10/06/2015 - 22ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Senhoras e senhores, bom dia!
Declaro aberta a 22ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
Submeto às Srªs Senadoras e aos Srs. Senadores a dispensa da leitura e aprovação da ata da 21ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente.
Aqueles que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
A presente reunião destina-se a debater aspectos teóricos e práticos de arranjos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).
Em atendimento ao Requerimento nº 38, de 2015-CMA, de autoria do Senador Donizeti Nogueira, esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos e cidadãs que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-cidadania, no endereço www.senado.leg.br/e-cidadania, ou ligando para o número 0800 61 22 11.
Convido para tomar assento à mesa o Sr. Jorge Madeira Nogueira, Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
Obrigado, Professor pela sua presença nesta manhã aqui conosco.
Convido o Sr. Cláudio Klemz, Especialista em Conservação da Organização não Governamental The Nature Conservancy, representante do Sr. Fernando Veiga, para tomar assento à mesa.
Muito agradecido, Sr. Cláudio.
Convido o Sr. Jefé Leão Ribeiro, Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para tomar assento aqui à mesa conosco. Obrigado pela presença, Sr. Jefé.
Informo que o convidado Sr. Devanir Garcia dos Santos, Coordenador de Implementação de Projetos Indutores da Agência Nacional de Águas justificou sua ausência a esta audiência.
Podem sentar-se, por favor.
Vamos iniciar com a minha fala, porque, na medida em que os convidados forem fazendo suas exposições já vão respondendo àquilo que eu indaguei.
Adotaremos o tempo de 20 minutos para cada expositor, depois abriremos a palavra para os questionamentos.
Também quero registrar que a ausência das Srªs e dos Srs. Senadores a esta audiência não é desprestígio aos debatedores desta manhã, mas é que neste momento está havendo também uma reunião conjunta desta Comissão com a de Infraestrutura, com a presença do Ministro Nelson Barbosa, além de outras comissões que também estão em reunião.
Senhores convidados, às vezes, nesta Casa, fazemos parte de três Comissões ao mesmo tempo: vamos a uma, marcamos presença; vamos a outra, debatemos e vamos ainda a uma terceira. É muito dinâmico e muito trabalho.
Em resumo, sou signatário desse pedido de audiência em que debateremos esse tema, tema que, de fato, já fez parte do meu discurso de posse, aqui no Senado, no dia 3 de fevereiro de 2015, em que colocamos a preocupação que temos com relação à crise hídrica. Não fundamentalmente apenas em relação à crise hídrica, mas em relação àquilo que a gente considera que precisa ser feito, que é a defesa da água.
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Portanto, esta audiência tem por objetivo nos instrumentalizar e nos prepararmos para, além dos projetos que já tramitam sobre o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) na Câmara e no Senado, que possamos preparar um projeto de lei que dê conta das nossas indagações e as da sociedade em geral, dos acadêmicos e dos produtores rurais, fundamentalmente quem lidam com a terra diretamente.
Os arranjos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) são mecanismos que buscam remunerar ou recompensar quem protege o meio ambiente. Presume-se que o agente privado que implemente ações com o objetivo de proteger o meio ambiente presta um serviço ambiental à sociedade ou a um grupo de indivíduos e deve ser recompensado por essa decisão.
Os arranjos de PSA baseiam-se em um conceito muito pouco difundido no Brasil, chamado Princípio do Provedor Recebedor. Os arranjos de PSA estabelecem as regras pelas quais os agentes que se beneficiam de um determinado serviço ambiental possam pagar aos agentes que o produzem. É uma forma de criar mercado para os bens ou serviço ambientais que têm como resultado final o estímulo à proteção, recuperação e à conservação do meio ambiente.
Quando bem desenhados, os arranjos de PSA transformam a proteção ambiental em algo atrativo do ponto de vista de quem esteja em condição de produzir esse serviço. É uma forma de tentar transformar a proteção do meio ambiente mais interessante do que sua destruição. Ou seja, os ganhos auferidos pelo prestador de serviço ambiental a partir dos arranjos de PSA podem tornar a proteção ambiental mais atrativa do que outras atividades econômicas ou simplesmente do que a inação.
Entende-se normalmente como serviços ambientais a retenção ou captação de carbono, a conservação da biodiversidade, a conservação e proteção de serviços hídricos e a conservação de beleza cênica. Mas existem serviços ambientais menos óbvios, por exemplo, uma empresa que opere um hidroelétrica ou um serviço de captação de água de uma grande cidade pode estar interessada em reduzir o assoreamento dos seus reservatórios. Essa empresa pode gastar milhões com atividades de drenagem ou pode pagar para que os detentores dos imóveis rurais adotem práticas agrícolas que conservem o solo, evitem a erosão superficial que aterra o reservatórios.
Estimular práticas como o plantio direto, o plantio em nível ou o replantio de mata ciliares em torno dos reservatórios pode sair mais barato para a empresa do que as obras de engenharia para adaptar a exploração do reservatório a um lago assoreado.
Todos podem sair ganhando em uma situação como essa.
Os arranjos de pagamentos por serviços devem ter o objetivo de dar segurança e reduzir os custos de transação entre os agentes que demandam um serviço ambiental e aqueles que podem produzi-lo.
Através de arranjos de PSA podemos encontrar formas de estimular, por exemplo, que os produtores rurais do Brasil recuperem suas Áreas de Preservação Permanente (APP), além dos limites mínimos estabelecidos nas regras transitórias do novo Código Florestal. A nova lei florestal brasileira diz que os produtores devem recuperar obrigatoriamente, no mínimo, as metragens listadas no art. 61-A, mas não existe teto. Nenhum produtor está proibido de recuperar mais do que estabelece as regras transitórias da lei.
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Como estimular os produtores a protegerem mais os seus recursos hídricos é uma pergunta que pode ser respondida por meio de arranjos de PSA? O próprio Código Florestal trouxe a figura das Cotas de Reserva Ambiental (CRAs). Um produtor rural que tem uma propriedade extremamente produtiva, mas não tem área de Reserva Legal suficiente pode pagar, por meio de transações de CRAs, para que outro produtor mantenha um maciço maior de Reserva Legal em outro lugar. As CRAs são um arranjo de PSA, cujas regras gerais estão delineadas no novo Código Florestal, Lei nº 12.651, de 2012.
A presença do Ministério do Meio Ambiente é importante, porque uma lei aprovada no Congresso pode ou não conflitar com uma regulamentação do novo Código Florestal no que tange às Cotas de Reserva Ambiental. O produtor rural, no Brasil, sobretudo os pequenos e médios, precisa ser auxiliado pelos governos a proteger o meio ambiente. Precisamos encontrar formas inovadoras de irmos além da ordem do comando e controle e da punição. Os mecanismos de PSA podem ser uma dessas formas inovadoras de incentivar os produtores rurais a mudarem de atitude em relação à proteção ambiental.
Minhas perguntas sobre uma legislação que trate do PSA endereçadas a todos os convidados: o que já está protegido pela legislação ambiental é passível de receber por serviços ambientais?
O agente privado que mantém o mínimo exigido pelo Código Florestal, como áreas de Reserva Legal e os limites recuperação mínimas nas margens de cursos d'água devem receber por fazer o que estão fazendo obrigados pela lei?
Por outro lado, as Unidades de Conservação de Proteção Integral em terras indígenas, em que o desmatamento é proibido por lei, são passíveis de reconhecimento por serviços ambientais?
Ao nosso convidado, Sr. Cláudio, representante da TNC: quais os principais problemas enfrentados pelos arranjos de PSA, nos quais a TNC está envolvida, que podem ser solucionadas por meio de alterações ou inovações legislativas?
O representante do Ministério do Meio Ambiente não chegou ainda, mas ele nos avisou que iria atrasar um pouco. Portanto, as perguntas dirigidas ao Ministério as farei ao final.
Vamos, então, senhores convidados, que muito nos honram com suas presenças nesta manhã, começaremos concedendo a palavra ao Sr. Jorge Nogueira, Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). O senhor tem 20 minutos para sua exposição no debate dessa temática, que consideramos muito importante para o Senado e para o Brasil.
Tem V. Sª a palavra.
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA - Exmo Senador, eu gostaria de, em primeiro lugar, em meu nome pessoal e em nome da Universidade de Brasília, do Departamento de Economia, agradecer o convite e nos colocar à disposição para sempre que julgar necessário retornar a esta Casa para bater assuntos, como o PSA, a política de PSA do Brasil, que me parece ser uma das estratégias mais interessantes que estão na mesa, em termos de conservação da natureza.
A minha preocupação - como toda audiência pública é o local, é o locus excelente para você trazer, enfatizar, certos aspectos que, na minha opinião, são aspectos fundamentais em termos de uma estratégia de longo prazo, que é a característica de uma política - foi tentar fazer exatamente isso na minha exposição. Porém, audiência pública não é o locus ideal para você ficar aprofundando certas debates. Então, tenho certeza absoluta de que alguns pontos que vou levantar aqui - são, fundamentalmente, cinco pontos - serão aprofundados posteriormente pelos assessores, pelos consultores do Senado Federal.
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Então, como coloquei, acho que, para uma decisão estratégica, existem hoje cinco aspectos que me preocupam com relação ao que eu li de vários projetos, várias propostas que estão hoje dentro da Casa; preocupações essas que, pelas perguntas que o Sr. Senador fez no início da nossa apresentação, creio que dei sorte de conseguir respondê-las de alguma forma.
O primeiro aspecto que eu gostaria de destacar é um aspecto que vou chamar aqui de conceitual básico. Ou seja, do que eu li de vários documentos de dentro da Casa, eu recomendaria fortemente que nós continuássemos insistindo em pagamentos por serviços ambientais. Existem outras propostas em que outras terminologias surgem, e essa proliferação de terminologias, de conceitos, não é só uma questão semântica, é uma questão muito prática. Por exemplo: se nós mantivermos PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais), vamos evitar uma discussão que me diz um pouco cansativa, do ponto de vista jurídico, quase estéril, mas, recentemente, eu ganhei um livro inteirinho, com 400 páginas, tentando dizer que pagamento por serviços ecossistêmicos seria inconstitucional. Então, alguém já se deu ao trabalho de escrever um livro sobre a inconstitucionalidade de pagamentos por serviços ecossistêmicos. Eu lamento; nós não estamos aqui falando de pagamentos por serviços ecossistêmicos. Nós estamos aqui falando de Pagamentos por Serviços Ambientais.
Outra discussão estéril é que, quando se fala de pagamentos por serviços ecossistêmicos, vem aquele eterno argumento de que isso representa colocar valor econômico na natureza, é mercantilização da natureza. Já estou em uma idade avançada e um tanto quanto cansado, depois de trinta e poucos anos como economista ambiental, para voltar a discutir esse tipo de coisa. Mas, mantendo os esquemas, como a política para Pagamentos por Serviços Ambientais, vamos minimizar um pouco isso, creio eu, e evitar certos problemas.
Vou usar uma definição que é bem próxima do que foi dito aqui: com os PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais), a sociedade deseja compensar agentes de mercado - produtores rurais, proprietários, arrendatários, posseiros, o que seja - que se comportam hoje de forma a garantir que o serviço ecossistêmico continue sendo ofertado de maneira a gerar um benefício para essa sociedade, benefício esse maior do que o benefício obtido pelo agente.
Então, só há sentido em falarmos de Pagamentos por Serviços Ambientais, primeiro, porque nós estamos remunerando, gratificando alguém que está fazendo mais do que faria se olhasse apenas do ponto de vista individual egoísta; segundo, nós estamos pagando ou propondo um pagamento por uma ação humana que gera um benefício que aumenta o bem-estar humano, vis-à-vis a situação que seria, o nível de bem-estar que teríamos se essa ação humana fosse interrompida. Nós não estamos pagando pela natureza, nem pelos serviços da natureza, nem por funções ecossistêmicas. Nós estamos pagando por uma ação humana que permite que isso permaneça.
Parece cansativo, mas é algo que, vira e mexe, volta ao debate, quer na literatura científica, quer na literatura técnica. E isso depois de 30 anos. Não se esqueçam de que o conceito de serviços ecossistêmicos - e não de serviços ambientais -, o ecosystem services, foi proposto inicialmente em 1981 no famoso trabalho de dois biologistas da conservação da Universidade de Stanford: Ehrlich e Ehrlich. Os dois Ehrlich são famosos pelo famoso The Population Bomb e são menos famosos pela proposta de 1981, de que, com base numa literatura anterior, que enfatizava o valor para a sociedade de funções da natureza, eles acreditavam que a natureza fornecia uma série de serviços importantes para a sociedade e que isso não estava sendo reconhecido por essas sociedades. A partir de então, a coisa prolifera.
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Na ecologia, há o termo função ecossistêmica, há uma série de termos, que precisamos ter o devido cuidado de lembrar-se das diferentes funções ecossistêmicas, dos diferentes serviços ambientais, e que nós estamos simplificando por alguns poucos que nos permitem hoje pensar num Pagamento por Serviços Ambientais, remunerar a ação humana.
Lembrando um trabalho de De Groot, de 1992, ele lista 37 possíveis funções ecossistêmicas. Destes 37, fomos, ao longo destes 30 anos, reduzindo a lista para 20 funções ecossistêmicas. E, mesmo essa lista de 20 chama a atenção pela variedade de serviços ecossistêmicos, que é imensa. E aí eu vou para o meu segundo aspecto: qualquer política de PSA, na minha humilde opinião, precisa ter como preocupação flexibilidade espacial e flexibilidade temporal. O que estou querendo dizer com isso? As especificidades da relevância dos serviços ecossistêmicos, essa relevância varia no tempo e no espaço geográfico. Um mesmo serviço ecossistêmico, por exemplo - vou citar um que está na lista -, controle da erosão pode ser mais relevante na atualidade do que era há 20 anos. Vocês não se lembram, mas eu me lembro de que eu comecei a minha vida como economista do meio ambiente, trabalhando com os aspectos econômicos da conservação do solo e da água no setor agropecuário. Naquela época, a erosão do solo era algo fundamental. Então, o serviço de proteger o solo, de controlar a erosão era grande. Depois, desapareceu essa preocupação e, para minha surpresa, hoje retoma. O Paraná, que, parece, estava controlando a sua erosão, volta a ter problemas de erosão imensos. Esse serviço é muito importante no Paraná, hoje; porém, tenho certeza de que não tem grande importância no Amapá, hoje. Então, essa a especificidade histórica, temporal, e a especificidade geográfica.
Uma lei, uma política de PSA precisa contemplar a flexibilidade espacial e a flexibilidade temporal. Apesar de ser uma política federal, ela o será em um país de imensas dimensões, no qual especificidades locais podem indicar que uma ação humana, em determinado ponto do território, deve ser compensada por um PSA significativamente superior do que uma semelhante ação humana em outro ponto do Território nacional. E como a lei vai permitir essa flexibilidade temporal e espacial é um dos grandes desafios de uma política, na minha opinião.
Regulação da água pode ser muito relevante hoje - estávamos conversando aqui, antes de começar, exatamente isso - e vai ser durante algum tempo. São Paulo está aí, que não nos deixa mentir. Agora, pode não ser daqui a 30 anos. Pode haver outros serviços ecossistêmicos lá listados na literatura que a lei precisa contemplar, a lei precisa abrir essa possibilidade e perceber que o que é muito relevante, hoje, em São Paulo talvez não seja tão relevante assim.
Eu me lembro - e discutimos isso depois - do famoso caso da Fundação Boticário, com seu famoso programa de PSA Oásis. Funcionava brilhantemente em São Paulo, quando tentaram levar para o Paraná foi um fracasso. O mesmo programa. E por quê? Discutimos isso um pouco mais tarde. Esse é o segundo ponto que eu traria, para provocar um debate aqui com os senhores e com as senhoras.
O terceiro ponto, para mim, é extremamente fundamental. Eu sou economista ambiental e, por gentileza, aqueles que nunca pecaram podem jogar a primeira pedra; economista peca, o de meio ambiente também, e um dos nossos pecados é o seguinte: a política de PSA, no Brasil, tem que saber combinar mercado e governo.
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Ao longo destas três décadas de crescimento da discussão sobre serviços ecossistêmicos, PSA, tanto no debate acadêmico quanto nas experiências de PSA, a busca pela criação de Mercados para Serviços Ambientais, aquilo que chamamos de MSA. Durante uma década nós tentamos criar esses mercados em que demandantes e ofertantes negociam entre si um preço de equilíbrio, que os demandantes irão pagar aos ofertantes.
Nestes 30 anos, também tivemos, em vários pontos do planeta, o estabelecimento de esquemas de PSA em que o demandante único é o governo e os pagamentos dependem do orçamento público ou de recursos financeiros originários de doadores mais ou menos generosos. Uma política de PSA que se propõe estratégica deve contemplar situações nas quais soluções de mercado, que o economista gosta de chamar de soluções...
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Acaba de chegar o Dr. Francisco Gaetani, Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), nós queremos convidá-lo para fazer parte da mesa, ao tempo em que agradecemos sua honrosa presença nesta manhã, para tratar de tema importante, que estamos considerando nesta Comissão.
Neste momento, estamos ouvindo a brilhante exposição do Prof. Jorge, que está abrindo caminhos para um projeto de lei que queremos encaminhar aqui no Senado.
Tem a palavra o Prof. Jorge.
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA - Muito obrigado pela "brilhante exposição". Vou tentar retomar de onde parei.
O terceiro aspecto dos cinco que trago para provocar uma discussão é que, na minha opinião, uma política de Pagamento de Serviços Ambientais no Brasil, ou em qualquer outro canto do planeta, precisa ter equilíbrio, precisa combinar mercado e governo.
Nestas três décadas em que o debate de PSA, serviços ecossistêmicos cresceu muito, quer na academia, quer nas experiências práticas. Mais tarde, no debate, citarei o caso mexicano que tive o susto de conhecer no ano passado. Dando uma aula no México, eu fazia críticas ao PSA prestado no Brasil, que era muito de governo e pouco de mercado - e o México é o país da América Latina que tem o maior número de esquemas de PSA -, e, para a minha surpresa, os alunos disseram-me: "Meu Professor, aqui no México não é muito diferente, não. Nós estamos com muito governo e pouco mercado. A gente precisa inverter isso, porque não está dando para conciliar". Então por que não dá para conciliar? No início, nós pensávamos que teríamos que criar Mercados para Serviços Ambientais, os MSAs, em que demandantes e ofertantes negociariam entre si, com a intermediação, muitas vezes, do governo do Estado, e também pensamos em estabelecer, nestes 30 anos, os esquemas de PSA, em que o grande demandante, quase único, é o governo, os pagamentos dependem do orçamento público e de recursos financeiros originários de doadores mais ou menos generosos.
Uma política de PSA estratégica deve contemplar situações nas quais soluções de mercado, que o economista gosta de chamar de soluções Coaseanas, estejam lado a lado com soluções de governo, que o economista gosta de chamar de soluções Pigouvianas. Essa não pode ser uma política que estabeleça apenas um comprador público para todas as situações. Nessa política, a iniciativa privada precisa ser estimulada a participar de uma transação comercial na qual ela pagará por um serviço ambiental que lhe gera um ganho, e não ser apenas uma doadora passiva para um programa que lhe trará pouco mais do que ganho de imagem diante da opinião pública.
Esse é um grande desafio para a política de PSA brasileira: tanto de mercado quanto de governo.
Para que alternativas Coaseanas estejam presentes, uma política de PSA deve trazer ganhos financeiros para os ofertantes dos serviços ambientais, serviços ecossistêmicos, e ganhos financeiros para os demandantes envolvidos. Mas uma política de PSA, por ser política, precisa também trazer ganhos econômicos para a sociedade como um todo.
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Esse é o quarto aspecto que eu gostaria de enfatizar aqui com os senhores e com as senhoras. A política de PSA será uma política ambiental com repercussões financeiras, repercussões econômicas e repercussões sociais. Uma política de Pagamentos por Serviços Ambientais pode até ser componente de rede de amparo social, mas ela não deve ser uma política social de amparo aos menos favorecidos simplesmente. Existem instrumentos muito mais eficazes para alcançar objetivos de amparo social do que PSA. O maior ganho possível em termos de conservar o capital natural deve ser, na minha humilde opinião, o objetivo básico de uma PSA. E com base nesse objetivo é que iremos analisar a eficácia e a eficiência dessa política de PSA.
Finalmente, vou tomar a liberdade de destacar, com base em critérios nem sempre muito explicitados, as inúmeras funções ecossistêmicas - já mencionei mais de 30, no início - têm seu número reduzido para compor uma lista cada vez menor de serviços ecossistêmicos. Essa redução, com critérios não muito claros, acaba tendo como critério único escolher o serviço ecossistêmico relevante para esquemas de Pagamento por Serviços Ambientais. A redução é quase pragmática do que numa justificativa maior para você eliminar certos serviços ecossistêmicos em nome de outro.
Na verdade, é meu entendimento que a longa lista de De Groot, de 1992, que eu mencionei - e o Sr. Senador foi perfeito nisso - se reduz a quatro funções ecossistêmicas, que têm recebido atenção quando se pensa em esquemas de PSA: a) regulação de água (quantidade e qualidade da água); b) regulação da qualidade do ar (armazenamento de carbono); c) conservação da diversidade biológica; e d) serviços culturais, turismo e recreação. Eu gostaria de lembrar que muitos outros serviços ecossistêmicos talvez fiquem mais importantes no futuro e que certos pontos do Território também não deveriam ser esquecidos numa política.
Bom, essa lista reduzida obscurece - tenho que me calar?-,...
(Soa a campainha.)
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA - ... mas não esconde totalmente um outro aspecto relevante na regulamentação de uma política de Pagamentos de Serviços Ambientais. Funções ecossistêmicas têm atraído individualmente a atenção de inúmeros formuladores de política pública, não necessariamente política ambiental: política agrícola, política de saneamento, uma série de outros setores também têm políticas que, de uma forma ou de outra, fazem interface com esses serviços ecossistêmicos.
Então, dito de outra forma, uma imensa variedade de políticas públicas relacionadas com aquelas quatro funções - e só vou ficar nas quatro. Surge, então, a necessidade - e aí, estou chegando ao meu último ponto - do que eu chamo de consistência de políticas, para que complementaridades sejam efetivadas e os conflitos entre políticas sejam minimizados.
Só para dar dois exemplos, um de complementaridade e um de conflito potencial, complementaridade existe com a Lei nº 12.651, de maio de 2012, chamado novíssimo Código Florestal. Em seu art. 41, é explícito, que o pagamento ou incentivo a serviços ambientais, como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais dentro da propriedade rural. Está na lei isso. Na política de PSA essa complementaridade deveria ser claramente explorada.
Agora, existem conflitos potenciais sérios que poderão ocorrer, por exemplo, com os arts. 47 e 48 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº 9.985, de julho de 2000.
Permitam-me ler rapidamente os arts. 47 e 48:
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Art. 47. O órgão ou empresa, público ou privado, responsável pelo abastecimento de água ou que faça uso de recursos hídricos, beneficiário da proteção proporcionada por uma unidade de conservação, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade, de acordo com o disposto em regulamentação específica.
Art. 48 O órgão ou empresa, público ou privado, responsável pela geração e distribuição de energia elétrica, beneficiário da proteção oferecida por uma unidade de conservação, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade, de acordo com o disposto em regulamentação específica.
Não tenho absolutamente nada contra, muito antes pelo contrário! A única coisa que peço, encarecidamente, é que esses dois artigos sejam regulamentados, depois de 15 anos sem regulamentação. Está certo?
Agora, quando regulamentarem esses dois artigos - o Prof. Peter May, da UFRJ, e Prof. Jorge Madeira Nogueira, que talvez vocês conheçam, já fizeram proposta de regulamentação desses dois malditos artigos. E estamos esperando a terceira proposta de regulamentação. O grande problema é que, dependendo da forma de regulamentar esses dois artigos do SNUC, você pode estar eliminando dois demandantes potenciais de serviços ambientais: as companhias de abastecimento de água e as companhias de geração e energia elétrica. Estarão automaticamente, ou quase automaticamente, alijados de mercado de Serviços Ambientais (MSA) ou de Pagamentos de Serviços Ambientais (PSA), como eu disse no início.
Existem muitos outros conflitos e muitas outras complementaridades entre legislações. Estou citando uma complementaridade e um potencial conflito. E tenho certeza de que os assessores e consultores deste Senado Federal estarão competentemente identificando esses conflitos de complementaridade, para que a política de PSA do Brasil possa ser aquilo que nenhuma outra política de PSA na América Latina ainda o é. Há um exemplo fantástico de combinar mercado e combinar governo para beneficiar aquele que, lá no fim da linha, está fazendo o seu esforço para conservar a biodiversidade, conservar a água, conservar o solo, seja lá o que for.
Muito obrigado, desculpe ter passado um pouco do tempo, e agradeço mais uma vez o convite.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Professor, aqui, a prática é esta mesma: primeiro, 20 minutos, depois, mais cinco, para concluir. V. Sª terminou no tempo. A gente não avisa para não empolgar.
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA - Para não abusar.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Vamos ouvir, agora, o Sr. Cláudio Klemz, Especialista em Conservação da Organização não Governamental The Nature Conservancy, representando o Sr. Jorge Fernando Veiga.
Com a palavra o Sr. Cláudio, por 20 minutos, prorrogáveis por mais cinco, se necessário.
O SR. CLÁUDIO KLEMZ - Senador Donizeti Nogueira, primeiramente, eu gostaria de agradecer ao convite para esta apresentação, extremamente pertinente o tema, extremamente atual.
Inicialmente, eu gostaria de fazer uma breve apresentação de quem é a TNC.
A TNC é uma Organização não Governamental, não muito conhecida no Brasil. É uma das organizações não governamentais mais antigas do mundo. Foi fundada em 1951, nos Estados Unidos, e, hoje, atua em mais de 35 países. Um pouco do fato de a TNC não ser muito conhecida é justamente por ter como princípio uma conduta não confrontacional, buscando sempre conciliar desenvolvimento e conservação e sempre em parceria com órgãos de governo, com órgãos privados, com outras ONGs, e por assim vai.
Na região da América Latina temos trabalhado com três estratégias, e uma delas a segurança hídrica, que é de onde trago boa parte das experiências para contribuição com esta discussão.
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Quando a gente fala em segurança hídrica, basicamente estamos falando de conectar três mundos, pelo menos: um mundo natural, um mundo produtivo, um mundo urbano, industrial, comercial, que estão essencialmente interligados. Não existe dissociação ecológica, existe dissociação política, econômica e é dessa integração que a gente está falando.
Essencialmente, falar de segurança hídrica, aqui tomando a liberdade de não entrar em tanto detalhe nos outros todos serviços ambientais que o Prof. Jorge Nogueira bem comentou, segurança hídrica começa com a garantia da conservação das bacias hidrográficas, através do investimento do que temos chamado de infraestrutura verde ou infraestrutura natural. E deve também incluir o equilíbrio com os outros usos, com as outras atividades econômica dessa delimitação geográfica.
Dentro desse esforço de conseguir garantia desse serviço ecossistêmico, suprimento de água em qualidade e em quantidade, o investimento em infraestrutura verde, na conservação de bacias hidrográficas, é parte da fórmula, é parte da solução. Então, existe o esforço de trabalho com a disponibilidade de água. A situação hoje vivida no Sudeste, vamos dizer que a gente tenha uma escassez quase sem precedentes, prescinde também de soluções de infraestrutura cinza por assim dizer: barragens, novas captações e tudo o mais. Mas a gente não pode se esquecer da importância da infraestrutura verde que vem antes. A gente pode muito bem investir em construções de novas captações e tudo o mais, se não houver água naquele ecossistema ou essa água passe muito rápida de nada vai valer esse investimento.
Dentro da TNC, nesse nosso trabalho na região da América Latina, temos uma iniciativa que se chama Aliança de Fundos da Água da América Latina, composta por diversos parceiros. Basicamente, aqui no Brasil, temos trabalhado muito em conjunto com a Agência Nacional de Águas, talvez do Programa Produtor de Água. Então, em essência, posso usar umas palavras diferentes, mas estamos falando muito da mesma coisa. Trata-se de uma abordagem integrada de manejo de bacias hidrográficas, que busca promover a conservação de longo prazo, que busca promover a transparência na gestão - e, aí, a gente começa a poder se aproveitar um pouco dessas experiências práticas na discussão de um marco legal nacional sobre o PSA -, naturalmente, a integração com políticas públicas. Quando a gente fala de fundos d'água, a gente tem uma participação privada muito importante, através da atração de investimentos, como o Prof. Jorge muito bem colocou também, procurando trazer a oferta e a demanda para a mesa de negociação.
Hoje são 44 fundos de água em construção na América Latina em 14 países; são 17 fundos, 17 projetos já criados e operando; outros 17 que estão em desenvolvimento, e 10 em avaliação, uma fase inicial, realmente avaliação de viabilidade. Esse é um ponto bastante importante que quero enfatizar mais à frente. Vou me furtar de mencionar os benefícios disso agora.
A TNC trabalha também sob a orientação de um Conselho de Conservação na América Latina, composto por eminências do setor produtivo: bancos, agências de cooperação. E aqui no Brasil, como mencionei anteriormente, muitos projetos estão dentro do mesmo arranjo institucional dos Projetos Produtor de Água, que hoje acontecem, que hoje estão em andamento. Só para mencionar alguns, na região de São Paulo, na região da Bacia do PCJ, do alto Tietê; na Bacia do Paraíba do Sul; no Espírito Santo, neste caso, não necessariamente envolvendo o Programa Produtor de Água, mas uma iniciativa estadual das mais importantes no Brasil, em termos de política pública de PSA; Brasília; Palmas e Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
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Senador, quando V. Exª pergunta sobre as dificuldades enfrentadas, é bastante didático nós tratarmos de quais são os passos, desde a ideia inicial, desde a concepção, quais são os passos necessários para que um projeto desse possa acontecer, possa efetivamente chegar a um estágio de operação, de maturação.
Então, como mencionei, hoje existem 10 projetos que estão em fase de análise de viabilidade. Existem estudos iniciais para a identificação clara de qual serviço ambiental se está tratando. Também, o Prof. Jorge bem mencionou, isso é extremamente importante, que, num projeto, num arranjo de PSA, se tenha muito claro para todos os atores envolvidos qual é o produto, qual é o serviço que está em negociação.
Todos esses projetos envolvem um arranjo institucional local. E isso, quando a gente fala de flexibilidade e adaptação das condições locais, é essencial. Cada local vai ser diferente do outro, vai ter um arranjo institucional diferente, as relações de interesse vão ser diferentes. Então, essa a análise inicial, também buscando responder duas perguntas - quem paga a conta e quem faz o quê? São perguntas bem importantes de serem respondidas logo nas primeiras discussões. Havendo essa viabilidade, a gente entra em um nível mais detalhado de estudos de viabilidade, um estudo socioeconômico daquela região específica: o que existe de atividade econômica? Qual é o custo de oportunidade da terra? E por aí vai.
Estudos biofísicos, isso é uma coisa que eu trago bastante da nossa experiência, porque a TNC é uma instituição que se baseia muito em soluções técnicas, em embasamento científico, hoje nós temos ferramentas extraordinárias para planejar uma região, uma bacia hidrográfica, por exemplo. Então, ter uma boa noção da hidrologia, modelagens hidrológicas, modelagens do clima são todos estudos técnicos, às vezes, bastante aprofundados, às vezes, não, que vão dar o suporte para gestão de uma iniciativa dessa no futuro.
A análise jurídico-institucional, igualmente importante - novamente, respondendo à pergunta quem faz o quê dentro daquele arranjo -, e um dos exemplos em que nós estamos trabalhando, no caso da Bacia hidrográfica do Rio Camboriú, uma análise de retorno de investimento, nós temos ali um exemplo de uma iniciativa a partir de uma companhia de água, que tem sido única no sentido de nós podemos identificar, exatamente, os impactos daquelas intervenções de conservação de infraestrutura verde implantadas no campo, simplificando, o quanto a redução de sedimentação dessas ações vai interferir na estação de tratamento de água, e quanto isso representa financeiramente para a companhia de água. E, aí, a gente pode colocar um número do custo do projeto frente ao número do benefício econômico e a gente tem uma análise de retorno no investimento.
Um pouco mais adiante, seguem os planos. Vamos dizer, nesses projetos, tanto nos produtores de água, ou fundos de água, segue também uma etapa de desenvolvimento do plano estratégico. Quais vão ser a metas para aquela região específica? Hoje nós temos, em todos os projetos que estão em andamento, experiência suficiente já para podermos estimar razoavelmente bem os custos envolvidos. E, daí, também decorre um plano de captação.
Se nós respondemos, lá no início, a pergunta de quem paga a conta, e isso não necessariamente precisa ser um ator só, nós podemos apropriadamente fazer esse plano de captação, para, então, finalmente, a gente passar para uma fase de operação, de implantação daquelas atividades, daquelas ações de conservação, e acompanhado da avaliação e monitoramento. Entra um pouco mais de detalhe nesses aspectos.
Procurando tirar alguns extratos dessas experiências práticas, eu gostaria de destacar a diferença que existe, hoje, nos arranjos financeiros dos projetos que estão em andamento. Então, basicamente quatro linhas eu destaco aqui. A primeira delas aquelas em que ou o Município ou o Estado levantou a mão, tomando a liderança: "Eu vou pagar por serviços ambientais".
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No caso de Municípios, o exemplo mais conhecido no Brasil, talvez, de Extrema, em Minas Gerais, um Município que tem uma economia muito forte, por uma característica específica local, um Município que está no Estado de Minas, tem uma concentração de indústrias muito forte e está muito perto de um polo consumidor, e é um Município bastante abastado, e tem essa possibilidade, mas nem todos têm.
O Estado do Espírito Santo, da mesma forma, estruturou seu programa de recuperação da cobertura florestal do Estado com base nos recursos provenientes dos royalties do petróleo, que são um dos recursos financeiros mais abundantes para o Estado. Novamente, é uma adaptação local.
Experiências que têm tido sucesso e têm, também, potencial de ganho de escala são através dos Comitês de Bacia, também já previsto em alguns dos projetos de lei que estão circulando na Câmara e no Senado. É a forma mais lógica. Se você já tem um recolhimento da cobrança pelo uso da água naquela bacia hidrográfica, que parte desse recurso seja também investida na infraestrutura verde. E isso tem acontecido com sucesso.
Os casos privados, destaco aqui o caso de duas companhias de água, a Emasa, de Balneário Camboriú, e a Saneatins, do Município de Palmas, que têm tomado a liderança de desenvolver esses projetos, catalisar o arranjo institucional e financeiro, promovendo a implantação dos projetos. E uma outra via financeira bastante importante que nós estamos procurando fazer acontecer em Santa Catarina e também recentemente foi aprovada uma lei municipal em Jaguariúna, São Paulo, de incluir os custos da conservação da bacia hidrográfica na tarifa da água.
Então, hoje, em geral, no Brasil, a gente paga, vamos dizer, um valor bastante irrisório, quiçá irrealista, para a água que a gente consome nos nossos domicílios. E, pelas nossas análises, a inclusão dos custos de conservação e dos custos de transação de um projeto desse dentro da tarifa pode não ter um impacto muito forte na tarifa e pode ser uma fonte de sustentação financeira de longo prazo para esses projetos.
Falando sobre o aspecto técnico, e aqui também passando um pouco pelas dificuldades e desafios de ter projetos assim implementados, é essencial que nós tenhamos uma boa base técnica, uma boa base científica para o planejamento. Então, ter uma boa base cartográfica, que tenha uma hidrografia, o uso do solo, malha viária. Existe uma interface muito importante, entre isso que eu estou falando aqui com o CAR - o CAR é uma ferramenta que pode, apropriadamente, atender a essa demanda em maior ou menor profundidade. Usando as ferramentas científicas, modelagens hidrológicas, nós podemos estudar uma bacia hidrográfica de modo a identificar quais são aqueles hectares específicos, dentro daquela bacia hidrográfica, mais importantes de serem atacados primeiro. Então, a gente dá uma ordem de prioridade dentro de um planejamento de PSA. Isso funciona muito bem nos projetos locais menores. Se vai funcionar assim numa política nacional, é uma discussão um pouco mais ampla. O conceito de prioridade pode ser um pouco diferente.
E, posteriormente, vamos dizer, vem todo o trabalho de campo, o trabalho prático, de engajamento de interessados, de convencimento, de mobilização. Vem o trabalho de elaboração de projetos técnicos dentro da propriedade e negociação desses projetos com o proprietário. Nos projetos que têm acontecido hoje, as intervenções que são remuneradas dentro do PSA são fruto de uma negociação entre o projeto e o proprietário. Então, o proprietário decide aquilo que ele quer dispor ao projeto para, finalmente, passarmos para a fase de implantação das intervenções de campo e, não menos importante, o monitoramento de resultados. Essa também é uma base técnica extremamente importante, especialmente nos projetos de recursos hídricos, que, embora esteja mencionando o monitoramento de resultados no final, é bastante importante que o monitoramento comece logo no início da discussão do projeto. Quando a gente vai trabalhar com as ferramentas tecnológicas, modelagens, a gente precisa de bons dados para calibração e validação desses modelos. Mas o monitoramento vai além disso. Passa também pelo monitoramento socioeconômico - aquele projeto está realmente atendendo ao seu propósito - e também pelo monitoramento gerencial de contratos propriamente ditos.
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Agora, algumas considerações gerais sobre a implantação de projeto de PSA. Acho que já é bastante sabido, temos vivido isso na experiência prática, o alto custo de transação envolvido, principalmente nas primeiras etapas de discussão técnica e de estruturação de planejamento desse projetos. Isso passa pela discussão do arranjo institucional, demanda tempo e dedicação de pessoas. Os estudos técnicos, o planejamento e a gestão também têm o seu custo administrativo, por assim dizer.
Então, pensando numa política nacional de PSA, aqui levanto um ponto bastante importante, vamos dizer, existe essa demanda de suporte nas etapas iniciais na discussão desses arranjos e também a necessidade de algumas definições legais que precisam estar inseridas a nível federal. Por exemplo: aspectos fiscais e tributários, aspectos trabalhistas, previdenciários. Isso, vamos dizer, nos primeiros projetos que começaram fazer o Pagamento por Serviços Ambientais surgiu a questão: o sujeito, o produtor rural, o proprietário, está recebendo um recurso por um serviço, então ele tem de recolher Imposto de Renda - essa é a lógica -, mas não necessariamente. Então, vamos dizer, se ele está promovendo esse bem para toda a sociedade, é pouco razoável que haja uma incidência de imposto sobre isso. Para resolver essa questão, só podemos inserir isso num marco legal nacional, promovendo os devidos ajustes também na legislação tributária.
Quanto aos aspectos previdenciários, há uma experiência prática também que mencionarei logo mais.
Então, a discussão e implantação de um marco federal sobre PSA deve garantir a replicação das iniciativas, que hoje já acontecem bem, e o ganho de escala. Existem diversas proposições hoje tramitando, nas duas Casas. Assim, bastante dessa discussão já tem avançado. Existe o art. 41 do Código Nacional, ainda não regulamentado, e também, como o Prof. Jorge mencionou, com relação aos arts. 47 e 48 do SNUC.
Durante o ano de 2014, houve um trabalho bastante interessante e importante que vale a menção. Um grupo de organizações, especialistas e pessoas interessadas no tema, sob a liderança do WWF, produziu esse documento, chamado Diretrizes para a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais.
Durante pelo menos seis meses, todo o trâmite de alguns dos projetos de lei, especialmente o Projeto de Lei nº 792, da Câmara dos Deputados, foi discutido e analisado em detalhe e essas diretrizes e sugestões estão todas compiladas.
Eu tiro aqui um pequeno resumo sobre isso.
O Prof. Jorge já mencionou bem a preocupação com relação aos conceitos; eu ratifico a preocupação do Professor. A discussão sobre uma política nacional de PSA é diferente de um programa federal de PSA. A política nacional, no meu entendimento, tem a atribuição, a responsabilidade, como eu disse, de permitir que as iniciativas locais e regionais aconteçam tranquilamente, sem percalços, e garanta também o ganho de escala. Então, quando falamos de fundos para isso, falar em fundos federais para pagamentos de PSA é algo tão específico, tão localizado, que ele perde importância. Por outro lado, o suporte do Governo Federal, por exemplo, para facilitar a transposição daqueles custos de transação iniciais, isso, sim, é bastante fundamental.
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Sobre a menção previdenciária, trato disso com bastante cuidado, porque recebi essa demanda, como gerente de um projeto, de um presidente de sindicato rural, que, na sua simplicidade, me abordou, levantando a questão: "Escuta, você está propondo aqui que os meus produtores adotem esse projeto. E como é que fica a Previdência da agricultura familiar? Se ele recebe esse dinheiro, vai entrar um dinheiro na conta dele, como é que fica isso? Ele vai perder a aposentadoria especial?"
Consultando uma das pessoas que é referência em Previdência rural no País, Dr. João Cândido de Oliveira de Neto, que pude conhecer trabalhando na Federação da Agricultura do Paraná, ele trouxe esse conceito que foi, para mim, muito esclarecedor, vamos assim dizer, ao trazer que a proteção ambiental da propriedade não é em nada diferente do que a produção de alimentos ou qualquer outra das classificações que ponham aquela propriedade dentro da categoria de uma propriedade de agricultura familiar. Então, preservar a natureza é essencialmente uma das responsabilidades daquela propriedade. E com esse argumento, ele nos brinda, com a sugestão de dois artigos para serem inseridos devidamente, já trazendo a menção à garantia da condição de segurado especial, explicitamente, e a alteração da Lei nº 8.212, que é a Lei Geral da Previdência, já inserindo a menção específica a programas de PSA. Uma sugestão bastante válida trazida por esse especialista.
O ponto sobre adicionalidade e condicionalidade já foi abordado, de certa forma, pelo Prof. Jorge. Só uma nota importante, Senador, o conceito de adicionalidade surgiu num marco do Protocolo de Kyoto, como forma de regular e regulamentar o mercado de carbono. Traduzir esse conceito pari passu para a lógica de serviços ambientais não é uma abordagem muito boa, porque ela fecha muitas portas.
(Soa a campainha.)
O SR. CLÁUDIO KLEMZ - Reitero o mesmo ponto: o PSA é uma ferramenta econômica relacionada a um bem natural. Então, não deve ser confundida a nenhum tipo de salvaguarda social, pelo bem do próprio potencial que tem a ferramenta econômica.
Concluindo, o PSA não é nenhuma salvação da Pátria. PSA não é uma solução universal, não é um chapéu de tamanho único. Então, a flexibilidade é extremamente importante, e a discussão do marco nacional sobre PSA precisa considerar muito isso: quais são os limites do que precisa estabelecer uma lei federal?
Outro ponto que destaco, dentre esses, é que a discussão precisa sempre começar pelo lado da demanda e não pelo lado da oferta, senão invertemos a lógica de mercado, e, sendo uma ferramenta econômica, não podemos inverter essa lógica.
A importância do monitoramento de resultados é digna de nota. Uma vez que estejamos usando recursos públicos, sejam eles federais, estaduais, municipais ou privados, em um determinado momento alguém vai perguntar - algum Deputado ou Senador da oposição, algum Vereador - se aquele dinheiro está sendo mesmo bem aplicado.
Então, o monitoramento de resultado é importante para a salvaguarda da política.
Com isso, concluo essa apresentação.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Dr. Cláudio, muito agradecido pela extraordinária contribuição que trouxe a esta Comissão ao debate, nesta manhã.
Vou passar a palavra, agora, ao Sr. Jefé Leão Ribeiro, Fiscal Federal Agropecuário do Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária.
O senhor dispõe do mesmo tempo para fazer a sua exposição.
O SR. JEFÉ LEÃO RIBEIRO - Obrigado.
Bom dia a todos!
Ex Sr. Senador Donizeti Nogueira, gostaríamos, inicialmente, de parabenizá-lo pela iniciativa de trazer essa discussão e por nos convidar a estar aqui para tentar contribuir para essa discussão.
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Este de 2015 foi escolhido pela FAO como o Ano Internacional do Solo. Então, esse tema "solo", está sendo discutido no mundo inteiro com certa importância. Foi criada recentemente uma aliança mundial para solos, no âmbito da FAO, em que diversos países, atores discutem a importância desse recurso natural. E, neste mês de junho, ocorrerá a 3ª Plenária na sede da FAO, em Roma. Isso porque vemos que os serviços ambientais passam obrigatoriamente pela questão da conservação do solo e da água. E não há como discutir essa temática dissociando isso.
No Ministério da agricultura a discussão sobre a importância da conservação do solo é como levar essa mensagem àqueles que trabalham diretamente nisso, cujas atividades têm grande impacto sobre a temática de conservação de solo e água, que são os agricultores. Ou seja, como levar essa mensagem de forma adequada, apropriada para que eles tenham condições de escolha de conservar o seu solo e, com isso, conservar água.
Nós temos discutido isso internamente, inclusive pensamos que, do pondo de vista legislativo, possamos formular um plano ou algo assim, chamando-o de "Meu Solo Minha Água", para levar essa mensagem àqueles que produzem. Falamos aqui sobre a importância do pagamento pelos serviços ambientais, porém, temos duas situações: áreas que já são hoje protegidas pela legislação, em que não se é permitido cultivar ou exercer qualquer outra atividade, portanto, são áreas já preservadas e protegidas pela lei; e outras áreas, em que o agricultor pode utilizar para desenvolver sua atividade econômica.
Então, o grande desafio talvez seja - nessa área onde é permitida a atividade econômica - lavar uma mensagem no sentido de que com a preservação do solo, o agricultor está também preservando o seu bem, que é a base de sua produção. Porque quando se perde solo por meio de erosão, que é um dos principais problemas ambientais, está-se perdendo uma parte importante do potencial de produção do seu solo. Sabemos que as áreas naturais têm a capacidade de infiltração maior de água no solo e, com isso, os aspectos de conservação são preservados. Porém, quando se faz a transição dessas áreas naturais para uma área de produção agrícola, aí já tem uma condição, havendo uma grande perda de solo, dependendo do manejo adotado nessas áreas.
Senador, talvez o desafio seja buscar algum tipo de mecanismo, e isso o Ministério está buscando, ao longo desse ano, para levar essa discussão, essa mensagem ao agricultor, dizendo a ele que conservar a água e conservar o solo é um grande negócio para o seu negócio. Ou seja, dentro dessa filosofia, o que se estaria pagando para esse agricultor. Então, ele, ao fazer a conservação do seu solo e a conservação da água, estaria automaticamente trazendo para si um benefício, que seria a preservação dessa camada superficial de solo, que é a camada mais fértil.
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Ele não perderia isso. E com isso estaria garantindo a ele um potencial produtivo maior, com menores aportes de fertilizantes agrícolas e outras ações mitigadoras que poderiam ser necessárias no futuro para corrigir uma deficiência que, em algum momento, ele não adotou alguma ação necessária para conservação da sua área produtiva.
Talvez esse seja um grande desafio. E aí não envolveria, ou talvez não seria necessário o aporte de recursos públicos se conseguíssemos alcançar esse desafio de levar essa mensagem. Não é uma mensagem de mero cunho filosófico, dizendo que é importante conservar o solo para as gerações futuras, que de fato é importante, mas, que ele, ao preservar o seu solo e ao conservar a água da chuva que cai em sua propriedade, buscar meios para que essa água que cai em sua propriedade fique ali mesmo, porque o solo, como é sabido, é uma grande caixa d'água, um estoque muito grande que deveria ser utilizado dessa forma. Porém, como dissemos, quando avançamos para um cultivo agrícola, criamos um ambiente em que a taxa de infiltração de água no solo, em certa medida, é drasticamente diminuída em alguns casos e há o corrimento superficial levando parcela importante do solo em que está a fertilidade que propicia a produção agrícola, como também há o assoreamento dos corpos d´água e, alguns casos, eutrofizando, levando a uma condição de externalidade ambiental.
Então, há essas duas situações, áreas que já estão protegidas por normas. Não sei se seria, dentro dessa política, o caso de também se avançar com um pagamento para preservar essas áreas que já estão protegidas.
Por outro lado, o Prof. Jorge enfatizou bastante a questão da ação humana. Um pagamento pela ação humana de preservar os recursos que são importantes.
E aí me chama a atenção, Professor: eu não sei se seria uma ação humana ou uma não ação. Seria o pagamento por uma não ação humana. Existem as áreas naturais, ainda preservadas, não englobadas naquelas áreas protegidas, cada região tem uma delimitação de porcentagem de área que deve ser preservada. Haveria o aspecto de não ação humana de preservar essas áreas naturais ainda não exploradas e outras áreas já antropizadas, onde existem efetivamente as ações. Como se faria para preservar os recursos nessas áreas. Quer dizer, se existe ali uma atividade econômica nessa área, talvez essa atividade tenha ou deveria ter condições de pagar pela preservação daquela área. Então, se há intenção de desenvolver atividade econômica em uma determinada área, que essa atividade seja desenvolvida, considerando os aspectos de preservação ambiental. Hoje já existem mecanismos de financiamento de produção. Isso tem sido discutido. A questão de quando o agricultor busca o financiamento para a sua produção, esses aspectos de conservação e preservação ambiental em certa medida não estão ainda considerados, quando da concessão desse crédito.
É uma discussão longa, ampla, é um desafio grande que temos. Talvez por meio da nossa legislação possamos avançar para um ambiente em que o produtor, para ter acesso a um crédito, seja estimulado por algum mecanismo que o faça adotar práticas conservacionistas na sua área. Talvez fosse um mecanismo interessante, em que o próprio sistema produtivo se paga, paga o aspecto da conservação na delimitação da sua área.
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E, dessa forma, talvez não fosse o caso da necessidade de um aporte extra por este serviço, ou seja, a própria atividade econômica desenvolvida nas áreas se pagaria, mas nós, obviamente, deveríamos conseguir agregar informações suficientes demonstrando que este investimento por parte dos produtores de fato tem um retorno econômico para o produtor, não é um retorno econômico para outros de fora da propriedade, mas que ele, adotando essas tecnologias de conservação de solo e água, vá trazer um retorno financeiro para ele mesmo.
Então, esse é um grande desafio em que nós, talvez, tenhamos pecado ao longo do tempo, mais no formato da mensagem ou mais na questão de repassar informação mais elaborada.
Enfim, levantei esses pontos aqui só para a gente contextualizar um pouco o que temos feito. E o Ministério tem desenvolvido parcerias com o Plano ABC, que é a agricultura de baixo carbono. Está em curso também o Pradam, que é um Programa de Recuperação de Áreas Degradadas na Área da Amazônia. E, com isso, espera-se, porque usam mecanismos do financiamento da produção agrícola, que, por meio disso, desses programas, para estimular o agricultor a adotar, a recuperar, aquelas áreas que por motivos de degradação estão, em certa medida, ou fora do processo produtivo ou com uma taxa de produção muito abaixo do potencial daquela área. Isso poderia levar esses produtores a avançar sobre novas áreas, sobre áreas ainda naturais.
Então, o Ministério tem trabalhado no sentido de estimular a recuperação de áreas degradadas por meio de financiamento público, ou seja, a própria produção estaria pagando esse processo de recuperação de áreas e, com isso, estaríamos aumentando a produtividade dessas áreas e evitando o avanço sobre novas áreas ainda não exploradas.
Acho que é basicamente esta a mensagem que nós gostaríamos de passar e gostaríamos de agradecer pelo convite.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Dr. Jefé, nós é que agradecemos a sua contribuição.
E, dando continuidade, nós vamos ouvir agora o Dr. Francisco Gaetani, Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para fazer as suas considerações aqui sobre esta temática que estamos discutindo, que é sobre o pagamento de serviços ambientais.
Tal como os outros, o senhor possui 20 minutos e, depois que tocar a sirene, o senhor tem mais cinco minutos.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Obrigado.
Obrigado, Senador Donizeti, primeiro queria saudar a todos aqui presentes na pessoa do Senador, nosso Presidente e atual coordenador da Mesa, dizer em nome da Ministra Izabella Teixeira que é uma honra, é uma satisfação muito grande estar aqui hoje para discutir este assunto.
E também queria destacar que estou cercado de pessoas especialistas no tema, em especial o Prof. Jorge Nogueira, que foi meu professor há alguns dias, digamos assim, quando eu vim para Brasília e transformei-me em um funcionário público federal ele já era, enfim, um professor importante do Departamento de Economia. E hoje, talvez, uma das maiores autoridades neste assunto. É uma honra muito grande estar aqui na mesa com ele.
Bom, queria começar dizendo que hoje nós temos clareza de que sustentabilidade é um fator de competitividade global, então, quando falamos de desenvolvimento sustentável, nós precisamos ver em que se traduz, do ponto de vista de nossa realidade, do nosso projeto nacional de desenvolvimento.
E o conceito de sustentabilidade tem um parentesco com dois outros conceitos que fazem parte do nosso dia a dia. Um mais conhecido, que eu diria que é o da rentabilidade, e o outro menos, mas que também é igualmente importante, que é o da institucionalidade. Isto tem a ver com a continuidade das coisas a médio e longo prazo. A sustentabilidade do ponto de vista da gestão dos recursos naturais, a rentabilidade do ponto de vista do funcionamento dos negócios e a institucionalidade do ponto de vista das nossas instituições do nosso Estado, da nossa democracia.
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Por que eu estou mencionando esses três fatores, esses três conceitos de forma conjunta? Porque toda história da agenda ambiental é uma história de inserção na nossa vida, em nosso dia a dia, na nossa realidade. E toda vez que surge um assunto novo, uma demanda nova, que a sociedade começa a problematizar, a discutir como lidar com ela, como internalizá-la em suas políticas, no seu dia a dia, uma coisa que aparece em algum momento é, geralmente no início, quem vai pagar a conta? De onde vem o dinheiro?
Como o Cláudio mencionou, essa questão do financiamento, do equacionamento do ponto de vista econômico, das necessidades de nos assimilarmos novas necessidades em nossa vida, ela precisa ser discutida pela sociedade de forma democrática e enfrentada.
A agenda ambiental, nesse sentido, é uma agenda na qual esta questão vem sendo trabalhada nas últimas décadas, mas que está longe de estar resolvida.
Eu dou um exemplo que eu acho particularmente dramático. Nós somos o País detentor das maiores florestas tropicais nativas do mundo, possuímos um dos maiores sistemas de preservação de unidade de conservação, em especial na Amazônia, do mundo. Pois bem, as nossas unidades de conservação da Amazônia, os nossos parques, as nossas reservas, as nossas estações ecológicas, elas são custeadas, fundamentalmente, pelo governo alemão e por fundações norte-americanas.
Se nós pegarmos o programa de áreas protegidas da Amazônia, é um programa em que o governo põe lá o básico do custeio do pessoal, geralmente atingido por cortes, porque o custeio, muitas vezes, é mal interpretado como sendo uma atividade dispensável, falta, às vezes, a clareza de que o investimento de hoje é o custeio de amanhã, mas, enfim, hoje, se nós observarmos esse grande sistema nacional de áreas protegidas, ele não é financiado pela sociedade brasileira, ele não é financiado pelas empresas brasileiras. Nós nos orgulhamos muito disso, da nossa biodiversidade, das nossas riquezas naturais, mas não nos dispomos a pagar por isso. Na disputa orçamentária, na elaboração das emendas parlamentares, no processo de alocação de recursos, a sociedade brasileira não sanciona o custeio dessas unidades de conservação.
Então, nós temos aí um paradoxo: nós temos uma agenda contemporânea, uma agenda portadora de futuro, que é a agenda ambiental, mas nós não encontramos direito ainda como pagar por isso.
Bom, estou dando um exemplo das unidades de conservação na Amazônia, pois, quando a gente fala em Amazônia, o pulmão do mundo, o sequestro de carbono, nós estamos falando de algo que beneficia o Brasil e beneficia o mundo, um bem público global, algo que nós precisamos discutir sobre como financiar.
Curiosamente, nós temos atores estrangeiros que têm a sensibilidade para a importância do financiamento deste tipo de atividade.
Bom, o que isso tem a ver com o PSA? As unidades de conservação estão na Amazônia, mas os serviços ambientais estão espalhados pelo Brasil inteiro, o potencial para estas atividades.
O pouco que eu assisti da exposição do Prof. Jorge, acho importante destacar que, quando a gente está discutindo este assunto estamos falando, em geral, de custos concentrados e benefícios dispersos no longo prazo. Exemplo: Cantareira.
A exposição que foi feita recentemente por um parceiro nosso da Embrapa, do pessoal da Embrapa, trabalhando e mostrando que a crise da Cantareira tem sido trabalhada quase que exclusivamente da perspectiva de obras. Nada contras as obras, são necessárias, são importantes, mas o que a gente não pode perder de perspectiva é que nós chegamos a esta situação em função do absoluto esgotamento de uma série de rios da região e que não vêm sendo tratados, protegidos do ponto de vista ambiental.
Isso vale para as matas ciliares, para nascentes. E, se não recolocarmos esta questão, nós vamos estar sempre procurando soluções muito mais caras e muito mais difíceis do ponto de vista tecnológico do que as soluções mais simples e baratas que envolvem um outro tipo de atitude em relação ao problema.
Não sei se vocês se lembram da discussão do Código Florestal, o que foi a discussão sobre as matas ciliares e as nascentes. Foi uma discussão dramática, mostrando, até certo ponto, que a nossa sociedade, o nosso Congresso ainda não tem clareza, não é tão simples assim o equacionamento do financiamento da preservação e da prestação desse serviço que beneficia não só regiões onde essas situações se colocam, mas, também, a sociedade mais ampla.
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Bom, dito isso, acho importante a gente conversar um pouco sobre o que está acontecendo em termos de PSA. Nós temos, no Congresso Nacional, projetos a respeito, o Prof. Jorge recordou aqui algumas iniciativas já foram tentadas, eu gosto de lembrar uma citação que eu coloquei na minha tese de doutorado, que eu acho que pode ser ilustrativa, em inglês: "Try. Fail. Try again. Fail better". "Tentar. Fracassar. Tentar de novo. Fracassar melhor." Até que uma hora a coisa se resolve.
Nós tivemos, recentemente, na esfera ambiental, dois exemplos importantes para a gente recuperar aqui e que, talvez, quem sabe, façamos do PSA o terceiro. Primeiro, foi o Código Florestal. O segundo foi a negociação do marco regulatório do patrimônio genético e repartição de benefícios, recentemente aprovado pela Câmara.
Em todos os dois casos, o que é que nós tivemos? Uma construção coletiva, um engajamento da sociedade, um engajamento das empresas, um engajamento da sociedade civil, das organizações não governamentais, dos movimentos sociais, da classe política, todos discutindo uma legislação no sentido de atualizar o que o País precisa. Uma legislação aderente, uma legislação equilibrada, que dê condição de o País virar a página e andar para frente.
Por que que isso não é tão simples assim? Porque democracia é conflito, é negociação, é discussão, é problematização e é discussão de quem vai pagar o que, para fazer o que, onde, quando, de que jeito. Nós somos um País heterogêneo, um País complexo, um País onde a repartição dos custos em relação ao interesse público é problemática. Somos ainda um dos países mais desiguais do mundo. Somos um País que temos mecanismos produtores de desigualdades, alguns deles cristalizados na nossa Constituição.
Então, enfrentar essa situação é um desafio político respeitável e que, só recentemente, nas últimas décadas, o País começou a enfrentar esses seus passivos históricos. E na área ambiental, nós não somos uma exceção.
Quando a gente discute, por exemplo, a questão do Pagamento de Serviços Ambientais, alguns exemplos foram dados do ponto de vista de água, de diversidade, nós temos, também, florestas, resíduos sólidos. Tivemos, recentemente, uma - estamos implementando no Ministério - experiência que tem algumas características de PSA, embora seja mais um programa de transferência de renda, que é o Bolsa Verde, que remunera as populações em extrema miséria, que vivem em unidades de conservação e assentamentos, pela preservação das matas, isto é, para que não desmatem.
É o conceito de inação, que foi mencionado aqui, pelo Jefé, no sentido de que, em situações onde a gente discute o combate ao desmatamento, nós precisamos, às vezes, nos conscientizar de que a maior ameaça é a pobreza. Em que sentido? Aquela população, às vezes, precisa ter uma forma de renda e de remuneração para que ela não desmate.
Então, nessas unidades de conservação da Amazônia, nos assentamentos, nós estamos procurando hoje remunerar, através do Bolsa Verde, com R$300 a cada três meses, para que as populações auxiliem na preservação daquela mata nativa.
Bom, nós temos outras áreas onde essa discussão também se coloca, discussão dos catadores, das cidades, enfim, a discussão da água, que foi mencionada, o estudo que o Cláudio mencionou, do WWF. Acabamos de ter o lançamento, um mês atrás, um outro estudo semelhante, coordenado por uma organização chamada Forest Trends, que também trabalha com várias empresas, vários colaboradores nacionais, de organizações não governamentais, movimentos sociais, produziu um grande apanhado de todas as experiências de PSA que nós temos no Brasil, locais, estaduais, públicas, privadas, enfim, para que a gente vá engrossando o caldo e ajude na construção de massa crítica, para que a gente possa trabalhar melhor essa legislação nova.
Há um consenso, acho que todos que falaram aqui antes de mim, em geral, também, nós precisamos conciliar mecanismos de baixo para cima, como a legislação de cima para baixo. Os espaços institucionais ilegais, alguns já existem, o Código Florestal traz essa abertura e, por outro lado, a construção de uma modelagem que não signifique passar a conta para o Tesouro, porque assim é fácil. E nós estamos falando de passar a conta para o tesouro em um momento que o País vive de necessidades, vive um ajuste fiscal, vive uma situação econômica dura.
Nós precisamos encontrar formas dessa conta ser repartida adequadamente entre sociedade, empresas, Estado, de forma equilibrada. Esse desafio o Congresso vai ter na análise e na construção de uma legislação para PSA.
Nós temos procurado, também, engrossar esse caldo, em termos de massa crítica. Estamos observando como é que isso é equacionado na Europa, estamos trabalhando com a América Latina, estamos trabalhando com alguns professores universitários, para ver como é que a gente pode traduzir essas experiências internacionais na legislação brasileira de uma forma adequada.
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E não é um assunto simples. Não é simples por quê? Aqueles de vocês que conhecem o assunto sabem que até hoje a remuneração da água é uma coisa complicada. Muita gente entende, em muitos lugares do Brasil, a água é grátis. Energia elétrica, outra história complicada, e essa é bem mais complicada. Os nossos modelos de concessões, se nós pegarmos o marco regulatório de saneamento, ele não proporcionou o boom de investimentos que se esperava para enfrentamento do desafio das necessidades de saneamento básico do Brasil.
Então, nós ainda estamos, no processo de tentativa e erro, enfrentando vários dos nossos passivos históricos. E no caso do PSA, o conjunto de experiência que nós temos ainda não permitiu que a gente escale, que a gente massifique, que a gente busque umas soluções que sejam genéricas, que sejam diretrizes para o País inteiro.
O Prof. Jorge Madeira colocou, com muita propriedade, essa possibilidade de utilizar os sistemas institucionais de energia e de água para que seja embutida nessas atividades a questão do financiamento do PSA de preservação. É uma ideia, é interessante. Mas, se nós formos observar a experiência que nós estamos tendo nas concessionárias estaduais, por exemplo, vão ver que essa vai ser uma briga grande.
O nosso Pacto Federativo tem muitos fios desencapados e, se nós não conversamos com o Brasil inteiro sobre esses fios desencapados, nós não vamos encontrar soluções que permitam que o País ande para frente. No caso do royalties de petróleo, esta Casa sabe melhor do que muitos brasileiros o que é que significa essa discussão, como contemplar diferenciadamente o local e o interesse nacional, e como equacionar isso do ponto de vista macro.
Esses são alguns dos desafios que nós temos colocados para enfrentar no próprio Ministério. Hoje, nós estamos buscando, para cada um desses problemas, estruturar mecanismos de construção de soluções. Já faz tempo que o Ministério não é mais um Ministério que fica isolado em um gueto, com uma postura contrária a tudo. Nós somos um Ministério hoje que se percebe e que trabalha com o conjunto do Governo, do setor privado e da sociedade civil, na construção de soluções para que esses desafios sejam objetivados.
No caso do PSA, justamente em função desse evento recente que nós tivemos, nós optamos por caminhar na direção de construir um grupo de trabalho para trabalharmos com o Congresso na construção de uma proposta que a gente possa discutir nacionalmente.
Isso não é simples. Por quê? Nós já temos algumas propostas postas, de uma forma conceitual, são propostas que não ficam em pé. Elas não são capazes de aglutinar os interesses de forma a empurrar o seu avanço no Congresso e no Governo. Então, nós estamos hoje buscando detalhar uma legislação que seja adequada para que o PSA seja uma realidade nacional.
Ao mesmo tempo, estamos, no contexto do Código Florestal, discutindo os caminhos da regulamentação possíveis. Estamos discutindo isso com movimentos sociais, estamos discutindo isso com empresas, estamos discutindo isso com algumas organizações internacionais, por quê? Quando se trata de modelar mercados, quando se trata de estruturar o funcionamento da economia, o Governo, em geral, não é um bom articulador. Não é um bom protagonista.
Por outro lado, o mercado costuma correr na frente, costuma caminhar por conta própria e não necessariamente da forma mais adequada. Então, nós temos que encontrar uma forma de trazermos para a mesa os atores privados, as autoridades governamentais e a sociedade civil, os movimentos sociais, para que a gente tenha uma solução de equilíbrio. Esse equilíbrio, em geral, vai ser construído às custas de muito conflito, e é natural que seja assim em uma democracia.
Nós estamos, em relação a isso, abrindo processos de consultas para algumas das possibilidades colocadas. Queria lembrar uma fala do Cláudio aqui, o Cadastro Ambiental Rural, que por sinal deve até ele ser uma boa parte de sua inspiração, alguns anos atrás, mudou a plataforma tecnológica da discussão da problemática de solos no Brasil.
Por quê? Porque o Ministério do Meio Ambiente ao comprar imagens de satélites, do Brasil inteiro, por quatro anos, disponibilizar essas imagens para todos os órgãos públicos federais, estaduais, municipais, com os quais o Ministério tenha acordo de cooperação, possibilitou o desenvolvimento de soluções para políticas públicas que dependiam enormemente da questão tecnológica. Eu costumo dizer que nós atiramos no que vimos e acertamos no que não vimos.
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Hoje, dentre os grandes usuários das imagens de satélite compradas pelo Ministério, nós temos o sistema elétrico, a Agência Nacional de Águas, as universidades públicas. Então, do ponto de vista tecnológico, nós hoje temos condições de enfrentamento desse problema, como não tínhamos antes. As redes de drenagem por Município, hoje, podem ser construídas a partir dessas imagens de satélite, projeto esse que estamos desenvolvendo em parceria e com financiamento justamente do setor privado - a Febraban, o Ibá, que trabalha com árvores, a Sociedade Rural Brasileira, a Única, o pessoal da Abag, o Instituto Aço, temos vários atores procurando trabalhar essas imagens, para que as informações sejam disponibilizadas para prefeituras municipais e para os atores econômicos e privados do País, para a construção de soluções no enfrentamento desses desafios. Então, precisamos entender que, no que diz respeito a essas questões, vai dar problema, já está dando problema.
Usos múltiplos da água. Nós não podemos discutir irrigação, consumo humano, uso para o setor elétrico, como se cada um pudesse resolver as coisas independentemente dos outros. Todo mundo sabe disso. No entanto, nós temos ainda dificuldade de enfrentar o desafio no âmbito das microbacias, no âmbito dos rios que envolvem dois, três Estados. O caso do São Francisco é uma chaga nacional. Enfim, esses são os conflitos que precisamos processar e nós só vamos encontrar as soluções para esses conflitos na política, nesta Casa e na interação do Executivo com o Legislativo com a sociedade brasileira.
O PSA é hoje, talvez, uma esperança de poder encontrar mecanismos, de forma que esses conflitos sejam processados. E é bom que o façamos logo, porque alguns desses problemas relacionados a pagamento de serviços ambientais estão se agravando. Não é só o caso da água, mas também o caso da biodiversidade, o caso das florestas.
Nós buscamos, no Ministério, no primeiro mandato da Presidenta Dilma e no atual Governo, mudar o sinal da agenda ambiental. Nossa agenda, agora, é uma agenda de desenvolvimento, de preservação, de combate ao desmatamento - que, por sinal, atingimos as taxas mais baixas da história nos últimos quatro anos -, é uma agenda de qualidade ambiental e também de desenvolvimento, integrada na construção da riqueza nacional. Por isso, concordo aqui com o Jefé: solos e águas são, hoje, uma realidade nacional e precisam ser tratados como tal.
Sem prejuízo do que é feito no plano local, nós precisamos construir uma forma de criar as condições que possibilitem ao País se desenvolver e enfrentar os desafios. As regras do jogo, a governança hídrica, a governança climática, nós precisamos trabalhar isso para encontrar formas de o País sair deste momento em que, às vezes, ele se encontra, de impasse e de indefinições. Essas indefinições têm um custo de oportunidade alto.
Há dois assuntos em que o Brasil está na principal mesa do mundo: agricultura e meio ambiente, os dois incidindo sobre o mesmo solo, os mesmos mananciais de recursos hídricos. Trabalhando juntos, agricultura e meio ambiente, a nossa realidade urbana, os nossos dirigentes, nós temos condições de colocar o País numa condição competitiva global de não só superar essas restrições com protecionismo verde, mas também de mostrar para o mundo que nós podemos produzir, proteger e participar do comércio global em condições diferenciadas em relação a vários outros parceiros emergentes ou antigos no comércio global.
Então, voltando ao início desta discussão, sustentabilidade é uma questão de competitividade. Ou nós enfrentamos isso, ou seremos enquadrados na competição internacional, que vai fazer muito mal ao País. Essa riqueza é nossa. Agora, nós precisamos tratá-la com carinho, e só vamos fazer isso se enfrentarmos os desafios políticos que o País tem e que eu acho que, cada vez mais, fazem parte da nossa consciência.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Muito obrigado, Dr. Gaetani.
Foram levantadas algumas questões. No início da minha fala, Dr. Gaetani, eu havia dito que faria algumas perguntas ao Ministério. Na verdade, eu vou repetir as perguntas aqui. Aquelas que foram respondidas, nós apartamos; as que não, falamos sobre elas.
O que já está protegido pela legislação ambiental é passível de receber por serviços ambientais?
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O agente privado que mantém o mínimo exigido pelo Código Florestal, como áreas de reserva legal e os limites de recuperação mínima nas margens de cursos da água, devem receber por fazer o que estão obrigados por lei?
Por outro lado, as Unidades de Conservação de Proteção Integral e terras indígenas, onde o desmatamento é proibido por lei, são passíveis de recebimento por serviços ambientais?
Essas eram de cunho geral. Da TNC, foi basicamente respondido, mas vou falar novamente.
Quais os principais problemas enfrentados pelos arranjos de PSA, nos quais a TNC está envolvida, que podem ser solucionados por meio de alterações ou inovações legislativas?
O representante nosso, aqui, do Ministério do Meio Ambiente, Dr. Gaetani.
O novo Código Florestal autoriza, por meio do inciso I do art. 41, que o Poder Executivo Federal crie programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente através de pagamento por serviços ambientais. Existe já alguma previsão para a criação desse programa?
Ainda sobre meio ambiente.
Existe previsão para regulamentação do art. 44 do novo Código Florestal, que institui a cota de reserva ambiental?
Bem, eu venho da agricultura, Dr. Jorge, Dr. Jefé. Eu sou técnico em agropecuária e administrador. Em 1978, eu vim para Goiás como técnico agrícola. Fui trabalhar numa empresa de calcário e, depois, numa empresa de sementes melhoradas. Acompanhei toda a fase de abertura da fronteira agrícola no Cerrado. A fronteira agrícola era, obrigatoriamente, aberta com arroz de sequeiro. Com o tempo, começou-se a perceber que, mesmo em veranicos curtos, o arroz não tinha mais resistência. Um dos problemas levantados àquela época era que dois fatores ajudavam nisso. A cada dia, a camada de solo fértil ficava menor porque era levada pela água. Outro problema era a questão do pé de grade, que fazia com que essa camada ficasse menor ainda e mais flexível para ser arrastada para o leito dos rios.
Muitas alternativas foram criadas, como quebrar esse pé de grade, etc., o plantio em nível. Afastei-me um pouco e, recentemente, fui com a Comissão de Agricultura à feira de Não-me-Toque, no Rio Grande do Sul, e percebi que lá não está se plantando em nível. Naquela feira, havia um cientista da Embrapa, que, se não me falha a memória, chama-se Jorge, que estava fazendo uma demonstração muito bacana desta questão: por que plantar em nível, os ganhos e os prejuízos de não plantar. E ele me explicou, por ser aquele que estava lá comigo, que o que estava ocorrendo era que, em função da agricultura de precisão, as grandes indústrias, para fazerem máquinas cada vez maiores e mais precisas, estão inviabilizando essa questão do plantio em nível.
E aí eu pergunto aqui para o companheiro Jefé, do Ministério da Agricultura: há uma discussão para isso, hoje, no Ministério em relação a retomar o plantio em nível onde não está sendo feito? Seria possível?
Quando eu estava fazendo meu curso de administração na Universidade Federal do Tocantins, desenvolvi um projeto lá para a área econômica. Propus que o Governo do Estado buscasse um recurso para bancar, a fundo perdido, para os agricultores duas coisas: a recuperação, através da correção de calcário e até fosfatagem, e a conservação, através da retomada do plantio em nível, quer dizer, o Estado buscaria, a fundo perdido, como quando constrói estradas, que depois retornam via desenvolvimento, recursos para poder retomar no Tocantins, especificamente, uma nova fase para a agricultura.
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Nós não conseguimos a agroindustrialização, nós paramos no tempo em relação a plantio de algumas culturas, porque nós não tínhamos competitividade para levar para o Porto de Santos e para o Porto de Paranaguá. Agora nós temos competitividade, nós temos uma logística extraordinária e a agricultura retoma lá. E a preocupação que eu tinha naquela época do Governo, bancar isso não me parece muito mais necessário, porque voltou a agricultura e está chegando a indústria, mas há que se considerar essa questão do plantio em nível, da conservação das nascentes e das matas ciliares.
Então, por tudo o que vocês colocaram aqui para nós, e muito bem colocado, e com as perguntas com as quais a nossa assessoria colaborou para a gente fazer aqui, eu gostaria de devolver a palavra por mais algum tempo para cada um de vocês para a gente pontuar e depois...
Antes ainda, Dr. Gaetani, quando nós chegamos aqui, e esta audiência tem origem nisso, a preocupação era com a defesa da água. E aí, discutindo com a nossa assessoria, nós chegamos a essa questão do PSA, que não era nem um negócio muito claro na minha cabeça. Eu devo dizer para vocês que eu estou fazendo uma especialização aqui em meio ambiente, em PSA, crise climática, porque eu estou na Comissão do Clima, eu estou na aqui na Comissão de Meio Ambiente, e a gente tem discutido muito isso. Então, eu estou muito feliz por essa oportunidade.
Passo a palavra novamente para o Dr. Jorge, da UnB, para as suas considerações e respostas àquelas questões que foram levantadas.
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA - Todos me ouvem? Todos.
Eu não vou me furtar de responder a uma pergunta que, da lista toda, é a que mais preocupa, a que mais incomoda: se uma pessoa, um agente qualquer, é obrigado por lei a fazer alguma coisa e faz, essa pessoa ainda vai receber algum tipo de compensação por isso? Eu confesso que eu tenho uma certa dificuldade de entender a riqueza da pergunta. É óbvio que pode receber. Para um economista isso é imensamente claro. Se não é para um advogado, problema do advogado - meu relacionamento com eles é sempre muito problemático, mas, de qualquer forma, isso é um problema dele.
Vejam bem, a sociedade define uma lei, e quando ela diz: "Olha, nós queremos que isso seja feito - a sociedade como um todo -, ela está dizendo que quer que isso seja feito porque o benefício que isso traz para a sociedade no seu conjunto é extremamente importante." E os agentes, as pessoas, seres humanos, vão ter que obedecer.
Ora, nós temos três situações em geral: tem alguém que não obedece, porque tem uma mania horrorosa, desde pequenininho, no DNA, de desobedecer às leis. É só dizer que não pode que o cara vai e faz. Esse é o safado, esse não tem jeito, tem que levar chicotada.
Agora, há a possibilidade de um segundo caso, em que o cara não obedece, apesar de ser vantajoso, inclusive para ele, individualmente, obedecer, mas ele não percebe a vantagem e, portanto, continua fazendo o contrário, mesmo podendo ser beneficiado se obedecesse. Vamos dizer que ele é o burro. A gente explica para ele, cria uma porção de programas, na área ambiental, então, há um monte de programas de educação ambiental, só que acontece que o cara não entende porque é ignorante. Mas tudo bem, é uma segunda opção.
Agora há uma terceira. O ser humano lá, o agente que quer obedecer, sabe que a lei exige que ele obedeça, ele deseja obedecer, ele acha que, se conseguir obedecer, ele próprio vai se beneficiar, entretanto, ele tem restrições concretas de recursos, de capital, de insumos, de fatores, de equipamentos; seja lá o que for, do tamanho da propriedade, da renda que ele tem, que o faz desobedecer. Ora, se o benefício para a sociedade é grande o suficiente, não vejo o porquê disso. Para um economista me dá um arrepio; por que é que essa sociedade pensa: "Ah, não posso efetivamente criar nenhum esquema para compensá-lo porque a lei manda obedecer dessa forma."
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Eu vou terminar, porque essa provocação... eu tenho um colega na UnB que tem um hábito horroroso de me provocar, não é o único, mas ele me provoca muito, e eu gosto muito dele talvez por causa disso, que é o Prof. Maurício Amazonas, e o Maurício tem o hábito de dizer: "Jorge, pela Constituição brasileira nenhum cidadão pode receber nenhum tipo de compensação para obedecer à lei." E eu digo: Maurício, não fala isso alto. E ele diz: "Por quê?" E eu: porque, senão, o Bolsa Família deveria ser proibido, uma vez que a contrapartida do Bolsa Família é manter os filhos na escola e com a carteira de vacinação... Bom, mas a Constituição diz que os pais têm que fazer exatamente isso. Mas, se não faz, se um pai ou uma mãe não faz isso, se não levava o seu filho à escola é porque esse pai e essa mãe devem ter alguma restrição muito grande para deixar o seu filho no meio da rua. E a sociedade brasileira teve o bom senso de perceber isso e dizer: "Não, vamos ter que ajudar essa pessoa a compensar..."
Ora, se isso é verdade para o bolsa seja lá qual for, por que não pode ser verdade para um esquema de PSA? É só identificar. Você está com dificuldade? E toda dificuldade e custo de transação aqui já foi mencionada, mas toda sociedade decente, e algumas até indecentes que eu conheço, fazem isso sem o menor questionamento, porque o benefício para a sociedade é muito maior do que o custo de fazer aquilo e de ajudar aquele que não pode.
Então, essa pergunta que o senhor formulou duas vezes é uma pergunta que me incomoda há muito tempo, o senhor me perdoe assim, mas eu gostaria de deixar claro que, na minha opinião, como economista, humilde economista ambiental - e agradeço muito as palavras elogiosas do Dr. Gaetani, eu não fui lá um tão grande professor assim naquele curso dele -, mas não há o menor problema; não há lógica econômica em não remunerar...
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Mas pela aula que ele deu aqui, não é... (Risos.)
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA - Mas isso já era bagagem que ele trazia.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Vamos ouvir então o Dr. Jefé, do MAPA.
O SR. JEFÉ LEÃO RIBEIRO - Eu acho interessante essa provocação do Prof. Jorge e a sua incomodação com a questão do pagamento por situações que a lei já impõe. A gente conhece situações em que os agricultores financiam, pegam o financiamento, e aí há aquelas três classes que o senhor mencionou: uns não pagam de jeito nenhum, outros pagam ali no limite, outros honram seu compromisso no dia, outros até anteriormente à data, o pessoal vai lá e paga certinho. Há aqueles que não pagam e falam que não vão pagar porque vem aí uma anistia, uma coisa assim e tal. E um belo dia a anistia vem e essa pessoa faz aquela festa, com muitos fogos. E o vizinho, que paga tudo em dia, ele fica ali, para ele é o fim, porque ele faz questão de honrar os seus compromissos. Por outro lado, o outro que deveria fazer o mesmo, não o faz não por questões de falta de recursos, mas por uma questão de lógica de mercado, porque, financeiramente, às vezes é interessante ele não fazer aquela contribuição. A gente coloca isso como uma experiência prática, a gente acompanha de perto a questão no campo e a gente vê isso.
Agora a questão da segmentação parece ser importante. Em quais condições seria o caso de haver pagamento por serviços ambientais, em que ambiente, quais os critérios para se fazer isso?
E, especificamente em relação à questão de conservação de solo, essa é uma discussão ativa no Ministério, porque a gente sabe que, na Região Sul, até aquelas pessoas que fizeram anteriormente os terraceamentos, hoje muitas dessas pessoas estão desfazendo esses terraços para propiciar que as máquinas trabalhem de forma mais adequada, mais ágil, ganhando tempo, enfim. E a discussão acerca disso é: vale a pena impor restrições nessas áreas a esses agricultores?
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Existe essa tecnologia disponível e a questão dos terraços, que estão aí, de certa forma ,não viabilizando o uso pleno da tecnologia. Qual o impacto disso, de ele não utilizar uma tecnologia que está aí? E, se ele adota essa tecnologia, aparentemente é porque isso traz algum ganho financeiro para ele, isso propicia o uso dessa tecnologia. Ou, por outro lado, impor a necessidade de manter esses terraços, ou que se façam novos terraços, e, com isso, impedir que o agricultor tenha algum ganho competitivo na propriedade dele.
Então, é uma discussão ativa e que ainda não se chegou a termo do que fazer em relação a isso. Inclusive, em algumas regiões, já é um problema; onde foram retirados os terraços, já se tem o problema de voltar a carga os processos erosivos.
Então, essa discussão existe, é uma preocupação, e o desafio é buscar o equilíbrio entre possibilitar o agricultor o uso pleno da tecnologia e buscar equacionar talvez a pesquisa, buscar conciliar o uso desses implementos com uma outra forma de conservação do solo. Ou seja, conciliar as duas coisas, tanto o uso da tecnologia, como também permitir que essa tecnologia não vá descambar para propiciar a erosão do solo, ou, em alguns casos, agravar o estado que já está.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Obrigado, Dr. Jefé
Nesse caso, eu acho que a tecnologia disponível, o conhecimento da mecanização, precisam se adequar aos terraços em vez de extingui-los. E, então, é preciso que os donos das indústrias pesquisem e encontrem um caminho para voltar a essa necessidade, porque, fora disso, do ponto de vista do que se pode observar em relação à perda de fertilidade do solo, em relação à perda para os mananciais, para os leitos da água, vai ser muito prejuízo para o País, que não vai compensar.
Então, eu penso que a gente precisa dialogar com a indústria de mecanização agrícola para que ela faça um mecanismo de alta precisão, que conviva com um sistema de terraçamento, mesmo que seja um sistema de base mais larga, que é o melhor adequado para a situação.
Mas também, Prof. Jorge, eu não estou na categoria do burro, mas talvez esteja na categoria do que tem mais dificuldade. Mas a nossa tese, aqui, dentro do nosso discurso de posse, é que o Estado não pode ficar, a União, os Estados e os Municípios não podem ficar só apenas com o papel de disciplinar, fiscalizar e punir; eles têm que ter a responsabilidade de ajudar a criar as condições para que a lei seja efetivamente aplicada.
Mas essa pergunta é uma pergunta em todo instante colocada, porque há aqueles que não concordam com isso. Eu ainda não tenho muita segurança...
O SR. JORGE MADEIRA NOGUEIRA (Fora do microfone.) - Vou convencê-lo.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Mas espero, ao fim, estar convencido de que esse é o mecanismo, já que eu levantei essa questão no dia 3 de fevereiro.
Vamos, agora, passar a palavra para o Dr. Gaetani para suas ponderações em relação às perguntas, e considerações finais.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Bom, eu queria começar mencionando duas coisas importantes relacionadas com a fala do Prof. Jorge Madeira.
Primeiro, num relatório sobre o desenvolvimento mundial, acho que de 1997, o hoje prêmio Nobel Stiglitz, que coordenou esse relatório, falava um pouco sobre a questão do direito da economia.
Ele dizia que, em geral, algumas leis - há duas grandes escolas - trabalham legislações, em grande parte, aspiracionais, elas procuram onde a sociedade deseja chegar; e, outra visão, as legislações procuram guardar alguma proporção como os meios e com as capacidades que as sociedades possuem para fazer valer aquelas legislações.
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Eu acho essa conversa interessante porque, muitas vezes, as nossas legislações não guardam absolutamente nenhuma relação com a realidade produtiva e econômica do País, mas retratam o desejo, a aspiração de se chegar a uma nova situação. Só que a construção dessa trajetória depende muito da realidade objetiva dos meios disponíveis para se fazer valer aquela legislação.
Nós não temos a palavra inglesa enforcement em português, mas, em geral, toda legislação deveria vir junto com alguns dispositivos relacionados a tanto a fazer valer a lei, quanto como aquela legislação vai ser financiada. Do contrário, o direito, na medida em que ele não é respeitado, ele é frustrado e isso gera um risco de desagregação social.
O segundo ponto: quando a gente conversa, às vezes, com alguns economistas, eles dizem: "Basta alinhar os incentivos institucionais e organizacionais que tudo se resolve". Bom, se fosse assim, nós não estávamos encalacrados com tantas situações complicadas.
Quando a gente fala de incentivo, a gente fala, em geral, de três coisas: nós falamos do porrete, falamos da cenoura e falamos do sermão.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO. Fora do microfone.) - Esse era o da minha mãe.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Pois é, mas, às vezes, precisava do seu pai, ou precisava da avó, ou dos avós.
Então, o que ocorre; tanto porrete quanto a cenoura são caros. Manter o porrete, a ameaça para fazer cumprir, para coagir, é caro. Manter a cenoura também é caro. O sermão é grátis. Mas, em compensação, demanda a persuasão, o convencimento. Muitas vezes a gente tem que procurar equilibrar esses três instrumentos para que as coisas aconteçam. E a sociedade é conflito, é dinamismo.
Então, em relação às perguntas, muitas vezes as legislações miram ou alto demais, ou baixo demais. E não há nada de errado em que haja um apoio, um suporte diferenciado, um incentivo maior para que aquela legislação seja efetivamente honrada. Eu compartilho dessa visão que o Prof. Jorge Madeira mencionou de que isso precisa ser discutido pela sociedade. Às vezes, é mais fácil o governo dar um empurrãozinho - faz um desconto, dá um apoio e tal -, para que haja, efetivamente, adesão. Por exemplo, na discussão do Cadastro Ambiental Rural, nós estamos discutindo, hoje, se teria condição de haver um incentivo, um juro, um benefício para que haja uma adesão mais efetiva.
Bom, em relação às Unidades de Conservação em terras indígenas, eu volto ao que eu mencionei anteriormente. Como é o processo nosso de criação de Unidade de Conservação? Há toda uma discussão, uma consulta. Quando se cria, corre pro abraço. Bom, mas e o financiamento? E o recurso para demarcação? E a indenização do ponto de vista das propriedades privadas que estão lá? E a regularização fundiária? E a infraestrutura para aquela unidade ser efetivamente consolidada? Não há.
A área ambiental, ao contrário da saúde, da educação, da assistência social, ela não dispõe de mecanismos de transferência de fundos constitucionais institucionalizados em nossa legislação. Ela depende de disputas anuais com relação ao orçamento, de verba de compensação ambiental, de recursos de doação para as quais o Brasil não se gradua mais, porque nós somos hoje um País de renda média.
Então, a sociedade brasileira tem que resolver como é que vai financiar isso, porque, se não, não vai ser o PSA que vai equacionar isso. Nós que estamos criando muitas vezes algo que a gente valoriza, algo que diz respeito ao patrimônio natural, mas nós não estamos discutindo, simultaneamente, como sustentar, como viabilizar econômico e financeiramente esses ativos naturais.
Então, a preservação ambiental custa. Ela não acontece de graça. Ela precisa ser valorizada, precisa ser atribuído valor, e precisa ser pago. Por quem? Essa é a discussão, como mencionei anteriormente.
Nós temos uma contradição muitas vezes de percepção em relação à agenda ambiental do Sul, do Sudeste, do Norte. Eu me lembro de uma conversa com o governador do Amazonas, em que ele perguntava: "Bom, nós temos aqui, na região da Amazônia, 25 milhões de pessoas; vocês querem que elas vivam de quê?" Nós temos que encontrar forma de exploração sustentável das riquezas naturais da região. Não há outra maneira.
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Então, se nós queremos a floresta em pé, nós temos que remunerar; se nós queremos os rios protegidos, os rios despoluídos, nós temos que encontrar formas de viabilizar isso, combinando o porrete, o sermão e a cenoura. E isso tem que ser feito de forma transparente, não de forma oculta.
Então, Senador, eu acho que nós temos hoje o desafio de conversarmos sobre como nós vamos repartir essa conta. Há, aqui, na mesa, pessoas que acompanharam o desmanche do Sistema Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, de que o País tanto se ressente, e não vai ser a criação da Anater que vai dar conta do que havia no passado: nós tínhamos EMATERs em todos os Estados, tinha empresa federal, essas contas eram repartidas por Estados, Prefeituras, Governo Federal, enfim, por que nós fracassamos? Por que a sociedade brasileira deixou isso acontecer? Então, agora estamos novamente enfrentando esses desafios, precisamos discutir essas questões, precisamos de assistência técnica, precisamos qualificar, precisamos de construção institucional, mas as instituições são feitas por pessoas e as pessoas somos nós.
Então, eu queria dizer que eu acho que os desafios do País são recorrentes e passam por encontrarmos formas adequadas de solucionar os nossos desafios de forma equilibrada, compartilhando os custos e benefícios desses desafios. A área ambiental é uma área em que o mundo inteiro olha para o Brasil com inveja e esperança em relação à agenda ambiental.
Para nós brasileiros não está claro ainda. A mesma coisa vale para o nosso mundo agropecuário. O Brasil está fadado a ser um dos grandes fornecedores mundiais de alimentos. Bom, como nós vamos fazer isso? De que forma nós vamos repartir isso? Como nós vamos nos apropriar disso? Também está em aberto. E, se meio ambiente e agricultura trabalharem juntos, dificilmente, nós vamos ter concorrentes do ponto de vista global para poder dizer o como nós estamos produzindo esses produtos e como nós estamos preservando o nosso meio ambiente.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Obrigado, Dr. Gaetani.
Se eu entendi bem, eu tenho uma discordância que eu queria ter perguntado antes: que país nós queremos construir para esses próximos 20, 30 anos? Quanto ele custa? E quem paga a conta?
E aí eu fico com a impressão de que, em relação ao pagamento de serviços ambientais, a gente não pode ficar só pela demanda, a gente tem que aproveitar a oportunidade de determinada demanda, já antecipando para outros casos, fazendo o investimento necessário, que não é nem para responder a uma demanda atual, mas que evite que a demanda aconteça.
Vamos ouvir, agora, o Cláudio klemz, da TNC. Se eu entendi bem, ele falou da questão da demanda para poder aparecer o serviço. E também do Prof. Jorge, se eu entendi, era mais ou menos isso. Eu estou numa linha de pensar que a gente tem que aproveitar a demanda e aí foi muito bom ter acontecido o que aconteceu nesse último ano, lá no Estado de São Paulo, principalmente.
É muito bom, porque o que aconteceu lá, eu tenho dito, não é azar, é sorte, porque, acontecendo lá, ganha mais repercussão, ganha mais vitrine, mais luz e pode abrir mais a nossa cabeça e aí a gente pode lançar mão mais do porrete, da cenoura e do sermão.
A minha mãe era do sermão, porque ela não batia nos filhos, mas ela convencia os filhos mais do que as pancadas do meu pai, é porque ela tinha essa questão da persuasão.
Mas é isso Cláudio, é com você, passo a palavra para suas respostas e ponderações finais.
O SR. CLÁUDIO KLEMZ - Bom, sobre essa questão que ficou bem forte na nossa discussão sobre se paga ou não paga por áreas que são protegidas. Prof. Jorge trouxe um conceitual teórico interessante. Eu queria trazer três exemplos práticos, que foram vividos nessa experiência de implantação.
Primeiro deles, discussão com uma companhia de água, recuperação daquele manancial da qual ela capta sua água e vende para uma população. Estávamos nós num grupo de três, quatro pessoas discutindo qual seria o arcabouço técnico daquele projeto e chegamos à questão.
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Bom, áreas de preservação permanente, nascentes são as mais importantes a serem conservadas naquela bacia.
A sugestão inicial foi investir, especialmente, na recuperação de áreas degradadas, com investimentos de restauração e PSA. Aí surgiu a questão: mas o sujeito que cuidou bem, durante os últimos 50, 100 anos, ele não vai receber nada? Enquanto aquela floresta que está de pé, já está suprindo água de qualidade em quantidade.
A questão ficou clara, todos têm que receber naquele contexto. E a empresa de água é uma empresa municipal, então, aquilo é recurso público e faz todo o sentido. Então, é uma forma de responder à pergunta, sim: áreas protegidas devem receber incentivos.
Uma outra análise, vamos dizer, numa escala um pouquinho maior, o Estado do Espírito Santo hoje tem o Programa Reflorestar, que tem uma meta de recuperar agressivamente a cobertura florestal do Estado, porque é um Estado que já enfrenta grandes problemas com ausência de cobertura florestal, dado o histórico de uso desses recursos florestais.
O incentivo se aplica a todos. E é evidente que aquilo vai trazer um benefício para toda a sociedade e não só para aquele agricultor, ou produtor, ou proprietário, ou chacreiro que está lá na ponta. Uma outra forma de abordar a questão.
Um terceiro exemplo, vem de bastante tempo atrás, eu conversando com um agente de um órgão de extensão, num Município pequenininho lá no Sul do País e ele foi me explicar a ideia dele de proteção de nascentes e ele me explicou que a proteção de nascentes, para ele, é você encontrar onde está o veio de água, cavar um buraco, encher aquilo de brita, colocar um cano ali dentro, deixar bem cuidadinho com cimento em volta e aí a nascente está protegida. Eu perguntei para ele: e na hora em que acabar de sair água do cano? E ele me respondeu: "Aí é outro problema".
Então, o outro problema é do que nós estamos tratando aqui. A gente precisa manejar esse recurso e usar todas as ferramentas disponíveis para que a gente tenha sucesso nessa tarefa.
Sobre pagamento, embora eu concorde com a simplificação dos conceitos de pagamento por PSA, o incentivo, a gente está chamando de pagamento o que é um incentivo, o incentivo pode ser pecuniário ou não. Na verdade, em boa parte dos projetos, a gente fala do PSA como um dos componentes do incentivo, mas o sujeito recebe a cerca, para proteger a nascente, que é um investimento caro; recebe a restauração daquela área ou a condução da regeneração natural daquela área, que custa muito dinheiro e ele recebe isso gratuitamente. Então, é um incentivo, não é um pagamento direto. E a conservação do solo - é uma pena que o colega Devanir da Agência Nacional de Águas não tenha podido estar presente -, é uma das formas talvez das mais eficientes de a gente ganhar bastante em escala, em termos de resultado positivo, no suprimento de serviços ecossistêmicos, a conservação de solo e de estradas rurais, que também é um problema à parte no Brasil.
Então, dessa forma, a gente traz, em três níveis diferentes, a questão da demanda como motivadora.
E há um quarto exemplo ainda: recentemente, eu tive a oportunidade de conhecer uma região do País, que eu não conhecia ainda, o oeste da Bahia, também com um olhar sobre como estruturar um projeto de PSA numa região daquela. Foi um desafio profissional interessante, porque, habituado a trabalhar com projetos pequenos, de repente pegar uma situação complexa, grande, agricultura bem desenvolvida, em conjunto com uma agricultura familiar, num cenário geográfico muito maior e o que eu vi ali foi um risco, talvez iminente, de escassez, um risco aos investimentos que estão sendo feitos ali e um anseio de um dinheiro do além que venha para pagar um PSA.
Ora, ali também, esse dinheiro tem que ser de um programa federal? Na minha opinião, existe dinheiro suficiente na região, para que a própria demanda pela conservação daquele recurso, para a sua irrigação, também possa ter uma participação ativa na solução do problema.
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Então, quatro exemplos de argumentação em favor do sim. É preciso ter incentivos e pagar PSA também para áreas que são protegidas.
O SR. PRESIDENTE (Donizeti Nogueira. Bloco Apoio Governo/PT - TO) - Pergunto se algum dos senhores quer fazer mais alguma ponderação ou se estão satisfeitos. (Pausa.)
Essa questão de pensar em longo prazo, de discutir o Brasil além dos quatro anos de cada governo está nos levando por exemplo, e tudo isso tem a ver, a apresentar hoje uma Proposta de Emenda à Constituição ao art. 165, que inclui a obrigação de o Poder Executivo pensar o País através de um planejamento estratégico pelo menos para 30 anos; que seja o eixo que vai coordenar o desenvolvimento a partir do qual vem o PPA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA) para ser executados.
Temos percebido que nós temos dado respostas só para as coisas urgentes. Aparece um problema, você corre e trabalha para resolver.
Houve uma audiência aqui que discutiu crise hídrica, e eu perguntava à época sobre a questão da água no subsolo. Aprendi que há locais - e o Cerrado é um deles - que são abastecedouros dos aquíferos. E nós estamos caminhando para incluir o Cerrado cada dia mais na produção de alimentos, necessária para o País e para o mundo. A fome está aí, em grande escala. Como racionalizarmos e equilibrarmos tudo isso? Esse é um debate que nós temos que continuar fazendo para encontrar as saídas para os problemas que o nosso País apresenta.
Quanto à questão ambiental, no momento em que nós estamos discutindo um negócio chamado Pacto Federativo - e aqui no Senado há uma comissão especial para isso -, acredito que esse tema não pode ficar apartado. Uma coisa me intriga: tudo que se discute é para a viúva pagar, no caso, a União. Nós temos um bolo federativo, mas hoje o que se discute é o Pacto Federativo. E vem a discussão que estamos fazendo. Mas nós vamos instituir o PSA, um programa, etc., e a União vai bancar tudo?
Concordo com a Mesa que não pode ser tudo dos cofres de recursos públicos que a sociedade aporta, a não ser que a gente institua fontes arrecadadoras - e estamos pensando em apresentar um projeto para isso -, que não existem hoje, para financiar essas coisas. Mas eu penso que a sociedade tem que ser chamada, à luz do porrete, da cenoura e do sermão, plagiando o Dr. Gaetani, para cumprir a responsabilidade que ela tem com o Planeta de garantir a vida por muitos e muitos séculos. Sem água, como é que nós vamos fazer? Sem alimento, como vamos continuar? E não podemos ficar nessa disputa entre a cama e a mesa. Nós vamos ter água para tomar banho e lavar as roupas ou só para comer? É uma pergunta com uma certa brincadeira, mas eu estou muito imbuído, Prof. Jorge, Dr. Jefé, Dr. Gaetani e Dr. Klemz, em contribuir com esse debate. Por isso pedimos esta audiência.
Quero agradecer mais uma vez a oportunidade que vocês nos deram hoje de debater esse tema. É uma pena que não pudemos ter aqui outros Senadores, mas dois deles vieram aqui cochichar comigo que não puderam estar presentes, como a Senadora Vanessa, porque está acabando de chegar da Rússia. Haveremos de ter outra oportunidade para discutir.
R
Eu me coloco à disposição do Ministério para fazermos esse debate. A nossa intenção é apresentar um projeto de lei que dê conta da maioria das questões pontuadas hoje, porque, na nossa compreensão, o que tramita aqui ainda não dá as respostas necessárias para essa temática.
Declaro encerrada a nossa audiência pública sobre o pagamento de serviços ambientais, agradecendo aos nossos convidados e àqueles que participaram conosco nesta manhã.
Obrigado.
Bom dia.
(Iniciada às 9 horas e 58 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 44 minutos.)