11/09/2015 - 18ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Bom dia a todas as senhoras e aos senhores aqui presentes.
Havendo número regimental, declaro aberta a 18ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos dos Requerimentos nºs 5 e 33, de 2015, de autoria do Senador Humberto Costa, aprovados pelo Plenário deste Colegiado.
Esta audiência pública é a quarta de um ciclo de audiências que esta Comissão realiza em diversas cidades do Brasil, a fim de tomar conhecimento, investigar e debater o problema do assassinato de jovens no País.
Registro que o Senador Humberto Costa, autor dos requerimentos desta audiência pública, nesta reunião assumirá a função de Relator ad hoc, uma vez que o Senador Lindbergh Farias, Relator da Comissão, não pôde estar presente, em função de outros compromissos assumidos como Senador pelo Estado do Rio de Janeiro.
Registro a presença do nosso querido Senador José Medeiros, do Estado do Mato Grosso, que é membro desta Comissão e tem participado de todas as audiências públicas que realizamos pelo Brasil, oportunidade em que o convido para compor a Mesa.
Antes de iniciarmos os trabalhos, eu gostaria de agradecer ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, Deputado Guilherme Uchoa, que está nos dando toda infraestrutura para realizarmos esta audiência pública no Estado.
Também agradeço a todos os colaboradores da Assembleia Legislativa, indispensáveis para que esta Comissão alcance seu êxito, que nos auxiliam na condução do evento.
A Assembleia Legislativa estará representada pelo Deputado Bispo Ossesio Silva, do PRB de Pernambuco - estamos aguardando a presença de S. Exª, que nos garantiu que estaria aqui hoje -, e também membro da Frente Estadual contra o Extermínio do Jovem Negro e integrante de diversas comissões da Casa.
Estão presentes os seguintes convidados, a quem convido para comporem a Mesa: Dr. Alessandro Carvalho, Secretário Executivo de Defesa Social do Estado de Pernambuco, que aqui, formalmente, representa o Governador do Estado; Dr. Luiz Carlos Figueiredo, Desembargador, Coordenador da Infância e Juventude do Poder Judiciário Estadual, representante do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - se não me engano, o Desembargador tem restrição quanto ao tempo, assim sendo, vamos combinar de maneira que possamos aproveitar o máximo possível a presença de S. Exª entre nós.
Compõem a extensão desta Mesa, os seguintes convidados da Comissão: Drª Maria Bernadete Figueroa, Procuradora de Justiça, Coordenadora do GT Racismo, do Ministério Público de Pernambuco, representante do Ministério Público; Dr. Manoel Jerônimo de Melo Neto, Defensor Público Geral da Defensoria Pública do Estado; Coronel Antonio Francisco Pereira Neto, Comandante Geral da Polícia Militar de Pernambuco, a quem agradeço também a presença e colaboração.
Vamos combinar o seguinte: se não tivermos mais cadeiras, fiquem aqui neste espaço, compreendido como mesa estendida. Defendemos o conceito da família estendida, aqueles que não estão necessariamente aqui, mas que mantêm laços fortes de colaboração com nosso trabalho.
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Continuando com a lista de convidados: Dr. João Olímpio Valença de Mendonça, Conselheiro Federal da OAB-Pernambuco e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, representante da OAB Nacional, seccional Pernambuco; Dr. Luiz Andrey, Subchefe da Polícia Civil de Pernambuco, a quem também agradeço a presença; Ricardo Oliveira, Coordenador Executivo do Centro o Dom Helder Câmara.
Convido o Deputado Bispo Ossesio Silva, já o havia anunciado anteriormente, para que, com alegria, possa contribuir com a sua presença; convido a Srª Edna Jatobá, representante do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares); o Vereador Marcelo Santa Cruz, do Município de Olinda e membro da Comissão de Direitos Humanos daquela cidade.
Quero registrar a presença do Prof. Manoel Moraes, professor e pesquisador da área e membro da Comissão da Verdade.
Quero registrar a presença da Srª Eleonora Pereira da Silva, do Movimento de Representantes da Coordenação Nacional de Direitos Humanos.
Informo que essa audiência pública é realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas e internautas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/e-cidadania e Alô Senado, por meio do telefone 0800-612211.
Com o fim de organizar o tempo disponível desta audiência, sugiro que cada convidado tenha cerca de 15 minutos, podendo esse tempo se estender para 20 minutos, de acordo com a necessidade de cada um. Se todos concordarem ou se querem um pouco mais, daremos total flexibilidade, porque é do nosso interesse absoluto a fala de cada um dos senhores e senhoras.
Peço, portanto, que possamos estabelecer esse tempo, dando a flexibilidade necessária, para que nós não tenhamos prejuízo por não conhecer a apresentação ou o pensamento de cada um dos senhores e senhoras e, ao mesmo tempo, também de maneira a criar uma disciplina de horário apenas para que possamos ouvir o máximo de pessoas que puderem colaborar com o nosso trabalho.
Portanto, eu vou suprimir outros preâmbulos para que possamos ir direto ao assunto.
Informo aos senhores que os dois Senadores aqui presentes terão prioridade de fala, como preceitua e assegura o Regimento Interno da Casa, após a fala dos convidados.
Passo a palavra, portanto, ao Sr. Alessandro Carvalho, Secretário de Defesa Social do Estado de Pernambuco. Aliás, aproveito para destacar a diferença, já de início de nomenclatura, porque estamos em um Estado em que a Secretaria que se costuma chamar de Segurança Pública em outros territórios do nosso País, aqui tem o nome de Defesa Social, o que dá conta de um conceito muito mais amplo e muito mais voltado para um conceito moderno do que significa uma nova política de segurança pública.
Passo a palavra ao Dr. Alessandro.
Aqui, hoje, estamos em local bem apropriado, porque temos, inclusive, um lindo púlpito de tribuna.
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O SR. ALESSANDRO CARVALHO - Bem, muito bom dia a todos e a todas!
Cumprimento a Senadora Lídice da Mata, Presidente dos Trabalhos; o Senador Humberto Costa; o Senador José Medeiros; todos que compõem a Mesa; os colegas da Polícia Militar; o Comandantes Pereira Neto.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Dr. Alessandro, ou o som está baixo ou o senhor precisa encostar mais no microfone.
O SR. ALESSANDRO CARVALHO - Eu acho que eu cresci demais; vou baixar aqui um pouquinho.
Cumprimento o Comandante Geral da Polícia Militar, que nos acompanha aqui, o Pereira Neto; o chefe em exercício da Polícia Civil, Luiz Andrey; Sandra Santos, Gerente Geral de Polícia Científica; Teles, representando o Comandante Geral, o Subcomandante representando o Comandante Geral; o Secretário Executivo de Defesa Social, Rodrigo Bastos. Cumprimento o Pimentel, Delegado de Polícia, colega, tive a honra de ser chefiado por ele.
Bem, o assunto que nós temos para tratar aqui hoje é de uma relevância muito grande. Nessa faixa de 15 a 29 anos, nós temos o maior número de pessoas que são vítimas de assassinatos.
Pernambuco, Recife, até antes de 2007, eram considerados o Estado e uma das capitais mais violentas do País. A partir de 2007, foi implementada uma política de segurança pública no Estado, chamada Pacto pela Vida, que tinha alguns eixos fundamentais. O primeiro foi o de integração, porque a segurança pública, a defesa social não se faz apenas com ações de polícia. É necessário que haja prevenção. É necessário que haja o policiamento ostensivo, a ação de polícia judiciária, mas também o funcionamento em um sistema em que o Ministério Público, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública, as demais Secretarias de Estados e Poderes trabalhem de forma integrada, buscando uma melhor prestação de serviço à sociedade.
Além disso, nós temos a liderança que deve ser exercida, necessariamente dentro do Poder Executivo, pelo Governador do Estado. O que foi feito e continua sendo feito de uma forma muito forte. O Governador do Estado tomou posse no dia 1º de janeiro; no dia 2, deu posse a seus secretários, e no dia 3, um sábado, às 8h30min da manhã, dava início à reunião do Comitê Gestor do Pacto pela Vida sob sua presidência. E, todos os meses, ele participa de pelo menos, uma reunião. A última foi na semana passada, na quinta-feira, em Caruaru.
Respeitando o tempo que meu foi dado, eu vou passar logo para uma apresentação que eu trouxe, que sintetiza alguns números, tendo como fonte ou o mapa da violência de 2014, com dados ainda de 2012, ou o anuário do Fórum de Segurança Pública do País, o anuário. Por quê? Porque nós temos um problema seriíssimo, e eu acho que é algo que tem que ser visto. As secretarias ainda não usam um padrão de estatística que for comum a todos. Então, nós ainda temos que nos socorrer de dados do sistema de informação da mortalidade do Ministério da Saúde. E daí esse delay de informação.
Então, vamos lá, pode passar.
Esse primeiro eslaide é um retrato com base no SIM do Datasus, entre os anos 2000 e 2012, qual foi a evolução de homicídios no Nordeste do País. Então, no lado esquerdo, nós temos os Estados, e do lado direito as capitais desses Estados. Essa caixinha que vemos aí, variação, Pernambuco, 2000 a 2014, porque nós já incluímos os dados de Pernambuco, mas não temos os dados dos outros Estados para poder incluir.
Vou passar para a Presidente.
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Não sei se daí está dando para ver bem.
Então o que é que nós temos? De 2000 a 2012 apenas Pernambuco, como Estado, teve redução de homicídios de 31,3%. Se a gente ampliar esse recorte a 2014, essa redução é de 31,26%. E Recife, como capital, também foi a única que teve redução de homicídios no Nordeste, de 46,7%, e, ampliando o recorte até 2014, de 68,60%. Todas as demais capitais ou Estados do País, como nós vemos, tiveram aumentos entre 79,4% em Sergipe e 347,5% na Bahia.
Por favor.
Esse aqui também é outro dado extraído do Mapa da Violência de 2014. E aí o recorte é de população de uma forma geral, não só de jovens, e o outro também era de população como um todo, entre 2002 e 2012. Então, nós vemos que nesse recorte Pernambuco teve a maior redução de homicídios, com 32,3%, ficando aquém apenas do Rio de Janeiro, com 50%, e de São Paulo, com 60,3%.
O segundo recorte da direita é entre os anos de 2011 e 2012, que é o último dado que nós temos. E aí nós vemos que, com redução, Pernambuco também em terceiro, com (menos) -5,1%, Paraíba tinha 6,2% e Alagoas 10,4%. Só que, quando nós olhamos o recorte de Paraíba e Alagoas, que são Estados justamente ao norte e ao sul de Pernambuco, quando nós analisamos a coluna do lado esquerdo, nós vemos que a Paraíba teve um aumento de 130,2% nesse período e Alagoas de 88,7%.
Vamos lá.
Um outro recorte, também do Mapa da Violência de 2014, entre 2007 e 2012, porque 2007 foi justamente o ano de origem do Pacto pela Vida, nós vemos que todos os Estados do País, com exceção de quatro Estados, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo, tiveram aumento de homicídios. Com redução só esses quatro, e a maior redução foi registrada nesse período em Pernambuco; Mato Grosso do Sul teve 10% de redução, Espírito Santo, 12%, Rio de Janeiro, 29% e Pernambuco 30% de redução do número de homicídios.
Pode passar.
Aqui as capitais. O número de capitais com redução, a gente vê, aumenta, mas, ainda assim, Recife foi a capital que teve a maior redução de homicídios em todo o País nesse recorte.
E aqui a gente passa para o contexto de jovens. No contexto de jovens o recorte é 2002-2012, a fonte ainda é o Mapa da Violência de 2014, e nós tivemos a terceira maior redução entre 2002-2012 de 33,6%, e, entre 2011-2012, também a terceira maior redução, com 6,8%.
Aqui é o ranking. A taxa de mortes por 100 mil habitantes de jovens em Pernambuco é de 73,8%, ainda muito alta, ocupando a 11ª posição do ranking, só que esta taxa já foi maior e já houve um trabalho muito grande feito nesse período com uma redução considerável, que é o que nós vamos ver nos eslaides seguintes.
Pode passar.
Esse recorte aqui é em capitais. Nós temos Recife na nona posição, sendo a menor taxa no Nordeste, depois de Teresina. Ou seja, Teresina tem a menor taxa de mortes de jovens por 100 mil habitantes, e Pernambuco, no Nordeste, é o segundo Estado com a menor taxa.
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Um outro recorte com relação à redução de morte de jovens brancos e negros, negros entendidos, na classificação adotada pelo Mapa da Violência, como aqueles pardos e negros. Pernambuco teve uma redução, entre 2002 e 2012, de 69,3% na morte de jovens brancos e de 27,9% nas mortes de jovens negros, sendo o único Estado do Nordeste que conseguiu redução nesse recorte que aí está.
Vi, na fundamentação do requerimento do Senador Humberto Costa, que uma das razões para a audiência, também em Pernambuco, foi a diferença entre a chance de um jovem negro morrer ser onze vezes e meia maior do que a de um jovem branco. Temos uma situação decorrente da miscigenação e da forma como a população hoje é distribuída, não só em Pernambuco, como, por exemplo, na Paraíba.
Então, o que vemos aqui é que a taxa de mortalidade de jovens brancos em Pernambuco é a menor do Brasil: 5, 6%; e na Paraíba: 5,8%. Por quê? Porque a maior parte da população de Pernambuco, da Paraíba e de outros Estados do Nordeste é formada por negros e pardos. É a sétima maior taxa de mortalidade de jovens negros, em 2012: 56,7%. Daí essa diferença no patamar ao ter a menor taxa de mortalidade de jovens brancos, 5,6% para 56,7%, na verdade, isso seria algo em torno de 11%.
Vamos passar.
Uma situação que fiz questão de ressaltar aqui foi a questão de mortes provocadas por policiais, seja em serviço, seja fora de serviço. Pernambuco adota uma política de estatística de registros que quase nenhum Estado da Federação adota. Qual? Computar como crime violento letal intencional, como homicídio, a morte de qualquer pessoa, em razão de ação policial. Em muitos Estados, o que vemos é só a lavratura de um auto de resistência, sem instauração de inquérito policial, o que não acontece aqui. É instaurado inquérito policial para todos os casos, não fica só no auto de resistência, mas também computamos isso como crime violento letal intencional. Isso entra nas estatísticas. Muitos Estados não computam porque o raciocínio é que, se houve uma legítima defesa própria ou de terceiro, não há crime, porque há um excludente de ilicitude. Só que foi uma questão de política de segurança do Estado, primeiro, atendendo a um padrão até estipulado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, e, segundo, com um claro propósito de reduzir a letalidade policial. Muitos casos são de efetiva legítima defesa, mas sabemos que, no País, há casos de abusos apurados com o devido rigor. Então, a taxa de mortalidade, por policiais em serviço ou fora de serviço, em Pernambuco, foi de 0,5 para cada 100 mil habitantes, quando a taxa do Brasil é de 1,2 por 100 mil. Em 2013, de 0,6 por 100 mil, a taxa do Brasil caiu para 1.1, sendo a décima quarta menor taxa.
Acho que encerro aí.
Obrigado, então. Acho que eram os números que eu precisava trazer para abrir o debate.
Bom dia. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Dr. Alessandro. Sua apresentação foi bem calculada, exatamente no tempo.
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Quero registrar a presença da Deputada Teresa Leitão, do PT, de Pernambuco, a quem agradeço a participação; Presidente da Comissão de Educação e Cultura; do Deputado Edilson Silva; do Secretário Isaltino Nascimento, do Desenvolvimento Social da Criança e Juventude, ex-Parlamentar desta Casa; de José Cláudio Nogueira, Delegado de Polícia, Gestor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, da Polícia Civil de Pernambuco; do Coronel Manoel Teles, do Corpo de Bombeiros de Pernambuco, e também agradecer a presença dos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Maurício de Nassau.
Informo ao público que acompanha esta audiência que a assessoria da Comissão distribuirá formulários para que os senhores possam enviar comentários, perguntas, sugestões aos membros e convidados desta Mesa, uma pré-inscrição. Caso não seja possível responder a todas as indagações nesta ocasião, em razão do tempo limitado, esta Presidência encaminhará todos os formulários a seus respectivos destinatários para que todos sejam respondidos, caso seja necessário. Vamos tentar que essas respostas possam ser dadas aqui mesmo.
Dando continuidade, passo a palavra ao Sr. Luiz Carlos Figueiredo, Desembargador, Coordenador da Infância e Juventude do Poder Judiciário Estadual.
O SR. LUIZ CARLOS FIGUEIREDO - Bom dia a todos e a todas presentes!
Em nome do Poder Judiciário de Pernambuco, quero tratar desse tema relevante, de início saudando a Senadora Lídice da Mata, que é um presente que a Bahia dá ao País pela seriedade, pela condução dos trabalhos legislativos.
Agradeço o Senador Humberto Costa por haver requerido à CPI que viesse fazer essa audiência pública aqui em Pernambuco para jogar luzes sobre esse problema em nosso Estado. E por que não dizer, agradecer ao próprio Senado em criar a CPI, porque, ao criar a CPI, o problema nacional, todo, passa a ser devidamente analisado.
Agradeço também ao Senador José Medeiros, do Mato Grosso, aqui presente, que se desloca para acompanhar os trabalhos, e aos demais integrantes da Mesa, o Bispo Ossesio, Deputado Estadual; a minha querida amiga Maria Bernadete, Procuradora de Justiça do Estado de Pernambuco; ao Secretário Alessandro Carvalho, da Defesa Social do Estado, e a todas as pessoas que aqui estão, todos comprometidos com essa questão gravíssima, porque, se não estivessem comprometidos, não estariam aqui. Estão aqui porque querem realmente debater o tema, querem realmente analisar com profundidade.
Eu costumo dizer, sempre quando trato da questão que envolve a infância, que o marco civilizatório da humanidade não é quando foi morar em cidades, não é quando inventou a roda, é quando delegou na época a alguém para fazer justiça em nome de todos, este poder de fazer justiça, acabar com a lei de Talião: olho por olho e dente por dente; acabar com a vingança privada. Mas para isso, é preciso que o Estado, no sentido mais amplo, cumpra o seu devido papel de agir em nome da sociedade. Essa procuração tem poderes limitados. Se o Estado não cumpre adequadamente o seu papel, a tendência é que aquela besta-fera que existe em cada um de nós, escondidinha, no maior recôndito possível do nosso cérebro, tenta ser ativada para fazer aquilo que o Estado descumpre.
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Isso vale quando se discute, por exemplo, a redução da idade da imputação penal, isso vale também em relação aos crimes contra crianças e adolescentes. Eu mudei meu plano de voo. Eu vim com uma pastinha, com estatística, e não quero fazer mais o mesmo. Ponto. Os dados estatísticos foram apresentados pelo Secretário Alessandro; se alguém duvida deles, que os contradite. Acho que não é a mesma solução.
Saúdo o meu querido amigo, exemplar defensor dos direitos humanos, o Vereador Marcelo Santa Cruz. Há mais de 20 anos uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados esteve aqui, em Pernambuco. A Relatora dessa Comissão era, na época, Deputada, depois Senadora, Camata. E algumas coisas foram apontadas, e evidente que algumas coisas já foram resolvidas e melhoradas e outras tantas, não. E nem sempre essas que não foram resolvidas eram mais difíceis de resolver.
É preciso que se resgate tudo o que se discutiu. É preciso que se veja tudo o que se avançou e também o que não se avançou e por que não se avançou; o que é que está faltando para resolver os problemas. É preciso repetir que se está matando muito adolescente e muita criança? Não, não é preciso repetir. Que mais são negros e pardos? Não é preciso repetir. Que mais têm baixa escolaridade? Que são de famílias abaixo ou junto à linha de pobreza? Também não é preciso. Isso vai mudar muito pouco, porque alguém vai dizer que é 1%, outro vai dizer que é 1,1%, 1,2%, 0,9, e vai ficar mais ou menos no mesmo. Porque a sensação que eu tenho é que muitos remam para frente e outros remam para trás; e outros para o lado da esquerda, outros para o lado da direita, todo mundo está se matando de trabalhar, todo mundo está na maior boa vontade de resolver o problema, mas há essa falta de concatenação, de ação conjunta, que se dificulta pela multiplicidade de ministérios, multiplicidade de secretarias, de órgãos tantos fazendo a mesma coisa, e aí ninguém sabe quem é a verdadeira interlocução para resolver o problema, e aí tende-se a agravar essa circunstância.
Senadora, eu fui juiz da infância, mas deixei de trabalhar com a área infracional no ano de 2001. Nesse ano de 2001 inteiro, na capital de Pernambuco, aconteceram dois flagrantes de adolescentes com crack. Dois flagrantes, o ano inteiro, com crack! Não faz tanto tempo assim! Estamos em 2015, e é muito mais do que dois por turno hoje. Esse traço comum tem sido deixado muito à margem. O traço comum chama-se "drogas" - leniência na entrada de drogas dos outros países, leniência na prisão, na pressão dos grandes traficantes, e não só aquela miudeza do meio da rua, e leniência na recuperação daqueles que estão drogatizados e que entram no mundo do crime com a única finalidade de adquirir algum dinheiro. Para quê? Comprar droga de novo. Então, essa cadeia precisa ser rompida.
Nós recebemos há pouco um trabalho de um projeto de lei de autoria do Senador Humberto Costa, em relação à venda de bebidas alcoólicas a menores. Em poucas palavras: o Legislativo cumpriu a sua parte, é preciso que a sociedade cumpra a sua parte também. É preciso que se fiscalize e é preciso que se puna exemplarmente aqueles que estão vendendo álcool a jovens. É preciso que se quebre essa barreira da história de droga lícita ou ilícita: jovem menor não pode fazer uso de bebida alcoólica. Ponto. Não há espaço para tergiversar com essas coisas. Então, essa situação precisa ser revolvida, e eu vou me ater exclusivamente àquilo que me diz respeito na área do Judiciário.
Algumas recomendações da CPI antiga a que me reportei falavam exatamente na dispersão das ações tanto da Polícia Civil quanto do Judiciário em relação ao problema dos crimes dos quais os jovens eram vítimas. O Estado de Pernambuco, já naquela época, tomou a providência em relação à Polícia Civil de criar a Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente, separando em duas delegacias, uma encarregada dos atos infracionais praticados pelos adolescentes e outra encarregada dos crimes praticados contra crianças e adolescentes.
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O Poder Judiciário criou a Vara Especial dos Crimes contra Crianças e Adolescentes. A primeira Vara no mundo em razão da pessoa da vítima, porque as Varas judiciais - está cheio de alunos da Maurício Nassau - são criadas em função da natureza do delito, o homicídio, vara do juri, crime contra o patrimônio, etc., ou em razão da figura do criminoso. Em razão da figura da própria vítima, é a primeira no mundo. Hoje, Recife tem duas Varas, alguns Estados estão cuidando de fazer isso. O Rio de Janeiro, no final do primeiro semestre; Mato Grosso do Sul, Pará, alguns estão tomando essas providências. Alguns criaram, Senadora - acho - na Bahia, criou-se, mas não a instalou.
Se você consegue concentrar as ações policiais e as ações judiciais num canto único, uma coisa começa a desaparecer: prescrição, porque esses processos são efetivamente julgados. Daí por que aqui precisou-se de duas, porque chegou rapidamente ao ponto de estar superlotada de processo. Estamos com duas. É verdade que a maioria é de crime de natureza sexual, e é verdade também que a maioria é cometida dentro do âmbito familiar ou na vizinhança. Então, é uma violência gravíssima que precisa ser corrigida, mas o extermínio, não adianta tapar o sol com a peneira, ele existe. É preciso que haja algumas ações concretas em relação à questão da droga, em relação ao fortalecimento das ações da polícia na área e do Poder Judiciário. É preciso que seja jogado um olhar e uma luz muito forte na questão dos adolescentes autores de atos infracionais, porque são esses mesmos a maioria daqueles que voltam a delinquir. Voltam a delinquir, porque entram no sistema que não recupera ninguém. Um sistema que, ao contrário, agrava, porque a condição das unidades de privação de liberdade são lamentáveis.
Aí dizem: "Interna-se demais". Não é verdade; não é verdade! O que existe é se ter, como se tem em Recife, com sentença judicial, em números aproximados - não quero fazer estatística - na ordem de mil adolescentes, para o qual se aplica as medidas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade. Número real de adolescentes engajados nesse mil, algo em torno de 250 a 300. E os outros 700, que têm um papel dizendo que está cumprindo uma medida, que o Estado agiu para repreender para que ele não torne a delinquir, mas ele tem só um pedaço de papel na mão? Para ele, impunidade absoluta. Não deu em nada, vou fazer de novo.
Para a vítima e para a sociedade em geral prevalece esse absurdo entendimento de que, para menor, não dá nada. Daí, fez-se o caldo para ligar o que comecei a dizer. Impunidade absoluta, retorno à vingança privada.
Esses jovens, ao entrarem nesse sistema, terminam aprendendo muito mais do que sabiam antes, terminam, às vezes, trocando o tipo de droga que usavam para drogas mais fortes, e os programas e as opções legais - é muito fácil criticar o estatuto -, mas o que está faltando é a implementação.
Os índices de recuperação de adolescentes, autores de atos infracionais, quando engajados em programas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade, são elevadíssimos. Quase não há reincidência, quase não há reincidência! Ou seja, o caminho das pedras está traçado. Invista-se mais nesses programas.
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Pernambuco, Senadora, teve uma novidade lançada no governo passado, no primeiro governo de Eduardo Campos, que foi de repasse financeiro aos Municípios, para que eles fizessem os seus programas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade. Nenhum Estado fazia, e acredito que não continue não fazendo. Isso me parece uma boa solução se devidamente fiscalizado, porque municipalizou seu atendimento, mas foram dadas as condições aos Municípios para que eles fizessem esse atendimento decente.
O Estado continua repassando, depois de tantos anos. Isso foi no primeiro Governo de Eduardo Campos. Nós poderíamos estar aqui discutindo que o valor do repasse era pouco, que o valor per capita não dava para cobrir as despesas, mas o que nós estamos assistindo é a devolução de dinheiro, porque não é aplicado. Se está devolvendo dinheiro, é porque não tem adolescente infrator. E a gente sabe que tem! Por que se devolve dinheiro? Porque a máquina não funciona, porque não se fiscaliza, porque o Estado nunca deixou de repassar. O Município apresenta sua programação; ela é analisada tecnicamente... Foi Secretário o Deputado Pedro Eurico, é atual Secretário o Isaltino, que podem confirmar que o Estado nunca se negou a cumprir; mas, lamentavelmente, alguns Municípios não têm dado essa prioridade. Se não dão a prioridade, a bola de neve circula sempre no mesmo sentido. Não dão prioridade e termina por ser internado, porque o juiz interna porque não tem outra opção a fazer, pois é a rua, liberdade plena, ou a internação, ele manda para a internação, e, na internação, ele cada vez se droga mais, cada vez fica mais violento e cada vez mais a sociedade e os grupos de extermínio atuam. E cada vez mais quem morre? Negros, pobres, baixa escolaridade. É um ciclo vicioso. Eu só estou apontando aqui alguns caminhos, como esse da criação das Varas, da Delegacia Especializada, dos programas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade podem, sim, ser o fator de diferença.
(Soa a campainha.)
O SR. LUIZ CARLOS FIGUEIREDO - Precisam eles ser postos em prática como uma obrigação total. Não dá para reduzir nem um milímetro da ação do Estado na busca desse ideal.
Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Registro a presença de Pedro Eurico, Secretário de Justiça e de Direitos Humanos, também ex-Parlamentar desta Casa, a quem agradeço sua presença aqui e a possibilidade de contribuir com nossa Comissão, ao tempo que agradeço a palavra do Dr. Luiz Carlos Figueiredo, Desembargador, Coordenador da Infância e Juventude do Poder Judiciário Estadual.
Passo a palavra, imediatamente, a Srª Maria Bernardete Figueroa, Procuradora de Justiça, Coordenadora do GT Racismo, do Ministério Público Estadual. (Palmas.)
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Bom dia a todas e a todos!
Eu gostaria de, em primeiro lugar, agradecer esse convite para participar desta audiência pública da CPI.
Cumprimentar a Mesa, na pessoa da Senadora Lídice da Mata, a quem conhecia só de nome e hoje tenho a satisfação de conhecer pessoalmente; a pessoa do Senador Humberto Costa, aliás, eu gostaria também de fazer um registro, Senador Humberto Costa: há 35 anos, não vou entrar em detalhes dos anos para não me complicar, eu, no Movimento de Mulheres de Pernambuco, a gente lutando junto à Comissão da OAB de mulheres de carreira jurídica da Comissão Nacional da Associação da Mulher em Carreira Jurídica, V. Exª sempre nos prestigiou, quando nenhuma outra autoridade, naquela época, prestava atenção à luta das mulheres, da violência doméstica, V. Exª já era uma autoridade que participava e prestigiava não só a questão da violência doméstica como as outras questões das minorias.
Então, faço esse registro aqui, já o fiz em outros momentos, mesmo V. Exª estando ausente, mas hoje eu gostaria de fazê-lo na sua presença, porque foi um marco para nós todas que trabalhamos nas lutas pelos movimentos sociais e pela quase indiferença dos poderes instituídos. Então, é um registro que faço sobre sua participação em todos esses momentos.
Eu gostaria também de agradecer essa oportunidade de poder falar algumas coisas sobre o trabalho que vem sendo feito em Pernambuco, particularmente em relação à questão do genocídio da juventude negra, e registrar também que tivemos aqui nesta Casa três audiências públicas, neste ano, sobre o genocídio da juventude negra, sob a batuta de nossos queridos Parlamentares a Deputada Teresa Leitão, o Bispo Ossesio e o Deputado Dilson. Refiro-me a esses porque estavam à frente dessas audiências públicas.
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Neste ano, em Pernambuco, já é a quarta audiência pública que está acontecendo nesta Casa, com essa temática, e eu espero que hoje a gente possa, nesse âmbito nacional, trazer algumas propostas que possam realmente alterar esse cenário desastroso para a população negra do Brasil. (Falha na gravação.)
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Quero saudar também a pessoa do Senador do Mato Grosso, José Medeiros; nosso querido Secretário de Segurança Pública, Dr. Alexandre; do nosso queridíssimo Desembargador, o Exmº Desembargador Luiz Carlos, meu amigo e companheiro de longa data na luta também em relação à violência e violação aos direitos das crianças e dos adolescentes aqui em Pernambuco e no Brasil.
Eu gostaria de trazer algumas reflexões para a gente pensar numa política em relação à população jovem e negra do Brasil, que é uma coisa que eu acho que a gente precisa, como instituição, refletir com mais intensidade, com mais recorte, com mais foco no que se refere ao racismo. Nós estamos aqui nesta Casa hoje para falar de racismo, porque a letalidade da juventude negra se dá em consequência do racismo no Brasil, instituído pelo Estado, pela sociedade e pela invisibilidade que o racismo carrega consigo ao longo de 500 anos de Brasil.
Então é preciso que a gente se posicione com esse recorte, porque é o racismo, é a invisibilidade do que ele causa, do dano que ele causa na vida das pessoas, do sofrimento que ele produz nas pessoas negras deste País que tem como consequência o genocídio da juventude negra.
Acho que isso é um recorte que é necessário que se faça. Por quê? Quando se diz, por exemplo, que Pernambuco teve diminuição, num período muito importante, de 70% de homicídios de jovens brancos, entre 2002 e 2011, nós tivemos apenas 30%, foram os dados trazidos, 27% de jovens negros. Quer dizer, mesmo com a política universalista votada, nessa perspectiva de enfrentamento da violência, a juventude e o povo negro continua perdendo.
Daí a importância das ações afirmativas, que é justamente para sair desse universo das ações comuns, das ações que são focadas numa política geral para que se faça o recorte. Enquanto isso não acontecer, as instituições, como o Ministério Público, a Magistratura, a Secretária de Defesa Social, a Defensoria Pública, a OAB, escola, Igreja, enfim, todas as instituições estarão diante de uma realidade que elas não enxergam, porque o racismo no Brasil é invisível ainda. Se não fosse Durban, a Conferência de 2001, que mobilizou o mundo para mostrar que não existe discussão de desigualdade no mundo sem recorte racial, porque a pobreza no mundo tem cor, ou seja, 75% da pobreza do mundo é negra, e no Brasil nós temos um percentual de 65% de pobres negros e de 70% de pessoas que estão na miséria, o que significa que estão abaixo da linha de pobreza - são dados do IBGE e do IPEA.
Então a gente precisa se debruçar sobre essa gravidade, sobre essa realidade. Nós estamos falando de racismo que mata, mata na escola quando tira a criança da escola. São 62% das crianças que estão fora da escola porque não se sentem acolhidas, não se sentem respeitadas. Nós temos uma lei importantíssima, a 10.639, justamente essa lei veio com esse propósito de fazer com que as pessoas conheçam a sua identidade, conheçam sua história, mas a população negra é tratada na escola e fora da escola como se ela não tivesse história, como se ela não tivesse uma identidade. Ela foi objeto da construção desta Nação; ela não é vista como sujeito construtor desta Nação. Então, essas crianças e esses jovens abandonam a escola por esse e outros motivos, porque eles são discriminados, eles não são acolhidas pelos professores, pelos colegas, elas são vítimas de apelidos, e isso interfere na autoestima e até na vontade de aprender e de permanecer na escola. Isso é um estudo, não sou eu que estou inventando, são estudos dos psicólogos, dos psicanalistas, das organizações que fazem esse estudo e comprovam.
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Assim nos mostram os índices do IBGE, do Ipea, ao dizerem que 62% das crianças até sete anos que estão fora da escola são negras e 70% dos jovens entre 14 e 18 anos que estão fora da escola também são negros. Isso significa que existe um universo que precisa ser identificado. Não dá para botar todo mundo no mesmo lugar. Se Pernambuco diminuiu 70% de mortes de jovens brancos, só diminuiu 27% de jovens negros. Não adianta dizer que é porque há mais jovens negros do que jovens brancos.
Respeito profundamente o trabalho do Secretário, entendo perfeitamente a colocação dele, só quero dizer que isso não é tão simples assim. Essa naturalização desta realidade que faz com a gente não aja, que faz com que a gente ache que é para ser assim mesmo. Então, o que está por trás disso? Por que só diminuiu 27% em relação aos jovens negros e 70% em relação aos jovens brancos?
É claro que há uma série de circunstâncias que não é o Secretário que irá responder, não é o Deputado, não é o Desembargador, mas é disso que precisamos tratar. Precisamos lembrar que o Ipea fez um estudo recentemente para discutir esta questão da maioridade penal, do genocídio - e há dados aqui que achei muito importante a gente falar -, então, esse estudo recente do Ipea diz que dos 21 milhões de jovens brasileiros representam 11% da população. É um percentual muito alto. Diz que 60% desses jovens brasileiros são negros. (Falha na gravação.)
Eu acho que isso é racismo institucional. (Risos.)
Do jovens de 15 a 17 anos, mais de um milhão são negros, e 83% desses jovens são classificados como extremamente pobres - vejam - são negros. Desse universo de 11 milhões, 83% são classificados como extremamente pobres e são negros. São dados recentes do Ipea.
O que podemos refletir com isso? Há um abandono institucional - falo isso de um modo geral - dessa percepção, desse recorte. É preciso que observemos que, quando esses jovens saem da escola, vão para a rua, quando esses jovens não têm uma motivação para continuar, porque historicamente ele não se reconhece sujeito de uma identidade capaz de trabalhar a sua autoestima, porque essa autoestima é minada. Fizemos um encontro recentemente, um seminário, há 15 dias, sobre racismo na infância. E são gravíssimos os dados trazidos por psicólogos, psicanalistas, mostrando a gravidade do dano que a criança negra sofre e como isso interfere no resto da vida dela. Essa criança negra, estou falando do que se passa na escola, e é o mesmo que se passa na rua, na vizinhança, na igreja que ela frequenta, enfim, uma série de instituições que são impregnadas de racismo. Inclusive, é bom lembrar, a nossa Senadora sabe disto, que a CPI da Câmara, recentemente concluída, constatou, oficializou a existência de um racismo institucional nas instituições. O racismo institucional nada mais é do que essa indiferença com a realidade, com a percepção do "ser negro" e das consequências do que isso traz para a vida de uma pessoa.
Então, naturalizar esse lugar, naturalizar essa realidade é o que se chama de racismo institucional. É quando a polícia, de um modo geral, não faz essa distinção, mas também ela está só trabalhando com jovens negros e isso não é percebido. É normal que ela, e de um modo geral isso aconteça. Tivemos um caso aqui emblemático de jovens que foram jogados no Rio Capibaribe no carnaval e, coincidentemente, a maioria era de jovens negros, quase exclusivamente negros. Isso foi muito falado, porque foi muito visível, foi muito discutido. Era muita gente para passar batido.
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Eu respeito profundamente a Polícia Militar de Pernambuco, a Polícia Civil. Há um GT Racismo na Polícia Militar que precisa ser fortalecido. Uma das únicas polícias do Brasil que tem um GT Racismo com o apoio da instituição. A Policia Civil de Pernambuco também tem um GT Racismo desde 2010, se não me engano; a Polícia Militar, desde 2009. Enfim, a gente tem articulado ações importantíssima, mas é preciso que esses GTs estejam fortalecidos e é preciso que sejam aplicados, porque o racismo é um ilustre desconhecido de cada um de nós. A gente não sabe o que é racismo. O Brasil passou esses anos todos com o racismo debaixo do tapete, como se fosse um não lugar da população negra. É como se não existisse, porque é um incômodo falar de racismo. A gente arruma vários adjetivos, vários substantivos para não falar do racismo.
Então, é importante que as instituições, de um modo geral, façam esse recorte; que tenham em sua estrutura, na sua base, na sua construção essa percepção, porque senão teremos leis maravilhosas e não teremos mudanças na vida real. É o que já está acontecendo, porque temos muitas leis, a partir de Durban, que mexeram muito com a legislação brasileira, como a de 2003 para combater o racismo na educação, temos o Estatuto da Igualdade Racial, de que ninguém fala. Tudo o que estamos discutindo aqui está previsto no Estatuto da Igualdade Racial. É uma lei de que ninguém fala. É uma lei que tem um fundo, mas que não existe o fundo financeiro, que não foi criado. E a luta do movimento negro e das instituições e Parlamentares comprometidos é o de criar esse fundo, porque sem esse fundo o Estatuto também não consegue sair do lugar. Então, o Estatuto completou cinco anos em junho, e é um absurdo que ninguém fala sobre ele. Eu fico impressionada, porque se a gente estivesse prestando atenção ao Estatuto estaríamos em um outro patamar de discussão. É preciso que a gente implemente as leis de cotas nas universidade, nos concursos públicos, porque é uma coisa que vai alterar a percepção e o lugar das pessoas negras.
Por que a democracia só está presente no não lugar? Por que a população negra não está presente dos espaços de poder, nos Parlamentos, no Judiciário, na Magistratura, no Ministério Público? Por que não está presente nas polícias? As polícias ainda são as instituições mais democráticas neste sentido. Então, por que a democracia só vale para essa estatística da população negra sendo morta? Para essa estatística do não lugar? Para a estatística da população que está fora da escola? Que democracia é essa em que só vale o lado negativo para a população negra? Se fosse uma democracia racial, tão comentada e tão falada, nós estaríamos em um lugar em que 50% de cada população representados. Nós somos 51% do povo brasileiro e estamos, na estrutura dos poderes instituídos e nas grandes empresas, simplesmente insignificantemente representados. Somos um povo sem representação política, sem representação institucional. Estamos nessa estatística do Brasil apenas como a parte negativa, a produção negativa do País e da Nação.
É preciso que as instituições se comprometam com essa realidade, com a discussão do racismo institucional, para que a gente tenha um olhar abrangente, compreensivo do que é a realidade da população negra, porque só sabe o que é ser negro neste País quem é negro. É preciso que se diga isso, porque ser negro é diferente de ser branco. É preciso que isso seja percebido pelas instituições.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada à Drª Maria Bernadete.
Passo a palavra agora ao Sr. Manoel Jerônimo de Melo Neto, Defensor Público Geral do Estado de Pernambuco.
O SR. MANOEL JERÔNIMO DE MELO NETO - Eu gostaria de iniciar cumprimentando V. Exª, que preside os trabalhos, Senadora Lídice da Mata. Quero cumprimentar também o Senador Humberto Costa, o Senador José Medeiros. Quero parabenizá-los pela brilhante iniciativa de trazer esse debate desta CPI ao Estado do Pernambuco.
Cumprimento também o Secretário de Defesa Social, o meu amigo Alessandro Carvalho; o Secretário Pedro Eurico; o Secretário Isaltino; o Desembargador Luiz Carlos Figueiredo; o Deputado Ossesio Silva; minha querida amiga Procuradora Maria Bernadete, estendendo os cumprimentos à Defensoria Pública e aos demais presentes.
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Inicialmente, é importante registrar a importância dos órgãos estatais da sociedade civil darem as mãos, buscando coibir com veemência qualquer tipo e forma de discriminação. Precisamos amadurecer também em nossa evolução social; não podemos admitir nenhum tipo de discriminação, notadamente em razão de cor de pele; somos todos irmãos e precisamos viver num mundo de paz. Para tanto, precisamos respeitar - Deputada, receba nossas homenagens - o direito do outro.
Entendo, com data maxima venia, que o problema, Secretário Pedro Eurico, não está apenas na cor, mas também na capacidade econômica. Não me lembro de ter ouvido falar de um negro assassinado que tenha fortunas, que tenha posses, que tenha uma situação financeira desejada. Infelizmente, a situação envolve os jovens negros pobres. E isso é uma preocupação também vultosa, porque, a partir da capacidade econômica, o negro, assim como o branco, o pardo, terá, naturalmente, uma condição melhor de educação, e, por via de consequência, de produzir para o Estado, de ter dignidade, e é por isto que nós temos que lutar, não só pela violação ao direito do negro, mas também para que ele tenha oportunidade igual ao branco, que tem capacidade econômica.
Não podemos dizer que um policial que está trocando tiro com bandidos não vai escolher o negro para matar. Ele vai matar, se for em legítima defesa, o branco ou o negro. Então, é preciso não misturar as situações. O negro precisa, sim, ter oportunidade igual ao branco, igual ao pardo, igual a qualquer raça, mas essas oportunidades têm que ser vislumbradas de forma inteligente. Não podemos analisar apenas e por si só o aspecto da cor da pele; é importante que ele seja incluído na nossa sociedade o mais rápido possível.
Nos percebemos os esforços dos Governos Federal, Estadual e Municipal nesse segmento. A Defensoria Pública do Estado, por ser talvez a instituição mais republicana das republicanas, não pode se furtar de auxiliar os nossos irmãos jovens negros nessa luta, que também é nossa. Nós precisamos coibir com veemência e lutar para promover os direitos humanos também desses irmãos.
Importante registrar, Deputada, que nós criamos, inclusive a pedido do Governador do Estado, Paulo Câmara pessoalmente à minha pessoa, que criássemos um grupo de trabalho para promover os direitos humanos. Estamos fazendo isso aos sábados, um trabalho envolvendo a Secretaria de Direitos Humanos, no qual atendemos não só os nossos irmãos negros, mas aquelas minorias que sofrem qualquer tipo de discriminação. É importante... "Minorias" - aspas -, porque nós precisamos entender o contexto global.
Então, eram essas as nossas palavras, Senadora.
A Defensoria Pública estará sempre pronta para servir o nosso público, que são nossos patrões, que pagam nossos salários, e precisamos fazer com que o nosso serviço público tenha um espírito privado! Aquela ideia de serviço público ser feito de todo jeito, aquilo é coisa do passado. Precisamos, sim, fazer valer os tributos que são pagos pela população.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Para usar da palavra, neste momento, o Coronel Antonio Francisco Pereira Neto, Comandante Geral da Polícia Militar de Pernambuco.
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O SR. CORONEL ANTONIO FRANCISCO PEREIRA NETO - Bom dia a todos e a todas!
Saúdo a Senadora Lídice da Mata, o Senador Humberto Costa, em nome de quem saúdo todos os Parlamentares presentes; saudar o nosso Secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, em nome de quem também saúdo todos os Secretários de Estado presentes; e saudar todas as pessoas que, neste momento, estão aqui nesta importante audiência pública.
A Polícia Militar de Pernambuco tem uma visão muito especial e um cuidado, um zelo muito grande no que diz respeito à vida das pessoas, independentemente de ser preto, pardo ou branco. O direcionamento que damos aos nossos policiais militares é para que eles sejam capacitados desde o início, quando ingressam na corporação, no sentido de que aquela grade curricular que ali está posta permita que eles possam ter todos os ensinamentos que os tornem capazes de serem pessoas de direito e que possam, acima de tudo, respeitar os direitos humanos. Estão postos na nossa grade curricular desde a cadeira dos direitos humanos, polícia comunitária, uso progressivo da força, toda uma grade que permeia essa formação, no sentido de que possamos ter um policial militar que olhe para o cidadão e que, acima de tudo, possa respeitar os seus direitos.
Nesse diapasão, também não podemos nos esquecer, de forma alguma, de que esses policiais militares, saídos da sociedade em que vivemos, podem, aqui e acolá, cometer desvios de conduta, o que é natural do ser humano, mas a que nós, enquanto instituição, não fazemos vista grossa. A prova disso é que, na estrutura da Secretaria de Defesa Social, temos uma Corregedoria-Geral, justamente para que esses policiais militares que infringirem o código de ética da corporação e a legislação em vigor, assegurada a ampla defesa e o contraditório, sejam investigados e, ao final, punidos, se for o caso.
Como aqui foi citado, a Polícia Militar também tem uma visão e uma participação muito especial e importante, no sentido de dar e participar, efetivamente, desse contexto. Quando aqui foi falado do GT Racismo da Polícia Militar, ele está dentro e sob o guarda-chuva da Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos da corporação, que foi criada recentemente, no sentido de que pudéssemos colocar ali todos os nossos programas que têm a atenção voltada para atender minorias, para atender ao cidadão de forma mais próxima. Está ali toda a nossa filosofia de polícia comunitária. Hoje temos 290 viaturas de patrulhas do bairro, que é um programa da Polícia Militar, para que os nossos policiais militares possam, interagindo com a sociedade, interagindo com as lideranças comunitárias, nas diversas comunidades, também, se inteirando dos problemas, procurar participar da solução, não só na questão da segurança pública, mas também em outras esferas.
Temos também nossa patrulha escolar, que é voltada justamente para atender e interagir com a comunidade escolar, quer sejam os alunos, os nossos adolescentes, que, queiramos ou não, pode faltar tudo na comunidade onde eles residem, mas uma coisa é certa: que falte saúde, que falte educação, que falte saneamento, mas a droga está lá presente diuturnamente. E o combate que temos feito nessa direção tem sido implacável na repressão, mas a Polícia Militar não se esquece nunca da prevenção.
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Está aí o nosso Proerd, um programa exitoso, que só no ano passado atendeu 164 mil alunos. Esta é também mais uma contribuição que a Polícia Militar dá no sentido de esclarecer esse contingente de jovens para que não caiam na droga.
Temos também, como aqui foi falado, o GT Racismo, que é para combater o racismo institucional. Temos tido diariamente a grata satisfação, e gostaria nesta oportunidade de agradecer todos os integrantes que participam do GT Racismo, principalmente a nossa Capitã Maria Helena, que não está aqui presente porque está ministrando neste momento aula lá no nosso Cefap, Centro de Formação, e que para nós tem sido um motivo de muito orgulho. A corporação realmente se sente orgulhosa pelo trabalho que o GT Racismo vem realizando.
A Polícia Militar, além do que falamos aqui, tem, nessa vertente da preocupação, realizado uma série de trabalhos, uma série de projetos que são fomentados pelos próprios comandantes de unidades e que têm o aval do Comando Geral da Corporação.
Ontem estávamos na reunião do Pacto pela Vida e escutamos lá o Tenente-Coronel Ronaldo, Comandante do 11º Batalhão, responsável pela área integrada de segurança na área norte, e que tem mais de mil alunos em projetos sociais em diversas comunidades, com a participação voluntária de nossos policiais militares, que não deixam de exercer a sua atividade como policial nas escalas de serviço, mas que, nos finais de semana e nas horas de folga, estão lá realizando esse trabalho.
Quero dizer a todos os presentes que a Polícia Militar tem não só a visão, não só a preocupação, mas efetivamente participado e contribuído para também salvaguardar a vida de todas as pessoas.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Dando prosseguimento aos nossos trabalhos, quero registrar e agradecer a presença do Deputado Sílvio Costa Filho, Líder da oposição nesta Casa, ex-Secretário de Turismo.
Antes de passar a palavra ao próximo inscrito, quero comunicar que já estamos com 13 inscritos. Como eu havia orientado antes, estamos passando um registro de cadastro, para que, no momento da inscrição, poder também fazer a pergunta por escrito. Isso apenas como reforço, para que, caso não consigamos responder a tempo, pois temos um tempo definido para o final da nossa audiência e ainda temos um grupo de pessoas que vão falar, para depois abrir às perguntas - as falas se iniciarão pela Mesa, prioritariamente com os Senadores e os Deputados inscritos, depois ao público. Então, por todas essas razões, eu gostaria de anunciar que, neste momento, a gente finaliza as inscrições. Ou seja, ao final da fala do próximo orador, finalizaremos as inscrições. No final da fala dele, estará finalizada a inscrição.
Agora falará o Conselheiro Federal da OAB de Pernambuco e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, João Olímpio Valença de Mendonça. (Palmas.)
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O SR. JOÃO OLÍMPIO VALENÇA DE MENDONÇA - Exma Srª Senadora Lídice da Mata, Presidente desta Comissão Parlamentar de Inquérito; Senador Humberto Costa, a quem eu parabenizo pela iniciativa de propor a realização desta audiência pública em Pernambuco; Senador José Medeiros; Secretário de Defesa Social, Dr. Alessandro Carvalho; Deputado Ossesio Silva; Drª Maria Bernadete, Procuradora de Justiça, representando aqui o Ministério Público do Estado de Pernambuco; Srs. Deputados Estaduais; Secretários de Estado; representantes da Polícia Civil de Pernambuco, Dr. Luiz Andrey e outros companheiros; Coronel Comandante da Polícia Militar de Pernambuco; Dr. Manoel Jerônimo, Defensor Público Geral do Estado; perdoem-me as omissões das demais pessoas aqui presentes; estudantes; prezados, na condição de Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-Pernambuco, eu posso registrar que já participei de cerca de 50 audiências públicas aqui nesta Casa e na Casa de José Mariano, Câmara Municipal do Recife.
Infelizmente, acredito que não seja o caso, mas o que tenho observado, no mais das vezes, é a falta de objetividade, de consequência. Nós discutimos, depois eu vou embora, vai cada um para sua casa, para sua secretaria, para sua repartição, e parece que a questão fica, exatamente, apenas no universo da preocupação.
O primeiro apelo que eu ouso fazer a esta ilustre Comissão Parlamentar de Inquérito é que, realmente, essa discussão que está sendo feita, aqui em Pernambuco, hoje, e que é consequência, certamente, de outras e outras discussões que já foram feitas em outros Estados e, inclusive, na Capital Federal também, claro, que isso tenha, efetivamente, seguimento, que se faça alguma coisa. Porque nós sabemos, perfeitamente, que a violência, o quadro de violência com o qual nós estamos sendo obrigados a conviver no Brasil, atualmente, é uma coisa que tem causado um verdadeiro estado de terror. Violência sempre existiu, em todas as civilizações, em todos os lugares. Agora, o que nos assusta são os índices de violência com os quais nós estamos sendo obrigados a conviver no Brasil, apesar - e aqui eu reconheço - do trabalho das instituições: o trabalho do Ministério Público; o trabalho da Polícia Civil, aqui representada pelo Secretário de Defesa Social; o trabalho da Polícia Militar, aqui representada pelo seu ilustre Comandante Geral, mas nós sabemos que, infelizmente, basta sair na rua, nós não temos, hoje em dia, tranquilidade, todo mundo sabe disso, em lugar nenhum.
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Essa questão da violência, do crime contra o patrimônio, principalmente, do roubo com violência do dia a dia, que atemoriza a todos nós, é algo, realmente, que precisa ser enfrentado. Nós sabemos que o enfrentamento disso não vai ocorrer somente com a repressão; isso só será resolvido a médio prazo, com programas sociais, mas, enquanto isso não acontece, nós precisamos sair à rua; nós precisamos andar; os nossos filhos também; e aí, a violência existe tanto para quem é de maior como para quem é de menor.
Eu sei que o foco desta Comissão Parlamentar de Inquérito é o assassinato de menores - particularmente de menores negros -, mas eu diria, com a minha experiência, como advogado e como Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, a demanda que eu recebo, diariamente, na OAB, é de assassinatos, de violência praticada contra menores, tanto negros como brancos. É bem verdade que fizermos um cálculo estatístico vamos identificar mais negros, talvez pela sua condição social, como disse bem o nosso ilustre Defensor Público Geral, Dr. Manoel Jerônimo.
Então, esse é um quadro - eu posso estar dizendo aqui o óbvio ululante -, um quadro realmente preocupante, mas que somente será e poderá ser enfrentado com programas sociais, que nós sabemos que não ocorrem do dia para a noite. Mas o primeiro passo tem que ser dado! Uma grande caminhada começa sempre com o primeiro passo.
Nós temos aqui a presença do ex-Deputado Pedro Eurico, atual Secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos de Pernambuco, nós reconhecemos o seu esforço, mas, Secretário, é preciso, realmente, permita-me, é preciso sempre mais, é preciso sempre mais programas sociais, escola, educação. A nossa preclara Presidente, quando foi reeleita, disse que o seu novo mandato seria etiquetado de "Brasil: Pátria Educadora", e, infelizmente, pelo menos até agora, nós não estamos tendo oportunidade de constatar esse discurso. Mas eu diria que a solução - que me parece óbvia - de médio a longo prazo, é investir em programas sociais, investir na educação, particularmente em escola pública em tempo integral. Eu acho que somente assim, com o tempo, nós vamos conseguir, se não resolver, pelo menos minimizar essa questão tão grave que aflige toda a sociedade.
Então, contem com a Ordem dos Advogados do Brasil. O Senado Federal, através desta lúcida Comissão Parlamentar de Inquérito, a quem parabenizo, pode contar com a colaboração permanente da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Dr. João Olímpio Valença de Mendonça, Conselheiro da OAB.
Antes de passar a palavra ao próximo orador, para aqueles que chegaram depois, eu gostaria de esclarecer como estão organizados os trabalhos, até porque vieram pessoas me abordar aqui na Mesa na tentativa de se inscreverem. Eu queria esclarecer o seguinte: esta audiência pública é uma audiência pública da CPI do Senado Federa. Então, há um rito de organização que corresponde ao rito do Senado. Ou seja, se estivéssemos em Brasília, numa audiência do Senado, seria assim.
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No entanto, nós estamos aqui, viemos a cada local ouvir as autoridades e os convidados, que são determinados pelo requerimento feito pelo autor - no caso, o Senador ou a Senadora - que solicitou aquela audiência.
O requerimento do Senador Humberto Costa é justamente para que nós ouvíssemos essas 12 autoridades que foram aqui listadas para compor a Mesa e, digamos assim, a Mesa estendida, que é esta aqui.
Nós já estamos na metade dessa lista. Ouvimos o representante da OAB e, agora, vamos passar ao Dr. Luiz Andrey, Subchefe da Polícia Civil de Pernambuco. Ouvimos, na segurança ou na defesa social, o Comandante da Polícia Militar, agora o representante da Polícia Civil, além do Secretário. Vamos dar continuidade a essa lista.
Logo depois dessa lista, falarão os Senadores que vão inquirir essas autoridades a respeito do objeto da CPI e daquilo que eles considerarem importante para compor o relatório da CPI. Após a fala dos Senadores, já está inscrito aqui o Deputado representante também da Comissão da Frente Parlamentar de Direitos Humanos, aí entram as perguntas das pessoas que estão aqui e se inscreveram e as perguntas por escrito que foram encaminhadas à Mesa.
Vamos, no máximo, até meio-dia e meia, aqui, nesta discussão. É claro que os Deputados que desejarem se inscrever devem se dirigir ao representante da Mesa, que é funcionário do Senado, para fazer a sua inscrição, assim como também as outras organizações ou pessoas que queiram falar sobre o assunto, trazendo uma denúncia, trazendo um caso específico ou mesmo fazendo uma pergunta ou uma colocação a respeito do tema que estamos tratando.
Vamos passar a palavra, agora, ao Dr. Luiz Andrey, por favor, pelo tempo definido.
O SR. LUIZ ANDREY VIANA DE OLIVEIRA - Bom dia, senhoras e senhores!
Queria, inicialmente, cumprimentar a Senadora Lídice da Mata, os Senadores Humberto Costa e José Medeiros; o Dr. Alessandro Carvalho, Secretário de Defesa Social; o Deputado Estadual Ossesio Silva; a Drª Maria Bernadete, representando o Ministério Público. Queria cumprimentar também, em nome da Mesa estendida, o meu eterno Prof. João Olímpio, o Deputado Silvio Costa Filho e o Secretário Pedro Eurico, em nome dos quais queria cumprimentar os demais presentes, senhoras e senhores, muito bom dia.
Inicialmente, queria partir da análise, que acho que a gente vem evoluindo nesse sentido, de que a criminalidade, de forma geral, especificamente o cometimento de homicídios, num recorte maior ainda como é o tema desta audiência pública, não é um problema de polícia. A gente observa isso no âmbito geral, e aqui no Estado, Polícia Civil e Polícia Militar. Nenhuma polícia vai dar uma solução a esse complexo tema, especificamente a Polícia Civil, a qual estou representando como Subchefe de Polícia. No meu entendimento, ela deveria agir como exceção e não como regra. Deveria agir como exceção quando as políticas públicas preventivas não pudessem conter a criminalidade, não pudessem conter os homicídios. Agindo, como no Direito Penal, como ultima ratio e não como regra.
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E queria partir aqui de uma premissa essencial para este tema: as políticas públicas de prevenção, de forma geral, tendo a educação como investimento prioritário, com alcance, com amplitude maior, têm que ser feitas de forma maciça. Acho que isso é um vetor primordial para este tema aqui para, depois, começarmos a falar na parte repressiva. Se a educação e as políticas públicas preventivas não alcançam, aí sim a gente deveria falar de repressão.
Falando em repressão, em nome da Polícia Civil, este tema, realmente, nos tira o sono todo dia, especificamente da polícia judiciária, em virtude da nossa atribuição constitucional de apurar os delitos quando eles acontecem, principalmente no âmbito de homicídio, principalmente no âmbito de homicídio de jovens. Quando o crime acontece, nós temos que nos deslocar com nossa equipe para o local do homicídio e vemos aquela cena, de alguma forma, às vezes, com um mau sentimento. A população vê aquela cena já de forma banal. Ali tem um ser humano estendido no chão, ceifada a sua vida. Aquilo entra na atividade corriqueira da Polícia Civil, como tendo que apurar aquele delito, aquele homicídio, enquanto a população vê aquilo de forma banal, como mais um homicídio ocorrido.
Eu queria, em breves palavras, dizer da atuação da Polícia Civil com relação a isso, a importância dentro das características econômicas e estruturais do Estado e dentro da Polícia Civil no enfrentamento desse tema.
No início de 2006, a Polícia Civil tinha apenas uma delegacia de apuração aos homicídios em todo o Estado de Pernambuco. Nós evoluímos com relação a isso. Foi criado, no final de 2006, o Departamento de Homicídio e de Proteção à Pessoa e, com a implantação do Pacto pela Vida, foi dada também maior ênfase à apuração de homicídios. O Departamento foi criado com cinco delegacias. Posteriormente, há pouco tempo, nós criamos mais 19 delegacias. Temos hoje, no Estado de Pernambuco, 25 delegacias de apuração a homicídios. Temos cinco delegacias que compõem o Departamento de Homicídios. Temos uma que é a parte de pessoas desaparecidas, mas cinco, efetivamente, investigando os homicídios. Temos a Divisão de Homicídios Norte, na parte de Paulista; a Divisão de Homicídios Sul, na parte de Jaboatão e do Cabo; cinco delegacias em cada divisão de homicídios; e mais dez delegacias no interior, tendo Caruaru uma Divisão de Homicídios também. Então, onde, no início de 2006, tínhamos apenas uma delegacia de homicídios, hoje temos 25 delegacias de homicídios no Estado fazendo o nosso mister constitucional, que é a parte investigativa.
No início de 2007, a Polícia Civil, dentre das suas várias atribuições, como atendimento ao público e investigação a casos pontuais, adotou uma doutrina de operação de repressão qualificada. O que é isso? Uma doutrina que visa, primordialmente, a não apurar um delito que uma pessoa eventualmente tenha cometido, mas, sim, apurar delitos que várias pessoas tenham cometido, ou seja, apurar crimes de associações criminosas e/ou organizações criminosas. Agindo dessa forma, tínhamos a possibilidade de otimização do nosso efetivo e otimização dos meios materiais e financeiros para podermos desvendar vários tipos de crimes, especificamente focando, direta ou indiretamente, na apuração dos homicídios.
E algo chamou a atenção naquela época para hoje: naquela época, nós focamos na doutrina de operação de repressão qualificada, que visa fazer a junção da investigação tradicional na inteligência policial, que foi outro aporte grande tanto tecnológico quanto de capacitação humana, e mais o planejamento operacional.
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Isso nos propicia efetuar trabalhos de maior envergadura, em que é dado um foco nessas associações criminosas, várias pessoas cometendo vários delitos. É possível, em uma investigação mais aprofundada de três meses, cinco meses, um ano, efetivamente identificar todas aquelas pessoas que fazem parte daquele grupo, identificar toda a sua conduta criminal, identificar todo o modus operandi, colher provas mais robustas para o Ministério Público ter uma base melhor para o oferecimento da denúncia e, posteriormente, para o magistrado, com aquele arcabouço probatório, após o contraditório e a ampla defesa dentro do processo da instrução criminal, poder, eventualmente, utilizar aquilo para chegar o mais perto da verdade real, partindo também da premissa de que não existe também uma verdade real, mas chegar o mais perto da verdade apurada naquela situação e utilizar aquela situação para a dosimetria da pena e para a instrução criminal ou também para uma possível absolvição.
E, entre esse lapso temporal, de 2007 para cá, observamos que, naquela época, o foco maior, com relação à apuração dos homicídios, foi efetivamente aos grupos de extermínio. Foi dado um foco grande aos grupos de extermínio, que, naquela época, era a maior motivação dos homicídios, que diverge da situação atual. Observamos que, atualmente, a maior parte dessas associações criminosas que ocorrem, de forma direta ou indireta, os homicídios, efetivamente, aqui, como falou o Desembargador Luiz Carlos, vem de tráfico de drogas. E, do tráfico de drogas, queria fazer um recorte com relação ao crack.
Tive a possibilidade de chefiar o Departamento de Repressão ao Narcotráfico durante quatro anos e o Departamento de Narcotráfico, naquela época, focou o enfrentamento às drogas, visando ao atacado e não ao varejo, ou seja, procurar fazer com que evitasse ao máximo a pulverização do crack. Quanto antes se faz a apreensão no atacado com os grandes distribuidores, evita-se que esses distribuidores passem a outros distribuidores, que passem a pequenos aviões e cheguem ao consumidor final. Quanto maior a pulverização, pior fica essa parte de enfrentamento.
Isso também queria ampliar para o âmbito do País, quanto maior, Senador, for feito o enfrentamento no atacado antes de entrar nas fronteiras, pois temos uma fronteira seca gigante, antes de entrar naquela parte, maior será a eficácia do enfrentamento às drogas, principalmente do crack.
E por que falo do crack? Os traficantes visam tão somente ao lucro. E hoje o crack, que é cocaína, é cocaína de uma forma diferenciada, é uma cocaína feita de uma forma que faz a dependência química, o lapso temporal diminuir sensivelmente com relação a outras drogas, como, por exemplo, a maconha, faz com que o transporte seja muito mais eficaz, eficaz no seu acondicionamento, comparado à maconha, que tem um volume muito maior do que um quilo de crack por exemplo. Com um quilo de crack, Senadora Lídice da Mata, faz-se aproximadamente quatro mil pedras de crack, então o lucro que falo é o lucro absurdo, tanto dos grandes distribuidores, que atravessam a fronteira do Brasil, quanto dos pequenos distribuidores, quanto daquela pessoa que está no ponto de venda de droga, efetuando aquela venda. Um lucro de aproximadamente, nesse caminho de tráfico, de 500%. Então, esse lucro que o crack traz, essa dependência diminuta com relação ao lapso temporal faz com que seja uma das motivações direta e indireta de vários jovens do nosso Estado e, quiçá, do Brasil.
Nesse diapasão, como falei anteriormente, da parte preventiva, vemos vários jovens carentes que vivem no limiar entre o ilícito e o lícito. E vive no limiar entre o lícito e ilícito e morando, habitando, convivendo em alguns lugares que, como delegado de ponta que sempre fui anteriormente, que via nos locais, não era para viver, era somente para sobreviver e, para sobreviver de qualquer forma, então, a sobrevivência deles era para a prática de vários delitos com a finalidade somente de sobreviver.
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Tinha que fazer qualquer tipo de ato e, também, por outro lado, visando, primordialmente, a um caminho mais rápido para a aquisição de dinheiro, para a aquisição de bens materiais na sociedade de consumo em que vivemos. Aquele jovem que está naquela situação, que vive aquele dilema do limiar entre o ilícito e o lícito tem, no tráfico drogas, uma porta gigantesca para entrar e para obter o que ele quer, seja dinheiro, seja bens de consumo, seja uma posição de status naquela comunidade em que vive.
Nessa situação, entendemos que a Polícia Civil, especificamente a Judiciária, avançou bastante na parte investigativa, tanto na parte pontual, quanto na parte de operação de repressão qualificada, visando às associações criminosas e organizações criminosas. Já fizemos, desde 2007, 182 operações dessa estirpe; este ano, 20. E se fizermos um recorte específico, 90% dessa doutrina operacional visa ao enfrentamento da criminalidade grave e violenta, que está dentro o tráfico de drogas, homicídios, roubo, latrocínio, que, de forma direta ou indireta, visam a essa prevenção.
E, nisso, como falei anteriormente, temos muito a avançar, mas, como o Secretário já falou na sua explanação, já conseguimos resultados expressivos. Nunca temos que achar que tudo já foi feito, ao contrário, muito falta ser feito, mas muito mesmo. Convivemos com homicídios com números de guerra, mas, mesmo assim, por essa atuação da Polícia Civil envolvida, claro, com outros atores que fazem o sistema criminal, de 2007 para 2015, viemos com a diminuição dos homicídios em torno de 30%, isso no Estado; e, na capital, Recife, nesses oito anos, conseguimos já a diminuição de 54%. Claro que temos que avançar bastante para vermos que temos uma espinha dorsal, todo dia tem que haver uma reflexão para mudarmos e readequarmos outras coisas, no âmbito do pacto pela vida, que é a política de segurança pública do Estado, mas esses resultados são resultados incontestáveis que temos que levar em consideração e que Pernambuco tem um norte a seguir.
Obrigado, senhores. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Dando continuidade, muito obrigada pela contribuição, falará agora a Srª Edna Jatobá, a quem peço até desculpas, porque seu nome estava errado aqui na digitação anterior, representante do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares.
A SRª EDNA JATOBÁ - Bom dia a todos, bom dia a todas.
Meu nome é Edna Jatobá, falo da Gajop, da sociedade civil. É muito importante estarmos neste momento para discutir um tema tão caro, tão importante na conjuntura atual, que é o assassinato de jovens. Mas queria abrir a minha fala dizendo o seguinte: em Pernambuco e no Brasil, não morre, não se mata mais negros apenas porque temos uma população negra maior; no Brasil e em Pernambuco, morrem mais negros por conta do racismo institucional, da não observação, nas políticas públicas, dos elementos estruturantes da desigualdade. Então, é impossível se debruçar sobre a construção de uma política pública sem observar isso, tratando, como uma coisa corriqueira, o assassinato de jovens negros em sua totalidade.
Queria começar também apresentando alguns dados. Trouxemos os dados de 2015, que coletamos, a partir da Secretaria de Defesa Social, cuja Gerência de Análise Criminal e Estatística fez um brilhante trabalho de compilação nas listas CVLI, que achamos que ainda pode avançar um pouco, mas não deixa nada a desejar ao Mapa da Violência 2012, 2013 e 2014.
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Infelizmente, o Mapa da Violência de 2014 trata de dados de 2012. E a nossa urgência é entender como está o contexto atual. Se possível, o mais recente, no que diz respeito ao assassinato de jovens.
Pode seguir.
A gente deu o recorte de 15 a 29 anos, e aí a gente viu que o total de CVLIs, ali está a relação de 2.505, de janeiro a agosto de 2015. O total geral da população. Desses, 1.348 foram casos de Crimes Violentos Letais Intencionais praticados contra jovens entre 15 a 19 anos. Isso dá um total de 53,8%. Ou seja, de toda essa população que morreu até agosto de 2015, 53,8% são de jovens. A gente não consegue saber se é de jovens negros ou brancos porque o detalhamento do CVLI, no site, não tinha.
Pode avançar.
A distribuição por idade também foge um pouco do critério nacional. Ela tem um pico nos 19 anos, em que morreram 118 jovens com essa idade, ela desce um pouquinho, na faixa dos 22, 23 anos, e volta a subir, com outro pico, na faixa dos 26 anos. Então, a distribuição não é tão uniforme como acontece no Brasil e como acontece em outros Estados.
Pode seguir.
O mês, desses de janeiro a agosto, em que mais se matou jovens foi o mês de abril, com 184 registros. Seguido do mês de agosto, esse último que passou, 178 casos. E o mês em que menos se matou jovens nessa faixa etária foi o mês de junho, com 133 casos.
Pode seguir.
Existe uma iniciativa do Governo Federal, que é o Plano Nacional de Redução de Homicídios, que foca, em Pernambuco, seis Municípios onde acontece a maioria dos homicídios contra jovens. Nesses seis Municípios, que são Recife, Olinda, Paulista, Jaboatão, Cabo e Caruaru, são concentrados 44% dos assassinatos a jovens em Pernambuco. Então, a gente tem 26 cidades que concentram 56,5% dos homicídios, dos crimes letais contra jovens, e nesses seis Municípios, apenas nesses seis, que estão na região metropolitana, com exceção de Caruaru, são 44%. Então, a gente sabe onde esses jovens estão morrendo, onde eles mais estão morrendo, a gente sabe qual é a faixa etária que mais está morrendo, a gente sabe quais as condições desse jovem que mais está morrendo e, sobretudo, sabemos a cor desses jovens que estão morrendo.
Pode seguir.
Dos 1.348 jovens que morreram nesse intervalo, 1.279 são do sexo masculino e 69 do sexo feminino. Tem uma disparidade grande de gênero, mas que acompanha a tendência nacional, que é 95% mais ou menos para o sexo masculino e 5% para o sexo feminino. Aqui, ficou em 94,9% masculino e 5,1% feminino.
Pode seguir.
Bem, como eu falei, são dados da SDS, que a gente compilou. A gente teve esse cuidado, esse trabalho, porque a gente acha que esse tema merece atenção. Não é simplesmente tirar da geladeira alguns dados que já estão superados. É acompanhar a realidade para cobrar a existência de políticas públicas neste momento.
A gente queria colocar também que o Pacto pela Vida, eu queria pedir que os Senadores da Comissão pudessem solicitar uma cópia do Pacto à Secretaria de Defesa Social, já que ela não está mais na internet, e a gente não consegue conferir como as ações estão sendo executadas, também porque a gente não tem o Conselho Estadual de Defesa Social firmado no Estado. Se a gente tivesse o Conselho Estadual de Defesa Social com a participação da sociedade civil, com a participação dos gestores, com a participação dos trabalhadores em segurança, a gente teria condições, quem sabe, de fazer uma frente muito mais articulada para conseguir reduzir esse número, que é absurdo.
O Pacto pela Vida tem seis linhas. Essas seis linhas compreendem mais ou menos 138 projetos.
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Então, nós da sociedade civil gostaríamos muito de saber - e aí poderia ser um pedido de informação interessante da Comissão do Senado, da CPI - quais desses 138 projetos que dizem respeito diretamente à juventude estão sendo implementados e a que passo estão sendo implementados. Quais os resultados desse projeto?
A gente tem, na linha três, só citando alguns, na linha três, que é a linha de informação e gestão do conhecimento, o mapeamento da relação juventude/violência do Estado. Tem também o mapeamento sobre a dimensão racial da violência. Esse mapeamento existe? Como é que a gente pode acessá-lo? Como é que a gente pode entender esse mapeamento para conseguir, como sociedade civil, contribuir para a diminuição desses números?
Na linha quatro, que é formação e capacitação, a gente tem projetos de formação educacional e profissional para adolescentes e jovens em situação de risco social. Esse projeto aconteceu? Quantos foram os beneficiários? Quais foram os resultados? Ele ainda acontece? Como a gente tem acesso a essas informações?
Na linha cinco, que é a prevenção social do crime, a gente tem projetos como Cultura de Paz nas Escolas, Capacitação para a Ação, Segundo Tempo, Jovens em Situação de Risco, Jovem Trabalhador, Centro da Juventude, Juventude em Movimento, Torcendo pela Paz, Esporte pela Vida, Prevenção e Enfrentamento das Drogas entre Crianças e Adolescentes, Juventude, Polícia e Direitos Humanos, Agilidade de Processos de Jovens em Conflito com a Lei, Pintando a Liberdade, Criação e Manutenção dos Equipamentos Públicos de Lazer, Cultura e Esportes. Quantos desses projetos foram implementados em sua totalidade? Quantos desses projetos estão sendo implementados ainda hoje? Quais foram os resultados que esses projetos atingiram? Como eles conseguiram contribuir para a redução ou como eles conseguirão contribuir para a redução do extermínio de jovens negros no Estado de Pernambuco e da juventude em geral?
Bem, são algumas dessas coisas, dessas inquietações, que a gente vem trazer para este espaço, porque, infelizmente, a gente não tem espaço para entender como está funcionando isto aqui. E eu acho muito injusto que a sociedade fique sabendo como está funcionando isto aqui somente em eventos como este ou então a partir de pedidos formais de informação.
A gente traz algumas recomendações, Senadores, que vão no campo do fortalecimento dos programas de proteção. A gente tem o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, que tem sido responsável por garantir a vida e a integridade física de jovens que são ameaçados por conta do tráfico de droga, por conta também de grupos de extermínio e por outros tipos de ameaça. Então, reduzir a mortalidade significa investir nesse tipo de programa. Significa também investir nos programas de prevenção, que eu falei aqui no Pacto pela Vida. Aos programas de repressão a gente tem acesso: repressão qualificada, quantos policiais na rua, a taxa de encarceramento, quantas pessoas, quantos quilos de cocaína, quantos... A gente tem acesso a esses dados, muito mais do que a gente tem acesso aos dados de prevenção.
A gente também espera o fortalecimento da transversalidade das políticas do Pacto pela Vida. O Pacto pela Vida começou em 2007, dizendo que ia dar educação, passando pela saúde, cultura, esporte, lazer. Tudo isso se encontraria dentro do Pacto pela Vida para conseguir reduzir esses números. Então, a gente também precisa monitorar...
(Soa a campainha.)
A SRª EDNA JATOBÁ - ... como está acontecendo essa transversalidade dentro do Pacto pela Vida.
A gente também espera a melhoria do diagnóstico aberto à população. Isso que a gente trouxe aqui foi a partir do diagnóstico muito bacana que a Gerência de Análise Criminal e Estatística que a SDS fez, mas é insuficiente. A gente quer saber, desses jovens, quantos são negros. A gente quer saber a orientação desses jovens que morreram. A gente quer saber a motivação. Não teve uma capacitação grande para informar nos Boletins de Ocorrência, para se apurar a motivação nos inquéritos? A gente quer conhecer. Porque só assim a gente vai conseguir pensar numa política pública eficaz para diminuir a mortalidade desses jovens. A gente quer saber a raça, a etnia.
Bem, a nossa contribuição por ora é esta. A gente está à disposição sempre para o diálogo com o Poder Público. E a gente espera, de fato, que dias melhores cheguem para a nossa juventude e que a gente possa contribuir ativamente com uma situação...
(Interrupção do som.) (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, representante das Organizações Populares.
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Vai falar agora o Sr. Marcelo Santa Cruz, que é militante dos direitos humanos, Vereador do Município de Olinda... Desculpem-me. Um momento.
Quem falará agora - houve uma inversão na ordem e eu me atrapalhei - é o Sr. Ricardo Oliveira, Coordenador Executivo do Centro Dom Hélder Câmara. (Palmas.)
O SR. RICARDO OLIVEIRA - Bom dia a todos e a todas! Agradeço o convite do Senador Humberto Costa, cumprimento a Mesa através da Senadora Lídice da Mata e todos os presentes. Um cumprimento especial a todos os defensores e defensoras dos direitos humanos aqui nesta Casa.
Nossa apresentação terá um recorte específico no campo dos adolescentes, priorizando a idade de 16 e 17 anos, e também em relação às mortes ocorridas na Funase aqui no Estado de Pernambuco. Sobre o recorte geral dessas mortes, a Edna conseguiu fazer uma apresentação de forma efetiva.
Eu queria começar dizendo que há uma reflexão do Gonzaguinha que cai bem nesta hora, que é: "E aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas". Que marcas e que lições vamos deixar para os nossos jovens e para as famílias daqueles que estão sendo assassinados e assassinadas hoje? Então, Gonzaguinha nos chama a refletir, e a gente quer fazer isso junto com vocês.
Pode adiantar.
O que nos traz aqui? Será que é a investigação acerca do alarmante número de assassinatos de jovens no Brasil? A necessidade de contribuir com a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado acerca dos assassinatos de jovens? Ampliar o debate sobre o que fazer para a redução dos assassinatos?
Pode passar.
Na verdade, eu acho que temos que estar motivados pelo desejo de sairmos do campo das constatações para o campo das ações efetivas frente aos assassinatos de jovens no Brasil.
A certeza de que pouco temos feito, seja o Executivo, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade entre outros, para romper com os assassinatos de jovens.
Aí a gente pode explicar. Por que temos feito pouco? Porque eles estão sendo assassinados. Os dados apresentados dizem isso. Então, nós temos feito pouco. E temos que reconhecer isso. Reconhecermos isso é o ponto principal para mudarmos. Quando não se reconhece isso, o problema permanece.
E também o objetivo de somar forças àqueles e àquelas que, de alguma forma, tentam contribuir para reverter esse quadro.
Pode passar.
Um recorte para o Senado dos homicídios de jovens entre 16 e 17 anos.
Nessa faixa etária, Pernambuco ocupa o terceiro lugar em 2013. Adolescentes brancos: 11 mortes. E adolescentes negros: 169 mortes.
Em 2015, nós já temos, até o final de agosto, 154 assassinatos de jovens entre 16 e 17 anos. Representa mais de 10% dessa totalidade que o Gajop trouxe hoje. Então, é um número significativo para um faixa etária que compreende dois anos - 16 e 17 anos- e que dialoga diretamente com a discussão da redução da maioridade penal.
Esse recorte é importante para a gente compreender essa dimensão.
Pode passar.
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Agora, falando um pouco sobre as mortes na Funase. Porque, apesar de o número parecer pequeno, é algo que termina em várias situações semivisibilizados. E o Estado de Pernambuco, infelizmente, alcança os primeiros lugares de mortes de adolescentes nas unidades da Funase. Isso, no âmbito de Brasil.
Nós tivemos, em 2012, sete assassinatos; em 2013, quatro; em 2014, quatro; em 2015, até junho, nós já tínhamos sete adolescentes assassinatos nas unidades da Funase de Pernambuco. Esse é um dado alarmante que gerou para a sociedade civil o seguinte:
Em 2012, houve uma Força Tarefa reunindo Conanda, Anced, Renade, CEDCA, MP e outros, para discutir a questão.
Em 2013, o Conanda retornou e pouco se avançou.
Em 2013 ainda, diante do cenário, várias organizações - Gajop; CENDHEC; Anced; DNI, que é um departamento internacional de defesa dos direitos da infância; Fundação Abrinq - fazem a denúncia à ONU contra essas mortes e outras questões relativas aos adolescentes internados na Funase.
Em 2014, para surpresa, para vocês terem a ideia da gravidade, o Conselho Estadual de Defesa de Direitos das Crianças e Adolescentes de Pernambuco, que é paritário, entra com uma representação no Ministério Público, contra a situação da Funase aqui em Pernambuco.
Em 2015, precisamente no mês passado, nós nos reunimos com o relator da ONU para tratar dos casos de tortura e reiteramos a denúncia internacional, atualizamos os dados, e isso está tramitando lá nas comissões.
Esse quadro, senhores e senhoras, representa um movimento da sociedade civil e de diversos órgãos, e representa, infelizmente, a denúncia de um conjunto, ou seja, de um Estado que não está funcionando adequadamente para garantir a vida de adolescentes internados nas unidades da Funase.
Pode passar.
Mas isso tudo que a gente está discutindo aqui está ligado a aspectos estruturantes que precisamos rever e irmos além de constatação de números, que é importante, mas não é só isso.
Pode avançar.
Cenários no campo do Estado.
Temos ausência de diagnósticos da situação dos jovens adolescentes em suas diversas dimensões. A gente não possui esses diagnósticos e, automaticamente, não temos políticas públicas estruturadas.
Há ausência de políticas públicas efetivas no campo social, cultural, econômico, entre outros, para que verdadeiramente a gente rompa com esse ciclo de assassinatos entre outros problemas.
Há insuficiente efetividade do Estado nos enfrentamentos às várias dimensões da problemática das drogas, que, desde lá atrás, deveria ter sido enfrentado. O crack hoje está nessa situação devido à ausência ou uma insuficiente atuação.
Ausência de uma política de segurança pública efetiva que se materialize a partir da prática da intersetorialidade. São ações setorizadas que hoje acontecem.
O pacto pela vida é um exemplo disso. Ele foi pensado intersetorialmente; ele foi pensado com o apoio de organizações da sociedade civil; e ele foi executado setorialmente. E ainda digo mais: dentro do Estado, prioritariamente, uma secretaria é que dá a condução, porque o coletivo das secretarias não está envolvido plenamente para a execução do pacto. E as observações da Edna revelam isso, e vocês podem aprofundar fazendo uma avaliação do pacto.
Pode avançar.
Cenário político.
Assembleias Legislativas e Congresso Nacional com elevado número de Parlamentares conservadores, reacionários e fundamentalistas. Infelizmente, esse é um dado da realidade e tem dificultado a nossa luta. (Palmas.)
Decisões políticas que colaboram com o aumento da violência, como a perspectiva da redução da maioridade penal. Isso é um absurdo!
Movimento de despolitização da população por parte da mídia e de forças políticas conservadoras e defensoras dos interesses econômicos, em que a gente encontro um senso comum que não reflete a realidade.
E, por fim, a criminalização das lutas, dos movimentos e das ONGs, o que é um absurdo também.
Pode passar.
Hoje estamos com uma luta forte contra o mercado e o capital. Por quê? Interesses econômicos privados têm pauta prioritária no Executivo e no Legislativo, infelizmente, de uma forma geral. Poder econômico demarcando as prioridades para o Estado.
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Grupos econômicos apoiam, majoritariamente, elevado número de Parlamentares; 80% das Bancadas são de essência econômica relacionada a empreiteiras, ruralistas, bancos, agronegócio, entre outros, representando diversos grupos econômicos que não vão querer mudar essa realidade... (Palmas.)
A força do mercado ameaça os direitos humanos de forma geral, os DHESCAs (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
Pode passar.
E estes são os desafios: inverter as prioridades; efetividade nas políticas públicas; intersetorialidade das políticas públicas; regulamentação para amarrar melhor a destinação do orçamento público para as políticas; mobilização social e ação em rede; mudança de cultura.
Pode avançar.
E terminamos com esta frase de Nelson Rodrigues, para refletirmos coletivamente: "É fácil livrar-se das responsabilidades; difícil é escapar das consequências por se ter livrado delas".
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Antes de passar... Um minuto.
Muito obrigada. É o dossiê sobre as mortes na Funase, que vai ser incorporado à nossa visita aqui a Pernambuco. O dossiê vai ser levado para análise do Relator.
Quero chamar à Mesa a Deputada Teresa Leitão, para que ela possa substituir a ausência do nosso desembargador, que, conforme havíamos anunciado desde o início, tinha uma restrição de horário para aqui permanecer.
Agora, sim, eu passo a palavra ao Vereador Marcelo Santa Cruz, do Município de Olinda.
O SR. MARCELO SANTA CRUZ - Bom dia a todos e a todas.
Saúdo a Mesa, na pessoa de nossa amiga Procuradora Bernadete, nosso Secretário de Segurança Alessandro Carvalho, Senador José Medeiros, Senadora Lídice da Mata, Senador Humberto Costa, Deputada Teresa Leitão e Deputado Ossesio.
Falo como militante dos direitos humanos, inclusive me senti contemplado com a intervenção de Edna, do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares), e de Ricardo Oliveira, do CENDHEC (Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social), entidades das quais faço parte, sou fundador de ambas.
Eu gostaria também de saudar um assessor aqui presente, do Senado, meu amigo James, que conheci há mais de 40 anos, quando participei do Comitê Brasil pela Anistia, no Rio de Janeiro. Ele era estudante e, já naquela época, comprometido com os direitos humanos.
Gostaria também de destacar a importância desta audiência do Senado, trazendo um tema que, conforme vimos aqui, tem uma importância muito grande e tem uma marca nessa desigualdade e nos assassinatos de jovens; essa marca é justamente a questão racial.
E há uma hipocrisia muito grande quando dizem que "todos são iguais perante a lei". As pessoas são iguais nas suas diferenças. E essa é uma questão muito evidente. E aqui foi colocada uma questão muito importante, que foi... Eu me lembro de que, no final do governo Jarbas, com o início do governo de Eduardo Campos, os índices de criminalidade em Pernambuco estavam alarmantes. E foi pensado, em articulação com a sociedade civil, o Pacto pela Vida.
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O Pacto pela Vida, na sua concepção inicial, teve alguns avanços. A concepção foi correta, e as entidades participaram, inclusive o CENDHEC, o Gajop, o Centro Luiz Freire e outras entidades da sociedade civil; e qual era o viés do Pacto pela Vida? Era justamente a articulação e a implementação das políticas sociais, das políticas de direitos humanos. E aí foram listadas várias atividades e vários programas que deveriam ser implementados. Com o decorrer do tempo, o programa foi se afastando, e a sociedade praticamente deixou de participar do Pacto pela Vida, inclusive seu coordenador, que era uma pessoa comprometida com os direitos humanos, o Ratton. E foi instituído inclusive um prêmio de produtividade para os policiais que exercessem as prisões.
Isso fez com que hoje... Hoje mesmo, antes de vir para cá, eu estive com uma senhora que está com a filha presa, e, quando se olha todo o inquérito, a jovem estava conversando com um amigo, o amigo realmente estava com droga, confessou que era traficante, disse que a menina não tinha nada a ver com isso; no entanto, ela está há três ou quatro meses lá no Bom Pastor. Foi colocada como traficante. E foi procurada por um advogado que estava querendo pedir o relaxamento da prisão dessa jovem, alegando que ela era viciada. E ela não é viciada coisíssima nenhuma! Ele estava apenas em companhia do amigo. Isso decorre de uma produtividade que se paga pelas prisões efetuadas.
E aí nós entramos numa questão... Eu concordo com todas as críticas ao Pacto pela Vida, mas eu também tento avançar pessoalmente com as questões dos programas sociais. Há bem pouco tempo - acho que ontem ou anteontem -, eu ouvi um debate de um Senador aqui de Pernambuco, colocando-se contra o Bolsa Família, dizendo que era uma bolsa eleitoral, que era compra de votos, que se estavam gastando não sei quantos bilhões com Bolsa Família, e que as pessoas não mais queriam trabalhar, em função da Bolsa. Ainda bem que nossa Deputada Teresa Leitão deu uma resposta à altura, questionou e colocou a importância desse programa na inclusão social.
Mas não é só esse programa. Há outro programa fundamental, o Minha Casa, Minha Vida. E muita gente se coloca contra o programa porque se gasta muito com as políticas sociais. Numa época de crise, querem cortar justamente na área social.
E, aqui em Pernambuco, eu me preocupo muito - estou vendo aqui o Secretário Isaltino Nascimento - com um programa muito importante, que é o Programa Atitude, que existe não só na capital, mas também se espalha para as cidades. Lá em Olinda, inclusive, estava para ser implementado um núcleo do Atitude, mas já recebemos a informação de que não mais vai ser posto em prática. E é um programa muito importante.
Outro programa importantíssimo: Consultório de Rua. Esse programa também está sendo ameaçado.
E o que teremos como resultado disso tudo? Vai ser o agravamento da questão social, da questão criminal em nosso Estado.
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E o pior disso tudo é que, quando há esse agravamento, a solução que vem da nossa Câmara Federal, que vem da classe política é o agravamento das penas, crimes hediondos, aumento do prazo da pena, redução da maioridade penal. Daqui a pouco, nós chegaremos - muitos já confessam e professam que é importante - à pena de morte, como solução para limpar da sociedade aqueles que eles criam, fabricam e, depois, são indesejáveis para a sociedade.
Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente, que é uma lei importantíssima, que tem todo o conteúdo social de proteção dos direitos, não se aplica e, muito pelo contrário, tentam resolver criminalizando, penalizando nossos jovens. E mesmo penalizando, internando, não dão o tratamento que é previsto pelo Conanda, de unidades socioeducativas, com número limitado de pessoas lá internas e com todos os serviços de recuperação. É muito mais fácil reduzir a maioridade penal, colocar no sistema penitenciário falido, que não recupera ninguém, que é escola do crime, para que se resolvam esses problemas sociais. E lá quem é que estão? Quem são criminalizados? São justamente, como vimos aqui, na exposição da nossa Procuradora Bernadete, de Edna e de Ricardo, nossos jovens negros e negras da periferia.
A solução para isso tudo seriam políticas públicas, políticas sociais. E há uma questão muito importante que não está sendo levada em consideração, e não acredito que esse Congresso, com 89% das pessoas ligadas aos grupos econômicos, vá resolver, que seria a reforma política. (Palmas.)
Uma reforma política que acabasse com o financiamento privado de campanhas, uma reforma política que tivesse uma preocupação com as políticas públicas, e não com as políticas repressivas, com as políticas higienistas que, a cada dia mais, estão sendo postas em prática.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada ao Vereador Marcelo por sua contribuição.
Convido o Prof. Manoel Moraes, professor e pesquisador da área e membro da Comissão da Verdade. (Palmas.)
O SR. MANOEL MORAES - Presidente, quero agradecer a oportunidade desta CPI, cumprimentando a Mesa, na pessoa da Senadora Lídice da Mata, o Senador Humberto Costa, Alessandro, Drª Bernadete Figueroa, demais membros da Mesa, senhoras, senhores, amigos, alunos, companheiros das entidades de direitos humanos.
É preciso lembrar que o tema que nós estamos tratando, que estamos discutindo, é um tema internacional. Nós temos fartos instrumentos internacionais que pautam o direito da criança e do adolescente. Se pautarmos do ponto de vista da esfera da ONU, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança trata, no seu art. 19, algo emblemático, que eu queria aqui, para esta CPI, ler:
Artigo 19.
1. Os Estados Partes [o Brasil é signatário desse tratado] adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.
Vejam o que diz o segundo item do art. 19:
2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.
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Amigos, esse artigo trata de algo muito importante. Eu particularmente participo do CENDHEC, e o CENDHEC coordenou um projeto junto com o Unicef que é de notificação. Ora, grande parte dessa tragédia que nós estamos aqui, que a CPI está sendo motivada por isso, é porque esse número aqui equivale a oito aviões. Precisa a gente ter noção disso. São oito aviões de crianças que são mortas. E se pegarmos os números do Estado, como bem apresentou o Gajop, 70% - Alessandro pode, inclusive, confirmar ou não - são praticadas por armas de fogo. Então, nós temos um diagnóstico.
Nós sabemos que existe um tipo de vetor de violência, que é a arma de fogo. Nós não temos um controle eficaz dessa arma de fogo. Essa violência na prática se dá de uma forma institucional, porque nós transitamos de uma ditadura militar para um democracia sem rever nossas instituições. A ditadura militar produzia, Isaltino, a política que você bem conheceu e combateu de segurança nacional. Além de segurança nacional, produziu dentro do Estado a ideia de que para os grupos vulneráveis deve ser traduzido as políticas do Estado às políticas de enfrentamento de inimigo.
Então, quando nós transitamos para a democracia, a Constituição de 1988 rompeu a ideia da segurança nacional para a ideia de democracia, quer dizer, de democratização e de acesso à Justiça. Se pensarmos a Justiça cidadã do ponto de vista da inclusão social e do protagonismo da juventude, o que nós estamos falando aqui é da nossa falência como sociedade. Nós não podemos imaginar que a quantidade de crianças mortas são crianças mortas. São, na verdade, cada criança dessa um pouco da nossa humanidade que está sendo morta.
Do ponto de vista dos direitos humanos, o caráter é essencial, a dignidade dessas crianças, elas são mitigadas todos os dias. E são mitigadas nas escolas. São mitigadas no sistema de saúde. São mitigadas em vários espaços públicos.
Nós estamos vivendo uma crise que foi diagnosticada pelo movimento de direitos humanos através do Plano Nacional de Direitos Humanos. O Plano Nacional de Direitos Humanos, Senadores, a partir da página 83, tem várias ações para enfrentamento da violência contra criança e adolescente. Entre essas ações e medidas, nós precisamos focar ou recomendar a discussão acerca da integração do sistema de informação.
No Brasil, nós não temos um sistema de informação nacional compatível com a violência praticada contra qualquer cidadão quanto mais o interesse maior da criança ou do adolescente. Nós não temos um programa, nós não temos uma ação mais efetiva de notificação, de consequência dessas notificações. Na verdade, essas notificações, sejam nos hospitais, que o Senador Humberto Costa tanto conhece, quanto nas escolas, não são efetivamente monitoradas. Na prática, quando chegamos a esses profissionais da saúde ou da educação, ele se veem, Deputada Teresa Leitão, que conhece muito bem isso, vulnerabilizadas.
Hoje nós temos educadoras e educadores que estão deixando de ser educadores com medo da violência porque não conseguem receber ou quando recebem dos seus alunos uma informação de que estão sofrendo maus-tratos, essa professora se sente intimidada. Ela não tem socorro. Ela não tem um lugar onde buscar para conseguir resolver o problema.
Os Conselhos Tutelares, que são centrais no interesse maior da criança, na defesa dos direitos da criança, passam por um processo de sucateamento. E isso não é um problema do Estado de Pernambuco. Isso é um problema federal. Essa é uma situação nacional.
Nós estamos agora vivendo uma situação onde se anuncia pelos jornais o fim do Ministério dos Direitos Humanos. Ora, esta CPI tem que se posicionar contra isso. Se o Ministério dos Direitos Humanos for extinto, como ficam as políticas pactuadas no Pacto pelo Programa Nacional de Direitos Humanos 3? Significa dizer que nós não temos programas de proteção, nós não teremos os sistemas nacionais.
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Para onde vai o Conanda? Vai para a Presidência da República? Porque ele fica vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos. Então, o encerramento, o fim, a contenção de despesas nas políticas sociais refletem o nosso descumprimento das medidas e dos pactos internacionais de que o Brasil faz parte.
Esta CPI é bem-vinda na perspectiva de quem estuda o tema e na perspectiva de todos nós, como sociedade, principalmente a sociedade civil, que aqui fez muito bem as falas, porque esta CPI pode mostrar para o Brasil a importância da defesa dos direitos da criança e do adolescente. Gente, o que está em cheque é o nosso futuro. As crianças sendo mortas porque não têm direitos significa dizer que não temos perspectivas, do ponto de vista da nossa humanização, do ponto de vista do projeto de civilização do qual o nosso País faz parte.
A nossa Constituição está sendo mitigada quando, no Senado ou no Congresso Nacional, é apresentado o programa de redução da idade penal. Ora, optamos por criminalizar a juventude. Nós estamos propondo, ao invés de educação e saúde, colocar as nossas crianças no cárcere! Isso é política social? Isso vai levar o nosso País, nos próximos anos, a algum desenvolvimento?
Nós já somos o terceiro maior país do mundo em número de pessoas presas! Gente, já temos mais presos do que populações de Municípios. O que isso representa? Quem sai desses presídios e como sai? Aonde queremos chegar como sociedade? Ora, cada criança morta, como disse Marcelo Santa Cruz, é a morte de cada um de nós. Nós não podemos sair daqui...
A CPI é feliz por tratar desse tema, por introduzir esse tema no Senado, a CPI é cabida pela gravidade do assunto. Nós estamos falando da falência da educação, da falência da saúde, da falência das condições básicas de sobrevivência de um ser que depende de todo esse sistema.
É direito da criança a família, a educação, a saúde e as políticas sociais. O que nós estamos propondo é a prisão, é a cadeia, o cárcere! Gente, nós precisamos, efetivamente, esta CPI tem de trazer...
(Soa a campainha.)
O SR. MANOEL MORAES - ...o fortalecimento dos direitos humanos no Brasil. O afrontamento ao direito da criança é um flagrante desrespeito aos compromissos internacionais. E a denúncia que nós temos de fazer hoje é a violação que a cada dia nossas crianças sofrem, e nós somos passivos com relação a isso. É essa passividade que o Ministério Público não tem, na pessoa da Drª Bernadete, que é uma guerreira, é uma pessoa firme na defesa desses direitos, que nós precisamos aqui trazer.
Políticas sociais não são custos, não devem ser consideradas como elementos de corte, porque, do ponto de vista das características essenciais de qualquer aula que você dê sobre direitos humanos, não podemos retroagir, precisamos avançar. Nós devíamos estar pautando nesta CPI quais as outras medidas nós deveríamos tratar. Infelizmente, estamos iniciando esta década, Ricardo e Edna, tratando de avanços, tratando de mitigações, porque aqui ou em outros lugares os temas, as pautas de direitos humanos, como disse Ricardo, são tratados da forma mais despolitizada, da forma mais fundamentalista, para não dizer da forma mais violadora da dignidade e do interesse maior da criança e do adolescente.
Muito obrigada à Senadora e a todos os presentes. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada pela grande contribuição do Prof. Manoel Moraes.
Vamos chamar agora a última convidada pelo requerimento aprovado para vir a Pernambuco, que é a Srª Eleonora Pereira da Silva, representando a Coordenação Nacional do Movimento dos Direitos Humanos. (Palmas.)
A SRª ELEONORA PEREIRA DA SILVA - Bom dia a todos e a todas.
Eu vou pedir licença à Mesa para parabenizar a CPI, a vinda da CPI para Pernambuco, não em nome de quem está na mesa, mas em nome dessa juventude que está tombando todos os dias, deixando seu sangue no solo deste País. Eu gostaria de uma salva de palmas para essa juventude. (Palmas.)
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Que é para eles que a gente tem que merecer todo o nosso respeito. Eu não venho aqui... Dados já foram mostrados, já se falou de morte. Como Movimento dos Direitos Humanos, nós trabalhamos com o direito à vida e, para que a gente possa ter vida, a gente precisa de uma juventude viva, de uma juventude que pode sorrir, uma juventude que possa brilhar.
Faço-lhes uma pergunta: “Quem vai chorar por eles?” É essa camisa que eu estou usando: “Quem vai chorar por eles?” É muito fácil, quando um jovem tomba, a mídia mostrar: está envolvido com drogas. É muito fácil os órgãos gestores do Estado, de outros Estados e do País se lamentarem. É uma pena, mas o jovem morre. Mas eu pergunto: “O que este País, esses Estados, esses gestores estão fazendo para conter essa onda de violência contra a nossa juventude?”
Não quero dizer que 10% morreram, 20% são negros, brancos. Não! Eu quero citar uma população invisível, pois, na CPI da Câmara dos Deputados, esse traço não veio, esse corte não é dado. E hoje eu estou fazendo outro levantamento como Movimento Nacional dos Direitos Humanos, que foi deliberado na nossa Assembleia em Belo Horizonte, no mês de agosto, com a população LGBT, essa juventude negra, branca, mas que é gay, lésbica, transexual. O que você tem da Câmara dos Deputados eu não obtive resposta. Pergunto se esta CPI do Senado vai dar o corte na questão de orientação sexual, da homofobia e transfobia. Preciso saber isso.
Outra população de que não se fala: a juventude indígena. Cadê o corte dessa juventude indígena, de que ninguém fala, que ninguém aborda? A gente precisa ouvir esses dados. Esses dados são invisíveis. A gente fala de juventude, da juventude pobre, de periferia, negra, branca. Mas cadê a juventude indígena? Cadê a juventude LGBT? Cadê essa juventude minha gente, que não aparece nos dados? Eu ouvi dados do Secretário, ouvi outros dados. Essa juventude não aparece, essa juventude é invisível. E foi deliberado na nossa assembleia de trabalhar com foco nessa população, nessa juventude, contra o extermínio da juventude negra em todo o País. Ela não aparece não só no Estado de Pernambuco, mas em todo o País.
Ontem, eu estava num ato no Rio de Janeiro, onde também há morte da nossa juventude. Essa juventude também não aparece lá no Rio. Estive em Estado de São Paulo também para um ato contra o genocídio da juventude negra dentro das periferias. Essa juventude não aparece. É desses dados que a gente precisa. Que dentro de CPIs, dentro dos dados da SDS, ela possa aparecer, pois são pessoas também, para que a gente possa formular políticas públicas.
Reduzir mortalidade é muito importante. Mas, para tanto, precisamos ter políticas afirmativas, como já foi dito, políticas sociais dentro das comunidades de periferia. Fala-se tanto de morte de jovens de periferia. Mas quais são as ações políticas que os gestores estão pensando para atuar dentro da periferia, para conter a onda do crime organizado, levando os nossos jovens para o mercado de trabalho no tráfico de drogas? É uma pergunta que faço para os gestores.
Eu já vi muito, dentro do Pacto pela Vida, prenderem vários traficantes, entrarem na favela, baterem na porta derrubando-a. Mas quando se retira o tráfico, o que o Estado faz lá dentro? Nada. No Rio de Janeiro, tem UPP, tem tudo, e o crime voltou novamente. E aí? Se tira por nada? O que o Estado faz para conter, para suprir a necessidade do tráfico, porque lá dentro é mercado de trabalho.
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O tráfico traz, leva os nossos jovens. O que nós estamos perdendo para esse tráfico, estamos perdendo para o crime organizado? A gente precisa, para conter a onda de violência, de assassinato, ter políticas públicas afirmativas para essa juventude dentro da periferia. É a gente botar o pé lá dentro da favela também. Não é montar fora do seu espaço, mas atender a juventude dentro do seu espaço. É disso que a gente precisa. A gente não precisa só de repressão para conter o crime, não. A gente precisa de repressão e políticas afirmativas. Por isso que, no Estado de Pernambuco, existe Secretaria de Defesa Social, que trabalha a questão da repressão e desenvolve trabalhos sociais.
Estamos agora e no próximo ano com as conferências estaduais, municipais e nacional e vamos ter a Conferência de Direitos Humanos, mas também de crianças, adolescentes e também juventude. Estamos formulando o Plano de Direitos Humanos para crianças, adolescentes e juventude e o Plano Nacional, que compõe todos. E o que estamos fazendo para que possamos formular uma política afirmativa de direitos humanos?
E agora, Senadoras, Senadores presentes, eu vou trazer um relato pessoal. Nesses assassinatos, de que pouco a gente fala, a gente fala de família, de conter a violência. Mas o que a gente está fazendo para que essas famílias possam suprir a necessidade de seus filhos? O que este Estado, dentro dessa onda de violência, de extermínio de juventude, está fazendo com as mães dos jovens que perdem os filhos? O Estado está, de certa forma, causando mulheres mutiladas para o resto da vida.
Eu sou uma mãe que perdi meu filho, brutalmente assassinado aqui no Estado de Pernambuco. Meu filho era gay, negro. Não tenho vergonha de dizer que meu filho era gay. Tenho muito orgulho do filho que eu tinha. (Palmas.)
A partir do momento em que fui buscar meu filho, em que eu o encontrei, quando este Estado começou a investigar, a primeira coisa que disse foi que meu filho estava envolvido na exploração sexual por seu gay, que meu filho estava envolvido indiretamente no tráfico de drogas. Meu filho era produtor cultural.
Quantas mães, por não terem formação, calam-se! Eu não silenciei. Eu fui mostrar para este Estado que meu filho não era nada disso, que meu filho foi assassinado por motivações homofóbicas e foi o primeiro caso no País em que se consideraram motivações homofóbicas, mas porque esta mãe foi brigar. Quantas mães a própria Polícia silencia no momento de investigação, a própria Polícia faz mães ficarem silenciosas e não conseguem acompanhar o inquérito do assassinato dos filhos! Por isso que a gente não tem dados.
Por isso que eu digo: vamos priorizar? Vamos! Mas a gente tem que trabalhar com políticas sociais, políticas de direitos humanos. E é isso que o Movimento Nacional dos Direitos Humanos vai cobrar desde a sua assembleia até agora, em agosto, em Belo Horizonte.
Muito obrigada a todos e todas.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada por dar um depoimento tão vivo, Srª Eleonora. Inclusive usa este espaço de denúncia devidamente.
Nós, agora, neste momento, encerramos a lista das pessoas que foram definidas pelo requerimento do Senador Humberto Costa, para serem ouvidas nesta audiência pública.
No rito comum, regimental, da comissão, nós passamos a palavra agora aos Senadores para que possam se dirigir a essas pessoas ou fazer-lhes perguntas, receber respostas. Após essas falas, imediatamente se passa à lista de inscritos, que se inicia pelo Deputado Escórcio Silva e depois Deputada Teresa Leitão.
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Quero esclarecer que me foi encaminhada uma pergunta a respeito dos convidados da Assembleia Legislativa.
Nós encaminhamos formalmente para a Presidência da Casa a organização, a solicitação do espaço e o pedido para que se convidasse todos os Deputados. Eles não só foram convidados formalmente pela Presidência da Casa, como o Gabinete da Deputada Teresa Leitão, por seu envolvimento no tema, fez pessoalmente o convite a todos os senhores Deputados e Deputadas desta Casa.
Recebemos a queixa de um Deputado que não teria sido convidado a tempo. Ele, inclusive, esteve neste plenário, nós registramos a presença dele. Realmente não foi uma falha da Comissão, porque o convite foi encaminhado a todos os Deputados a tempo. É certo que nem todos os Deputados, em função de suas diversas atividades, podem ter tempo para o acompanhamento desta CPI, mas aqueles que estiverem em algum canto e ainda quiserem vir para participar da nossa reunião, além da transmissão que está sendo feita pela internet, nós garantiremos a fala de qualquer Deputado da Casa que queira vir participar, como garantimos a dos dois que estão aqui presentes, que serão os primeiros, logo após a fala dos Srs. Senadores.
Vou logo iniciar minha fala, rapidamente. Vou fazer duas perguntas que, na verdade, podem também sistematizar um pouco do que estamos ouvindo - não aqui, hoje, mas em todo o nosso trabalho -, e podem servir para os que vão falar, e nortear e informar, também, a vocês.
Como foi lembrado, esta CPI foca o seu objeto de investigação no assassinato de jovens, porque há um grande número de assassinatos no Brasil. O Brasil desponta negativamente como um país onde há um número muito alto de mortes violentas e, dentre esses mortos violentamente, 80% se situam na faixa etária entre 16 e 28 anos de idade. Alguém apresentou uma estatística ali, acho que foi a senhora, que mostra uma concentração, talvez aqui em Pernambuco, na faixa de 19 anos. Não é essa a média nacional.
A média nacional fica realmente entre 16 e 17 anos. Eu diria até, entre aspas, que é mais "positivo", porque retarda mais os 19 anos de idade. Dezesseis é praticamente saindo da adolescência - o primeiro passo entre a adolescência e a juventude. É quando esses jovens estão sendo assassinados, portanto impedidos, até, de se tornarem jovens. Olha a tragédia que é isso para o País - para a política de educação, para a política de saúde.
O Brasil investe desde o nascimento dessa criança, desde antes do seu nascimento, em pré-natal, em atendimento do SUS, em política de saúde pública, em educação pública; e justamente na idade, caro Deputado, em que ele começaria a ter condição de se preparar para devolver ao País - num pensamento racional e, digamos assim, estritamente pragmático - aquilo que foi gasto para que ele se fizesse jovem, homem, no futuro, ou mulher, e chegasse a "devolver", entre aspas, ao País com seu trabalho, com sua produtividade, ele é ceifado, sua vida é ceifada. Essa concentração se dá entre jovens homens. E o que nós vamos percebendo no depoimento de todos?
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E eu quero destacar o depoimento do representante da Polícia Civil, o Dr. Luiz Andrey, que, ao falar ali, disse: "A violência não é uma questão da segurança pública, é uma questão social". Alguns que iniciam o debate nos Estados ou mesmo em Brasília, quando vamos ouvi-los, dizem - e muitos Senadores e muitos Deputados afirmam isto - que a violência é consequência do tráfico de drogas.
Eu ouso dizer, por tudo que já ouvimos, que já lemos, que já discutimos, em relação a essas estatísticas, que a violência não é resultado do tráfico de drogas. A violência é resultado da pobreza, que se soma ao racismo institucional de negros e de índios neste País. (Palmas.)
Pelo menos, é o que demonstram as estatísticas de morte neste País. As estatísticas, quando saímos do Nordeste e do Sudeste para o Norte, são substituídas: em vez de maioria negra, é maioria indígena. Portanto, é o resultado de uma estatística de pobreza e de faixa de vulnerabilidade daquele que, jovem, é a população mais à mercê. O tráfico de drogas ou de armas, mas especialmente o tráfico de drogas, atua, se consolida e se expande numa população que, pelas suas condições sociais, está facilmente colocada à sua disposição para ser recrutada para o exército de atuação desse tráfico. Portanto, há um condicionante.
Essa conclusão é resultado já das nossas oitivas nos Estados, mas não apenas nos Estados, mas também dos especialistas, das organizações de direitos humanos, das organizações de movimento de jovens, de movimento negro, de movimento de mulheres, de movimento indígena - pois estivemos já em uma audiência pública em Manaus e em uma audiência pública em Roraima, em dois Estados do Norte.
Em Manaus, como vocês lembram, foram 33 pessoas assassinadas num só dia, portanto, num ponto diferente da curva, do ponto de vista da estatística de segurança pública, mas 80% eram jovens entre 16 e 25 anos de idade.
Na Bahia, também houve um caso bastante semelhante, que ficou conhecido nacionalmente como o caso do Cabula. Num só dia, foram assassinados 16 jovens entre 16 e 25 anos de idade.
Aí eu queria repor a fala do professor que aqui se pronunciou, dizendo que nós vamos buscar estatísticas que tentam caracterizar a situação do Estado, aquilo que diferencia o Estado em relação a outro Estado, mas, dificilmente, qualquer estatística desta sai da realidade nacional. Há uma estatística, um caso ou uma referência que pode ser diferente num Estado e mais intensificado aqui e ali, mas essa é uma questão nacional. Nós ouvimos diversos... Aqui, foi falado o caso específico da ação do Governo Federal no Plano Nacional de Redução de Homicídios. Todos os especialistas que ouvimos agora são críticos em relação ao Plano Nacional de Redução de Homicídios do Brasil e consideram que esse é um projeto que não saiu do papel.
Este não é um espaço em que possamos fazer a disputa política, do ponto de vista da política eleitoral. Não é. Eu fico muito à vontade, porque participo do Governo da Bahia, que é um governo do PT, como participei antes de uma chapa do Governador do PT, tendo sido eleita. Portanto, eu partilho da política pública do meu Estado, que não é diferente desta.
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Aliás, na Bahia, nós usamos como referência o Pacto pela Vida de Pernambuco e implantamos lá o Pacto pela Vida de Pernambuco, depois de ele ter sido implantado aqui. E fizemos algumas incursões também com outras experiências, Coronel, fazendo a implantação em alguns bairros de UPPs, portanto, usando duas políticas consideradas diferentes no âmbito da política de segurança pública do Brasil.
Eu acho que nós vamos poder concluir que todas essas políticas públicas ainda não deram conta de acertar, porque elas ainda não são uma política nacional que tenha integração entre as políticas do Governo Federal, do governo do Estado e do Município, porque os Municípios não estão fora de suas responsabilidades com a segurança pública. E a nossa CPI, cada dia, compreende isso de maneira mais forte.
Existe na Secretaria Nacional de Direitos Humanos um manual para um Plano Municipal de Segurança Pública, que não está sendo levado a canto algum. Nós sabemos que a violência ocorre num território determinado. Por exemplo, houve um tempo em que Recife foi a mais violenta do Nordeste. Se não é em Recife, é em Maceió, se não é em Maceió, é em Salvador. Ela ocorre num Município. Portanto, tem de haver a participação da prefeitura em ações objetivas.
Eu tenho algumas perguntas que eu quero fazer, que são direcionadas, que também são parte dessas interrogações que vão ficando dessas experiências que nós estamos registrando.
É claro que o Rio de Janeiro é o principal laboratório da discussão de políticas de segurança pública do Brasil, porque ele foi, durante muito tempo, o espaço onde essa violência, com essa característica, se estabeleceu de forma maior e ainda continua sendo. Os principais especialistas de segurança que têm servido de referência para os estudos se dão justamente no Rio de Janeiro e um pouco em São Paulo também.
Então, Drª Bernadete, representante do Ministério Público, há um estudo do Delegado Zaccone, no caso do Rio de Janeiro, em que ele faz uma demonstração em relação ao auto de resistência. Antes disso, eu registro que o Senador Humberto Costa, ontem, já relatou um projeto que foi aprovado na CCJ e vai para o plenário do Senado e da Câmara, que acaba com o auto de resistência. Essa é uma discussão que passa pela política de segurança pública e pela compreensão dos que fazem a segurança pública. Na prática, o projeto faz algo que já está existindo em diversos Estados, que é a obrigação de se apresentar o preso em 24 horas diante do juiz. Mas nós concluímos, pelo estudo de Zaccone, que havia uma certa omissão do Ministério Público no seu Estado, quando há um grande número de arquivamentos do processos que têm como origem da morte o auto de resistência.
Então, eu gostaria de saber se há algum estudo aqui, no Ministério Público, referente justamente à abertura de inquérito, se há estatísticas do número de abertura de inquérito pelas mortes de jovens e qual a ação do Ministério Público com relação ao acompanhamento e à investigação dessas mortes. Uma questão que nos chama atenção é que apenas 8% dos casos de morte violenta, dos assassinatos são investigados no Brasil. Então, vejam bem: não é uma questão que se resuma à polícia, a prender, ao confronto. Há também a continuidade.
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Há, na nossa compreensão, uma certa conivência com a ideia e a filosofia de que bandido bom é bandido morto. E, se bandido bom é bandido morto, quando um jovem está com um pedra de crack na mão ou com um pacote de maconha, se ele estiver num bairro de classe média, ele é usuário; se ele estiver num bairro de periferia e é negro, ele é traficante - e, tratado como tal, é preso ou, se fizer qualquer tipo de resistência, morto.
Aí entra um vezo importante, porque a nossa CPI não está aqui ou em nenhum Estado ou em Brasília para condenar as autoridades, a Polícia Civil ou a Polícia Militar, como a culpada pelas mortes, até porque nós temos a polícia que mais mata, mas também a polícia brasileira está entre as polícias que mais morrem no mundo - a Polícia Militar. Há todo um debate sobre o modelo de polícia que nós precisamos implantar no Brasil, para que ela tenha mais eficiência.
Eu queria perguntar ao Comandante quanto tempo de formação mínimo é exigido para o policial militar aqui, no Estado de Pernambuco. Depois que ele passa no concurso, ele leva quanto tempo de formação até ser colocado na rua?
São duas perguntas, assim.
Por fim, ao Secretário de Defesa Social. Quando eu tive contato com a Secretária Cristina Buarque, nós discutimos a ideia de se incorporarem, como está sendo feito na Bahia, ao Pacto pela Vida a Secretaria da Mulher e a Secretaria de Combate ao Racismo ou de Igualdade Racial, como queiram, para que pudessem introduzir elementos também de combate à violência contra a mulher. Esse objetivo de redução da mortalidade dos jovens está claramente presente no Pacto pela Vida aqui, em Pernambuco?
São essas as minhas três perguntas.
Passo a palavra ao Senador Humberto, para que ele possa fazer as dele, e, depois, ao Senador José Medeiros.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Bom dia a todos e a todas.
Eu queria, inicialmente, saudar todos os componentes da Mesa: a Drª Bernadete, o Dr. Alessandro, o Senador José Medeiros, a Senadora Lídice da Mata, o Desembargador Luiz Carlos, que aqui esteve e que teve de se retirar, a Deputada Estadual Teresa Leitão e todos os que aqui se pronunciaram, seja componente dos diversos poderes, seja entidades da sociedade civil.
Eu tinha feito algumas anotações para fazer um pequeno pronunciamento, mas, dado não somente o adiantado da hora como também diversas colocações que foram feitas aqui, sendo que me sinto representado por muitas delas, especialmente as que foram feitas por instituições, organizações da sociedade civil na área de direitos humanos, e também o discurso da Drª Bernadete, eu vou me limitar a fazer as perguntas que me foram solicitadas pelo Relator desta Comissão, que é o Senador Lindbergh Farias, e algumas que eu próprio elaborei. Algumas, de certa forma, vão versar sobre temas que já foram falados, talvez tenham até sido respondidas, mas, para efeito exatamente do trabalho do Relator da Comissão, eu vou refazê-las.
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Do Senador Lindbergh, primeiro, dirigida ao Secretário de Defesa Social: o que Pernambuco está fazendo hoje especificamente para contribuir para a redução de homicídios contra jovens no Estado?
A segunda pergunta vai a partir da própria constatação das estatísticas de que Pernambuco tem um elevado número de jovens assassinados, negros em especial. A pergunta é: que medidas foram tomadas para que esse número, por exemplo, que foi de 1.808 homicídios em 2012, viesse a ser reduzido, como o que já temos este ano, segundo as informações estatísticas que foram aqui apresentadas?
A terceira pergunta é: quais são os números para o ano de 2015 até o momento? Isto aqui já foi abordado. Pergunta também se há algum mecanismo de monitoramento desses dados; se estão disponíveis para a CPI.
Especificamente em relação à população jovem negra, se há também algum programa específico para a redução de homicídios nessa camada da população.
Quanto às duas últimas, como não foram abordadas e falam mais diretamente sobre o Pacto pela Vida, eu vou fazê-las com a argumentação, inclusive, do Relator.
O Pacto pela Vida é uma das políticas públicas de segurança mais estudadas no País. Apesar de sofrer críticas, como o aumento expressivo da população carcerária e a ação truculenta da polícia em bairros na periferia, como resultado dessa política de segurança pública, Pernambuco foi o único Estado da Região e um dos poucos do Brasil a apresentar redução de homicídios, apesar de ainda apresentar números altos, especialmente em relação a jovens negros. Aí, vem a pergunta: quase uma década após a implementação do Pacto pela Vida, quais são seus principais legados? O que poderia ter sido feito de forma diferente e o que poderia ser replicado para outras Regiões do País?
A última pergunta do Relator. Este ano, ao contrário dos anos anteriores, a violência voltou a subir no Estado. Julho teve 297 crimes violentos letais intencionais, 40 a mais que no mesmo período de 2014. O Secretário de Defesa Social, responsável pela área de segurança pública, atribuiu aumento nas mortes a fatores como o crescimento do tráfico de drogas e da criminalidade em geral, em meio à crise econômica e à redução dos plantões por alguns delegados e policiais civis em protesto. A pergunta é: o que está sendo feito para que o legado de redução de homicídios da última década não seja perdido? Quais são as ações concretas sendo tomadas pelo Poder Público?
Aqui há algumas perguntas que eu selecionei, e algumas delas eu queria que pudessem ser respondidas pela Defensoria e pelo Ministério Público, já que o Tribunal de Justiça, a representação não está mais aqui.
A primeira pergunta pode ser respondida por TJ, MP, DP: se há órgãos especializados para apurar crimes de assassinatos contra os jovens nessas instituições.
Os processos que dizem respeito a crimes contra a vida de jovens têm algum tipo de tratamento especial?
Poderiam V. Exªs citar algum aparato especial que é acionado nesses casos? Quais as principais dificuldades nesses processos de crimes contra a vida de jovens, de modo geral?
Creem V. Exªs que alguma política pública em especial poderia mitigar os números de assassinatos de jovens no Estado?
Aqui para o Secretário de Defesa Social: como as autoridades do Executivo poderiam auxiliar o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, a Defensoria Pública a cumprir os papéis institucionais no que toca a políticas específicas contra o assassinato de jovens?
E, agora, a maior parte delas dirigidas ao Secretário de Defesa Social.
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Se existe um mapeamento sobre as áreas ou regiões do Estado onde há um número de assassinatos que seja bem maior do que a média do Estado. De certa forma, nós vimos que Recife, em relação a tudo que diz respeito a assassinatos, tem um perfil bastante próprio, mas, proporcionalmente, como isso se comporta?
Há políticas de segurança especiais para essas áreas? Já fiz essa pergunta na verdade.
Há dados estatísticos atualizados sobre a elucidação de assassinatos desses jovens?
V. Exª acredita em grupos de extermínio direcionados a essa camada da população? Se existirem, em que regiões principalmente atuam?
As polícias pernambucanas não têm histórico de atuação maciçamente violenta contra jovens ou contra grupos sociais de forma indiscriminada, mas há casos de abusos policiais contra jovens? As corregedorias das corporações têm políticas específicas para a reprimenda de tais práticas? Podem citar alguns dos procedimentos em caso de constatação de abusos? Há dados estatísticos sobre quantas denúncias foram recebidas contra profissionais da corporação, quantas foram apuradas e quantas resultaram em penalidades? Nessas corporações, há divisões especializadas para o público jovem - delegacias, contingente com especialidade nesse público? Se não há, é possível a sua adoção?
Bem, eram essas as perguntas que eu queria fazer.
Talvez eu não consiga acompanhar até o final da audiência, porque vou precisar sair daqui à uma e vinte, mais ou menos, porque vou para um programa de televisão em São Paulo e, infelizmente, só há voo nesse horário. Mas vou acompanhar aqui o que for possível.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não se preocupe, Senador. Toda a minha preocupação no trabalho é que possamos ajudá-lo nesse tempo.
Passo a palavra ao Senador...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O Medeiros está sugerindo que possamos ouvir as pessoas todas que foram citadas para as suas perguntas para que possamos aproveitar o máximo do seu tempo aqui e, depois, então, passo para ele.
Então, vamos. Pela ordem, quem seria? Ministério Público, depois Defensoria... Não foi isso?
Vou sugerir o seguinte: no máximo três minutos de resposta, o.k.? Senão, não dá para ele pegar o avião.
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Eu gostaria só de ficar claro, Senadora, se esse recorte que a senhora faz é em relação aos homicídios em geral, esses arquivamentos, ou se é em relação à juventude de modo geral, à morte de jovens. Esse recorte que a senhora está falando.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - De modo geral?
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Em relação aos jovens.
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Aos jovens.
Bem, aqui no Ministério Público, nós temos uma central de inquéritos, onde se recebem, na capital e nas grandes cidades do interior, onde se recebem todos os inquéritos policiais que vêm da Secretaria de Segurança Pública, no caso, da Polícia Civil. Então, esses processos são apreciados por essas centrais de inquéritos.
E o que ocorre, na verdade... Não sei dos outros Estados, mas aqui em Pernambuco nós temos um grande problema, que é - aliás, isso é um dado do Brasil todo - um baixíssimo nível de elucidação dos crimes, sobretudo dos homicídios. Porque nós temos uma cultura de conseguir prender as pessoas e apurar os crimes relativamente ao tráfico, mas aos homicídios tem sido, de modo geral, extremamente difícil, ou talvez a política não tenha um recorte de um esforço nesse sentido. Existe esse grave problema de que só 8% dos homicídios no Brasil, pelo que me consta, são elucidados.
Enfim, esses arquivamentos, de modo geral, posso levar. Inclusive, acho importantíssima essa fala da senhora, e posso levar esse questionamento à Procuradoria de Justiça do meu Estado, ao Procurador-Geral, Dr. Carlos Guerra, para que a gente se debruce sobre essa colocação que V. Exª está trazendo, que acho muito importante. Mas eu não tenho dados para lhe dizer neste momento.
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Quanto às principais dificuldades para o enfrentamento dessas mortes, eu não sei se aqui é especificamente também em relação à juventude negra ou à juventude de um modo geral?
(Soa a campainha.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Ambas.
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Ambas.
Bom, na verdade, esta é uma nova cultura do Ministério Público brasileiro, a de se debruçar sobre a cor das pessoas, tanto de réus, como de vítimas. No Conselho Nacional do Ministério Público - eu peço licença para, em um minutinho, falar sobre isso -, eu coordeno também um grupo de trabalho do Conselho Nacional do Ministério Público de combate ao racismo, que foi criado há três anos. Esse grupo tem uma atuação nacional, e justamente o Conselho Nacional tem expedido circulares, inclusive, criou um projeto nacional chamado "Racismo: Conhecer para enfrentar". Esse projeto é para o Ministério Público brasileiro justamente, Senadores e Deputados presentes, porque o racismo é um ilustre desconhecido das instituições.
Então, de um modo geral, não se fazia esse recorte, mas agora bastou a orientação do Conselho Nacional brasileiro para o Ministério Público brasileiro como um todo seguir esse recorte e fazer essa observação. Enfim, o Ministério Público brasileiro está se debruçando a partir inclusive - a Srª Senadora e o Sr. Senador Humberto Costa devem saber - desse protocolo de intenções que foi assinado para as instituições, que vai vencer agora em outubro, e várias instituições se comprometem a fazer o enfrentamento do genocídio da juventude negra e do direito do jovem de acesso à Justiça.
Então, esse documento vence em outubro. E eu gostaria de saber se será renovado, porque foi um instrumento que tirou as instituições dessa inércia, eu diria, em relação a esse olhar, a esse recorte racial também.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - O.k.
Defensoria.
O SR. MANOEL JERÔNIMO DE MELO NETO - Reitero os cumprimentos iniciais a V. Exªs.
Respondendo às curtas perguntas do Exmo Senador Humberto Costa, nós temos a dizer que a Defensoria Pública atualmente - na verdade, de uns quatro ou cinco anos para cá - exerce um trabalho muito harmonioso nos termos de Justiça, tanto com o Ministério Público, quanto com o Poder Judiciário e a OAB. Isso faz com que esse trabalho seja mais exitoso, mais efetivo. Especificamente quanto à Defensoria Pública, criamos um grupo de trabalho de defensores públicos que atuam, resguardando os direitos humanos, promovendo os direitos humanos.
É importante também destacar que temos o núcleo da infância e da juventude, que vislumbra, que visa justamente proteger aquelas crianças e adolescentes que estão em situação de risco. É importante também, Excelências, a presença da Defensoria Pública nos presídios e nos locais de internação, porque não podemos deixar nossos jovens adolescentes, nossos reeducandos, à mercê da sociedade. Inclusive, é um pleito da Defensoria Pública nomear defensores públicos para se fazerem presentes nos locais em que a Constituição Federal determina, para que possam exercer seu mister constitucional.
Conseguimos autorização orçamentária do Governo do Estado para nomear 35 defensores públicos. O nosso déficit é de 206. E estamos lutando diariamente para poder ocupar os espaços vazios e exercer desta feita a nossa função com qualidade e eficiência.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Senador Humberto, qual é o outro... Aqui os processos que dizem respeito à crime contra vida de jovem...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Ministério Público e Defensoria.
E esse aqui?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sim, os outros são para o Secretário.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não, claro, pode ter o tempo para responder. Claro que, se for uma coisa para a qual é preciso um tempo maior, o senhor vai colocar, e a gente dará.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Segundo o Zé Medeiros, vai ter três minutos e meio. (Risos.)
O SR. ALESSANDRO CARVALHO - Houve uma série de perguntas, que coloco para a Comissão, a sugestão de que tudo o que for necessário... São muitos números, nós temos todos eles e estamos abertos para informar, mas vários deles eu não os tenho aqui no momento. Então, a sugestão que eu deixo, Senadora, é a de que a Comissão oficie a Secretaria quanto a todo o rol de dados de que precisa e, no mais curto espaço de tempo possível, passaremos todos os dados.
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Entre as diversas perguntas que foram feitas, eu queria, nesses três minutos e meio que foram dados, ressaltar uma questão de política de segurança no Estado. Qual é essa questão? É a integração, é o reconhecimento de que a segurança pública e a defesa social não se fazem apenas com ações de polícia.
Nós vemos, com alguma frequência, que, quando há um aumento de algum indicador de criminalidade, os primeiros a serem cobrados são as polícias e a Secretaria de Defesa Social. E o modelo de gestão que foi empregado no Estado, desde 2007, foi justamente o de dividir a responsabilidade, que, na verdade, é de todos. Diz a Constituição que a segurança é um direito de todos, mas também um dever de todos de forma compartilhada.
Então, como é que funciona o Comitê Gestor do Pacto pela Vida? Nós temos seis Câmaras, que se reúnem todas as semanas, antes da reunião do Comitê Gestor, com a presença de todo o grupo. E que Câmaras são essas? Existe a Câmara de Defesa Social, composta basicamente pelas polícias e pelo Corpo de Bombeiros; a Câmara composta pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública; a Câmara de Enfrentamento à Violência de Gênero contra a Mulher; a Câmara de Enfrentamento ao Crack; a Câmara de Administração Prisional; e a Câmara de Prevenção Social.
Então, dentro dessas Câmaras, há uma composição para se discutir o assunto vinculado a elas e tomar decisões, e ver também quais são aquelas demandas que extrapolam a alçada de decisão da Câmara e que precisa de uma atuação conjunta de outros atores. E isso gera encaminhamentos, e muitos deles são resolvidos nessa reunião de quinta-feira. Todas as quintas-feiras, o Comitê Gestor do Pacto pela Vida se reúne, para avaliar o resultado das 26 áreas integradas de segurança em que o Estado se divide e dar encaminhamentos e soluções a demandas que são comuns.
Então, por exemplo, foi citada a audiência de custódia que foi implementada em Pernambuco no final do mês passado. Foi um esforço extra para o cumprimento que envolvia a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Secretaria de Ressocialização, o Ministério Público, o Poder Judiciário, um esforço que teve que ser feito de uma forma rápida, com os ajustes feitos nessa Câmara do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.
Então, a questão de segurança pública deixou de ser um problema do Secretário de Defesa Social e, quando dá errado, troca-se o Secretário como solução, até que se desgaste o próximo. Passou a ser um compromisso dos Poderes, do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, num esforço conjunto.
Reitero que as perguntas foram acima de vinte, creio eu, pela anotação que tomei. E peço, por gentileza, que sejam encaminhadas por ofício, que eu farei questão de responder no mais breve espaço de tempo possível.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Está satisfeito, Senador? Aceita o encaminhamento proposto? O que não quer dizer que outras pessoas não vão falar. Provavelmente, há outras perguntas para o senhor. Então, pode ser que até em algumas delas possam responder a isso.
Se o senhor precisar, pode se estender um pouco mais. Nós colocamos três minutos e meio, mas podem ser cinco, podem ser seis, se houver necessidade.
Alguma outra...?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com a palavra o Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Srª Presidente, Srs. Senadores, todos que estão na Mesa, Secretário, Promotora, Deputados, como o tempo já está adiantado na hora, sem querer cansá-los, eu só vou me ater a fazer as perguntas e fazer breves considerações também sobre a fala do Desembargador, o Dr. Luiz Carlos Figueiredo. Ele falou sobre alguns temas interessantes que têm a ver com as perguntas que eu vou fazer.
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Ele falou sobre a leniência à drogadição; a leniência no combate por parte do Estado; um pouco sobre a dispersão das ações desse Estado, tanto no combate, quanto na prevenção, sobre o resserviço, que, às vezes, o Estado faz, e acaba não trazendo uma eficácia para o combate, e como tudo isso desemboca na chamada quase que vingança privada, que agora começa com esses debates que chegaram ao Legislativo, o que foi bem falado pelo Vereador, que falou na tribuna, que é a cobrança da sociedade sobre redução da maioridade penal. Enfim, na verdade, a gente não pode culpar a sociedade, porque ela quer uma saída e, às vezes, num rompante, acha que mexer na maioridade também vai ser a solução.
O fato é que a responsabilidade está sobre o Estado. E um dos objetivos desta CPI justamente é buscar ouvir toda a sociedade. E, ao ouvir os entes do Estado, buscar uma saída para diminuir os índices, mas também fomentar a formação de políticas públicas que possam dar vazão a essas demandas que têm se apresentado e que têm inquietado sobremaneira a sociedade.
Eu até discordo um pouco quanto a dizer que seja só uma onda conservadora. Na verdade, não é. Na verdade, como é possível explicar para uma mãe, por exemplo, que perde o seu filho que quem provocou a morte tem que ficar impune? Há os dois lados, por isso que o assunto é tão difícil.
Então, a minha primeira pergunta vai justamente novamente para o Secretário e trata sobre o comportamento do Estado em relação ao combate às drogas, porque tem a ver também. A Senadora Lídice disse muito bem que a droga não é o fator principal da morte dos jovens. Isso é uma verdade - isso é uma verdade! -, porque o que faz isso chegar é a vulnerabilidade, mas ela é uma variável importante nesse assunto.
E eu cito, por exemplo, o caso dos traficantes: traficante não perdoa a dívida, eles não são afeitos a ter um departamento de cobrança no seu negócio. Então, eles simplesmente fazem o quê? No momento em que o adolescente ou o jovem não consegue pagar sua dívida, ele o mata para servir como exemplo.
Em Natal, Senadora, um desembargador deu um exemplo de fato ocorrido, quando ele estava à frente da Vara da Infância e da Juventude: um jovem pediu socorro, porque ele devia para um traficante, e o traficante já tinha mandado o recado de que iria matá-lo, e ele pediu proteção. E o desembargador disse que, num último recurso, falou: "Por que você não oferece, por exemplo, para pagar o dobro da dívida?" E ele falou: "Já ofereci para pagar o quádruplo da dívida, e ele não quis, disse que quer o meu sangue, para servir de exemplo." O exemplo é para gente notar como esse assunto acaba impactando nas estatísticas também.
Há um fator interessante também. Antes, era só nas metrópoles; agora, também se esticou para o interior o crack, que é uma droga que vicia rápido, dá alto lucro e tem baixo custo para o traficante. Eu até comentei com a Senadora que o crack é o olimpo do produto com que os economistas gostariam de trabalhar: alto lucro com menor custo possível.
Então, eu vou citar o caso de Mato Grosso, porque nós temos ali uma fronteira seca com a Bolívia. E o que acontece? Foi falado aqui pelo Secretário sobre essa questão do combate.
E é nesse sentido a minha pergunta: temos optado por combater a questão das drogas no varejo. Eu vou citar o caso do Mato Grosso, que tem 900km de fronteira seca, por onde entram todos os dias toneladas - toneladas! - de cocaína. Acontece que os traficantes, por força do combate e do asfixiamento da questão de finanças, começaram...
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O combate ao terrorismo também afeta as finanças deles nos paraísos fiscais. E o que eles fazem? Começam a pagar - isso já foi diagnosticado pelos setores de inteligência da polícia - as mulas, as pessoas que transportam para Recife, para Brasília, para os grandes centros, eles começaram a pagar em espécie, com a merla in natura. E, no momento em que esse pequeno traficante entra, o grosso, grande parte ele levará para as metrópoles, mas, com a parte dele, ele quer fazer dinheiro o mais rápido possível, e aí vai se espalhando pelo interior, onde geralmente o Estado não está preparado, não que alguma cidade esteja, mas isso vai arrebentando o Estado brasileiro por dentro.
E aqui quero fazer uma pergunta ao Secretário: o Estado brasileiro geralmente oscila no combate à droga entre a prevenção e a repressão. E com a eficácia, que não tem sido boa. Eu quero saber a sua experiência sobre isso e também sobre a questão de Medellín; se porventura V. Sª tiver conhecimento do que houve na cidade de Medellín, na Colômbia, que pudesse nos falar um pouco sobre isso. Para quem nos acompanha, o caso de Medellín foi um projeto feito na Colômbia justamente no combate a esses problemas que estamos falando aqui.
Quero também fazer uma provocação ao Ministério Público, que já havia feito antes, mas vou repisar porque a Senadora Lídice também fez essa pergunta: nós temos notado, nacionalmente, que o Ministério Público tem sido protagonista importante nas questões de improbidade em casos de homicídios de jovens ou não de grande repercussão nacional - e aqui cito o caso da Isabella Nardoni -, mas, no geral, temos sentido falta de uma ação mais efetiva nos crimes de vulneráveis, no dia a dia. Gostaria que V. Sª pudesse discorrer um pouco sobre por que isso acontece, se é falta de estrutura ou falta de um direcionamento.
Por fim, gostaria de perguntar também aos comandantes das duas Polícias aqui sobre o nosso modelo de policia atual - não porque queiramos culpar a Polícia, mas, como faz parte e nós estamos praticamente em guerra, e a Polícia está no meio disso tudo -; achei muito interessante quando o Desembargador disse que, às vezes, o Estado puxa para frente, para trás, para os lados com muita vontade, e isso me fez pensar no modelo de Polícia que temos no nosso País. Gostaria que eles pudessem discorrer - e aí há uma pergunta direcionada ao comandante da Polícia Militar - sobre os regulamentos disciplinares militares que vigem no País inteiro. Seria o caso de modernizarmos? Ele está bom? O que o comandante acha a respeito desse tema?
Ao Secretário novamente, eu gostaria de perguntar, porque nos foi trazido... E esta Comissão não é no intuito, como bem disse a Senadora Lídice da Mata, de fazer qualquer ataque político, partidário ou algo assim, mas é no intuito de colocarmos os problemas, colocá-los em crise para podermos, no final, ter um relatório que possa orientar as políticas.
Em todos os Estados, geralmente, aparecem alguns casos peculiares, como foi o caso de Manaus, de uma chacina que acabou havendo; em Roraima também há alguns casos; em Natal, há algumas denúncias que aparecem no momento em que a CPI chega, e, no caso aqui de Pernambuco, eu gostaria que o Secretário pudesse nos falar sobre o caso da Funase, pois recebemos aqui um dossiê sobre o caso dessas instituições de internação de menores, sabemos que houve alguns problemas e gostaríamos que o Secretário pudesse nos falar o que foi feito a respeito, como está sendo conduzido e o que aconteceu ali.
São essas as minhas perguntas. Eu agradeço, Srª Presidente, pela oportunidade.
Muito obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passo diretamente ao Secretário e, depois, ao Comandante.
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O SR. ALESSANDRO CARVALHO - Antes de ser Secretário de Defesa Social - que não sou, eu estou -, eu sou Delegado de Polícia Federal de carreira. Eu trabalhei por dois anos, 2006 e 2007, em Foz do Iguaçu. Chefiei a Delegacia de Foz do Iguaçu na tríplice fronteira - Brasil, Paraguai e Argentina. E, além da experiência que já tinha, tive a oportunidade de ter um intensivo naquela região. Então, a primeira questão que eu vejo é: nós precisamos ter uma política federal de atuação maciça nas fronteiras.
Eu contava com uma equipe de cerca de 12 policiais na área de inteligência e eu não tenho a menor dúvida de que esses 12 policiais da Delegacia de Foz do Iguaçu tinham uma produtividade maior em apreensão de drogas do que todas as superintendências do Nordeste do País - 12 policiais. Então, precisa haver um investimento na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Receita Federal, nos órgãos federais e nas polícias estaduais de fronteira, porque a única droga que o Brasil produz é maconha; cocaína, droga sintética não é produzida no País, e é o que está nos causando um problema seriíssimo hoje, como foi dito pelo Desembargador que aqui estava. Disse ele que, em 2001, só viu dois casos envolvendo crack. Quantos casos a gente vê hoje por dia? Isso em um ano.
Então, é a questão da política de repressão nas fronteiras.
Uma outra questão que eu acho que deva ser debatida no Senado e na Câmara, ou seja, no Congresso, é a questão da política diplomática do País, do Brasil, com os países produtores de coca.
O senhor citou o exemplo da Colômbia. Deixe-me falar um pouco da Colômbia e depois citar a Bolívia. O que nós vimos na Colômbia foi uma ação estatal muito forte de prevenção, mas de repressão também, a redução de área plantada, combate às Farc... E o que aconteceu na Bolívia há cerca de nove anos - um pouco mais ou um pouco menos? Foi eleito o Presidente do país, Evo Morales, que era um líder cocaleiro, e foi eleito defendendo a ampliação da área plantada de coca, foi o que ocorreu. Multiplicou-se mais do que seis vezes a área plantada nesse período.
Por lei, na Bolívia, pode haver até 12 mil hectares de folha de coca plantada. O último número, de 2009, que eu tive conhecimento é que já ia em 31 mil hectares reconhecidos pelo governo, tanto que, em 2014, Evo se comprometeu a reduzir em 11% a área que ele reconhece como plantada.
Qual é a relação diplomática que o Brasil tem com relação a isso? Porque não é possível que toda essa folha de coca vá ser mascada pelos índios. Não, isso é para o tráfico, e é um tráfico que acaba repercutindo no Brasil de uma forma muito intensa.
Eu acho que o Governo brasileiro tem de ter uma postura rígida com relação a isso. Não será Pernambuco, Bahia, Alagoas, Paraíba, no outro extremo da fronteira, que conseguirão, em ações que, às vezes, resultam na apreensão de dez pedras de crack, de vinte pedras, de um quilo, dar resposta a um problema como esse.
Então, eu entendo que o Brasil deve, sim, ter uma política internacional diferenciada com relação a países produtores de coca que não adotem medidas de repressão a esse tipo de ilícito.
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Para fechar, para não gastar muito tempo, uma outra reflexão que eu coloco: nós estamos hoje no Supremo Tribunal Federal - hoje que eu digo é neste momento - com uma discussão sobre a liberação da descriminalização do porte para uso de drogas. E aí, o raciocínio é muito rápido: se for descriminalizar o porte e o uso, então, o Governo tem também que fornecer a droga e tem que taxar. Agora, ao fornecer, ao taxar, há um problema, porque a gente vai ter que cultivar ou vai ter que produzir droga sintética, ou vai ter que reconhecer que o tráfico... Porque há uma inconsistência em dizer que não é crime o porte e uso, mas manter o tráfico. Se for para liberar aqui, o Governo vai ter que fornecer e vai ter que montar uma estrutura para isso.
Outra: ao se liberar a posse para uso próprio, vai ter que se estipular quantidade. Você não vai dizer: "Olha, você pode usar um quilo de cocaína por dia." Não vai ser isso. Vai haver uma taxa, como em outros países, uma quantidade liberada por mês para aquele usuário cadastrado num programa de governo. Mas quando aquela quantidade liberada pelo Governo terminar e ele tiver uma síndrome de abstinência, ele vai procurar a droga com um traficante.
Então, eu entendo, há o cigarro, o álcool, mas cigarro e álcool são diferentes de cocaína e LSD. Então, está na mais alta Corte essa decisão. A depender da forma que se adote, haverá repercussões sérias na segurança do País.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Comandante, a respeito das duas coisas, tempo e o modelo de polícia, regulamento da Polícia Militar?
O SR. ALESSANDRO CARVALHO - Presidente, me desculpe, havia uma segunda pergunta com relação à Funase, mas é para o Secretário Isaltino Nascimento, Secretário de Estado e Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, que está presente na Casa. Eu já troquei sinais aqui com ele e ele disse...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Esse tema ele responde.
O SR. ALESSANDRO CARVALHO - Ele responde. Obrigado.
O SR. CORONEL ANTONIO FRANCISCO PEREIRA NETO - Senadora, a primeira pergunta que me foi dirigida: o nosso curso de soldado, hoje, tem a duração de sete meses. Temos 1.016 horas/aula nesse curso. A grade curricular, como eu já falei logo na minha intervenção inicial, tem cadeiras como polícia comunitária, direitos humanos, uso progressivo da força, gerenciamento de crises, direitos da criança e do adolescente, ética e cidadania, introdução à prevenção do uso de drogas e mediação de conflitos. Essas são algumas das cadeiras que permeiam a nossa grade curricular.
A outra pergunta. No que diz respeito ao nosso Código Disciplinar, entendemos que é incompatível, hoje, haver punição disciplinar com cerceamento de liberdade, na esfera administrativa, para os nossos policiais militares. O Governo do Estado já tem instalado um fórum permanente de discussão. Esse assunto está sendo tratado, inclusive, com representação da Polícia Militar e representação de todas as entidades de classe, para que cheguemos a uma proposta e possamos dali tirar um novo encaminhamento de como devemos fazer essa questão da punição, qual seria o modelo que iremos aplicar. Mas a discussão está bastante avançada, inclusive com a participação de todos os nossos representantes dos segmentos tanto de cabos e soldados quanto de oficiais.
A outra pergunta diz respeito justamente ao outro modelo de Polícia Militar. Estaremos recebendo aqui, no dia 26 de outubro, uma comissão parlamentar para estudar e discutir acerca do ciclo completo de polícia. Existem muitas controvérsias no modelo atual, em que a Polícia Militar prende e faz a condução para a delegacia de polícia, que é a Polícia Judiciária. O modelo não satisfaz plenamente aos anseios nem da corporação nem da sociedade de uma forma geral.
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Agora, é preciso que seja feita uma ampla discussão porque o grande tema e a grande finalidade é justamente se buscar a plenitude ou a melhoria na prestação do serviço. Nós não podemos ficar pensando, na linguagem popular, olhando para o umbigo, quando, na verdade, o que precisamos ter é uma visão do conjunto. Se for feita uma mudança, que essa mudança seja feita na direção da melhor qualidade e no atendimento para o cidadão. Isso é o que nós pensamos e acho que tem que ser uma discussão bastante profunda. Não é fácil mudar uma coisa tão repentinamente, porque tem que haver uma questão de investimento e tem que haver uma mudança de cultura. E teremos, com certeza, havendo a mudança, de preparar todos os nossos policiais militares, para que possam atuar nesse novo contexto.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada.
Eu quero sugerir o seguinte: que o Secretário Isaltino já responda a essa questão da Funase, porque aí já fechamos um bloco, a fala dos Senadores, e passarei à fala dos convidados.
O SR. ISALTINO NASCIMENTO - Boa tarde à Senadora Lídice da Mata. Quero saudar o Senador Humberto Costa, saudar os demais membros da Mesa.
Se me permite - eu estou inscrito, tenho um compromisso no Judiciário às 14 horas -, eu teria algumas sugestões a fazer antes de responder a essa pergunta e me abster da minha inscrição, em função do compromisso que tenho no Judiciário.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Pois não.
O SR. ISALTINO NASCIMENTO - Só como sugestão, este é um debate importante... Nós não fomos convidados oficialmente para esta audiência, então, eu não teria como fazer uma apresentação do que a gente vem fazendo, do ponto de vista da prevenção, porque no debate que foi trazido, especificamente, em relação à Polícia tanto Civil como Militar, como também à Secretaria de Defesa e Desenvolvimento Social, a gente não teve oportunidade de apresentar o que o Estado vem fazendo, do ponto de vista da educação, da saúde, da assistência, da prevenção, enfim, outro olhar, como o Pacto pela Vida atua, que está, uma boa parte, sob a minha responsabilidade. Mas vou me ater...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Secretário, não seja por isso. Já vou incluir uma solicitação para que o senhor vá a Brasília falar sobre isso.
O SR. ISALTINO NASCIMENTO - Tudo bem, irei com todo prazer. Mas quero acrescentar algumas sugestões. Primeiro, em relação às pessoas que estão hoje sendo vitimadas, a juventude.
O diagnóstico que a gente tem, como apresentação de ideias, primeiro, diz respeito à questão da oportunidade. Há um estigma muito forte para quem sai do sistema prisional e há um estigma muito forte para quem cumpre ou cumpriu medida socioeducativa. O mercado de trabalho não aceita e tem dificuldade de fazer a incorporação desses dois segmentos, que são uma parte significativa, não só apenas esses, vitimados por assassinatos, mas são uma parte também dessas estatísticas apresentadas aqui, de jovens assassinados. Uma parte, ou passou no sistema prisional ou passou no sistema socioeducativo semiaberto, liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade ou esteve em unidade socieducativa da Funase.
O Estado fez um projeto de lei, um decreto, que eu sugiro como encaminhamento para resolução desta CPI, para ser uma legislação nacional. Existe a Lei do Aprendiz, que determina que as instituições privadas e públicas incorporem 15% de aprendizes nas instituições. Havia uma recusa muito forte das empresas de incorporar os jovens do sistema socioeducativo, seja do meio aberto, seja do sistema fechado.
O Governador Paulo Câmara fez um decreto obrigando o Poder Público estadual a instituir 15% a mais, ou seja, hoje, 30% no aprendizado. Então, sugiro que, pela lei do aprendizado nacional, Senador Humberto, nobres Senadores, uma parte desse percentual de obrigatoriedade do aprendiz possa ser para quem cumpre ou cumpriu medida socioeducativa. Acho que vai ajudar bastante a dar oportunidade na saída do menino que cumpre medida para estar no aprendizado nas unidades recebendo salário/hora. Enfim, é o que está acontecendo aqui em Pernambuco agora, a partir de outubro, com o programa do aprendiz, do nosso Governador.
A segunda questão diz respeito à qualificação profissional. Qual é o cenário das pessoas envolvidas, hoje, em chacinas e das que passaram nas unidades socieducativas da Funase ou cumprem medidas como reeducandos no sistema prisional? A maioria esmagadora, Senadora Lídice da Mata, tem, no máximo, ensino fundamental incompleto. Então, majoritariamente, são pessoas analfabetas ou semianalfabetas.
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A grande dificuldade é que os cursos de qualificação profissional, sejam do Pronatec, do Sistema "S" ou dos órgãos convencionais, as empresas de modo geral, são para pessoas que têm segundo grau, ensino médio. Estamos trabalhando isso internamente, no Governo do Estado, para que possamos ter os órgãos nossos qualificando.
Quais são as funções que podem ter pessoas com menor ensino? Estamos trabalhando para levar a escolaridade, primeiro, obviamente, mas temos que atuar naquela situação pontual de fato, que é a possibilidade cursos de funções e atividades - barman, auxiliar de pedreiro -, enfim, funções e atividades que possam dar oportunidade para quem sai do sistema prisional, para quem está em medida socioeducativa também, a partir de 16 anos, que é o que a lei permite. Então, essa questão do curso de qualificação profissional voltada especificamente para o que a gente chama aqui, em Pernambuco, no Pacto pela Vida, nobre Senadora Lídice da Mata, de universo prioritário. São cinco os universos prioritários que nós estamos focando no Pacto. Primeiro, os egressos do sistema prisional e seus familiares; segundo, o socioeducando que cumprir o socioeducativo e seus familiares; terceiro, os envolvidos com drogas; quarto, as vítimas de ameaça; e quinto, as pessoas que estão fora da escola. Esse é o público com o qual nós atuamos no Pacto pela Vida, prioritariamente. E esse é o público que está chacinado majoritariamente.
Então, como contribuição, também, falo da questão dos Municípios. V. Exª falou aí e é fato, minha secretaria lida com os Municípios nessa questão da assistência, que hoje há a obrigatoriedade do cumprimento de implantar ações na área da educação, é nisso que a Tereza Leitão atua, a obrigatoriedade de implantar percentuais na área de saúde, mas, na área da assistência, não há essa obrigatoriedade. Como hoje há obrigação de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, os Municípios não fazem a sua parte de aplicar medidas, recursos, para atuar na área de assistência, principalmente para o público mais vulnerável: crianças, adolescentes, jovens, familiares. Esse é um conflito que os prefeitos vivem. O nosso fundo, que repassamos aos Municípios, não é suficiente para arcar com Creas, com Cras, para lidar com a população. Então, repensar o financiamento da assistência para os Municípios é fundamental.
Então, deixo como sugestão também. É preciso ter um percentual que atue no Município, para que o Município possa evitar que os meninos que estão em medida socioeducativa cheguem à Funase ou cumpram medida socieducativa. A gente pode fazer uma ação, mas precisa de orçamento, de recursos. Então, a Lei do Suas, do Sistema Único da Assistência Social, precisa de dotação orçamentária para atuar e fazer com que a gente possa ajudar os Municípios a preverem essa questão da violência municipal.
Outro elemento que deixo com sugestão para esta douta CPI diz respeito ao modelo que nós estamos trabalhando aqui. Há experiências várias, em vários Municípios brasileiros, da cultura de paz, em conjunto com o Judiciário, defensores do Ministério, chamada Justiça Restaurativa. Esse modelo é fundamental. Nós estamos trabalhando, prioritariamente, nas escolas com maior indicador de violência, mas é fundamental que tenhamos isso espalhado por todos os 5.564 Municípios do Brasil. Tem que ser uma cultura do Brasil trabalhar a mediação de conflitos.
Uma parte da mortalidade de jovens tem a ver com a droga, é verdade, com a violência. Outra parte tem a ver com time de proximidade, em que a polícia, por mais eficiente que seja, não consegue atuar. É o som alto, é a bebida, é o problema da árvore frutífera que chega na vizinhança, é a janela aberta que deixa o vizinho ver lá o filho e a filha de alguém trocando de roupa, a esposa, aí vão tomar satisfação e matam por isso. Então, essa parte da criminalidade, uma parte de jovens está sendo assassinada também por isso.
A Justiça Restaurativa é para estabelecer a cultura de paz, mediar, dialogar, construir, na escola, mas fora da escola, na comunidade também. Eu acho que é um princípio que deveria ser, como sugestão, adotado como encaminhamento pela nobre Comissão.
E antes de responder sobre a Funase, só mais um último item, que diz respeito a quem está sendo assassinado no Brasil por um instrumento: majoritariamente, a arma de fogo. É lamentável que estejamos, hoje, com a perspectiva da mudança do Estatuto do Desarmamento, a flexibilização do uso da arma de fogo, a possibilidade de expandir e reduzir a idade para uso da arma de fogo, expandir a não necessidade de fazer, periodicamente, a reformulação da capacidade intelectual e psicológica para lidar com a arma. Então, essa questão sugiro como um elemento de reflexão para o Senado, para os Senadores desta Comissão, de não permitir a questão do uso da arma de fogo e garantir o Estatuto do jeito que está.
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Por fim, em relação à Funase. Nós vivenciamos rapidamente um fenômeno este ano. Nós temos 1.500 agentes socioeducativos contratados pela Funase. E 45%, este ano, tiveram os seus contratos impossibilitados de serem prorrogados. Foram seis anos. E nós sofremos uma dificuldade, porque estávamos no processo de renovação desses contratos com novos agentes e coincidentemente os plantões em que aconteceram os assassinatos foram os mesmos em que majoritariamente as pessoas estavam nessa situação, ou seja, as pessoas não tinham mais desejo de continuar no trabalho porque o contrato temporário tinha expirado no final desse primeiro semestre. Então aconteceu este fenômeno: nesses lugares, coincidentemente, nos plantões, eram as mesmas pessoas que tinham... Inclusive nós fizemos modificações. Então nós tomamos iniciativa, abrimos sindicância, policial inclusive, administrativa, as pessoas foram afastadas da função, foram demitidas, exoneradas e foram encaminhados inquéritos para o Ministério Público, para o Poder Judiciário e para a polícia. Essas foram as providências tomadas por determinação do Sr. Governador. Lamentamos o acontecido, mas, infelizmente, aconteceu esse episódio coincidentemente em função desse problema.
Por fim, um momento grave que nós estamos vivenciando em relação à unidade socioeducativa, aquilo que o presídio está vivenciando, que as unidades nossas estão vivenciando. Nós temos 23 unidades com 1.500 assistidos, meninos e meninas, a maioria meninos. E hoje a disputa de comunidade, a disputa do ponto de tráfico, a disputa vivenciada na área está sendo levada para dentro da unidade. Nós temos problema. Há lugares em que não se consegue mandar menino de uma unidade para outra, porque ele é da rua A, do bairro tal e o bairro tal tem disputa com outro bairro. Esse conflito está sendo levado para dentro da unidade. E muitas vezes isso propicia também a morte ou uma série de problemas graves entre internos da Funase. Então estamos trabalhando, procurando minimizar a situação.
Para terminar, um dado para V. Exªs, para corroborar o que eu falei em relação às medidas socioeducativas nos Municípios. Até o ano retrasado, Recife, que é uma capital, tinha 800 meninos e meninas socioeducativos em liberdade assistida. Recife não cuidava da LA (Liberdade Assistida); quem cuidava éramos nós, o Estado. No ano passado, Recife passou a cuidar. Este ano, o crescimento vegetativo de meninos na Funase diminuiu 2%. Em 2015, tivemos 2% a menos de meninos do que em 2014. Isso é sintomático, porque houve um cuidado do Município. Então, se todos os Municípios passarem a cuidar dos seus meninos, certamente teremos menos meninos chegando à unidade da Funase.
Para terminar, de verdade, onde há escola funcionando, Senadora, não há menino com medida socioeducativa. Vou pegar o exemplo do sertão do Pajeú, que é uma região daqui. As escolas melhores do Brasil estão ali. Pernambuco foi premiado. Entre as dez melhores escolas do Brasil seis são escolas estaduais de Pernambuco. Nesses Municípios onde tem escola funcionando, não tem menino cumprindo medida socioeducativa, o que comprova que a educação é um elemento que diz respeito diretamente à questão da qualidade da educação, diminuindo a violência.
Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vou dar licença ao Senador requerente da nossa reunião, porque ele vai viajar, tem que sair agora. Nosso tempo se aperta.
Vou passar a palavra ao Luiz Andrei, representante do Subchefe da Polícia Civil. Ele foi inquirido aqui pelo Senador José Medeiros, mas nós passamos à frente, em função do tempo, o Secretário Isaltino.
Então, V. Sª está com a palavra.
O SR. LUIZ ANDREI - Obrigado, Senadora.
Quanto ao questionamento do Senador com relação aos modelos de polícia existentes no Brasil, esse tema tem que ser discutido de forma muito mais ampla e muito mais profunda, devido à complexidade e ao que ocorrerá no futuro com relação ao Brasil.
O Brasil tem esta cultura, há 200 anos ou mais, de divisão entre Polícia Militar e Polícia Civil. Em outros países onde há uma polícia única por exemplo... E no mundo sempre há a polícia ostensiva, visando prevenir que os crimes não ocorram, uma polícia de presença, e a Polícia Judiciária, uma polícia investigativa que tem como função primordial efetuar a sua atuação após a ocorrência do crime, dentre outras atribuições. Essa discussão tem que ser feita com uma concretude muito grande.
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A partir do momento em que a polícia ostensiva aqui no Brasil, a Polícia Militar, no caso, leva uma pessoa presa para alguma instituição policial, ali é o primeiro filtro que há com relação à legalidade, à ilegalidade, à materialidade, ao indício de autoria pelo qual o cidadão vai passar. Ali é o primeiro filtro. Então há esse filtro e posteriormente há outros filtros. E também a parte investigativa, cada um atuando no seu mister constitucional, depois da ostensiva, com a polícia investigativa tentando melhorar várias situações.
En passant, falo de uma situação que o senhor falou com relação a Medellín. Um dos pilares de Medellín, pelo que eu li a respeito, foi colocar os melhores equipamentos nos lugares mais carentes. E aqui eu venho trazendo para o âmbito da Polícia Judiciária, que é a minha instituição. Nós observamos em vários Poderes, em todos os níveis: municipal, estadual e da União, vários prédios com estrutura gigantesca em várias situações. Será que não é hora de colocarmos essa fórmula ao contrário: trazermos - e falo de dentro da instituição policial - para o lugar onde a população... O primeiro front da população é uma delegacia. Isso eu estou falando no âmbito geral, no âmbito do Brasil, já que o senhor é um Senador da República. Trazer esses melhores equipamentos para onde as pessoas vão pela primeira vez buscar os seus direitos.
Fora isso, vivemos no Brasil. Aí falo da amplitude em relação à parte de Polícia Judiciária e também à sensação de impunidade que vivemos hoje no Brasil. Temos praticamente quatro instâncias no Poder Judiciário: a primeira instância, a segunda instância, que é o Tribunal de Justiça, o STJ e o STF. Como nós temos uma Constituição muito ampla, várias situações chegam facilmente ao STF. Eu quero dizer que, com isso, há um lapso temporal muito grande, por exemplo, até o trânsito em julgado de uma apuração. Então vai desde o início numa delegacia de polícia, parte investigativa, até, muitas vezes, ao STF.
Só há duas situações - a Senadora e a eminente Procuradora falaram também, com a devida vênia, de algumas situações -: é fato que, no Brasil, há um diminuto índice de resolução de homicídios. E aqui em Pernambuco isso acontecia, no meu entendimento, mais fortemente antes de 2007.
Com relação à resolução de homicídios, primeiro, temos que partir para uma padronização. A resolução de homicídios vai ser pelo ano, vai ser em um ano, vai ser nos inquéritos que foram concluídos naquele ano? E a premissa maior é a seguinte: antes de sabermos a conclusão dos inquéritos, nós temos que instaurar esses inquéritos de homicídio. Eu não vou falar pelo Brasil, mas, em Pernambuco, antes de 2007, nós não sabíamos a quantidade de homicídios que existiam no Estado, porque inúmeros casos de homicídio não eram sequer instaurados. Hoje todos os inquéritos de homicídios no Estado são instaurados.
A Senadora Lídice da Mata falou da questão da legalidade do Pacto pela Vida. Talvez um dos legados do Pacto pela Vida, Senadora, seja efetivamente a certeza de que todos os homicídios no Estado terão inquérito instaurado e que cada vida tem o seu valor. Antes víamos situações de homicídios em que era priorizado demasiadamente tudo aquilo que era trazido pela mídia. É claro que ocorre isso hoje. Existe caso de repercussão hoje em dia, mas hoje cada homicídio é contado, cada homicídio está lá no Pacto pela Vida. Toda semana cada homicídio é monitorado. Os índices de resolução dos homicídios são cobrados. E isso no âmbito maior, no âmbito em que, como o Secretário falou, as polícias estão juntas, Poder Judiciário, Ministério Público e várias secretarias.
Então hoje realmente a resolução de um homicídio - seja da classe média ou da classe média alta, seja de uma pessoa que cometeu um delito - efetivamente vai estar lá na estatística. Ela vai ser cobrada. Alguns, é claro, de uma forma maior, como é o caso de alguns casos de repercussão pela mídia, mas todos estão ali. Todos estão claramente identificados para a instauração.
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Vemos, eminente Procuradora, que, nesse percurso de 2007 para cá, houve um aumento substancial nos índices de resolução dos inquéritos de homicídio, tanto que fez com que a própria central de inquéritos, como a senhora citou, se robustecesse de promotores de justiça para dar conta desses inquéritos. Como eu disse, anteriormente nós só tínhamos uma delegacia de homicídio para todo o Estado. E hoje nós temos 25 no Estado todo e 5 na capital. Isso também fez com que aumentasse não só a quantidade, como a qualidade dos inquéritos.
Só para finalizar, Senadora, para a Secretaria Nacional de Segurança Pública, como uma padronização de que eu falei anteriormente com relação à uniformização da resolubilidade dos inquéritos, nós temos que ter também uma padronização com relação à contagem desses homicídios. Aqui em Pernambuco tudo é contado: homicídio doloso, excludente de ilicitude, tudo é contado. Há Estados no Brasil em que excludente de ilicitude não é computado, há Estados no Brasil que confrontam... Como a senhora falou anteriormente, no Rio de Janeiro, não são computados, excludente de ilicitude não é computado, uma ocorrência de homicídio com cinco vítimas é computada como uma ocorrência.
Então, para fazermos um diagnóstico efetivo do Brasil, nós temos que partir do princípio. Embora pareça básico, o básico a gente não tem hoje. E estou falando de âmbito nacional.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vamos passar agora a palavra... A Promotora quer falar? Pois não, pode falar.
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Ele me perguntou por que o Ministério Público brasileiro - não sei se ele se referiu especificamente a Pernambuco - tem maior protagonismo nos casos de grande repercussão na mídia. Eu diria, Senador, que, de um modo geral, pelo menos aqui em Pernambuco, o Ministério Público de Pernambuco tem tido uma atuação de muita efetividade, de muita eficiência no combate aos crimes. Inclusive, esses crimes que eu citei recentemente, nesse caso da polícia, todos os policiais, aqueles que jogaram os meninos dentro do rio, foram todos eles julgados e condenados. Tivemos recentemente também o caso das torcidas de futebol, aqueles torcedores que jogaram uma pia de banheiro em cima de uma pessoa. Todos foram condenados. Então nós temos tido uma atuação, eu diria, extremamente competente.
Na verdade, existe também uma questão: é que a mídia nacional não dá cobertura ao que ocorre no Nordeste. De um modo geral, só é importante o que ocorre no Sul e no Sudeste, infelizmente. Mas aqui e em outros Estados tem havido isso.
Eu queria também dizer que Pernambuco tem um déficit, atualmente, de 160 promotores no quadro, e, mesmo assim, a atuação tem sido, de uma forma geral, muito eficiente, acumulando promotorias. Às vezes não há um promotor no lugar devido, porque naquela hora da audiência não estava presente. Então há uma deficiência também de quadros. Foi feito concurso recentemente, mas o Procurador-Geral só pôde nomear 10 promotores. Há 160 aguardando nomeação, porque há essa dificuldade financeira no País. Então é todo um contexto.
Para resumir, eu queria sugerir à Comissão - não sei se seria sugestão ou encaminhamento - que esta CPI encaminhasse ao Conselho Nacional do Ministério Público, especificamente no que diz respeito a esta audiência, pedido de informação a respeito de como o brasileiro vem lidando com a questão da morte da juventude, sobretudo da juventude negra. É muito importante essa pergunta, porque é preciso que a instituição esteja bem a par...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós já colocamos.
A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Nós temos aqui, inclusive, Senadora, esse protocolo de intenções que foi assinado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário e Conselho Nacional de Segurança Pública. E esse pacto, é preciso que aconteça na realidade. Eu não sei se V. Exª tem - eu gostaria até de lhe passar - esse documento, mas que ele fosse...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós recebemos oficialmente. Não há problema. Mas o Conselho Nacional já esteve na nossa CPI, depondo e participando das audiências.
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A SRª MARIA BERNADETE FIGUEROA - Mas eu acho que, neste momento seria importante, inclusive para dar resposta ao Senador, que o Conselho Nacional informasse. Tenho aqui um projeto nacional, mas, como ele é do Conselho Nacional do Ministério Público, eu acho que seria importante que o próprio Conselho Nacional fizesse a informação.
E quis dizer que em Pernambuco nós temos um grupo de trabalho de combate ao racismo, Srªs e Srs. Senadores, desde o ano 2002. Esse trabalho tem sido feito de um modo institucional com promotores, servidores e com as outras instituições, em interface com a Polícia Civil e a Polícia Militar. E é por isso que nós temos inclusive avançado na discussão do racismo institucional, que é a grande ferida da Nação Brasileira, das instituições.
Então eu deixo esse apelo para que o racismo institucional esteja sempre presente neste momento, nesta discussão, porque é preciso que a gente mude a cultura trabalhada nas nossas instituições.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada também.
Vamos então passar, finalmente, aos inscritos.
Com a palavra, o Deputado Bispo Ossesio Silva, pelo tempo de três minutos.
O SR. BISPO OSSESIO SILVA - Boa tarde a todos e a todas.
Quero cumprimentar o Sr. Alessandro Carvalho, Secretário de Defesa Social do Estado de Pernambuco; minha amiga Maria Bernadete Figueiroa, Procuradora de Justiça, Coordenadora do GT Racismo do Ministério Público Estadual; Manoel Jerônimo de Melo; Coronel Antonio Francisco Pereira Neto, Comandante-Geral da Polícia Militar de Pernambuco; João Olímpio; Dr. Andrey; Ricardo Oliveira; o Jatobá já foi; Marcelo; Prof. Manoel Moraes; Eleonora Pereira; Senador Humberto Costa, que também teve que se ausentar; Senador José Medeiros, de Mato Grosso; Teresa Leitão, minha companheira e amiga. Lógico, deixei por último aqui a Senadora Lídice da Mata. Eu tive o prazer de morar na terra da Senadora por dez anos, que é a nossa querida Bahia.
Minha gente, eu vou ser breve, brevíssimo. Estamos carregados de informações, muitas informações.
Eu vou trazer uma situação escrita que nós instalamos aqui, da qual a Teresa Leitão faz parte, Edilson Silva, Eduíno Brito e outros, de uma frente parlamentar de combate ao racismo e genocídio. Na ocasião da última CPI que aqui esteve, da Câmara, o Delegado disse que não existe genocídio de jovens negros e pobres do Estado de Pernambuco.
Vou levar menos do que dois minutos.
Na ocasião da instalação, vários aqui presentes estiveram prestigiando, falaram, nós fizemos um pedido, pasmem, que eu acho, na linguagem bem popular, muito blá-blá-blá, muita conversa para pouca execução. Todos nós estamos com fome, o horário está avançado, mas gostaríamos que os senhores tomassem conhecimento deste documento, eminente Secretário, Bernadete. No dia 27 de maio deste ano, fizemos um pedido de informações ao Governo deste Estado. Aqui está, em minhas mãos, o documento que ele me enviou como resposta. Nós estamos tratando exclusivamente do extermínio de jovens, jovens negros e pobres, no Brasil, em Pernambuco
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Olha que coisa interessante! Cumprimentando cordialmente, acuso a recepção do despacho de V. Exª, datado de 28/05/2015, lançado no verso do ofício, tal, tal, tal, subscrito pelo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, Deputado Estadual Guilherme Uchôa, acerca do Requerimento nº 662, de 30 de abril de 2015, de autoria do Deputado Ossesio Silva, referente ao pedido de informação no tocante à solicitação de esclarecimento sobre alguns pontos atinentes à violência contra jovens negros e pobres no Estado de Pernambuco, constantes nos itens 1,2 e 3 do requerimento em questão.
Outrossim, com relação ao item 1, do referido pedido de informações, encaminho para o conhecimento relatório nº tal, tal, tal, datado de 29/05, elaborado pela Gerência de Análise Criminal e de Estatística desta Secretaria, contendo os dados estatísticos da violência contra jovens de 15 a 29 anos, negros, pardos, crimes violentos letais, intencionais em Pernambuco, referente ao período de janeiro de 2004 a abril de 2015 e comparativo dos dados deste Estado com as demais regiões...
(Interrupção do som.)
O SR. BISPO OSSESIO SILVA - ... do Nordeste, no qual é possível perceber que Pernambuco é o único que apresentou redução neste indicador.
Agora, senhores, prestem atenção.
Ademais, no tocante ao item 2, informo que não existe investimento específico por parte desta Secretaria de Defesa Social atinente a programa que vise à diminuição da violência contra jovens negros e pobres do Estado - começa a discriminação, ele foi bem claro - tendo em vista, prestem atenção, que os recursos orçamentários, previstos na Lei Orçamentária Anual são destinados exclusivamente à área de segurança pública, visando combater os crimes violentos letais e passionais e os crimes violentos contra o patrimônio público, objetivando o alcance das metas estabelecidas no primeiro Plano Estadual de Segurança do Estado de Pernambuco, denominado Pacto pela Vida.
Foi uma resposta ao pedido de informações com relação aos jovens negros e pobres que são mortos no Estado de Pernambuco. Essa resposta de que não existe nenhuma política específica. Foi bem clara: Aos jovens pobres e negros do Estado de Pernambuco. Isso quer dizer, então, existe para os jovens brancos.
Então, pessoal, é muita hipocrisia. O Estado mostra que está omisso. Ele é omisso no combate aos crimes que são praticados aos nossos jovens negros e pobres do Estado de Pernambuco. Tem voz potente. É minha revolta e indignação.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO - Mais um minuto para o senhor concluir.
O SR. BISPO OSSESIO SILVA - Agora só tenho um minuto. Esperei três horas. Não tem problema.
Isso mostra outro fato interessante - não vou me estender, a Martinha está aí, - com as mulheres negras, a discriminação começa no ventre, na gestação. Sofrem na hora de terem os seus filhos, porque os médicos forçam que elas tenham um parto vaginal. Não é disponibilizada para elas anestesia suficiente e não se faz a cirurgia de cesariana.
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Se estiver entre uma branca e uma negra, a negra é forçada a ter o parto vaginal e a branca tem o parto por cesariana. A quantidade de anestesia que é aplicada na mulher branca...
(Interrupção do som.)
O SR. BISPO OSSESIO SILVA - Na verdade, nós estamos dentro de uma situação muito mais complicada do que todo esse falatório que nós tivemos aqui. Então, nós precisamos, meu amigo, de ação.
Para encerrar, Sr. Presidente.
Instalamos agora a nossa Frente Parlamentar de combate ao crime de jovens negros e pobres no Estado de Pernambuco e já fomos proibidos de continuar, meu amigo, porque foi baixada uma lei nesta Casa - Teresa Leitão sabe disso. São muitas as frentes parlamentares desta Casa. Elas não poderão mais ser feitas externamente a esta Casa, porque a despesa está muito alta.
Quer dizer, amarraram nossas mãos. Não tem problema. Então, pedimos orientação à Teresa Leitão. Se a Casa guardar dados, farei de próprio recurso, mas vou continuar fazendo a nossa Frente Parlamentar de combate aos crimes de jovens negros no Estado de Pernambuco.
Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com a palavra a Deputada Teresa Leitão, a quem quero agradecer também pela colaboração de convidar todos os Deputados, contribuindo muito com a nossa audiência.
A SRª TERESA LEITÃO - Obrigada Senadora. Eu começo saudando V. Exª. Para nós, mulheres, é muito importante ter mulheres lutadoras nesses espaços da política. Quero saudar a Drª Bernadete, saudar o Senador José Medeiros, saudar o Secretário de Segurança Pública, Dr. Alessandro, e o companheiro, Deputado Ossesio, saudar cada um e cada uma que estão aqui presentes.
O significado desta audiência, desta CPI, aqui no Estado, não se resume a esta audiência, outras ações também foram empreendidas de ontem para hoje.
É muito importante, para nós, mexermos com este tema, que é um tema delicado, difícil, porque ele mexe com a dor e com tentativas de invisibilizar essa dor e de não permitir que essa dor se materialize. Ele mexe em conflitos negados por anos, por décadas, por séculos.
Nós sabemos que não somos uma sociedade harmonizada, do ponto de vista racial. Então, é um significado político importante, de estratégia, de políticas públicas e, sobretudo, de relacionamento social.
Às vezes a gente cobra muita coisa, e se esquece da subjetividade do ser humano e de como ela se materializa em uma sociedade capitalista - como esta em que nós vivemos. Aqui na Alepe estamos empreendendo algumas ações, acho que todas as suas deliberações devem ir condensadas para esta CPI.
Nós tivemos já uma audiência pública, na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, que analisou o quadro do assassinato, do extermínio, do genocídio da juventude negra em nosso Estado.
Tivemos aqui a presença da CPI sobre o Extermínio da Juventude Negra da Câmara Federal. E estamos com uma frente parlamentar constituída, presidida pelo Deputado Ossesio Silva.
Mas acho que essas conclusões... Muito me anima que, apesar da dor, repetindo, que causou a conclusão do relatório da CPI da Câmara, a gente tenha assumido que há um genocídio.
(Soa a campainha.)
A SRª TERESA LEITÃO - Porque existe endereço, perfil e identidade da população jovem que está sendo atingida pela...
(Interrupção do som.)
A SRª TERESA LEITÃO - Não. Com mais um ponto eu concluo.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vamos garantir...
Ele para independentemente da nossa...
A SRª TERESA LEITÃO - Ele para automaticamente. A gente sabe disso. Dá um "mandraquezinho" e retoma.
Só para falar pouco das perspectivas.
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Estamos aqui na Casa, por um acordo de lideranças, querendo analisar o Pacto pela Vida, Dr. Alessandro. Retiramos, inclusive, a proposição unilateral como proposição, mas evidentemente seria colegiada na hora em que fosse aprovada pelo Plenário, de uma nova audiência pública sobre o Pacto pela Vida, que inegavelmente é uma política criativa, inovadora, importante, mas que está visivelmente esgotada precisando, sim, de uma releitura, precisando de uma reavaliação. E isso, por acordo de Lideranças da oposição e da situação, da Base Governista, será feito.
Mas eu quero adiantar...
(Interrupção do som.)
A SRª TERESA LEITÃO - ... relacionados a isso. Primeiro, a política de bônus de desempenho. Nós temos, Senadora Lídice, duas políticas de bônus de desempenho aqui no Estado. O Bônus de Desempenho Educacional, para a área da educação, que inspirou o bônus de desempenho de segurança. Mas o diálogo é terrível, porque ganha BDE na educação a escola que alcançar os índices positivos de educação, Idepe, Saepe, esses todos que mensuram. É uma coisa questionável por nós da área, mas está lá e existe.
Ganham bônus de desempenho de segurança os policiais que mais prenderem infratores ou presumidos infratores. É isso que está, nós aprovamos isso aqui. Isso é lei, aprovada pela Casa. Eu acho que se tem que estabelecer um novo nível de diálogo entre esses dois...
(Interrupção do som.)
A SRª TERESA LEITÃO - ... que acrescentam valores ao salário e, portanto, são perseguidos como meta porque é o período em que se pode ter um acréscimo salarial.
O outro ponto é sobre as investigações, em que não vou me deter muito porque aqui já foram bastante levantados. E o terceiro é sobre os autos de resistência. Eu fiz também um pedido de informação sobre os autos de resistência. A resposta me foi absolutamente incompleta, tanto do ponto de vista da quantidade de jovens negros presos por esses autos, que me foi dado um número de três na região metropolitana, quanto pelos outros dados subjetivamente apresentados.
Mas essa é uma discussão nacional, até porque há um projeto de lei propondo o fim dos autos de resistência, que não se desengaveta. Rapidamente se desengavetou o projeto da redução da maioridade penal e esse não se desengaveta.
E, finalmente, eu acho que temos que ter um fio condutor naquilo que...
(Interrupção do som.)
A SRª TERESA LEITÃO - ... como intersetorialidade, que é uma das características do Pacto pela Vida. O Secretário Isaltino elencou algumas, eu sei que existem outras, mas é necessário haver um fio condutor para essa intersetorialidade.
A afirmação de direitos, a defesa e promoção de direitos, a educação, o Plano Nacional de Educação em direitos humanos, o Plano Nacional de Educação que tenha um eixo robusto sobre a inclusão porque, relembrando aqui o Desembargador Luiz Carlos, que disse que não viu nada de Pátria Educadora até agora, nós precisamos pontuar melhor esse conceito de Pátria Educadora, para não pensarmos que Pátria Educadora é uma pátria simplesmente letrada e escolarizada.
Não é, não é apenas uma pátria letrada e escolarizada, embora isso também seja direito de todo cidadão...
(Interrupção do som.)
A SRª TERESA LEITÃO - ... uma pátria humanizada. É, sobretudo, uma pátria com respeito, uma pátria sem intolerância de qualquer tipo, de qualquer nível, de qualquer manifestação. Uma pátria com cidadania. E uma pátria que extermina jovens, negros, meninos da periferia precisa se rever muito nesse contexto.
Parabéns, Senadora. Eu acho que a CPI vai conseguir, sim, elucidar alguns gargalos, ter perspectivas de solução, de superação de algumas alternativas porque, como bem disse V. Exª, enquanto estivermos fazendo disso um problema menor, de dizer "não" quando a gente não gosta da pergunta que é feita, de dizer que não é comigo porque não é um Parlamentar da minha base que levanta certa questão, de dizer que isso é joguinho quando a gente...
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(Interrupção do som.)
A SRª TERESA LEITÃO - ... que não são do Governo, são do Estado, que deve ser promotor e defensor de todos os direitos, sobretudo do direito à vida.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Chegamos... Muito obrigada, querida Deputada.
Quero apenas dar conhecimento de que, ontem, nós votamos no Senado Federal um projeto de lei que, justamente, foi relatado pelo Senador Humberto Costa e ele acaba com o auto de resistência.
Nós vamos enfrentar agora uma parte delicada da audiência. Por quê? Porque nós já estamos praticamente às 2 horas da tarde, 13h52, e temos um grande número de inscritos. Então, a nossa posição vai ter que ser um pouco mais rígida no controle de tempo, que será de três minutos para cada um. Ouviremos os inscritos, mas vamos ter que ter esse controle. Está certo?
Dentro das observações, quero lembrar que nós estamos em uma audiência pública do Senado Federal, que veio ao Estado ouvir. Em geral, em uma audiência do Senado, não se ouve o público, a participação não é do público, é dos convidados inquiridos pelos Senadores. Mas aqui, justamente porque estamos no Estado, e veja que a lista de convidados para serem ouvidos no Estado é uma lista grande, foi de doze pessoas. No Senado, geralmente, ela seria de quatro ou cinco, no máximo. Aqui foi de doze, justamente para ouvirmos a voz local.
Ao passarmos agora à abertura de inscritos, nós vamos abrir, digamos assim, rompendo um conceito, abrir para o público em geral e daremos três minutos para podermos fazer isso. Por quê? Porque, da mesma forma que o Senador Humberto Costa tem uma viagem agora, os outros Senadores estarão em viagem de volta para Brasília ou para o seu Estado. O Senador vai para o Mato Grosso, eu vou para a Bahia e todos estamos com horário de avião.
Então, vamos passar a palavra, por três minutos, para Fernando Bezerra, representante da Instituição Ação Coletiva de Pernambuco. Está presente? Pois não. Eu aviso logo o próximo, para ficar aqui mais perto, que é o Sr. José de Oliveira, representante do Movimento Negro Unificado.
O SR. FERNANDO BEZERRA - Boa tarde, todos e todas. Boa tarde, Senadora. Em nome da Senadora, saúdo todas as mulheres. Em nome do Senador, eu saúdo todos os homens.
Essa discussão do extermínio da juventude é bem ampla e, de acordo com o mapa que foi apresentado aqui, deu para perceber que ela vai aumentando em cada região. E foi-se vendo que, nos Estados do Nordeste, a faixa vai ficando gorda. Ela vai ficando mais espessa porque isso é uma consequência de toda uma história que a gente construiu dentro das nossas leis.
Qual foram as leis que existiram para a nossa infância e a nossa juventude? Código de Menores. Então, sempre se observou do viés punitivo. A gente teve aqui várias pessoas que expuseram, vários convidados, muitos convidados, principalmente da área repressiva. E aí, não se convocou o representante do Estado que trabalha a área preventiva.
Então, a gente sentiu a falta desse representante. Mas a gente quer também salientar que isso é uma construção da própria história. A gente foi construído e tudo foi anterior e exterior a nós, e isso a gente absorve dentro da sociedade.
Então, cada um tem esse compromisso de fazer esse papel. Eu sou professor, eu estou dando aula - sou de História - e sei que tenho que falar sobre a política afirmativa, mesmo tendo um aluno que não concorda com aquele tipo de política e com aquela ação. Mas você tem que cumprir a sua meta.
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(Soa a campainha.)
O SR. FERNANDO BEZERRA - Eu quero saudar, mais uma vez, a Comissão - o tempo é limitado, mas eu ainda tenho um pouquinho - e falar, sim, do compromisso que cada um tem. Eu acho que a gente precisa saudar, com uma salva de palmas, aqueles resistentes que permanecem até aqui... (Palmas.)
... neste período, esticando, enfim, num processo fatigante. Mas é engrandecedor, não é?
Realmente, nossa juventude passa por esse processo de extermínio. A gente tem vários atores e em alguns dos momentos a vítima também é o agressor porque, às vezes, ele está do outro lado do revólver. Então, esse trabalho é da questão da prevenção, de construir formas e mecanismos com que a gente garanta a cidadania de fato para o indivíduo, para o cidadão.
A gente tem uma cidadania muito jovem. E por conta de não saber lidar com essa cidadania tão nova para a gente é que a gente está se deparando com esses contextos históricos, que, na verdade, chegam a ser até certas repetições de alguns contextos, como eu estou lendo ali em 1808 em que ele fala sobre um processo de tortura, onde você passava por vários tipos de castigos. Enfim, onde as mulheres eram rotuladas como prostitutas só por conta de um traje.
Então, tudo isso é uma construção da nossa sociedade. A nossa sociedade e nós temos isso dentro das nossas raízes. Nós temos um pouco disso. E o que nos faz evoluir e tentar sermos melhores é justamente esse policiamento, esse autopoliciamento. E é isso o que a gente está fazendo aqui. A gente está se...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FERNANDO BEZERRA - Essa cidadania, é tão recente, a gente está tentando lidar com ela e ainda não consegue.
Obrigado e boa tarde a todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Obrigada, Fernando, pela colaboração.
José de Oliveira, representante do Movimento Negro Unificado. (Palmas.)
O próximo, para ficar mais perto, é o Sr. Anderson Venâncio, representante da juventude do Movimento dos Povos Tradicionais. (Palmas.)
O SR. JOSÉ DE OLIVEIRA - Boa tarde a todos e a todas.
Eu concordo com o companheiro que me antecedeu, resistente.
Quero me dirigir ao Plenário na pessoa da minha coordenadora do Movimento Negro Unificado, a companheira Martinha; à Mesa, na pessoa da Presidente Lídice da Mata; ao companheiro Humberto, que teve que se ausentar; ao Deputado Ossesio; à Drª Bernardete; à companheira, Presidenta do PT e Deputada, Teresa Leitão.
E começo, porque em cada audiência que aqui venho, eu fico estarrecido em ouvir o Poder institucional - não digo generalizando todos - ter postura e conteúdo racista. Eu não sei até quando vamos suportar e financiar pessoas com essas posturas.
Dito isso, eu convoco, para poder dialogar conosco, a fala do negro professor e doutor - já que o espaço pede que a gente implemente essa ação porque fora dele o tratamento é de militante - que é Kabengele. Que disse o seguinte, companheiros e companheiras: "O racismo é um crime perfeito no Brasil porque quem o comete acha que a culpa está na própria vítima."
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Dito isso, eu entro no conteúdo da audiência, que ela traz o seguinte: Eu quero, neste momento, ratificar as falas que aqui foram feitas pelo Ministério Público, na pessoa da Bernadete, do Centro Dom Helder Câmara e do Gajop e o MNU se soma a essas falas, ratifica essas falas e traz nessas observações a necessidade de fazermos valer, de uma vez por todas, algumas propostas que aqui nós vamos apresentar em nome do MNU.
Primeiro, eu acho que a gente tem que ter a coragem no Brasil de ter a decisão de resolver definitivamente as causas, não os efeitos. Fazer com que as causas sejam resolvidas e não vamos colocar panos mornos nos efeitos. Dizer também que é preciso extirparmos comportamento racista com visão egocêntrica para podermos, de fato, fazer valer os nossos direitos.
Precisamos também... E aí, Comandante da Polícia Militar, dialogando com V. Exª, digo o seguinte: Eu acho que o senhor e a pessoa da Capitã Lúcia Helena, que aqui foi citada pelo senhor, hoje Major, que está fora aposentada, que também foi uma grande companheira, que era capitã na época, que fizeram valer a ação.
(Soa a campainha.)
O SR. JOSÉ DE OLIVEIRA - E eu lembro que o MNU contribuiu na primeira formação com cota racial na Polícia Militar e eu acho que isso precisa avançar e avançar muito mais. Para isso, Comandante, a exemplo de alguns aliados, temos no senhor essa figura de aliado, por ser negro e ter esse compromisso de mudar a cultura da polícia. E aí, eu acho que o Senado tem que fazer valer a necessidade de desmilitarizar as Polícias Militares para podermos, sim, ter uma polícia humanizada, dialogando com a periferia, porque aqui quem fala é um negro de periferia. Eu sei quem eu sou e de onde eu vim. Se assim é cobrado, eu também tenho formação, eu sou pós-graduado em Administração, mas eu sinto na pele o que é discriminação.
(Interrupção do som.)
O SR. JOSÉ DE OLIVEIRA - Por ser um negro de periferia. (Fora do microfone.)
E eu acho que é hora de nós mudarmos o conceito desta Casa, que é racista. Eu sei, porque no primeiro mandato que aqui nós tivemos nas pessoas de Humberto e João Paulo, o quanto foram discriminados. Eu sei, Sérgio, o quanto você é discriminado aqui por ser negro, não por ser Deputado.
Então, é chegado o momento de também fazermos valer, Senadora e Presidente desta Comissão, precisamos colocar em prática a Lei nº 10.639. E dentro da lei destacarmos, de uma vez por todas, dialogando, educação, esporte e empreendedorismo, porque os nossos jovens negros na periferia não querem ser bandidos, eles querem um lugar ao sol, como muitos brancos têm. Então, não é hora de a gente aqui empurrar com a barriga o que a gente tem que resolver.
Para isso, Senadora, eu apelo a esta Comissão que essa política do Plano Nacional de Educação passe realmente a valer como uma política de Estado, aí, sim, a gente vai resolver de fato, de fato, essa necessidade de que o jovem negro possa ascender também na sociedade.
E, concluindo, sei que tomei tempo e falo realmente com emoção, é assim que eu posso proceder. Digo que, se, na verdade, aqui ouvi de alguma instituição que não há racismo, eu acho que o Sérgio, Teresa, Edilson, fizeram uma grande ação que é criar a Frente Parlamentar de Combate ao Extermínio a Juventude Negra. E nós vamos provar que este Estado é racista. Por ser racista, nós vamos mudar o conceito, porque, se depender do movimento, nós negros vamos ter o nosso lugar ao sol, pelo exemplo - e nós não abrimos mão - que foi dado por Zumbi e Dandara. Nós não vamos abrir mão. Queremos o nosso lugar e vamos conquistar, queiram ou não queiram os racistas. (Palmas.)
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com a palavra, Vanderson Ferreira, representante do Movimento dos Povos Tradicionais das Cidades. (Palmas.)
Eu vou sugerir apenas o seguinte. Vocês controlam o tempo ali. Se puderem economizar na saudação, já ganham tempo.
O SR. VANDERSON FERREIRA - Certo. Mas eu queria iniciar aqui pedindo a benção à Mãe Elza e ao Pai Ivon, representando toda a minha ancestralidade negra, afro, indígena e de candomblé.
Eu queria saudar o companheiro Anderson Venâncio, da Juventude Nacional do MPTC. Eu queria saudar o meu líder, José de Oliveira, e a minha líder, Marta Almeida. Eu queria saudar Malu Aquino Camará, Conselheira de Igualdade Racial do Estado de Pernambuco. Eu aqui queria saudar o Bispo Ossesio e a companheira Teresa Leitão, em nome de todos e todas.
Eu começo saudando assim, porque quando vimos aqui ouvir a sociedade, temos que ouvir a sociedade de verdade. Estamos aqui dentro da Assembleia Legislativa enquanto jovens negros estão morrendo pela mão da polícia. E aí eu vou dizer um único exemplo. Comunidade de Peixinho, cidade de Olinda, comunidade do Giriquiti. Um jovem negro, ao meio-dia, estava jogando bola à beira do canal quando chegam os policiais da Rocam armados. Todo mundo corre, e o jovem também. O policial mira e atira nas suas costas, e aí o jovem cai dentro do canal. O policial vê o jovem descendo e subindo. Quando o jovem sobe, ele leva mais um tiro na cabeça e afunda. Isso passou na televisão ao meio-dia, todo mundo viu, foi filmado por pessoas que estavam do outro lado do canal. E ninguém até hoje fala ou diz alguma coisa sobre isso.
Aí vemos o caso do menino que foi assassinado, na cidade de Escada, pela polícia. Foi investigado, já acharam lá e acusaram. E o policial não vai poder ser preso, porque já recebeu um cargo a mais. Ele disse também que foi por legítima defesa, não sei o que, deu a justificativa dele.
Eu fico pensando quando a Delegada Gleide Ângela disse que o policial não pode atirar, só em legítima defesa. Mas quando vocês chegam a minha comunidade e me chamam de neguinho - "Bota a mão na cabeça, neguinho" -, eu quero ser chamado por Vanderson Ferreira, pelo meu nome, porque eu fui registrado como Vanderson Ferreira. (Palmas.)
Muitas vezes, vocês já chegam atirando. Vocês invadem o meu barraco, invadem a minha casa. Então, eu pergunto aqui para vocês que fazem a política deste Estado: Que Pacto pela Vida é este? Pacto pela Vida de quem, se quando falamos que se escolas estiverem funcionando vamos ter menos violência? Nós temos escola funcionando aqui ao lado, e várias crianças ainda dormem nas ruas do Recife. Aqui ao lado da Assembleia Legislativa, aqui no final, crianças não têm casa, não têm escola, não têm moradia, não têm o que comer. Aqui em Pernambuco, nas ruas do Recife.
Então, eu fico a pensar de que forma nós vamos combater tudo isso. Dinheiro há. Foram R$300 mil para a parada militar de Sete de Setembro aqui em Recife. Dinheiro há, só falta a vontade.
Muito obrigado. Boa tarde. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Como eu disse antes, vai falar agora Henrique Lima, representante da Juventude do PT. (Pausa.)
Não está presente. Então, fala agora Anderson Venâncio, representante da Juventude do Movimento dos Povos Tradicionais. (Palmas.)
A SRª ANDERSON VENÂNCIO - Boa tarde a todos.
Mukuiu. Motumbá. Kolofé. Benção. Iya Segun, minha mãe, sua benção. A companheira Martinha, o Zé. Eu sou seu fã, ouviu, Zé. É muito difícil ter uma fala depois da fala de Zé de Oliveira e de Vanderson, não é?
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Eu sistematizei a minha fala escrita já para economizar o tempo e não desperdiçá-lo em uma coisa só.
Diante de todas as falas, faz-se desnecessário o levantamento numérico e estatístico do extermínio da juventude negra em nosso Estado e no Brasil.
O extermínio da juventude negra também perpassa pela intolerância religiosa dentro de espaços públicos e privados, provocando também evasão nas escolas, quando os nossos jovens estão de preceito, porque temos que ir de branco, temos certas limitações e somos discriminados dentro da escola.
O que nós precisamos é refletir por que se mata. Não consegui conceber dados sobre o ódio religioso que se estabelece em nosso Estado e que também mata.
Fundamentalistas fortemente armados nos perseguem, alguns deles inclusive denominam-se gladiadores. É necessário que as audiências e CPIs retratem por que se matam religiosos e religiosas, jovens negros e negras.
Nós temos estas respostas. Eles estão ao nosso redor. Ou seja, somos nós juventude de terreiro que morremos, porque queremos apenas ter o direito inviolável de nossa fé, de professar o nosso culto.
Nosso Estado laico corre um grande risco quando está sendo discutido um projeto de lei chamado Estatuto da Liberdade Religiosa. A sociedade está sendo ouvida? Quem pode escrever sobre o que é o sagrado? Esse estatuto contempla a diversidade religiosa brasileira, ou ele tem uma inclinação específica?
Queremos que se cumpra a laicidade em nosso Estado, inclusive que ela puna quem a descumpra, pois só assim garantiremos que o nosso povo não morra. É muito importante, companheiros Deputados, ouvir as entidades e os órgãos aqui apresentados. Porém, é mais louvável ainda ouvir quem morre ou vê os seus morrerem.
Axé. Boa tarde a todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Anderson, por sua contribuição.
Com a palavra, Humberto de Jesus, Secretário de Recursos Humanos de Olinda. (Pausa.)
Foi embora?
Flávio Campos, da Juventude Socialista.
O SR. FLÁVIO CAMPOS - Eu prometo que serei breve.
Boa tarde a todos e todas. Eu saúdo a Mesa na pessoa da brilhante Senadora e companheira Lídice da Mata. Saúdo a todos e todas aqui presentes.
Atualmente, estamos em guerra. Mas essa guerra não é contra uma nação ou contra um grupo social específico. A guerra oficial que vivenciamos hoje é a guerra contra as drogas. Mas não existe guerra contra seres inanimados. Essa guerra é uma guerra contra os pobres. Ela é uma guerra contra as pessoas que usam drogas. Mas quem morre nessa guerra, Coronel Antônio Pereira Neto, quem morre nessa guerra, amigo Luiz Andrey, são os policiais. Quem morre nessa guerra é o usuário de drogas que não pode pagar a sua dívida, como bem lembrou o Senador José Medeiros. Ele não pode pagar a dívida, e nós achamos que ele pode morrer.
No jornal, está lá escrito: esse sujeito tem envolvimento com drogas, como se isso justificasse a morte dele. Nós sabemos que no Brasil o cara que deve à Insinuante ou que deve a qualquer magazine desses, que está com nome no SPC, não vai nem preso. Por que condenamos esse jovem?
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA. Fora do microfone.) - Graças a Deus!
O SR. FLÁVIO CAMPOS - É, graças, a Deus, mas a gente condena essa jovem à morte, porque deve ao tráfico, e a gente acha isso justificável?
Estamos vivendo hoje uma guerra real contra as pessoas que usam drogas e principalmente os pobres, porque, como bem frisou o companheiro aqui do Movimento dos Povos Tradicionais, o pobre tem a sua casa invadida pela polícia, sob a justificativa da guerra às drogas. Quero ver invadir casa em Boa Viagem, eu quero ver prender o dono do "helipóptero", que foi preso lá no Espírito Santo. Esses daí que precisam ser presos.
Para acabar com o tráfico, minha gente, esse sim mata de verdade, mata todos os dias, só há um jeito, tirar o dinheiro dele, e para tirar o dinheiro dele você tem que legalizar todas as drogas. Para legalizar as drogas, precisamos ter a coragem, como o Uruguai, como os Estados Unidos, que foi o baluarte da guerra às drogas, está fazendo. O Colorado conseguiu, só no primeiro ano de legalização da maconha, construir cinco escolas com os impostos advindos da legalização da maconha. Pasmem, não aumentou a criminalidade no Colorado, muito pelo contrário, diminuímos a criminalidade.
Quando se legaliza, a gente põe lei, a gente põe o Estado para observar aquilo e tira das mãos da bandidagem, a gente consegue fazer, por exemplo... Se eu quiser comprar um antibiótico hoje, que é uma droga, tenho que ir ao médico, tenho que conseguir a receita.
Já hoje, se eu quiser comprar uma pedra de crack, se eu sair daqui e andar 500m com dinheiro nas mãos, independentemente de eu ser maior ou menor, preto, pobre, independentemente do que for, eu consigo comprar essa pedra de crack. E aí eu tenho que olhar e dizer: "Não, está proibido e não existe." Como assim não existe? Há um bocado de gente morrendo.
Hoje estamos vivendo no Supremo o debate da descriminalização do porte de drogas. Peço as Srªs e os Srs. Senadores aqui observem o voto do Ministro Barroso, para poder orientar e nortear a política pública sobre drogas no nosso País, que tem matado, sim, milhares de jovens todos os dias, nas ruas do nosso País.
Esse é um debate que temos que fazer. A questão racial tem que ser levada em consideração, sim, mas o recorte da políticas de drogas... Hoje a política de drogas do nosso País é responsável pela maior parte da drogas dos jovens na nossa sociedade. É preciso fazer o enfrentamento ... (Falha na gravação.)
O SR. FLÁVIO CAMPOS - .... das drogas. Temos que fazer debates sérios, com especialistas, com dados concretos, acabar com mitos que existem relacionados a isso, porque podemos, sim, legalizar a droga e dificultar o acesso.
Agradeço aqui à Senadora Lídice e ao Senador José Medeiros. Acho que temos que levar esse debate... Esta CPI tem que apontar o caminho da legalização das drogas neste País.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Amigos, essa foi a última inscrição, porque a outra pessoa inscrita ... Já havia encerrado, se o senhor quiser se inscrever, abro essa exceção para a sua fala e encerramos em função do tempo. Todos vamos viajar. Prefiro sistematizar a reunião para podermos encerrá-la. Essa será a última pessoa a falar. Vamos encerrar depois.
O SR. IVON CARLOS - Boa tarde a todos e todas. Sou Ivon Carlos, babalorixá, sou Ivon de Iansã. Mãe Elza, sua benção aos meus ancestrais.
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A polícia não é bandida, a polícia não tem armamento, a polícia hoje ganha um salário de miséria, uma pouca-vergonha, enquanto muitos ganham tanto a polícia não ganha nada. Nossos professores ganham uma miséria. Acho que está faltando educação para nossos jovens e emprego. Moro próximo da Ilha de Maruí, os meninos saem da cadeia e dizem: "Pai Ivon, pelo amor de Deus, arruma um emprego?" Não há emprego de jeito nenhum para eles. Não existem cursos. Esse Pronatec é mentira, marcaram lá um Pronatec, levei o menino e cadê que houve? Não há de jeito nenhum, é uma farsa. Na real mesmo, não acontece.
A polícia amiga, maravilhosa. Passava policial lá em frente da minha casa: "Ô, Pai Ivon..." não sei o que lá, estava lá a cachorrada, não sei o que lá, chegava, resolvia. Agora, lógico, segunda-feira, quando a gente está tomando a cervejinha lá na praia com os comerciantes, chegam uns: bota a mão na cabeça, dá uma "porrada", acontece. Realmente acontece. Agora, polícia também não é bandida, não é?
A Terça Negra, sinto muita falta da polícia na Terça Negra. Só há droga, droga, droga, droga. Nossos jovens estão lá se drogando e não há policiamento. Por quê? Porque eles são proibidos até de entrar na Terça Negra e ninguém vê isso. Dentro da polícia temos pessoas maravilhosas: Dª Lúcia Helena, Regina, Heloã, Luana, pessoas maravilhosas. Essa intenção de morte sabem de onde vêm? Dos presídios, de dentro dos presídios, onde estão as festas, onde há as cachaças, onde entram as drogas. Não sei como entram drogas dentro de presídio. Outra coisa, vemos as festas no Face. Dentro do presídio altas festas, altas festas. Não sei como acontecem.
Educação, baixos salários. Deixa eu ver o que mais.
E como está a saúde mental dos policiais? Como está a saúde mental dos policiais? Como está? A pessoa, para guardar um banco, sei lá, como se diz, de dois em dois anos faz reciclagem para ver se está gordo, a obesidade, isso e aquele outro. Enquanto Vereadores, Deputados, Senadores ganham uma fortuna, o povo não tem emprego, o povo não tem educação, a polícia ganha uma porcaria. Todos eles saem das suas casas, arriscando as suas vidas. Sabemos que existem policiais bons...
(Interrupção do som.)
O SR. IVON CARLOS (Fora do microfone.) - (Ininteligível.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Exatamente.
O SR. IVON CARLOS (Fora do microfone.) - (Ininteligível.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Lídice.
O SR. IVON CARLOS (Fora do microfone.) - (Ininteligível.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sem dúvida, sem dúvida. (Palmas.)
Quero agradecer a participação do senhor que falou por último. Dizer o seguinte, meus companheiros, creio que o nosso objetivo aqui foi cumprido. Ouvimos as instituições, as autoridades, ouvimos organizações não governamentais, o próprio requerimento do Senador Humberto já contemplava essas organizações. Vamos levar tudo isso, que foi gravado. O Relator, que não pôde estar aqui hoje, vai ter acesso a essa documentação.
Acho que há algo importante que precisamos incorporar à nossa luta do Movimento Negro e de outras instituições, porque estamos num País democrático e há muito pouco tempo se tornou democrático. Levamos muitos anos de ditadura militar. Somos um País jovem também do ponto de vista da história do Brasil.
O que estamos fazendo agora, com esta CPI, além da discussão do racismo, da pobreza, do racismo institucional, de negros, de indígenas, de populações vulnerabilizadas - falou-se aqui na população LGBT -, estamos discutindo a posição do Estado brasileiro ante essas populações vulnerabilizadas. Estamos discutindo as polícias, o sistema de segurança do Brasil e estamos fazendo isso num ambiente em que antigamente só se discutia entre os próprios muros da polícia, do sistema de segurança, seja Polícia Civil, seja Polícia Federal, Polícia Militar. Hoje nós estamos discutindo tudo isso levando a sociedade a debater essas instituições. E temos que nos abrir obviamente às mudanças que virão, ou não, da própria sociedade, analisando o nosso desempenho.
Então eu acho que o momento da CPI é para justamente recolher essas contribuições e apresentá-las num momento seguinte, sob forma de contribuição legislativa ou sob forma de contribuições à política pública do Estado brasileiro, mas, de qualquer maneira, é um esforço do Senado Federal, do Parlamento brasileiro, para chegar até a sociedade, recolher as suas angústias e levar de volta para o Senado Federal.
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Eu ouvi aqui também muita reclamação sobre a composição do Parlamento brasileiro. Talvez esta seja a única reclamação que a gente não possa fazer, porque o cidadão é responsável pelo Congresso que ele escolhe. Nós estamos buscando transformar, através da reforma política, mas, mesmo sem reforma, é o nosso voto, a nossa capacidade de denunciar e a nossa capacidade de convencer que podem mudar o Congresso Nacional. Eu, como sou uma política já, digamos assim, antiga - tenho 30 anos de participação institucional, fui Vereadora, fui Deputada Estadual duas vezes, fui Deputada Constituinte, fui Deputada federal agora e hoje sou Senadora -, eu cresci, digamos assim, na política, ouvindo esse discurso da nossa própria crítica política aos políticos e ao Congresso Nacional, o que, na minha sensação, vai piorando a cada momento. Então, nós precisamos entender, cada dia mais, a nossa posição de cidadãos e de interferir, como cidadãos, para que essa realidade, para que a sociedade produzida pelo Senado e pela Câmara, em leis, possa estar mais próxima da nossa vida e da nossa pauta.
Eu quero registrar que, apesar de compreender as críticas que aqui foram feitas através de perguntas, de sugestões, ou de críticas diretas ao Pacto pela Vida, eu não posso deixar de registrar que é um dos poucos lugares aonde podemos chegar para estar discutindo um legado de uma política pública já implantada. Com pontos positivos ou com pontos negativos, essa política pública é uma política pública que foi, sem dúvida nenhuma, absolutamente de vanguarda no Brasil. E agora há pontos positivos e negativos a serem analisados.
Pela nossa experiência de contato com outros Estados, há muitos, mas a maioria dos Estados brasileiros sequer chegou a discutir a implantação de uma política pública que busque a integração das diversas ações de governo, que busque a compreensão de que política de segurança não é apenas uma política reservada à ação de repressão, mas é também e principalmente uma política de prevenção.
Então, eu não tenho medo de afirmar que, o que vocês têm aqui, em Pernambuco, com todos os defeitos que há, é muito adiante do que a maioria dos Estados brasileiros têm. Infelizmente. Eu poderia dizer infelizmente. E falo como Senadora da Bahia, que participa de um governo, que contribui com esse governo, mas não tenho dúvida também de que temos grandes falhas na nossa política de segurança, porque não é da responsabilidade do comandante da Polícia Militar, ou do delegado da Polícia Civil, aquilo que é uma política de Estado, herdada, que é uma herança da cultura de segurança da Nação. É claro que as corregedorias existem para que nós possamos punir aqueles que saem da linha, mas o que nós precisamos mudar é a cultura de segurança pública do Estado brasileiro, e não apenas de um delegado, ou de um policial militar. É impossível modificar isso se nós não fizermos a revisão do Estado.
Como é que um policial negro mata um jovem negro? Ele mata o jovem negro porque há uma política e há uma definição territorial de que naquele território há bandido. E aquela população, que está naquele território, em princípio é suspeita. E é por isso que ele pode atirar num jovem negro, mesmo ele sendo negro. Então, se há um negro correndo e um branco correndo, ele vai atirar no negro correndo, porque ele foi levado - e aí é que entra o racismo institucional - a crer nisso, mesmo ele sendo negro e não sendo bandido; sendo policial.
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Então, é muito mais profundo do que a gente apenas culpar o policial negro, ou apenas culpar a polícia. A nossa própria investigação está sob discussão: há um extermínio, ou há um genocídio da população negra? Os movimentos negros nos cobram isso, e nós estamos a debater tecnicamente essa questão, para concluir depois.
Então, eu quero agradecer a colaboração de todos vocês e dizer, principalmente aos nossos movimentos, que eu tenho certeza de que nós estamos num patamar muito mais avançado do que estávamos 20 anos atrás e, certamente, menos avançado do que estaremos daqui a dois, três anos, com as experiências que nós já acumulamos hoje.
Muito obrigada.
Declaro encerrada esta audiência.
(Iniciada às 9 horas e 28 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas e 34 minutos.)