06/08/2015 - 62ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Declaro aberta a 62ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 24, de 2015, da CDH, de autoria do Senador Magno Malta, para instruir a Sugestão nº 15, de 2014. Na verdade, também vai assinada pelo Senador Paulo Paim.
Eu queria, de imediato, comunicar a quem nos acompanha que o Senador Magno Malta está enfermo, mas está acompanhando a audiência do seu leito e vai encaminhar seus questionamentos e suas perguntas ao longo desta audiência.
O requerimento é de autoria do Senador Magno Malta e do Senador Paulo Paim, para instruir a Sugestão nº 15, de 2014, que regula a interrupção voluntária da gravidez dentro das doze primeiras semanas de gestação pelo Sistema Único de Saúde.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Assim, as pessoas que têm interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800612211.
Audiências públicas como esta são fundamentais no Parlamento, principalmente em uma sociedade de pouca cultura democrática como a sociedade brasileira. Nós estamos engatinhando na construção da democracia. A vida política no País é caracterizada pelo autoritarismo e pelo isolamento da maioria da sociedade brasileira.
Eu abro esta reunião fazendo este parêntese porque julgo importante deixar claro que não somos muito afetos ao contraditório; os conflitos, em geral, nós colocamos para debaixo do tapete e não trazemos para o debate. Esta audiência trata de um tema com muita controvérsia na sociedade, mas é um tema real, é um tema vivido pela sociedade, e nós não podemos colocá-lo debaixo do tapete porque ele existe e está presente no cotidiano de milhões de brasileiras e de brasileiros. Portanto, é fundamental trazer o debate para o centro, para onde tem que ser debatido, que é o Parlamento. É aqui que se elaboram as leis, é aqui que se busca harmonizar a convivência social.
Portanto, eu dou início à reunião. Nós temos oito debatedores. Nem todos chegaram. Eu vou convidar os que já chegaram para compor a Mesa.
Vamos ouvir os dois lados. Pelo que me informou a Secretaria da Mesa, há um certo equilíbrio de posições. Isso é muito importante para nós Parlamentares acompanharmos as posições diferentes que serão apresentadas ao longo da audiência pública.
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Dando sequência, estamos aqui para ouvir os convidados, para falar menos e ouvir os convidados. Eu só advirto que todos os Senadores, marcando presença, têm direito a se manifestarem no momento em que julgarem oportuno, até porque as agendas dos Senadores na Casa são muito intensas, pois são muitas as comissões e cada Senador participa de várias comissões. Muitas vezes, eles frequentam esta Comissão, mas daqui a pouco estão em outra... Enfim, eles passam suas jornadas atendendo às demandas e às exigências do mandato.
Eu gostaria de convidar, agradecendo, desde já, a todos que compareceram a esta audiência pública, que atenderam ao nosso convite, o Dr. David Kyle, Diretor do filme "Blood Money".
Seja muito bem-vindo.
Pode se sentar.
Convido, em seguida, a Srª Sonia Corrêa, representante do SOS Corpo - Instituto Feminista para Democracia.
Se houver algum equívoco, nós vamos já corrigir. Não vai para a Ata de forma equivocada.
Com a palavra, Sonia Corrêa.
A SRª SONIA CORRÊA - Eu sou fundadora do SOS Corpo, mas, nesta reunião, represento o Observatório de Sexualidade Política, que é um projeto internacional sediado na Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), no Rio de Janeiro.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Dando sequência, convido o Padre Paulo Ricardo. (Pausa.)
Está chegando.
Então, vamos em frente.
Srª Débora Diniz, professora da Faculdade de Direito da UnB e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. (Pausa.)
A Professora Débora também não chegou. Pode ser em razão do trânsito. Em uma cidade sem metrô, sem ônibus, sem transporte de massa, cada um anda em um carro. Aí todos saem pela manhã... E cada carro leva uma pessoa. Não existe nada mais incoerente. Eu trato de dar minha contribuição, eu venho de táxi, só para não entulhar mais o trânsito.
Convido a Srª Viviane Petinelli e Silva, representante do Instituto de Políticas Governamentais do Brasil. (Pausa.)
Convido a Srª Tatiana Lionço, professora adjunta do Instituto de Psicologia, Conselheira do CRP/DF e integrante do Movimento Estratégico pelo Estado Laico. (Pausa.)
Convido a Srª Marcia Tiburi, professora de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (Pausa.)
Convido a Vereadora Heloisa Helena, minha querida amiga, ex-Senadora desta Casa. (Pausa.)
Eu vou, rapidamente, esclarecer as regras do debate. Serão dez minutos para cada debatedor, com uma prorrogação de dois minutos. Em dez minutos se faz uma revolução no mundo.
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A Professora Débora chegou.
Esclareço que o Senador Magno Malta está enfermo, está de cama, mas acompanha, à distância, esta audiência pública e que todos aqueles que nos acompanham pela internet ou pela TV Senado que queiram encaminhar questões, perguntas, podem fazê-lo.
Então, vamos abrir o debate convidando o Sr. David Kyle, diretor do filme "Blood Money", para fazer uso da palavra.
Quem desejar utilizar o aparelho tradutor, ele está disponível aqui na mesa. Por favor, queiram acessar, está disponível para todos.
O SR. DAVID KYLE (Tradução simultânea.) - Eu vou apenas mostrar alguns minutos do vídeo.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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Eu escolhi esta parte do vídeo porque ela demonstra que não existe aborto seguro. Mesmo pequenas cirurgias têm risco. Assim como outras cirurgias, seja de apendicite ou qualquer outra cirurgia, o aborto também tem risco. Nos Estados Unidos, as mulheres morrem o tempo todo. Elas são machucadas o tempo todo ao fazerem abortos. E esse é apenas o aspecto físico do aborto. Existem também os aspectos mentais. Nós sabemos que alguns são disseminados, como, por exemplo, depressão, suicídio e várias outras coisas, pois elas não têm ligação com seus filhos. Portanto, existem muitos aspectos do aborto que afetam as mulheres e suas famílias, porque, quando a mulher é afetada, ela também afeta diretamente sua família.
Antes de continuar, eu gostaria apenas de dizer que vocês têm uma oportunidade perfeita no Brasil porque vocês podem debater a questão, vocês podem falar a verdade para as pessoas. Nos Estados Unidos, o aborto foi imposto para a nossa sociedade pela Justiça. Não tivemos o debate que vocês estão tendo agora. Então, para mim e para vocês, é uma ótima oportunidade de falarmos a verdade. E a verdade é que o aborto é ruim, o aborto é perigoso.
Esta é a Comissão de Direitos Humanos, e o principal direito humano é a vida. Ninguém pode duvidar disso. Então, se você apoia os direitos humanos, como você pode apoiar também o aborto? Se você retira esse direito primário dos bebês, se você desconsidera esse direito, então todos os outros direitos não importam.
Eu acredito que um governo que está disposto a retirar esse direito primário é um governo tirano, que está fazendo algo que não deveria fazer. Os governos devem proteger os nossos direitos, devem proteger as nossas vidas, não destruí-las.
Também estamos falando de direitos das mulheres. Cinquenta por cento dos bebês que são mortos são mulheres, são meninas. Como vocês podem defender os direitos das mulheres, defender o aborto, se vocês estão matando bebês que são meninas?
Recentemente, eu estive no Chile. Lá eles estão tentando aprovar leis de aborto. Eu falei sobre os padrões ocidentais. Antigamente, havia sociedades que matavam bebês e adultos em sacrifícios humanos, e nós olhamos para essas sociedades como sendo erradas. Na verdade, é isto que estamos fazendo hoje em dia nos Estados Unidos e em todo o mundo: nós estamos sacrificando nossas crianças. Mas por quê? Na maioria das vezes, por dinheiro. É o dinheiro que importa. No Chile, eles falam em elevar seus níveis aprovando o aborto. Na minha opinião, eles não estarão elevando o seu nível; na verdade, estarão diminuindo seus padrões. Os padrões do meu próprio país, os Estados Unidos, eu diria que são baixos.
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Portanto, é extremamente importante que, ao falarmos em direitos humanos, em direitos das mulheres, entendamos que o aborto não deve ser uma opção. Como sociedade civilizada, nós devemos cuidar das pessoas que não podem se defender, desses bebês que não podem se defender. Nós temos que cuidar daqueles que não podem se defender. É isto que uma sociedade civilizada faz. Ela não mata as pessoas que não podem se defender, não mata aqueles que não podem cuidar de si mesmos.
O meu filme foi chamado de "Blood Money - Aborto Legalizado". Originalmente, nós o chamamos de "Holocausto Americano" ("American Holocaust"), mas, à medida que nós fizemos essas entrevistas, nós vimos que essa questão do dinheiro aparecia o tempo todo. Quando nós começamos o filme, não estávamos nem pensando nessa questão do dinheiro, mas, para cada entrevista que nós fazíamos, até com as mulheres que tinham feito aborto, elas falavam do dinheiro, porque elas eram pressionadas. Elas recebiam informação de que, se elas não fizessem naquele momento, elas teriam que pagar ainda mais.
E, à medida que nós fomos investigando cada vez mais esse aspecto monetário, nós entendemos que não tinha nada a ver com apoiar as mulheres, mas com dinheiro. Bilhões de dólares são ganhos quando nós matamos essas crianças. A mesma coisa vai acontecer aqui, no Brasil, se vocês permitirem o aborto.
Recentemente, nós vimos algumas pessoas vendendo partes de bebês. Nós nunca tivemos a oportunidade de filmar isso antes, mas agora nós temos um grande escândalo acontecendo, porque, além de retirar o dinheiro das mulheres para que elas façam o aborto, estamos vendo que esses médicos ganham dinheiro com órgãos desses fetos.
Realmente, é muito estranho que nós, no mundo moderno, pensemos que, se essa criança é uma inconveniência, vamos apenas jogá-la fora, da mesma forma como jogamos fora várias coisas da nossa sociedade. Nós realmente vivemos uma sociedade descartável. Quando nós temos um carro velho, compramos um carro novo. Nós simplesmente jogamos as coisas fora.
Por que faríamos isso com a vida também? Por que jogaríamos fora algo tão importante quanto a vida? Nós estamos jogando fora as nossas gerações futuras. O mundo ocidental, os países ocidentais estão em declínio, e parte da razão desse declínio da população são os abortos. Vocês vão ver a mesma coisa acontecendo aqui, no Brasil.
Por que vocês querem destruir a sua geração futura? Por que vocês querem destruir as pessoas que vão cuidar de vocês, que vão proteger seu País?
Para mim, isso não faz sentido algum.
Para mim, é impressionante que as pessoas que são a favor do aborto digam o que dizem e falem de direitos humanos. Na minha mente, nós é que defendemos os direitos humanos. Nós é que acreditamos na vida. A vida é um direito básico fundamental, primordial em tudo. A vida vem antes de tudo.
Vemos uma civilização que fala de direitos humanos e fala de aborto. Nos Estados Unidos, nós temos milhões de crianças que são mortas por aborto. Então, as famílias, nos Estados Unidos, todas, são afetadas pelo aborto, de alguma forma. Por que vocês, aqui, no Brasil, querem se colocar nessa situação? Não faz sentido! O aborto destrói relacionamentos, famílias. Por que é que vocês fariam isso?
É isto. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado pela exposição.
Eu gostaria de destacar a presença aqui do Deputado Federal Diego Garcia, do Paraná.
Seja muito bem-vindo, Deputado.
Agora nós podemos dispensar o intérprete.
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Engraçado, eu morei muitos anos na América do Norte e não aprendi a dar um bom-dia em inglês. Não é possível! Morei no Canadá francês, e numa época de polaridade. Aí, aprendi francês, mas não falo um bom-dia em inglês. Isso é grave. Mas, enfim, faz muita falta.
Temos a presença da Vereadora e Senadora Heloísa Helena, que muito nos honra com sua presença.
A senhora é muito bem-vinda, Senadora.
Eu estava querendo organizar todos aqui na Mesa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não há como.
Deixe-me ver como vamos nos organizar, porque o Padre Paulo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Nós estamos providenciando cadeiras. Assim que chegarem... Nós temos aqui o Padre Paulo Ricardo, que também já está presente, e a Senadora, que compõem esta Mesa. Nós somos oito. Em função disso, nós estabelecemos um tempo um pouco espremido, de dez minutos para cada um, com uma prorrogação de dois minutos, para que todos tenham oportunidade de se manifestar e, depois, possamos fazer os questionamentos, as perguntas pertinentes.
Chegaram as cadeiras? (Pausa.)
Então, eu tenho a satisfação e a honra de convidar a Senadora Heloísa Helena e o Padre Paulo. (Palmas.)
Padre Paulo, vamos providenciar uma cadeira para o senhor. O lugar já está garantido.
Muito bem. Com a palavra, a Srª Sonia Corrêa, co-coordenadora do Observatório de Sexualidade de Política da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).
Eu acertei agora?
A SRª SONIA CORRÊA - Acertou.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Com a palavra.
A SRª SONIA CORRÊA - Muito bom dia a todas e a todos!
Bom dia à Mesa!
Eu quero iniciar agradecendo à Comissão de Direitos Humanos, em especial ao Senador Magno Malta, ao Senador Paulo Paim e ao Senador Capiberibe, que está conosco hoje, pelo convite, pelo privilégio, quero mesmo dizer, de estar aqui hoje.
Minhas reflexões sobre esse debate, certamente incompletas, são acerca do aborto como questão da democracia. Nesse sentido, eu acho que vou retomar ideias que foram avançadas no início da reunião pelo Senador.
Como ele bem disse, o Brasil é um país democrático, mas a democracia brasileira, embora consolidada em alguns aspectos, é muito frágil em outros, e não estamos isentos das tentações autoritárias. A democracia deve, portanto, ser alargada, aprimorada, aprofundada, e eu acho que este debate sobre o aborto é um caminho, abre espaço nessa direção.
Outro aspecto, não menos importante, é que estou convencida de que as reformas das leis criminais que devem ser parâmetros para orientar o debate nacional nessa matéria são aquelas que resultaram da deliberação democrática na sociedade, nos Parlamentos, nas Cortes sobre o direito das mulheres de decidir sobre a reprodução.
O escopo geográfico dessas reformas é muito amplo: vai das reformas legais dos anos 60 e 70 na Europa e nos Estados Unidos às reformas e decisões constitucionais recentes em muitos outros contextos, como Colômbia, Portugal, Distrito Federal do México e, próximo de nós, o Uruguai, mas também a África do Sul, o Nepal e Moçambique.
Eu penso que é vital sublinhar esse aspecto porque, na história contemporânea, moderna, das leis do aborto, há registros dramáticos de legislações autoritárias e coercitivas, de que o caso chinês é o exemplo mais debatido porque continua vigente. A perspectiva feminista, que é a minha, que reivindica o direito de decisão reprodutiva às mulheres, repudia, de maneira forte, as leis e políticas de aborto compulsório, assim como também medidas estatais que coagem as mulheres à procriação compulsória, de que o exemplo mais recente é o caso da Romênia, durante o regime Ceausescu.
É preciso reiterar sistematicamente esse repúdio quanto a ambas manifestações da coerção reprodutiva porque, no debate sobre aborto, temos ouvido muitas vezes - e ouvimos aqui hoje de novo - a tese segundo a qual a nossa defesa do aborto teria um objetivo impositivo.
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O tratamento do aborto como uma questão da democracia tem outras angulações.
Como componente da pauta mais ampla de direitos sexuais reprodutivos, que também inclui o acesso à saúde reprodutiva, o aborto está inscrito no arcabouço geral dos direitos humanos cuja realização está condicionada à gestão democrática das sociedades, ou, numa linguagem jurídica formal, à existência e ao aprimoramento do Estado de direito.
Mas há outro aspecto menos debatido na relação entre autonomia reprodutiva das mulheres e democracia.
Hoje, no Brasil, assim como na maioria dos países, a igualdade entre os gêneros e a participação igualitária das mulheres em todas as esferas da vida são reconhecidas como um indicador forte de desenvolvimento humano e democrático. É preciso lembrar, contudo, que, no século XIX e início do século XX, quando a maioria das leis que criminalizam o aborto foram adotadas, as mulheres estavam excluídas dos direitos formais de cidadania, mesmo quando engajadas em atividades econômicas de caráter público, e continuavam sujeitas ao poder do pater familias, na esfera privada.
Mesmo nos anos 30 e 40, quando, em países latino-americanos como o Brasil, foram reconhecidos o direito ao voto e os direitos trabalhistas das mulheres e ampliou-se o acesso à educação feminina, as restrições criminais à decisão reprodutiva foram mantidas.
Por essa razão, eu penso que é instrutivo retomar aqui a elaboração desenvolvida pela juíza Ruth Ginsburg, da Suprema Corte Americana. No seu voto dissidente na recente da decisão sobre o caso que ficou conhecido como Hobby Lobby, ela diz o seguinte:
A habilidade das mulheres de participar em condições na vida social e econômica da nação foi facilitada por sua habilidade de decidir sobre a vida reprodutiva. O corolário disso é que restrições sobre a autonomia reprodutiva restringem a participação plena das mulheres na sociedade e, portanto, produzem um déficit democrático.
Uma terceira angulação diz respeito aos significados problemáticos de preservação e ampliação da lei criminal - ou seja, a hipercriminalização - como recurso de pedagogia estatal para correção de "males sociais" - entre aspas - em condições democráticas.
Num debate recente sobre direitos humanos na América Latina, Emilio Álvarez, Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sublinhou, corretamente, que, a despeito da consolidação democrática dos últimos 30 anos, a nossa região vive hoje a pior crise carcerária da sua história. Nunca tantas pessoas estiveram presas em condições tão precárias e sujeitas a violações brutais de direitos humanos. Essa crise, em grande medida, decorre do apelo ideológico crescente ao recurso do poder punitivo. Nas palavras de Maria Lúcia Karam, "o quadro vivido neste tempo, proporcionando um campo extremamente fértil para a intensificação do controle social, proporciona e alimenta o crescimento da demanda de maior repressão, de maior rigor punitivo, de maior intervenção do sistema penal".
Essa incontestável ideologia da punição está imbricada com a chamada guerra contra as drogas e seus efeitos nefastos. E é a isso que Maria Lúcia Karam se refere nessa observação. Mas eu entendo que a preservação da criminalização do aborto e propostas hoje sobre a Mesa que ampliam a punição da prática podem e devem ser analisadas através dessas mesmas lentes que apontam para a contradição estrutural entre o aumento do poder punitivo e as regras de governança democrática.
Numa entrevista clássica hoje, o juiz Torres já apontava para essa disjunção, ao lembrar que "a criminalização do aborto tem sido absolutamente inútil, ineficaz e ineficiente para conter a prática dessa conduta. [...] Mas a criminalização do aborto viola também o princípio da subsidiariedade, que determina que, no processo democrático de criminalização, devem ser considerados os benefícios e os custos sociais causados pela adoção da medida proibicionista criminalizadora".
Nunca é demasiado lembrar que, no Brasil e em outros países, a aplicação da lei penal é seletiva, afetando de maneira mais drástica as mulheres pobres, negras e socialmente excluídas. Seja no caso do aborto, seja no de outras práticas, estaremos sempre frente a uma correlação perversa entre criminalização, desigualdade e déficit democrático.
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Para finalizar, muito brevemente, quero tratar aqui de duas condições que, a meu ver, asseguram a continuação do debate democrático sobre criminalização do aborto no Brasil.
A primeira é a garantia e a qualidade da deliberação democrática. O tema do aborto, como outros temas, não é um tema trivial e, portanto, requer respeito, escuta, abertura ao diálogo, condições que têm sido bastante escassas no debate brasileiro sobre muitas questões, mais especialmente sobre questões que se situam no campo da sexualidade e da reprodução.
Finalmente, mas não menos importante, os princípios de laicidade e a secularidade, a distinção entre esfera religiosa e esfera política são também condições necessárias para o processamento efetivamente democrático acerca do direito ao aborto seguro e legal, pois, em muitos contextos onde há restrições à liberdade reprodutiva das mulheres, elas têm origem no dogmatismo religioso.
Além disso, devemos pensar que não há democracia sem laicidade, e a laicidade é garantia de liberdade religiosa, mas também de liberdade de expressão, consciência e livre adesão filosófica.
Nesse sentido, contudo, é preciso lembrar que existe coerção reprodutiva de caráter secular, e o exemplo chinês é, talvez, o mais conhecido, como eu disse antes. No caso brasileiro em especial, nossa laicidade novecentista arrasta consigo marcas oligárquicas, patriarcais, racistas da Velha República, que, entre outras coisas, legou-nos a criminalização das mulheres que abortam.
(Soa a campainha.)
A SRª SONIA CORRÊA - Ou seja, não se trata apenas de resgatar, de maneira idealista, os marcos normativos, mas, sim, de reinventar ou refundar as premissas de laicidade num mundo que é hoje interpretado por vários autores como sendo pós-secular.
Eu espero que as minhas reflexões tenham contribuído nesse sentido.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Eu acho que nós estamos realmente muito precisos em relação ao tempo, apresentando ideias muito concisas. Muito bom.
Dando sequência, há algumas pessoas que estão presentes que gostariam de se manifestar, mas nós temos limite de tempo. Então, nós vamos abrir para, no máximo, quatro pessoas, duas defendendo cada posicionamento sobre o tema, para que tenhamos equilíbrio nas posições aqui. Eu falei do déficit democrático que nós temos, e nós tentamos superar isso tratando de ouvir, da maneira mais ampla, as manifestações do conjunto da sociedade.
Eu passo a palavra para a Profª Débora Diniz, professora da Faculdade de Direito da UnB e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
Professora, a senhora está com a palavra.
A SRª DÉBORA DINIZ - Muito obrigada, Senador João Capiberibe, na pessoa de quem eu saúdo todas as minhas colegas de Mesa.
O meu papel hoje aqui é apresentar os dados do que nós sabemos pela ciência brasileira. Ou seja, o máximo possível, eu tentarei resumir os melhores estudos e os dados.
Eu ouvi, antes de mim, um apresentador dizendo que ele falaria aqui em nome da verdade. Uma outra forma de apresentar a verdade é falar, em nome da ciência, em um Estado laico.
Uma em cada cinco mulheres realizou pelo menos um aborto aos 40 anos. Esse foi o principal resultado da Pesquisa Nacional de Aborto, um estudo com amostra populacional domiciliar cuja coleta de respostas foi por uma técnica chamada técnica de urna. Essa é uma metodologia que permite que as pessoas que respondem às perguntas de pesquisa tenham garantido o seu sigilo para aquilo que elas tenham razões para não responder a verdade ou para ter medo daquilo, que já foi dito aqui, que é o uso do braço penal do Estado.
Não sabemos quantas mulheres abortam a cada ano no País, mas sabemos, em uma fotografia de hoje, que, entre 18 e 39 anos, 7,4 milhões de mulheres já abortaram em algum momento da vida. Eu esclareço: eu não estou dando um dado do último ano, mas, neste recorte das mulheres entre 18 e 39 anos, fazendo aqui uma aproximação de vizinhança com a apresentadora que me antecedeu, 7,4 milhões de mulheres deveriam estar no sistema penal brasileiro. É disto que nós estamos conversando, é disto que nós estamos falando hoje aqui.
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Mas quem são elas? As mulheres comuns, mulheres como as que hoje estão aqui, mulheres como aquelas que nos ouvem. Elas têm filhos; elas são jovens; elas têm entre 22 e 29 anos; elas têm religião, como aquelas que hoje aqui estão representadas para falar contra o aborto; elas têm um companheiro.
Eu falarei adiante das adolescentes - e me permitam a palavra que, no nosso léxico, pode parecer uma palavra de maus modos para uma Casa como esta - e das putas: dois espectros de mulheres que alimentam a fantasia daqueles contrários à legalização do aborto, pois a imagem da mulher que aborta para os que defendem a vida do embrião não é a da mulher comum, mas a da outra, a adolescente ou a puta ou, o pior possível para o imaginário desses que imaginam que são mulheres muito diferente das mulheres comuns, a adolescente puta. Mas pouco conhecemos dos estudos sobre essa população. A mulher comum de nossas pesquisas de prancheta, à beira do leito ou por gravadores - eu repito - é comum, é igual a todas as que conhecemos.
Falar do aborto no Brasil é falar das necessidades de saúde das mulheres comuns. Isso deveria deixar o assunto ainda mais simples. Não são práticas sexuais de grupos de risco, como gosta a terminologia epidemiológica, mas da sexualidade das mulheres que gritam ao aborto. E, para enfrentar a moral hegemônica contrária ao aborto, ora falamos que o aborto é uma questão de saúde pública, ora arriscamos descrevê-lo como uma questão de direitos humanos das mulheres.
A verdade é que as consequências da criminalização do aborto, a clandestinidade da prática faz do aborto uma situação de calamidade pública no Brasil. Cinquenta por cento das mulheres que abortam finalizam o aborto em hospitais públicos - algumas morrem; muitas sangram. Este é o risco do aborto, e não o uso de medicamentos, não o aborto realizado em condições seguras.
Uma afirmação quase ingênua e tautológica de que todo procedimento de saúde carrega risco colocaria em risco o próprio processo evolutivo da humanidade. Sim, qualquer intervenção de saúde carrega riscos. Mas o que significa essa categoria moral de risco para contrariar o direito ao aborto? É simplesmente infantilizar as mulheres e não reconhecer que nós avançamos em saber como fazer um aborto em condições seguras.
Para ignorar que o aborto é uma necessidade de saúde da mulher comum, portanto, típica à vida reprodutiva das mulheres, é preciso espetacularizar o debate político por espectros da mulher comum. "Ela é uma mulher inconsequente [dizem eles], irresponsável, de sexualidade frívola!", e suas duas representantes são as que eu acabo de mencionar, a adolescente e a profissional do sexo.
Do outro lado da frivolidade das mulheres está o embrião, estão os representantes de comunidades religiosas, esses personagens que representam os melhores cuidados às mulheres ou os interesses em conflito com uma mulher que deseja abortar. Os termos finais são de uma mulher inconsequente cometendo um infanticídio.
Eu peço aos senhores e senhoras uma tranquilidade para enfrentarmos esse debate: não estamos falando de infanticídio; estamos falando de embriões até as 12 primeiras semanas de desenvolvimento no útero de uma mulher.
A mulher comum, a puta ou a adolescente abortam de maneira semelhante: usam comprimidos isolados ou combinados com chás, ervas ou garrafadas. Aprendem com outras mulheres onde comprar os comprimidos, que devem ser usados sempre à noite, em casa, em silêncio e sozinha, momento em que ela expulsa a bola de sangue e, portanto, deve buscar um serviço de saúde ou conforto com o padre ou o pastor da sua comunidade. Ela aprende a regra do silêncio, a desconfiar de quem deveria protegê-la: os seres do jaleco branco ou os homens de batina preta.
Os comprimidos recebem o nome genérico de Cytotec, que são usados em combinação com Aspirina, Novalgina ou Sonrisal. As doses variam, e não sabemos por que variam tanto. Ou são subdoses intencionais para finalizar o aborto em um hospital, ou subdoses por acesso ao comprimido por razões financeiras.
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As mulheres compram sem saber a procedência ou a composição do medicamento. O vendedor, em geral um homem, lhe assegura ser o Cytotec. Junto aos comprimidos avulsos, bilhetes indicam como utilizá-lo: um creme de aplicador vaginal, pernas pra cima, anti-inflamatórios profiláticos.
O vendedor é um tipo da comunidade, um balconista de farmácia, sujeito especializado em medicamentos para o corpo. No cardápio está o aborto, mas sem qualquer particularidade de especialidade para o vendedor. Ele é um comércio não tanto lucrativo: entre R$10,00 e R$50,00 é o comprimido. Com variações regionais e de classe, esse é o itinerário das mulheres que abortam no Brasil. Algumas agregam água inglesa nos dias subsequentes, outras indicam ultrassonografia antes e depois do aborto.
As casas de "aborteiras" com sondas e bacias imundas saíram de cena. Ainda existem, mas não é delas que a mulher comum depende para o aborto clandestino. As clínicas clandestinas ainda existem, e 50% das mulheres não usaram remédio para abortar, especialmente as mulheres mais velhas.
Como pesquisadores, não sabemos quase nada do universo oculto das clínicas clandestinas no Brasil. Quem nos conta o que ali se passa são os jornalistas, a polícia ou escândalos de mulheres mortas e queimadas. Quanto mais jovem for a mulher, o Cytotec é o método mais comum e único.
Teresina é a capital mais pobre do País. Ali, nós acompanhamos, durante seis meses, as adolescentes que chegaram para o aborto clandestino. Foram 131 adolescentes que esperavam uma curetagem uterina, e nós entrevistamos 30 delas. Das 30, 28 utilizaram o Cytotec sozinho e duas combinaram com chás e ervas. Elas tinham entre 10 e 19 anos! Entre 10 e 19 anos! Uma em cada quatro já estava na segunda gravidez e quase a metade delas só tinha ensino fundamental.
Como a mulher comum, só mais jovem que o perfil nacional, a adolescente de Teresina que abortou era negra, pouco escolarizada. E 80% delas abortaram antes da 12ª semana.
As prostitutas também foram de Teresina. Entrevistamos 310 mulheres que se apresentavam com profissionais do sexo. Entre 18 e 39 anos, quanto mais jovem, mais comum o uso do Cytotec - 70% delas.
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA DINIZ - As mais velhas ainda conheceram sonda e chá de boldo. Metade delas realizou um único aborto.
Em pior situação que a mulher comum, as prostitutas são menos educadas, mais pobres e se arriscam mais ao realizar um aborto.
A mulher comum, a adolescente e a prostituta de Teresina são, todas, mulheres comuns. Fiz uma falsa classificação somente para provocar o absurdo de nossos regimes de julgamento moral sobre a sexualidade, a reprodução e as escolhas reprodutivas. O aborto fala de nós, de vocês, mulheres comuns. Marcadores sociais de desigualdade, como juventude, classe e cor, agudizam a precariedade da vida dessas mulheres. É a lei penal que mata, interna e sangra as mulheres.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado. Obrigado pelo cumprimento do tempo também, que é fundamental.
Nós estamos sendo acompanhados pelos meios de comunicação do Senado Federal. E este debate, esta audiência pública está tendo uma audiência inusitada. Nós já recebemos 700 mensagens. Estamos selecionando algumas. Não será possível ler tantas mensagens, mas estamos selecionando, dentro do espírito que prevalece aqui, na Comissão de Direitos Humanos, mensagens que argumentam pelos dois lados.
E eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para esclarecer os objetivos desta audiência pública. É que a Sugestão Legislativa nº 15, de 2015, que nós estamos debatendo, propõe que a interrupção da gravidez seja considerada um ato médico. Ou seja, ela somente poderá ser realizada por um profissional de Medicina e respeitando a regulamentação em lei através do Sistema Único de Saúde (SUS).
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Essa sugestão que iremos debater, que estamos debatendo, foi apresentada mediante mais de 20 mil assinaturas e propõe as seguintes regras que irei resumir a seguir. É o que propõe essa sugestão, para que a gente se situe e situe aqueles que acompanham este debate.
Um: a interrupção voluntária da gravidez seria considerada um ato médico, podendo ser realizada apenas pelo profissional de Medicina capacitado.
Dois: a interrupção seria realizada, obrigatoriamente, através do Sistema Único de Saúde, em todas as suas instituições capacitadas para tal, de forma a evitar vínculos comerciais nos procedimentos médicos e realizações do aborto voluntário. Nós temos dois sistemas de saúde, um privado e um público.
Três: os profissionais de saúde do SUS - Sistema Único de Saúde poderiam declarar objeção de consciência para não realizar o correspondente ato médico e, assim, estariam isentos de fazê-lo, sendo substituído por outro profissional capacitado.
Quatro: a lei e as regulamentações definiriam condições adequadas para fornecer às usuárias do SUS informações sobre a interrupção da gravidez através de uma equipe multidisciplinar que ofereceria todas as condições para a mulher optar, ou não, pela realização do aborto, inclusive com a execução de programas sociais de adoção e outras alternativas socioeducativas, bem como o programa de apoio à mulher para apoiá-la nesse momento difícil.
Quinto e último: qualquer interrupção da gravidez, aborto voluntário, realizada fora dessas regras aqui resumidas, detalhadas na Sugestão nº 15, continuaria sendo ilegal, conforme os padrões da legislação atual.
Portanto, são essas as cinco sugestões que nós estamos buscando esclarecer ao máximo, porque, em algum momento, nós vamos ter que legislar sobre essas sugestões.
Dando sequência, aqui estão as perguntas dos telespectadores e internautas.
Eu passo a palavra à Srª Viviane Petinelli e Silva, que é representante do Instituto de Políticas Governamentais do Brasil.
Com a palavra.
A SRª VIVIANE PETINELLI E SILVA - Bom dia a todos!
Vou pedir para ligar o PowerPoint, por favor.
Agradeço o convite do Senador Magno Malta e do Senador Paulo Paim e cumprimento o Senador João Capiberibe e os demais membros da Mesa e todos e todas as presentes aqui e também on-line na audiência interativa.
Eu gostaria de propor, como economista e cientista política, uma reflexão um pouco diferente da que nós temos visto e temos tido nessas três audiências até aqui. Eu gostaria de refletir sobre o futuro do nosso País no caso de uma possível legalização do aborto. E aí, quando eu falo de futuro, eu falo de impactos socioeconômicos para as nossas instituições.
Eu vou pedir licença, porque está me atrapalhando. Só um minutinho, é porque estão falando no meu ouvido.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Peço à Secretária...
A SRª VIVIANE PETINELLI E SILVA - Se puderem parar o meu tempo, por gentileza, porque é difícil...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Pois não.
Peço desculpas em nome da Comissão.
A SRª VIVIANE PETINELLI E SILVA - Então, só retomando, para ficar claro, vou refletir sobre os impactos socioeconômicos que uma possível legalização do aborto trará para o nosso País.
Tenho oito minutos.
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Então, serei bem breve nos meus apontamentos, mas, primeiro, quero trazer as implicações que nós já sabemos sobre a legalização do aborto nos demais países do mundo. E, depois, eu quero analisar o caso brasileiro e trazer os impactos esperados para o Sistema Único de Saúde, que é a sugestão de lei, e para a Previdência Social.
Então, começando, nós sabemos que a legalização do aborto aumenta o número de abortos provocados realizados em um país. Se olharmos o caso dos Estados Unidos, com o caso emblemático de 1973, em que o aborto é legalizado, nós temos um crescimento inicial acentuado. Se passarmos, então, para a Inglaterra e o País de Gales, desde 1969 - e lá o aborto foi legalizado em 1967 -, também os números vão crescendo anualmente. E, no caso do Canadá também, nós temos um crescimento que continua até muito recentemente.
Esse crescimento no número de abortos impacta diretamente a taxa de crescimento de um país, uma vez que o aborto reduz a taxa de natalidade de uma determinada nação. E a taxa de natalidade é um dos indicadores que nós usamos para medir um crescimento populacional.
Então, se pegarmos uma taxa de crescimento nos Estados Unidos, desde 1961 até os dias atuais, nós vemos um completo desequilibro nessa taxa, variando entre 1,5% ao ano até uma baixa de 0,7% em 2012. Da mesma forma, na Inglaterra e no País de Gales, a curva é semelhante; existe um desequilíbrio, passando de um, atingindo um índice negativo lá em 1981 e 1982, e só agora retomando recentemente uma taxa de crescimento positivo. No Canadá, nós temos também um gráfico semelhante, com essas variações ao longo do tempo na taxa de crescimento.
E aí eu gostaria, então, de entrar no caso brasileiro. Atualmente, no Brasil, nós vivemos um período de bônus demográfico. O que isso significa? Nós estamos no momento ideal para implementarmos ações que nos possibilitem ter um desenvolvimento socioeconômico sustentável.
A nossa taxa de crescimento é a ideal. Nós temos quase 81% da população hoje em idade ativa, ou seja, uma população economicamente ativa, e uma razão de dependência - que é a quantidade de crianças e de idosos que precisa de alguém em idade economicamente ativa, trabalhando, gerando renda - de 45,9%. Ou seja, nós estamos num momento em que, se investirmos corretamente em nosso País, em reformas previdenciárias, em educação, em políticas sociais, políticas de saúde, nós, a partir, da década de 30, começaremos a viver um desenvolvimento sustentável para o nosso País.
Então, a taxa de crescimento do Brasil, se vocês perceberem, sem interferência governamental, sem medidas governamentais, vai decrescendo ao longo do tempo sem esses picos que uma possível legalização do aborto provoca. Nós temos ali uma taxa de 3%, caindo hoje para 1,2 ou 1,3% ao ano, num nível ideal, sem que precisássemos - e o nosso Governo realmente pouco se posicionou a respeito - fazer movimento nesse sentido.
E quais seriam as causas? O que explicaria isso?
Existem diversos fatores, diversos aspectos, e ali eu cito alguns: alguns autores vão dizer que é o processo de proletarização, diversificação da cesta do consumo, que fez com que o planejamento familiar fosse alterado no nosso País; expansão de políticas sociais; industrialização, urbanização e um maior número de mulheres no mercado de trabalho; e a maior autonomia das mulheres.
Hoje, portanto, nós vivemos uma janela de oportunidade que se caracteriza por uma relação positiva entre a população economicamente ativa e o total de crianças e idosos que são dependentes no nosso País.
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Essa janela se abre a partir de 1970, e logo, em duas décadas, ela se fechará. Então, rapidamente, eu já adiantei, essa janela foi criada por uma redução na taxa de mortalidade, natalidade e de migração, gerando para nós, hoje, uma razão de dependência pequena, uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho e uma população em idade ativa que nos permite, então, criar as condições ideais para sustentar o nosso País em termos sociais e econômicos a partir da década de 30.
Como aproveitar essa janela?
Os demógrafos e os especialistas nesse sentido vão dizer que nós precisamos investir em produtividade e infraestrutura, em criação de empregos, em educação técnica e superior e em uma reforma previdenciária, porque o nosso regime de contribuição é um dos mais generosos do mundo, e isso não se sustentará em longo prazo. Precisamos modificar regras de aposentadoria e regras da contribuição recebida.
Quais, então, as implicações de uma legalização do aborto?
Aqui eu estou pensando no futuro. O aborto é, sim, uma questão atual, mas o problema não é o aborto. O aborto é consequência de um problema, que é a gravidez indesejada. A gravidez indesejada é o problema com o qual nós precisamos lidar.
E como lidar com a gravidez indesejada? Com as causas dela. As causas dela não são o aborto. São anteriores a isso. Então, vamos supor que legalizemos o aborto no nosso País. Nós criaremos, então, um novo item de despesa para o Sistema Único de Saúde. Sabemos hoje que uma consulta médica no SUS custa R$10 e podemos dizer que, tomando como base os demais países que já legalizaram o aborto, como os Estados Unidos, em que o custo mínimo é de US$500, no Canadá US$800, na Inglaterra aproximadamente €400, vamos dizer que o nosso aborto custe aqui, para o Sistema Único, R$500, devido a todo o procedimento, à infraestrutura necessária. Ou seja, cada aborto realizado custaria R$510.
E aí, como muitos têm dito aí - a professora Débora até falou que esses números não são verdadeiros de fato, mas têm saído na mídia -, vamos dizer que, no primeiro ano, um milhão de mulheres façam aborto no nosso País. Isso custaria ao Sistema Único de Saúde apenas R$510 milhões. E R$510 milhões hoje correspondem a 3% do Orçamento do Ministério da Saúde. Para vocês terem ideia, o programa Rede Cegonha gasta hoje anualmente - dados de 2014 - R$290 mil/ano. Programas de saúde de assistência da mulher estão nessa faixa também de gastos. Então, nós estaríamos gerando para o Sistema Único de Saúde uma despesa de 3% do seu Orçamento inicial...
(Soa a campainha.)
A SRª VIVIANE PETINELLI E SILVA - ... porque, como eu disse, o aborto vai aumentando a cada ano.
Para a Previdência, haveria uma elevação dos custos previdenciários, uma perda do nosso bônus demográfico, e as próprias mulheres que abortam e defendem o aborto vão, elas mesmas, colher essas consequências, porque nós estamos falando daqui a 30 anos. Então, a mulher que aborta hoje é a mesma mulher que vai sofrer com o sistema previdenciário deficitário, sem assistência; é ela mesma que, na sua idade avançada, vai colher essas consequências. Nós não estamos falando do filho que não nasceu. É de nós mesmas que abortamos. Nós mesmas é que vamos colher essas consequências.
Então, terminando, o aborto e a sua legalização não trarão impactos positivos para a sociedade brasileira em nenhum aspecto. Em nenhum. Até porque, como eu mencionei, o aborto não é o problema. Nós precisamos lidar com o problema. O problema é a gravidez indesejada.
Então vamos à gravidez indesejada. Como? Planejamento familiar, educação sexual.
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Vamos ensinar às nossas adolescentes, vamos ensinar às nossas jovens e, além disso... Por que as pessoas que a professora Débora citou - as que foram entrevistadas -, não receberam uma assistência psicológica? Elas não precisariam abortar. Por que não levar a gravidez e doar o seu filho para a adoção? Nós temos saídas que trarão benefícios, não prejudicarão social e economicamente o nosso País e lidarão com o problema de fato, que é a gravidez indesejada. O aborto é uma consequência; ele não é o problema.
(Soa a campainha.)
A SRª VIVIANE PETINELLI E SILVA - Então, vamos lidar com as suas causas. Vamos investir esses R$500 milhões em programas de educação familiar, em programas de adoção, em centros de apoio à mulher com gravidez indesejada, e, aí sim, não teremos esses abortos provocados clandestinamente no nosso País.
Eu tenho 40 segundos, Sr. Senador. Eu gostaria de pedir que trouxessem a minha sacola. Hoje eu represento aqui 32 mil pessoas que assinaram um abaixo-assinado em favor da vida. Essas pessoas são de todo o Brasil. Esse abaixo-assinado será protocolado no encerramento desta nossa reunião: são 32 mil assinaturas físicas, aqui comigo, pró-vida. Nós queremos, sim, nossas mulheres vivas, mas também queremos as crianças vivas.
Muito obrigada.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado. Obrigado. Obrigado pelos aplausos.
Vamos dar sequência. Eu queria destacar aqui a presença do Deputado Federal Roney Nemer...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Também, também do Deputado Leonardo Quintão, da Deputada Keyko Ota. Sejam muito bem-vindos à Comissão de Direitos Humanos do Senado. Para nós é uma honra recebê-los e também receber todos aqueles que prestigiam esta audiência pública.
Eu gostaria de ler aqui duas manifestações das milhares que já chegaram até nós. O melhor critério ainda é o do equilíbrio.
Milena Evangelista nos manda um e-mail dizendo:
Sou contra a legalização do aborto, tendo em vista que o Governo tem várias outras soluções para resolução de um problema se resume a ser social. Educação, acabar com a burocracia de quem quer se esterilizar resolveria mais da metade desses problemas; matar vida não resolve o problema.
O Irineu Dias: "Sou a favor do aborto nas primeiras semanas, pois inúmeras famílias não possuem as mínimas condições sociais e psicológicas de educar uma criança".
Dando sequência, passo a palavra à Professora Tatiana Lionço, professora adjunta do Instituto de Psicologia, conselheira do CRP do Distrito Federal e integrante do Movimento Estratégico pelo Estado Laico.
Com a palavra.
A SRª TATIANA LIONÇO - Obrigada. Inicialmente, eu gostaria de congratular o Senador Capiberibe pela coordenação da Frente Parlamentar Progressista e desejar proximidade com o diálogo da luta das mulheres. Muito obrigada, Senador.
Gostaria também de dizer que poderiam dispor do direito à manifestação sobre a sugestão de ideia legislativa, sobre a qual nos debruçamos agora. Hoje e aqui somos algumas poucas mulheres com direito a fala e, evidentemente, buscamos ampliar o debate a partir de distintas representações institucionais, embora estejamos muito longe de representar a pluralidade das mulheres na sociedade brasileira.
Ressalto por isso todo o meu respeito por distintos modos de entender a matéria por parte de outras mulheres que não puderam estar aqui hoje, mas tornando evidente que tomar uma posição - e o farei em minha pessoa e também do meu lugar preciso de representação - é fundamental para que possamos continuar defendendo a livre consciência e a livre expressão sobre os nossos próprios direitos em uma sociedade democrática.
Sobretudo a participação se faz importante numa época em que este Congresso Nacional não considerou urgente e relevante a ampliação da representatividade de mulheres nas Casas Legislativas.
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Dessa forma, tomando como princípio o fato de ser eu mesma uma das poucas a ter o privilégio de me pronunciar neste momento, eu organizarei a minha fala em dois pontos que eu entendo justificarem a minha presença na Mesa.
O primeiro desses pontos é o direito à participação política. Para tratar desse ponto, eu me posicionarei como cidadã e ativista feminista. E o segundo ponto é o do posicionamento da Psicologia no âmbito do Sistema Conselhos de Psicologia, e aqui eu represento a categoria de classe profissional sendo uma Conselheira Regional de Psicologia em exercício.
Então, sobre a participação política, eu gostaria de tratar da importância da participação direta em tempos de crise de representatividade e em tempos de desqualificação do ativismo político. Inclusive acabei de presenciar aqui uma tentativa de intimidação da Marcia Tiburi. Então, eu diria que... (Palmas.)
A SRª TATIANA LIONÇO - Numa das últimas vezes que eu tomei palavra em Mesa nesta Casa, eu saí daqui caluniada e difamada por Deputados Federais. Discutindo sexualidade na infância, tive meus argumentos deturpados pelo Jair Bolsonaro, saí daqui uma pedófila...
(Manifestação da plateia.)
E, mais recentemente, o Deputado Ronaldo Fonseca me usou como ilustração do que ele entende por espírito do anticristo nas instituições da sociedade. Então... (Risos.)
Não é risível o que eu estou dizendo. Por favor, respeitem o meu direito à fala neste momento.
(Manifestação da plateia.)
A SRª TATIANA LIONÇO - Portanto... Gostaria de deixar claro que eu considero...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eu vou...
Atenção, com permissão...
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eu gostaria de pedir a colaboração de todos e todas. Esse é um debate que exige uma enorme tolerância de todos. Nós não estamos debatendo uma questão simples aqui. Ela é espinhosa e não admite intolerância de nenhum lado. (Palmas.)
Nós vamos conduzir de tal forma que nós tenhamos encaminhamentos e conclusões. Eu não vou ficar aqui uma manhã toda para que eu saia daqui como entrei. Eu quero sair daqui enriquecido com um debate profundo. Eu sou legislador. Não só eu, pois também já passaram por aqui os Senadores Flexa Ribeiro e o Senador Paulo Bauer.
Portanto esse debate instrui essas sugestões, e nós queremos que ele seja absolutamente democrático, respeitoso, tolerante, como deve ser a democracia.
Por favor.
A SRª TATIANA LIONÇO - Por favor, eu gostaria que reconsiderassem a contagem do tempo, porque, inclusive, ele parou de rodar bem depois que eu deixei de tomar a palavra aqui em público, O.k.?
Então, eu gostaria de deixar claro que eu considero imoral, abusiva e nociva a forma como certos Parlamentares tratam mulheres no Brasil, pelo menos mulheres como eu. Poderia me recusar a compartilhar minhas ideias com os senhores, e não o fiz justamente para poder comunicar que entendo que esta Casa não tem senhor nem dono. Esta é a Casa do Povo, e decidi comparecer hoje para tomar o meu assento porque me é de direito, e o faço inicialmente, esclarecendo que eu e muitas outras estamos conscientes do nosso direito à participação política.
Não subestimem a nossa capacidade de entender a importância da participação política. Por mais que seja louvável que estejam ampliando os mecanismos de comunicação virtuais com a sociedade civil, nós entendemos que a força e a potência de nossa participação política é, por exemplo, esta sugestão de ideia legislativa.
Mesmo que os senhores considerem inoportuno, indesejável ou mesmo politicamente desfavorável pautar o aborto, fomos nós, mulheres, que propusemos a pauta de acordo com o nosso direito constitucional à participação no processo democrático.
É louvável, portanto, que a matéria esteja sendo considerada, a despeito de nossos representantes, que pouco têm servido aos nossos interesses e muitas vezes têm atuado contrariamente aos nossos ensejos.
É muito grave o processo de desqualificação moral e de criminalização do ativismo político que tem sido movido por autoridades do Poder Legislativo no nosso País.
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Incluo aí a proposição de uma CPI do Aborto, que se dedica a reduzir a luta política feminista a crime de apologia ao aborto. Se não fosse possível questionar leis e o próprio ordenamento penal, sequer precisaríamos de um Congresso Nacional, sendo que esta Casa apenas existe para legitimar a participação do povo nas decisões do Estado.
Não subestimem também a nossa capacidade de compreender de modo complexo o processo democrático, entoando repetidamente que a maioria assim o deseja e que a maioria assim o escolhe. Estamos conscientes de que no nosso País coexistem formas distintas de democracia: temos a democracia representativa, mas também temos a democracia participativa. Então, para além do voto direto, o que eu estou fazendo aqui hoje e a proposição da sugestão legislativa é direito à participação direta no processo democrático. Nem sempre a maioria pode decidir justamente pelo conjunto da sociedade, pois, se a voz de grupos minoritários não puder ser escutada, estaremos vivendo uma sociedade que não cumpre a isonomia e a igualdade no direito a todas as pessoas.
Aproveito para lembrar também que respeito todas as mulheres, inclusive as contrárias ao aborto e que nossa proposta de lei não cercearia em nada seu direito a nunca interromper uma gravidez. Ainda que venham criar polêmicas morais em torno dessa matéria, saliento que é muito imprudente tratar tais questões como se mera disputa de ideias fosse. Não se trata meramente de disputa ideológica, mas de responsabilização do Estado sobre medidas a serem tomadas e que venham a impactar indicadores de morbidade e mortalidade que denunciam a vulnerabilidade de mulheres brasileiras a terem direitos básicos violados, como o direito à vida e à saúde.
Apenas uma sociedade que não se importa com as mulheres desconsideraria uma das maiores causas de óbito materno como uma questão de saúde pública. Ainda que venham a afirmar que muitas mulheres são contra o aborto, nós temos o direito de dizer que existem aquelas que o praticam, e isso não é suposição, mas uma evidência e, portanto, estamos diante de um fato social, e não de uma ideia ou ideologia. E seria, do meu ponto de vista, irresponsabilidade reduzir nosso debate hoje a uma disputa de quem é mais digna no modo de pensar ou de viver, dado que dignidade é direito humano inviolável.
Portanto, agora eu passo ao meu segundo ponto, que é esclarecer a posição do Sistema Conselhos de Psicologia em relação ao tema. No âmbito do Sistema Conselhos, o aborto já foi objeto de pauta e de deliberação democrática. Então, a instância de deliberação das posições, diretrizes éticas e técnicas da categoria profissional são os congressos nacionais da Psicologia. No 7º Congresso, realizado em 2010, a Psicologia se posicionou de modo favorável à descriminalização do aborto no País. Estipulou-se, inclusive, a missão de profissionais da categoria dialogarem com os movimentos sociais que lutam pela descriminalização e pelo acompanhamento da matéria nos projetos de lei quando fossem pautados, que é exatamente o que eu estou a fazer aqui hoje.
Também consta no relatório uma moção de apoio à legalização do aborto, que eu leio literalmente na redação original. Diz o conjunto de profissionais da Psicologia - abro aspas:
Reconhecendo tanto a complexidade do tema quanto os direitos sexuais reprodutivos das mulheres e entendendo a situação de sofrimento decorrente da criminalização e da falta de acesso aos serviços de saúde, os e as delegados e delegadas do 7º Congresso Nacional de Psicologia vêm manifestar seu apoio à legalização da prática do aborto no Brasil, independente de a gravidez ser decorrente de violência ou haver risco de morte para a mulher.
Em 2012, novamente a Psicologia volta a se posicionar na ocasião de um parecer do Conselho Federal de Medicina e também de pareceres de juristas por ocasião da revisão do Código Penal, onde se propôs a descriminalização do aborto. Na ocasião, o conjunto de juristas entendeu que as mulheres que decidissem interromper a gestação deveriam passar por uma perícia médico-psicológica, de modo que poderiam profissionais de Medicina e de Psicologia atestar a incapacidade de as mulheres assumirem a maternidade.
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Na ocasião, a Psicologia posicionou-se contrária a essa medida pericial, ressaltando que se trata de reconhecer a autonomia das mulheres no processo decisório. E é uma tendência, na orientação do exercício ético da profissão, não antecipar o futuro das pessoas, sequer determinar destinos para as mesmas.
Então, é uma tendência ética e técnica da categoria profissional da Psicologia também não essencializar incapacidades ou impotências das pessoas. De modo que, do ponto de vista da Psicologia, não cabe à perícia, na perspectiva do profissional de Psicologia, atestar incapacidade de mulheres em assumirem a maternidade.
A Psicologia também, reconhecendo a pluralidade moral e a livre consciência das pessoas, respeitando a autonomia de todas as pessoas, incluída a autonomia dos profissionais de Psicologia, também respeita o direito à objeção de consciência por parte de profissionais de Psicologia. Evidentemente, a Psicologia faz a ressalva de que, em casos de objeção de consciência, esse direito do profissional de Psicologia não deve sobrepor-se...
(Soa a campainha.)
A SRª TATIANA LIONÇO - ... ao direito da mulher, por livre consciência, em decidir pela interrupção da gestação.
Então, eu acho que isso é muito importante, e a Psicologia tem-se debruçado na qualificação técnica dos profissionais que atuam na rede pública, inclusive incluindo esse tema no diálogo próximo com a categoria de classe profissional, por meio dos congressos de discussão da relação da Psicologia com as políticas públicas.
Bom, eu espero ter trazido uma contribuição nova à Mesa, entendendo que, quanto mais ampliarmos o debate, mais importante e mais democrático ele será.
Finalizo, afirmando, usando um mote feminista que nasceu inclusive da favela, no Rio de Janeiro: "por nós, pelas outras e por mim", eu espero que por nós, pelas outras e por mim, que nós possamos chegar à proposição de um marco legal justo, que é o que considera toda a pluralidade do conjunto da sociedade.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Eu vou abrir uma deferência especial, porque nós temos aqui vários Parlamentares, representantes da Câmara Federal, representantes populares, e vou conceder a palavra ao Deputado Leonardo Quintão.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Muito obrigado, Presidente.
Quero parabenizar o debate, porque o debate é democrático. Em todo o debate tem que haver o respeito de ambas as partes, do "sim", do "não".
Sr. Presidente, eu quero esclarecer um fato aqui pertinente. Recebi, na parte da manhã, quando começaram os trabalhos desta Comissão, vários telefonemas, várias ligações a respeito da Profª Marcia Tiburi. Só vou esclarecer um fato, para que conste em ata. A Universidade Mackenzie está enviando para a Comissão também uma informação, porque está constando sobre o nome da professora "Professora de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie". Qual é o fato? Várias pessoas estão enviando mensagens dizendo que a instituição confessional é a favor do aborto, e não é. A Universidade Mackenzie é uma instituição confessional, presbiteriana e que é contra o aborto.
E o que eu peço aqui, com toda a gentileza, é que seja retirado, em relação ao nome da Professora Marcia Tiburi, o nome da Universidade Mackenzie, senão pode - e está acontecendo - haver o entendimento de que a professora está aqui representando a instituição, e não está. Eu conversei com ela anteriormente, e ela disse que está aqui como uma educadora. Então, eu peço, neste momento, seja retirado o nome da Universidade Mackenzie sobre o nome dela e seja colocado o currículo que ela tem na área da educação.
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Eu peço isso, que é importante. Nós não podemos permitir isso. E, com todo o respeito, Professora, não pode constar que você está aqui falando em nome da instituição. Eu peço que retirem isso, porque está trazendo...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Posso esclarecer, Deputado?
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Sim.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Na verdade, a professora não está representando aqui a Universidade Mackenzie.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Então, ela não fala em nome da instituição?
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não! Ela é professora da instituição. É só isso.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Ela está falando como educadora, com todo o direito, e tem o meu respeito.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Todas as pessoas que estão aqui - por exemplo, professora da UnB, professora da UFRJ, professora do Mackenzie - não estão representando a instituição. Está claro isso.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - E não falam em nome da instituição.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem!
Muito obrigado, Deputado.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eu também concedo, de uma maneira muito especial, a palavra ao Deputado Diego Garcia.
Com a palavra, Deputado.
O SR. DIEGO GARCIA (PHS - PR) - Muito obrigado, Senador.
É uma alegria poder estar aqui participando desta audiência sob a sua presidência.
Quero cumprimentar todos os participantes da Mesa, todos os Parlamentares presentes, todas as pessoas que participam desta audiência.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vou pedir silêncio, por favor, porque o Deputado está com a palavra.
O SR. DIEGO GARCIA (PHS - PR) - Tenho certeza de que esta audiência contribuirá - e muito - com o relatório do Senador Magno Malta, para que ele possa apresentar o seu voto. E as contribuições que estão sendo oferecidas aqui serão de grande importância para o seu relatório.
Bom, particularmente, do que consegui pegar das exposições que aqui foram apresentadas desde o momento em que cheguei, fiquei um pouco indignado com a apresentação de alguns dados, que divergem de dados já apresentados nesta Comissão: dados contrários, dados mentirosos, enganadores, tendenciosos com relação a essa proposta de legalização do aborto.
Um outro ponto que eu gostaria de ressaltar é que eu não consigo assimilar e entender como pessoas conseguem vir aqui falar favoravelmente a essa proposta e não se envergonharem e não sentirem vergonha.
Em 2011, representei o Estado do Paraná na Conferência Nacional de Políticas Públicas da Juventude. Esse evento foi um grande motivador para que eu me engajasse de vez na política e hoje representasse aqui o meu Estado do Paraná. Represento centenas de brasileiros e brasileiras que defendem a vida. Represento a maioria, a grande maioria deste País. Mas, naquela conferência, fui surpreendido por alguns grupos que reivindicavam o seu direito, alegando que tinham direito sobre o seu corpo. Mas esqueceram de citar o direito dos inocentes. Esqueceram-se de falar do direito daqueles que estão gritando no silêncio e morrendo, sendo assassinados. Eu não consigo entender como essas pessoas não se enchem de vergonha, não conseguem ter vergonha na cara, vindo aqui para falar favoravelmente a essa proposta, a esse projeto de lei que defendem. E não sentem vergonha do que aqui defendem.
Além de tudo aquilo que foi exposto, eu gostaria de ressaltar algo que a pesquisadora aqui pontuou, na sua fala, sobre os representantes religiosos de batina preta. Eu conheço alguns representantes de batina preta. Até hoje, todos os que eu conheci, neste País e fora deste País, são defensores da vida; são pessoas que estão dentro das Santas Casas, que estão nos asilos, que estão em diversas instituições dando a sua vida, dando a sua contribuição para a sociedade brasileira, para o mundo, salvando vidas e não tirando vidas.
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Eu gostaria de colocar para todos que estão presentes que, enquanto eu estiver neste Parlamento, da mesma forma que existem pessoas trabalhando, que existem Deputados apresentando projetos semelhantes na Câmara dos Deputados, tentando fazer de tudo, usando de todas as manobras para aprovar, por debaixo dos panos, um projeto semelhante a este que tramita aqui no Senado...
(Soa a campainha.)
O SR. DIEGO GARCIA (PHS - PR) - ... nós também estaremos lá, como estamos aqui e estaremos, até o fim desta Legislatura, lutando pela vida, lutando em defesa da vida, lutando em defesa dos inocentes. E eu serei uma das vozes, no Congresso Nacional, daqueles que não podem gritar, que gritam no silêncio, mas eu estarei aqui falando por eles e gritando por eles até o fim. Custe o que custar, nós defenderemos a vida aqui no Congresso Nacional.
Muito obrigado.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado. Obrigado, Deputado. (Palmas.)
Isto aqui não é um Fla-Flu, já falei. Não é Fla-Flu. Isto aqui é um debate profundo. Do mesmo modo que nós estamos ouvindo os expositores aqui, estamos ouvindo também o Deputado. O Deputado tem o direito de se expressar, e todos aqui têm o direito de se expressar também e de dar os seus dados, os seus números. Nós podemos discordar, mas temos de discordar dentro dos limites da democracia.
Eu estou conduzindo esta audiência pública com enorme satisfação, porque acho que este é um debate fundamental; é um debate que envolve milhões de pessoas. Estão aqui os dados. Eu estou recebendo-os aqui. Olhem só a quantidade de questionamentos que nós estamos recebendo das pessoas que nos acompanham ao vivo pela TV Senado. Nós estamos ao vivo pela TV Senado. E é importante que se saiba que este debate diz respeito a milhões de pessoas. Portanto, não é um Fla-Flu; aqui não é o Maracanã. Aqui é uma Comissão de Direitos Humanos, e para cá nós trazemos os mais graves problemas da sociedade brasileira. Aqui não chegam comemorações e festas. Aqui só chegam traumas vividos pela sociedade brasileira. E a nossa obrigação é debater, aprofundar e fazer encaminhamentos.
Portanto, eu adoro as torcidas, mas este não é um ambiente de torcida; aqui não é um ambiente de torcida. Aqui é um ambiente de debate, um ambiente de integração e de muita responsabilidade.
Eu passo a palavra ao Padre Paulo Ricardo.
Por favor, Padre Paulo, com a palavra. (Palmas.)
O SR. PAULO RICARDO - Bom dia a todos! Bom dia ao Senador Capiberibe, a quem saúdo e, saudando-o saúdo todos os Senadores, especialmente os Senadores Paim e Magno Malta, que nos agraciaram com o convite para estar aqui, e a todos os componentes da Mesa.
Gostaria de pedir que vocês abstraíssem a batina de quem lhes fala. Eu estou aqui como um cidadão brasileiro. Estou aqui não para ler o catecismo, não para ler a Bíblia, mas para argumentar racionalmente como todos nós, seres humanos racionais e cidadãos, temos o direito de argumentar pelo bem e pelo futuro do nosso País.
Como dizia Hilaire Belloc, os livros que mudaram a humanidade geralmente não são muito conhecidos, ou não fizeram grande sucesso editorial, pelo menos a grande maioria dos livros. Há exceções, como a Bíblia, por exemplo, mas a maior parte dos livros que mudaram a nossa vida não são conhecidos pelo grande público.
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Eu gostaria de acrescentar aqui algumas notas de rodapé para a gente acontecer o que está acontecendo com o mundo, porque o mundo, até a década de 1960, era totalmente contrário ao aborto. De repente, na década de 1960, eclode essa vontade de legalizar o aborto.
Por que isso aconteceu? Isso aconteceu por acaso?
Como colocava a Drª Sônia Corrêa, é por acaso uma questão de mudança histórica. Simplesmente a história amadureceu. Antes, nós tínhamos a menoridade, as mulheres não eram cidadãs. Agora, são cidadãs; então, pronto: todo mundo acordou, e agora se pode realizar o aborto.
Na realidade, nós estamos diante de uma coisa chamada engenharia social. Eu afirmo e, como quem afirma tem o ônus de provar isso, eu gostaria aqui de fazer um sincero convite a todas as feministas que estão aqui presentes e às pessoas que defendem o aborto para que analisassem os fatos. Isso porque eu temo que vocês estejam sendo manipuladas. Temo e não somente temo, mas tenho certeza, e seria bom até que vocês, considerando esses fatos, passassem para o nosso lado.
E digo isso por quê?
No dia 5 de maio, esteve aqui nesta Comissão a Isabela Mantovani, que mostrou na sua palestra, claramente, todas as estatísticas com relação ao aborto. Ou seja, quantos abortos realmente acontecem no País: por ano, estima-se que sejam cerca de cem mil abortos, sem alarmismos estatísticos.
A própria Drª Débora Diniz fez uma pesquisa aclamada mundialmente, pois ela recebeu um prêmio por essa pesquisa de 2010, da Opas. E ela deu a nós, que somos pró-vida, um dado extraordinário e importantíssimo para que pudéssemos calcular o número de abortos, porque nós não sabíamos ainda. Nós agradecemos por essa pesquisa científica, em que ela chegou à conclusão de que, para cada dois abortos, há um procedimento com internação, um procedimento clínico. Ou seja, em cada dois abortos, em um a mulher procura o sistema de saúde.
Ora, olhando os dados do SUS, eles nos falam claramente o número de curetagens. Nós fomos fazer uma avaliação dos médicos que conhecemos, porque, graças a Deus, os pró-vida têm uma grande atuação também nos hospitais, e chegamos à conclusão de que cerca de um quarto dessas curetagens são por abortos provocados e três quartos são por abortos naturais. Então, chegamos ao número de 100 mil abortos por ano, e um número que está caindo, porque o número de curetagens tem diminuído cerca de 10% por ano, o que acompanha a pesquisa de opinião popular, porque, de fato, a aprovação do aborto no Brasil tem caído vertiginosamente.
Agora, é importante a gente entender - desculpe-me, Drª Débora - que, com 12 semanas, não se trata de embrião, pois cientificamente é feto. E esse feto já tem cabeça, membros, tronco, órgãos; está plenamente desenvolvido e não é uma bola de sangue. Não é uma bola de sangue: trata-se de um ser humano, com toda a clareza. Qualquer um que estude o desenvolvimento do ser humano no útero consegue enxergar isso.
Agora, por que eu disse que isso aqui é manipulação das fundações?
Esteve aqui a Fernanda Takitani, no dia 28 de maio, e falou claramente da estratégia das fundações, da Fundação Ford e das outras fundações, com relação a essa questão da aprovação do aborto. Isso é fato; não é hipótese. As fundações estão nos manipulando, e são fundações internacionais que não estão aqui no Brasil que estão decidindo e manipulando o futuro do nosso País. Ora, isso aqui é muito claro.
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As pessoas que quiserem ler tanto a conferência da Isabela Mantovani como a da Fernanda Takitani vão encontrar no meu site todos esses documentos que vou citar aqui. Por quê? Porque eu tenho de afirmar e tenho de mostrar. Então, vamos mostrar os documentos.
O documento que eu gostaria de citar aqui é o Documento nº 6, que está lá no meu site agora. É um relatório da Fundação Ford, em que a Fundação Ford, como ré confessa, diz com toda a clareza... É a Fundação Ford dizendo; não sou eu dizendo, não é o Papa dizendo, não é um pastor dizendo. É a Fundação Ford, ela mesma dizendo que, nas décadas de 50 e de 60, a preocupação deles com o crescimento populacional fez com que eles investissem em aborto. Vão encontrar isso na p. 2. Investiu em aborto, mas investiu em algo errado, porque investiu em questões médicas.
Acontece que as próprias fundações também andaram desenvolvendo estudos da Sociologia e da Antropologia, através do Fundo Memorial Laura Spelman, que é ligado à Fundação Rockefeller, pois é Laura Spelman Rockefeller. E, por meio do estudo sociológico, eles chegaram à conclusão de que não adianta investir na questão médica; é preciso que se invista na questão de Sociologia. Por quê? Porque a Sociologia, a partir do Sr. Durkheim, passou a ser um estudo daqueles mecanismos de punição e de recompensa que fazem com que os indivíduos se comportem na sociedade.
Então, os sociólogos começaram a achar que é, através desse sistema de recompensas e de punições, que as pessoas são manipuladas. Então, através desses sociólogos, principalmente o Sr. Kingsley Davis, que foi professor da Adrienne Germain, que foi quem trouxe tudo isso para dentro da Fundação Ford e da Rockefeller, sobre conselho populacional, eles chegaram à conclusão de que não adianta, pois o indivíduo não escolhe como se comportar. É a sociedade, a estrutura da sociedade que modela o comportamento do indivíduo. Então, vamos mudar a sociedade. A própria Fundação Ford diz, nesse relatório, claramente, como eles começaram a investir e a focalizar para mudar o comportamento das pessoas.
Então, trata-se de verdadeira manipulação em engenharia social. Nós estamos sendo feitos de bobos por essas fundações. Por quê? Porque eles dizem que a sociedade estrutura o comportamento das pessoas e que nós somos vítimas, que nós temos de aceitar...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RICARDO - ... o que a sociedade, na sua estrutura, nos impõe; exceto eles, que são os iluminados, os maravilhosos. E eles sabem o que é bom para nós. Nós estamos todos relegados à menoridade e não temos o direito de saber o que é bom para nós. São as fundações que vão nos dizer. Então, a democracia brasileira não vale nada. Nós temos agora de aceitar o que as fundações nos dizem.
Ora, meus caríssimos, como algumas das nossas palestrantes aqui disseram, de fato, trata-se de olhar para o que querem as minorias. Mas não são as minorias das periferias das cidades. Trata-se realmente de minorias, mas o nome dessa minoria talvez recebesse um nome melhor se a chamássemos de "elite globalista". É uma minoria minúscula que está comandando.
Então, os documentos estão aí. Eu estou afirmando e está documentado. Quem quiser olhar leia, por favor, o livro do Christian Smith - The Sacred Project of American Sociology. Ele mostra claramente que a finalidade da Sociologia é organizar a felicidade. Mudando os mecanismos sociais é que nós destruiremos o mal. Esse é o método eficiente, diz ele, e não as piedosas exortações dos líderes religiosos. Nós temos de mudar o mecanismo social, temos de mudar a estrutura da família, temos de mudar a necessidade, essa coisa de complementaridade entre homem e mulher; tem de mudar tudo isso. E isso tudo foi dito, com toda a clareza, num artigo importantíssimo de Kingsley Davis, que foi publicado em 1967.
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(Soa a campainha.)
O SR. PAULO RICARDO - Vocês vão encontrar esse artigo também no meu site, em que está escrito: Política Populacional: os programas atuais terão sucesso?
Ele diz isso claramente. E foi isso que abriu os olhos das fundações: "Parem de investir em médicos! Vocês têm de investir em sociólogos, para que os sociólogos mudem". E aí esses sociólogos vieram também; investiu-se neles aqui no Brasil. A Macarthur investiu. No rodízio das fundações, foi a ela que coube o Brasil.
E vocês podem ler, no meu site, o documento da própria Fundação Macarthur, o Doc. nº 7 - Lessons Learned -, em que ela faz um relatório dos dez anos de atuação, de 1990 a 2002. E a Fundação Macarthur fala com toda a clareza, inclusive nomeando, nesse documento, inúmeras pessoas que receberam bolsa da Macarthur para estudar Antropologia, Sociologia aqui, no nosso País.
Ora, nós estamos, então, sendo manipulados. Esse é o nome. E seria importante que os nossos legisladores se dessem conta de que a coisa aqui é a seguinte: quem está realizando essa revolução social não são nem as igrejas, nem as famílias, nem os próprios governantes. É um pequeno grupo da elite globalista que está fazendo tudo isso.
Para finalizar, a própria fundadora das Católicas pelo Direito de Decidir, Frances Kissling, se pergunta. E, nessa longa entrevista que ela deu sobre a vida dela - está lá também no meu site o documento -, ela se pergunta: "Eu sempre perguntei para essas fundações se nós estaríamos sendo manipulados?" Eu perguntava para eles: "E se, por acaso, parar o crescimento populacional, vocês vão parar de investir no direito das mulheres?" Eles nunca responderam. Eles sempre responderam com uma evasiva. E isso é Frances Kissling, fundadora das Católicas pelo Direito de Decidir. E ela ficou nesta dúvida: "será que nós estamos sendo manipuladas?".
Pois bem, eu gostaria de responder à Sr. Kissling: vocês estão sendo manipuladas. Basta ler os relatórios das fundações internacionais. Eu não estou citando catecismo; eu não estou citando Bíblia; eu estou citando documentos públicos e notórios. E não me venham com esse nhem-nhem-nhem de laicidade do Estado, porque isso é maracutaia!
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado. Muito obrigado. Há um entusiasmo, uma torcida entusiasmada. Muito obrigado a todos. Obrigado pelo aplauso.
Dando sequência, eu gostaria de abrir a palavra para todos, mas isso não vai ser possível. Então, nós vamos ter de estabelecer aqui um critério para, depois de concluir a Mesa, porque os convidados não podem ficar aqui sem se manifestarem. Os convidados estão aqui na Mesa. Há algumas instituições representadas aqui, a quem, logo em seguida, nós vamos dar a palavra. Mas eu quero esgotar aqui. Nós temos dois apenas.
Eu gostaria de passar a palavra à Prof. Marcia Tiburi. Do mesmo jeito que o Pe. Paulo não representa aqui o Papa - eu imagino que não -, a professora Marcia não representa a Universidade Mackenzie. Está esclarecido, Deputado?
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Eu gostaria de usar da palavra, por gentileza.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eu vou esgotar aqui. Eu já lhe oportunizei uma vez.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Sr. Presidente, eu gostaria de usar da palavra, por gentileza, antes da fala da prof. Marcia.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não. V. Exª vai ter paciência, pois agora a palavra é da Prof. Marcia.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Sr. Presidente, eu gostaria de esclarecer, com toda a gentileza de V. Exª, que a educadora Marcia, com todo o respeito, como educadora, não fala em nome da instituição Mackenzie.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Isso está esclarecido, Deputado. Já está esclarecido pelo Presidente da Comissão.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Ela está expressando...
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Isso já está esclarecido.
A SRª MARCIA TIBURI - Obrigada, Senador.
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vamos descontar o seu tempo. Pode ficar tranquila.
A SRª MARCIA TIBURI - Obrigada.
Bom dia. Obrigada, Senador João Capiberibe. Só para deixar tranquilo o Deputado: de fato, eu sou professora da Universidade Mackenzie e, como eu viajo o Brasil todo e sempre levo o nome da universidade à qual sou filiada comigo, não vi que houvesse nenhum problema. Não sei qual a posição da universidade, mas imagino que muitas pessoas como eu que são defensoras da legalização do aborto trabalhem nessa universidade.
De qualquer maneira, não tenho nenhuma relação de credo nem com o catolicismo, nem com o protestantismo, nem com o presbiterianismo. Eu não me lembro sequer de ter entrado em uma igreja presbiteriana, com todo o respeito. Se algum dia eu puder entrar e assistir ao culto, vou com o maior prazer.
Mas o Deputado está muito preocupado. Então, eu gostaria de tranquilizá-lo. Fique tranquilo.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG. Fora do microfone.) - Obrigado.
A SRª MARCIA TIBURI - Imagina. Eu que agradeço.
Gostaria de iniciar esta exposição fazendo um pedido de cuidadosa reflexão conjunta e de generosidade em relação ao tema do aborto. Sabemos que disputas conceituais são disputas políticas, e ideias movem o mundo. A crítica de certas ideias evita a mistificação, o preconceito e a má-fé que atrapalham uma visão mais razoável das questões que nos tocam, no caso, neste momento, o tema do aborto.
Por isso, meu objetivo prático com o que digo a seguir, além de evitar discursos que sigam em direção falaciosa, é construir uma visão mais razoável do problema da legalidade e da ilegalidade do aborto em nosso País, chamando para um diálogo real, que envolva a todos os implicados, ou seja, a sociedade e todos os seus representantes.
Há fatores político-econômicos em jogo em torno dos quais riscamos com o giz da demagogia um círculo cínico em torno do problema do aborto. Julgamentos morais cruéis contra mulheres transformam o aborto em metáfora do mal, fazendo funcionar uma máquina destrutiva do reconhecimento do lugar das mulheres, de sua alteridade, da autonomia sobre suas vidas e corpos e uma máquina que funciona contra o desejo e as necessidades das mulheres quando se trata de gestação, maternidade, saúde emocional, física e social.
O direito de decidir é a nossa questão, porque, de fato, já decidimos. Decidimos todos os dias há milênios. Meu interesse é, portanto, contribuir para que se devolva às mulheres a discussão e a decisão sobre a questão do aborto, decisão que se toma todos os dias quando se fica grávida e se é obrigada a optar pelo aborto em condições clandestinas, ilegais e fisicamente inseguras.
Gostaria, sim, de desenvolver dois aspectos para contribuir para a fundamentação da legalização do aborto entre nós.
A primeira diz respeito ao que eu chamei de círculo cínico. A questão do aborto está enredada no que podemos chamar de círculo cínico da estrutura social machista. Ele se compõe de um enganador e um enganado que aceita sua posição de otário. A principal característica desse círculo é uma espécie de acordo de fingimento em que uns fingem não abortar enquanto outros falam contra o aborto.
Todos sabemos que mulheres de todas as classes sociais, idades e, inclusive, credos fazem aborto. E muitas fingem não fazer, pois o ônus da verdade é, muitas vezes, impagável. Homens e mulheres fazem parte do círculo cínico, sempre falando na posição de articuladores da verdade sobre o aborto. O grito da indignação moral é a verdade ética e metafísica que se deve sustentar de maneira espetacular. As instituições conservadoras garantem, por meio dele, o que podemos chamar de lucro moral por meio do discurso contra o aborto.
Além disso, a função do cinismo machista é sustentar a alienação das mulheres sobre o seu próprio corpo. Evita-se promover a reflexão sobre o tema do aborto, impedindo-se que mulheres se tornem sujeitos de sua decisão. Mas as mulheres abortam.
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As que falam, afirmando que fizeram aborto, ou lutam por sua abertura negam a verdade cínica e são sumariamente tratadas como imorais. Perdem, portanto, a mais valia moral altamente alienada e antipolítica, que também sustenta o círculo cínico do machismo estrutural. Diante disso, resta-nos o pseudodebate. Ele visa a descartar a voz, a necessidade e o desejo das mulheres e, por fim, levá-las, já que são as mulheres pobres que mais precisam da legalização, à morte.
Fácil criminalizá-las, fácil matá-las, fácil para o Estado não se responsabilizar por essa pena de morta contra mulheres pobres. Ora, vítimas do aborto como metáfora do mal, aborto que elas devem assumir como tabu, as mulheres são elas mesmas abortadas pelo cinismo discursivo. Abortam-se as mulheres para que elas não abortem. Eis o lema subterrâneo do discurso do cinismo machista ao qual estamos enredadas.
Isso posto, passo a uma classificação das falácias envolvidas no discurso cínico da dominação masculina. Falácias são ideias prontas, verdades inquestionáveis, que tem um sentido aparente mas não se sustentam quando questionadas. Por que as pessoas usam falácias? Porque assim podem vencem um debate sem precisar ter razão. Quem sabe usá-las consegue manipular argumentos, mascarando de argumentos, justamente opiniões falsas. Quem não as conhece repete argumentos falsos sem questioná-los.
Eu dividi as falácias em tipos. Todas elas se relacionam e interseccionam-se entre si. Vou passar a sua enunciação e sobre algumas delas vou falar um pouco mais; outras eu vou simplesmente anunciar.
A primeira e mais importante falácia é a falácia da ordem do discurso. Ela é a mais importante de todas. Por meio delas se afirma, por exemplo, o termo aborto em abstrato, quando, na verdade, se trata, nos debates sobre a questão do tema da legalização do aborto. Dificilmente alguém se afirmará favorável ao aborto em si.
Ora, essa falácia tem cunho moralizante. A metáfora do aborto como o mal, como definidor do caráter de quem se afirma favorável à legalização está em jogo. O bom caráter, como fato moral é reservado àquele que se diz contra o aborto. No julgamento selvagem, uma espécie de processo penal popular, instala-se contra os defensores da legalização previamente punidos com a pecha de imorais pelos juízes da moral que os tratam como criminosos em potencial ou defensores de criminosos - gente do mal.
O simples fato de se levantar a hipótese de que o aborto não deveria ser um crime, que deveria, portanto, ser descriminalizado, causa ódio naqueles que podemos definir como defensores da ilegalidade do aborto. A defesa da legalização é tratada como um crime previamente punido com estigmas moralizantes. Consegue-se por meio dela a sustentação moral da ilegalidade e também jurídica.
Os que pregam contra o aborto, na verdade, pregam, querendo ou não, sua ilegalidade, já que o aborto é uma prática comum que nunca deixou nem deixará de ser realizada por mulheres de todas as idades, dentro de seus credos, possibilidades e necessidades. A assimetria entre defesa do aborto e defesa da legalização do aborto é a questão que precisa ser revista para não cairmos na defesa da pura e simples ilegalidade. Portanto, é a sustentação da ilegalidade promovida pelos sacerdotes da moral o que devemos questionar hoje.
Outra falácia muito interessante é a do apelo à autoridade. Apela-se, por exemplo, à autoridade dos médicos, à autoridade do Papa e dos Padres da Igreja, sobretudo à autoridade de Aristóteles, São Tomás de Aquino, à autoridade moral de uma mãe, de uma mulher mais velha, que nunca fez aborto. Essa falácia, aliás, tem algo de performático e teatral. Sem esse tipo de falácia não é possível se falar nada sobre o aborto nem sustentar esse pseudodebate no qual estamos envolvidos.
Outra falácia importante é a falácia do amor aos filhos. Ela se confunde com a anterior, do apelo à mãe como uma mulher mais velha, enquanto autoridade moral. Não há como provar nada em termos de sentimentos subjetivos, mas se usa um afeto como prova de uma verdade que valha para todos em nível universal. Por esse conjunto de falácias, só não vale a autoridade ou o sentimento da mulher que precisa ou deseja abortar. Não vale jamais o seu desejo porque a uma mulher se nega historicamente o seu desejo, e essa falácia reforça essa desvalorização.
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Outra falácia importante é a falácia do apelo à mulher inconsequente; a mulher que engravida porque fez sexo. Com essa falácia, se consegue a culpabilização das mulheres contra a irresponsabilidade estatal.
Outra falácia importante é a falácia do apelo à natureza, quando se diz, então, que aquilo que é natural é bom e o artificial é ruim. Uma mulher quer ser mãe, uma mulher, por exemplo, que não desejasse ser mãe seria uma mãe desnaturada, ou uma mulher que fizesse um aborto seria uma mãe que teria, na verdade, conspurcado sua própria natureza. Essa falácia tem a ver com a falácia maternalista, justamente da mãe desnaturada.
Outra falácia importante é a falácia do apelo ao valor da vida. Sobre essa se fala muito. Ela está ligada à falácia do apelo ao assassinato de inocentes e também à falácia do apelo à vida do embrião. Essa falácia do apelo à vida do embrião é uma falácia também de desproporção porque trata o corpo da mulher como uma vida menor do que a vida do embrião e trata a mulher como um mero hospedeiro, ou seja, como um meio na direção de um fim, que é um embrião. A mulher, portanto, a gestante, a mulher grávida, é desconsiderada e é destratada como um ser de direitos. Então, consegue-se com isso desespiritualizar o corpo da mulher por meio de uma espiritualização do corpo do embrião. E com isso, é claro, que se assegura, dentro do contexto, um capital moral, um lucro moral para essas pessoas que falam contra o aborto.
Outra falácia importante é a do não pertencimento. Só para fechar, porque o tempo, realmente, é curto. São as falácias religiosas. Essas são as mais interessantes: falácia do arrependimento, falácia do destino, falácia do sofrimento a ser encarado, falácia da perda do reino de Deus após a morte. Todos os argumentos religiosos são falaciosos porque se propõe como universais, mas ocultam que as crenças não são universais e que o Estado brasileiro, nesse caso, além de tudo, é laico. Logo, a decisão deveria ser pensada em cada contexto pessoal, e o Estado deveria garantir condições saudáveis para mulheres que necessitem abortar, sejam quais forem essas necessidades. Esse tipo de argumento também serve para ocultar o elemento pessoal, pois implica a liberdade.
Conclusão: o tema aborto é eminentemente biopolítico, mais valia moral que reforça o poder das instituições em um quadro social irreflexivo, ausência total de pensamento, de respeito ao outro. Falar contra o aborto é para moralistas...
(Soa a campainha.)
A SRª MARCIA TIBURI - ...politicamente correto; afirmar o aborto como assassinato em vez de olhar para a necessidade de sua legalização como questão de saúde pública ou de liberdade feminina também. Vociferar contra o aborto é apenas um modo biopolítico de controlar a vida das mulheres, de perscrutar seus atos por meio de seus corpos, mas, sobretudo, um modo de angariar adeptos a causas autoritárias de um modo geral no âmbito do senso comum.
O que se ganha e quem ganha com isso? Sacerdotes da fala antiabortista promovem o discurso com se convencem as massas ignaras. Em um país de pessoas analfabetas, inclusive as mulheres, e de corrupção desmedida em termos morais, estão garantidos os votos, o dízimo e o consumo em geral.
A legalização do aborto é, portanto, parte fundamental...
(Manifestação da plateia.)
A SRª MARCIA TIBURI - ...de um processo democrático socialmente responsável.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Há uma mensagem aqui do Senador Magno Malta, do seu leito de enfermidade. Envia-nos uma mensagem parabenizando os expositores pelo nível do debate e que fará contato com todos, com cada um que participa deste debate.
Agradecemos a audiência do Senado Magno Malta. Ele tem algumas questões, algumas perguntas, que, logo após encerrarmos a última fala ilustre desta Mesa, a da Vereadora Heloisa Helena, que viajou mais de dois mil quilômetros para participar conosco deste importante debate sobre um tema fundamental, eu diria, para milhões de brasileiros e de brasileiras...
Vamos começar pelos Deputados e vou abrir porque o tempo já começa a apertar e não vou ficar falando.
Passo a palavra à Vereadora e Senadora Heloisa Helena, de Alagoas.
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A SRª HELOISA HELENA - Primeiro, quero abraçar carinhosamente todas e todos, dizer que este é um debate de altíssima complexidade, mexe, sem dúvida, com juízos de valores, dogmas à direita e à esquerda, no ateísmo e nas religiões. Não é uma coisa simples de ser tratada. É muito difícil, e, às vezes, as bases dos argumentos que nos levam a ter determinadas posições não necessariamente são iguais.
A Drª Viviane tem uma posição idêntica a minha contra a ampliação da legalização do aborto. Entretanto, tenho profundas divergências com ela em relação aos aspectos econômicos que foram aqui trabalhados. Do mesmo jeito, que eu tenho profundas divergências com a Drª Débora em relação a essa questão e temos identidade em relação à discussão de não se permitir a redução da maioridade penal, já que no Brasil já se prendem crianças com 12 anos de idade, que é a data da responsabilidade penal.
Eu não tenho nenhuma predisposição a fazer malabarismos demagógicos e patrocinar o cinismo, a dissimulação, porque eu sou daquele tipo de gente, que sob vaia ou sob aplauso, pode ser pendurada no pau de arara, sangrando pelos ouvidos, eu defendo o que eu entendo que é minha obrigação fazê-lo. Esses debates são acalorados? São. Normal que sejam, porque as pessoas, realmente, tratam disso.
Então, o debate da legalização do aborto não é novo nem no Brasil nem na história da humanidade. Aliás, eu respeito totalmente, tenho profunda divergência, mas respeito, Senador Capiberibe, quando se diz assim: a autodeterminação moral da mulher em relação ao seu corpo depende exclusivamente dela. Eu tenho divergência, mas eu respeito. Eu tenho muita dificuldade de aceitar esse debate, que, inclusive, foi, ao contrário do que se pensa, introduzido pelas religiões ao longo da história da humanidade, que é de tratar de prazos. Não sei quantas semanas, outras semanas e tal. Esse debate, isso para mim, é cinismo, dissimulação e malabarismo demagógico.
Quem defende a autodeterminação em relação ao seu corpo, se vai ser uma cureta, arrancando os pedaços de uma criança, uma sucção mecânica ou incisão no ventre para que a crianças seja retirada, é outra história. Porque é isso que está sendo discutido. Quem, ao longo da história da humanidade, tratou de prazos foram as religiões. Aliás, em 1230, as Decretais do Papa Gregório defendiam o aborto e nem por isso são consideradas mais avançados ou não. Diferenciavam o feto animado e o feto inanimado. Foi inclusive uma grande polêmica entre o Santo Agostinho, São Basílio e outros mais. Então, não é esse tempo que vai significar a minha posição em relação a isso.
Eu vou falar por que eu sou contra a ampliação da legalização do aborto. Não significa estabelecer nenhuma valoração de bonzinho, de malzinho em relação a quem faz ou a quem não faz. Esses aspectos ligados à complexa subjetividade humana eu não vou analisar aqui.
Todo esse chamado conflito de direitos fundamentais não é a primeira vez que esta Casa e várias outras Casas legislativas discutem isso. Não é a primeira vez, até porque quando se discutiram outras modalidades de aborto, porque existem outras formas de aborto legalizadas no Brasil, seja em relação ao risco da mãe, seja em relação à violência sexual ou até em relação à decisão jurídica da anencefalia - não é disso que estamos tratando aqui -, do mesmo jeito, quando se introduziu o debate sobre células-tronco também colocaram alguns impeditivos. Quais sejam, não se poderia manipular embriões para engenharia genética ou clonagem humana. Então, eu sou contra a ampliação, porque, de fato, é isso que está sendo tratado, por algo que as pessoas podem considerar menor, simplório.
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Antes eu quero tratar dos dados de saúde pública, porque malabarismos técnicos qualquer um de nós sabemos fazer e podemos fazer com base nas estatísticas. Aconselho as pessoas que, para analisarem as estatísticas relacionadas à mortalidade mulheres no Brasil e mortalidade materna, entrem agora na página do Ministério da Saúde, na página do Datasus, para ter a oportunidade de ver isso. Vão ter a oportunidade de ver os dados já revisados pelo Ministério da Saúde, todos os dados revisados, e vão ter a oportunidade de ver o consolidado já agora, até o mês de julho. Portanto, o debate de que o aborto provocado é um problema grave de saúde pública é malabarismo técnico, uma fraude técnica para se tentar introduzir um debate.
Vou falar dos dados, porque, como cheguei atrasada, não tive oportunidade de colocar lá.
Se você entrar agora no site do Ministério da Saúde, de causas definidas, porque as causas maldefinidas que estão no Ministério da Saúde, como elas atingem mais crianças de um a quatro anos e com mais de cinquenta anos, essas não entrariam, porque é percentual pequeno.
O que estamos discutindo é que morrem no Brasil 470.835 mulheres. Dessas 470.835, porque, vou repetir, não vou usar o dado das 504 mil, porque um pequeno percentual das causas maldefinidas estão relacionadas a um percentual que não está, entre aspas, "fazendo" o aborto. Quatrocentos e setenta mil, oitocentos e trinta e cinco mulheres morrem no Brasil. Dessas, 1.610, portanto, menos de 0,3%, morrem de causas chamadas de mortes maternas, que são todos os óbitos relacionados à gestação, parto, puerpério, complicações diretas ou indiretas da gravidez. Isso é fato e está na página do Ministério da Saúde. Dessas 1.610, quando nós calculamos, o fizemos com base inclusive em mulheres de idade fértil. Se fizermos assim, em mulheres de idade fértil, cresce um pouco mais o percentual, porque, em relação a todos os óbitos que acontecem com mulheres no Brasil, porque as crônicas degenerativas e cardiovasculares ou até os agravos externos relacionados a homicídios são muitíssimo maiores, dessas 470 mil mulheres que morrem, 1.600 morreram por causas morreram por causas relacionadas à gestação, parto e puerpério. Em relação ao aborto, dados do Ministério da Saúde, em relação aos óbitos - basta pegar a tabela - gravidez terminada por aborto, são 135 casos. Isso corresponde a 0,03% dos óbitos que acontecem no Brasil com relação às mulheres. Isso é fato.
Então, se as pessoas querem discutir a autodeterminação moral... Não estou discutindo religião, não tem nenhuma discussão de religião, até porque o fanatismo, ao longo da história...
(Soa a campainha.)
A SRª HELOISA HELENA - ...da humanidade, o fanatismo, seja das religiões, seja do ateísmo, promoveu histórias lamentáveis de humilhação, destruição, perseguição e sofrimento. O que nós aqui estamos dizendo é que essa coisa maravilhosa, que é a vida humana, não é imposição à mulher a cuidar e criar os filhos, porque no Brasil existem mecanismos objetivos que não obrigam a mulher a amar e a criar. O que estamos discutindo é que nove meses na vida de uma mulher, se a gestação for a termo, não podem ser maiores do que a vida toda na existência que se encerra nessa célula belíssima e maravilhosa, independente de qual nome seja dado a ela, com código genético único, em toda a história da espécie, que é a vida humana intrauterina.
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Então, não adianta debater prazos e detalhes. Essa vida humana intrauterina não pode ser deixada de lado diante desses nove meses da existência de uma mulher adulta. Portanto, ampliar isso e criar prazo, Senador Capiberibe, Senadores e Deputados, é a introdução do debate religioso, porque foi o debate religioso, muitas religiões, que estabelece prazos distintos, de onde é que tem alma, de onde é feto animado, onde é feto inanimado, onde é isso e aquilo outro. Não se trata disso.
Trata-se dessa coisinha linda, belíssima, única que, mesmo antes de ter essa apresentação formal, antes de ter uma estrutura óssea, tem um coração que bate de forma belíssima, antes mesmo disso, é um código genético único, é uma única célula que, ao se reproduzir, faz todos os seres multicelulares.
(Soa a campainha.)
A SRª HELOISA HELENA - Então, é disso que estamos falando. Não é malabarismo nem fraude técnica, não é cinismo demagógico religioso ou do ateísmo à direita ou à esquerda. Defender a vida e a não ampliação significa, inclusive, políticas pública qualificadas para as mulheres antes, durante a gravidez e depois, inclusive nos processos mesmos relacionados à adoção, abrigamento provisório, ao planejamento familiar.
Portanto, pode-se acusar de cinismo, demagogia e malabarismo técnico um lado, igualmente se pode dizer do outro também.
Então, desculpem-me ter passado o tempo, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Senadora. É uma satisfação e uma alegria para nós revê-la.
Registro a presença do Senador Randolfe Rodrigues. Consulto se deseja usar da palavra imediatamente.
Tenho uma série de perguntas do Senador Magno Malta.
Pelo Regimento, a palavra é prioritária aos Senadores. Em seguida, faço as perguntas e passo para os Deputados.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Sr. Presidente, fique à vontade. Acho que completamos a Mesa. A gente intervém em seguida. Eu só queria...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - A Mesa concluiu.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Então, farei em seguida. Cheguei ao final do debate.
Queria só fazer uma saudação e expressar meu acordo com a belíssima intervenção de uma companheira que inspira todas as pessoas de bem e decentes deste Brasil, que é Heloisa Helena. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador.
Aqui tenho uma, duas, três - e olha que o Senador Magno Malta está atento ao nosso debate -, quatro questões, mas vou primeiro passar a palavra... O Senador Magno Malta vai entender, porque temos dois Deputados que pretendem usar da palavra.
Tenho aqui, pela ordem, o Deputado Flavinho, do PSB de São Paulo, o Deputado Evandro Gussi e também o Deputado Leonardo Quintão.
Vamos começar pelo Deputado Flavinho.
O SR. FLAVINHO (PSB - SP) - Bom dia! Bom dia, Senador Capiberibe, somos do mesmo Partido; bom dia, Deputados e Senadores que aqui estão; bom dia aos que compõem a Mesa; bom dia a todos os convidados para esta audiência pública tão importante aqui no Senado - é a segunda de que tenho oportunidade de participar aqui.
Sou Deputado Federal de primeiro mandato, fui eleito com mais de 90 mil votos em São Paulo, nunca tive um cargo público, sou religioso da Igreja Católica, missionário atuante, tenho meus valores morais, religiosos, mas desde o primeiro dia nesta Casa me dispus a atuar como legislador que pauta suas ações na sua ideologia, claro, quando a ideologia é colocada sobre a mesa. Faço parte da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e, no primeiro dia na Comissão, deixei muito claro que em todas as vezes em que os Parlamentares colocassem sobre a mesa de discussão suas ideologias, eu também colocaria a minha; toda a vez que pautássemos a conversa no nível político, eu estaria discutindo no nível político.
Como a Vereadora Heloisa Helena - aliás, tenho um carinho muito grande pelo seu Estado, inclusive tenho amigos em Palmeira dos Índios, temos essa proximidade pelo Estado, um Estado que amo muito, que é o Estado de Alagoas -, como a senhora dizia, acho muito importante também que não caiamos nem num extremismo e nem no outro. Temos que defender a vida e a vida está acima de tudo.
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Quero partir, apesar de não querer entrar na questão religiosa num primeiro momento, do que disse o próprio Jesus no Evangelho segundo São João, capítulo 10, versículo 10: "Eu vim para que tenham vida e vida em abundância!" Todos nós, desde uma criança que está no ventre até uma mãe, seja pobre, negra, rica, milionária, esposa de um deputado, esposa de um artista, a vida tem que ser plena para todos nós.
Volto no que eu dizia. Como legislador tenho que legislar, primeiro, pensando naqueles que me elegeram. Certa vez, numa discussão salutar, dentro do nosso Partido, com a Deputada Luiza Erundina, a quem respeito muito, dentro do seu contexto de defesa, porque também é da minha índole respeitar muito as pessoas - aprendi isso com os meus pais -, dizia ela que nós, quando entramos na questão ideológica, caímos o risco de cair no fanatismo, seja de um lado, seja do outro.
Quero deixar muito claro que, ao chegar nesta Casa, venho para defender os valores dessas pessoas que me elegeram, ou seja, fui eleito pelos católicos, pelos cristãos. A defesa da vida, a defesa da família, para mim, é a bandeira principal e não abro mão dessas bandeiras.
Hoje aqui eu não vim para querer convencer feministas de que devam mudar seu pensamento com relação ao aborto, não vim aqui para convencer militantes LGBT de que também devem mudar sua concepção sobre aborto. Aliás, estranha-me que militantes LGBT estejam tão atrelados a essa luta em favor do aborto, como o Deputado Jean Wyllys, porque tudo isso começou com as feministas e hoje já foi abraçado por uma outra ideologia que me estranha esse tipo de engajamento, aliás, estranha de certa forma, porque hoje já sei de onde vem os recursos para manter todos esses movimentos - claro que já não me estranha tanto.
Nesta Casa, estarei muito atento - e como o Deputado Diego Garcia dizia na sua fala -, no que depender de mim, e o aborto não será aprovado neste País, não será aprovado. Já consegui, nesses primeiros seis meses de mandato, vitórias em favor da vida.
(Manifestação da plateia.)
O SR. FLAVINHO (PSB - SP) - Peço silêncio, porque ouvi todos aqueles que representam vocês aqui também. Então, respeitem um parlamentar quando estiver falando. Isso faz parte da democracia. Ouvi todos aqueles que falaram discordando e não disse uma palavra. Isso é, no mínimo, questão de educação. Aprendemos isso dentro da nossa casa com os nossos pais. Quando um parlamentar está falando nesta Casa ele tem que ser ouvido e esse direito me é facultado.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado.
O SR. FLAVINHO (PSB - SP) - Não terminei de falar ainda, Senador, por favor.
(Soa a campainha.)
O SR. FLAVINHO (PSB - SP) - Quero dizer que, em todos os projetos que forem apresentados nesta Casa, estarei, sim, muito atento para que eles não passem. Já conseguimos derrubar, num primeiro momento, o projeto do Deputado Jean Wyllys; já ontem pedi vista de um outro projeto, também todo maquiado com relação à defesa das mulheres, trazendo toda essa ideologia abortista, conseguimos bloquear esse projeto e vamos continuar trabalhando para que não passe e assim vamos fazer nesta Casa.
Represento, sim, os católicos do Brasil e as pessoas que acreditam na vida. Não somente os católicos, em primeiro lugar sim, mas as pessoas que acreditam na vida. Assim como a Vereadora Heloisa Helena dizia, independente da religião, temos que preservar a vida, seja da mulher, seja dessa criança que está no seu ventre.
Acredito que esta Casa vai ter, com os Srs. Senadores que estão hoje trabalhando esse projeto nesta Comissão, a sensibilidade de valorizar a vida na sua plenitude, não permitindo que ideologias, sejam elas de um lado ou de outro, possam passar por cima da questão maior, que é a defesa da vida.
Estarei defendendo a vida aqui nesta Casa e posso dizer a todos os católicos do Brasil, num primeiro momento, contem com este Deputado, porque, no que depender de mim, o aborto não será aprovado no nosso País.
Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado.
Passo à leitura de um documento encaminhado ao Deputado Leonardo Quintão.
Avoquei para a Mesa e farei a leitura, mais uma vez, para esclarecer, definitivamente, que não haja dúvida do debate que estamos travando.
A Universidade Presbiteriana Mackenzie, com base em seus princípios e valores, repudia qualquer ato de atentado à vida e afirma que as posições expostas por seus professores são fruto da liberdade de expressão inerente ao ser humano e à vida intelectual... (Palmas.)
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Por isso, reafirma a posição de sua entidade mantenedora, a Igreja Presbiteriana do Brasil, que repudia tanto a legalização do aborto como a exceção do aborto terapêutico, quando não há meio de salvar a vida da gestante, quanto ao uso do anticoncepcional abortivo.
Benedito Guimarães Aguiar Neto, Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (Palmas.)
Pode usar a palavra, Deputado.
O SR. LEONARDO QUINTÃO (PMDB - MG) - Sr. Presidente, muito obrigado.
Quero aqui expressar o meu respeito pela educadora Srª Marcia Tiburi, mas que não fique sombra de dúvida a respeito do pensamento da Igreja Presbiteriana do Brasil e da Escola Mackenzie.
Respeitamos todo o direito de expressão do cidadão brasileiro.
Muito obrigado.
Que Deus abençoe este debate.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Com a palavra o Deputado Evandro Gussi.
Deputado, V. Exª está com a palavra.
Peço silêncio.
O SR. EVANDRO GUSSI (PV - SP) - Sr. Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, Senador João Capiberibe, em primeiro lugar, a nossa gratidão, nós da planície da República, podermos ascender aqui ao Senado Federal.
Cumprimento na pessoa de V. Exª a todos os demais componentes da Mesa. Cumprimento ainda os meus colegas Deputados Federais que se fazem presente e que me antecederam.
A primeira questão que me traz aqui é anterior ao mérito do aborto ou não. É classicamente de tendência totalitária o discurso que de antemão segrega, aliena os que pensam de maneira contrária.
Quando alguém previamente, sem que ouvidos os seus argumentos, sem que conhecida sua história de vida, é tido por defender a vida e ser contrário ao aborto como alguém cínico e falacioso, o debate está previamente comprometido. Assim historicamente - essas não são opiniões minhas - comportaram-se os regimes totalitários das religiões materialistas, porque o que inspirou os regimes totalitários foram ideias religiosas e não políticas. Religiões, como dizia Auguste Comte, um cristianismo sem Cristo, o que pregava, por exemplo, o positivismo.
Bom, então, feita essa questão, esse é o maior perigo, porque, sob a perspectiva que foi tratada aqui, sequer poderia estar falando, porque, por defender, por ter uma posição contrária, não nos conhecemos, não nos ouvimos mutuamente, mas por ter uma determinada posição, amplamente refletiva, que não é de natureza religiosa, mas profundamente intelectual, de antemão, colocado como um cínico e como um falacioso, o debate já está inviabilizado de antemão. Esse é o maior perigo.
Eu, por outro lado, prefiro ouvir e da minha boca jamais haverá uma crítica genérica, irresponsável e leviana às pessoas que defendem o aborto, apesar de, conhecendo os argumentos em profusão e em profundidade, discordar do tema.
Sou um entusiasta - se me permite um pouco de irreverência, Sr. Senador - dos programas do reino animal, cada vez mais proliferados nas televisões, documentários inteligentíssimos, e que deixaram uma coisa incrivelmente documentada: de que as coisas sob o sol não ocorrem por acaso, não são frutos do caos, mas são frutos de uma racionalidade. Irracional, portanto, é não perceber isso de maneira clarividente.
É interessante como a cor da pelagem de um animal, a acidez de sua saliva, a compostura de suas garras têm uma razão de ser e hoje amplamente explicada.
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Assusta-me quando, passando à espécie humana, toda racionalidade perde abruptamente e irresponsavelmente...
(Soa a campainha.)
O SR. EVANDRO GUSSI (PV - SP) - ...a sua razão de ser. Perdoe-me. Quem construiu o corpo feminino essencialmente distinto do corpo masculino e deu a cada um determinadas funções, e impressiona-me o fato de... Ouvi certa vez isto: imaginem que alguém construísse uma chave no Japão e construísse uma fechadura no Chile e, misteriosamente, elas se encaixassem perfeitamente. É uma analogia simplória, eu reconheço, para a distinção sexual humana.
Perceber essa questão óbvia, natural - e vou para a minha conclusão, Sr. Senador -, perceber essa questão óbvia e as suas consequências óbvias, que, naturalmente, verificadas determinadas circunstâncias, permitem o nascimento da vida humana, permitem o nascimento de alguém, não de algo, e o dia em que essa distinção de fato for consolidada, como alguns pretendem, eu temo pelo futuro da humanidade. Não perceber a naturalidade disso... Desculpem, mas, quem criou a mulher apta e totalmente performada para a maternidade... Desculpem, mas a história mostra o quanto a maternidade realiza a alma e o corpo feminino, o quanto as mulheres são transformadas, conseguem transcender a si mesmas quando têm uma tarefa a realizar, quando têm alguém para amar de maneira...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas nós precisamos...
O SR. EVANDRO GUSSI (PV - SP) - Vou concluir em segundos, Sr. Presidente.
Quem construiu isso não fui eu, não foi o Senado Federal, não foi a Câmara dos Deputados, tampouco foi algum Papa. Foi a natureza e, diante dela, eu me curvarei. Como Deputado, antes de servir a ideologias ou a outra coisa, tenho olhos, ouvidos, sentidos e racionalidade que me permitem compreender que as coisas sob o sol não acontecem por acaso, mas são fruto de uma racionalidade e de suas consequências.
Termino com esta frase: podemos facilmente negar a Lei da Gravidade, como podemos negar a lei da maternidade. Eu não ficaria sob uma bigorna de aço de 50 quilos jogada sobre a minha cabeça.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Deputado. Tem uma diferença grande entre o Senado e a Câmara. A minha mulher é Deputada. Lá na Câmara é apenas um minuto, aqui são cinco minutos. Então, a diferença é grande, mas eu vou pedir que a gente respeite os cinco minutos, que já são uma grande generosidade, pelo fato de sermos apenas 81, enquanto vocês são 513.
Então, passo a palavra ao Deputado Marco Feliciano.
O SR. PR. MARCO FELICIANO (PSC - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Deputados, quero aqui agradecer a recepção calorosa, como sempre, da equipe do barulho, que vem não para o debate intelectual, mas para tumultuar sempre as reuniões. Que pena que não pude pegar, a princípio, as falas dos debatedores, a quem respeito muito, independentemente de suas posições.
Falar sobre o aborto até a 12ª semana de gestação de uma criança chega a ser constrangedor, Sr. Presidente. Tenho em minhas mãos - se as câmeras puderem pegar - o tamanho de um feto formado até a sua 11ª semana. Não é uma coisa, não é um pedaço de carne, não é uma extensão de um corpo, é uma vida. Primeiro, para que essa vida não nasça, seja por qual motivo for, é assassinato, sim, senhor. Sendo assassinato, nós vivemos num país onde os valores estão completamente trocados, num país onde se dá mais valor a um mico-leão-dourado do que a um feto, do que a uma criança gestada dentro do ventre de sua mãe.
Fico imaginando o que leva as pessoas a motivarem um aborto. Talvez seja porque nunca viveram, ou, se viveram, carregam traumas e sequelas sobre isso.
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A Universidade de Cambridge, se não me falha a memória, na Inglaterra, fez um estudo muito interessante, Deputado Evandro. A universidade chegou à conclusão de que o trauma deixado por um aborto em uma mulher é infinitamente maior do que o trauma deixado em uma mulher que foi estuprada. Isso é estudo. E não é estudo de brasileiro. É estudo de ingleses, cuja mente, segundo dizem, é um pouquinho melhor que a nossa - pelo menos é assim que as pessoas pensam.
O aborto é um crime desqualificado, um crime contra a vida, um atentado contra um ser. O art. 5º da Constituição protege a vida como um bem que não pode jamais ser tocado, independente de credo, de religião, do que quer que seja.
A falácia dos argumentos dos abortistas é que eles não compreendem, de fato, o que é a vida.
Eu tenho uma experiência particular: eu sobrevivi a um aborto, talvez para a tristeza de alguns aqui presentes.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PR. MARCO FELICIANO (PSC - SP) - Mas, graças a Deus, para cerca de milhões de pessoas ao redor do mundo - e olha que sou uma pessoa extremamente conhecida...
(Manifestação da plateia.)
O SR. PR. MARCO FELICIANO (PSC - SP) - Queria que garantisse a minha palavra, Sr. Presidente.
Eu já estive ministrando a palavra de Deus, que para mim é a maior de todas as ferramentas, em mais de 70 nações. Eu já falei para cerca de 90, 100 milhões de pessoas ao redor do nosso Planeta. E dei o testemunho da minha sobrevivência por Deus. Eu carrego ainda hoje traumas não meus, mas de uma senhorinha que, no alto dos seus 60 anos, é a minha mãe, que até hoje não consegue conviver com isso. Só eu sei quanto gasto com ela por mês pelo trauma não apenas com o aborto que ela tentou fazer comigo, mas com os outros irmãos meus que não puderam nascer. E não apenas isso. Nós tínhamos no fundo da nossa casa uma clínica clandestina de aborto. E o País todo sabe disso. Minha mãe carrega sobre seus ombros o assassinato de mais de 150 bebês. Então, não falo de algo que ouvi falar, mas de algo que eu vivo.
Então, quando vejo pessoas, em nome da ciência, em nome do bem-estar da mulher, em nome do feminismo desacelerado, em nome de tudo que possa se pensar, falarem que o assassinato de um bebê tem que ser protegido pela lei, isso é absurdo, Sr. Presidente. É absurdo! Que essas pessoas coloquem a mão na consciência, todos aqui que aprovam o aborto até a 12ª semana. Então, é uma covardia falar em nome daqueles que não podem nem se quer vir ao mundo para poder se defender.
Eu ouvi muitas das pessoas sentadas nesta mesa. Estou reconhecendo-as pela imagem, embora algumas mudaram muito. Eu conheço alguns aqui que ouvi falarem coisas sobre crianças que não tenho coragem de repetir aqui nesta Comissão.
Então, fica aqui o meu registro. Quero parabenizar o Senador Magno Malta, que, infelizmente, não pôde estar aqui, que é o nosso grande defensor. Acredito que o relatório dele será um relatório pela vida, que vai trazer ânsia ao coração de toda a população brasileira, que, graças a Deus, ainda é extremamente conservadora. A última eleição no Brasil mostrou isso. Mais de 60% da Câmara dos Deputados, pelo menos onde estamos, hoje, são extremamente conservadores. E o conservadorismo dá subsídio à vida.
Parabéns a todos que lutam pela vida. Não ao aborto! Aborto é crime! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Há mais dois Deputados aqui. Em seguida, nós vamos ouvir... Está meio desequilibrado. Eu gostaria de ouvir de um lado e de outro, porque estamos ouvindo só de um lado. O equilíbrio aqui se dá exatamente ouvindo as opiniões divergentes. A Mesa foi democrática.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Deseja falar, Sr. Deputado?
Pois não.
Com a palavra, o Deputado Jean Wyllys.
O SR. PROFESSOR VICTÓRIO GALLI (PSC - MT) - Mas há alguém aqui do lado da morte?
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Muito obrigado, Senador João Capiberibe.
Quero saudar as minhas colegas Tatiana Lionço, Marcia Tiburi, Sônia e Heloisa Helena. As demais de que não lembro o nome também se sintam saudadas.
Eu queria lembrar aqui dois episódios recentes envolvendo duas pessoas importantes para esta questão que estamos discutindo aqui.
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Uma é a Adelir, uma moça que decidiu ter o terceiro filho por um parto normal, um parto humanizado e respeitoso, e foi impedida pela própria obstetra, presa e obrigada a fazer uma cesariana em um país que tem Municípios que praticam 100% de cesariana - ou seja, 100% dos filhos vêm ao mundo através de cesariana -, um país que não investe no direito reprodutivo das mulheres de terem um parto humanizado e respeitoso. Esse é um caso.
O outro caso é da Jandira, aquela mulher casada, já mãe de família, que engravidou. Essa gravidez era indesejada para ela e para o marido. E, por não contar com uma política de interrupção da gravidez indesejada no sistema de saúde, onde ela pudesse fazer com segurança a interrupção de uma gravidez que ela e o marido não queriam, ela recorreu a uma clínica clandestina de aborto, que não era uma clínica mantida pela mãe de um pastor, mas era uma clínica mantida por milicianos no Rio de Janeiro. Ela entrou nessa clínica clandestina; a operação, o procedimento deu errado; ela morreu; e eles deram fim no corpo dela carbonizando-o.
Jandira e Adelir são exemplos de como a sociedade de dominação masculina tutela o corpo da mulher e quer legislar sobre esse corpo da mulher.
Agora, independentemente da dominação masculina, das leis que criminalizam aborto, de um Estado que não assegura às mulheres que querem interromper uma gravidez indesejada de maneira segura, apesar disso tudo, as mulheres continuam praticando aborto. Gostem ou não, sejam contra ou não, as mulheres continuam praticando aborto.
E, segundo uma pesquisa da UnB, feita recentemente, o perfil dessa mulher é casada, religiosa e excelente mãe. Ou seja, apesar das declarações, exortações a favor da vida, contrárias às reivindicações das mulheres, elas continuam praticando o aborto, gostem ou não. E o aborto é quarta causa de mortalidade materna hoje no Brasil e a primeira entre mulheres pobres e negras. Ou seja, esse é um problema de saúde pública colocado aqui.
E é curioso que homens - e eu sou homem, embora homem gay - venham aqui falar sobre o corpo da mulher, sobre o destino do corpo da mulher. Eu acho curioso.
Lá na Câmara dos Deputados, o Deputado João Campos, do PSDB do Goiás, financiado pela indústria armamentista, pastor evangélico, convocou uma audiência pública para falar sobre a cultura de morte no Brasil. E a cultura de morte no Brasil para ele se expressa na prática de aborto. Eu perguntei para ele: Deputado João Campos, que tal ampliarmos a cultura de morte para tratarmos, por exemplo, do extermínio da juventude negra e pobre nas periferias do Brasil, através das forças de segurança? (Palmas.)
Por que não vamos falar da cultura de morte, Deputado João Campos, sobre os linchamentos, que têm se multiplicado País afora, em que as pessoas não dão às outras o direito à defesa? Por que a cultura de morte, Deputado João Campos, expressa na violência homofóbica, lésbica ou transfóbica não está no conjunto das suas preocupações? Se V. Exª quiser, ampliamos. Vamos ampliar, vamos falar da cultura de morte expressada de maneira geral. Aliás, uma cultura de morte, Deputado João Campos, que se expressa de maneira mais letal é a desigualdade social, a fome e a miséria. Parece-me que vocês usam muito pouca energia para enfrentar essa cultura de morte e usam bastante energia para querer tutelar o corpo da mulher e decidir sobre a mulher, sobre a gravidez desejada ou não, entendeu?
(Soa a campainha.)
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Bom, diante disso, eu quero dizer que, apesar de todas as exortações desta audiência pública, dos ataques, dos constrangimentos causados à Marcia Tiburi e à Sônia aqui por alguns Deputados, da violência verbal feita aqui, apesar disso tudo, as mulheres vão continuar abortando. Não há Estado que proíba. Então, temos que encarar essa questão não como uma questão moral e religiosa, até porque vivemos em um país plurirreligioso, em que há pessoas que não são religiosas, que não professam nenhuma fé, vivemos em um Estado laico democrático de direito. Vamos ter que encarar essa questão como uma questão de saúde pública.
Por fim, quero dizer que, embora a Vereadora Heloisa Helena, que respeito e gosto muito, e o Senador Randolfe pertençam ao meu Partido, é importante dizer que o nosso Partido, congressualmente, tirou a decisão de que nós somos a favor da legalização da interrupção segura da gravidez. Esta é a posição do nosso Partido: legalização segura da gravidez indesejada. (Palmas.)
Por fim, alguém falou aqui em valores trocados, o País está vivendo valores trocados. Está sim. Por exemplo, quando um empreiteiro dá, subterraneamente, R$150 mil para um Deputado Federal que opera um esquema de financiamento de campanha e cento e cinquenta mil reais vão parar numa igreja evangélica da Assembleia de Deus subterraneamente, nós estamos com valores trocados mesmo.
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Quando o Presidente da Casa é acusado de receber propina de quinhentos, desculpa, de cinco milhões de dólares, nós temos valores trocados sim. E quando lideranças religiosas usam as suas igrejas não só para explorar comercialmente a fé das pessoas, pedindo, inclusive, cartão de crédito e a senha e para professar discursos homofóbicos, nós temos, sim, valores trocados, e precisamos enfrentar esses valores corrompidos, nefastos e hipócritas que assaltam a nossa República.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Com a palavra...
Está bom o debate.
Com a palavra, o Professor Victório Galli, Deputado Federal, pelo PSC de Mato Grosso.
O SR. PROFESSOR VICTÓRIO GALLI (PSC - MT) - Bom dia a todos e a todas. É um prazer muito grande poder participar deste debate de algo que envolve a vida.
Eu não estava sabendo dessa reunião. Assim que soube, corri para cá, porque eu sou um defensor da vida, e o feto tem direito à vida. O feto é independente, embora esteja no corpo da mãe, é independente da mãe, é uma outra vida, e nós não temos o direito de decidir por alguém que não tem direito de defesa, não tem como se defender. A vida está presente no ato da fecundação e o crime que se faz em tirar a vida, em abortar alguém é o mesmo que tirar a vida de um adulto.
Numa certa ocasião, uma mãe procurou um médico para fazer aborto. O médico, obviamente cristão, disse a ela que seria um risco fazer o aborto e pediu, então, para que ela esperasse a criança nascer e, depois, ela trazia a criança para ele e ele, então, mataria a criança para ela, já que ela não queria ter a criança. Aí, ela disse para o médico: “Mas, doutor, isso é um absurdo. Vou matar uma criança?” E o médico disse: “Que diferença faz matar uma criança depois de nascer ou o feto?”
Só queria que vocês ficassem com essa reflexão. Juntos nós temos que defender a vida. Jesus Cristo veio ao mundo como doador da vida, o Pai da vida, Ele é a vida de todos nós. Jamais estarei aqui para defender morte, para defender alguém que defende morte. Eu defendo a vida em toda a sua circunstância.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Antes de devolver a palavra para a Mesa, eu vou abrir aqui para...
Eu estou achando muito, são oito intervenções e eu vou estabelecer um tempo muito rígido, porque nós vamos ter que encerrar, no máximo, às 12h30, por várias razões. Então, eu vou estabelecer o tempo de dois minutos para cada intervenção e vou ser muito rígido com esse tempo.
Todos aqui cumpriram o tempo. A verdade é que é muita gente interessada no debate. Eu gostaria que a gente pudesse passar o resto da tarde, mas infelizmente não é possível.
Eu passo a palavra a Nayara Teixeira Magalhães, da Comissão da Mulher Advogada.
O SR. JEAN WYLLYS (PSOL - RJ) - Senador, só um apartezinho, porque a Débora Diniz é a autora da pesquisa da UnB, eu fiz referência à pesquisa e não fiz referência a ela. Ela é autora da pesquisa, entendeu? Então, quero corrigir essa falha.
Desculpe, Débora.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Daqui a pouco tem pergunta para ela, Deputado. Fique tranquilo que o Senador Magno Malta não vai dispensar ninguém.
Com a palavra, a Nayara Teixeira Magalhães.
A SRª NAYARA TEIXEIRA MAGALHÃES - Bom dia a todas e a todos. Cumprimento o Senador João Capiberibe e todas as pessoas aqui presentes.
Eu vou falar aqui como membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB-DF e também como militante e estudiosa de assuntos relacionados a gêneros.
A OAB tem uma finalidade institucional: o mandato constitucional de proteção ao interesse público primário, aprimoramento e guarda da democracia do Estado de direito.
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A Comissão da Mulher Advogada, por sua vez, pretende discutir e promover o direito das mulheres e democratizar o debate de forma crítica.
Hoje, estamos juntos diante de uma demanda de iniciativa popular, que sinaliza o clamor da sociedade por mudanças legislativas, que contempla a interrupção voluntária da gestação até a 12ª semana.
Temos hoje um Código Penal de 1940, que considera crime a interrupção voluntária da gestação. Um código que sofreu diversas reformas, alterações, modificações, mas não houve nenhuma alteração nos arts. 124 e seguintes, que criminalizam o aborto e preveem a pena de detenção de 1 a 3 anos às mulheres que cometem esse crime.
O silenciamento ao debate que vem acontecendo nesses últimos 75 anos são, a meu ver, a principal causa de sustentar essa ordem vigente. Paralelamente a essa legislação, em um momento em que a população clama por uma revisão, temos um fato, que já foi comentado aqui: as mulheres fazem aborto.
(Soa a campainha.)
A SRª NAYARA TEIXEIRA MAGALHÃES - No Brasil, centenas de milhares por ano. Centenas de milhares de mulheres com histórias de vidas diferentes.
Eu peço licença para ler um pedaço, que já foi até lido, da proposta de legislação que diz:
A lei deverá estabelecer as condições técnico-profissionais e administrativas necessárias para permitir às usuárias do Sistema Único de Saúde o acesso ao procedimento de interrupção voluntária da gravidez dentro do prazo de 12 semanas. Uma equipe de saúde interdisciplinar deverá informar à mulher sobre as disposições dessa lei, a natureza do aborto e os riscos inerentes a essa prática, assim como sobre as alternativas ao aborto, incluindo programas sociais de apoio financeiro, bem como sobre a possibilidade de oferecer a criança à adoção. Uma equipe interdisciplinar deverá prestar apoio psicológico e social à mulher, para ajudá-la a superar as causas que induziram ao aborto, e para garantir que ela possua todas as informações necessárias para tomar uma decisão consciente e responsável.
Ao que tudo indica, as consequências pretendidas nessa proposta seriam: uma orientação adequada e institucionalizada às mulheres que pretendem interromper a gravidez; uma coleta de dados mais precisos - lembrando que, pelo fato de ser ilegal, existe uma subnotificação enorme. Então, alguns dados, realmente, acabam sendo não conhecidos pelo fato de serem silenciados -; um Sistema de Saúde mais preparado para lidar com essa questão - nós sabemos que não está -; aborto seguro a todas as mulheres e não somente àquelas que têm condições de pagar; respeito a autonomia das mulheres; queda drástica no número de mortes, de complicações decorrentes; e, por fim...
(Interrupção do som.)
A SRª NAYARA TEIXEIRA MAGALHÃES - Ué, mas não eram dez minutos?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª NAYARA TEIXEIRA MAGALHÃES - Desculpa, é porque tinham me informado que eram dez. Desculpa.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Dois minutos. Um, dois.
São dois minutos. Eu peço desculpa, mas não é possível.
Vou dar sequência.
Aliás, eu vou dar sequência às perguntas do Senador Magno Malta. Eu estou preocupado de a gente encerrar, porque ele é o autor do requerimento e talvez fosse o caso de repetir o objetivo dessa...
Nós estamos aqui debatendo a Sugestão nº 15, que é assinada por 20 mil pessoas, que propõe mudanças na lei.
E eu quero aproveitar aqui para, já, pergunta destinada à Vereadora Heloisa Helena: "A senhora é conhecida por ser uma Parlamentar que faz a ampla defesa dos direitos das mulheres. Por conviver com elas em sua experiência e em seu contato direto com as mulheres, em especial as mulheres mais simples de seu Estado, a senhora pode dizer qual a posição delas? As mulheres em sua maioria querem fazer aborto? É uma posição unânime?"
Mas eu vou fazer o seguinte, vou fazer todas as perguntas e, depois, todo mundo responde.
Pergunta do Senador Magno Malta à Drª Débora: "Sabemos de seu trabalho e sua contribuição para os estudos e pesquisas científicas no Brasil. Sabemos, temos conhecimento. Existe algum estudo científico sobre os traumas do aborto em mulheres, sobre as consequências para a saúde mental, sobre mulheres que sofrem por terem feito o aborto? Quem fez a pesquisa e onde?"
Eu sou muito bem mandado. Eu estou entregando, de acordo com o desejo do Senador Magno Malta, que está, Senador Randolfe, nos assistindo de um leito lá no Espírito Santo.
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Para a Drª Viviane, pergunta do Senador Magno Malta: "Os números divulgados de morte de mulheres em decorrência do aborto no Brasil são questionados pelos contra e pelos a favor da descriminalização do aborto. Qual a sua posição sobre o número de morte de mulheres no Brasil e no mundo em decorrência de abortos", Drª Viviane?
Pergunta para o Dr. David: "Qual o montante, qual o valor que circula na indústria de aborto nos Estados Unidos?" Uma. Segunda: "O senhor pode explicar e nos esclarecer sobre o recente escândalo da venda de fetos nos Estados Unidos que a imprensa brasileira não divulga, pois estava muito preocupada em falar do leão que foi morto na África?"
Pergunta do Senador Magno Malta à Drª Tatiana: "O Conselho Federal de Psicologia se manifestou a favor da descriminalização do aborto. Se um profissional orientar uma paciente a não abortar, será e está sendo punido? Quantos, em percentual, de psicólogos são a favor da descriminalização do aborto?"
Por favor.
Encerraram as perguntas e eu começo pela primeira, Vereadora Heloisa Helena.
A SRª HELOISA HELENA - Bom, primeiro, quero saudar e desejar saúde ao Senador Magno Malta. Eu espero que, realmente, vocês, no Senado, os senhores, no Senado, consigam fazer também audiências públicas relacionadas à redução da maioridade penal até como foi a proposta do Senador Magno Malta.
Bom, a pergunta que ele me faz é de alta complexidade. É verdade que eu trabalho com populações vulneráveis socialmente e, de uma forma muito especial, com meninas de 12 a 18 anos, porque, no Brasil, é a idade em que elas são presas, é com 12 anos. A gente rebusca a linguagem falando medidas socioeducativas, unidade de internação, mas são prisões mesmo, os cubículos imundos, onde elas estão. Realmente, eu trabalho com elas, são meninas que já cometeram o que no Estatuto da Criança a gente fala em ato infracional, mas corresponde a crime. Dou aula de violino, acho muito... Então, eu trabalho muito, embora eu seja professora da universidade na área de planejamento de serviços públicos. Foi exatamente por isso que eu apresentei os dados estatísticos que estão na página do Ministério da Saúde e que mostram com clareza que é um malabarismo técnico introduzir esse debate como se o aborto fosse responsável pelo maior número de óbitos de mulheres.
Isso, eu repito, não é verdade. Basta ir à página do Ministério da Saúde. São 470 mil mulheres que morreram, 160 em função do aborto. Então, é um cálculo estatístico, que é minha área, muito específico. Claro que, se uma morresse, ou de neoplasia maligna ou de aborto, nós sentiríamos da mesma forma, mas malabarismo técnico em relação aos dados do Ministério da Saúde não pode ser feito.
Eu não sei como elas pensam, até porque nós vemos isso aqui no debate da Mesa. Mesmo pessoas que têm posições iguais, têm argumentos e concepções diferentes sobre determinadas áreas. Eu sou totalmente contrária à ampliação da legalização do aborto, porque em relação a algumas áreas já acontece, em função do que eu falei aqui. Não tem nada a ver com religião.
Eu fico muito impressionada como esse debate da religião está ficando tão presente aqui, no Congresso Nacional. Não sei se mais na Câmara ou se aqui, no Senado, mas é impressionante como isso está colocado, ou de supostas maiorias. A minha posição não tem nada a ver nem com a minha religiosidade e não tem nada a ver com a opinião das maiorias. As maiorias podem decidir coisas horrendas, de perseguição a pessoas, por causa da cor da pele, da religião que professam ou da orientação sexual. Não se trata disso.
(Soa a campainha.)
A SRª HELOISA HELENA - Então, eu não sei exatamente o que todas elas pensam.
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Eu vivencio diretamente com elas, Magno, e quero passar para você os dados estatísticos que mostram claramente o perfil de morbi-mortalidade das mulheres e, mais uma vez, eu espero que esse momento tão lindo e único da criação, independentemente de qualquer nome que seja dado a esse momento belíssimo da criação, uma única célula - uma única célula -, um único código genético diante de toda a humanidade é que é responsável por esses seres multicelulares que aqui estamos.
Então, é preservar essa vida. Não significa inutilizar o direito à vida da mulher, só que 9 meses de uma gestação, acaso ela seja a termo, não podem ser maiores do que toda a existência de uma vida que se desenvolve, de um ser humano em desenvolvimento na vida intrauterina. Então, isso é fato.
Então, eu espero conseguir passar, Senador Capiberibe. Deixarei com o senhor todos os dados estatísticos e os endereços no Ministério da Saúde que tratam desse tema.
Não sei o que todas as mulheres pensam. Muitas eu sei que pensam como eu e outras, certamente, pensam de forma diferente também.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Senadora.
Eu queria registrar aqui a presença do Deputado Federal Eros Biondini, que é Deputado Federal pelo PTB de Minas Gerais.
E eu passo a palavra, para responder à pergunta do Senador Magno Malta, à Profª Débora.
A SRª DÉBORA DINIZ - Senador Malta, aproveito para registrar os melhores votos de recuperação ao senhor e dizer também que ouvi aqui um conselho de que este é um debate em que nós temos que manter a boa vizinhança, até porque o senhor tem uma proposta de trazer para essa Casa uma conversa sobre o tema da redução da maioridade penal, e aqui, com a Heloisa Helena, temos a mesma posição.
Então, esse é só um exemplo de como o mundo é mais complexo do que esses binarismos, de que nós estamos a favor e contra e que nós temos inimizades. Nós temos conversas que podem ser fluidas a depender do agendamento que nelas colocamos. Neste momento, a nossa conversa é sobre aborto e o senhor me fez uma pergunta bastante importante e que foi mencionada durante algumas das perguntas. A minha resposta vai ser uma resposta científica: não temos estudos confiáveis, confiáveis é uma categoria da ciência da informação, para classificação da qualidade dos estudos.
Aqui, foi mencionado que a Pesquisa Nacional de Aborto, que foi financiada pelo Ministério da Saúde, nossa conversa sobre financiamento sim importa, financiada pelo Estado brasileiro, mostrou magnitude da qual nós conversamos. Os poucos estudos, não confiáveis, sobre trauma e sofrimento mental foram financiados por igrejas, e eles foram feitos por amostras não confiáveis, não aleatórias, à beira do leito, baseado em memória das mulheres quando interpeladas sobre “sofreu ao fazer o aborto?” Essa é uma interpelação moral, e não uma pergunta científica.
No Brasil, nós temos apenas dois estudos feitos com amostras de cinco, dez mulheres. Isso nem sequer merece a referência em um debate para definição de políticas públicas e legislações.
Ciência importa, porque a ciência é um dos momentos, e aqui, novamente, eu parabenizo o Senador, que tem uma posição contrária a que eu apresento, mas devolve o debate para o campo da ciência, que é aquilo que tem que fundamentar as ações num Estado democrático e laico.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Professora.
Obrigadíssimo.
Eu queria justificar aos presentes que o nosso Presidente da Comissão, o Senador Paulo Paim, se encontra em diligência no Piauí. Ele está debatendo a regulamentação da terceirização no trabalho e ele teve que se deslocar. Então, espero que todos entendam a importância da ida do Senador Paulo Paim lá, no Piauí.
E eu passo a palavra, então, ao Dr. David, para responder ao questionamento do Senador Magno Malta.
O SR. DAVID KYLE - (Tradução por profissional habilitado.) - Antes de responder, eu gostaria de fazer alguns comentários.
Eu escuto bastante que: “Ah, o aborto vai acontecer de toda forma. Então, por que a gente não legaliza?” Bom, nessa lógica, então, a gente tem que legalizar o assassinato, porque vai acontecer, embora a lei diga que não é possível matar alguém. Então, não faz sentido.
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Então, respeito pelas mulheres. Eu acredito e todos nós acreditamos que devemos respeitar as mulheres, mas isso deve começar no ventre, senão, você estará respeitando seletivamente as mulheres. E isso é inútil. Se você só vai respeitar algumas mulheres, qual é o ponto?
Em relação ao dinheiro. Nos Estados Unidos bilhões de dólares são gerados na indústria do aborto. É difícil dizer, mas um dos médicos em um ano fez US$1,8 milhão, um médico apenas, no Planned Parenthood. É uma indústria bilionária matando bebês. É impressionante a quantidade de dinheiro que gira. Se não fosse assim, eles não fariam.
Temos um escândalo nos Estados Unidos com o Planned Parenthood, vendendo órgãos de bebês. Isso é algo que já sabemos há anos, mas apenas recentemente foi mostrado um vídeo falando sobre essa questão; esse vídeo veio à tona recentemente. Infelizmente, a nossa mídia, que é pró-aborto, não veicula tanto isso. Então, nós temos, por exemplo, essa questão do leão que foi morto na África recebendo mais cobertura da mídia do que todas essas mortes de bebês.
Eu já soube que os médicos, por exemplo, manipulam essa questão do período e do prazo de gravidez para poderem realizar abortos. Eles querem o dinheiro. Porque eles cobram a paciente pelo aborto e depois vendem os órgãos dos bebês.
Embora seja horrível ver isso, é algo que vai acontecer. Nós temos que nos posicionar como cidadãos, cada um no seu país. E temos que colocar limites. Precisamos respeitar a vida, senão, não vai acontecer.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Creio que é a última pergunta foi para... Aliás, temos duas perguntas. Por favor.
A SRª VIVIANE PETINELLI E SILVA - Agradeço a pergunta do Senador Magno Malta.
A Vereadora Heloísa Helena e o David já responderam em parte. A mortalidade materna no Brasil importa, sim, por causa do aborto, mas também representa números muito pequenos frente às demais mortes maternas que nós temos, que é 0,03% hoje, nos dados do SUS, conforme a Vereadora colocou. E mesmo legalizado, há mortes por questões médicas mesmo que não serão evitadas. Ou seja, pode ser que caia no Brasil, mas não zeraremos esse tipo de mortalidade, pois o próprio procedimento do aborto tem realmente os seus perigos físicos, diretamente, e psicológicos, indiretamente, para as mulheres. Então, independentemente de ser clandestino ou legalizado, ele tem esses riscos de morte.
Como eu falava, a questão não é o aborto em si, mas a gravidez indesejada. Nós temos que lidar com a gravidez indesejada, e não com a sua consequência. Não adianta tratarmos a consequência se a gravidez continua a ser indesejada.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Com a palavra a Srª Tatiana Lionço.
A SRª TATIANA LIONÇO - Queria agradecer a pergunta do Senador Magno Malta, porque me dá a oportunidade de falar um pouco mais das posições formais da Psicologia em relação ao tema.
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Então, em relação à primeira questão, ou seja, se seria violação ética orientar paciente a não realizar o aborto, o que eu tenho a dizer é que no nosso código de ética seria violação ética induzir a quaisquer posicionamentos morais. De modo que é violação ética tanto induzir a não realização quanto seria violação ética induzir à realização do aborto.
Com isso espero deixar claro que a Psicologia se pauta eticamente no exercício fundamental de reconhecimento da alteridade e na ampla defesa da livre consciência e autonomia das pessoas, defendendo a adversidade moral da sociedade.
Em relação à segunda questão sobre o número de profissionais de Psicologia que decidem moções e recomendações, tais como a descriminalização do aborto, o que eu tenho a dizer é que não tenho esse quantitativo de profissionais de Psicologia, mas posso esclarecer os mecanismos pelos quais os profissionais de Psicologia chegam aos espaços deliberativos.
Então, qualquer profissional de Psicologia pode participar das conferências de Psicologia, que são espaços de deliberação e de recomendações éticas e técnicas para o exercício profissional. E esse momento de participação no processo democrático se inicia nos conselhos, nos congressos regionais de Psicologia, os CREPOPs. E aí, evidentemente, os profissionais se candidatam às delegações, tanto ao CREPOPs quanto dos CREPOPs para representar a categoria no Congresso Nacional de Psicologia.
Trabalhamos numa lógica de representatividade, de delegações e de eleições no processo de deliberação na Psicologia.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado.
Vou oportunizar os componentes da Mesa que não falaram.
Passo a palavra à Profª Marcia Tiburi para as considerações finais.
A SRª MARCIA TIBURI - Eu gostaria apenas de dizer que fico impressionada com a falta de embasamento, fundamentação e o nível fundamentalista das expressões da maior parte dos Deputados. É realmente lastimável ter que debater nesse nível com pessoas tão malpreparadas.
(Manifestação da plateia.)
A SRª MARCIA TIBURI - Há algo de constrangedor neste momento. Para mim, que sou professora que prezo muito o conhecimento, o estudo, o discernimento, a ética, a política e, sobretudo, a alteridade, eu realmente espero que a gente possa avançar num debate o mais cuidadoso, mais elegante, mais preocupado e que valorize o lugar dos sujeitos implicados na questão do aborto, as mulheres.
Agradeço de qualquer maneira pelo convite para estar aqui.
Obrigada.
(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado.
Com a palavra o Padre Paulo Ricardo.
O SR. EROS BIONDINI (PTB - MG) - Senador Capiberibe, pela ordem. Só para dizer que estou inscrito antes da sua conclusão final.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não. Nós estamos encerrando, Deputado. O senhor me desculpe, mas estou encerrando com a Mesa.
ORADORA NÃO IDENTIFICADA - Não teremos mais falas?
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vamos encerrar com a Mesa. A última... Pois não.
ORADORA NÃO IDENTIFICADA - Vai ficar desigual, Senador.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não vai ficar desigual.
ORADORA NÃO IDENTIFICADA - Já está, porque aqui quase ninguém falou.
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O SR. PAULO RICARDO - Só gostaria de retomar um assunto-chave,fundamental para o futuro do nosso País, que é a realidade de que a sociologia, nos últimos anos, tem se transformado em instrumento de manipulação e de engenharia social. Essa é a realidade inegável.
Ou seja, fala-se muito em direito das minorias, em defender as mulheres, etc., mas, quando vamos aos livros técnicos para os debates internos, entre eles, aqueles que são decision makers verdadeiramente, eles falam realmente de manipulação de realidades básicas da nossa sociedade.
No artigo que citei de Kingsley Davis, ele diz com toda a clareza: se nós queremos realmente evitar os males da sociedade, temos de fazer mudanças suficientemente básicas. Isso quer dizer o seguinte: mudar a estrutura da família, o papel da mulher, as normas sexuais e a complementaridade entre homens e mulheres. Isso é decidido por pessoas que pensam que a sociedade determina - determina - o comportamento das pessoas.
Então, vejam só, a determinação do comportamento das pessoas por pessoas que estão fora do País, em fundações, e que estão subvencionando os estudos das nossas universidades para manipular o povo.
Veja, o povo precisa ficar sabendo disso. E não é simplesmente uma questão de dizer "Ah, estamos defendendo as mulheres, porque ninguém é a favor do aborto, todo mundo só é a favor da liberdade da mulher."
Não é verdade que ninguém é a favor do aborto. Existe, sim, quando vamos para as pessoas que realmente contam, uma clareza enorme, uma determinação enorme em ser a favor do aborto, sim. Por exemplo, a Francis Kingsley, fundadora dos Católicos pelo Direito de Decidir, repreendeu publicamente a Senadora Hillary Clinton, porque Clinton usou essa linguagem, de que não somos a favor do aborto. E ela disse exatamente o contrário. Ela disse: "Não, quem disse isso? Nós somos a favor do aborto sim."
Então, por quê? Porque é isso que irá desmontar a estrutura social, porque o aborto aqui é uma realidade de desmonte das instituições naturais da sociedade, para criar uma artificialidade. E é por isso que as coisas estão tão atadas. O movimento LGBT, a realidade do casamento homossexual, a legalidade do aborto, etc., tudo isso está atado, porque faz parte dessa engenharia social.
Ou seja, a pergunta é: nós estamos cientes disso? Precisamos ir às fontes primárias, aos documentos que nos dizem o que a nossa sociedade está sofrendo. Nós não podemos ficar passivos, olhando a coisa acontecer. O próprio Kingsley Davis diz que, se nós, sociólogos, não fizermos alguma coisa, as pessoas irão ouvir o funcionário governamental ou o funcionário da igreja. Ou seja, ele quer entrar exatamente para mudar a estrutura, para que as pessoas sigam a opinião dele. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Obrigado, Reverendo.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - A última participação da mesa...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Sr. Presidente, uma questão de ordem.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Passo a palavra à Srª Sônia Corrêa.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Uma questão de ordem.
Gostaria só de registrar também a indelicadeza com o Deputado, que queria ter uma...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Com a palavra, a Srª Sônia Corrêa.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Pela indelicadeza comigo também, Senador.
Muito obrigado.
A SRª SONIA CORRÊA - Muito obrigada, Senador Capiberibe.
Eu quero, uma vez mais, agradecer a oportunidade do convite para esta audiência. Quero terminar - é um privilégio ser a última a falar - e ser breve, mas usar este último momento de fala para reiterar alguma coisa que eu disse no começo da minha intervenção, que foi a minha ênfase no debate sobre aborto como um tema de deliberação democrática.
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E quero dizer que penso eu que, a despeito de limitações das paixões que estavam na sala,de certos momentos com tom acusatório, de um pouquinho de falta de escuta, acho que nós fizemos hoje um momento de deliberação democrático, e isso é muito salutar.
Tanto é assim, que quero concordar com quem discordo. Por exemplo, quero concordar com a Senadora Heloísa Helena, quando ela diz, ao discutir os números de mortes por aborto, que não importa se são 500 mil mulheres, se são 100 mulheres, se são 300 mulheres ou se é apenas uma única mulher que morre de morte materna em razão do aborto, porque isso será sempre um escândalo, quando a gente dispõe neste momento de condições para que essa morte seja evitada.
Também quero concordar com a Drª Viviane, quando ela afirma que temos, sim, de ter uma preocupação e de tratar como prioridade a questão da gravidez indesejada, sem dúvida.
Eu trabalho nesse campo, há quase 40 anos, e faz 40 anos que digo que o direito ao aborto nunca pode ser pensado de maneira isolada, mas que ele é parte de uma pauta ampla de saúde sexual e reprodutiva, que vai do pré-natal ao parto, à assistência ginecológica, à prevenção do câncer, nunca de maneira isolada.
Então, acho que a gente também tem o desafio de pensar as deficiências e precariedades da política de saúde reprodutiva no Brasil, que foram apontadas por vários aqui, nesta sala, hoje.
Eu penso - e tenho dito isto muitas vezes - que o aborto deve ser legal, seguro e raro. Acho que ninguém que defende o aborto pensa que ele é um método de anticoncepção ou que ele deve ser uma coisa estendida. A gente deve buscar que ele seja raro.
E, para terminar, quero sugerir... Pensei que esta era a última audiência, e não é. Penso que a próxima audiência desta Comissão deveria tomar em mãos um tema que houve nesta discussão hoje e que não tivemos oportunidade de discutir adequadamente, que é debater diretamente e frontalmente a questão do direito à vida.
Vamos discutir, deliberar democraticamente sobre as diferentes concepções de direito à vida, o que dizem os instrumentos internacionais, o que têm dito as cortes constitucionais, o que diz a visão religiosa. Vamos enfrentar esse debate de frente.
Eu - e para terminar - penso que sim, que há um potencial de vida no embrião e que há um conflito de direitos entre o potencial de vida do embrião e o direito da mulher sobre a sua realização plena como sujeito. E a gente deve tratar o tema do ponto de vista da ponderação.
Sei que não há acordo sobre isso, nem mesmo no campo feminista, mas acho que esse debate deve ser feito com a mesma seriedade e com as mesmas condições razoáveis de democracia que conseguimos ter aqui hoje.
Muito obrigada por estar aqui presente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado, Srª Sônia Corrêa.
Eu queria fazer um esclarecimento.
As questões de ordem aqui podem ser levantadas pelos Srs. Senadores e Srªs Senadoras. Isso é regimental.
A palavra facultada aos Deputados foi uma deliberação desta Presidência, e nós facultamos a palavra a todos os Deputados Federais que aqui estiveram no período do debate.
Gostaria de lembrar que nós recebemos quase mil comentários pelo e-Cidadania sobre o debate em discussão. E vou aproveitar para lembrar que esta audiência pública teve o objetivo de debater a sugestão legislativa que considera a interrupção da gravidez um ato médico. Ou seja, ela somente poderá ser realizada por um profissional de Medicina.
O debate é em torno desta sugestão legislativa: a interrupção só poderá ser realizada por um profissional de Medicina e respeitando a regulamentação em lei, através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Essa sugestão iremos debater, debatemos já, e vai continuar o debate, que não se encerra aqui.
Ela foi apresentada mediante a assinatura de mais de 20 mil pessoas. A interrupção voluntária da gravidez...
São cinco pontos que essa sugestão apresenta: a interrupção voluntária da gravidez seria considerada um ato médico, podendo ser realizada apenas pelo profissional de medicina capacitado.
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Segundo, a interrupção seria realizada obrigatoriamente através do SUS, em todas as suas instituições capacitadas para tal, de forma a evitar vínculos comerciais nos procedimentos médicos de realização do aborto voluntário. Terceiro, os profissionais de saúde do SUS, Sistema Único de Saúde, poderiam declarar objeção de consciência, para não realizar o correspondente ato médico e, assim, estariam isentos de fazê-lo, sendo substituídos por outro profissional capacitado. Quarto, a lei e as regulamentações definiriam condições adequadas para fornecer às usuárias do SUS informações sobre a interrupção da gravidez através de uma equipe multidisciplinar que ofereceria todas as condições para a mulher optar ou não pela realização do aborto, inclusive com a execução de programas sociais de adoção e outras alternativas socioeducativas, bem como programa de apoio à mulher para apoiá-la nesse momento difícil. Quinto e último, qualquer interrupção da gravidez, aborto voluntário, realizada fora dessas regras aqui resumidas, detalhadas na Sugestão nº 15, continuaria sendo ilegal, conforme os padrões de legislação atual.
Então, esse foi o tema que norteou os nossos debates. E queria agradecer a todos aqueles que se deslocaram de Estados, de...
O SR. LUIZ CARLOS BUSATO (PTB - RS) - Senador...
(Interrupção do som.)
O SR. LUIZ CARLOS BUSATO (PTB - RS) - ... nove horas da manhã estar aqui e não poder falar...
(Interrupção do som.)
ORADORA NÃO IDENTIFICADA - Aqui...
(Interrupção do som.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Portanto, não havendo nada mais a tratar, dou por encerrada a reunião.
(Iniciada às 9 horas e 8 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 34 minutos.)