Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão Mista destinada a apresentar Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais, criada pela ATN nº 3,de 2015. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com os seguintes participantes, a quem convido para tomar lugar à mesa: o Sr. Mauro da Cunha, Presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais; Dr. Sérgio Murilo Campinho, advogado da Confederação Nacional da Indústria; Sr. Mateus Bandeira, Diretor Executivo da Fundação Falconi. Estavam previstas também as presenças do Dr. Jorge Gerdau Johannpeter e do Dr. Pedro Mariani. Jorge Gerdau Johannpeter é Presidente do Conselho Consultivo da Gerdau. E o Sr. Pedro Mariani é o Diretor Jurídico e de Assuntos Corporativos da AmBev. Recebemos uma comunicação, de última hora, dos dois, esclarecendo devidamente os motivos de força maior que os impediriam de estar presente, como gostariam, a esta reunião, colocando-se, no entanto, Sr. Relator, à disposição para qualquer outra hora e para qualquer outro momento. Nós entendemos perfeitamente as explicações por eles dadas para esta ausência. Também eu gostaria de ler aqui uma correspondência que recebemos do Ministro do Estado dos Transportes, o Dr. Antonio Carlos Rodrigues: Sr. Presidente, ao cumprimentá-lo, reporto-me ao Ofício nº [tal], de 1º de julho de 2015, para externar minha preocupação em relação ao fato noticiado no referido expediente. |
| R | Sobre o assunto, cabe informar que, instado a se manifestar, o Diretor-Presidente interino daquela estatal, por meio de Ofício nº [tal], cópia anexa, lamentou o ocorrido e apresentou alguns esclarecimentos. Os esclarecimentos básicos: estava no momento de transição de um presidente interino para um novo presidente e não houve a intenção de fazer qualquer desfeita, mas apenas de não querer que representasse a Valec o presidente que não era o definitivo, que já estaria tomando posse. Pelo exposto e considerando a relevância das discussões tratadas por esta Comissão Mista, quero deixar claro que esta pasta, como toda a diretoria da Valec, está à inteira disposição para atender qualquer outro convite ou demanda a ser formulada pelo Colegiado. Atenciosamente, Antonio Carlos Rodrigues Ministro de Estado dos Transportes. Eu queria também ler a correspondência enviada aos Presidentes do Senado e da Câmara, na qual esta Comissão pede o adiamento do seu encerramento, que estava previsto agora para o dia 10 de julho, para o dia 21 de agosto. Na qualidade de Presidente da Comissão Mista destinada a apresentar Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais, instituída pela ATN nº 3, de 2015, solicito a V. Exª a prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão até o dia 21 de agosto de 2015. Dessa maneira, já foi verbalmente aceito pelas duas Presidências o adiamento para o dia 21 de agosto, quando a Comissão deverá apresentar o projeto de lei, que será enviado às duas Casas já pronto. No nosso cronograma, a ideia aqui discutida com o Deputado Relator Arthur Maia é que, logo na primeira semana de agosto, o seu relatório será apresentado à Comissão, que discutirá, tendo dia 21 de agosto como data final base. Esclareço aos nossos convidados, a quem inicialmente agradecemos a presença, que, aqui nesta Comissão, nós já ouvimos, na primeira reunião, os órgãos de controle, CVM, Bovespa e TCU, órgão de controle da União. Na segunda reunião da Comissão Mista, nós recebemos presidentes e representantes das empresas estatais, para discutir e dar o seu ponto de vista. E ressalvo aqui que o Banco do Brasil deu sugestões bastante valiosas a essa discussão. E hoje o objetivo é ouvir o setor privado que, de alguma maneira, tem relação com empresas listadas, abertas, controladas por acionistas espalhados por todo o Brasil, e instituições de consultoria que acompanham essa questão de governança para que sejam dadas sugestões a esta Comissão. Portanto, mais uma vez agradecendo a presença de todos, passo a palavra ao Sr. Mauro Cunha, que também, se não me engano, já foi representante dos minoritários da Petrobras no Conselho da Petrobras. E essa sua experiência nos parece bastante valiosa. O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - Obrigado, Senador. Sr. Relator, Sr. Presidente, todos os participantes, primeiramente, registro ser uma honra o convite que recebi para participar da presente audiência pública. É notória a relevância do tema em discussão, tendo em vista não apenas os eventos recentes, mas a relevância das empresas estatais para a economia brasileira. Entendo que o convite decorre de dois aspectos da minha atuação profissional, como Presidente da Amec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais), e por conta da minha atuação por dois anos como membro do Conselho de Administração da Petrobras. |
| R | Cumpre informar que sigo atuando no conselho de administração de uma outra empresa estatal, esta de controle estadual, que é a Cesp, experiência que também me credencia para este debate. Para os que não a conhecem, a Amec é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 2006, que congrega investidores institucionais que atuam no mercado de ações brasileiro. Seu objetivo é promover a defesa dos direitos dos acionistas minoritários. Nossos quadros são compostos por gestores de recursos brasileiros e estrangeiros, que incluem desde pequenos independentes até os grandes bancos brasileiros. Também participam da Amec grandes fundos de pensão. Em suma, são aqueles responsáveis pela gestão da poupança de milhões de brasileiros que precisam assegurar que os valores mobiliários que compram terão uma justa rentabilidade, sob pena de inviabilizar sonhos, projetos e aposentadorias. Hoje, porém, falo em nome próprio. Os projetos de lei que tocam as empresas estatais - 167, 343 e o projeto apresentado pelos Presidentes de ambas as Casas - encontram-se neste momento em estudo pelos órgãos de governança internos da Amec. Foram debatidos na nossa Diretoria Executiva, na Comissão Técnica e foi criado um grupo de trabalho para analisar cada uma das propostas em tela. Esse trabalho ainda não terminou, portanto, a Amec ainda não tem uma posição oficial sobre o assunto. Não obstante, aceitei o convite, tendo em vista a urgência da matéria e a progressão dos debates. As opiniões que emanarei, portanto, são exclusivamente minhas e podem ou não coincidir com aquelas da associação. Com relação à minha participação no Conselho de Administração da Petrobras, cumpre esclarecer que foi consequência direta da minha participação na Amec. Desde 2011 - antes, portanto, da minha entrada na Amec - a associação tem trabalhado como um concatenador de investidores que crescentemente frustrados com os prejuízos impostos aos acionistas da companhia, tentaram pela primeira vez organizar-se para influenciar, nos termos da lei, a eleição para o Conselho de Administração da Petrobras. Após mais de dois anos de tentativas e lutando contra diversos obstáculos, tivemos sucesso em 2013, fui reeleito em 2014 e em 2015 decidi não mais concorrer ao cargo, explicitando as razões em notas aos acionistas. Foram eleitos novos conselheiros independentes que trabalham hoje arduamente pela recuperação da companhia. Não pretendo aqui discorrer sobre os problemas da Petrobras diretamente. Já tive oportunidade de fazê-lo na Câmara, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, em abril deste ano. Creio, contudo, que a situação dramática a que foi levada a Petrobras tem muito a ensinar sobre a gestão de empresas estatais de uma maneira geral e, portanto, tem grande utilidade para o atual debate. É sintomática a existência de uma pluralidade de projetos de lei que visem impedir a recorrência dos problemas que acometeram a Petrobras e muitas outras empresas estatais nos últimos anos no Brasil. Trata-se de uma resposta firme do Poder Legislativo, imbuído de suas atribuições e responsável perante a opinião pública, que clama por uma nova maneira de se administrar essas organizações tão queridas e outrora respeitadas em nossa economia. Registro, desde já, um forte elogio aos Parlamentares que empunharam essa bandeira. Mais ainda, a realização de debate como este ressalta o caráter democrático do processo que, estou seguro, logrará em atingirmos um modelo muito maior do que qualquer uma das opiniões individuais aqui trazidas, inclusive a minha. Não obstante, eu gostaria aqui de fazer a minha primeira provocação, no bom sentido da palavra. Será que uma nova lei é resposta adequada às agruras de nossas empresas estatais? Peço a bondade dos senhores para que mantenham essa pergunta em mente ao longo dos debates e quiçá da tramitação dos projetos em discussão. É fácil criticar a lei. Eu mesmo já o fiz e o faço recorrentemente. Na luta por um mercado de capitais mais saudável, posso citar uma ou duas dezenas de artigos da Lei das Sociedades Anônimas que poderiam ser melhorados. Participei ativamente dos debates que resultaram na Lei nº 10.303, que alterou a 6.404. Esse processo me ensinou que a atividade democrática pode, sim, aprimorar a lei, mas que muitas vezes as mudanças criam mais problemas do que soluções. Para todo lado que olhamos, encontramos potenciais melhorias em nosso aparato legal. Cada cidadão terá sua opinião e, muitas vezes, elas são contraditórias. Como dizia o escritor americano Henry Louis Mencken: "Para todo problema complexo, existe uma resposta que é clara, simples e errada." Eis, portanto, a relevância de formular este debate. Mais uma vez, obrigado pela oportunidade de participar. Eu parto agora para uma análise dos três projetos em tela e não apenas daquele que está em discussão nesta Comissão. Começo falando sobre o Projeto nº 343, de autoria do Senador Aécio Neves. Aquele projeto traz, na minha opinião, duas inovações interessantes. A primeira é a proibição de autoridades - e uso o termo genericamente para não nos perdermos aqui em definições - nos conselhos de administração de empresas estatais. Trata-se de uma política positiva em termos absolutos, não há o que questionar. A autoridade no conselho de administração é, por definição, dotada de um conflito de interesses que não concorre para o bom desempenho de suas funções. Isso não significa que será um mau conselheiro, mas, sim, que a estrutura conspira para que o seja. |
| R | Não vou me alongar nas traumáticas experiências recentes, nas quais a convivência de autoridades como administradores justificaram decisões altamente destrutivas para nossas empresas estatais. A segunda é a nova redação proposta para o art. 238, que exclui as empresas de economia mista da possibilidade de ter suas atividades direcionadas para o interesse público, que levou à sua criação. De fato é nesse artigo em que sempre se prendem aqueles que defenderam atitudes lesivas às empresas estatais, e, no caso daqueles de economia mista, que possuem sócios privados, levaram ao prejuízo milhões de poupadores brasileiros e estrangeiros que acreditaram no nosso mercado de capitais. Há que se refletir, porém, sobre a necessidade e a conveniência da mudança. É verdade, o 238 tem sido apontado como o vilão dos investidores. Eu mesmo já tive essa visão. Mas hoje entendo que ela seja superficial. Vejam bem, o art. 238 não exclui a responsabilidade dos administradores. Pelo contrário, tem uma redação restritiva da eventual exceção. Ela é direcionada ao controlador, e não ao administrador, e se restringe aos atos daqueles que tenham relação não com qualquer interesse público, mas com o interesse público específico, aquele que levou à criação da empresa estatal. Inúmeros especialistas já se manifestaram nessa linha de maneira muito mais inteligente do que eu poderia fazer. Destaco aqui os ex-Presidentes da CVM, Ary Oswaldo Mattos Filho, Luiz Leonardo Cantidiano, além dos juristas Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa. O art. 238, com o perdão da palavra, foi prostituído, foi transformado numa desculpa qualquer, um verdadeiro cheque em branco que servia de pretexto para todo tipo de abuso contra empresa estatal. Trata-se de uma interpretação simples, clara e errada, de acordo com Mencken. O 238 tem uma solução mais simples para esse problema: ele tem que ser cumprido. Cumpra-se a lei. Se ele for obedecido no seu espírito, talvez não seja necessário mudança legal. É evidente que, para ser cumprido, o tal interesse público precisa ser claro - e aqui uma lição importante, adotada em outros projetos, como veremos -, aplicável em diversos momentos: na lei de criação da estatal, na elaboração do estatuto, no seu registro quando abrir capital, etc. O interesse público deve ser claro e restritivo, parte de um verdadeiro contrato entre o controlador e companhia. Eu voltarei a esse assunto mais à frente. Por outro lado, o Judiciário tem hoje uma interpretação liberal do 238, e isso é um problema. Se não puder ser revertido, talvez seja mesmo necessária a mudança em sua redação, mas rogo aos legisladores que, se forem mudar, que o façam sob este prisma: entendendo seu real alcance atual, sua eventual deturpação interpretativa e a forma de corrigir esses erros. Mas o projeto também traz inovações que considero negativas. Conceitualmente, entendo que é um risco elevado determinar por meio de lei a criação de estruturas que podem se tornar meros carimbadores, formalidades que existirão apenas para cumprir a determinação legal. Isso é um risco, ao se determinar que todas as empresas estatais deverão contar com um conselho de administração, por exemplo. Embora seguramente verdadeiro para empresas de grande porte e seguramente para empresas de economia mista, a criação de conselho de administração em outros tipos de estatais pode trazer efeitos muito deletérios, entre os menos importantes, a mera criação de um cabide de empregos. Entre os mais graves, a criação de estruturas opacas que tornam a responsabilidade difusa, abrindo espaço para todo tipo de problema. A última coisa que queremos, portanto, é a criação de órgãos para inglês ver. Um conselho para inglês ver é pior do que a ausência completa de um conselho. Esse conceito vale também para outras inovações dos projetos, como veremos mais à frente. O mesmo pode ser dito de determinações a respeito da composição dos conselhos, tais como número de membros, grau de independência, etc. Novamente vemos ideias que são boas em si, mas que, talvez, não pertençam a uma lei. Conceitos de governança corporativa evoluem com o tempo. O Código do IBGC, por exemplo, encontra-se na sua quarta edição, em revisão para a quinta. O mesmo vale para todos os documentos de governança reconhecidos no mundo. Já a lei é feita para durar. Ainda que possa ser reformada no futuro, não é esse o objetivo, tendo em vista o enorme trabalho que consiste a atividade legislativa. A independência do conselho, por exemplo, tem sido objeto de debates constantes. Deve ser de 20%, 30%, deve ser a maioria do conselho? Eu não sei, e os senhores, provavelmente, também não. Isso deve ser visto em cada momento da maturidade do sistema econômico. O mesmo não pode ser dito sobre o conceito de independência. Faço referência a um caso que seria engraçado, se não fosse triste. Consultorias renomadas recomendaram que investidores institucionais americanos votassem contra um determinado candidato ao Conselho da Coca-Cola, tendo em vista que ele não seria independente. Ele teria uma participação acionária muito grande na companhia. O candidato chamava-se Warren Buffett. Não sei quanto aos senhores, mas eu gostaria de ter esse conselheiro em qualquer empresa da qual eu seja sócio, independente ou não. Entendo, portanto, que esses pormenores não devem constar de um texto legal. |
| R | Um amigo muito sábio sempre me fazia referência ao homem e às suas circunstâncias. Criar um sistema de governança adequado demanda flexibilidade para circunstâncias que mudam, o que não implica ausência de regras, como veremos. Na mesma linha, não acredito que seja cabível legislar sobre características dos conselheiros indicados pelo controlador, fora aquelas vedações que elogiei anteriormente com relação a autoridades. A título de exemplo, não se deve restringir a participação nos conselhos de pessoas com experiência na indústria em questão. Conselhos devem ser constituídos com base na diversidade. A meritocracia e a capacidade técnica são essenciais, mas uma das funções de um conselho é trazer visões diferentes. Pessoas com formações distintas colaboram para enxergar problemas sobre diferentes prismas, chegando a uma solução melhor. Ademais, nos casos de empresas dominantes nos seus setores de atuação, como Petrobras e Eletrobras, seria muito mais difícil, mais do que já é, encontrar um grande universo de candidatos atuantes no setor, dispostos a deixar suas atividades para compor o conselho de uma empresa estatal. E restringir o universo de candidatos é algo que não devemos buscar, muito pelo contrário. Mais à frente, farei minhas colocações sobre como atingir uma composição meritória sem o detalhamento oferecido no projeto. Em seguida, o projeto talvez caia no seu erro mais grave: a determinação de que os candidatos ao conselho sejam previamente aprovados pelo Senado Federal, por meio de uma sabatina. Entendo ser legítima a vontade do legislador de acompanhar e manifestar-se sobre a indicação daqueles que administrarão as empresas estatais. Mas entendo que a sabatina pouco poderá colaborar para a construção de conselhos mais eficazes. Ao contrário, cria-se o risco de politizar um processo que precisa ser essencialmente apolítico. A atribuição de uma tarefa de análise e aprovação de dezenas de administradores pelo Senado Federal traz o risco de criarmos mais um processo anódino, que se pautará muito mais pelo jogo político do que pelos méritos dos candidatos. Entendo que é um papel fundamental o legislador no acompanhamento das indicações de administradores das companhias estatais, mas esse acompanhamento não deve acontecer no varejo das indicações individuais. Deve-se dar no processo, como explicarei mais à frente. Comentários parecidos podem ser feitos em relação a outros dispositivos do projeto, tais como a criação de comitês e diretorias. Trata-se de características cuja flexibilidade de adaptação a cada empresa estatal é muito importante. Reitero que podemos estar criando vários órgãos para inglês ver - vários cargos, mais burocracia e pouca eficácia. O mesmo pode-se dizer das políticas obrigatórias. Faço aqui uma referência à Petrobras. Ela tinha todas as políticas que se pode imaginar, umas boas, outras ruins. Todas cumpridas, na forma, muitas vezes, e, nos momentos críticos, não na essência. Determinar a criação de políticas, portanto, não vai resolver o problema, principalmente se for feito por lei. Por último, entendo que conferir à Comissão de Valores Mobiliários a competência para supervisionar empresas estatais de capital fechado seja um erro. Em que pese a qualidade da autarquia, não é essa a sua especialidade. Não foi criada para isso. Dar a ela mais esse fardo, além de gerar mais uma camada no emaranhado regulatório que atua sobre as estatais - e voltarei a esse ponto -, traz o risco de dificultar a hercúlea missão para a qual a CVM já está recrutada, notadamente em vista dos seus limitados e contingenciados recursos físicos e financeiros. Em que pese os comentários aqui colocados, friso que boa parte das ideias lançadas no projeto são boas. Questiono, contudo, a conveniência de que sejam contempladas em lei e não em outros dispositivos, como veremos à frente. Com relação ao projeto de lei dos Presidentes da Câmara e do Senado, da mesma forma que o projeto anterior, contêm inovações auspiciosas e outras mais questionáveis. Dentre as boas novidades, destaco a definição clara das finalidades para as quais as empresas estatais são constituídas e a determinação de delimitar claramente qual é, afinal, o tal interesse público que levou à criação da estatal, para efeito do art. 238. Da mesma maneira, a quantificação dos custos de se buscar o tal interesse público, embora a redação possa ser aprimorada, é muito positiva. Igualmente merece aplausos e esforços para retirar dos acionistas minoritários, quando houver, o custo de tais políticas. Em contraponto, pode-se afirmar que tal dispositivo seria desnecessário. A própria existência do 238 pressupõe que tal definição seja feita, o que, infelizmente, não ocorreu em muitos casos. Temos, portanto, mais do que uma falha legislativa, uma desobediência da lei. E se a lei existente for cumprida, o novo dispositivo se torna desnecessário. Da mesma forma, a preponderância da responsabilidade dos administradores para resguardar os interesses dos acionistas minoritários foi recentemente confirmada nas indecisões da CVM nos casos da Eletrobras e Emae. Embora recentes, tais decisões apontam para o caminho correto, sob a égide da legislação já existente. Cabe, portanto, aos senhores legisladores ponderar se é mais recomendável criar mais um mandato legal ou tornar eficaz aquele que já existe. Feita a inovação, entendo que o projeto envereda pelos mesmos problemas relatados em relação ao 343. |
| R | Inclui na lei determinadas práticas que, embora positivas, não têm na lei a sua melhor residência. Comitês constituídos por mandato legal podem rapidamente se tornar letras de samba, órgãos que se reunirão para cumprir tabela e não para atingir fins específicos. Na Petrobras, vimos isso acontecer reiteradamente: todos os comitês estavam lá, mas não funcionavam. Precisamos de comitês que funcionem. O projeto também peca por repetir inúmeros dispositivos da Lei 6.404, com alterações pontuais em alguns momentos. Embora eu não seja advogado, aprendi com eles que lei boa é lei velha. Se não houver uma razão forte para mudar a lei, é melhor mantê-la, pois a jurisprudência a torna mais eficaz. No caso específico, a repetição de dispositivos legais, em alguns casos, para enfatizar a sua aplicação em empresas estatais reforça o caráter excepcional destas, o que, na minha concepção, traz mais riscos do que vantagens. Foi sábio o legislador de 1976, que colocou a empresa de economia mista nas mesmas bases que as demais empresas, inclusive no que tange à responsabilidade dos administradores, fazendo apenas uma ressalva no art. 238, que, infelizmente, como vimos, tem sido erradamente expandido muito além do que imaginariam seus autores. Mais uma vez, são trazidos os requerimentos específicos para o exercício de cargos de conselheiro, requerimentos que podem ou não ser os melhores, mas que ficariam eternizados num documento legal se aprovados. Na mesma linha que o 343, o projeto avança na proibição de autoridades na composição dos conselhos, mas no resto traz para a lei parâmetros que ficariam melhores em instrumentos infralegais. Os requerimentos para a diretoria são ainda mais restritivos. No caso de presidentes de empresa de economia mista, o requerimento de ter exercido cargo similar em outras empresas de capital aberto é, ao mesmo tempo, inócuo e altamente restritivo. Dado que temos hoje cerca de 370 empresas listadas no Brasil, reduz-se demasiadamente o universo de candidatos qualificados e, sinceramente, um ano de experiência em um cargo qualquer não parece qualificar alguém para uma nova atribuição. A condição de firmar compromisso com resultados na investidura da diretoria me parece bem-intencionada, mas teria sérios problemas na prática. Como imaginar alguém que está entrando numa posição, que antes mesmo de começar a trabalhar esteja de acordo com metas de cuja definição não participou? O dispositivo poderá afastar definitivamente os executivos mais sérios e experientes da gestão nas nossas empresas estatais, principalmente dado que o projeto determina a destituição imediata caso essas metas não sejam atingidas por dois anos. Metas claras são algo positivo para as nossas estatais, mas entendo que a forma de sua criação e administração não sejam no corpo da lei. Veremos mais à frente. O projeto também traz o conceito de sabatina, mas, ao contrário do Projeto 343, não para os conselheiros, mas para o presidente da companhia. Entendo que essa forma seja muito pior do que aquela. Ao submeter o executivo à sabatina, retira-se do conselho de administração uma de suas funções principais, qual seja, seleção, monitoramento e demissão da diretoria executiva, incluindo o presidente. Cria-se a desculpa perfeita para que o conselho exima-se de responsabilidade, sobretudo, afinal o executivo chefe foi aprovado pelo Senado. O remédio para as nossas estatais não é a negação da função do conselho. É o oposto, é a sua valorização. E enfim chegamos ao Projeto 167, em minha opinião o mais amplo e ambicioso dos três, assim como aparentemente o mais avançado no processo legislativo. Diferentemente dos dois projetos anteriores, ele pode ser dividido em duas partes: uma referente às questões de governança e outra referente às normas de licitação. Eu me absterei de maiores comentários sobre essa segunda parte, que é o Título IV, por não ser a minha área de especialidade. Numa leitura superficial, temo, contudo, em relação a um nível de detalhamento muito grande, que pode vir tanto a onerar excessivamente as empresas estatais, como, eventualmente, gerar brechas que possam ser aproveitadas por agentes mal-intencionados. Em minha limitada experiência, posso dizer, por exemplo, que um dos modos de contratação previsto por quantidades definidas me parece ter sido usado para fins escusos no passado. Subdimensiona-se a quantidade de insumo, fixa-se o preço e depois os aditivos são quase que automáticos. É necessário muita atenção e definitivamente não sou a melhor pessoa para colaborar nessa parte. Nos títulos anteriores, que tratam, fundamentalmente, da governança, meus comentários são parecidos com a análise dos demais projetos. O projeto vai muito bem na tentativa de tornar mais claros não apenas os interesses públicos e os fundamentos de segurança nacional que levaram à criação da empresa, mas também a explicitação dos custos de tais interesses e seu ressarcimento previsto e segregado das demais atividades. Pode-se questionar se isso já não seria consequência do regramento vigente, mas na prática não é feito. Vale a mesma reflexão pontuada anteriormente. Também avança na proibição de autoridades na posição de administradores, o que é altamente elogiado, como já mencionei. E inova em relação aos demais, ao determinar que as empresas de economia mista tenham o seu capital composto exclusivamente por ações ordinárias. Trata-se de medida altamente salutar que visa a reduzir o desalinhamento de interesses entre tomadores de decisão e aqueles que recebem seus impactos. |
| R | A experiência demonstra que estruturas alavancadas de controle que utilizam ações que têm direito a voto, votos múltiplos ou estruturas encontram-se no cerne de quase todos os problemas de governança no mundo. São ferramentas de desalinhamento de interesse e podem ser igualmente perniciosas nas empresas sob controle estatal. Fica a sugestão para considerar também a proibição de estruturas piramidais, como, por exemplo, holdings. Por outro lado, da mesma maneira que os demais e com a mesma intenção positiva, o projeto prescreve práticas de governança consagradas como positivas do regramento da Comissão de Valores Mobiliários e nos segmentos especiais de negociação da BM&FBovespa. Faço aqui a mesma ressalva. Talvez a lei não seja a melhor residência para tais prescrições. Elas são válidas hoje, mas são mutantes no tempo, evoluem, para isso se prestam aos níveis infralegais que regem nossas companhias. Especificamente, entendo que o projeto adentre riscos de referências a práticas infralegais, tais como os formulários de referência da CVM, que podem ou não existir no futuro. O projeto também repete o conceito do PL nº 343, que determina a sabatina dos membros do conselho de administração. Reitero meus comentários: o sistema não é bom, embora menos ruim... O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE. Fora do microfone.) - Dos conselheiros... O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - Dos conselheiros. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE. Fora do microfone.) - ...do Governo. O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - Indicados pelo Governo. Perfeitamente. Perfeitamente. O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (SD - BA. Fora do microfone.) - O senhor entende que não é uma coisa válida? O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - A sabatina dos membros do conselho eu entendo que não é o melhor caminho. E eu pretendo brevemente colocar o que seria uma ideia para atingir o mesmo objetivo. (Intervenção fora do microfone.) O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - Claro. Claro. Um são os conselheiros de uma maneira geral, outro é o diretor presidente e aqui os conselheiros indicados pelo Governo. Eu acho que deve haver um filtro, mas ele deve acontecer de outra maneira, como eu pretendo explicar. Ressalto, contudo, mais uma grande inovação no projeto, que é o disposto no art. 20, §2º, que facilita o acesso de cidadãos à ação de responsabilidade contra administradores de empresas estatais. É uma excelente ideia, uma novidade que deve ser analisada em relação ao risco de que a redação, como se encontra, possa vir a ser um incentivo para a litigância de má-fé, um fator a espantar dos cargos de administradores os nossos mais competentes executivos. Aqui eu acho que é importante uma reflexão. Qual seria o caminho então? Imagino que tenha ficado claro, ao longo dessa discussão, a minha visão geral sobre os projetos em tela. Estamos falando de proposições, em sua esmagadora maioria, positivas. Se nossas empresas estatais adquirirem essas características, serão melhores do que hoje. Há exceções, claro, como as questões relativas a sabatinas e desincentivo para capturar os melhores executivos, mas, no geral, são ideias muito boas. O cerne da minha crítica encontra-se na conveniência de estabelecer os padrões em lei. Não creio que necessariamente seja o melhor caminho. E há alternativas. Quais seriam elas? Entendo que a reformulação das nossas empresas estatais deve começar não por prescrições quanto a elas diretamente, mas sim sobre as suas estruturas de contorno. Estou falando basicamente da função de propriedade e de controle, elementos fundamentais num sistema de governança corporativa. Quem é hoje o controlador da Petrobras? Pode-se dizer que a empresa está vinculada ao Ministério de Minas e Energia; tem, no Ministério da Fazenda, outro vínculo importante, já que seu titular ocupou a Presidência do Conselho por tanto tempo; submete-se formalmente ao Dest, que é vinculado ao Ministério do Planejamento. Mas podemos dizer que o Dest representa o controlador da Petrobras? Não. Quem exerce os votos nas assembleias é o representante da Procuradoria-Geral da Fazenda, mas é ele quem escolhe os conselheiros? Não é. Quem é? Ninguém sabe. Na prática, quem manda na empresa é o ou a Presidente da República. Para piorar, nem mesmo as ações da Petrobras estão no mesmo lugar. Agora estão espalhadas entre Tesouro, Fundo Soberano, BNDES, Caixa, numa certa confusão. Essa estrutura de propriedade é um prato feito para que a responsabilidade se esvaia ao longo da estrutura. Estamos falando de um ponto fundamental da governança, um termo sem tradução exata no português, accountability. Não é por outra razão que a pedra fundamental da reestruturação de empresas estatais no mundo é a criação de um órgão centralizado que personifique a função de controle, que personifique o acionista controlador. Muitos países têm histórias de sucesso com esse modelo. Eu chamaria a atenção para o caso de Cingapura, com a Temasek, mas existem inúmeros outros. De fato, a concentração da atividade de propriedade numa agência estatal específica é uma das principais recomendações das diretrizes de governança corporativa para empresas estatais da OCDE. Trata-se de documento de 2005, que se encontra sob revisão. O texto revisto pode até ser publicado hoje. Eu tenho uma cópia do documento, que deixarei nas mãos do nobre Relator, incluindo a referência e o link na internet, nas notas, a minha intervenção de hoje. As diretrizes da OCDE são base para um trabalho de uma década, para o aprimoramento das empresas estatais no mundo. |
| R | De maneira interessante, sempre que um país é candidato a ingressar na OCDE, é feito um diagnóstico do nível de aderência do país às recomendações, inclusive em relação à governança de empresas estatais. Isso aconteceu recentemente com o Chile, com a Colômbia, está acontecendo com o Peru. E eu vou deixar com o Sr. Relator e o Sr. Presidente referências dos processos de análise feitos pela OCDE com relação a esses países. Ou seja, são critérios necessários para que o país seja admitido na OCDE, que haja, entre outras coisas, um órgão centralizador da função da propriedade estatal. Em síntese, o processo de ascensão à OCDE envolve requerimentos muito claros sobre o aprimoramento de práticas relativas a estatais. Em vez de recomendar que práticas A ou B sejam colocadas em lei, a OCDE foca nos processos, sobretudo nos processos de propriedade, controle e transparência das estatais. A publicação Currency for Development, publicada pela OCDE em abril deste ano, resume bem o que eu aqui coloco. E vou deixar uma cópia com os Srs. Deputados e os Srs. Senadores. A minha principal recomendação aqui hoje, portanto, é que Executivo e Legislativo unam forças e submetam-se ao processo da OCDE aplicável a países candidatos a membros - mesmo que o Brasil hoje não seja candidato - no que tange à governança corporativa das empresas estatais. Antes de vir a esta audiência, eu tomei a liberdade de contactar o Sr. Daniel Blume, que tem liderado, em nome da OCDE, a discussão sobre esse assunto na América Latina. Ele se prontificou a auxiliar o Congresso Nacional nesse processo. Obviamente, o Dest, que tem se envolvido nessas discussões, tem muito a agregar - já estou terminando, Sr. Presidente - e entendo que ele seria o embrião de tal órgão centralizador da propriedade estatal. Hoje, contudo, não exerce essa função porque não lhe foi delegada integralmente. Caso o Dest seja de fato esse embrião, é importante levar a uma mudança cultural no conceito de governança hoje existente no órgão. Talvez, por conta de um mandato parcial, o Dest me parece excessivamente focado no controle, e não na delegação aos órgãos de governança e no seu respectivo monitoramento. Deixei isso claro no meu discurso, no terceiro encontro da mesa redonda da América Latina de empresas estatais, em Buenos Aires, em 2014, que deixo nas mãos do Relator e do Presidente e cujas referências também ficam aqui registradas. Meu sonho, portanto, seria que tivéssemos um dia uma agência nacional de empresas estatais. Essa agência, sim, estaria sob controle direto do Legislativo, como estão as demais agências hoje em dia, embora o controle possa melhorar. Talvez essa agência merecesse controle ainda maior e mais detalhado. Essa agência centralizaria a propriedade de todas as empresas estatais. Teria missões importantíssimas, tais como: garantir que a sua criação atenda os princípios legais; garantir que os interesses sociais que levaram a sua criação estejam claramente definidos, monitorados, medidos e que seguem existindo; determinar, quando necessário, as formas de ressarcimento pelos custos do interesse social; determinar políticas e práticas de governanças aplicáveis às companhias, comitês, diretorias, etc.; determinar os processos para escolha dos membros do conselho de administração, incluindo as vedações a autoridades; delegar poderes para que esses conselhos, por sua vez, contratem, monitorem, premiem e punam administradores de acordo com metas preestabelecidas em verdadeiros contratos de gestão; administrem um processo de avaliações da diretoria e do conselho, sendo a própria agência avaliada pelo Congresso Nacional; exercer os direitos de voto; e, eventualmente, recomendar a alienação ou extinção de empresas que não cumpram mais seus objetivos. Os exemplos estão aí, basta copiar. Cingapura, Chile, Peru, Colômbia, Vietnã, até mesmo a China já iniciou esse processo, mas eu não pararia com a criação dessa agência. Eu vejo duas dimensões adicionais importantes para o aprimoramento da governança das estatais: as estruturas de controle e transparência. Com relação às estruturas de controle, temo que hoje vivamos uma verdadeira teia de controle, que reduz e muito a sua efetividade. É enorme o número de entidades com a qual uma empresa estatal deve se submeter: TCU, CGU, Dest, Secretaria de Orçamento, AGU; além dos reguladores setoriais: ANP, Aneel, Bacen; de mercado: CVM, BM&FBovespa. Vivi uma situação em estatal na qual questionei um órgão interno de controle sobre uma determinada investigação e ouvi como resposta: "nós não vamos fazer isso porque o TCU já está olhando". Isso me parece criar aquela situação futebolística do "deixa que eu deixo". É preciso, portanto, reorganizar as estruturas de controle que imperam sobre as estatais. Não criar uma nova, mas reestruturar o que já existe, evitando duplicidade, retrabalhos e área cinzenta. Com relação à transparência, ela continua sendo o melhor detergente. E isso é ainda mais verdadeiro nas empresas estatais. |
| R | No conselhos estatais dos meus sonhos, empoderados e cobrados pela agência, os princípios da Lei de Acesso à Informação devem prevalecer. A regra é a publicidade, o sigilo é a exceção. Pela minha experiência, 60% a 80% do trabalho de um conselho de administração pode perfeitamente ser público. Não é, talvez, porque conselheiros queiram preservar alguma aura de mistério sobre as suas atribuições supostamente superiores. Isso tem que acabar. Não teremos uma sociedade transparente se seus órgãos máximos permanecerem opacos como hoje. Friso que sou contrário a um projeto recentemente apresentado no Senado que prevê a gravação e manutenção da gravação das reuniões do conselho. Isso não funciona. Isso inibe a real discussão por parte dos seus integrantes. Na realidade, eu acredito que a política que a Petrobras tinha de gravar as reuniões para elaboração das atas com posterior destruição do áudio seja a melhor política. Isso dá liberdade para que os conselheiros façam um debate real e que a ata reflita detalhadamente as discussões que aconteceram. Mas a transparência através de atas completas e tempestivas é uma peça fundamental para termos Conselhos que funcionem. Esse, sim, deve ser o nosso objetivo final. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Muito obrigado, Dr. Mauro Cunha, uma explanação bastante objetiva, bastante contundente, que vem ao encontro daquilo que nós desejamos extrair dessas palestras e, com certeza, bastante rica para o nosso Relator. Passarei a palavra, agora, ao Dr. Sérgio Campinho, advogado da Confederação Nacional da Indústria. O SR. SÉRGIO MURILO CAMPINHO - Muito obrigado, Sr. Presidente. Boa tarde, muito obrigado pelo convite. Saúdo, cumprimento o Sr. Presidente, Senador Tasso Jereissati, o Relator, Deputado Arthur Oliveira Maia, demais integrantes da mesa. A minha participação ficou, agora, bastante simples, ficou bastante enxuta diante da profícua e exaustiva exposição do Sr. Mauro Cunha, com a qual eu concordo em grande parte. Portanto, fiz aqui uma mudança de rumo para tornar mais objetiva a minha exposição, a minha participação, evitando repetições desnecessárias, mas trazendo um contraponto de discordância ao final, porque eu acho que isso é interessante para o debate. Concordo com a ideia de que não há necessidade de profunda alteração legislativa para se buscar o ideal de uma boa governança, de boas práticas de governança corporativa nas estatais, até porque as companhias abertas, as companhias de mercado desfrutam dos mesmos instrumentos e, em diversas dessas companhias, funcionam muito bem, esses instrumentos atingem a finalidade. Creio, sim, que exista a necessidade de modernizar, de alterar pontualmente alguns tópicos da legislação, justamente para trazer uma visão mais contemporânea, mais atual e até crítica, porque, muitas vezes, aquele texto poderia, sob o ponto de vista dogmático, ser adequado, mas, ao longo do tempo, ele pode não ter servido com a proficiência necessária ao fim colimado. Esse é um ponto, e é o ponto do 238, que eu vou deixar para me ocupar no final. A Lei nº 6.404, de 1976, introduziu um novo sistema de gestão, de fiscalização da gestão no Direito brasileiro, porque, na legislação anterior à de 1976, nós tínhamos o sistema monista, em que só havia diretoria e assembleia-geral. A assembleia-geral era o órgão de fiscalização direto da diretoria, tendo como adjuvante o conselho fiscal. Pela Lei das S.A., de 1976, criou-se a convivência entre o sistema monista e o dualista. O dualista se dá, justamente, quando, na estrutura organizacional, se insere o conselho de administração. Portanto, o conselho de administração exerce uma fiscalização, um controle direto sobre a diretoria, tanto que os membros da diretoria são nomeados e destituídos pelo conselho de administração, e a assembleia-geral, diretamente sobre o conselho, nomeando, destituindo os seus membros. |
| R | Mas, afinal, a própria assembleia exerce, também, um controle de fiscalização dos atos de diretoria, porque, afinal de contas, vai ser a assembleia quem vai ou não aprovar as contas. Vai se a assembleia quem vai ou não aprovar a eventual propositura de ação de responsabilidade civil contra os administradores. Então, esse é um sistema mais complexo, mas que a legislação entendeu necessário, por exemplo, para as sociedades de capital aberto, que têm que ter necessariamente conselho de administração, adotando o sistema dualista, e para as sociedades de economia mista, além das sociedades que têm capital autorizado, aí podem ser fechada ou aberta. Então, essa é uma realidade já presente no nosso texto legal, o sistema dualista em sede de companhia mista. E acho profícuo. Acho esse sistema adequado. A grande questão está justamente no como preencher as vagas no conselho de administração e na diretoria, porque o que se tem na empresa puramente privada é um preenchimento meritório, por excelência, por expertise. E o que a gente infelizmente vê ao longo dos anos nas companhias estatais é que muitas vezes a escolha política se sobrepõe à escolha de mérito. Então, esse é um problema endêmico e, sem dúvida, de que não há lei capaz de modificar. É uma questão de cultura, é uma questão de política, de senso político, de senso filosófico. Ou seja, migrar para se tentar o ideal de os membros do conselho de administração e da diretoria serem totalmente independentes, afastando aí qualquer margem de escolha política, sendo esses órgãos, portanto, compostos exclusivamente por profissionais de mercado, com expertise necessária ao desempenho da função e, concordo, com diversificação. A pluralidade, principalmente, no âmbito do conselho de administração é fundamental. E o mesmo se diz em relação ao conselho fiscal, que é um órgão adjuvante da assembleia geral nessa função fiscalizadora, estando no dia a dia da vida da companhia. É também necessário que esse órgão fiscalizador goze de total independência, sendo integrado por representantes dos minoritários, como a própria Lei das S.A já preconiza por representante de trabalhadores, dos empregados da companhia, mas fundamentalmente aqueles eleitos pelo voto do controlador que tenham capacidade técnica e uma desvinculação política para poder exercer essa atividade. Não vou entrar em análise de projetos específicos, mas vi, alguns deles, propondo conselho fiscal com nove membros. Eu acho que não é o tamanho do conselho que vai determinar essa eficiência, e sim a forma de sua composição e a operação, a autonomia que realmente venha se garantir a esses conselheiros na estrutura interna da própria companhia, no próprio estatuto da companhia estatal. Lembro que uma das grandes inovações da 10.303 fortalecendo muito o órgão fiscal é que, antes da 10.303, de 2003, de 2001, digo, os membros do conselho atuavam em conjunto. Agora, não. Agora, qualquer membro do conselho fiscal tem autonomia para atuar isoladamente, denunciando, requisitando diligências, dentre outras providências. Então, esse é um avanço que já está na legislação, basta apenas operacioná-lo. Concordo que, dentro da boa prática de governança, as ações têm que ser todas ordinárias, todas com igualdade de direito, todas fundamentalmente com direito de voto. Isso é fundamental! Até na classificação da Bovespa, para você ter um nível pleno de governança, todas as ações têm que ser ordinárias e dar voto. Mas um ponto sobre o qual vou divergir fundamentalmente diz respeito ao art. 238. Eu sou um dos que comungo a ideia da necessidade da revisão do texto legislativo. |
| R | Compreendo, dentro do purismo dogmático, que ele não está dando um cheque para desviar a companhia de economia mista de um dos seus fins, que é o da responsabilidade de gerar receita, de gerar resultados para serem partilhados entre os acionistas sob a forma de dividendos. Mas, em função dessa parte final do preceito, que autoriza o controlador a orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público, que justificou a sua criação, isso pode degenerar como, ao longo do tempo, vem muitas vezes degenerando em abusos. Não tenho dúvida de que a melhor interpretação seria aquela: uma sociedade de economia mista, por exemplo, da parte de esgotos, de distribuição de águas, pode justificar uma redução do seu resultado para atingir uma determinada região carente que está necessitando daquele produto vital que é a água. Então, justificaria uma redução dos próprios dividendos prometidos àqueles que entram como acionistas. Mas, apesar disso, apesar dessa relevância, eu trago aqui uma reflexão: será que essa relevância se aplica às companhias mistas abertas, aquelas que se capitalizam no mercado, aquelas que vão buscar financiamento no mercado? Eu creio que há, efetivamente, uma incompatibilidade, porque nós temos várias categorias de estatais. E, dentre as estatais, nós temos as companhias mistas, que também são categorizadas em abertas e fechadas. Então, eu penso que, para as companhias mistas de capital aberto, o tratamento de responsabilidade do controlador tem que ser idêntico a qualquer companhia aberta, porque o investidor, ao colocar seus recursos naquela companhia, a sua expectativa fundamental é de receber dividendos, e isso pode restar prejudicado até com uma diminuição desses dividendos, ainda que seja justificado por um fim, um interesse público, um fim público que justificou a sua criação. Eu acho que este é o grande dilema da própria companhia mista: como compatibilizar o fim público que justificou um interesse público que justificou a sua criação e o seu dever maior de distribuir os seus dividendos aos acionistas. Então, eu tenho como sugestão imediata uma alteração do 238 na seguinte linha: a pessoa jurídica que controla companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador. Mas, salvo nos casos de companhia aberta de economia mista, poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação. Ou seja, isso só poderia ser possível na sociedade de economia mista que não for de capital aberto. Podemos até aprofundar essa discussão, porque, como se sabe, a companhia aberta não é apenas aquela que tem registro de distribuição de ações no mercado. Ela pode não negociar ações no mercado, mas negociar outros valores mobiliários, como de debêntures. Então, podemos até criar uma linha mais restritiva. As companhias mistas abertas que não negociam em ações no mercado poderiam estar dentro desse conceito atual do 238, e apenas retirar essa possibilidade de subjugar o ganho, o resultado para o cumprimento de um interesse público, que teria justificado a sua criação, apenas naquelas que são abertas por negociarem ações no mercado. Enfim, eu acho que é um tema a ser realmente visto, revisto, revisitado, e isso é fundamental no meu modo de ver para um crescimento, uma estabilização, uma segurança jurídica do investidor no Brasil, um crescimento, obviamente, do mercado de capitais. Esse tratamento entre companhia mista de capital aberto e companhia mista de capital fechado deve, no meu modo de ver, ser diferenciado. Enfim, essas são as colocações, as reflexões que eu gostaria de compartilhar aqui na mesa. Muito obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Muito obrigado, Dr. Sérgio Campinho, muito interessante, colocações bastante objetivas e que devem ser pensadas aqui com a importância que elas têm. Agradeço mais uma vez sua colaboração. Passo a palavra ao Sr. Mateus Bandeira, Diretor Executivo da Fundação Falconi, que é uma fundação conhecida de todos vocês como uma das consultorias qualificadas e reputadas internacionalmente do País neste momento, em termos de consultoria administrativa, consultoria de negócios, consultoria de gestão e de estratégias. O SR. MATEUS BANDEIRA - Obrigado, Senador Tasso; obrigado Deputado Arthur Maia, obrigado pelo convite, saúdo os companheiros de mesa. Uma pequena correção, a Falconi não é mais uma fundação, há quase 15 anos ela é uma empresa regida pela Lei das S.A, que tem também conselho de administração. Aliás, a gente se orgulha de ter talvez um dos melhores conselhos de administração do Brasil, que conta, na sua composição, não apenas com nosso sócio-fundador, que é o Prof. Vicente Falconi, como também com quatro membros externos à Falconi, que são representantes dos nossos clientes. Então, são quatro dos empresários mais bem sucedidos do País: Carlos Alberto Sicupira, Marcel Telles, que são dois sócios da 3G; Pedro Moreira Sales e Edson Bueno, fundador da Amil. Aliás, o exercício nosso na gestão da companhia com esse conselho de administração em sido uma experiência de valor didático intangível. Eu acredito que o convite me foi feito muito menos pela experiência da Falconi como consultoria de gestão - e agradeço as palavras -, a Falconi é hoje a maior consultoria brasileira de gestão e talvez a maior consultoria do Brasil, se não da América Latina, temos mais de mil consultores trabalhando com os mais variados problemas de gestão, inclusive problemas de governança. Mas na minha experiência pessoal tive oportunidade de trabalhar durante muito tempo no setor público, durante mais de 15 anos, uma experiência aqui pelo Senado, Ministério da Fazenda, uma experiência no governo estadual do Rio Grande do Sul, onde fui secretário de Estado, fui presidente de estatal, presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, que é a maior estatal do Estado do Rio Grande do Sul, fui membro do seu conselho durante alguns anos, fui vice-presidente do conselho e, como secretário de planejamento e gestão, fui presidente de uma comissão que criamos no governo de Estado, chamada comissão de governança das estatais, justamente com o intuito de primorar os mecanismos de controle e de governança das companhias estatais, que foi uma experiência muito frutífera, que contou com a participação de diversos membros da sociedade civil. Como presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Senador, precisei passar por sabatina na Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa do Estado e por aprovação em decreto legislativo no plenário da Assembleia Legislativa, requisitos que foram estabelecidos em 1997, depois da reestruturação do Banco do Estado, que aconteceu num momento de reestruturação de todos os bancos estaduais naquela época, logo na sequência da renegociação da dívida dos Estados conduzida pelo Governo Federal, que impôs esse requisito justamente como forma de obrigar o Poder Público a fazer com que os indicados, através do conselho de administração, passassem pelo escrutínio da Assembleia Legislativa. Se há alguém numa sociedade democrática com o papel de sabatinar ou de verificar se os indicados para presidir companhias estatais - sejam elas da União, dos Estados ou dos Municípios -, esse alguém são os Parlamentos estaduais e o Congresso Nacional. De forma que eu vejo essa medida, como uma série de outras apresentadas neste projeto de lei, vou me deter apenas no projeto de lei aqui em exame por esta Comissão, como muito positivas. Portanto, quero iniciar saudando a iniciativa dos presidentes das duas Casas. Acho que este é um momento ímpar que a gente vive para propugnar a melhoria da transparência e da governança das companhias estatais. Há uma série de pontos que eu considero essenciais neste projeto que vou passar muito rapidamente depois, vou fazer uma manifestação muito sucinta. Eu queria começar, Senador, falando, muito na linha do que o colega que me antecedeu, Mauro Cunha, disse, a respeito da condução que existe nos conceitos de Estado, Governo e Administração, a forma como eu vejo isso. |
| R | Na verdade, em boa medida, os problemas das empresas estatais combinam problemas de cultura empresarial, problemas de governança, mas também problemas da Administração Pública brasileira. A cultura empresarial brasileira compreende uma empresa necessariamente vinculada a um dono, a um proprietário, a um acionista controlador, seja no mercado privado, seja com relação à sociedade de economia mista, e existe a ideia de que o interesse do controlador tem sempre supremacia sobre os demais interesses envolvidos, o que é um equívoco. Falta no Brasil uma cultura empresarial que se forme a partir de um mercado, que tenha maior pulverização na participação acionária de grandes companhias. Há no Brasil poucos exemplos das chamadas full corporations, companhias que têm controle pulverizado e que têm exemplos de sucesso do ponto de vista de governança em mercados mais desenvolvidos. Eu acho que isso reforça essa ideia de supremacia do acionista controlador. E existe essa confusão permanente entre Estado, Governo e Administração. Como o Mauro falou, quem manda na companhia estatal? Quem indica os seus conselheiros? Para mim, isso é muito claro. E eu acho que uma lei específica que traga regramentos para as companhias estatais... E são dois os tipos de companhias estatais. E, por isso, eu acho válido também o projeto de lei, porque, além das sociedades de economista mista, há as empresas públicas que têm uma natureza jurídica própria, que foi dada pelo Decreto-Lei nº 200, que, portanto, não se submetem ao regime da Lei nº 6.404 e que, portanto, estão fora de tudo aquilo que se propõe. Eu também sou daqueles que entendem a Lei nº 6.404 como um patrimônio da legislação societária que deve ser preservado, que não deve ser modificado. Sou contrário à proposta de alteração, inclusive do art. 238 - vou chegar lá e explicar por quê. E acho que as companhias estatais, pela relevância que têm no País, pela relevância que têm do ponto de vista do investimento público, merecem um regramento específico complementar à Lei nº 6.404. Quando eu disse que, para mim, é muito claro essa distinção entre Governo e União, acionista controlador, eu faço a seguinte analogia, Senador: se o Brasil fosse uma empresa, a Presidência da República e seus ministros seriam a diretoria dessa empresa; e o Congresso Nacional seria o seu conselho de administração, que tem o dever de fixar as diretrizes para o Governo, de aprovar os seus planos de negócios, as leis orçamentárias, a LDO, a lei orçamentária anual, o PPA, e que tem à sua disposição o seu comitê de auditoria, que é o Tribunal de Contas da União. O Congresso Nacional, conselho de administração do País, é escolhido pelos seus acionistas, o povo. O conselho de administração de uma empresa estatal, assim como o de uma empresa privada, deve reunir representantes do acionista, e o acionista, no caso de uma empresa federal, é a União, não é o Governo. O Governo tem um mandato temporário para representar o acionista controlador. Portanto, o Governo tem a prerrogativa de indicar membros para o conselho de administração. Eu concordo com o Mauro que existe uma grande confusão. Ninguém sabe como é feita a escolha desses membros, não existem requisitos, não existe uma forma organizada para a indicação dos representantes do acionista controlador, União, nos conselhos de administração. Mas quem gere a companhia é a diretoria, e a diretoria deve ser escolhida pelo conselho de administração, de forma independente. Esse conselho deve ter uma composição proporcional à participação no capital, entre acionista controlador, acionista minoritário, e deve haver membros independentes, o que é uma boa prática de governança também, inclusive, proposta nas recomendações da OCDE, bem como no documento de boas práticas do IBGC. Vejo, inclusive, aquilo que o projeto de lei propõe do ponto de vista de sabatina não interfere na escolha do conselho de administração de seus... Eu não li os demais projetos, mas, nesse projeto especificamente, se não estou enganado, ele submete apenas o presidente da companhia estatal à sabatina do Senado. Eu não vejo que isso interfira na supremacia do conselho de administração, na prerrogativa do conselho de administração de escolher a diretoria da companhia e de indicar. Acho saudável que o presidente de uma companhia estatal, especialmente companhias da relevância de Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras, passe por um escrutínio público no Senado, no Congresso Nacional, para provar que cumpre os requisitos mínimos e a qualificação técnica necessária para presidir uma companhia do porte dessas companhias. |
| R | Eu queria fazer essa introdução e saudar, dentre esses aspectos do projeto, tanto esta iniciativa que propõe uma maior participação do Congresso Nacional, via sabatina no Senado dos presidentes das estatais, como, num outro momento, eu vou chegar lá, uma definição muito clara do papel do conselho, do papel da diretoria nas sociedades de economia mista, estendendo parte dessas proposições para a empresa pública, que hoje não é alcançada pela 6.404. Dos pontos principais deste projeto de lei, eu queria salientar, em primeiro lugar, a exigência de maior transparência e estabilidade dos fins que vinculam a atuação dos administradores. Ou seja, isso tudo dialoga com a confusão que existe ou a abertura, a interpretação que foi dada pelo art. 238 da 6.404. Se, por um lado, o art. 238 permite que a companhia estatal persiga outros objetivos que não exclusivamente o lucro, se não fosse assim, qual seria o papel de uma companhia estatal se ela estivesse desempenhando uma atividade econômica apenas e exclusivamente para perseguir o lucro? Então, talvez não devesse existir; não deveria ser estatal, e sim privada. Então, eu acho que o art. 238 é importante, porque ele abre essa janela, ele dá essa flexibilidade. No entanto, o que falta e o que causa a confusão é a falta de clareza sobre quais são os propósitos. O interesse público que motivou a sua criação está lá na lei que criou a Petrobras, que criou a Eletrobras, que criou todas as companhias estatais. Mas não em todos os casos isso está claro em seu estatuto. A iniciativa do projeto de lei, que propõe que isso esteja claro no estatuto, permite que o acionista minoritário tome sua decisão de participar ou não do capital dessa companhia, em especial ou em particular, no caso da sociedade de economia mista - mas não invalida que a empresa pública também tenha isso de forma clara e objetiva -, mas em especial na sociedade de economia mista, que tem acesso à poupança pública. E isso é fundamental. Se o interesse público e se o objetivo, vamos supor aqui, vou dar um exemplo, que não é o caso, mas se o objetivo da Petrobras fosse também utilizá-la como instrumento de controle inflacionário, e isso estivesse claro no seu estatuto, ninguém poderia reclamar. Mas não está, não faz parte do seu objeto, portanto não pode ser utilizado como argumento de que a companhia está perseguindo a sua função social, porque não é verdade. Então, essa proposta do projeto de lei resolve o problema do art. 238 da 6.404 e, portanto, é importante, sim. Essa, assim como outras iniciativas são importantes, e não constam lá. E aí está a minha primeira divergência do colega Mauro Cunha, de que a gente pode resolver esse problema sem lei. Se, com lei, a gente não consegue resolver, sem lei eu acho que é muito mais difícil. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é a exigência de requisitos mínimos de qualificação dos membros do conselho de administração e da diretoria. Eu não sei se os requisitos são exatamente esses que constam da lei, talvez o texto possa ser aprimorado, mas é óbvio, na minha opinião, é razoável que se proponham requisitos mínimos por duas razões: primeiro, para garantir que as pessoas que assumem posição de administrador de uma companhia, principalmente dessas companhias mais relevantes, tenham qualificação necessária; segundo, para evitar que os critérios sejam exclusivamente políticos na escolha tanto dos administradores quanto dos membros do conselho de administração, que estão lá para representar o acionista - representar o acionista, no caso, os membros indicados pelo Governo, o acionista controlador. E eu vou fazer a ligação desse ponto com a proposta aqui de vedação da participação de agentes políticos no conselho de administração, o que, para mim também, é muito claro, é muito positivo, porque, também como disse o Mauro, existe um conflito de origem quando um agente político, especialmente um ministro ou um secretário executivo participa como membro de um conselho. Como membro de um conselho - e aí não importa se indicado pelo acionista controlador ou indicado pelos minoritários ou independentes -, o conselheiro deve votar de acordo com o interesse da companhia, de acordo com o interesse de todos os acionistas. Ele tem um dever fiduciário com todos, não apenas com aquele que o indicou. |
| R | E um Ministro de Estado é assessor do Presidente da República, é um auxiliar do Presidente da República, direto. Ele nunca vai votar em favor do interesse da companhia se esse interesse contrariar o interesse do Governo. Então, ele tem um conflito pela natureza do cargo que exerce. É óbvio que poderíamos ter Ministros com uma formação extraordinária, que poderiam ser excelentes quadros como membros de Conselho, mas, enquanto exercem a função de Ministro ou de Secretário Executivo, não seria a melhor prática e acho que essa vedação é extremamente oportuna. A previsão que o projeto propõe de obrigatoriedade de que o conselho de administração seja integrado por representantes - e não sei se os requisitos estabelecidos na Lei nº 6.404, de 1976, já cumprem isso de forma clara -, equilibradamente, do acionista controlador, do minoritário, na proporção da sua participação no capital, e de independentes também acho louvável, bem como a previsão de que o conselho seja formado por pessoas que reúnam as competências relacionadas com aspectos-chave do negócio da companhia. Então, não existe, no projeto de lei, pelo que vi, limitação, mas, sim, orientação no sentido de abrangência do conselho e de que o conselho reúna as competências importantes para execução do negócio da companhia. É óbvio que o Conselho da Petrobras deve ser formado por pessoas que conhecem o negócio de óleo e gás, que conhecem o negócio de distribuição, que conhecem logística, que conhecem finanças, que conhecem tudo aquilo que é chave para o exercício do negócio da companhia. Acho que isso é uma coisa muito básica. Outro ponto positivo que acho essencial e que esse projeto também traz é a obrigatoriedade das sociedades de economia mista, e isso aqui, acho, não é estendido para as empresas públicas, de instituição dos comitês de auditorias, comitês de riscos e remuneração, pelo menos esses, como órgãos obrigatórios e vinculados ao conselho de administração. Na minha opinião, deveriam ser presididos por um membro do conselho de administração, no caso do comitê de auditoria, especificamente, por um membro ou independente ou que represente os minoritários. Com todas as previsões que o projeto traz, acho outra providência essencial. Outro aspecto relevante diz respeito à exigência da apresentação de um plano de negócios. Não sei se o plano de negócios deve existir previamente ao termo de posse da diretoria ou se é apresentado pela diretoria, mas a existência de um plano de negócios que oriente a companhia é fundamental. Qualquer companhia privada tem um plano de negócios. É a forma e o instrumento que o conselho de administração tem para medir, para monitorar, para avaliar o desempenho da diretoria na condução dos negócios da empresa. Se não houver um plano de negócios, se não medirmos, como gerenciar? Aquilo que não se mede não se gerencia. Acho que é uma providência muito importante, bem como, e nesse ponto entra também o outro ponto que é a participação do Congresso Nacional, a apresentação do resultado anual em relação às metas estabelecidas pelo plano de negócio no Congresso Nacional. Acho que isso é uma forma de aumentar ou de reforçar o controle social da companhia que recebe patrimônio público, que recebe no seu capital investimento do Poder Público. Acho também uma providência muito positiva. A ideia de submissão da sociedade de economia mista em empresas públicas ao prévio procedimento licitatório, isso já existe na Lei nº 6.404, de 1976, uma previsão para que as sociedades de economia mista possam aprovar regulamentos próprios. O projeto, aqui, propõe que esses regulamentos sejam aprovados previamente pela Controladoria-Geral da União, que acho também uma providência interessante, e a revisão periódica desse regulamento, com uma periodicidade que pode ser definida na lei ou não. Acho também outro aspecto fundamental. Com relação ao objeto social, à finalidade a ser atingida pela empresa estatal, entendo também, Senador, que, além da transparência que o projeto propõe deveria ser prevista uma revisão periódica, porque essas finalidades são dinâmicas. Pode ser que, em um período de dez anos, aquilo que motivou a criação de uma companhia estatal não esteja mais valendo, e talvez até a sua própria existência como companhia estatal, como sociedade de economia mista. Uma revisão a cada dez anos talvez pudesse ser uma providência interessante para verificar se o interesse nacional continua sendo atendido por aquela previsão que foi estabelecida, seja na criação da companhia, na sua lei originária, seja no seu estatuto. |
| R | Eu acho que esses são os principais pontos que eu considero essenciais nesse projeto. Considero a medida extremamente positiva e acho que esta oportunidade é única para que a gente possa aprimorar a governança, o controle e a transparência das companhias estatais. Entendo que é na lei que nós devemos fixar esses requisitos. Por fim, Senador, entendo que a gente não precisa de mais uma agência, como propôs o Mauro Cunha. A gente não precisa de mais Estado; a gente não precisa de mais órgãos de controle; a gente precisa de menos Estado; a gente precisa de um Estado mais eficiente; a gente precisa de um Poder Executivo que cumpra o seu papel; que o Congresso Nacional cumpra o seu papel. No Congresso Nacional, nós temos diversas comissões que poderiam, uma delas ao menos, exercer esse papel. Quer dizer, a Comissão de Fiscalização e Controle dos orçamentos públicos é uma comissão que poderia exercer esse papel de acompanhar o desempenho das companhias estatais, o qual poderia ser feito também com uma periodicidade anual. Assim, não vejo a necessidade de criação de mais uma agência. Acho que nós já temos agências demais, governos demais. Acho que a gente deveria tentar aprimorar, com medidas simples, a transparência e o controle das companhias. E eu acho que esse projeto caminha nessa direção. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Agradeço ao Dr. Mateus Bandeira pela excelente explanação. Aliás, todas as explanações aqui hoje bastante competentes, valiosas, com divergências pontuais, mas que enriquecem a nossa discussão, o nosso debate. Eu queria, agora, abrir a discussão, primeiramente, passando a palavra ao nosso Relator; e, em seguida, ao Deputado Alfredo, se quiser fazer alguma pergunta... O SR. ALFREDO KAEFER (PSDB - PR) - Pois não. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - A prioridade é do Relator; em seguida, V. Exª. O SR. ALFREDO KAEFER (PSDB - PR) - Se me permite... O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (SD - BA) - Perfeitamente. O SR. ALFREDO KAEFER (PSDB - PR) - Como temos reunião da bancada do partido, eu terei de me retirar em seguida; porém, queria fazer um registro aqui, fazer valer a minha presença aqui. Esta é uma Comissão muito compacta, eu diria, mas cujo tema me interessa, até porque, pelo nono ano consecutivo, sou membro da Comissão de Finanças. Este tema aqui é muito caro a mim e a toda essa área de finanças, tributação, economia, desenvolvimento econômico etc. É louvável, sim, a iniciativa da Câmara e do Senado de criarem essa lei de responsabilidade das estatais, até porque, se temos de conviver com elas, vamos criar normas e regulamentos para que a sociedade, através do Congresso Nacional, tenha um acompanhamento melhor, e possa, realmente, ter algum controle sobre elas. O ideal, Senador, é que elas não precisassem existir ou que existissem em número e tamanho muito menores. Eu estou absolutamente convencido de que o capitalismo moderno não enseja mais estatais como essas tantas quanto nós temos. Nós tivemos, na própria história recente contada, que a eliminação delas, de muitas delas, pela privatização ou, como seria um melhor termo, pela desestatização eliminou diversos focos de corrupção. E a gente viu que as grandes estruturas de corrupção que envolvem a República estão nas suas estatais. Se elas não deveriam existir no capitalismo moderno, muito menos as empresas estatais de capital aberto. Isso não combina! Empresas estatais de capital aberto não combinam absolutamente com o capitalismo! Ou você tem o interesse do Estado, do seu patrono... |
| R | É o caso específico da Petrobras, por exemplo. Vimos que ela atendeu, por um longo tempo, a uma determinação do seu controlador, que era o Estado brasileiro, que era o governo, e que criou linhas de atuação totalmente contrárias ao interesse do mercado de capitais, do mercado aberto, de investidores. E assim tem sido com todas elas. Estrategicamente, o mundo já mostrou que elas não são necessárias. Quer dizer, a estrutura do Estado preconizaria, no máximo, agências reguladoras bem definidas, que cumpririam esse papel. Esse é um tema que sei que não combina com a linha de pensamento do atual Governo. Para que isso virasse realidade, teríamos que ter um ideário muito mais liberal, muito mais de mercado do que aquele que temos hoje, e não o temos. Aliás, o Governo vive hoje uma dificuldade muito grande de saber exatamente qual é o seu DNA: se ele é um governo de linha trabalhista socializante e traz dentro das suas ações várias iniciativas que são liberais, há um conflito programático com o princípio operacional e de atuação. Como é que fica? Qual é a linha? O que o Governo vai fazer? Eu penso que saudável efetivamente seria se pudéssemos fazer uma redução substancial da atividade estatizante que há hoje no País, até mesmo a própria Petrobras. Vejam que nos Estados Unidos, Europa, países árabes, qual é o sentido do controle estatal sobre o petróleo? Para quê? Ele não é necessário, muito menos uma Eletrobras ou uma empresa de Correios. Agora, por exemplo, fala-se em abertura de capital da Caixa Econômica Federal. Já temos um conflito com o Banco do Brasil, que tem ações listadas em Bolsa, mas que, ao mesmo tempo, atende ao Estado, ao Governo, dentro de sua atuação. Qual é o sentido? Como é que a Caixa Econômica, por exemplo, vai fazer para atuar em Minha Casa, Minha Vida? Vai ter que ter controles extremamente aprimorados daquilo que é vinculado ao Governo. Como é que vai remunerar a própria atividade, o trabalho, a performance e administrar o conflito disso com o mercado de ações? É impossível. Mas, enfim, se temos, como eu disse no começo, de conviver com isso e não podemos abolir, vamos criar minimamente mecanismos para que possamos ter mais rigor de transparência de atuação. Agora há pouco, em uma sessão do Congresso Nacional, eu me manifestei. E aqui também falou-se em transparência. Aprovamos, por uma emenda minha, de minha autoria, na Medida Provisória nº 661, a abertura de informações do BNDES. O Senado referendou e aprovou, mas a Presidenta vetou. Quer dizer, dificilmente vamos conseguir derrubar o veto. Ontem mesmo, um Ministro do Tribunal de Contas escreveu um artigo na Folha de S. Paulo, abordando isto: por que o BNDES fecha tanto a sua informação? E por quê? Onde está o sigilo bancário? Não queremos quebrar o sigilo bancário de um cliente ou de uma determinada operação. Queremos quebrar o sigilo do BNDES, das operações macro do BNDES. A quem ele destinou dinheiro? Como foi o dinheiro para a Venezuela, Nicarágua, Cuba, para países da África? E assim não é diferente com grande parte das nossas estatais. Em 2008, referendamos aqui algo que tem que ser rapidamente quebrado: o Congresso Nacional autorizou que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica criassem subsidiárias tantas quantas fossem necessárias e de seu interesse. Mas o Congresso Nacional não tem nenhum controle sobre isso. |
| R | O Banco do Brasil comprou um banco na Califórnia; o Banco do Brasil comprou o Banco da Patagônia, na Argentina; a Caixa Econômica comprou o Banco Panamericano, que foi motivo de grandes discussões e dúvidas geradas no mercado. Quer dizer, isso tudo é por conta de uma estatização acentuada que nós temos hoje e que, graças a Deus, grande parte nós conseguimos nos livrar no período de Fernando Henrique Cardoso, quando várias empresas foram não apenas privatizadas, mas desestatizadas e tiradas da mão... Imagina como seria hoje se nós dependêssemos de uma Telebras para ter os nossos telefones. Em época não muito remota, uma linha de telefone tinha o mesmo valor de um carro popular, por exemplo. O que seria de nós se ainda tivéssemos as siderúrgicas ainda sob controle do Estado! Quanto corrupção não teria, e assim por diante. Mas vamos em frente! Esperamos que esse PL seja produzido da melhor forma possível, e que a sociedade possa ter transparência nas nossos estatais. Já que elas existem, que as tenhamos sob melhor controle. Era isso, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Trabalharemos o melhor possível Deputado para isso, e com o apoio de todos os Parlamentares, Deputados e Senadores, que, com certeza, participarão da discussão após a apresentação do relatório do Deputado Arthur Maia. Concedo a palavra ao Deputado Arthur Maia. O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (SD - BA) - Sr. Presidente, Srs. Deputados, senhores convidados, Deputado Alfredo Kaefer, a fala de V. Exª é, sem dúvida, a gênese e a discussão originária do motivo de estarmos aqui nesta Comissão. Quinta-feira, à noite, eu viajava de Brasília para São Paulo e encontrei, no avião, o Senador José Serra e conversamos o tempo inteiro - S. Exª faz parte desta Comissão - sobre a tarefa que nós temos pela frente, que é a de elaborar esse anteprojeto da lei de responsabilidade das estatais. É uma reflexão que nos remete, inicialmente, a quais motivações que levam o Estado a intervir na economia. Essa é a pergunta primeira: a prática da intervenção do Estado na economia, que vem lá de trás, lá do New Deal, da intervenção feita a partir do crash de 1929, nos Estados Unidos, e basicamente a partir dos incríveis quatro mandatos que o Presidente Roosevelt teve à frente do governo americano. Aqui, no Brasil, essa questão da estatização é muito curiosa, porque, em um primeiro momento, na primeira metade do século passado, nós tivemos um projeto desenvolvimentista basicamente nacionalista, comandado pelo Presidente Getúlio Vargas, que esteve há bastante tempo à frente do Governo brasileiro, e que, por convicções, trabalhista que era e da noção de uma indústria absolutamente nacional, protagonizou a primeira grande intervenção do Estado na economia, trazendo para o âmbito estatal uma série de ações que, historicamente, eram típicas da iniciativa privada. A partir exatamente do começo da segunda metade, com a vitória de Juscelino Kubitschek, em 1955, nós passamos a ter uma mudança nesse paradigma. A ideia do Presidente Juscelino Kubitschek era justamente a de permitir o ingresso do capital internacional, compreendendo ele que era possível, que era necessário que houvesse a captação de recursos externos para desenvolver a nossa indústria. E ele começou isso basicamente pela indústria automobilística. |
| R | Curiosamente, Juscelino termina o seu governo em 60. Entre 60 e 64, tivemos um período muito tumultuado, de pouco crescimento econômico no Brasil. Em 1964, com a instalação da ditadura militar, que, teoricamente, seria um governo de direita do ponto de vista político, do ponto de vista econômico, temos de reconhecer que, se por um lado, houve o incentivo para que fortes conglomerados econômicos se instalassem no Brasil, através de investimentos etc.; por outro lado, o próprio governo militar foi profundamente estatizante, num verdadeiro paradoxo com a sua convicção ideológica, uma vez que, volto a dizer, teoricamente, as ações estatizantes são próprias das governanças políticas de esquerda. Então, vivenciamos isso até o final da ditadura militar, em 1985, e já vamos ter, em Fernando Henrique Cardoso, um novo modelo econômico, que foi o modelo da privatização. Isso mudou e atingiu, de maneira muito profunda, a nossa economia, modernizando o Estado brasileiro, diminuindo o tamanho do Estado brasileiro, trazendo eficiência para setores que eram fundamentais. E, aí, em relação ao que o Mateus falou há pouco sobre essa possibilidade de, a cada dez anos, revisarmos, de acordo com os objetivos a que aquela empresa se propõe realizar, se ela está atualizada... E digo isso porque, tudo bem, quando se criou a Telebras, até poderia se justificar que a Telebras existisse mesmo, pois era um segmento estratégico e não havia nenhuma empresa disposta a fazer aquele tipo de investimento, o que fez com que o Governo brasileiro arcasse com a fundação e a estruturação da Telebras... (Intervenção fora do microfone.) O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (SD - BA) - Muito obrigado, Alfredo. Mas, a partir de um determinado momento do desenvolvimento da tecnologia etc., não valia, não havia mais sentido nenhum em que o serviço de telefonia, no Brasil, continuasse estatizado. E, hoje, nós sabemos que foi absolutamente acertada a posição do governo Fernando Henrique, tão criticada por alguns, de fazer a privatização - e não só desse setor, mas de outros tantos setores no Brasil. Depois do governo Fernando Henrique, nós tivemos o atual governo petista, que já vai aí para 13 anos de administração. Num primeiro momento, o Presidente Lula, ainda que tivesse um discurso de esquerda, não teve uma ação estatizante - não teve! Se houve uma ação mais socializante de arte do governo Lula, eu apontaria, sobretudo, a ampliação da reforma agrária, aí sim. A propriedade no campo teve uma fragmentação em função dos projetos que foram levados a efeito, no Brasil, nos últimos anos, na área da reforma agrária. Mas o que nós vemos, nesses 13 anos de governo, é, em muitos casos, a continuação, ainda que mais lenta, do processo de privatização e uma leniência profunda na gestão das empresas de economia mista e nas empresas estatais, culminando nesse espantoso escândalo que atingiu a Petrobras e que abala a própria estrutura da República neste momento. Então, eu penso que esse debate é muito importante, que esse discurso é muito importante, na medida em que nós queremos aqui detalhar o que é o real interesse público de cada companhia de economia mista ou estatal, que é uma concepção trazida pela Lei nº 6.404, onde se coloca apenas "interesse público". É preciso que a lei que estamos fazendo aqui - e concordo com o Dr. Mateus que tem de haver realmente uma lei - tenha, como um dos nossos objetivos, sem dúvida, estruturar melhor o art. 238, que, obviamente, do jeito que está lá, se transforma naquilo que, no jargão do Direito, chama-se "conceito jurídico indeterminado". É um conceito jurídico indeterminado o interesse público, porque o que pode ser interesse público para um economista com uma noção mais liberal, certamente, não é o mesmo interesse público para um outro economista que tem uma visão mais socializante. |
| R | Portanto, definir, de maneira objetiva, concreta, pragmática, o que seja interesse público é um dos nortes que temos que assumir aqui, na nossa Comissão. Penso que existem alguns objetivos dentro daquilo a que nos propomos, daquilo que temos que construir dentro dessa lei. Primeiro, a independência dos conselhos de administração. Todos os que estiveram aqui, na mesa, Dr. Mauro, todas as pessoas que vieram aqui, sejam de órgãos de controle, sejam de organizações não governamentais, sejam de estatais, de empresas privadas, todos apontaram para a composição dos conselhos de administração como um dos grandes males das estatais brasileiras hoje, porque normalmente não há nenhum critério técnico, normalmente há uma absoluta submissão ao Poder Executivo, que é quem indica, normalmente não há quase nenhum membro independente, normalmente é utilizado inclusive para complementar salários de Ministros e Secretários, que vêm da iniciativa privada, onde ganhavam mais. Eles, integrarem o campo público, precisam ter um complemento de seus salários. Então, esse é um dos pontos que temos que atingir. A segunda questão, trazida aqui por todos, é a natural, compreensível e lógica necessidade de que haja capacidade técnica de quem ocupa esses conselhos. Dentro dessa capacidade técnica, quero deixar logo uma pergunta aos senhores aqui, porque, além da capacidade técnica, as pessoas sempre falam também da necessidade de haver uma diversidade de expertise dentro do conselho. É óbvio que não faz sentido um farmacêutico fazer parte do Conselho de Administração da Petrobras, mas, se temos que ter pessoas envolvidas com o negócio que a Petrobras pratica, de óleo e gás, obviamente que, se há um advogado, ele tem conhecimento e militância naquele setor específico. Não há por que se colocar lá um advogado de família para dizer que está ali representando uma expertise jurídica, porque essa expertise jurídica a respeito daqueles contratos internacionais etc. é praticamente nula. Obviamente, isso vale para administração, para a parte de politécnicas etc. Então, a pergunta que eu faria aos senhores é a seguinte: os senhores acham que valeria a pena também estabelecer, dentro dos respectivos conselhos de administração, cotas vinculadas ao conhecimento técnico de cada um dos conselhos? É uma pergunta que eu queria colocar aqui. Ou seja, para uma vaga de determinado conselheiro tem que ter especificamente, conhecimento jurídico; outro tem que ter determinado conhecimento específico na área de engenharia, e por aí vai. Quero, então, deixar essa pergunta para que os senhores, se puderem, respondam. Outra questão que está naturalmente ligada ao nosso trabalho é fazer uma lei que traga maior nível e mais profundo nível de transparência que essas empresas possam ter. A OCDE, a CVM têm trazido realmente experiências muito interessantes que temos que absorver. Temos que evitar o improviso, temos que evitar o improviso! E, dentro dessa ideia de evitar o improviso, temos que ter justamente o que foi trazido pelo Dr. Mateus: o plano de negócios. Eu também enxergo que, ainda que tenhamos o interesse público a ser preservado, não há como a empresa não ter um plano de negócios, para que se saiba onde se está e aonde se quer chegar. O Deputado Alfredo Kaefer falou aqui que o Banco do Brasil adquiriu tal e qual instituição financeira no exterior. Isso é realmente o propósito do Banco do Brasil? Ou isso é a mera mudança de uma diretoria que acha que aquela oportunidade é uma boa prática, que é uma boa ideia, e vai lá, faz o negócio que, às vezes, vai de encontro a tudo aquilo que o Banco vem praticando em relação a outras áreas? Isso acaba gerando solução de continuidade na administração da empresa. Penso, como Relator, que os pontos que temos que absorver dentro da nossa lei, agradecendo já a presença de todos vocês e a grande contribuição que deram, é justamente a independência dos conselhos, a tecnicidade dos conselhos, a transparência da empresa, a clara determinação do que seja o propósito negocial da empresa e também o aprofundamento, para que possamos deixar claro a cada empresa o que é o seu objeto social e, mais do que isso, o que é cumprir aquele objeto social. |
| R | É muito fácil alguém dizer, já que a empresa tem uma função social, como foi dito no ano passado aqui para se ganhar a eleição no Brasil: "Comprar gasolina lá fora a 4 e vender aqui a 3 está cumprindo a função social de não permitir que a inflação aumente." Obviamente que isso é inconcebível para uma empresa cuja função social é atuar em setor estratégico, fundamental para o País, qual seja, a extração de petróleo e gás. Então, era o que tinha a dizer. Agradeço aos senhores. Certamente vamos voltar a nos falar ao longo do andamento desse projeto de lei. Nós estamos aqui numa primeira etapa, e são três etapas. Estamos aqui fazendo o anteprojeto. A partir dele, iniciaremos o processo legislativo propriamente dito na Câmara dos Deputados. Em seguida, esse projeto virá aqui para o Senado da República; portanto, ainda temos muitas discussões e muitos debates. Agradeço aos senhores pela presença aqui e pela contribuição muito importante que trouxeram. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Muito obrigado, Deputado Arthur Maia. Eu gostaria de acrescentar às colocações do Deputado Arthur Maia uma dúvida. Primeiro, Deputado, a colocação do Deputado Alfredo me trouxe uma reflexão que eu nunca tinha aprofundado: a incompatibilidade da ideia de empresa estatal com alguma função social com a empresa de capital aberto. Eu achei interessante essa colocação de que é incompatível uma empresa, por exemplo, de caso mais notório, a Petrobras, que comprou gasolina cara para vender barato, pode ter o maior mérito do mundo em termos sociais, todas as justificativas, mas é incompatível com a ideia de empresa aberta, com captação no mercado. Até que ponto nós deveríamos refletir mais sobre esse ponto, ou seja, especificar o que é uma empresa de capital aberto e como ela pode ser compatível com a ideia de uma empresa estatal que tem funções estatais?! Sobre o segundo ponto colocado, do Banco do Brasil, temos informações de que, hoje, são 342 estatais existentes no Brasil. Umas completamente já sem sentido, mas também chegou a informação - não estou lembrando o número - de que a Petrobras teria mais de 340 subsidiárias. Não é isso? A minha pergunta ao Sr. Mauro, que já foi do Conselho da Petrobras, representante dos minoritários: se há visibilidade e se o Conselho alcança essas trezentas e tantas subsidiárias? O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - Não! Nós vimos a dificuldade que foi o afastamento do Sr. Sérgio Machado da Transpetro. O Conselho de Administração da Petrobras tinha suas mãos absolutamente atadas. E existem vários tipos de subsidiárias. Quando nós falamos em centenas, incluem-se as empresas de propósito específico, que não devem ser vilanizadas, elas têm a sua utilidade.... O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Só uma pergunta, sem querer... Alguém falou aqui de fábrica de tecido em Pernambuco? O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - É, a Companhia Têxtil de Pernambuco. Mas por conta do poliéster que viria da petroquímica. É possível, só que foi realmente uma perda fenomenal, junto com os outros investimentos da Abreu e Lima. Existem vários tipos de subsidiárias, portanto, algumas que o Conselho não deve olhar, porque não são empresas desse tamanho. Aliás, no caso da Petrobras, eu acho que uma questão a se considerar são as "deseconomias" de escala. Entendo que o Presidente Bendine vem aqui amanhã e talvez seja um bom assunto de debate. Existem subsidiárias onde o Conselho deveria entender e se imiscuir, mas é impossível, como é caso de Transpetro, Gaspetro etc., grandes operações. E existe um caso sui generis, que é o caso da BR Distribuidora, onde os conselheiros da Petrobras também são conselheiros da BR Distribuidora. É um espelho, só mudam os representantes dos empregados. |
| R | Eu temo muito pela governança da BR Distribuidora, porque, a partir do momento em que as reuniões do Conselho da Petrobras se tornaram mais pesadas, com 12 horas de duração etc., as reuniões da BR, que, normalmente, aconteciam na sequência, acabaram caindo para fora da mesa. Então, eu diria que o nível de controle que o Conselho de Administração da BR tem das operações da BR é muito, muito baixo - e nós estamos falando de uma empresa que fatura R$100 bilhões por ano. Então, claramente, o desenho do Conselho de Administração da BR tem muito dessa questão de complementação salarial. Não tem nenhum sentido; a carga de trabalho do conselheiro da Petrobras já é muito elevada. E o que a BR precisaria era, ou não ter Conselho de Administração... Vamos fazer as coisas como elas são: ou não há um conselho, administra-se ali diretamente pela controladora, ou se faz um conselho que tem uma atribuição, uma capacidade de gerar valor para a companhia, o que, hoje, não existe. Então, existem sérios problemas na estrutura interna das subsidiárias da Petrobras, que precisam ser endereçados. Agora, o Senador mencionou a questão da incompatibilização da empresa de economia mista com o mercado de capitais. Permita-me divergir. Eu acho que há espaço, e o mercado de capitais pode ser uma ferramenta poderosa para o Estado brasileiro atingir determinados objetivos sociais, a partir de um conceito básico: o combinado não sai caro. Então, a partir do momento em que o Governo oferece ao mercado uma oportunidade de investimento em uma atividade rentável, que, embora, tenha um custo social específico, esse custo está claro e é ou reembolsado, ou a gente sabe qual é e não terá surpresa sobre isso, o mercado vai financiar, vai ser transparente e vai ter bons resultados, como acontece na Sabesp, em São Paulo, e, em grande parte, no Bando do Brasil também, depois que ele veio para o novo mercado e adotou boas práticas. Então, existem bons exemplos, e eu acho que não deve ser eliminado. O SR. MATEUS BANDEIRA - Senador, para complementar, ainda nessa linha, eu também discordo. Eu acredito que a abertura de capital da companhia é o primeiro passo, e talvez o mais importante, para melhorar a governança da sociedade de economia mista. Na medida em que a companhia abre o capital, significa que ela terá acesso à poupança pública e passa a responder, a ter uma séria de obrigações estabelecidas na Lei nº 6.404, inclusive a de reportar os resultados trimestralmente. Dessa forma, é um passo importante e fundamental para se começar a estruturar e melhorar a governança e o nível de transparência que ela precisa ter, o que, de outro lado, organizada na forma de uma S. A, de capital fechado, ela não teria. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Acho que ainda há uma questão do Deputado Arthur Maia sobre quotas, que ainda não foi... O SR. MAURO RODRIGUES DA CUNHA - Posso comentar. As questões do Deputado também são muito pertinentes, e volto ao meu ponto inicial, ou seja, devemos dizer: "Olha, são x advogados, são x engenheiros..." Não sei! E a resposta, hoje, será diferente da resposta daqui a cinco anos, quando cada uma das empresas vai enfrentar desafios diferentes. E é nesse sentido que eu entendo que é importante delegar a um instrumento infralegal parâmetros como esses. É importante que se entenda que o diabo está nos detalhes. Nessa mesa - e, seguramente, nas outras audiências públicas -, nós tivemos discordâncias pontuais... "Não, mas o requerimento tem que ser assim ou assado... O nível de independência é esse ou aquele..." Enfim, a gente não vai resolver isso aqui ou mesmo na tramitação do processo. Então, eu entendo que, a partir do momento em que nós tenhamos um órgão responsável pela propriedade estatal, órgão este que tenha um controle forte do Legislativo, esse órgão terá capacidade de identificar a necessidade de cada uma das estatais, em cada um dos momentos, e buscar as pessoas adequadas para o desafio. E ainda: vai chegar aqui para o Senado ou para o Congresso e dizer: "Olha, o Conselho da Petrobras tem essa formação, porque, de acordo com o seu planejamento estratégico, ela precisa dessa categorias". E nós vamos mostrar, através de avaliações, escrutinadas pelo Parlamento, como isso vai funcionar. Então, não se trata - e concordo com quase todos os pontos que o Mateus colocou - de ter mais Estado. Eu acho, inclusive, que o Dest é o embrião disso. Então, trata-se de reorganizar o Estado, e não de criar mais Estado. Agora, delegar a uma entidade centralizadora, nas linhas das boas práticas, recomendadas pela OCDE e crescentemente adotadas no mundo todo, de modo que a gente possa, de fato, profissionalizar a gestão da propriedade sob o controle do Legislativo. O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Mais algum comentário? O SR. MATEUS BANDEIRA - Só para complementar, a respeito da composição dos conselhos. |
| R | Eu também concordo que um comando geral para que os Conselhos reúnam as competências-chave do negócio é o que basta; também de acordo com a ideia de que um comando infralegal ou mesmo o estatuto da companhia pode determinar, porque é específico de cada companhia, quais são as competências necessárias para aquela sociedade em particular. Para a Petrobras será uma composição, para o Banco do Brasil será outra, para a Eletrobras será outra, e assim por diante. E muda no tempo. O SR. SÉRGIO MURILO CAMPINHO (Fora do microfone.) - O problema da lei é que ela estratifica muito, não? O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Quero, então, agradecer a presença de todos. Meus sinceros agradecimentos, foi bastante valiosa a cooperação de todos os senhores, de disporem dos seus tempos para dar esses depoimentos a esta Comissão. Com certeza, todas essas colocações vão ser valiosíssimas na implantação, na confecção do nosso relatório, que será feito e apresentado - corrija-me, Deputado Arthur Maia - na primeira semana de agosto... O SR. ARTHUR OLIVEIRA MAIA (SD - BA. Fora do microfone.) - Primeira semana de agosto O SR. PRESIDENTE (Tasso Jereissati. Bloco Oposição/PSDB - CE) - Primeira semana, primeira quarta-feira do início da Legislatura. Faríamos uma reunião a esta hora, e o Deputado Arthur Maia faria a apresentação do seu relatório para que houvesse a discussão entre os outros membros da Comissão. Assim, até o dia 21 de agosto, poderemos já encaminhá-lo aos Plenários das duas Casas. Portanto, mais uma vez, agradeço a presença de todos. Está encerrada a reunião. (Iniciada às 14 horas e 57 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 47 minutos.) |
