora menos devastadoras que a aids, esses males também são responsáveis por um número significativo de óbitos e de sequelas que aniquilam a força de trabalho da população e lhe retiram qualidade de vida.
O Brasil, senhores e senhoras, já foi referência mundial no combate ao HIV, com seu pioneirismo na massificação dos medicamentos por meio do SUS, em campanha de esclarecimento eficaz.
Terminando agora, precisamos, enfim, recuperar essa posição no cenário mundial, não só para resgatar o respeito perante outros países que nos têm como espelho, mas, principalmente, para dar resposta às necessidades da população brasileira, que paga imposto, banca o Estado e espera dele serviços públicos de qualidade em todas as áreas, especialmente na área da saúde.
Essa é só uma introdução do tema. Não visamos aqui fazer juízo de valores de quanto está sendo ou não cuidada a questão HIV, tão importante para todos nós.
Nós vamos deixar que os nossos convidados - depois dessa leitura do texto que situou quem está assistindo - exponham seu ponto de vista, com muito mais qualidade do que o comentário que fiz aqui rapidamente.
Então, vamos de imediato aos nossos convidados.
Convido o Assessor de Ações Estratégicas do Departamento de DST/aids - SVS, do Ministério da Saúde, Sr. Ivo Brito. Seja bem-vindo, Ivo. (Palmas.)
Convido Carlos Alberto Ebeling Duarte, Conselheiro Nacional de Saúde e Membro da Mesa Diretora do Conselho de Saúde (CNS) (Palmas.)
Léo Mendes, Representante da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos (ANSDH) (Palmas.)
Maria do Socorro de Souza, Presidente do Conselho Nacional de Saúde. Seja bem-vinda. (Palmas.)
Vera Maria Paiva, Psicóloga e Professora da Universidade de São Paulo (USP). (Palmas.)
Por fim, fica aqui o convite, não sei se já chegou, ao Representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Eu nunca exijo que haja um Ministro. Mas, quando a gente convida os Ministérios, o apelo que eu faço sempre é de que mandem, pelo menos, um representante. E em um tema como este, eu entendo que os órgãos do Governo convidados deveriam estar aqui representados.
Vejo que o Ministério da Saúde está aqui, de forma muito clara e nítida, como sempre esteve. Lamento que não esteja ninguém aqui da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, não chegou ninguém ainda. Espero que chegue, porque esta é uma questão de direitos humanos e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República sempre esteve presente em temas como este.
Por isso, eu faço aqui de público um apelo ao meu amigo, Ministro Pepe Vargas - gaúcho, da mesma cidade em que nasci, Caxias do Sul -, que, se possível, fale para a sua assessoria mandar um representante para este evento.
Vamos de imediato ao tema de hoje, que eu entendo de suma importância, nós todos, que somos militantes da vida. De imediato, se vocês concordarem, eu sigo aqui a orientação que eu recebi da assessoria da Mesa: quem fala é o Ivo Brito.
Dr. Ivo Brito, Assessoria de Ações Estratégicas do Departamento de DST/aids - SVS, do Ministério da Saúde.
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V. Exª tem o tempo de 10 minutos, com mais cinco se for preciso.
O SR. IVO BRITO - Bom dia a todos.
É uma enorme satisfação estar com vocês e eu gostaria, inicialmente, de agradecer, especialmente ao Senador Paim, por protagonizar essa iniciativa no Senado Federal, em um momento que, para nós, é de extrema importância tendo em vista o encaminhamento de algumas medidas legislativas que ocorrem na Câmara dos Deputados e no âmbito do Senado Federal, que afetam, diretamente, a questão dos direitos das pessoas que vivem com HIV/aids.
Inicialmente, eu queria, fazendo coro, aqui, com o Senador, com relação à sua primeira abordagem em relação ao cenário atual da resposta brasileira à epidemia, fazer algumas referências em saúde pública.
A relação da saúde pública com os direitos humanos sempre foi, desde a sua origem, conflituosa. Acho que é bom a gente ter esse parâmetro, porque estão em jogo... Em geral, quando se lida com a saúde da população, se lida, também, com os direitos coletivos e, muitas vezes, os direitos individuais, os direitos dos indivíduos, se chocam com os direitos coletivos.
Então, essa primeira introdução é importante, porque, ao longo da história da saúde pública, nós vamos conviver com várias situações que dizem respeito, obviamente, a sucessos, no que diz respeito à saúde das pessoas e da coletividade, mas também dizem respeito a situações constrangedoras do ponto de vista dos próprios direitos. Se nós pensarmos nas medidas de quarentena, nas medidas compulsórias de quarentena, se nós pensarmos nas medidas relacionadas a internações compulsórias, se nós pensarmos na criminalização de determinadas situações relacionadas à saúde, nós estamos, aí, diante de um fato que é o próprio conflito inerente a essa relação entre o direito coletivo e o direito individual.
Para que a gente tenha um parâmetro que possa ser mais justo, do ponto de vista dessa relação conflituosa, eu queria um pouco chamar a atenção para a experiência da resposta brasileira, antes de entrar nos meus eslaides, para passar um pouco a situação, do papel que a resposta brasileira teve ao longo desses 30 anos, eu diria, de resposta à epidemia, no que diz respeito à questão dos direitos das pessoas, sobretudo de lésbicas, de gays, de travestis, de profissionais do sexo e de usuários de drogas, quer dizer, ao longo da nossa construção, nós fomos capazes de introduzir a questão dos direitos humanos, o combate à discriminação e ao estigma como um parâmetro, uma referência de todas as nossas ações, seja no campo da assistência, seja no campo da prevenção.
Então, eu acho que isso baliza um pouco essa nossa discussão inicial. Se há um setor, no campo da saúde pública, no Brasil, que trata mais especificamente, ao longo de toda a sua experiência, esse setor é, de fato, o antigo programa e hoje Departamento DST/aids, em relação à resposta.
Obviamente, isso não é produto exclusivo de uma ação programática. Isso é produto exclusivo de um movimento social. Eu sempre digo que a resposta brasileira à aids, mais do que um programa governamental, é uma resposta social. É uma resposta que congrega os diferentes setores da sociedade.
Então, eu queria fazer essa breve introdução, para que pudéssemos nos posicionar frente a essa questão.
Eu começo, um pouco, dando um painel de como nós nos encontramos hoje.
Então, hoje, nós temos, nesse período, para que o próprio Senador já chamou a atenção, de inovações, que uma das orientações da resposta brasileira é a incorporação da inovação tecnológica e da inovação científica em relação à resposta à epidemia.
O segundo ponto é que essa inovação tem que ser baseada nas evidências científicas, no diálogo com todos os atores, na participação social e na atuação inserida dessa resposta no âmbito da política mais global do Sistema Único de Saúde.
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Então, acho que esses elementos, de algum modo, apontam para aquilo que move o nosso espírito em termos de responder a uma situação que, como já foi mencionado, é grave, mas passível, hoje, de controle.
Em relação aos casos, nós temos uma taxa média de 39,6 casos de aids por ano e uma taxa de detecção em torno de 21 casos a cada cem mil habitantes. Temos uma estabilidade da epidemia, do ponto de vista do comportamento epidemiológico na população em geral, mas quando observamos sua distribuição por segmentos da população, percebemos uma mudança no panorama da epidemia, onde as prevalências dos casos de aids se acentuam em alguns segmentos da população. Entre pessoas que fazem uso de drogas, temos uma prevalência em torno de 5,9%; em usuários de crack, 5%; entre gays, 10,5%, e trabalhadores sexuais, 4,9%.
Esses dados são importantes porque acentuam essa diferença quando olhamos para a população em geral e quando fazemos o destaque para as populações específicas, o que caracteriza uma epidemia concentrada no País.
Lidar com uma epidemia concentrada não é fácil. É muito fácil estabelecer ações de âmbito coletivo para a população em geral, como, por exemplo, as campanhas de vacinação, mas quando se lida com clusters populacionais, com populações específicas, populações que têm, muitas vezes, seus direitos violados, o acesso dessas populações para as políticas públicas é extremamente difícil. Não é uma situação fácil, seja para o campo da assistência, seja para o campo da prevenção.
Eu queria acentuar também os dados da epidemia entre jovens. Se nós tomarmos como parâmetro cerca de dez anos, o período entre 2004 e 2013, temos um aumento significativo do número de casos de aids na população jovem, com uma taxa de detecção que passa de 9,6 para 12,7 por cem mil habitantes. Então, esse é o dado que chama a atenção para o perfil da epidemia nessa década, diferentemente do período que caracterizou a epidemia no início dos anos 90, entre 1990 e 2000. Nesse período, é uma epidemia que tem um crescimento significativo entre a população jovem.
Se observarmos também com relação à razão de sexo, temos uma diminuição da razão de sexo entre casos entre homens e mulheres e um acentuado crescimento quando consideramos os casos pela categoria de exposição, sendo que a principal categoria de exposição é a de homens que fazem sexo com homens e bissexuais. Então, há um crescimento, e esse crescimento, quando desagregado pela faixa etária, observamos que também é mais acentuado na população jovem, como pudemos perceber nos eslaides anteriores.
Aqui se mostra a distribuição, apenas ilustrativa, pelas capitais e sua distribuição por Estado, observando uma desigualdade regional também na distribuição da epidemia. Então, é importante que a gente possa olhar para o conjunto da epidemia mas que se possa também dimensioná-la, em termos de respostas e políticas públicas, para as questões relacionadas às desigualdades regionais. Portanto, temos uma epidemia, primeiro, concentrada em populações específicas com prevalências mais elevadas nesses segmentos, e uma distribuição desigual dessa distribuição no âmbito regional.
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O Senador Paulo Paim mencionou, anteriormente, a questão do financiamento e falou em relação à questão da necessidade de a gente avançar, porque a saúde sofre por um déficit de financiamento. E, para que a gente possa corrigir essas distorções regionais, sobretudo mais acentuadas no âmbito municipal, quando observarmos o âmbito municipal, é necessário que a gente tenha investimentos mais robustos para o setor da saúde e é necessário tentar reverter esse desfinanciamento que hoje atinge o Sistema Único de Saúde.
Queria também chamar atenção para a taxa de mortalidade. Temos uma queda da taxa de mortalidade, mas ainda existe um patamar que exige alguns cuidados. Se desagregarmos essa informação para o nível regional, possivelmente vamos encontrar regiões em que essa taxa de queda pode ser mais acentuada, sendo mais elevada, sobretudo na Região Norte e na Região Sul do País, em que temos algumas situações particulares de como a epidemia se comporta.
O País possui um menor índice de mortes de aids entre 1990 e 2013, segundo artigo publicado na The Lancet. É uma mera informação, mas é um acesso importante, tendo em vista a relevância dessa publicação no âmbito da saúde pública. E queria chamar atenção, primeiro, para o fato de que o grande desafio atual, para que a gente possa alcançar uma resposta que atenda, de fato, as necessidades das pessoas que vivem com o HIV/aids, está centrado na questão do modelo assistencial. Nós tínhamos um modelo assistencial no passado que procurava responder a uma emergência de saúde pública, quando o próprio sistema de saúde estava se estruturando. Nós criamos estruturas assistenciais com características muito próprias, para poder responder a essa situação e distante do movimento que se fazia no âmbito do próprio Sistema Único de Saúde. Daí existir aquela história de que havia o Ministério da aids, a história de que havia um programa paralelo, tudo isso vinha à tona no processo de discussão, pelo distanciamento que, à época, era necessário, pela emergência da epidemia. Constituímos modelos assistenciais necessários para poder responder à epidemia naquela época.
Neste momento, estamos numa transição importante e necessária, para que a gente assegure a questão da integralidade da atenção, fazendo com que tenhamos um modelo assistencial que possa responder a uma infecção crônica. Essa é a característica e o desafio que está colocado no presente para a resposta à epidemia da aids. Como responder às condições de uma epidemia que se cronifica, de pessoas que envelhecem com a epidemia da aids, e exige uma estrutura assistencial que vá desde a porta de entrada da atenção básica até os níveis mais complexos do ponto de vista assistencial.
Então, pensar o modelo assistencial, estruturar o modelo assistencial e fazer com que esse modelo responda à questão da integralidade é o que se coloca como a questão central e o desafio principal da resposta brasileira à aids no momento atual. E para isso temos esse desafio a cumprir, como compromisso que o País assumiu na esfera internacional que é a Meta 90-90-90, que nada mais é do que ter 90% das pessoas testadas, 90% das pessoas em tratamento e dessas pessoas em tratamento 90% delas com carga viral indetectável ou carga viral suprimida, o que significa que essa estratégia é uma estratégia que permite que a gente, tendo como referência algumas das estratégias biomédicas, possa hoje reverter a situação de difusão da epidemia - quanto menor a carga viral, com certeza, menor a carga viral, com certeza, menores as taxas de infecção na população.
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Esse é um pouco sobre o que eu disse anteriormente, a respeito de como que nós vamos fazer aceleração dessa resposta. Nós temos que imprimir uma ação intensiva de ampliação do acesso ao diagnóstico, tanto para a população geral, mas sobretudo para as populações que são mais afetadas, aquelas populações consideradas chaves para o controle da epidemia. Nós temos que ampliar em 90% das pessoas testadas que foram detectadas como positivas, incluí-las em tratamento e vinculá-las aos serviços de saúde e, dessas, obviamente fazer com que a carga viral dessas pessoas seja suprimida, com um compromisso de que a gente possa até 2020 diminuir as taxas de infecção e em 2030 ter de fato "acabado com a epidemia" - entre aspas -, diminuído significativamente as taxas de transmissão da epidemia.
Bom, aqui é um pouco repetindo que eu já disse. Aqui é crescimento do número de pessoas que entraram em tratamento, é a cobertura do tratamento. Nós nos encontramos com 403.970 pessoas hoje em tratamento. Nós temos ainda um gap que precisamos superar para poder atingir a Meta 90-90-90 e temos que fazer com que a prevenção adote um enfoque, uma perspectiva mais holística, ou seja, em que a prevenção seja trabalhada num modelo de intervenções pontuais, mas que ela possa combinar diferentes estratégias de prevenção para que a gente de fato reverta a situação de epidemia.
Esse é um pouco o quadro que mostra o que é uma prevenção combinada. Obviamente, o pano de fundo disso é a questão dos direitos humanos, porque a gente pode fazer tudo isso aqui, podemos fazer todas essas etapas, mas, se não tivermos avançado na questão dos direitos humanos, não conseguiremos reverter isso.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - V. Sª tem mais cinco minutos.
O SR. IVO BRITO - Sim.
E para isso, para que a gente possa de fato incluir agenda dos direitos humanos na prevenção combinada, nós temos que ter políticas intersetoriais articuladas. A resposta à epidemia no campo dos direitos humanos não é exclusiva da saúde - isso tem que ficar claro aqui. Ela é uma dimensão intersetorial articulada com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, articulada com esta Casa aqui, o Senado Federal, e a Câmara dos Deputados, para reverter a situação conservadora que hoje vigora aqui dentro do Congresso Nacional, sobretudo no que diz respeito às pessoas que vivem com HIV/aids e a população LGBT.
Se nós não avançarmos nessa situação, nós pouco faremos com relação à prevenção combinada. Esta Casa tem o dever e a responsabilidade de reverter essa situação para fazer com que a resposta brasileira seja uma resposta atual e que seja progressista e possa configurar na etapa atual para alcançarmos a Meta 90-90-90. Só alcançaremos a Meta 90-90-90, se de fato revertermos toda a situação de discriminação com relação às pessoas que vivem com HIV/aids.
E, para finalizar, eu queria apenas passar que são diferentes as formas de fazer prevenção combinada, entre elas as questões relacionadas a direitos humanos. Nós temos um avanço significativo nesta Casa, que foi a lei de discriminação das pessoas com HIV/aids, mas temos dentro desta Casa barreiras estruturais que dizem respeito ao Projeto de Lei nº 198, que torna a transmissão sexual do HIV um crime hediondo. Então, é necessário, urgente, que a gente possa fazer dessa resposta, incluindo os direitos humanos na prevenção combinada como uma articulação intersetorial.
E aqui são os casos de violência, e chamaria atenção ao crescimento. Esse é um dado do próprio Ministério da Saúde de que os outros setores governamentais deveriam se apropriar - o crescimento de violência sexual por orientação sexual vem crescendo significativamente no País.
E eu encerro com esse eslaide a minha fala.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
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O Sr. Ivo Brito, para mim, foi muito feliz quando fez a ligação saúde, Congresso e direitos humanos - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Ainda tenho esperança, Ivo Brito, que venha alguém da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Como sou um otimista por tendência da minha vida, ainda acho que vai chegar alguém para expressar o seu ponto de vista também.
Sr. Léo Mendes, representante da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos (ANSDH).
O SR. LÉO MENDES - Bom dia a todas e a todos.
Bom dia, Senador Paulo Paim, um batalhador na luta em favor das minorias - brigou muito aqui para aprovar o PLC 122. Infelizmente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Estava pronto para ser aprovado, entraram com requerimento em plenário e foi para a CCJ.
O SR. LÉO MENDES - Isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Está lá na CCJ.
O SR. LÉO MENDES - Então, nós observamos que o fundamentalismo religioso atua dia e noite para impedir que uma parcela da população brasileira tenha direitos neste País. Estamos falando isso, porque vai afetar a saúde dessas pessoas. Se você não tem garantia de direito, você não tem saúde, você adoece; se adoece, você precisa dos direitos humanos.
Bem, a nossa Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos foi fundada este ano; tem representação em todo o País, com pessoas vivendo com HIV, com ONGs, pessoas de outros movimentos que passam a entender a questão do HIV, da saúde, como um foco de direitos humanos. Então, estamos ancorados nas cinco regiões e em todos os Estados do Brasil.
Primeiro, é preciso entendermos que nos últimos dez, doze anos, houve uma descentralização dos recursos da aids. Então, fazer críticas só ao Governo Federal na questão do HIV/aids acho que é um rumo errado, porque os Estados e Municípios estão recebendo da União recursos para fazer trabalho de prevenção de HIV/aids.
Nesses 12 anos com descentralização dos recursos entenderíamos que o Município, ao ter o recurso, teria mais facilidade para fazer a prevenção. O número seria reduzido, as pessoas teriam melhor atendimento. Mas, quando observamos os dados, por exemplo, da prevenção nos Municípios e nos Estados com as populações-chave ou com as populações que mais se infectam com HIV, enquanto a população em geral está com 0,4% de infecção, a população de prostitutas, de usuários de cigarro, álcool e outras drogas, de gays e outros homens que fazem sexo com homens e de travestis vem crescendo muito fortemente em todos os Municípios do Brasil.
Quando você pergunta às ONGs que trabalham com essa população, elas dizem o seguinte: "Nós não conseguimos recolher recursos do Município e do Estado para fazer prevenção com a nossa população". A argumentação é sempre a burocracia: o tribunal não deixou, o procurador não deixou, a assembleia não deixou.
Enfim, se não há prevenção na ponta é natural que as pessoas se infectem. Além disso, é preciso recordar que, há 12 ou 15 anos, a saúde vem tentando, junto com a educação, levar educação sexual, levar a prevenção do HIV para as escolas. E as escolas não fizeram o dever de casa. São poucas as escolas no Brasil que fazem o trabalho de prevenção do HIV/aids. E, ao não fazer a prevenção do HIV/aids, o que acontece? Onde estão os adolescentes e os jovens? Nas escolas. Ali eles deveriam ser educados, informados para a prevenção do HIV. Como não são informados na escola, eles se infectam. É a tese natural da vida.
Se você está numa escola e não consegue, durante o ano letivo, receber informação segura sobre o que é DST, o que é HIV, o que são hepatites virais; se você não tem acesso aos mecanismos de prevenção; se você não tem estímulo para procurar o sistema de saúde e a prevenção, o que vem acontecendo?
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Essa geração de 14 a 25 anos, que está na escola na última década, ela não obteve a informação necessária e está se infectando. Então, sobrecarregar o jovem e o adolescente dizendo que é responsabilidade só dele a falta de prevenção é um equívoco. Eu acho que é importante que as escolas assumam a sua responsabilidade no sentido de prevenir especialmente nesse público de jovens de 14 a 25 anos. E, quando eu falo escolas, eu não deixo de fora também as universidades. É muito difícil, em qualquer universidade do Brasil, que o tema esteja sendo discutido. Com exceção da faculdade de medicina e de enfermagem, é muito difícil você encontrar na universidade, por exemplo, camisinhas sendo distribuídas e o estudante universitário falando sobre isso.
Com relação à população-alvo, de gays e outros homens que fazem sexo com outros homens, travestis, usuários de drogas e prostitutas, não por acaso esses quatro públicos-alvo estão aqui no Congresso Nacional sem direitos - sem direitos. Nós temos uma política de drogas no Brasil há 30 anos que não dá certo, não deu certo e não dará certo. Portanto, as pessoas vão continuar se infectando, porque não se reconhece que essas pessoas são brasileiras e têm direitos e, se têm direitos, elas precisam ser bem tratadas. Então, como falar em prevenção para uma travesti se o Congresso Nacional não reconhece nem o nome social delas, querem que elas sejam homens; se não reconhece o corpo delas; se não reconhece o direito delas de estudar, o direito de trabalhar, o direito de não ter como única opção de vida a prostituição. Porque é isso que se faz ao não se permitir que elas tenham direito ao nome social, que elas tenham direito à sua identidade de gênero, faz com que elas, ainda na adolescência, tenham como única forma de vida a prostituição. E o que é um adolescente na prostituição? É um adolescente vulnerável ao álcool, vulnerável ao HIV.
As mesmas questões acontecem com as prostitutas, que também não têm seu trabalho legalizado no Brasil, em que pese exerçam uma profissão há milhares de anos. Apesar de o Ministério do Trabalho reconhecê-las como profissionais do sexo, elas não têm a profissão legalizada no Brasil e são vítimas de toda violência em função disso.
Com relação à prevenção, nós concordamos com a prevenção combinada, o teste, o autoteste, o teste ONG, a PEP, a PrEP, ou seja, o uso de comprimido antes de fazer a relação sexual desprotegida, para não se infectar com o HIV, que já está em estudo no Brasil. Ela é um sinônimo importante de nova prevenção no mundo, que achamos que ela precisa ser garantida, e a profilaxia das 72 horas depois do sexo desprotegido. Nós precisamos, no Sistema Único, avançar para que toda a população tenha direito a usar esse comprimido, não só os profissionais de saúde, como acontece hoje no Brasil, que têm o direito de usar o comprimido, ou a mulher vítima de estupro, que passa por uma DEAM. Mas como é que fica a situação de um menino gay que é estuprado? Ele não vai para uma delegacia especializada da mulher e nem vai para delegacia nenhuma, nem vai contar para o seu pai e para a sua mãe que ele foi estuprado e não vai usar o comprimido da infecção. Isso acontece diariamente com travestis e com homens gays.
Então, nós precisamos entender que o sistema de saúde precisa estar aberto 24 horas, especialmente nos finais de semana, que é quando a juventude sai para se divertir, para beber, para que possa chegar e saber: eu recebi uma carga viral, eu tenho direito de tomar o comprimido durante 28 dias, no Brasil.
Com relação à testagem, defendemos que o teste deve ser universalizado, as pessoas devem fazê-lo sem grilo nenhum; deve-se estar nas farmácias à disposição de quem quiser; deve-se estar nas escolas, nas saunas, no Ministério da Saúde, no Senado Federal. É um direito das pessoas saberem se elas têm ou não o HIV, e elas, sabendo se têm ou não o HIV, é mais prático para que elas possam se tratar, que é a segunda etapa do processo.
E, nesse aspecto, a gente entende que o Projeto de Lei nº 198, que torna crime hediondo a transmissão do HIV, se aprovado pelo Senado e pela Câmara, ele vai fazer com que as pessoas não façam o teste, porque, se uma pessoa fizer o teste, ela já está suscetível a ser presa por crime hediondo.
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Então, é inevitável que a pessoa vai preferir não ter o resultado formal do teste. Ela pode até fazer o teste numa ONG, comprar numa farmácia, mas ela jamais vai entrar no sistema de saúde, onde é informatizada essa informação, para poder dizer: "Olha, eu sou um possível transmissor do HIV e posso ser preso por crime hediondo no Brasil". Então, isso não resolve o problema.
Hoje, no Código Penal, já existe, na legislação, prisão para as pessoas que, deliberadamente, passam o HIV para outra pessoa, sem que a pessoa esteja sabendo desse fato.
Então, nós entendemos que esse projeto precisa ser rejeitado, porque, senão, ele vai dificultar a testagem e isso vai fazer ampliar ainda mais o número de pessoas transmitindo o HIV no Brasil.
Por outro lado...
(Soa a campainha.)
O SR. LÉO MENDES - ... para concluir, nós entendemos que é importante o que o Ministério tem feito: a universalização da testagem do HIV, a universalização do medicamento do HIV.
Então, hoje, no Brasil, por mais que as pessoas questionem, nós somos favoráveis. Todas as pessoas, hoje, no Brasil, que têm o HIV, descobrem que têm o HIV, têm direito de tomar o comprimido antiaids - e tomar um comprimido, Senador. A Senadora acompanha a trajetória da aids e se lembra de quando as pessoas tomavam 35 comprimidos, e só para o HIV, ainda havia mais outros. Hoje, é um comprimido que a pessoa toma para diminuir a carga viral.
Então, essa decisão de dar o comprimido assim que a pessoa descobre que tem o HIV é muito acertada, porque vai reduzir a carga viral e isso reduz a transmissão do HIV aids. Então, nós entendemos que ela é importante. Como é importante também as ONGs fazendo o trabalho de entrega de testes para que a população-alvo possa se testar e se tratar.
Então, nós entendemos que as medidas que estão sendo tomadas são importantes, mas elas não estão dissociadas das questões de direitos humanos, porque, enquanto não se garantir os direitos humanos dessas populações-chave, nós vamos continuar tendo esse número junto às populações concentradas, que é desde o início da epidemia. O Senador está de cabelo branco e eu também e, desde o início - eu pinto, mas está começando a cair a cor, pintei. É que idoso, hoje, a gente fica com 90, não é mais com 50. (Risos.)
Bom, desde o início da epidemia que a gente sabe que aids é mais concentrada em gays e outros homens que fazem sexo com homens e travestis, em usuários de drogas e em prostitutas. Isso não mudou. Se há uma coisa que não mudou na aids é isso. E, se nós agora não atingirmos esse público com prevenção, com testagem, nós não vamos conseguir acabar com a aids no mundo.
Para finalizar mesmo, a nossa luta da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos (ANSDH) é pela cura da aids, nós queremos a cura dessa doença, lutamos para isso. Tudo que se fizer é paliativo.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Este foi o Léo Mendes, representante da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos, que enfatizou a responsabilidade dos Municípios e dos Estados, e não só da União, e também a questão da educação, porque é na sala de aula, segundo o que você expôs, que deve começar a devida explicação e a prevenção.
No conjunto da palestra, nossos cumprimentos e a concordância total, pelo menos de minha parte, com os dois painelistas que falaram.
Passo a palavra, neste momento, porque houve entendimento aqui na mesa - viu, Carlos? - de que agora é você, ao Conselheiro Nacional de Saúde e membro da Mesa Diretora do Conselho do CNS, o Sr. Carlos Alberto Ebeling Duarte.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - Bom dia a todos e todas. Eu queria agradecer o convite do Deputado Paim, desculpe-me, do Senador Paim - é que eu vim...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Daquele tempo da Constituinte ainda.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - Também do tempo da Constituinte, mas é que a semana passada eu estava numa audiência sobre mais ou menos o mesmo tema aqui na Câmara dos Deputados - desculpe-me.
Então, Senador Paulo Paim, obrigado pelo convite ao Conselho Nacional de Saúde para estar aqui. Como a Socorro, Presidente do Conselho, está aqui, também vou restringir minha fala com relação à questão da aids.
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Não consigo falar muito apenas da questão da aids, porque dentro do Conselho a gente acaba trazendo as questões de uma forma mais ampla, mais plural.
Eu sou Carlos Duarte, representante do Movimento Nacional de Luta contra a aids, no Conselho Nacional de Saúde. Lá também faço parte da Articulação Nacional de Luta contra a aids (Anaids), e sou uma pessoa vivendo com HIV/aids há mais ou menos 25 anos. E nesse período com certeza a gente não pode negar que houve muitos avanços no combate à epidemia de aids, com os medicamentos. Enfim, hoje se vive mais com aids do que se morre com aids. Lá no início da epidemia, se morria com aids com uma facilidade absurda. Hoje continua-se morrendo muito com aids.
Talvez essa seja uma das principais questões que a gente tem que colocar, ou seja, por que, apesar de a gente ter várias questões que podem impedir as pessoas de morrerem com aids ou pelo menos fazer com que as pessoas que morrem com aids morram por outras causas, por exemplo, de velhice, a gente continua tendo muitas pessoas que morrem com aids no Brasil? Vamos nos restringir ao Brasil e não com relação ao mundo todo. Mas por que se morre tanto de aids no Brasil ainda se a gente tem um Sistema Único de Saúde que tem como seus princípios a universalidade, a integralidade, a igualdade, a equidade, enfim, a descentralização, como o próprio Léo falou aqui, e a participação social, o controle social? Por que a gente ainda continua com números tão grandes de mortes por aids, em torno de 12 a 13 mil pessoas por ano, no País?
Mas apesar de se morrer menos do que se morria antes, viver com aids não é fácil. É bastante difícil viver com aids, porque são muitos os medicamentos. Existe hoje um medicamento em dose única. Existem vários avanças, mas na verdade as pessoas que vivem com aids, ao longo do tempo, vão desenvolvendo outras doenças crônicas, a partir da medicação muitas vezes, como diabetes e outras mais, que acabam dificultando a adesão ao tratamento como um todo. Eu acho que essas são questões importantes de serem frisadas. Viver com aids é possível, mas não é bom. Acho que é por aí que a gente deve começar.
Com relação à epidemia, hoje a gente fala muito em populações chaves para combater a epidemia de aids. Então, são as cinco populações que o Léo já citou aqui, o próprio Ivo também: gays e homens que fazem sexo com homens, transsexuais e travestis, usuários de drogas, prostitutos masculinos, prostitutas femininas. São essas as quatro populações. Não é muito diferente das populações lá do início da epidemia, que na época eram chamadas de grupos de risco e que são praticamente as mesmas populações, talvez colocando, não época, a questão das pessoas com hemofilia e algumas outras. Mas são basicamente as mesmas populações. E se a gente sabe que são as mesmas populações, digamos assim, que são mais atingidas pela epidemia, como é que a gente não consegue, de fato, enfrentar essa epidemia no Brasil e no mundo?
Essas populações são as populações, juntando com direitos humanos, que têm mais exclusão social. Elas têm um histórico de exclusão social imenso. São as populações que menos têm acesso a serviços de saúde, que mais são barradas nas escolas, que mais são barradas em vários lugares pelo preconceito e pela discriminação. Então, obviamente são as pessoas que de certa forma têm uma autoestima muito baixa e uma autoestima muito baixa acaba gerando um processo de adoecimento por não se cuidarem; enfim, por uma série de questões sociais que envolvem isso. Então, a gente entra muito nessa questão dos determinantes e condicionantes de saúde, que são fundamentais para que a gente trabalhe todas as questões de adoecimento.
Então, o SUS tem isso como base. Se você não trabalhar a questão dos determinantes e condicionantes de saúde, não consegue avançar nas questões ligadas à saúde. E no que se refere a essas populações com histórico de exclusão, isso se acentua mais ainda. Na audiência passada, por exemplo, falou-se das travestis e uma representante do movimento de travestis estava lá. Ela falou que essa população é uma população absolutamente invisível em todos os dados de doenças no Brasil.
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Todos os números, inclusive nos dados apresentados nessa mesma audiência, em que, simplesmente, as travestis e transsexuais não estavam nos dados apresentados. Foi uma das reclamações que foram feitas.
Então, isso é uma constatação de que essa população, ao ser excluída, fica muito difícil de ela conseguir acesso e conseguir adesão a tratamentos, porque isso tudo se dá a partir desse acesso.
Então, se fala muito, hoje, na questão da testagem, que é fundamental, porque um dos fatos que leva as pessoas a adoecerem de aids e morrerem de aids é porque elas têm pouco acesso ao serviço e pouco acesso à testagem.
Então, elas, não sabendo que são soropositivas, não têm como acessar o serviço de saúde. E, daí, se pergunta assim: "Acho ótimo, quanto mais se amplia a testagem, melhor". Mas não adianta apenas ampliar a testagem. Tem que garantir que essas pessoas, depois de testadas, tenham condições de acessar os serviços.
Então, a gente acessa, hoje, em organizações sociais o teste. Mas como é que depois se faz? Por que, daí, tu consegues, a partir das organizações sociais, de fato, ter um acesso maior a essa população, porque essas organizações... Eu falei organizações sociais, mas são Organizações da Sociedade Civil, organização social parece OS. Então, a gente tem que diferenciar uma coisa da outra. São Organizações da Sociedade Civil. Elas são fundamentais nesse trabalho, mas o Estado tem que garantir que, após esses exames feitos, as pessoas identificadas como positivas consigam acessar o serviço.
Só que esses serviços continuam sendo excludentes, preconceituosos e discriminatórios. Então, como é que a gente vai acessar esse serviço? Tem que haver uma política de combate a essa discriminação.
Acho que o Movimento Negro faz isso muito bem quando luta contra o racismo institucional, que é uma realidade nesse País, a população negra tem menos acesso que a população branca em todas as questões, não só na saúde. Isso é uma questão fundamental de direitos humanos, mas essas populações, digamos, com histórico de exclusão, sofrem a mesma questão do racismo institucional, não racismo, de discriminação institucional.
E, se a gente pensar que grande parte dessa população dentro da lógica da população brasileira também são negros, então, isso vai ampliando. É negro, é mulher, é homossexual, travesti, enfim, isso amplia. Como é que nós vamos trabalhar para que esses serviços não excluam essas pessoas depois? Se esses serviços incluírem e conseguir, daí, sim, a gente vai conseguir, de fato, entrar nessa política 90-90-90, porque ela é fundamental, mas tem que garantir que esse acesso esteja garantido a essas pessoas.
A questão do medicamento, a gente sempre lutou por acesso a medicamento. Tanto que quando, muitas vezes, se fala da judicialização no Brasil, a gente não pode esquecer que a própria política de aids foi provocada por ações judiciais.
Lá, na década de 1990, 1994, 1995, quando a medicação surgiu, nós conquistamos a medicação através de ações judiciais. Só que eram tantas ações judiciais, que era mais fácil ao Estado definir como uma política de acesso universal, de fato, como diz a Constituição, não foi nenhuma invenção, nós utilizamos a Constituição brasileira e a Lei do SUS para garantir isso, para que, de fato, um direito fosse garantido.
Então, é óbvio que a gente quer que as pessoas todas sejam tratadas e tenham, de fato, acesso a medicação. Só que esse acesso a medicação não pode ser visto, apenas, como uma forma de evitar a transmissão do HIV. Não tem que ser visto apenas como uma forma de prevenção para outras pessoas. Ela tem que estar... Aí entra a questão da saúde coletiva e a saúde individual. Não existe saúde coletiva sem respeito à saúde individual, e vice-versa. São coisas que andam juntas.
Então, o direito a medicamento também é fundamental, mas, desde que, a pessoa que vai...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - ... tenha consciência da necessidade de tomar a medicação, ela tenha informação para isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Tem mais cinco minutos.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - Sim, obrigado.
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Ela tenha informação para isso, ela tenha condições de fazer a opção, se aquele é o seu melhor momento de vida para tomar a medicação, porque, depois de iniciado o tratamento, nunca mais vai parar.
Então, a gente tem que saber que essa é uma medicação de uso contínuo para o resto da vida, que não é uma tuberculose que, em seis meses, se tu fizeres o tratamento, tu estarás curado, e o abandono do tratamento da tuberculose é imenso neste País; ele é muito maior do que a Organização Mundial da Saúde fala, que é em torno de 5% - aqui no Brasil nós temos de 10% a 15% de abandono de tratamento para a tuberculose. E a gente sabe muito bem, através das políticas de tuberculose, que não é a pessoa que abandona o tratamento, e, sim, o serviço que provoca o abandono da pessoa ao tratamento, pela discriminação, pelo preconceito e tudo mais, até mesmo pela dificuldade de acesso e pela forma como ele é recebido no serviço de saúde.
Portanto, essas coisas têm que ser muito bem pensadas; como a pessoa se sente ao ingressar nesse serviço, para ela começar um tratamento de forma consciente, tendo autonomia para começar esse tratamento, e não esse tratamento criminalizá-la se ela não quiser tomar a medicação.
A outra questão fundamental - eu acho que o Léo já tocou nesse assunto, mas é sempre bom reforçar -, é a questão do PL nº 198. O PL nº 198, além de criminalizar a transmissão do HIV, ele amplia a discriminação em cima dessas populações com histórico de exclusão, porque ele coloca a responsabilidade individual em cima dessas pessoas. Além de todo preconceito e discriminação que já há, com que as pessoas que têm o HIV/aids vivem, amplia porque criminaliza. E, criminalizando, é exatamente isto, as pessoas vão abandonar o serviço porque elas não vão querer ser reconhecidas como tal. E isso amplia ainda a questão das travestis, transexuais, dos profissionais do sexo, e a gente sabe que a transmissão, ou a relação sexual, dá-se pelo menos entre duas pessoas. Se vai haver a transmissão, é pelo menos entre duas pessoas, e a autonomia e o autocuidado têm que ser das duas partes.
A gente sempre disse lá no Gapa que, primeiro, a gente tinha que usar preservativo; nós, pessoas soropositivas, tínhamos que usar preservativo para preservar a nossa saúde, para evitar novas infecções, evitar DST, sífilis e outras doenças mais; para preservar a nossa saúde. E, obviamente, preservando a nossa saúde, nós estamos preservando a saúde do outro. E a outra pessoa a mesma coisa, ela tem que usar o preservativo para garantir a sua saúde, e não a saúde do outro.
Assim, essa disputa entre saúde coletiva e saúde individual de fato não existe, porque uma não sobrevive sem a outra. Então, nós temos que levar isso junto, e isso é respeito aos direitos humanos, é respeito à autonomia das populações, é respeito à autoestima trabalhar essa questão; eu acho que isso é fundamental.
E a outra questão é que a gente fala muito em PrEP, PEP, e só para dar um exemplo da PEP. É fundamental a gente ter novas tecnologias de prevenção, eu não tenho a menor dúvida, nós temos que incentivar isso, são tecnologias que existem, todo mundo está cansado do uso do preservativo, mas a PEP vai se dar nesses mesmos serviços desestruturados, nesses mesmos serviços discriminatórios e com preconceito, porque a pessoa vai ter que ir lá.
Dou um exemplo bem tranquilo. Esta semana ligaram para o celular para perguntar onde é que se faria um PrEP, PEP em Porto Alegre. Daí, nós passamos a informação: em tal lugar há, está disponível a PEP em tal serviço, pode ir lá. Agora uma coisa, não conta a história bonitinha que tu estás contando, deixa a história mais dramática, ou seja, mais carregada de preconceito e discriminação, e tu coloques ainda nesta questão que tu foste indicada por fulano de tal do Gapa. A pessoa, ao chegar no serviço, a primeira coisa que fez foi nos ligar e dizer assim: "Olha, não estão querendo me atender. Mas tu falaste que é do Gapa? Não. Só um pouquinho... Ah, agora vão me atender."
Então, gente, pelo amor de Deus, isso é desrespeito aos direitos humanos, porque não é por ser o Gapa ou não ser o Gapa, é simplesmente uma pessoa que teve uma informação maior e conseguiu chegar ao serviço e ser atendida. Agora, ela usou de uma influência que não deveria ser usada, ela deveria ser acolhida no serviço, mas não aconteceu isso.
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - Então, essas são questões fundamentais para a gente trabalhar esse respeito aos direitos humanos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Um minuto.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - Então, encerrando aqui, eu acho que é essa a questão fundamental que a gente tem que trabalhar.
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E obrigado pelo convite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Carlos Alberto Duarte, que foi além somente do debate específico, pegando todos os setores vulneráveis. E, também, questionou o Projeto de Lei nº 198.
Eu espero que o Projeto de Lei nº 198, já dei minha posição em uma entrevista que dei aqui, na abertura dos trabalhos, não passe na Câmara, mas se passar lá, aqui ele vai parar. Vocês podem ter certeza disso. Nesta Comissão, nós vamos segurá-lo...
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - ...pelo tempo que for necessário. Porque acho que de fato não é criminalizando que nós vamos resolver a questão.
E vamos fazer audiências públicas para instruir o projeto. Como eu indico o Relator, ele vai ter que passar por aqui, ou eu avoco para mim, ou vamos discutir um Relator que, de fato, tenha essa sintonia com o movimento e com os direitos humanos, enfim, com setores que estão nesse debate.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - Desculpa Senador, só uma informação, o Conselho Nacional de Saúde já fez uma manifestação à esta Casa, contrário a esse projeto.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Vai se somar aqui à Comissão de Direitos Humanos.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Nós vamos nos somar a esta manifestação.
Eu queria cumprimentar, neste momento, o Lúcio Costa, que é Coordenador de Direitos Humanos da área da saúde da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. E dizer, Lúcio, que eu tinha estranhado vocês não estarem aqui, porque vocês nunca falham. Por isso que eu cobrei. Se há um Ministério que nunca manda ninguém, eu até solto de mão, já dou um escanteio e digo: esse aí não adianta convidar porque não vem mesmo. Mas não é o caso de vocês.
Eu até dou um destaque aqui: Ministério das Cidades, Trabalho, Previdência e Direitos Humanos não faltam em audiências. Isso para mim é fundamental.
Eu passo a palavra a você, já com uma salva de palmas a você e ao meu amigo Pepe, aqui, que eu dei uma citada nele, mas citada positiva. (Palmas.)
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Senador Paim, por favor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Hélio José. O Senador fala a todo momento. Senador Hélio José, queria dizer que nós registramos, no momento de V. Exª teve que sair, a sua presença como o carinho de todo plenário. Senador sempre presente, a palavra está com V. Exª. (Palmas.)
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Primeiro, eu queria cumprimentar V. Exª pela relevância do tema, acho um debate de altíssimo nível, com pessoas preparadas e capacitadas para poder abordar o tema aqui definido.
Não tenha dúvida que a discriminação é muito grande, a gente vê por aí, é notório. Eu, como servidor público concursado, verifico essas questões e só quero fazer, rapidamente, uma manifestação de apoio. Falar que estamos juntos, em sintonia, a Comissão de Direitos Humanos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Se for necessário é um bom Relator para o Projeto de Lei nº198, viu?
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Sem problema nenhum.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Sei da disposição dele.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Posso ser o relator do Projeto de Lei nº 198, e nós vamos fazer a coisa conforme tem que ser feita, porque nós não vamos admitir discriminação contra os portadores de uma questão tão grave quanto essa.
Para concluir, eu vou apresentar, pessoal, aqui, um requerimento para fazermos três audiências públicas. Uma sobre a questão da depressão, que eu devo apresentar agora, na próxima reunião; uma outra sobre a questão da grave situação dos suicídios no País, porque tem muita gente se suicidando e coisa e tal, e causando uma série de problemas, e uma outra sobre TDH.
Então, essas três audiências públicas, a gente deve estar promovendo, Senador Paim, eu devo estar apresentando, acho que a nossa deliberativa vai ser amanhã, não é isso? Ou depois de amanhã?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Quarta. Todas as quartas.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Quarta-feira.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Às 11h30.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Isso, ás 11h30. Eu estarei apresentando esses requerimentos e, com certeza, alguns de vocês a gente vai contactar para participar desse importante debate.
Eu quero pedir desculpas porque vou ter que me retirar mesmo, tenho umas agendas para cumprir agora. E dizer que desejo sucesso para vocês, acho que o tema é relevante e estou junto com o Senador Paim para apoiar essas questões importantes que vocês levantam.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Hélio José. (Palmas.)
Vamos para o Sr. Lúcio Costa, que falará em nome da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O SR. LÚCIO COSTA - Bom dia a todas e a todos. Em nome do Senador Paim, gostaria de cumprimentar a Mesa. Pedir desculpas, Senador, o Ministro Pepe viria, mas por um confronto de agenda acabamos tendo um imprevisto, enfim, ele pediu que eu viesse representando a Secretaria de Direitos Humanos.
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Bom, acho que é importante que façamos uma contextualização da SDH na agenda da saúde, porque, hoje, estou à frente de uma coordenação específica, que é a Coordenação-Geral de Direitos Humanos e Saúde Mental.
Historicamente, o envolvimento da agenda da SDH com saúde se abriu pela via da saúde mental, levando em consideração que ainda temos no País mais de 25 mil leitos em hospitais psiquiátricos, espaços que sempre serviram de espaço de violação de direitos e nunca de tratamento. Então, essa coordenação tem a incumbência de travar esse debate para que a gente substitua os manicômios que ainda existem no País. Mas não só isso. Na Coordenação de Direitos Humanos e Saúde Mental, estamos tentando ampliar um pouco mais o sentido do que é a saúde mental.
E pensar saúde mental não significa pensar só na loucura, ou só na doença, ou em maneiras de tratamento, mas pensar sobre os processos que geram sofrimento nas pessoas. Isso significa pensar sobre os motivos e as causas que geram sofrimento nas pessoas. Nós temos que incluir as pessoas que são vítimas de racismo, as pessoas que são vítimas de violência policial, as pessoas que são vítimas de discriminação por conta da sua orientação sexual e uma série de outras agendas que produzem doença ou sofrimento.
Isso para dizer que identificamos, hoje, ainda nesse recorte bem específico das políticas públicas de saúde mental, que as políticas públicas não têm alcançado essa agenda de sofrimento para além da agenda da loucura.
Nós temos uma rede de atenção psicossocial que expandiu significativamente no País de 2002 para cá. Para vocês terem ideia, em 2001, nós tínhamos 458 CAPs. Hoje temos mais de 2.300 Centros de Atenção Psicossocial, que acolhem, que são o principal serviço de saúde mental na ponta, mas sentimos que tanto a rede de atenção psicossocial quanto a de atenção básica à saúde não têm dialogado com a produção do sofrimento, e muito mais com a expertise do lidar com patologias.
Nessa perspectiva, a SDH tem ampliado, até porque tem se reconfigurado - nós estamos em processo de transição de equipes ainda dentro da Secretaria de Direitos Humanos -, o foco da atuação até da nossa Coordenação de Saúde Mental.
Por exemplo, nós temos que entender como é feito o acolhimento no País, hoje, das pessoas vítimas por conta da sua orientação sexual. Hoje, não temos um estudo que diga em qual espaço essas pessoas são acolhidas. Da mesma forma com as vítimas de violência policial. As pessoas vítimas de violência policial e suas famílias, hoje, não têm um desenho, embora tenham a diretriz, porque o SUS, pensando na concepção do que é saúde, que é para além da ausência de doença, uma condição de bem-estar físico e psicossocial, tem a sua diretriz. Na prática, vemos uma distância do acolhimento desses processos de saúde para pessoas que estão além do sofrimento psico tradicional, ou seja, desenvolvendo uma patologia.
A Secretaria de Direitos Humanos - e acho que isso não é à toa - tem construído pontes e agendas para questões que estão para além da saúde mental, a exemplo de reuniões que estamos iniciando agora com o Departamento de DST, aids do Ministério da Saúde. O Ministro Pepe se reuniu com líderes dos movimentos sociais para entender quais são as reivindicações e de que forma a SDH contribui nas discussões da saúde dessa população.
É importante que se diga, Senador, que, na construção do nosso PPA agora dentro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, não tínhamos um eixo para a saúde. Nós tínhamos... Acho que era a única grande agenda que ainda não constava no nosso Planejamento Plurianual, uma agenda específica para a saúde. E, por sustentação do Ministro Pepe, nós priorizamos, dentro do nosso PPA, uma agenda para a saúde. Isso significa dizer que, sem sombra de dúvida, temos a construir e consolidar as estratégias da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República por uma agenda muito maior, a qual hoje represento, que é Coordenação de Saúde Mental.
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Sem muitos resultados para apresentar ainda - acho que a nossa presença, a nossa participação aqui é mais para sinalizar a importância da nossa interlocução com a sociedade civil, com o Ministério da Saúde e sinalizar qual a abertura que existe na Secretaria de Direitos Humanos para que consigamos construir e avançar debates - acho que tentamos trazer um pouco desse redirecionamento que estamos passando e reafirmar, Senador Paim, o nosso compromisso em produzir mais debate, até para conseguirmos avançar na qualidade de instituição, órgão da Presidência.
Colocamo-nos à disposição e, óbvio, vamos absorver aqui os debates e conhecimentos socializados por aqui.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Lúcio Costa, que falou pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, colocando-se, juntamente com o Ministro Pepe, à disposição para interagir e avançar com as políticas públicas sobre a questão em debate neste momento na Comissão.
Eu vou passar a palavra à Srª Presidenta do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza.
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - Obrigada, Senador Paim.
Bom dia a todos e a todas. Quero dizer que fico muito confortável em vir a audiências públicas, especificamente nesta Comissão.
Aqui sentimos um ambiente bastante respeitoso em que podemos aprofundar determinadas abordagens e nem sempre conseguimos fazê-lo, com o mesmo ambiente, em espaços aqui no Legislativo. É importante registrar isso porque, de fato, não dá para nos ausentarmos, perdendo a oportunidade quando o Conselho Nacional de Saúde é convidado para politizar alguns projetos e iniciativas legislativas, que, no compreender do Conselho Nacional de Saúde, vão na contramão da Constituição Federal e de lutas democráticas pela cidadania e pela democracia brasileira.
Como temos a presença do nosso Conselheiro Carlos Duarte, que representa o Movimento aids no Conselho Nacional de Saúde, como também tem o Léo Mendes, o Ivo Brito e Vera Paiva, a minha contribuição vai ser um pouco mais ampla, considerando que o Conselho Nacional de Saúde tem mais de 140 entidades, boa parte de movimentos sociais e entidades de sujeitos coletivos que fazem do Conselho Nacional de Saúde um espaço de afirmação da saúde como direito humano.
E quero dizer que essa é uma disputa permanente em nossa sociedade. Muitos movimentos que se organizam em esferas públicas terminam também fazendo uma disputa para integrar o Conselho Nacional de Saúde. Portanto, vou trazer muito mais outras demandas sociais que têm relação com direitos humanos do que efetivamente com a HIV/aids, já que o Carlos, o Léo, o Ivo e outras pessoas aqui e a própria Vera ainda vão abordar.
Nessa linha, mesmo que tenhamos tantos acordos internacionais e haja tanta luta e mobilização pelos direitos humanos no Brasil, temos violações também permanentes, seja por conta de ações do Estado brasileiro, seja também por conta de como a sociedade ainda não entendeu essa dimensão. A nossa luta é por um Estado democrático de direito, a nossa luta é para fortalecer a democracia, aprimorar a democracia e a cidadania, e a nossa luta, com certeza também, é para mudar a cultura brasileira, muito forjada ainda em resquícios de ditadura, de um sistema escravocrata, com muitos preconceitos.
É Interessante porque, no Conselho Nacional de Saúde, temos povos indígenas, movimento de mulheres, pessoas com patologias, pessoas com deficiências, idosos, trabalhadores de outras categorias, além de trabalhadores da saúde. Então, é um espaço que realmente tenta fazer a disputa de um direito à saúde bastante amplo, onde o conceito de equidade é insuficiente para garantir o respeito às diferenças, o respeito também a enfrentar essa cultura que, muitas vezes, o Estado brasileiro legitima, de violação de direitos humanos.
Quero colocar que estamos no ano da 15ª Conferência Nacional de Saúde. O Conselho Nacional de Saúde junto com o Ministério estará promovendo uma das maiores conferências nacionais de saúde deste País.
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Eu cheguei ontem de Uberlândia, Minas Gerais, no segundo maior estádio de Minas, onde mobilizamos, só no Município de Uberlândia, mais de três mil participantes para a etapa municipal dessa Conferência. Ressalto que um dos eixos da nossa 15ª Conferência Nacional da Saúde é exatamente o direito à saúde. Mais do que a perspectiva do acesso a serviço de qualidade, é a afirmação da saúde como direito humano.
Quero também colocar que, muitas vezes, trazemos o direito no campo da subjetividade, mas, efetivamente, ele se materializa a partir de políticas públicas, sobretudo as políticas sociais. Então, o SUS é uma política social redistributiva de justiça social, que tem da nossa parte reconhecidos avanços, mas também tem muitos limites e contradições. Dentre os avanços, sem sombra de dúvida, eu queria colocar que temos, inclusive, respostas positivas de impacto junto à população.
Dizer, por exemplo, que, em determinado período, o Brasil tinha muitas crianças que não conseguiam enfrentar, por exemplo, a paralisia infantil. Hoje, temos um leque enorme de vacinas, e, por exemplo, melhoramos vários indicadores em relação à própria qualidade de vida das crianças e dos idosos. O Brasil tem uma população que envelhece, e por isso tem uma necessidade enorme de ter saúde. Nós temos dados importantes de redução da mortalidade infantil. Tudo isso é política de saúde, são outras políticas sociais que têm impactado. de forma considerável, nos indicadores da qualidade de saúde da população.
Eu queria colocar, nessa linha de reflexão, que muitos movimentos que compõem o Conselho Nacional de Saúde reivindicam políticas específicas do Estado brasileiro, materializadas pelo SUS. Muitas dessas políticas são respondidas pelo Governo, mas ainda de forma muito fragmentada.
Nós temos movimentos sociais importantes que se organizam a partir de pautas específicas e que se representam de forma específica. isso é importante, mas termina fragmentando o conjunto de luta política que a sociedade brasileira precisa firmar, da saúde como direito humano. Então, tem a pauta das mulheres, tem a pauta das pessoas com deficiência, com patologia, idosos, mas isso, lamentavelmente, termina favorecendo que as respostas que os Governos colocam como ações públicas sejam também fragmentadas.
Nós temos muitas políticas no SUS. Essa fragmentação, muitas vezes, ajuda a desresponsabilizar o ente que tem de se responsabilizar em executar uma política pública. Muitas políticas de equidade, mas que ficam muito mais no discurso ou na intenção de fazer do que efetivamente enfrentar desigualdades, de respeitar diferenças e promover direitos humanos. As iniciativas mais recentes terminam criando outros tipos de conflitos, como, por exemplo, a campanha contra o racismo que o Ministério da Saúde recentemente lançou, que criou um campo de tensão entre o profissional da saúde, sobretudo os médicos, e a população negra, que tanto reivindicou ao Ministério da Saúde uma campanha nessa perspectiva, entendendo que é dever do Estado, sim, enfrentar o racismo institucional.
Então, temos um reconhecimento por parte do Ministério da Saúde, mas uma dificuldade efetiva de que os outros entes federativos, a exemplo das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, de compreenderem essa concepção de política de equidade e também de a materializarem a partir de serviços e ações de saúde nos Estados e Municípios, que é onde a coisa tem de acontecer. Ficar no campo da intenção ou só da concepção não enfrenta, não consolida, não materializa o papel do Estado nesse enfrentamento.
Quero colocar aqui também o próprio papel do Legislativo. Para nós, a PEC 451, do Deputado Eduardo Cunha, é uma afronta à Constituição brasileira. Neste momento em que estamos discutindo o direito à saúde, é preciso colocar aqui o risco que essa PEC traz à Constituição brasileira, ao Direito Universal à Saúde. Ela praticamente se articula com outra ideologia, que é a cobertura universal da saúde, e impõe uma restrição ao papel do Estado ao colocar uma oferta de pacotes limitados para atender à necessidade da população.
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Na verdade, a PEC 451 interpreta os arts. 196 e 197, que colocam a saúde como dever do Estado e também como relevância pública, tendo que ser executada pelo Estado, mas diz que também pode ser complementada pelo setor privado a partir de algumas ações contratadas pela gestão pública. Vemos uma clara ofensiva de setores conservadores em querer desconstitucionalizar o direito universal à saúde, o que, de certa forma, termina por aliar-se a uma ideologia de mercado que coloca a cobertura universal de saúde muito no escopo de pacote mínimo, de pacote necessário.
Nós sabemos que alguns países têm adotado o conceito de cobertura universal numa perspectiva ampla, como, por exemplo, Cuba, que não só tem isso na sua Constituição, mas tem um sistema sólido de saúde que garante o direito universal. O Brasil também tem essa opção política, mas essa ideologia termina, assim, sendo sempre em risco num ambiente político em que vive o Brasil. Aí queremos colocar aqui o posicionamento contrário a PEC 451.
Nós temos ainda que colocar nessa discussão o quanto há conflitos entre os direitos individuais e os direitos coletivos. O Carlos trouxe um pouco essa abordagem. Aí coloco mais ainda, Senador, no Brasil, a ação do Judiciário, que, muitas vezes, se pauta muito mais na defesa de direitos individuais que na de direitos coletivos. Em muitas ações judiciais, mesmo que tenham a legitimidade, como Carlos trouxe, de demandas de sujeitos que têm seu direito individual coletivo, nós sabemos que também há o lobby de quem produz esses insumos, esses medicamentos, com interesse meramente mercadológico. Nós precisamos, sim, fazer o debate junto com o Poder Judiciário. Não dá para pensar o direito à saúde sem colocar também nesse debate até onde o Judiciário, de fato, está preparado ou legitimado para fazer determinadas definições judiciais em detrimento do direito coletivo, que é responsabilidade de um conjunto de entes que atuam de forma colaborativa.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - Eu queria colocar ainda que houve, muito recentemente, o Mais Médicos. Para nós, há avanços e limites nessa proposta, mas há muito mais avanços. Eu queria colocar, por exemplo, o quanto ele ainda é alvo na Câmara de ataques do ponto de vista da sua sustentabilidade. Para nós, é importante pautar isso, sim, aqui, porque abre perspectiva de pensar a formação dos profissionais, de pensar a atenção básica e de pensar o direito a termos uma equipe mais estruturada na atenção básica nos Municípios brasileiros que têm dificuldade de ter equipe mais bem composta, mas também, com certeza, dar ênfase aqui na necessidade de equipes multiprofissionais. Há necessidades de saúde muito diferenciadas, populações que vivem contextos sociais, ambientais, econômicos, culturais diferenciados. Estão aí os povos indígenas, populações tradicionais, populações de rua. E sabemos que é necessário haver uma outra formação e um investimento maior em equipes multiprofissionais para dar um atendimento integral e mais qualitativo também às necessidades da população. Isso passa por compreendermos saúde como direitos humanos.
Com certeza, também estão como campo de tensão a defesa e a afirmação do Estado laico, quando trazemos a questão, por exemplo, da descriminalização do aborto ou de colocar o reconhecimento de saberes e práticas tradicionais de povos que têm também suas formas de cura, de espiritualidade. E isso é negado. É aí que passa também no campo dos direitos humanos e da saúde a afirmação do Estado laico. No Brasil e também nesta Casa, vemos, o tempo inteiro, isso em xeque, sendo colocado em questão. Não podemos abrir mão dessa conquista constitucional.
Há ainda uma distribuição muito injusta dos recursos financeiros, dos recursos tecnológicos. Muitas regiões do Brasil concentram muito os recursos humanos, tecnológicos e financeiros do SUS.
E eu quero colocar, afunilando, uma agenda muito urgente que nós, na XV Conferência Nacional de Saúde, vamos reiterar. Primeiro, maior investimento na promoção à saúde a partir da vigilância. Há ainda um modelo de atenção muito focado na assistência médica e hospitalar, uma concepção ainda muito restrita. Precisamos enfrentar esse debate.
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Nós temos hoje uma violência enorme no trânsito, violência doméstica. Nós temos hoje muitas epidemias causadas por falta de saneamento básico, desmatamento. Nós temos o problema do uso abusivo dos agrotóxicos no Brasil. Nós temos populações indígenas e populações de camponeses totalmente contaminadas pela pulverização aérea de agrotóxicos, com água contaminada. Nós temos, também, exploração de mineradoras que contaminam os recursos naturais. Ou seja, o SUS precisa também investir no campo da vigilância, fortalecendo essa ação, principalmente nos Municípios.
Nós temos, ainda, a superlotação nos serviços de emergência hospitalar. Muitas vezes temos leitos ocupados por muito tempo, pacientes ainda em corredores, com longo tempo de espera, com equipe de plantão reduzida. Lamentavelmente, muitos profissionais, sobretudo profissionais médicos, terminam vendendo seus plantões para poder garantir sua presença, também, em outros locais, porque ele tem contrato com dois, três, quatro estabelecimentos de saúde. E a população é que paga, muitas vezes, com a ausência dos profissionais naquele plantão, sobretudo nas urgências e emergências.
Há um alto poder médico em detrimento de uma divisão de responsabilidades multiprofissionais. No Brasil, queremos investir muito mais: que a enfermagem, que a psicologia, que a nutrição, que a saúde coletiva tenham espaço, sim, para dentro dessa perspectiva multiprofissional e interdisciplinar, senão não resolvemos os problemas da saúde pública brasileira.
Temos um sistema de informação ainda muito precário. Nós não temos o Cartão SUS dando conta dessa organização do serviço. Há muito atraso ainda em diagnóstico e no tratamento. A exemplo da questão do câncer, mesmo que tenhamos uma lei que garanta, entre o diagnóstico e o início do tratamento, 60 dias, temos muitas dificuldades de garantir esse cumprimento e, aí, o aumento da mortalidade.
Temos, ainda, o programa nacional de segurança dos pacientes. Eu quero destacar isso porque há muitas situações de risco, de danos e de incidentes desnecessários, ...
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - ... causando mortes evitáveis.
Nós temos o problema, por exemplo, de muitas bactérias no ambiente hospitalar, causando infecção hospitalar. Nós temos problema de transferência de paciente, sobretudo aquele que está no interior do País e que, muitas vezes, vem para os grandes polos, que concentram mais tecnologia e recursos humanos e serviços. E muitas vezes a transferência para fora do domicílio de muitos pacientes fica no jogo de empurra-empurra entre a gestão municipal e a gestão estadual
E nós temos, ainda, uma agenda a que o Conselho Nacional de Saúde, em sua 15ª Conferência Nacional de Saúde, vai querer dar ênfase. Essa agenda é muito invisibilizada, marginalizada. Trata-se, como já comecei a colocar aqui, da população de rua. Não dá para admitir, por exemplo, Senador, senhores e senhoras, que uma mulher, vivendo em situação de rua, porque é usuária de crack, não tem direito, quando ela pare, ...
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - ... nem sequer de passar uma hora com o seu filho. O Estatuto da Criança e do Adolescente termina garantindo que o Conselho Tutelar e o próprio Judiciário tirem daquela mulher o direito de ficar com o seu filho logo após o nascimento.
Então, acho que isso é uma pauta relevante para tratarmos. Quem é que garante que, de fato, a melhor saída para uma criança recém-nascida é ficar longe da sua mãe porque ela está em situação de rua ou é usuária de drogas ilícitas?
Há a situação da descriminalização do aborto, da violência sexual e doméstica, a questão do racismo e de patologias e doenças raras que precisam de maior investimento em pesquisa e tratamento. Acerca dos idosos, precisamos sobretudo do investimento ainda em leitos de UTI, assistência farmacêutica e atendimento domiciliar. Há a aids, que já foi colocada aqui com muita propriedade pelos meus antecessores, e, com certeza, também a questão indígena, como já coloquei aqui.
Então, eu encerro as minhas palavras nesse sentido.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - A 15ª Conferência Nacional de Saúde é o espaço desse debate amplo, e convidamos todos os telespectadores e os presentes aqui para, de fato, participarem das conferências municipais, estaduais, seja como convidado, seja como delegados, seja, também, como participantes de nosso portal - depois eu digo o portal de cor - mas, se houver tempo, divulgaremos melhor, de forma interativa, também em nosso portal da 15ª Conferência Nacional de Saúde.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, a representante Presidente do Conselho Nacional de Saúde, Srª Maria do Socorro de Souza.
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Depois de dez minutos mais cinco, nosso cronômetro dá o sinal de um em um minuto. A senhora usou 18 minutos, teve um espaço especial aqui.
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - Ainda bem que eu não olho para aquele cronômetro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Eu queria passar a palavra agora para a Srª Vera Paiva, psicóloga e professora da Universidade de São Paulo.
Eu acredito que toda vez que você fala alguém se lembra disto, mas faço questão também de lembrar: a Vera é filha do grande Deputado Rubens Paiva, engenheiro civil e político brasileiro. Foi Deputado Federal por São Paulo, dado como desaparecido durante a ditadura militar. Sua morte só foi confirmada depois de 40 anos, e por depoimentos, principalmente na Comissão Nacional da Verdade. Eu era um pouco mais jovem naquela época, mas me lembro quando ele desapareceu. E acho que até hoje o corpo não foi encontrado.
Eu queria que você entendesse, e vamos pedir uma grande salva de palmas à história do grande Rubens Paiva. (Palmas.)
Para a alegria de todos nós, passamos a palavra à Vera Paiva, que, eu diria, como seu pai, é militante dos direitos humanos.
A SRª VERA PAIVA - Agradeço a homenagem e espero não decepcionar porque, honrando meus ancestrais, não estamos aqui a passeio. E vou visitá-lo. Como não existe um lugar, pois um corpo desaparecido implica em não haver um lugar de memória e de honrar os seus, o busto inaugurado na Câmara dos Deputados, para nós, é um lugar de visitação, assim como todos os outros. (Palmas.)
Espero não decepcionar meus ancestrais, mas acho que quem me conhece sabe que eu não estou nesta vida a passeio também não.
Agradeço o convite do Senador, especificamente para tratar deste tema, e a indicação da Articulação Nacional de Luta contra a aids, que abriu mão de falar para me abrir este espaço, como membro do Núcleo de Estudos para Prevenção da aids, que eu coordeno e que existe há quase 25 anos, e como pessoa que há praticamente 30 anos, desde o início da epidemia, está na luta pelo compromisso com os direitos humanos.
Eu queria ressaltar também que sou, neste momento, Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia e indicada e eleita pela sociedade civil como representante da mesma no Conselho Nacional de Direitos Humanos da Secretaria da Presidência. E fico contente de o Lúcio ter podido vir representar o Ministro. Eu represento a sociedade civil neste espaço.
Eu tenho uma apresentação a fazer, mas, antes, eu queria retomar a fala dos que me antecederam para dizer que, de fato, os direitos humanos estão profundamente implicados, como foi dito antes, na garantia do direito à saúde, que é, no nosso caso, constitucional. Existe uma relação eventualmente conflituosa entre direitos individuais e coletivos, mas nós, no Brasil, temos desenvolvido uma teoria.
Estou esperando aparecer, não sei como funciona. Como é? Peço que desconte o meu tempo.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª VERA PAIVA - Eu não sei como é.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Só para dizer que já houve acordo aqui na mesa. Todos ganharam dez mais cinco, mas estão pedindo que eu te dê vinte mais cinco.
A SRª VERA PAIVA - Oba!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É a Mesa que articulou aqui.
A SRª VERA PAIVA - O.k. Eu acho que não vou precisar disso tudo.
Eu queria, antes de citar alguns exemplos e casos específicos, de dizer que temos uma abordagem dos direitos humanos que é muito distinta e que depende de um trabalho coletivo, neste momento específico que estamos vivendo, para definir o que são direitos humanos.
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Precisamos separá-los de uma produção que é herança da ditadura, claramente, porque quem produziu foram os torturadores, de que a noção de direitos humanos é direito para bandido. É fundamental fazermos o debate político-ideológico e recolocar os direitos humanos no lugar ele onde deve estar.
Essa é a primeira coisa. Eu não preciso explicar mais, porque todos que me antecederam deram vários exemplos de como as pessoas mais afetadas pela ausência de direitos são transformadas continuamente em humanos sem direitos e têm violados os seus direitos.
Mas o que vou trazer aqui é oferecer um modo de lidar com essa dinâmica do trabalho de direitos humanos e dizer que é muito mais do que um horizonte ético-político, que é esse que compartilhamos nesta Comissão, mas é também uma teoria, uma técnica e uma prática. Já escrevemos bastante sobre isso. Vou sintetizar para dizer que os direitos humanos informam a análise da vulnerabilidade. Se olharmos apenas a violação dos direitos humanos, nós podemos descrever, compreender e explicar o processo de saúde, doença de populações e indivíduos. O que eu quero dizer com isso?
Do ponto de vista teórico - e nós temos evidências e mais evidências extremamente sofisticadas acumuladas nesta direção, que produziram esta teoria -, onde e quando ocorre mais violação de direitos sempre haverá muito mais adoecimentos e mortes. Ou seja, onde há violação de direitos, por exemplo, haverá mais aids, mais mortes maternas, mais mortes infantis, mais sofrimento mental, como lembrou o Lúcio, resultante de humilhação, que resulta em suicídio, resulta em abuso, etc.. Isso não há como evitar. É uma evidência científica, publicada nos melhores revisores de pares, nos melhores journals internacionais. Nos últimos 20 anos, nós acumulamos evidências nessa direção.
O crescimento das epidemias, portanto, oferece marcadores de violação de direitos. Ou seja, se se pega o mapa da aids no mundo e internamente nos países, onde há mais aids há mais violação de direitos. Vai para os Estados Unidos a proporção de infectados. Em New York, por exemplo, ou em Washington, é acima de 2%. O que há em New York? Negros. Basicamente isso. Há uma população gigantesca de negros. Quando se olha o Brasil, onde há violação de direitos? Onde o serviço não chega, onde o acesso à saúde não chega e onde esses grupos, transformados em não humanos, porque sem direitos, estão vivendo territorialmente ou circulando.
Por outro lado, é por isso que a perspectiva dos direitos humanos oferece um ponto de referência para a análise da epidemia, porque ela pode nos indicar situações potenciais de vulnerabilidade. Se nós sabemos que os direitos estão sendo violados, pode escrever que vai aumentar a aids naquele lugar ou vai haver outros tipos de doença.
Direitos humanos é evidência. É a primeira coisa para a qual eu queria chamar a atenção.
As abordagens baseadas em direitos humanos, que fazem análise de situação, desenho, implemento e monitoram políticas e ações, começam por analisar o contexto legal e normativo das políticas públicas da ação profissional. Por isso, Senador, esta Casa tem um papel fundamental. Se o contexto legal é desfavorável, a violação de direitos ocorrerá e a doença também. Elas vão informar, inspirar e atravessar do Oiapoque ao Chuí, do plano federal ao municipal, até a escola, até ao plano local, aquilo que deve ser tratado no plano dos direitos.
Lembrando que nos princípios dessa abordagem, para a qual estou chamando a atenção, que é ultrassofisticada e que, atualmente, domina, vamos dizer, hegemoniza aquilo que se faz nas Nações Unidas, mas que foi coproduzida por nós aqui, alguns dos princípios de trabalho nesse campo são a participação, e a participação, quero ressaltar, autônoma, não chapa branca, com autonomia para fazer a crítica.
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E eu me orgulho de, nos últimos trinta anos, ter contribuído com todos os governos, porque meu objetivo não é partidário; meu objetivo é proteger as pessoas da aids. Mas nunca fui chapa-branca. Em nenhum deles. Estou aqui exercendo minha autonomia, preocupada com a não discriminação, preocupada com a responsabilização, com a disponibilidade de serviço, com a sensibilidade, com a aceitabilidade do serviço. Se não há participação, a aceitabilidade não está garantida, nem a qualidade, nem a integração, no caso da saúde, com outros direitos. Esses são os princípios dessa abordagem.
Então, acerca do SUS, quando olhamos aquilo que está consagrado na nossa Constituição e instituído em políticas públicas bem claras, que passaram por normativas desta Casa - o Suas, o SUS, os sistemas educacionais e a inspiração das leis para os operadores de Direito - o nosso trabalho será sempre examinar o quanto os governos - no plural, e o colega tem razão, não é só o Governo Federal - regulamentam, respeitam, protegem e efetivam direitos.
Ao fazer isso, vamos lidar com uma noção de trabalho com os direitos humanos segundo a qual, se lidamos com um direito consagrado na Constituição, é obrigação do Estado respeitar, abster-se de interferir no exercício do direito. Por exemplo, um sexo consentido; não é para interferir nisso. Além disso, proteger, evitar que outros interfiram no exercício do direito, ou seja, que algumas religiões tenham privilégio sobre outras, por exemplo, para normatizar o País, e na promoção, ou seja, na adoção de medidas apropriadas visando o pleno exercício do direito. Isso é obrigação do Estado, e isso, nós, como cidadãos autônomos, devemos cobrar em todas as instâncias.
No plano das práticas, que é a terceira dimensão em que esse conceito de direitos humanos se desenvolveu, a gente começa por considerar cada pessoa como sujeito de direito, mas lembrando de que, se todos somos sujeitos de direitos, a noção de reciprocidade deve atravessar aquilo que fazemos. Ou seja, o que é meu direito tem que ser seu direito também, não pode ser meu privilégio. Nenhuma religião pode ter o privilégio de ocupar e dominar e destruir o Estado laico. Nenhuma opção...
(Soa a campainha.)
A SRª VERA PAIVA - ... sexual pode ter o privilégio de normatizar as outras.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Como combinamos, agora seriam mais cinco, mas serão mais dez.
A SRª VERA PAIVA - Então vou passar para alguns casos exemplos - alguns já foram colocados aqui -, que nos fazem pensar.
Se a gente normatiza e criminaliza o soropositivo, todo o investimento na testagem perde, terá sua eficácia limitada por conta de que as pessoas vão deixar de se testar e vão estar preocupadas com a confidencialidade. Ou se não garantimos o acesso ao tratamento, não adianta se testar, e isso já vimos nos anos oitenta.
Eu vou pegar especificamente o caso da transmissão vertical, porque eliminei as outras de que já falaram antes de mim. Temos condições técnicas, neste País e neste momento, para reduzir as taxas de transmissão vertical no Brasil para 2%. Por que não 0%? Um por cento seria o limite da terapia, e 1% seriam situações que fogem ao manejo.
O que temos neste momento? O ministério estima em 12 mil o número de gestantes soropositivas a cada ano no Brasil, a maioria muito jovem. O que está havendo aí? Está havendo uma violação sistemática de direitos humanos pela não solicitação do teste anti-HIV; quando se solicita, não se dá retorno do resultado em tempo hábil; há poucas consultas de pré-natal; a admissão para o parto não tem resultado do teste anti-HIV, e aí não se realiza o teste rápido; o teste, sendo positivo, quando é realizado, não se realizam os procedimentos desejáveis, ou acontece a amamentação do bebê sem orientação; portanto não houve acesso à informação de que isso não deveria acontecer. Isso é inaceitável.
Poderíamos neste momento buscar, autonomamente, como sociedade civil, reparar financeiramente o dano moral e material pela infecção, pelo Estado, não pelas pessoas. Quer dizer, temos que pensar no cenário e no contexto. A criminalização, quando se pensa em direitos, é na responsabilização do contexto, e não do sujeito individual como a lei que aqui foi discutida está tentando fazer.
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Será que o Estado, no plano municipal, estadual, oferece o serviço, ou a instituição que oferece o serviço não deveria estar sendo acionada, como fizemos no começo, pela sua responsabilização? E pelo sofrimento de mães, pais e crianças que nascem soropositivas desnecessariamente? A prevenção da transmissão vertical é a única vacina, de fato, que temos ainda, no caso da aids; como é possível 12 mil casos de infecção por violação de direitos? Eu estou dando esse exemplo porque os exemplos das situações das populações-chave já foram dados por vocês.
E que resposta estamos tendo da nossa política de aids? Está correta essa concentração, como descreveu o Ivo, na estratégia de testar e tratar. Mas abemos, pela ciência, que isso reduz apenas 16% das taxas de incidência. O que não falta são estudos modelando, dizendo que testar e tratar responde por menos de 20% da eficácia do enfrentamento da epidemia.
As ações estruturais reduzem 40% das taxas de incidência. O que são ações estruturais? Combate ao estigma e discriminação é uma delas, e isso foi abandonado pelo nosso programa nacional, estadual e municipal, com raras exceções. Isso implica o fato de que podemos pensar que há direitos sendo violados porque esse tipo de política não está em ação.
Houve redução da mobilização social. Com base em algo que já superamos, mas não completamente, falar do sucesso da política, isso não é bom para o movimento social. O movimento social tem que mostrar onde o copo está vazio, não onde o copo está cheio, porque senão não nos antecipamos àquilo que pode ocorrer na situação.
Houve redução das campanhas massivas e isso é responsabilidade do Governo Federal. É importante, porque o Governo Federal, fazendo campanha massiva, mobiliza os diversos governos estaduais, municipais e no plano local. Para que se mobilize nessa direção, houve redução do estímulo ao gestor local, às escolas e às secretarias, e à solidariedade nas ações promovidas por pares. E houve uma individualização da responsabilidade, descontextualizando o fato de que os programas - os programas federais, estaduais e municipais - são mediadores fundamentais, como eu estava dizendo agora há pouco, dos determinantes sociais. A gente não acabou com o racismo, com a homofobia, com o sexismo e com a discriminação de portadores de HIV nos anos 90. O que a gente tínhamos era um programa excelente na defesa dos direitos humanos, que, ao fazer a mediação, diminuía e mitigava o impacto dos determinantes sociais na vida individual e na vida de determinados segmentos sociais.
E vou acabar, porque sei que tenho pouco tempo, vou pular a parte internacional e vou dizer isto que não é aceitável, do nosso ponto de vista: 42 mil casos anuais como parâmetro de controle da epidemia. Isso implica que a incidência de aids por geração: os nascidos nos anos 90 têm um risco 3,2% maior do que os dos anos 70, porque há mais vírus circulando, tem mais gente portadora, 50 mil por ano vão se acumulando; e menos investimento na promoção e proteção da infecção pelo HIV entre os jovens, porque isso foi abandonado; entre os homossexuais, já foi dito, o risco é seis vezes maior do que em 1970 pelo mesmo motivo. Não podemos estar cegos a esses dados.
Já se falou aqui que algumas populações são desproporcionadamente afetadas, e eu queria finalizar com esse conceito, Senador, que é muito importante no momento que vocês estão vivendo nesta Casa: há uma confusão enorme entre aquilo que é o discurso dos pastores politizados, cheios de dinheiro, querendo desenvolver o seu poder e ocupando o cenário da mídia - mídia que eles ocupam por concessão ou mídia que eles ocupam por benefício do apoio que têm na grande mídia; são muito diferentes dos seus fieis. E nós temos que ter clareza disso para não ter medo de fazer o bom debate. Muito diferentes! E eu vou dar alguns dados.
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Primeiro, quando fazemos as pesquisas nas escolas - existem milhões de pesquisas mostrando isso e eu vou pegar a mais recente que eu coordenei -, há diferença entre religião e religiosidade das meninas de ensino médio só nas opiniões. Na prática, elas fazem exatamente igual, sem diferença da religiosidade ou da filiação religiosa.
Quero ressaltar que, no banco de dados em que estamos trabalhando, no trabalho que fizemos, temos cerca de 30% a 40% de crianças e jovens que se declaram evangélicos, de alta religiosidade; o resto, de 45% a 50%, são católicos; e 10% dizem que não têm religião ou são de outras religiões.
Pais cristãos e não cristãos: quando conseguimos ultrapassar o "aterrorizamento" que esses pastores têm feito nas diretoras, inclusive nas que são evangélicas - eles adoram que cheguemos a fazer prevenção nas escolas - vimos vários casos em que a prevenção existia e mudava a direção da escola para uma pessoa adepta ao fundamentalismo. A prevenção existia naquela escola, durante dez anos; abandona-se a prevenção e, em dois anos, aumentam os casos de gravidez na escola. Nós temos dados empíricos do quanto a violação de direitos implica mais problemas, e não o contrário.
Alguns outros dados.
Não há diferença entre as religiosidades na idade média de início da vida sexual: 14 anos, 14,6 anos. Mais para 14 entre os meninos, e mais para 15 entre as meninas. Quero só ressaltar que essa pesquisa é feita na Alta Serra, isolada, do interior, em cidades de beira de estrada, de alto fluxo, em cidades à beira mar, e em grandes centros urbanos, seja no centro mesmo ou na cidade oficial, ou nas periferias do centro. É uma mostra bastante significativa.
O uso de camisinha na relação sexual é 69%, na primeira relação. E a última relação sexual, sem diferença de religiosidade, com pessoa do mesmo sexo, é 11% entre os jovens. Estou ressaltando essa importância entre a diferença entre os pastores e os fiéis. Há uma concordância com a educação sexual.
Sobre a idade média: quando você pergunta para os meninos e meninas, no ensino médio, o que eles acham quando a educação sexual deve começar, eles acham que é aos doze anos. O que eles estão nos dizendo com isso? Que eles estão lá vendo os coleguinhas precisando da educação sexual desde os doze anos.
Noventa e três por cento concordam em que a camisinha protege, mas 42% têm confiança no parceiro e, com a confiança no parceiro, abandonam a camisinha. Confiança no parceiro não protege da aids, sabemos disso.
Erros de informação, que não víamos há dez anos, sobre prevenção: 20% a 40% não sabem usar a camisinha corretamente. Ninguém sabe nada sobre transmissão vertical. Isso explica um pouco os dados que temos de não diminuir a transmissão vertical com condições de ser quase zerada. Ninguém fala direito sobre seringas e sangues.
Quarenta e um por cento dos jovens não sabem onde fazer o teste. Vamos lembrar que nem sempre o teste é oferecido, porque as leis impedem o jovem de ter autonomia, por exemplo, para ser testado. A lei também atrapalha e quero ressaltar isso aqui.
Quer dizer, eventualmente, vamos criminalizar o jovem aos 16 anos, mas vamos continuar impedindo que ele tenha acesso a essas coisas.
(Soa a campainha.)
A SRª VERA PAIVA - Estou encerrando.
Só mais alguns dados.
Sobre a violência sexual: não existe diferença entre as religiosidades. Nenhuma diferença entre evangélico, cristão e sem religião. Então, são vários dados sobre violência sexual.
A minha pergunta é: o Estado está cumprindo a obrigação de respeitar, proteger e promover? Na nossa opinião, às vezes, sim; na maior parte das vezes, não.
E encerro, dizendo que o modo de trabalharmos os direitos humanos neste momento especificamente é lembrar da frente entre as pessoas que defendem direitos. Não podemos brigar entre nós. O inimigo do lado de lá é muito maior. Seria infantilidade fazer isso. E lembro que, sempre quando formos discutir com quem pensa diferente, temos de ter a paciência hermenêutica da conversa infinita até o fim, porque sempre vamos considerar que a nossa cosmovisão, como diria o Boaventura de Sousa Santos, é melhor que a do outro. Nascemos assim, crescemos assim e vivemos assim, numa sociedade pluralista. Então, é essa paciência, como diria o Boaventura de Sousa Santos.
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Temos de ter na cabeça que todas as culturas - substituo pelo termo religião, dá na mesma, ou pelos diversos discursos sobre prevenção, dá na mesma - aspiram a validar seus valores. E cada cultura ou cada religião e cada discurso sempre será incompleto na perspectiva das outras. O que devemos fazer é defender a igualdade sempre que a diferença gerar inferioridade e defender a diferença sempre que a igualdade implicar descaracterização. Este é o modo que propomos no trabalho com direitos humanos.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Essa foi Vera Paiva, psicóloga, professora da Universidade de São Paulo. Ela usou 23 minutos, e eu não vi passar, Drª Vera.
A SRª VERA PAIVA - Então, eu honro minha ancestralidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Com certeza absoluta. Mais uma salva de palmas, não vimos o tempo passar. (Palmas.)
Eu achei que tinha lhe dado cinco minutos. E eles dizem que foram 23.
Sua palestra não merece nem comentário, porque, por mais que eu fizesse comentários, não chegaria nem perto da qualidade de sua palestra, que foi clara, nítida, transparente. Confesso que gostei muito de uma das frases.
A primeira vez que eu me reuni, eu sindicalista, com um grupo de pessoas, não importa onde, voltadas aos direitos humanos, vi que eles estavam naquele viés que você falou, mas esclarecendo onde plantaram aquilo. Tínhamos que discutir a questão do presídio, do presídio, do presídio, que temos que discutir. Ninguém aqui é contra isso. Mas tínhamos que ampliar o debate, na saúde, na educação, na habitação, da forma que é aqui colocado. E aqui venderam aquela imagem de que nós, que somos militantes dos direitos humanos, com muito orgulho, só se preocupam em cuidar de bandido, o que é uma baita malandragem. Mas venderam para a população isso. E os militantes dos direitos humanos sabem que é muito mais amplo, e aqui você colocou muito bem. Nós temos responsabilidade, tanto que, na próxima quinta-feira, será o debate sobre os presídios, porque sabemos o que acontece neste País em matéria de presídio.
Vamos rapidamente, por sugestão da assessoria, passar um pequeno vídeo, que é a campanha Eu Sou um Cartaz HIV Positivo, apresentada em um vídeo que demonstra a importância do combate ao preconceito contra as pessoas portadoras do vírus HIV. Confesso que não vi o vídeo, verei pela primeira vez. Vamos ver o vídeo. Espero que vocês gostem. Se não gostarem, estou ferrado. Vou apostar no vídeo.
(Procede-se à apresentação de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem! Eu tenho normalmente aberto a palavra ao plenário. Duas pessoas se inscreveram: Paulo Giacomini, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids, e Márcia Leão, Articulação Nacional de Luta contra a aids - Anaids. Eles já me dizem que há mais um que se escreveu - foi um ou foi meia dúzia? - no plenário. Eu só vi um lá.
Nós vamos conceder a palavra, no máximo, até cinco. Claro que não dá para todos falarem. Então, há dois. Eu peço que o Plenário indique mais três. Esses cinco poderão usar a palavra.
Enquanto esses três não chegam à mesa, vou fazer a leitura de alguns comentários que chegaram pelo Alô Senado. Na hora de vocês falarem - e a mesa fará suas considerações finais -, poderão comentar.
Faz um comentário Rodrigo Pinheiro: "A Recomendação nº 200 da OIT está no Senado para ser avaliada e trata da questão das pessoas que vivem com aids no mercado de trabalho. Como a Comissão pode ajudar com a tramitação para ser mais rápida?"
Essa é uma pergunta que vocês podem sugerir para a Comissão. Para eu não ter que dar a resposta, vocês podem sugerir.
Outra pergunta, também do Rodrigo Pinheiro: "Concordo com o Léo Mendes sobre a necessidade de ser discutida a questão da sexualidade nas escolas. Mas como o Senado pode ajudar, haja vista que o Governo Federal [segundo ele] barrou matérias educacionais para essa discussão junto às escolas?"
Outra: "Se a epidemia está concentrada nessas populações mais vulneráveis, ações como enfatizado da testagem é a solução para combater epidemia nessas populações? Como estão as ações de prevenção do MS com essas populações?"
Gostaria de fazer outra pergunta: "Foi muito faceado que a epidemia está concentrada em populações mais vulneráveis, mas é sabido que, em alguns Estados, a epidemia é generalizada". Aqui ele diz que o Rio Grande do Sul é um deles. "Somente testar e tratar não é a solução."
Fábio Gomes: "O Sr. Ivo não acha que deve ser crime hediondo quando alguém transmitir, de maneira proposital, o HIV para outra pessoa? Projeto tenta punir a prática adotada por grupos como o Clube do Carimbo. Ele defende tais atos?"
É bom que o Ivo responda essa pergunta.
Muito bem. Passo a palavra, de imediato, por cinco minutos - eu vou ser rígido no tempo - ao Paulo Giacomini, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids.
O SR. PAULO GIACOMINI - Bom dia, Senador; bom dia a todas; bom a todos. Eu aqui represento a Secretaria Nacional da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids, criada há exatos 20 anos.
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O SR. PAULO GIACOMINI - Hoje nós estamos nos 27 Estados nos 27 Estados da Federação e, apesar destes 20 anos, de todos estes anos, não nos arvoramos a dizer que representamos todas as pessoas vivendo com HIV no Brasil. Acho importante registrar que a RNP/Brasil é filiada à Unaids, que declinou de sua fala para que a Drª Vera Paiva e Carlos Duarte pudessem ter mais tempo de exposição.
Eu queria dizer que é de estranhar que o Brasil, que já foi o melhor programa de aids do mundo, que já foi a grande potência na prevenção e no tratamento da aids. Lembro-me de que, quando a gente era convidado pelo governo brasileiro a estar em reuniões para elaborar os relatórios da Unaids, que são as metas estabelecidas pela ONU para o combate à aids, que o Brasil sempre tenha sido avançado e que, hoje, adota uma adota como 90/90/90 que terá, em 2020, apenas 72,9% das pessoas vivendo com HIV e aids no mundo, com carga viral indetectável. É uma estratégia que foca na porcentagem mínima de pessoas vivendo com HIV no mundo, transformando essas pessoas em vetores da transmissão do vírus, sem estabelecer metas para a prevenção.
Na medida em que o Governo Federal adota uma meta estrangeira que não estabelece, em seu bojo, metas de prevenção, acreditamos na Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids, que o Governo está corroborando com o PL 198/2015, que atribui a responsabilidade total da prevenção nas costas das pessoas vivendo com HIV e aids.
Outra coisa que eu queria dizer é que o Departamento de DST e aids contava, anteriormente, em sua composição, com um setor de articulação com a sociedade civil e direitos humanos. Nas últimas reorganizações estruturais do departamento, os direitos humanos desapareceram da nomenclatura organizacional do departamento. O próprio Ministro da Saúde Arthur Chioro já disse que saúde é uma coisa e direitos humanos são outras. Assim como idosos, crianças e LGBT, as pessoas vivendo com HIV e aids sofrem violência cotidianamente, diária e noturnamente, o que é cotidiano.
Quando essas violações serão incorporadas ao Disque 100 da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República? Quero ressaltar que, no ano passado, nós tivemos um projeto do Fórum de ONG/aids, do Estado de São Paulo, chamado: Projeto Advocacy em Saúde, no qual nós tivemos algumas...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO GIACOMINI - ... algumas reuniões na Secretaria de Direitos Humanos e que as violações de Direitos Humanos das pessoas vivendo com HIV e aids fossem incorporadas ao Disque 100, de denúncias, e que teria um número governamental, eram necessários de cinco a oito milhões anuais.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Concluindo, por favor.
O SR. PAULO GIACOMINI - Eu gostaria de saber se essa articulação está sendo encaminhada e quando será adotada pela Secretaria de Direitos Humanos. Obrigado.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse foi Paulo Giacomini que fez suas colocações. (Palmas.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - De imediato, Márcia Leão, da Articulação Nacional dos Movimentos aids.
A SRª MÁRCIA LEÃO - Bom dia, Senador; bom dia à mesa e demais integrantes.
Primeiro, gostaria de agradecer ao Senador pela audiência. Afinal, começamos a negociar esta audiência desde fevereiro, não é Senador? Enfim, estamos tendo audiência...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Agora, na mesa, a Maria do Socorro de Souza me perguntou, e eu disse exatamente isso o que você falou. Casualmente, você respondeu na mesma linha.
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A SRª MÁRCIA LEÃO - É, mas foi bem nos dias 02 e 03 de fevereiro. Nós estivemos aqui e conversamos com o Senador, quando ele assumiu a Comissão, e pedimos esta audiência.
Senador, eu e vários integrantes aqui somos gaúchos e não podemos deixar de falar da situação da aids no Rio Grande do Sul. Infelizmente, o nosso Estado está com os maiores números de casos, não só de novos casos de infecção, como também em números de óbitos. Mas, o meu comentário agora é que eu queria pedir para o Senador e para esta Comissão, porque temos feito uma luta muito grande, há muitos anos, para que a Recomendação 200, da OIT, que trata sobre o HIV no ambiente de trabalho, seja implementada e dê sequência no andamento. Conseguimos, depois de muita luta, ano passado, encontrá-la esquecida em uma gaveta no Ministério do Trabalho e Emprego. Foi dado o andamento que se devia. Ficamos sabendo que agora a Recomendação 200 encontra-se nesta Casa, no Senado. Então, a gente gostaria de pedir o apoio do Senador e desta Comissão para que fossem tomados os devidos encaminhamentos, para que a Recomendação pudesse, enfim, conseguir sair e que a gente possa colocar em prática. É muito importante isso para as pessoas que vivem com aids: ter regulamentadas, regradas, algumas das ações no mundo do trabalho, porque há uma série de violações aos direitos humanos que acontece, e isso impacta, sim, toda a qualidade de saúde das pessoas com aids, como elas são tratadas no mundo do trabalho. Então, a gente queria o compromisso desta Comissão em nos auxiliar no processo, para que se pudesse andar o mais rápido possível com a Recomendação 200.
Outro ponto de que eu gostaria de falar é a respeito do PL nº 198, que o Léo já trouxe na fala dele, que também foi corroborado por outros integrantes da mesa, que tem nos preocupado bastante. O PL está na CCJ da Câmara, e o que nos chamou muito a atenção foi que, num dos raros movimentos da Casa vizinha, esse PL foi direto para a CCJ, sem ter passado por nenhuma das outras comissões, inclusive na Comissão de Direitos Humanos, sequer na Comissão de Seguridade e Saúde, o que não é uma prática dentro do Congresso. Mas isso ocorreu com o PL nº 198, que foi parar direto, após ter o relatório e ter apresentado substitutivo. Quando foi apresentado o relatório a esse PL, que é uma proposição do Deputado Pompeo de Mattos, do Rio Grande do Sul, e o relatório foi feito pelo Deputado Marco Tebaldi, do PSDB de Santa Catarina, ele apresentou um substitutivo, em que torna crime hediondo a tipificação, que o Deputado Pompeo de Mattos estava pedindo, apenas para especificar o HIV, no contexto do Código Penal de 1940, que criminaliza a transmissão de moléstias contagiosas e graves. Só que, quando ele apresentou o substitutivo ao relator, que depois foi acolhido, ele foi encaminhado direto à CCJ. Então, esse trâmite acelerado que tem se mostrado nesse PL tem nos preocupado. Conseguimos, com uma articulação junto à Frente Parlamentar Mista, da qual o Senador faz parte desde o início, que o Deputado Jean Wyllys e a Deputada Erika Kokay, que estão juntos na coordenação da Frente, pedissem para que fosse enviado para a Comissão de Direitos Humanos e para a Comissão de Seguridade e Saúde, para que eles também possam fazer um parecer. Mas a gente reitera o pedido dos outros integrantes para que, se esse PL chegar ao Senado, que o Senado consiga segurar e modificar essa posição.
Acho que também cabe a gente falar, quando o Lúcio fala que as discussões estão começando, de direitos humanos e saúde, que, inclusive, já tivemos este ano, em fevereiro mesmo, quando a gente esteve aqui, conversando com o Ministro Pepe Vargas, à época ainda nas Relações Institucionais. Depois que ele assumiu a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, nós já tivemos uma audiência com ele, enquanto Movimento aids, o departamento estava presente, inclusive, e uma das questões que a gente pediu foi a questão do Disque 100, da incorporação das denúncias de violação aos direitos humanos de aids para dentro do Disque 100, bem como reaproximar as tentativas que já vínhamos fazendo com centros de referência de direitos humanos, para que eles acolham e sejam capacitados a isso. Nós já realizamos capacitações no ano passado, em que os centros de referência de direitos humanos participaram, inclusive, mas a gente precisa qualificar isso. A gente pede a esta Comissão e o apoio do Senado para que se consiga efetivar mais essas parcerias com a Secretaria de Direitos Humanos.
Uma última informação rápida.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Ainda tem 26 segundos, está no seu tempo.
A SRª MÁRCIA LEÃO - Fiquei muito feliz, porque tinha negociado, no final, com o Vinícius, para apresentação do vídeo, do GIV, que a gente acha que é uma excelente campanha, conseguimos apresentar. Então, pedi ao pessoal e amanhã vamos deixar uns cartazes na Comissão. Se o próprio Senador e outros quiserem colocar em seus gabinetes, a gente entende que aquela campanha do GIV contempla muito bem os direitos humanos das pessoas que vivem com aids.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Márcia Leão, da Articulação Nacional do Movimento aids.
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Rapidamente, passamos a palavra à representante do Movimento Nacional de Cidadãs Positivadas, Srª Rosinea da Rosa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não é "positivadas"?
A SRª ROSINEA DA ROSA - É "positivas".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É positivas. Aqui está "positivadas", mas tudo bem, isso acontece. Ninguém vai ser demitido por isso. (Risos.)
A SRª ROSINEA DA ROSA - Mas eu sou positiva também.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Isso, positiva.
Por favor, Srª Rosinea da Rosa.
A SRª ROSINEA DA ROSA - Bom, meu nome é Rosinea da Rosa.
Quero dar um bom-dia à Mesa, ao Senador e a todos aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Rosinea da Rosa.
A SRª ROSINEA DA ROSA - Isso. Rosinea da Rosa.
Eu, como representante do Movimento Nacional de Cidadãs Positivas, do Rio Grande do Sul, venho aqui falar para a Mesa, que aumentou muito, desde o início da epidemia, o número de mulheres com HIV positivo, que, no início, era de cinco para um, e agora está em cinco para cinco. Em alguns lugares do Brasil, pesquisas mostram que é maior o número de mulheres com HIV.
Quanto ao Projeto de Lei nº 198, nós temos o direito - sim - à reprodução. Nosso direito de ter filhos é negado. Agora, com esse Projeto de Lei nº 198, mesmo fazendo, do modo tradicional, o teste de HIV, corremos o risco de sermos positivadas no teste, no pré-natal, e corremos o risco de sermos presas, porque estamos passando o HIV para uma outra pessoa. Era essa a informação que eu queria deixar para a Mesa, juntamente com o nosso medo de cidadãs. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Essa foi a Srª Rosinea da Rosa, do Movimento Nacional de Cidadãs Positivas.
Passo agora a palavra ao Alexandre Cunha, do Grupo de Apoio à Prevenção da aids.
A SRª ALEXANDRE CUNHA - Santa Catarina.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Santa Catarina.
O SR. ALEXANDRE CUNHA - Bom dia ao Senador, aos membros da Mesa e aos colegas, em especial, à Márcia Leão, por lutar por esta audiência pública tão relevante.
Eu gostaria de refrisar a importância dos direitos humanos nessa temática da aids e gostaria de voltar a um dos princípios e diretrizes do SUS que fala da longitudinalidade e informa que todo o cidadão, a partir do momento em que nasce, tem, no decorrer de sua vida, acesso garantido à saúde no território brasileiro. Porém, o que acontece? Estamos vendo que não está sendo respeitado esse direito que temos, um direito que traz a questão do aspecto sociocultural, independentemente de gênero, credo ou raça, todos têm direito de serem atendidos pelo SUS, algo que não está sendo contemplado.
Outro aspecto que eu gostaria de citar, de que se falou bastante, é a questão da prevenção e das ações de promoção em saúde. Um dado que ninguém cita é o de que essas ações correspondem a uma resolutividade de 86% dos agravos em saúde, de todos os agravos na saúde. Esse é um dado que o Ministério da Saúde traz, que a Política Nacional de Atenção Básica traz. Então, a atenção primária em saúde, nessas ações de integralidade - intersetorial com educação, direitos humanos, justiça, trabalho -, tem uma representação maciça, que, no entanto, não está sendo respeitada.
Nesse aspecto, eu gostaria de trazer um pouco da fala do Carlos, fazendo umas adaptações, na questão de que temos uma responsabilidade coletiva sim. Hoje, a pessoa vivendo com HIV/aids tem uma responsabilidade coletiva, ela é responsabilizada. Porém, no cuidado individual, ela não é capacitada, ela não tem uma orientação em saúde, não tem uma política adequada - aliás, todo cidadão, não é? - a respeito da prevenção em saúde. Então, isso gera um certo agravo, tanto psicológico, quanto para a saúde, para as relações interpessoais, para as relações sociais e até para a sua própria cultura.
Uma coisa muito importante é discutirmos e, nesse contexto, eu reafirmo que, em relação a essa questão da Meta 9090, testar e tratar, eu não sou contra, porque, se conseguirmos garantir o que o SUS já traz, na sua base, nas suas diretrizes, na sua legislação como um todo, conseguiremos contemplar essas ações de atenção primária e complementá-las com as de especialidade, das altas especialidades, da média e alta.
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Então, a gente consegue resolver esses problemas. Em relação a isso, há pesquisas que já mostram. A gente tem até a Drª Vera Paz. Gostei muito da sua apresentação, principalmente na questão do "promover, proteger e respeitar", porque, se a gente conseguir que esses direitos sejam garantidos na sua base, com certeza, a gente vai minimizar bastante os impactos desse agravo.
Outra coisa que eu gostaria de deixar como argumento - e a respeito houve até uma pergunta. Hoje a gente trabalha muito em cima das populações-chave, mas é sempre bom orientar que todo cidadão que tem uma vida sexualmente ativa e principalmente faz sexo desprotegido corre o riso, sim, de contrair o HIV/aids, como sífilis, hepatites virais e outras DSTs. Então, a gente tem sempre que refrisar isso, para não estigmatizar isso só em cima de uma população, mas mostrar a toda a sociedade que todos corremos esse risco.
O Estado de Santa Catarina é um Estado onde a epidemia é considerada mista. Então, eu acho que tem que trazer um pouco essa pauta, não é?
Mais uma vez, agradeço e espero que os direitos humanos contribuam muito nessa questão de redução da epidemia do HIV/aids e também na garantia de uma saúde pública de qualidade para todo e qualquer cidadão brasileiro. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Alexandre Cunha, do Grupo de Apoio à Prevenção da aids.
Por favor, Srª Leonice Araújo.
A SRª CLEONICE ARAÚJO - Boa tarde, Senador Paulo Paim.
Primeiramente, é Cleonice Araújo. Estou aqui representando a Anta - Associação de Travestis e Transexuais e também tenho a liberdade de falar pela Rede Trans, que também é uma rede que é filiada a associações de travestis transexuais.
Eu faço também as minhas falas de início que qualquer pessoa que tenha a vida sexualmente ativa corre o risco de ser contaminar.
Também trago aqui algo que foi muito comentado, ou seja, que a população jovem - viu, Ivo e Leo Mendes? - se contamina, mas, se uma transexual ou uma travesti... E, no caso, não somos coitadinhas nem queremos nos passar por coitadinhas. Simplesmente, o Brasil hoje, e o mundo nos oferece uma simples situação: a prostituição. Então, infelizmente, é isso que se dá.
Nós temos, sim, alguns casos de travestis e transexuais que estão no mercado de trabalho. Temos sim, mas são casos muito isolados. Por exemplo, eu venho do Município de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, juntamente com o Senador Paulo Paim e com o Ministro Pepe Vargas. É a segunda maior cidade do Estado do Rio Grande do Sul, um polo industrial, metalúrgico muito grande. Eu tenho vários currículos de meninas formadas em metalurgia e, quando os entregamos nas empresas, sempre levamos aquele chá de cadeira. Então, o que nos sobra é a prostituição.
É daí que sobra aquela população... Aí, eu pergunto ao Ivo - tá, Ivo? É um questionamento que eu tenho há muito tempo com o Ministério. Nós, travestis e transexuais, sempre somos vistos como HSH. Nós não somos HSH, porque um homem que tem relação sexual comigo não vai ter relação sexual com outro homem. Você não concorda? Então, gostaria que o Ministério revisse mais uma vez essa consideração. Por isso, quando aos nossos casos, quando se coloca ali HSH, está lá em cima. Só que, quando coloca lá em cima, se for fazer esse mapeamento de travestis e transexuais, infelizmente, a minha população de travestis e transexuais está num índice altíssimo de infecção.
Então, eu fico muito triste de ver as minhas amigas e companheiras sendo massacradas por uma saúde, Maria do Socorro, em que nosso direito ao cartão do SUS são sempre violados. Nós somos uma população que migramos. Por exemplo, eu nasci no Mato Grosso do Sul, hoje eu resido em Caxias do Sul. Eu nasci em Campo Grande. Eu resido ali hoje, mas as minhas amigas vêm ali ao Município, ficam três, quatro dias ou um mês e migram para outro. E nós não temos o direito de ir a um posto de saúde e pegar o medicamento ou, muitas das vezes, se consultar. Então, é uma situação muito séria.
Nós já tivemos, dentro do Estado do Rio Grande do Sul e em Caxias do Sul, óbitos de meninas travestis e transexuais, que foram mortas por não ter sido olhado no cartão do SUS que ela vivia e convivia com HIV/aids. Então, isso é interessante.
Eu trago para cá a minha realidade, como movimento social, porque estou lá amassando o barro todos os dias, enquanto algumas pessoas vêm aqui na frente dizer que é muito bonitinho ser HSH, sendo que a minha população de travestis e transexuais está sendo massacrada realmente, porque nós estamos nas esquinas das ruas; nós estamos lá jogados no meio da rua, porque não temos realmente oportunidade de mostrar nossa capacidade de ser humano, e pagamos nossos impostos.
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E trago uma vergonha muito grande, porque um dos relatores do PL nº 198 é do meu Estado - e isso me faz morrer de vergonha -, é do Rio Grande do Sul e apresenta um retrocesso, e quem vai sofrer muito será a população que faz prostituição nas ruas, principalmente, a população de prostitutas transexuais e travestis. Essa população será realmente criminalizada, Sr. Senador. Então, infelizmente, isso é um retrocesso perante o Estado, o Brasil, em que nós vivemos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Essa foi a Cleonice Araújo, do Rio Grande do Sul.
Agora, o último, o Sr. Rubens Pinto; daí passaremos para as considerações finais da Mesa.
O SR. RUBENS PINTO - Bom dia, Senador!
Sou Rubens Raffo Pinto, Coordenador Técnico do Fórum de ONGs aids...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Rubens, deixe-me fazer um registro que já devia ter feito. Eu vou descontar do seu tempo; pode deixar.
Está aqui conosco o Senador José Medeiros, que está aqui desde a metade da audiência, sempre presente, parceiro nosso, companheiro. Registro a presença dele e peço uma salva de palmas para ele. (Palmas.)
O seu tempo começa a correr a partir de agora, Rubens. Depois, o Senador José Medeiros usa a palavra no momento que entender mais adequado.
O SR. RUBENS PINTO - Prazer, Senador. Eu não o conhecia; estou conhecendo-o agora.
Senador Paim, primeiro, eu queria dizer que, como cidadão, fui seu eleitor e fico admirado e contente em ver que o senhor está, pelo menos, tentando alcançar os objetivos que tenho como cidadão.
Dito isso, quero parabenizar a Vera Paiva pela sua explanação. Eu a achei excelente e não tenho uma vírgula a contestar. Ao contrário, só tenho elogios a fazer.
Carlos Duarte, excelente painelista e grande conhecedor do Sistema Único de Saúde.
Mas não posso deixar de falar, já que represento um fórum ao qual há praticamente 50 instituições do Rio Grande do Sul vinculadas, algumas delas aqui presente, sobre a questão que já foi aqui muito debatida, a questão dos direitos humanos das pessoas que vivem com HIV/aids. O Ivo Brito trouxe aqui - com todo o respeito, é uma pessoa por quem tenho a maior admiração - a questão dos direitos humanos. E eu fiquei em dúvida porque a gente não percebe direitos humanos, pelo menos, nesta última gestão. Eu fico perguntando: é um tratamento biomédico ou um tratamento biomédico com assistência aos direitos humanos? Porque a gente percebe que, muitas vezes - e a gente tem percebido isso no dia a dia -, as pessoas que se testam, às vezes, não conseguem ter uma assistência adequada em relação a sua soropositividade.
Nós, do Rio Grande do Sul, fizemos um pacto interfederativo com o Ministério da Saúde, com as secretarias de Estado de saúde e com as secretarias municipais de saúde do nosso Estado. Para a nossa surpresa, alguns modelos foram divulgados como um exemplo nacional de efetividade, o que eu consto extremamente. Até agora, não consegui ver muita produtividade desse pacto, não só no sentido de apenas repassar de recursos, mas, muitas vezes, quando se chega a uma unidade básica, onde as pessoas deveriam estar preparadas para receber essa população, em especial, as travestis, transexuais, que não são muito bem recebidas. E a população em geral também não está sendo muito bem acolhida. E esse dinheiro foi para essas unidades, mas não está tendo o retorno que deveria ter. Eu questiono onde está a efetividade desse pacto interfederativo, já que as unidades básicas não estão conseguindo atender adequadamente.
E só queria fazer um complemento sobre a fala do Carlos com relação ao PEP. Concordo plenamente com o Carlos quando fala da questão da procura das pessoas para fazer o PEP. Fui procurado por um casal de homossexuais, um deles estava infectado e, por uma infelicidade, houve o rompimento de um preservativo e eles estavam desesperados para saber - era fim de semana - onde eles poderiam ter acesso ao PEP. Aí eu sugeri a eles que fossem à Bom Jesus, onde há um serviço. Chegando lá, não foram bem atendidos. Nesse meio tempo, eles me passaram por WhatsApp a reclamação, eu entrei em contato com o Gerson Winkler, que ligou para lá e disse: "Olha, esse rapaz foi encaminhado pelo fórum". É um caso de se dizer que, infelizmente, precisaram ter um anjo da guarda por trás para que conseguissem alguma coisa, quando, na verdade, isso não se trata de direitos humanos, mas de direito individual.
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Acho que esse tipo de serviço, infelizmente, desqualifica esse atendimento, mas também quero agradecer ao Gerson, por ter interferido, embora não fosse preciso.
Com relação à articulação dos direitos humanos, acho muito ainda a dever. É pena que o Dr. Fábio Mesquita não esteja aqui, porque, nesta Comissão, porque aqui quero falar como contribuinte.
Fiquei sabendo de pesquisa sobre os exames de CD4, da validade ou não, de quanto tempo vai ser aplicado, através dos "fofoqueiros", conforme termo usado pelo Dr. Fábio Mesquita - tenho o e-mail dele -, reclamando e dizendo como é que tinha de ser feito.
Só quero que o Sr. Ivo Brito diga ao Dr. Fábio Mesquita que esses "fofoqueiros" são o Movimento Social de Luta contra a aids, exercendo o seu direito de cidadania e exigindo explicações, já que esse tipo de pesquisa influencia tremendamente no tratamento das pessoas com HIV/aids.
Cientificamente, está comprovado que isso é importante, e a sociedade precisa ser ouvida. Ele, como diretor de um departamento, não tem o direito de chamar as pessoas de fofoqueiras. Respondi às pessoas que me mandaram. Não sei se ele tomou conhecimento, mas gostaria que isso fosse levado ao conhecimento dele. Isso não é uma fala de um diretor de departamento, porque, além de sermos cidadãos, somos contribuintes.
Para não me prolongar muito, só gostaria de me dirigir também ao Sr. Lúcio...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - O senhor tem mais um minuto.
O SR. RUBENS PINTO - ... com relação ao Disque 100.
Daqui a cinco dias, estarei me casando. Era para eu estar em Porto Alegre, preparando-me para fazer todo o casamento, e estou aqui, porque acho que isso é importante. Nós fomos vítimas de violência de vizinhos. Fomos fazer a ocorrência e sofremos duas ações: homofobia e xenofobia. Entramos com uma reclamação no 0100. Foi feito um protocolo, encaminhado para uma ONG de Florianópolis, que não tem o poder de Polícia, e não pôde ser feito mais nada. Pedimos o retorno e, até agora - estou tentando uma audiência com o coordenador -, não consigo. Então, esse 0100 é uma porcaria.
Acho que precisamos começar a pensar muito bem, porque, se o próprio Executivo faz uma propaganda de um 0100, dando tranquilidade a um cidadão, sabendo que ele vai ter suas garantias, nós não estamos tendo essas garantias. Temos um imóvel, lá, comprado pelo Minha Casa, Minha Vida. Agora, dizemos assim: a minha vida é a minha rua, porque não consigo ficar na minha casa, nem o meu companheiro, sem estarmos preocupados em sermos agredidos novamente pelos vizinhos.
Tanto a Polícia Civil de Santa Catarina, quanto o próprio 0100, ninguém fez absolutamente nada. Se algum movimento de LGBT, Arte Gay, o que for, se acontecer algum acidente, se eu ou o meu companheiro vier a falecer, e vierem fazer carnaval em cima disso, podem ter certeza de que vamos processar.
Obrigado. Desculpe por ter interrompido. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse foi o Rubens Pinto.
Esclareço que, porque veio alguma pergunta nesse sentido, em primeiro lugar, não invento audiência pública.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não; não. Você não disse isso. Não foi para você. Foi de pergunta que veio aqui. Aqui, nesta Comissão, se pudéssemos, haveria audiência pública de segunda à sexta-feira. É que, também para os funcionários, isso é demais. Para que os senhores tenham uma ideia, uma vez, eu fazia às segundas e às quintas-feiras; agora, faço às segundas, às terças, às quartas e às quintas-feiras. É um trabalho acumulado. E há Senadores na fila.
O que eu percebo? As audiências públicas cumprem um papel fundamental, porque elas dão visibilidade a um tema que, muitas vezes, está engavetado, que ninguém quer discutir e não quer que a TV Senado transmita para todo o Brasil, porque tudo aqui é ao vivo e todo o Brasil fica sabendo o que está acontecendo.
Segundo, fruto de audiências públicas, tivemos uma série de encaminhamentos que viraram projetos de lei. Por exemplo, a Lei do Autista, que existe hoje, neste País, é fruto de audiência pública que daqui surgiu; no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência, estava um impasse, porque apresentei há quase 15 anos, porque debatemos esse há quase 20 anos, entre aqueles que entendiam que convenção Internacional resolvia - tenho que render homenagem aqui ao Flávio Arns, que é lá do Paraná. Como Relator, promovemos uma audiência pública aqui e resolvemos a questão, e o Estatuto já está na mão da Presidenta agora.
Temos todo um processo de encaminhamento agora, após as reuniões de audiência pública, que abraça todos os setores, pode ser mobilidade, direito do trabalho, saúde, educação, habitação, tudo para mim são direitos humanos, é direito de viver com qualidade, como é o caso, hoje, específico do debate que estamos fazendo.
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Quero passar para a Mesa, para as considerações finais, e o Senador Medeiros usa da palavra no momento adequado.
São os seguintes os encaminhamentos que até o momento chegaram - e durante as ponderações pode surgir mais alguma coisa.
Primeiro, batalhar para que o PL nº 198, que torna crime hediondo a questão da aids, seja rejeitado. É isso? Lá e aqui também. (Palmas.)
Chegou aqui também o PLS nº 200 - e não estou aqui o nome dos autores, porque essa não é a questão; a questão é rejeitar -, que dispõe sobre pesquisa clínica com seres humanos, que seja também rejeitado. É isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
E que a PEC nº 451 seja também rejeitada; não é isso?
E, aí sim, apoiar a Recomendação nº 200, da OIT, contra a discriminação das pessoas com HIV no mercado de trabalho. É isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Então, esses são os encaminhamentos até o momento. Se, nas considerações finais, surgirem outros encaminhamentos, é claro que vamos colocar aqui, passando a ser compromissos desta Comissão, a partir da ouvida dos militantes, enfim, e os nossos convidados.
Com a palavra o Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Sr. Presidente, Srs. Palestrantes, público aqui presente, todos os que nos ouve pela TV Senado, Senador Paulo Paim, tenho a impressão de que há pessoas que parecem ter medo do debate - Essa é a grande verdade! - e se incomodar com a Comissão de Direitos Humanos, justamente, porque aqui se trata de temas que estão debaixo do tapete.
Queria parabenizar V. Exª, porque tem sido protagonista, um ator importante no debate, aqui no Senado. Não vejo qual a outra utilidade de um Parlamento, que não seja justamente debater os temas importantes da sociedade. Estamos numa Câmara Alta, e esse tema, principalmente, precisa ser debatido e conversado, até para evoluirmos.
Lembro-me da época, quando se começou a discutir esse tema, era um tabu na sociedade falar em aids. Lembro-me de que, certa feita, na minha cidade, ia haver o lançamento de uma colheitadeira, e Mato Grosso é um Estado eminentemente agrícola. Então, veio toda uma diretoria da Finlândia, e contrataram um grande show nacional, com Ronald Golias, as Mulatas do Sargentelli, isso na década de 80.
A cidade tinha um único clube. Os artistas chegaram um dia antes na cidade, e alguém sugeriu de levá-los ao clube. Eles não foram aceitos, porque diziam que eles eram promíscuos, e as pessoas poderiam pegar aids na água da piscina. Enfim, de tanto se falar, de tanto se explicar sobre o tema, a sociedade já evoluiu mais um pouco, mas precisamos continuar falando.
Precisamos falar também sobre a questão do dinheiro. Para onde esse dinheiro vai? Já ouvi algumas pessoas falando, e vou falar aqui, apesar de não ser um conhecedor do tema, mas noto que muitos dos problemas se referem a recursos, sim, que, às vezes, até existem, mas acabam não chegando de forma correta até a ponta e se perdendo em diversas técnicas, se esmiuçando nas esferas de Poder - Federal, Estadual e Municipal - e se dilui.
Todo esse preâmbulo é para dizer da importância de nos pronunciarmos sobre essas audiências sim. Então, quando alguém aqui se pronunciou, foi até bom, para podermos fazer essa defesa de que a Comissão de Direitos Humanos tem, sim, de trazer esses temas, porque, a partir da união de todos esses cérebros, dos afetados, saberemos se todos esses programas estão funcionando. Sempre me preocupo. Qual a eficácia de tudo o que estamos fazendo? Está chegando lá na ponta?
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É igual à questão dos remédios de alto custo. Ouvi desabafos aqui há alguns dias: "Não consigo. Estou num looping, tentando conseguir isso". E é a mesma coisa. Então, qual é a outra forma de o Parlamento atuar? É falando. E aqui, na Comissão de Direitos Humanos. Eu não sou titular aqui, mas venho a todas as reuniões que posso porque...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Já é titular, conquistou o posto de titular.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Muito obrigado! E com um técnico desse...
Porque é aqui que a gente tem a oportunidade de falar, e falar sem cerceamento nenhum. Não é por estar na presença do Senador, não é jogar confete, mas o Senador Paim tem no sangue a veia do Parlamento, tem no sangue a essência, o DNA do Parlamento, de falar, e falar sem preconceito, com o objetivo de resolução do problema. Como ele disse, várias leis importantes já saíram dos debates aqui.
Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador Medeiros. Sempre colaborando com os trabalhos desta Comissão, o Senador Medeiros, de Mato Grosso.
Vamos às considerações finais de cada convidado.
A gente pede que fique, no máximo, em cinco minutos.
Começo com o Ivo Brito, da Assessoria de Ações Estratégicas do Departamento de DST, aids e Hepatites Virais.
O SR. IVO BRITO - Vou tentar responder no atacado. Foram várias questões.
Eu gostaria de começar justamente por uma referência que foi feita no plenário que eu gostaria de retificar. Em primeiro lugar, o Dr. Fábio Mesquita encontra-se numa reunião internacional, por isso ele não está presente aqui. Nessa reunião, ele tem a função de representar o País para discutir exatamente os encaminhamentos com relação à questão do tratamento no que diz respeito às metas 90/90/90. Portanto, a ausência dele se explica, fundamentalmente, por essa necessidade de o País ter uma pessoa à frente de uma comissão que vem discutindo isso mundialmente.
Com relação à questão específica dos dados e informações desagregados para populações transexuais e travestis, acho que você tem conhecimento do andamento do processo de discussão interno no departamento, com vistas a fazer a desagregação dos dados para esse segmento da população. Então, nós avançamos com relação à ficha de notificação dos casos de HIV e aids, que passam a introduzir essa informação de forma desagregada, assim como, recentemente, já está em andamento um edital para uma pesquisa que está voltada basicamente para transexuais e travestis. Assim como nós fizemos no passado com relação à questão de HSH, vamos ter um estudo específico de âmbito nacional para esse segmento da população.
Eu queria só fazer um comentário com relação a isso para tentar responder outras questões que estão diretamente relacionadas com o tema que estamos abordando aqui.
Essa questão da visibilidade/invisibilidade é um elemento que tem que vir com certos cuidados, e eu acho que o departamento tem dado esse tratamento quando se refere a populações, como já foi dito por esta Mesa, que, historicamente, são populações excluídas. Então, obviamente é necessário que se dê visibilidade, mas, ao mesmo tempo, tem de se ter o cuidado de que essa visibilidade venha acompanhada de um conjunto de outras ações para que não se faça da visibilidade um elemento de preconceito; que se faça da visibilidade um elemento para o alcance da equidade, como já foi dito por esta Mesa. Acho que esse é o caminho que deve ser adotado quando se trata da luta pela equidade. Mais do que o direito, acho que estamos no século da equidade.
Quer dizer, defender a diferença sobre a questão do direito é também não fazer do direito, numa concepção kantiana, algo quase que sobrenatural às necessidades das pessoas. O direito tem uma materialidade e ele também expressa certas vontades e interesses de classe, e isso que tem de ficar claro aqui. Não adianta falar que existe um direito, como uma abstração, uma coisa universal; temos de lutar pelo conceito da equidade.
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O século atual é o século da equidade, o século da diferença. E temos que fazer essa diferença na conquista do direito, não como um direito abstrato, o direito como um elemento material para conquista da equidade, eliminando as contradições que existam, eventualmente, de exploração de classe. Acho que isso tem de ficar claro aqui. Eu gostaria de afirmar isso com toda a veemência nesta reunião.
Em relação a outros pontos que dizem respeito mais especificamente às questões técnicas, eu acho que o departamento vem defendendo... No caso específico do CD4, é uma discussão estritamente técnica que faz parte de uma decisão do Ministério da Saúde...
(Soa a campainha.)
O SR. IVO BRITO - ... no que diz respeito à questão dos parâmetros assistenciais. Nós temos de ter parâmetros assistenciais. Não dá para trabalhar... Assim como havia consenso e mudamos de consenso para a adoção de protocolos como uma medida de racionalizar, como uma medida de regulamentar, nós também temos de ter parâmetros assistenciais para a questão do diagnóstico. E a questão do CD4 está dentro dessa medida que o Ministério da Saúde adota de ter parâmetros assistenciais. Nós não podemos ficar à deriva, utilizando as coisas sem certas regulamentações no campo da saúde pública, porque isso implica gasto, isso implica ações judiciais, muitas vezes, desnecessárias em cima do Sistema Único de Saúde. O sistema precisa de regulamentação, o sistema carece de ser regulado. Não existe sistema de saúde que não tenha regulação. E, no caso, por exemplo, de exames laboratoriais e parâmetros assistenciais, é necessário que o sistema adote essas medidas.
(Soa a campainha.)
O SR. IVO BRITO - Eu acho que podemos tratar essas questões técnicas em outro espaço - existem outros espaços de discussão - para que possamos aprofundá-las.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Cumprimento o Ivo Brito, que ficou no tempo.
De imediato, passo ao Sr. Carlos Alberto Ebeling Duarte, do Conselho Nacional de Saúde. Faço o apelo também dos cinco minutos.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - O.k..
Eu fui anotando algumas coisas aqui, mas eu vou fazer uma fala mais geral.
Eu acho que uma das questões fundamentais que foi levantada aqui também é a questão de enfrentar a epidemia de aids de forma não só relacionada às populações, mas também de uma maneira regional. Há várias epidemias diferenciadas no Brasil. Hoje, o próprio Ministério identifica dessa maneira, porque está propondo ações interfederativas em pelo menos quatro Estados, Rio Grande do Sul, Amazonas, Rio de Janeiro e Santa Catarina, que mostram epidemias um pouco diferenciadas em relação a outros lugares. E tenho de concordar com o que foi colocado aqui, apesar de essas ações interfederativas pudessem ser entendidas quase como ações emergenciais para tentar barrar uma epidemia, como, por exemplo, no Rio Grande do Sul, que hoje talvez tenha uma epidemia generalizada - não uma epidemia concentrada apenas em determinadas populações -, pois, de fato, praticamente dois anos após essa ação interfederativa, praticamente nada foi feito que pudesse ser considerado como ação emergencial e pudesse frear, de fato, a epidemia ou pelo menos gerar conhecimento a respeito da epidemia no Rio Grande do Sul. Acho que isso é uma questão fundamental.
Outra questão. Por exemplo, com relação ao que o Senador...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Medeiros.
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - O Senador Medeiros citou um exemplo de uma situação. E eu vou citar um exemplo muito atual, deste ano ainda, quando, em Santa Cruz do Sul, numa campanha de Cipa, campanha de saúde do trabalhador, o cartaz dentro da empresa, a Mercur, espalhado pela cidade de Santa Cruz do Sul em outdoors, dizia assim: "Não faça sexo com pessoas de Santo Cruz do Sul, porque ela tem aids". Isso é uma violação total de qualquer coisa... Não vou nem... Imaginem! Daí a empresa disse assim: "Não, isso era uma questão interna da empresa que vazou..." E não sei o quê.
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Agora, imaginem uma pessoa que tenha aids, que tenha HIV, que seja soropositiva, dentro da empresa. Como é que ela se sente dentro do ambiente de trabalho quando a empresa diz isso, discrimina dessa forma? A saúde mental, só pegando por esse lado, como fica a vida dessa pessoa? Então, isso é para dizer que o preconceito e a discriminação ainda são muito fortes, em muitos lugares, em relação a essa questão, porque estão diretamente ligados às questões sexuais.Temos que olhar por esse lado, para onde vai esse preconceito e essa discriminação.
A outra questão é com relação à população em situação de presídio, à população em situação de confinamento, e à população em situação de rua. Quando falamos das populações-chaves elencadas pela OMS para o Brasil e para o mundo todo, para conter epidemias, essas populações não são elencadas pela OMS. E nós estamos numa situação de desrespeito aos direitos humanos das pessoas que vivem em presídios e que vivem na rua de maneira absurda, porque, além de toda a exclusão que sofrem, hoje elas sofrem mais ainda porque, infelizmente, quando se fala da descentralização, parece que quando as políticas são descentralizadas, e políticas que têm, digamos, um recorte de discriminação e preconceito, parece que essas populações, que já são excluídas...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS ALBERTO EBELING DUARTE - ... são muito mais excluídas a partir da proximidade com a gestão em função da própria exclusão que isso vai gerando.
Houve um aumento absurdo da população em presídios agora. Há pouco foi divulgado o resultado da pesquisa do Pnud, que demonstra que vem aumentando absurdamente o número de negros, jovens e mulheres dentro de presídios. Isso é reflexo do sexismo, do racismo e até mesmo da política que está sendo proposta nesta Casa, no Parlamento, de reduzir a maioridade penal. É a criminalização de quem, na verdade, é vítima desse processo todo. E isso serve para todas as coisas, inclusive para a aids. Não dá para criminalizar quem é, de fato, vítima da epidemia de aids.
Era isso.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Carlos Alberto Ebeling Duarte, do Conselho Nacional de Saúde.
Lembro que na quarta-feira haverá aqui o debate com os presídios.
Também gostaria de dizer, Carlos Alberto, que todas as audiências públicas que nós fizemos aqui nesta Comissão, principalmente aqui, sempre ganhou o debate, de forma disparada, aqueles que têm uma visão contrária à criminalização de crianças, de colocá-las na cadeia. Falam em 12, em 14 anos, e há quem fale em 8. Mas nos debates aqui, sem sombra de dúvida, a articulação dos direitos humanos foi muito positiva, nós não perdemos um debate sobre essa questão. Esperamos que isso dê resultado e que a matéria não passe. Aqui não. Não sei no plenário. Nós teremos que nos mobilizar se quisermos que não avance.
Léo Mendes, por favor, representante da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos.
O SR. LÉO MENDES - Em primeiro lugar, quero parabenizar o Senado Federal, o Senador Paulo Paim, por esta audiência pública. Infelizmente, na sociedade brasileira, ainda convivemos com pessoas que não admitem a democracia como elemento essencial para o avanço da sociedade. Há pessoas que são contra audiências, contra a participação popular no Estado, contra absolutamente todas as teses de democratas do mundo. Mas temos que conviver com todos os brasileiros e brasileiras, os que pensam dessa forma e os que pensam de forma diferente.
Parabenizo V. Exª pela audiência e pela luta que trava aqui dentro, pois sabemos que não é fácil, V. Exª também é vítima de estigma e de preconceito ao lutar por causas pelas quais poucas pessoas querem lutar hoje no Brasil.
Nós estamos na Comissão de Direitos Humanos, em que o foco central é a questão dos direitos humanos, como bem lembrou a Srª Vera Paiva. Podemos discutir tudo, mas se não discutirmos com o foco em direitos humanos, perderemos a razão de estar no Senado Federal discutindo o tema direitos humanos com o foco na saúde, com o foco no HIV e na aids. É necessário que haja um respaldo político para que esta Casa de leis possa, junto com a sociedade civil e com pessoas que lutam pelos direitos humanos de pessoas com HIV e afetadas pelo HIV, porque os familiares, os amigos e a comunidade também são afetados, criar um arcabouço legal no Brasil para desenvolver essas ações.
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Volto a frisar, pela ANSDH, que, se é uma epidemia que está em patamares elevados em uma determinada comunidade, é claro que nós entendemos que as mulheres são muito afetadas pelo HIV/aids, mais do que nós, homens, porque é muito complexo o que acontece hoje com as mulheres. Normalmente são viúvas, os maridos contraíram e morreram, e elas acabam tendo a obrigação de cuidar dos filhos, de ainda ter uma doença para carregar e têm todas as dificuldades que as mulheres têm em triplo. Então, é preciso uma atenção redobrada nos direitos humanos do HIV/aids com as mulheres afetadas pelo HIV/aids.
Também é importante observar as populações-chave. E aqui nós reforçamos: hoje, nos Brasil, as prostitutas não são legalizadas, como são na Holanda. Esse é um dificultador para que possamos desenvolver ações do HIV/aids no País, porque, enquanto persistir a hipocrisia de saber que existe travesti prostituindo, mulheres prostituindo, homens prostituindo em cada esquina deste País, e fingirmos que nada disso acontece, nós vamos colocar empecilho para a prevenção. Da mesma forma as travestis, as mulheres transexuais e os homens transexuais, que são, na escala de toda a humanidade, os mais atingidos pela discriminação, pelo preconceito que há no mundo. Se esta Casa de lei não reconhece o nome social dessas pessoas, a identidade de gênero dessas pessoas, isso complica também a prevenção do HIV/aids.
Portanto, o projeto de identidade de gênero do Deputado Jean Wyllys é importante ser aprovado nesta Casa. Da mesma forma a comunidade de gueis, de outros homens bissexuais e de homens que fazem sexo com homens. É preciso haver uma perspectiva de olhar sobre a homofobia, que acontece diariamente contra esses sujeitos sociais.
Ontem mesmo, estava numa rede social, um menino de 14 anos que queria ser estilista foi morto, apedrejado, numa cidade do interior do Espírito Santo. Enquanto isso, o Congresso fica discutindo se vai meter menino de 16 anos dentro da cadeia para ser aliciado por traficante, em vez de discutir a necessidade de fazer uma revisão sobre o sistema de educação e de inclusão social para que crianças, adolescentes e jovens não sejam mais vítimas de nada que seja de sofrimento neste País.
Por fim, as pessoas usuárias de drogas neste País.
(Soa a campainha.)
O SR. LÉO MENDES - Não é mais possível, para concluir, que passemos nas ruas, nas esquinas, debaixo dos viaduto, que vejamos essas pessoas e que não as identifiquemos como também brasileiros e brasileiras que merecem atenção, direitos humanos e dignidade neste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Léo Mendes, representante da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos.
Passo a palavra agora à Presidenta do Conselho Nacional de Saúde, Srª Maria do Socorro de Souza.
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - Obrigada, Senador.
Eu queria reiterar a importância da audiência pública, porque nem sempre o espaço favorece um diálogo respeitoso quando trazemos as dimensões de violação dos direitos humanos. E, em nível do Estado brasileiro, esses espaços são muito fragmentados. Cada Conselho, cada Ministério traz uma abordagem, e nós, aqui, no Legislativo, terminamos também trazendo, numa composição de Mesa como esta, uma representação dos Poderes instituídos. Com isso, dá para fazer uma abordagem mais integral. É pena que o Judiciário também não esteja aqui, ou o Ministério Público, porque também é preciso trazer esses elementos para reflexão nesses outros Poderes.
Quero dizer também que a sociedade brasileira tem se democratizado bastante nas relações sociais, nas relações humanas, e o Estado brasileiro continua muito conservador e autoritário para trazer essas novas dimensões. Acho que algumas falas aqui retratam ainda o quanto o Estado brasileiro está pouco aberto para essas dimensões que trazemos no campo da saúde.
Quero dizer ainda que fica muito evidente nesta audiência pública, nas falas, nas contribuições, que muitas das saídas, para garantir o direito universal à saúde na perspectiva dos direitos humanos, só têm viabilidade se passar pelo Sistema Único de Saúde. Acho que essa é uma disputa que temos que colocar o tempo inteiro nas nossas pautas como movimentos sociais, na pauta, por exemplo, desta Comissão, porque lamentavelmente nós estamos perdendo a disputa em defesa do Sistema Único de Saúde em nosso País. Há uma mídia corporativa que sempre contribui, lamentavelmente. Termina sendo porta-voz de desconstrução do SUS, de desconstrução do direito universal à saúde, como dever do Estado.
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Lamentavelmente, existe uma agenda negativa que, o tempo inteiro, cotidianamente, também desconstrói o que constitucionalmente a gente assegurou, de 88 para cá. E acho que audiências como esta ajudam a entender a importância do SUS como política de Estado e quantas saídas dependem do fortalecimento desse sistema como sistema público.
Quero ainda ressaltar que existe muita agenda negativa, e nós, como sociedade, estamos alertando Governo, Legislativo e Judiciário das suas implicações.
E quero colocar aqui, como já foi falado, a PEC 171, da redução da maioridade penal, a PEC 451, que coloca planos privados de saúde para trabalhadores com carteira assinada como sendo a viabilidade de materializar o direito à saúde, mas, na verdade, vai na perspectiva da ideologia, da cobertura universal, que vai oferecer um pacote mínimo e termina responsabilizando de novo e penalizando os trabalhadores.
Quero colocar ainda o PL 198, que já foi reforçado aqui. E também o PL 200, que está tramitando aqui no Senado Federal, que coloca novas regras de ética em pesquisas clínicas com seres humanos. Para nós, é necessário também aprofundar esse debate, porque, além de colocar o fim de representação de usuários nos CEPs, nos Comitês de Ética em Pesquisa, dá possibilidade de reduzir o uso do medicamento após o período de estudo, de extinguir também o sistema CEP/Conep, que está ligado ao controle social, ao Conselho Nacional de Saúde, e colocá-lo subordinado a comitês muito patrocinado também por empresas. Para a gente, isso é inadmissível, porque a principal garantia hoje que o Conselho Nacional de Saúde tem e que a nossa Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep, procura prevalecer é exatamente a proteção ao usuário voluntário de pesquisas clínicas no País. E esse conjunto de regras, inclusive reconhecidas internacionalmente, com risco a partir do PL 200.
Por último, sem sombra de dúvida, há outras ações tramitando aqui no Congresso, no Senado sobretudo, e quero colocar, representando os trabalhadores e trabalhadoras rurais no Conselho Nacional de Saúde, a desregulamentação de uso de agrotóxicos no País. Isso é grave porque nós estamos consumindo alimentos, produzindo, comercializando e consumindo produtos com cargas elevadas de agrotóxicos...
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DO SOCORRO DE SOUZA - ... e muitos deles com relação também à produção de novas doenças, doenças raras.
Quero finalizar, fazendo uma divulgação...
Desculpa, Senador, mas foi o toque da sirene.
A pauta do financiamento também. Não há um sistema público de saúde fortalecido se não se enfrentar o debate do financiamento. Nós entramos com um projeto de iniciativa popular que, lamentavelmente, precisaria ter regras próprias para a tramitação desses projetos de iniciativa popular como são as medidas provisórias, trancando pauta ou priorizando as listas de votações. Lamentavelmente, a gente fez uma forte mobilização do Saúde+10 com 2,2 milhões de assinaturas e vimos a essência do nosso projeto desaparecer, apensado a projetos parlamentares que, mesmo tendo compromisso com esse debate, não respeitaram a prioridade do trâmite dessa iniciativa popular. É muito ruim ter uma reforma política que não reconheça outras formas de participação! E a gente vê uma reforma hoje dentro da Câmara comprometendo a vontade popular, como a gente vê alguma forma como o Regimento nesta Casa, e na Câmara também, contratam os projetos de iniciativa popular.
E, por último, quero fazer a divulgação aqui do nosso portal da 15ª Conferência Nacional da Saúde: www.conferenciasaude15.org.br, em que interagiremos a partir de chat, de notícias publicadas por várias iniciativas da sociedade em apoio à realização da nossa 15ª Conferência Nacional de Saúde, que já começou nos Municípios. Há uma agenda ampla nos Municípios brasileiros até julho, 15 de julho. Logo após 15 de julho até dezembro, realizaremos as conferências estaduais e, em novembro, de 1 a 4 de dezembro, a nossa etapa nacional.
Então, é muito importante que o Movimento aids e outros movimentos consigam colocar teses, debates importantes como este em nosso portal. Por isso, conferenciasaude15.org.br é um espaço também de democratizar esse debate e politizar a agenda da saúde.
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Lamentavelmente, cada vez mais, a agenda da saúde é colocada numa perspectiva negativa, despolitizante e pouco humanizadora. Eu acho que um exercício como o desta audiência é extremamente válido nessa perspectiva.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Maria de Socorro de Sousa, Presidente do Conselho Nacional de Saúde.
Passo a palavra ao Sr. Lúcio Costa, que fala pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; e, depois, encerrando, a Srª Vera.
O SR. LÚCIO COSTA - Senador Paulo Paim, cumprimento V. Exª pela iniciativa.
Nós, que nos colocamos como governo popular e democrático, receber, discutir e fomentar com a sociedade civil e com os diversos segmentos da sociedade é entender que isso oxigena o nosso trabalho. Isso é muito importante e o processo é permanente e contínuo. Acho que há uma frase que ficou muito conhecida na Comuna de Paris, que é: "Sejamos realistas. Desejemos o impossível". Este deve ser o nosso horizonte e a nossa práxis, o diálogo, a construção de agendas para os ajustes e para as conquistas que ainda não foram alcançados.
Há duas questões, em especial, no tocante à Secretaria de Direitos Humanos, uma das quais é o Disque 100 - e aí ponderando para a Márcia, o Paulo e o Rubens, que sinalizou as questões voltadas ao Disque 100. Primeiro, gostaria de dizer que, dessa reunião que houve - creio que a Márcia participou dessa reunião com o Ministro -, isso foi encaminhado para a Ouvidoria e eu acho que está sendo estudada uma maneira de compartimentar essas informações. Agora é importante dizer que todas as informações que chegam até o Disque 100 são registradas e têm desdobramentos, e isso tem garantido o direito de muitas pessoas nos diversos segmentos. Se há ajustes a fazer - e é evidente que há -, eu acho que isso é o diálogo que constrói, e não os ajustes. É importante registrar que o Disque 100 tem sido uma fonte de solução de várias problemáticas. O que a gente precisa é de fato - eu acho que o Ministro Pepe sinalizou para isso e dará encaminhamento às demandas apresentadas junto à Ouvidoria - é o ajuste desse processo.
Sobre uma menção que a Márcia fez aos Centros de Referência em Direitos Humanos, é importante só registrar que estamos passando por uma ressignificação desses Centros de Direitos Humanos no País. Então, tanto pela forma de pactuação com as entidades que tocam os centros como com a diretriz que estabelece o que os centros vão fazer na ponta. Antigamente, tínhamos Centros de Referência em Direitos Humanos, por exemplo, que era temáticos, que atuavam em uma única e exclusiva pauta. Por exemplo, população em situação de rua, centro X atuava. Enfim, a configuração que a SDH está dando para os centros de referência é que eles agora atuem com todas as agendas e a formação para que isso aconteça - e, para isso, nós contamos evidentemente com os segmentos dentro do Governo Federal, mas fundamentalmente também com a sociedade civil, que possam formular e educar esses centros de referência para uma nova agenda, que se constrói a partir de agora.
Por fim, enfatizo que o Ministro Pepe, a SDH têm dado a importância para um dos PLs que não foi mencionado - pelo menos se foi, não recordo - refere-se à criminalização de qualquer forma de discriminação em ambiente de trabalho. Então, o Ministro Pepe tem se empenhado para que isso aconteça. E eu acho que isso é mais um ponto caso avance nessa agenda.
No mais, Senador, queria reafirmar a disposição da SDH, não só para V. Exª como para todos os presentes, para a construção do diálogo de maneira permanente.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Lúcio Costa, que falou pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Está aqui. Eu acho que é isto aqui: "Apoiar a Recomendação nº 200 da OIT contra a discriminação das pessoas com HIV no mercado de trabalho".
Então, está contemplado.
Agora, por fim - e ela vai encerrar -, sempre homenageando o grande Rubens Paiva, mas também toda a competência e a qualidade da bela palestra que ela nos apresentou.
Passo a palavra à Srª Vera Paiva.
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A SRª VERA PAIVA - Senador, meus genes ficam animados. Convido a todos que quiserem visitar o busto e conhecer eu vou até lá.
Duas coisas: primeiro, Lúcio, completando um pouco, como membro do CNDH queria também lembrar, na linha do que você colocou, que teremos uma Conferência Nacional de Direitos Humanos, em maio do ano que vem, e temos um processo de mobilização local, estadual, curto, do qual espero que todos possamos fazer parte. Segundo, lembrar que isso que vocês tanto expressaram, o quanto que o preconceito e discriminação não desaparecem e a democracia nós construímos todos os dias. Não podemos pensar que porque conquistamos a Constituição Cidadã de 1988 não precisamos mais defendê-la ou aprofundá-la, que porque fizemos um trabalho contra o estigma e a discriminação, nos anos 90 e 2000, não devamos continuar fazendo, porque são outras gerações, novos atores, que sempre vão recolocar essa questão.
Então, se abandonamos o trabalho sobre estigma e discriminação estaremos estimulando aqueles que não entendem de direitos humanos, como nós entendemos, a crescer e nos pegar na esquina, destruindo coisas que construímos ao longo da história do Brasil com suor, sangue e lágrimas.
Estava no Paraná, como membro do CNDH, na quinta e sexta-feira passadas, e ouvi da boca de moradores de rua, por exemplo, estou só reforçando o que você está colocando, e ouvi direto dos moradores de rua o quanto que morar na rua aumenta a mortalidade por tuberculose, por exemplo, aumenta o problema do uso de drogas etc. O Estado do Paraná, aquela polícia que vimos massacrar os professores da cintura para cima, ao invés de atirar no pé, ouvimos depoimentos terríveis de como foi o massacre, o sítio dos professores, que não tiveram para onde fugir, e isso está sendo investigado. Os moradores de rua procuraram a comissão para dizer que o povo para Paraná distribui cobertor, alimento e a polícia sai recolhendo a pedido dos comerciantes e eles estão passando frio e perdendo os documentos. A mesma polícia que massacrou os professores lá.
Então, quero só chamar atenção para o contexto que estamos vivendo, como meus genes falando. A minha especialidade, não que a minha especialidade não tenha os mesmos genes, queria lembrar que a criminalização, o preconceito, a pregação moral e religiosa, a perseguição de bodes expiatórios já foi testada como foi resposta à epidemia e não deu certo. O início, eu que estou desde os anos 80 trabalhando com aids, o nosso maior esforço era lidar com um bispo do Rio de Janeiro, que dizia que a culpa é de vocês, que vocês que se danem; com profissionais de saúde tipo atual secretário do Estado de São Paulo hoje falou isso várias vezes, em reuniões públicas ou não públicas, que as pessoas que se infectavam eram culpadas por estarem se infectando.
Enfim, não falta exemplo da ineficácia de como a pregação moral e a criminalização, Senador, são ineficazes para controlar a epidemia, para aumentar a proteção do povo brasileiro, de qualquer religião - isso tem que ficar claro - de qualquer sexo ou opção sexual, de qualquer espectro, de qualquer território, da epidemia da aids. Ao contrário, então seria muito importante que nessas audiências públicas mantivessem a possibilidade de trazer pessoas ligadas à pesquisa, à ciência, para trazer essas evidências. Eu trouxe apenas algumas.
A terceira coisa que queria dizer é que o povo brasileiro, lá na ponta, do mais educado ao menos educado, é supersensível ao argumento científico, por incrível que pareça. Há países no mundo em que a gente não conseguimos fazer o debate convencendo com base nos dados da ciência; aqui sim. Então, acho que trazer evidência científica que sustente a legislação, o bom uso dela ou a ineficácia das que se querem propor eu acho adequado.
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Por último, quero responder a pergunta que não foi respondida até agora, feita via TV, sobre o Clube do Carimbo. Eu queria de novo dizer: isso foi, mais uma vez, uma irresponsabilidade da mídia.
(Soa a campainha.)
O SR. VERA PAIVA - Só vou terminar isso.
Foi uma irresponsabilidade de a mídia fazer uma reportagem toda recortada. Todos os especialistas no assunto foram recortados para que a pauta do Fantástico e da Globo passassem. Foi absolutamente danoso aquele programa do Fantástico sobre o Clube do Carimbo. E, de novo, isso está ocorrendo. É exatamente o que a Veja desta semana faz, que é pegar quatro, cinco casos, estampar na porta e representando que interesses? Temos sempre que pensar, como o Ivo falou. A Veja foi sustentada, durante anos, o prédio financiado pelos produtores de armas. Não era à toa que ela era contra a proibição do uso de armas. Agora, está sendo sustentada por quem? Eu pergunto. Porque, de novo: 0,01% dos jovens é responsável por qualquer atentado à vida, mas querem transformar esse 0,01... Botam na capa da Veja para justificar a sua criminalização.
A história do Clube do Carimbo - para quem perguntou - é a mesma. Há psicopatas e gente do mal em qualquer segmento social? Sim. Em qualquer partido político, em qualquer opção. Não faltam heterossexuais casados na igreja que são psicopatas, matando a sua mulher, destruindo seus filhos. Então, se quisermos buscar exemplo de gente que não é do bem, vamos achar em qualquer segmento social. Usar o bode expiatório para criminalizar todo um segmento populacional é ineficaz, não ajuda a proteger os brasileiros da aids, independentemente da religião. Como os dados que eu provei ali, entre os jovens hoje não há diferença entre as religiões. Podem até dizer o que aprenderam na igreja, mas, se pastor e moral resolvessem, a aids não existiria. Certo ou errado? O que os pais nossos de cada dia, o que as mães estão fazendo, o que as igrejas estão pregando há milênios? Não é exatamente o que se faz entre quatro paredes. Se pregação resolvesse, se criminalização resolvesse, a aids não existiria.
Então, não podemos eliminar a evidência no debate político. E por isso eu queria parabenizar o Senador e esta Comissão por nos receberem aqui mais uma vez.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.
Essa foi a psicóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP) Vera Paiva.
Com a sua exposição, nós entendemos - com a exposição de todos, naturalmente, e também do Plenário - que esta audiência cumpriu os seus objetivos.
Os encaminhamentos já foram lidos aqui, e, assim, nós encerramos os trabalhos no dia de hoje.
Está encerrada a nossa audiência pública.
(Iniciada às 9 horas e 12 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 30 minutos.)