08/10/2015 - 36ª - Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Havendo número regimental, declaro aberta a 36ª Reunião Ordinária da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
Antes de iniciarmos os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior. As Srªs Senadoras e os Srs. Senadores que aprovam, permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Comunico o recebimento de convite do Comando da Marinha para uma visita oficial ao Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), a ser realizada nos dias 15 e 16 de outubro, em Itaguaí, Rio de Janeiro. Este convite é extensivo aos membros desta Comissão e aos interessados.
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Comunico também que se encontra aberto o prazo de apresentação de emendas ao PLN 7, de 2015, Congresso Nacional, nesta Comissão, até o dia 9, podendo ser entregues na Secretaria até às 18 horas, e a deliberação das mesmas ocorrerá no dia 15 de outubro, na próxima reunião.
A presente reunião tem a finalidade de discutir a situação atual da indústria de defesa brasileira e os projetos estratégicos do setor de defesa brasileiro, em atendimento ao Requerimento nº 68, de 2015, CRE, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, e ao Requerimento nº 9, de 2015, CRE, de autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira.
Para participar desta reunião, convido, para que tome assento à Mesa, o Sr. Ministro Nelson Jobim e convido - se o Senador Ferraço já terminou a entrevista, que ele pudesse acompanhar o Ministro - o Senador Ferraço, que pudesse trazer o Ministro até a Mesa.
Essa audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Informo ao Sr. Ministro Nelson Jobim que vou conceder a palavra pelo tempo de 30 minutos, mas, se precisar de mais, poderá ser prorrogado. E em seguida abriremos a fase de interpelações pelas Srªs Senadoras e pelos Srs. Senadores.
Concedemos a palavra ao Sr. Ministro Nelson Jobim, para as suas considerações iniciais.
O SR. NELSON JOBIM - Sr. Presidente, Srs. Senadores, senhoras e senhores, agradeço o convite que me foi feito para tratar desse tema de indústria de defesa, mas vocês hão de convir que eu estou, digamos, afastado do tema desde que deixei o Ministério da Defesa. Então, farei um relato inicial introdutório sobre como nós resolvemos tratar o assunto quando assumimos o Ministério da Defesa em 2007.
Ocorre que, depois de termos enfrentado aquele problema do chamado caos aéreo, nós resolvemos entrar na análise e revisão completa do sistema das Forças. Encontramos em relação à indústria de defesa, ou melhor, em relação às necessidades das Forças de aparelhos, de instrumentos, veículos, armamentos, etc., uma política de compras de oportunidade.
Considerando as restrições orçamentárias existentes e considerando uma série de circunstâncias políticas à época, os militares passaram a fazer compras de sobras, ou seja, compras que eles chamavam de compras de oportunidade. Eram ofertas de determinados utensílios e determinados veículos que estavam, digamos, descartados de determinadas Forças, mas tinham condições de sobrevivência, e as Forças acabavam comprando.
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O grande, o primeiro problema que nós enfrentamos em relação ao problema de defesa é que a nossa geração, nós, principalmente aqueles que conviveram com o regime militar e com o período do regime de 1964, tínhamos, no nosso imaginário, depois da reconstitucionalização, um preconceito, e esse preconceito se dava da seguinte forma: temas de defesa e segurança eram sempre entendidos, subjetivamente percebidos como temas vinculados à repressão política. Ou seja, a nossa geração - estou me referindo àquela geração que fez a Constituição de 1988 e que caminhou na transição -, a nossa geração identificava defesa e segurança com repressão política; portanto, não queria tratar do assunto. Nós não tínhamos nenhum especialista ou alguém que pudesse se dedicar a esse tipo de tema.
E essa situação não atingia só a classe política, atingia também a academia, porque a academia brasileira, os eventuais acadêmicos brasileiros, que eram uma minoria expressiva, que eventualmente resolviam tratar de assuntos de defesa e segurança, eram desprezados pelos acadêmicos, ou seja, eram colocados de lado, não eram respeitáveis, no sentido corporativo, do grupo de academia.
Com isso nós tínhamos uma enorme dificuldade de distinguir dois temas fundamentais, que eram a defesa e a segurança pública. Não havia que se confundir, mas nós confundíamos, as pessoas confundiam, exatamente porque para as pessoas, tudo isso representava a repressão política.
E com isso, desde o início do processo de reconstitucionalização, ou seja, do processo pós-transição, a questão militar era deixada de lado. Observem bem: não era deixada de lado porque queríamos abandonar a questão militar; era deixada de lado porque não tínhamos nenhuma ciência do que se passava lá e também não tínhamos gosto de tratar desse assunto, porque tratar desse assunto era tratar de repressão política. Isso prejudicou enormemente.
Foi no governo Fernando Henrique que nós começamos a discutir - e eu era Ministro da Justiça à época -, começamos a discutir o problema da criação do Ministério da Defesa. E na criação do Ministério da Defesa, havia uma dificuldade política que tinha que ser examinada com atenção. Observem: desde a República, contou sempre o gabinete presidencial, ou seja, o colégio de Ministros, com militares ou ministro da guerra, que era a expressão à época, que comandava todos, e depois, com o regime militar, surgiram os Ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E nós tínhamos, naquele momento, três ministros militares, de cada Força, e observem bem: eram ministros militares e também comandantes das Forças. Não existia a figura atual, de comando da Força; existia, sim, o chefe do estado-maior de cada uma das Forças. Além disso, você tinha o chefe da Casa Militar, e você tinha ainda o chefe do Estado Maior, do EMFA, o Estado-Maior das Forças Armadas. Eram cinco ministros militares, ou cinco militares graduados, de quatro estrelas, que participavam do governo, como Ministros do governo.
E qual era a leitura que se fazia? Você tinha então quatro ou cinco militares, vamos nos restringir aos três, os três ministros militares, Exército, Marinha e Aeronáutica, como membros do governo, representando o governo junto às Forças e comandando as Forças em nome do governo. Ora, no momento em que começamos a discutir a criação do Ministério da Defesa, nós tínhamos uma dificuldade, porque esses ministros militares deixariam de participar do gabinete militar e continuariam a ser comandantes das Forças, ou seja, perderiam a categoria de ministros e passariam a ser comandantes das Forças. E aí surgiu uma pergunta política à época, que era vital: nós teríamos o quê? Nós teríamos os comandantes das Forças como representantes das Forças junto ao governo. Essa era a dificuldade política que se fez.
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O Ministério da Defesa foi instituído, foi criado inicialmente pelo Fernando Henrique, o primeiro ministro da defesa foi o Senador pelo Espírito Santo. Nós tivemos, digamos, uma não ocupação do Ministério da Defesa em relação com as Forças. E você sabe muito bem que, em matéria política e em matéria administrativa, se os espaços estão abertos, são ocupados. E os militares continuaram ocupando seus espaços mesmo porque os civis não queriam tratar do assunto. Não havia nenhuma predisposição do Congresso ou mesmo do Ministério de tratar do assunto. Era visto sempre como uma coisa de desconfiança.
Quando nós entramos no Ministério da Defesa, tinha passado o Governo Lula... Porque o Ministro da Defesa do Fernando Henrique foi o Élcio, primeiro, e, depois, o que era Chefe da AGU, Quintão. O Quintão substituiu o Élcio, pois o Élcio saiu, teve lá um problema qualquer. Aí o Quintão assumiu e o Quintão ficou até o final.
Ao final, o primeiro Ministro da Defesa do Governo Lula foi um embaixador. Eu faço uma observação - hoje eu posso dizer isso -: não é conveniente que uma burocracia do Estado passe a gerir a outra burocracia do Estado. Não funciona. Não funciona. Ou seja, não é bom, tendo em vista as injunções que isso representa e mesmo porque um embaixador, exercendo uma função dessa natureza, para comandar um Ministério, para comandar um Ministério vinculado a outra categoria profissional, cria dificuldades. Há uma espécie de resistência a esse tipo de comando.
Bem, quando nós começamos então aquela revisão global das Forças, surgiu o seguinte problema: eu observei que, primeiro, nós não tínhamos nenhuma absorção de tecnologia. Ou seja, nós tínhamos decidido, naquela chamada Estratégia Nacional de Defesa, que foi elaborada com o trabalho extraordinário feito pelo então Ministro Mangabeira Unber, que me ajudou muito na elaboração disso e fez um trabalho extraordinário em relação a essas funções.
Nós tínhamos fixado três situações: monitoramento e controle, mobilidade e presença. Por quê? Porque era impossível você ter Forças Armadas sediadas em todos os pontos estratégicos do País tendo em vista a extensão territorial. Logo, as diretrizes foram três: o controle do território, a capacidade de mobilidade das Forças e a presença. Ora, isso tudo fez com que nós tivéssemos a necessidade de pensarmos na tecnologia de domínio dessas situações. Nós não tínhamos, naquele momento, a tecnologia brasileira e as escolas militares brasileiras, que são extraordinárias, tinham imensa dificuldade do controle de tecnologias de instrumentos de defesa. Por quê? Porque nós comprávamos aparelhos prontos e trazíamos para o Brasil, mas não tínhamos um offset, que é a linguagem que eles usam, ou não tínhamos a transferência de tecnologia de forma a poder desenvolver essa tecnologia no Brasil.
O exemplo mais agudo foram os submarinos que nós compramos dos alemães. Quando tinha que fazer a recuperação da parte sensível do submarino, vinham técnicos alemães para o Brasil, entravam no submarino, eram excluídos os técnicos brasileiros, e só a reparação era feita exclusivamente pelos técnicos alemães. Ou seja, para nós não conhecermos as tecnologias relativas a isso. Ora, com essa situação nós então resolvemos, no Ministério da Defesa, alterar substancialmente esse critério. Ou seja, deixamos de pensar em compras de oportunidade para fazer parcerias estratégicas com determinados países e comprarmos - e era necessário comprá-lo -, mas sob a condição de transferência de tecnologia.
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O País que mais foi receptivo a essa pretensão foi a França. Ou seja, no Governo Sarcozy, houve um tratado entre o Brasil, gerenciado pelo Ministério da Defesa e pelo Ministério das Relações Exteriores, houve um acerto do Brasil com a França de uma parceria estratégica, viabilizada principalmente pela liderança do Presidente Lula e pela liderança do Presidente Sarcozy. Era curioso, muito curioso. O governo francês tem aquela coisa do Presidente da República e do Primeiro-Ministro. A área do Primeiro-Ministro não era favorável à transferência de tecnologia. O Presidente Sarkozy era favorável à transferência de tecnologia. E havia um personagem importante nisso, que era o Amiral Guillaud. Amiral Guillaud era o Chefe do Estado-Maior pessoal do Presidente da República, que corresponde mais ou menos ao que nós tínhamos aqui na chefia da Casa Militar, e que ajudou muito nessas negociações do submarino nuclear. Ou seja, nós então fizemos o grande acordo com a França, de compra de submarinos Scorpène, com transferência de tecnologia e construção no Brasil, e isso está se desenvolvendo, está inclusive em fase terminal da parte do estaleiro, que está sendo construído em Itaguaí, no Rio de Janeiro, de forma tal que nós pudéssemos trazer essa tecnologia através de absorção da tecnologia pelas empresas de tecnologia brasileira.
A observação que eu fiz no Ministério da Defesa, logo no início, foi que nós tínhamos pequenas empresas que eram - digamos - resultados de técnicos, engenheiros, formados pelas escolas militares, formados pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), formados pela Escola Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro, que é um grande centro de matemática, e também pelo grupo da marinha, que era mais dedicado à questão nuclear. Essas pequenas empresas dependiam, batiam à porta do Ministério da Defesa, para pedir que comprassem alguma coisa para conseguir se manter. Então, você ficava comprando um radar aqui, uma coisa lá, ou seja, você não tinha uma musculatura econômica e comercial dessas empresas. Os técnicos eram extraordinários, mas de mercado não entendiam nada, e dependiam dessa coisa de comprar aqui, comprar ali, etc. Aí nós começamos um movimento junto ao empresariado brasileiro, às grandes empresas brasileiras que tinham capacidade de gestão e de investimento, para a criação de uma estrutura de defesa. Essa estrutura de defesa foi dada, primeiro, pelo compromisso do Governo brasileiro de que essas aquisições estrangeiras seriam sempre para agregação de tecnologia. É claro que aqui há uma questão de custos. Tínhamos que fazer uma opção política. A compra de oportunidades, seguramente, era mais barata. Mas a cauda que a compra de oportunidades nos trazia era a total dependência da tecnologia estrangeira. A compra com o compromisso da transferência de tecnologia e construção nacional tem um preço agregado, porque você não está comprando somente o objeto, a coisa; está comprando a coisa e a forma de saber fazer a coisa, e também de fazê-la no Brasil, que é o que se passa com o acordo com os submarinos. Foi isso exatamente o que nós desenvolvemos. Para quê? Para atender a essas três diretrizes necessárias da defesa brasileira: monitoramento e controle, mobilidade e presença. Isso importava no quê? Importava em você ter grandes investimentos no que diz respeito ao monitoramento do território, e aí desenvolvemos uma série de projetos, entre eles o Sisfron, que era do Exército, o chamado SisGAAz, da Marinha, que fazia o levantamento do território brasileiro e assegurava, com esse levantamento, a possibilidade de controle do território e a identificação dos pontos nodais do território.
Outro ponto fundamental também era que, considerando a tradição histórica brasileira, as Forças Armadas brasileiras se situavam na zona do litoral, ao passo que era necessário você criar um mecanismo de locação das Forças em pontos estratégicos do País que pudessem viabilizar o seu deslocamento. E aí começamos, então, a discutir, por exemplo, problemas da Amazônia, discutir as vertentes existentes no Brasil, que são a vertente amazônica e a vertente platina, que são as duas grandes vertentes, e a questão do litoral. Tudo isso foi trabalhado, sempre na perspectiva integrada, ou seja, desenvolvia-se uma base industrial de defesa pela obtenção de tecnologia, com a seguinte característica: toda a defesa, toda a indústria de defesa é dual, ou seja, tem uma destinação militar e tem também uma destinação civil, de forma a desenvolver essa tecnologia.
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Começamos a discutir a criação de pontos. Agora, por exemplo, nessa linha de política daquela época, vai ser inaugurada, lá no Rio Grande do Sul, uma fábrica da KMW, que é uma empresa de produção de blindados alemães, sediada em Munique, e que, considerando as negociações que fizemos à época, acaba... Inclusive, recebi um convite para abertura, para a instalação, para a solenidade de inauguração dessa fábrica.
Tudo isso levava em conta que pudéssemos ter acesso ao mercado sul-americano, ou seja, ser um ponto de acesso ao mercado sul-americano de indústria de defesa e, ao mesmo tempo, fazer investimentos do Estado para a grande tecnologia, porque, observem bem, o desenvolvimento tecnológico de ponta é um risco, e esse risco tem de ser corrido pelo Estado. É um risco no sentido dos resultados.
O setor privado investe em pesquisa tecnológica, em desenvolvimento tecnológico, se e somente se tiver um universo mais ou menos curto, considerando-se o próprio investimento da empresa, de retorno daquele investimento. Ou seja, não se entra na pesquisa pura, no sentido de buscar algumas soluções, que é o que fazem os Estados Unidos.
Os Estados Unidos têm um enorme investimento em pesquisa na área militar, que depois se transfere para a civil, com os resultados para o desenvolvimento tecnológico.
E temos de lembrar que era necessário o investimento do Estado nessa área de alta tecnologia. E foi o que nós pretendemos desenvolver.
Obtivemos algum resultado, conseguimos mudar um pouco a concepção dessa temática. Conseguiu-se, também, resultado, através de uma ação política desenvolvida pelo Ministério da Defesa com o auxílio do Congresso, quando se criou aqui uma frente parlamentar de defesa, para que pudéssemos ter uma política que conduzisse com clareza ao desenvolvimento dessa tecnologia.
O obstáculo que tínhamos - aí vem uma coisa curiosa -, o obstáculo que tínhamos - volto a repetir - era aquele problema da identificação da defesa com a segurança.
Nós conseguimos examinar essa distinção com aquela figura que está na Constituição brasileira, da GLO, Garantira da Lei e da Ordem, segundo a qual se poderiam utilizar as Forças Armadas para ações específicas de segurança - ações específicas de segurança que viessem a ser exigidas pelos Estados federados, necessitadas pelos Estados federados.
Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com a ocupação feita pelas Forças Armadas das favelas do Alemão, etc., etc.
Agora, havia um problema - um problema em cuja solução depois o Congresso ajudou muito.
Quando eu estava no Ministério da Justiça do Governo Fernando Henrique, logo que assumimos, em 1995, os senhores se lembram de que o Presidente Itamar, no ano anterior, em 1994, havia determinado a ocupação de umas favelas do Rio de Janeiro pelo Exército.
Quando assumi o Ministério da Defesa, minha função inicial era desfazer aquela ocupação, que já tinha se esgotado, etc. E o que restou daquilo foi uma série de processos criminais movidos contra os soldados que operaram nos morros e processos criminais que eram examinados por juízes civis, pela Justiça comum estadual.
Por quê? Porque, na operação feita pelos militares, havia a entrada em casas, a abertura de... enfim, arrombamentos, etc., etc., e isso não obedecia às regras estabelecidas pelo policiamento civil.
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Quando o Governador Sérgio Cabral pretendeu que nós fizéssemos que o Estado, que as Forças Armadas interviessem na questão do Alemão, em reunião no Rio de Janeiro, eu disse ao Governador Sérgio Cabral que faríamos a operação, mas com uma condição: que o poder civil assumisse a responsabilidade dos atos que seriam desenvolvidos pelos militares no cumprimento da sua tarefa. Ocorre que os militares têm uma coisa chamada regras de engajamento. As regras de engajamento são uma espécie de um livro onde há regras: se acontecer isso, pode fazer aquilo; ou seja, é aquilo que você está autorizando o soldado, o sargento e o tenente, na execução da operação, a praticar, quais são os atos que são praticáveis por ele.
Tradicionalmente, essa regra de engajamento era feita pelo comandante da Força. Então, eu disse ao governador que essa regra de engajamento teria que ser assinada pelo governo do Estado e pelo ministro da Defesa, porque você assumia, transferia, para nós que tínhamos decidido a operação, o tipo de ações que poderiam ser desenvolvidas pelos militares, e aquelas ações desenvolvidas pelos militares não poderiam ser consideradas como ilícitas, e, se o fossem, os responsáveis seríamos nós, porque senão você não tinha condições de fazer.
Você pensa que um sargento vai colocar o seu soldado a praticar um ato, sabendo que aquilo virará um processo criminal contra ele? Não vai! Não vai! E se ele sabe que aquela autorização foi feita pelos militares, não vai fazer. E nós assumimos isso. Criou-se como uma regra, e repetiu-se, por exemplo, no Rio de Janeiro, com o fato novo em relação às eleições.
O Tribunal Regional Eleitoral do Rio havia pedido forças para garantir a campanha eleitoral. Você sabe que, tradicionalmente, as Forças Armadas participam do dia da eleição para segurarmos as zonas conturbadas etc., mas o Tribunal queria que fosse assegurada a campanha eleitoral, porque, no Rio de Janeiro, para subir o morro, tinha que ter licença do dono do morro, ou seja, do traficante. O Tribunal resolveu pedir para as Forças Armadas que assegurassem a campanha eleitoral e não a realização do dia da eleição, requisitou isso para as Forças Armadas, ou seja, trabalho de três, quatro meses anteriores. O Presidente do tribunal eleitoral era o Ministro Carlos Ayres Britto. Eu fui ao Ministro e disse: "Tudo bem, vamos fazer, mas o Tribunal tem que aprovar as regras de engajamento". Ele disse: "O que é isso?" "O seu book. Se vocês querem que o nosso soldado, o Exército suba o morro para garantir a campanha eleitoral dos candidatos a Deputado Federal, estadual, prefeito etc., têm que dizer quais são as ações que os soldados poderão fazer e quais são as reações que eles poderão desenvolver". Foi uma coisa meio inédita. O Ministro Britto entendeu o problema e o Tribunal acabou aprovando as regras de engajamento, de forma tal que pudéssemos ter uma penetração civil na ação militar.
Isso fazia parte de uma estratégia de transformar, ou seja, de conseguir fazer a submissão militar a comando do governo civil democrático. Conseguimos, e, observem bem, sem nenhuma objeção dos militares. Não houve nenhuma reação dos militares. E a conclusão que cheguei é que tínhamos falhado no sentido de nunca termos tomado essas decisões e de afirmamos uma coisa que não tínhamos feito. Nós dizíamos: "Não, eles não querem ser comandados" ou "Eles não querem ser geridos por civis". Não era verdade! Os civis é que não queriam geri-los. E, para ocultar a covardia civil de não fazer esse comando, acabavam atribuindo a eles uma obstrução, e não era verdade, tanto é que se conseguiu fazer isso com a maior tranquilidade.
No que diz respeito a esse tema de indústria e defesa, conseguimos, àquela época, criar essas corporações. As empresas maiores começaram a criar setores de defesa para, digamos, levar capital e musculatura comercial a essas pequenas empresas. Houve um processo. Participei muito de reuniões com as grandes empresas para mostrar o que estávamos querendo fazer. Realmente houve: a Embraer criou a Embraer Defesa; a Synergy criou Synergy Defesa; a Odebrecht tinha um setor de defesa; a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez tinham o setor de defesa. Dentro desse conjunto, se viabilizou um real desenvolvimento - e vamos deixar claro que isso não é uma coisa de curto prazo, é uma coisa de longo prazo, ou seja, temos que ter a perspectiva de que isso é algo de longo prazo. Não podemos ter, digamos, soluços, no sentido de que há paralisações de investimentos, em determinado período, pura e simplesmente decididos de forma autoritária, porque, nesse caso, não haveria investimento, não haveria possibilidade de desenvolver.
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Quando negociamos com os franceses a questão dos helicópteros, uma das coisas fundamentais era assegurar que a Helibras, uma empresa francesa com capital brasileiro e francês em Itajubá, em Minas Gerais, pudesse ter o controle do mercado sul-americano. Ou seja, tínhamos uma negociação de que os helicópteros produzidos no Brasil, o mercado sul-americano dos helicópteros da Eads seria reservado à empresa brasileira, como também o mercado africano.
Tudo isso levou também a um desenvolvimento daquele Conselho de Segurança Sul-Americano, que tinha exatamente esse sentido de criar uma expertise sul-americana em relação ao desenvolvimento da indústria e da defesa. Nós mudamos, inclusive, a linguagem, porque sempre se falava em indústria de guerra, e era uma questão semântica importante, porque mostrava que não tínhamos pretensões nenhuma de ocupação, mas tínhamos importância de demonstração de possibilidade de segurança interna do País, em termos de defesa. Ou seja, o princípio era dissuasório, e essa dissuasão se dava pela demonstração, para os demais países, de que tínhamos condições de mobilidade e presença dentro no território nacional, não obstante não tivéssemos um número suficiente de pessoas para todo o território nacional.
Daí porque também apoiamos enormemente o desenvolvimento do projeto do KC-390, que é um veículo de transporte desenvolvido pela Embraer, que agora já está na fase final. Era importante porque nesse ano, começou agora em 2015, começou a morte, a finalização, o fim de vida dos Hércules. Não existe nada para ocupar o lugar dos Hércules, que será ocupado pelo KC-390. Há 700 Hércules no mundo que vão desaparecer. Então, existe um mercado possível para entrar um avião de dez ou doze toneladas, como é o KC-390, com uma característica de pistas curtas. O projeto vinculava a necessidade da Amazônia, ou seja, das pistas que circundam aquilo que nós - e isso é um mea-culpa - quando nós, no período constituinte, aqueles que viveram aquele momento lembram que, quando o governo Sarney lançou o Projeto Calha Norte, as críticas feitas, e fiz discursos radicais contra o Projeto Calha Norte, que era um projeto do governo Sarney, sempre naquela concepção oriunda da identificação de defesa, de segurança com repressão política. Nós não pensávamos que o Projeto Calha Norte fosse um projeto para segurança do País, achávamos que era um projeto para assegurar a repressão política, por causa daquela identificação a que me referi no início. E deu origem hoje aos grandes postos de fronteira no País, que são locações de militares em toda a fronteira brasileira.
Felizmente, como Ministro da Defesa, tive a oportunidade de circular em toda a fronteira do Brasil, desde o Amapá até o Chuí, durante os quatro anos que tive no Ministério. Visitei todos os destacamentos, todos os pelotões de fronteira, para estimular essa área de ocupação do território nacional, principalmente, para demonstração, na Amazônia, de que qualquer pretensão internacional de ocupação da Amazônia teria que ter a reação dos chamados batalhões de selva. E isso funcionou. Funcionou porque, quando você olha a Amazônia, um território imenso, pensa que tem que ser ocupado. Não, na Amazônia, o que é fundamental são os controles dos rios de acesso, ou seja, são os rios de penetração, que vêm da Venezuela, da Colômbia, do Peru e formam a Bacia Amazônica.
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Ou seja, entrar na Amazônia ou circular na Floresta Amazônica é absolutamente impossível se não for pelos rios. A Amazônia não é aquilo que vemos no cinema, com aves voando, etc., etc. Eu tive oportunidade de entrar nessas matas todas, e lá temos 40º de calor, 100% de umidade e mosquitos para todos os gostos. E você não consegue circular porque aquilo tudo é úmido. Em alguns momentos, o coturno fica completamente tomado, e você ficar colado no chão.
Ou seja, a política e a estratégia dos pelotões de fronteira era colocar os pelotões de fronteira num dos rios entrantes, onde se viabilizava a proteção do Território Nacional.
O que aconteceu na década de 90? Quando as Farc colombianas tentaram entrar pela cabeça do cachorro, junto a Iauaretê, que é um posto de fronteira existente naquela região... Aliás, algo que eu posso sugerir aos Srs. Deputados e Senadores é que viabilizem uma visita junto com o Exército e com a Aeronáutica, para conhecerem esses pelotões e conhecerem a realidade efetiva.
Eu tive uma preocupação, inclusive, à época, e levei à Amazônia o rei da Suécia, para eles verem, porque a Suécia fazia investimentos para o problema indígena...
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE. Fora do microfone.) - Você queria sacanear o rei.
O SR. NELSON JOBIM - Não, não. Ele foi lá e gostou. Adorou! As coisas são montadas para se adorar. (Risos.)
E realmente o rei da Suécia ficou três dias viajando pela Amazônia, com a família, com a mulher, para mostrar que a Amazônia não era aquilo que se dizia nos Estados e nos países nórdicos da Europa, ou seja, para dizer que o Brasil estava preocupado em manter a Amazônia, mas com uma coisa - e isso era o discurso que nós fazíamos, inclusive fiz isso na ONU e no Parlamento europeu: o Brasil vai cuidar da Amazônia para o Brasil e para o mundo, mas quem vai cuidar somos nós, não eles. Isso porque a pretensão era de que, sendo a Amazônia o pulmão do mundo, teria que ser cuidada pelo mundo. E eu disse: "Não mesmo; quem vai cuidar da Amazônia somos nós - para vocês e para nós. Agora, vocês não vão fazer nada disso".
E o pior é o seguinte: o discurso de não soberania da Amazônia vinha da esquerda europeia. A direita europeia não fazia discurso algum de ocupação da Amazônia. O primeiro discurso contra a soberania da Amazônia brasileira foi feito pelo Mitterrand, do Partido Socialista francês. Todo discurso, digamos, vinculado a essa situação vinha da esquerda europeia; não vinha da direita europeia; a direita europeia não queria saber do assunto, isso não lhe dizia respeito. E tudo era mascarado com problemas de meio ambiente, aquela coisa que se faz com um discurso de agendas que não são populares.
Eu vou dizer uma coisa que talvez os senhores não gostem, mas o fato é o seguinte: nós temos certas agendas hoje que se discutem no Brasil que eu me pergunto se são agendas realmente do povo. São agendas legítimas, corretas, mas não podemos dizer que sejam agendas do povo. Os senhores acham que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma agenda popular? É legítima a discussão, mas é agenda popular? Estão na discussão da vida no País os direitos de gays, etc., etc.? São agendas legítimas, mas não podemos dizer que isso é uma agenda do País. É agenda do País ou é agenda de setores do País? É difícil dizermos isso porque é politicamente incorreto afirmar essas coisas, mas, se nós não tivermos coragem de ver as coisas como elas são, nós vamos continuar nos enganando a nós mesmos.
Eu não tenho muita coisa a dizer sobre a indústria de defesa. Só aquilo que pretendíamos fazer naquele momento em que tivemos a grande oportunidade de aprender muita coisa com os militares. Eu não entendia absolutamente nada desse assunto. Dediquei-me muito ao tema, tive um convívio extraordinário com os militares e reconheço algo fundamental, que é a estrutura dos militares em relação àquilo que é hierarquia, que é disciplina, mas que se soma a alguma coisa a mais: a solidariedade, que se dá exatamente pelo exercício da hierarquia e da disciplina, junto com a ordenação dos funcionamentos e o compromisso que têm com o País.
Ou seja, não pensem que as Forças Armadas poderão hoje ser utilizadas para quaisquer fins que não os fins constitucionais do País.
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Curiosamente, poucos dizem, mas devo dizer aos senhores, encerrando, que devemos a despolitização do Exército e das Forças Armadas ao General Castelo Branco. Alguém diz: não pode. E foi. Até o governo Castelo, até 1967, havia a possibilidade de um general ficar 20 anos no generalato. Houve exemplos de grandes generais, Cordeiro de Farias é o exemplo mais histórico, 27 anos como general. Quando Castelo assumiu, conta o Presidente Sarney que ele queria dizer o seguinte: precisamos derrubar os generais chineses. "Generais chineses" significava aqueles generais que eram donos do Exército.
E o que fez Castelo? Estabeleceu três regras fundamentais. Uma de natureza política e outra de carreira. A de natureza de carreira era o seguinte, o generalato, ou seja, general de brigada, duas estrelas, general de divisão, três estrelas, general de Exército, quatro estrelas, o oficial que ia galgar centrar-se no generalato não poderia lá permanecer mais do que 12 anos. Havia uma expulsória de 12 anos. Com isso, acabava com as lideranças militares, que poderiam criar guetos pelo fato de ficarem 20 ou 30 anos no exercício do generalato.
Segunda regra importante, o Alto Comando de cada uma das Forças, ou seja, os oficiais de quatro estrelas que compõem o Alto Comando das Forças, este Alto Comando tem que ser renovado 25% a cada ano. Com isso, há duas regras de não permanência de oficiais. E a segunda regra política criada por Castelo foi a participação dos militares na atividade político-partidária.
No Brasil, tínhamos, e aí eu faço uma observação aos senhores que estão votando esta matéria dentro da reforma política que veio da Câmara, até o governo Castelo, um oficial das Forças Armadas que resolvesse ter uma atividade política podia se filiar ao partido político, concorria na convenção partidária, era escolhido como candidato, elegia-se, começava a exercer o mandato, exercia um mandato, dois mandatos, três mandatos. Na quarta tentativa, não se elegia, e ele voltava para o exercício da Força. Ora, que ele iria fazer na Força? Ia se legitimar para tentar voltar à atividade política, ia trazer a política para dentro do quartel. O que fez o general Castelo? Alterou a legislação, a Constituição de 67 e estabeleceu que os militares que entrassem, no momento em que fossem diplomados, eram afastados da Força e não poderiam mais retornar. Com isso, não impediu que o cidadão militar viesse a participar da atividade política, mas impediu que o cidadão militar que participasse da atividade política voltasse para ser cidadão militar pela incompatibilidade das duas funções.
Os senhores cuidem, porque na reforma que veio da Câmara, essa regra de Castelo foi derrubada, ou seja, pelo que está posto, vão voltar para a Força. Estamos retornando a antes de 1967, no momento em que se permite que um oficial, e, vejam bem, às polícias militares se aplica a mesma coisa, volte à Força depois de não reeleito. Hoje, o tradicional, o instituído por Castelo era, se diplomado, salta fora.
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Oposição/DEM - GO) - Esta matéria, exatamente como V. Exª está dizendo, está na PEC que veio da Câmara dos Deputados e diz respeito à janela como tempo de financiamento de campanha, inclui esse artigo...
O SR. NELSON JOBIM - Está escondido.
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Oposição/DEM - GO) - ...especificamente dizendo que conta como tempo e que poderá retornar à mesma condição.
O SR. NELSON JOBIM - Vejam, conta como tempo de serviço militar e retorna para a Força. Vai dar confusão de novo! Vamos voltar para 1967, antes disso! Seria bom que os senhores pensassem nisso. Não cabia a mim discutir esse tema agora, mas me achei no dever de chamar a atenção.
Sr. Presidente, muito obrigado.
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O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES. Fora do microfone.) - Sr. Presidente...
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS. Fora do microfone.) - Sr. Presidente...
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE. Fora do microfone.) - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Concluída essa primeira fase da exposição do ex-Ministro Nelson Jobim, nós vamos passar a palavra às Srªs e aos Srs. Senadores inscritos, mas, antes, eu gostaria de fazer algumas perguntas, que o Ministro poderia responder em bloco na hora em que as Srªs e os Srs. Senadores fizerem suas indagações.
Primeira pergunta: enquanto era Ministro da Defesa, como V. Sª percebeu os projetos estratégicos da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Aeronáutica, em termos de atenção governamental dada a esses setores? O que era prioritário para o Ministério da Defesa em termos de projetos estratégicos de cada Força? Como V. Sª analisa atualmente a situação desses projetos?
Segunda: existe hierarquia em termos de prioridades para o Ministério da Defesa? Como se dá a coordenação desses projetos? Há complementariedade entre eles e compatibilidade dos sistemas?
Terceira: a cada ano, os recursos destinados à defesa vêm sofrendo cortes; como V. Sª analisa a relação desses cortes com a manutenção dos projetos estratégicos?
Por último, o Ministério da Defesa está adquirindo 36 caças, participando ativamente do desenvolvimento das aeronaves, com transferência de tecnologia; V. Sª acha esse projeto importante para o País? Faço essa pergunta tendo em vista que, quando V. Sª passou pelo ministério, esse projeto estava bastante avançado.
Eram esses os questionamentos.
Vamos ouvir agora o Senador Ricardo Ferraço, para fazer também suas considerações, e depois o Ministro responderá a todas elas.
Já estão inscritos também, pela ordem de chegada, o Senador Ronaldo Caiado, a Senadora Ana Amélia e o Senador Tasso Jereissati.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srªs e Srs. Senadores, permitam-me fazer um cumprimento muito especial ao nosso estimado e respeitado Constituinte Nelson Jobim, ex-Ministro da Justiça, ex-Ministro da Defesa, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal. É sempre um prazer e uma alegria tê-lo aqui na casa de V. Exª, que é também o Congresso brasileiro.
Antes de entrarmos no tema da defesa, eu gostaria de aproveitar a oportunidade porque esse é um tema que tem sido muito debatido aqui, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, e que está relacionado com as preocupações da escalada do autoritarismo e do déficit de democracia e liberdade de expressão na América do Sul, inclusive com a negligência e a omissão do Governo brasileiro. Por que digo isso? Porque, para mim, foi uma ótima surpresa quando li que V. Sª tinha sido indicado pela Presidente da República, ou pelo Governo brasileiro, não sei bem como, para ser observador eleitoral na Venezuela. E, ao longo desse tempo recente, nós temos debatido muito aqui a escalada da violência em todos os sentidos, não apenas na Venezuela, mas sobretudo na Venezuela, em função das distorções que nós observamos naquele país.
Como é essa delegação que foi dada a V. Sª? V. Sª terá a liberdade e autonomia para agir plenamente, para funcionar como olhos do Estado brasileiro, da sociedade brasileira? Digo isso até porque é um processo eleitoral carregado de incertezas, na medida em que a Venezuela não está admitindo observador de qualquer parte; políticos importantes não puderam e não podem disputar eleições na Venezuela, como é o caso da ex-Deputada Maria Corina Machado, que nós recebemos aqui, nesta Comissão, assim como Antonio Ledezma, assim como Leopoldo López, que tiveram seus mandatos cassados violentamente. Salta aos olhos, inclusive, um último artigo do prêmio Nobel de Literatura, Dom Mario Vargas Llosa, que afirma que a destruição da democracia venezuelana só foi possível porque os governos dos principais países da América Latina, como o Brasil e a Argentina, não apenas fecharam os olhos para a escalada autoritária do chavismo, como também consideraram aquele regime totalmente legítimo e democrático.
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Eu gostaria que V. Exª pudesse nos falar um pouco sobre isso, a despeito de não ser o tema objeto da vinda de V. Exª aqui na Comissão, mas é que, conhecendo V. Exª e sua história, a nossa expectativa é grande de que a presença de V. Exª, em nome do Estado brasileiro, possa ter essa dimensão que todos nós esperamos. Que, pela via democrática, pela via do voto, de eleições limpas, a Venezuela possa resolver o seu futuro e possa se reencontrar com a democracia.
Então, eu gostaria que V. Exª fizesse uma abordagem sobre essa delegação que recebeu do Estado brasileiro, da Presidenta da República. Como é que se dá? Dá-se no âmbito do Estado brasileiro? Dá-se no âmbito da Unasul? Que V. Exª pudesse compartilhar um pouco com a Comissão de Relações Exteriores esse tema que é muito caro a esta Comissão e evidentemente ao Senado da República.
O Senador Aloysio Nunes Ferreira, na condição de Presidente desta Comissão, juntamente com nosso estimado Senador Valdir Raupp, me designaram, Sr. Ministro Nelson Jobim, Relator de uma avaliação que esta Comissão fará em 2015, que está relacionada à política nacional de defesa, à estratégia nacional de defesa, ao livro branco, e até por força da Lei Complementar nº 136, de 2010, que determina que, em 2016, todas essas políticas terão de ser revisitadas pelo Poder Executivo.
E a Comissão de Defesa, portanto, se antecipa. Nós estamos este ano estudando, com mais e maior profundidade, no seu menor nível de detalhe, a conjuntura e o estado da arte, de tudo o que está relacionado a esse extraordinário programa e projeto. E me permita de viva voz fazer um elogio a V. Exª. V. Exª para mim não foi apenas o Ministro, foi o melhor Ministro da Defesa que o nosso País teve ao longo desses anos, desses poucos anos em que o nosso Ministro era ainda um jovem. E V. Exª, aqui na sua apresentação, deu o largo fundamento conceitual que levou o Presidente Fernando Henrique Cardoso e V. Exª, à época, como Ministro da Justiça, a conceberem, de maneira adequada, contemporânea, a consolidação do Ministério da Defesa em absoluto compartilhamento com as nossas Forças. Foi, de fato, um avanço, a meu juízo, extraordinário, e V. Exª deixou um legado muito robusto através dessas políticas.
Ocorre que nós estamos vivendo um colapso dessas políticas que V. Exª deixou como legado, por conta desse stop and go disso que V. Exª chamou de soluço. O que nós estamos vivendo é muito mais que um soluço; é um gargalo e um colapso.
Nós recebemos, aqui, na Comissão de Defesa, o comandante do Exército, o General Eduardo Villas Bôas, gaúcho como V. Exª - não sei se é colorado como V. Exª -, e fizemos aqui um debate muito profundo sobre essa questão. E a afirmação do General Villas Bôas vale mais do que qualquer dissertação quando ele afirma que a conjuntura da base industrial de defesa está retroagindo no tempo, regredindo no tempo, em, pelo menos, 40 anos, porque tudo aquilo que foi estruturado com rigor, com critério, com planejamento está se perdendo. Está se perdendo por conta da desorganização do Estado brasileiro, por conta de tudo o que nós estamos vivendo em torno da pouca capacidade de investimento do Estado brasileiro e da falta de prioridades em relação àquilo que vamos ou que não vamos fazer para que as iniciativas não se percam.
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Ontem, no Valor Econômico, a Mectron, que é uma das mais importantes empresas dessas que V. Sª falou que foi articulada, anuncia que está buscando comprador para 40% do seu capital e a Mectron não é uma startup, é uma empresa de grande porte, porque é da CNO, empresa contratada e parceira da Saab para o fornecimento dos Gripen NG que o Estado brasileiro, que a Aeronáutica, enfim, estão adquirindo na visão que V. Sª disse aqui de não apenas irmos à prateleira e comprarmos aquele equipamento, mas de todo envolvimento de transferência de tecnologia e inovação que acontece com os submarinos à propulsão nuclear, que é também uma outra extraordinária aliança que fizemos com a França, com a DGA, com a DCNS. Enfim, tudo isso está se perdendo. Eu queria ouvir de V. Sª qual é o sentimento depois de tanto trabalho, depois de tanto esforço, de tanta concentração.
Há o caso, inclusive, que o Senador Jorge Viana conhece muito mais do que eu, porque foi presidente da Helibras. Esse é um programa extraordinário porque, na verdade, em vez de irmos lá comprarmos os helicópteros, como se fez tradicionalmente, fizemos uma aliança com uma companhia para aquisição de 50 equipamentos do H-XBR, trouxemos a indústria para cá. A indústria cumpriu todos os compromissos que assumiu com o Estado brasileiro, inaugurou há poucos dias, inclusive, um simulador que é o único da América Latina para formação de profissionais. Conseguimos uma coisa histórica, que foi fazer as três Forças comprarem o mesmo equipamento, num esforço extraordinário de integração e esse programa está se perdendo. Neste momento o Governo brasileiro deve a essa companhia - a Helibras -, uma companhia da Helicopters, uma brasileira em Itajubá, mais de R$1,4 bilhão.
Eu poderia falar aqui do Sisfron, um projeto extraordinário, que foi deixado de pé pelo nosso Exército, que dialoga com um dos principais problemas da sociedade brasileira, que é a segurança pública. No centro dela está o tráfico e o consumo dessas drogas que não são produzidas aqui e sim na nossa fronteira seca. O Sisfron foi colocado de pé, Sr. Ministro, em 2011 para ser implementado ao longo de dez anos. De acordo com o desencargo e o cronograma físico e financeiro, ele será implantado em 50 anos. Um projeto dessa magnitude, que foi planejado para ser implantado em dez anos, vai ser implantado em 50 anos. Eu estou encarregado de apresentar até o final do ano a esta Comissão um relatório sobre o estado da arte da base industrial de defesa e de suas políticas, antecipando a essa revisitação que tem que ser feita em 2016.
Queria ouvir de V. Sª, que foi o arquiteto, não foi apenas o arquiteto, não foi uma obra isolada, contou com muitas mentes, com muitos corações, com muita competência instalada da meritocracia das nossas Forças brasileiras... V. Sªs colocaram de pé um projeto extraordinário que está sendo jogado no chão.
Eu queria saber de V. Sª, até por que na condição de Relator, qual é a percepção. Nós fizemos na semana retrasada uma reunião na Fiesp, no Condecon, que é o Conselho de Defesa de toda base industrial da defesa, e nós saímos de lá perplexos, Ministro, porque está sendo desmontada a base industrial da defesa brasileira em razão da ausência de honradez e de compromissos do nosso País. V. Sª montou essa base, eu queria que V. Sª pudesse trazer seu depoimento sobre a conjuntura por que estamos atravessando. Seu depoimento será evidentemente muito importante na construção desse raciocínio que a Comissão estará concluindo.
Agradeço e, mais uma vez, cumprimento V. Sª pelo legado deixado à frente do Ministério da Defesa.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Como só há quatro Senadores inscritos e o Senador Jorge Viana fez um pleito para que fosse ouvido em bloco, então, passo a palavra ao Senador Ronaldo Caiado, para fazer seus questionamentos, em seguida, ao Senador Tasso Jereissati e ao Senador Jorge Viana.
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Oposição/DEM - GO) - Sr. Presidente, ao ex-ministro, Prof. Nelson Jobim sempre interessante assistir suas audiências tanto na parte da reforma política, quanto na área da segurança, enfim, o Senador Ferraço, ele fez detalhadamente esse processo do desmonte da indústria da defesa com detalhamento que V. Sª conhece bem.
Eu queria trazer à discussão alguns pontos que V. Sª, também com muita competência, narrou. Quando aqui da presença do General Villas Bôas, ele trouxe também, além desse fato da perda da capacidade hoje de policiar as nossas fronteiras, ele trouxe um assunto que realmente tem me preocupado sobremaneira - como médico que sou - e vendo o combate que foi feito a esses cartéis montados na América Latina, essa transferência hoje da industrialização da cocaína para dentro do Território brasileiro. Dizendo o Sr. General Villas Bôas que o grupo mexicano também já tem tentáculos no Brasil, junto com os outros aqui da América Latina, e que o Brasil já não é mais rota, que o Brasil já passou a ser o primeiro maior consumidor de Crack e o segundo maior consumidor de cocaína, perdendo apenas para os Estados Unidos.
Essa fragilidade que nós temos exatamente nessa área fronteiriça, V. Sª coloca que o bloqueio dos rios seria, de uma certa maneira, suficiente para poder conter essa invasão e essa disseminação que realmente nos preocupa com a instalação dessas estruturas hoje de produção de drogas na Amazônia.
A pergunta que faço vai em dois sentidos: primeiro, qual é o conhecimento de V. Sª em relação a essa matéria? Nós hoje podemos ler aí os livros e filmes que mostram um passado recente do que era a Colômbia e a situação ali só foi possível depois de realmente a inteligência americana entrar para dar suporte mínimo, já que a estrutura do narcotráfico era tão bem sedimentada e tão bem estruturada que o Estado não suportava o ataque e as ameaças desse setor do crime.
Esse lado da droga tem tudo a ver com aquilo que nós podemos produzir também em proteção a nossas fronteiras e um combate direto a esses cartéis que vêm se instalando no Brasil.
Outro ponto é a presença das Forças Armadas que V. Sª colocou que conseguiu fazer com que essas regras do engajamento pudessem ser transformadas em realidade, fazendo o Exército poder participar dessas áreas de ocupação sem que fossem penalizados amanhã pela Justiça civil e que não fosse o comandante civil a assumir essa responsabilidade do que dever ser feito.
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Posso relatar que, às vezes, as pessoas imaginam que as regiões fronteiriças ou outras situações, como a cidade do Rio de Janeiro, estão convivendo com situações graves do ponto de vista da segurança. Mas no meu Estado, no entorno de Brasília, nós hoje assistimos uma situação em que a criminalidade e a certeza da impunidade são uma realidade a olhos vistos, no dia a dia. É impressionante...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Oposição/DEM - GO) - ...a poucos metros da Capital assistimos a algo inédito. Primeiro, todo comércio é protegido por uma porta quase blindada, com pequenos orifícios, para que possam ser comercializados os produtos.
O consumo da droga acontece à luz do dia, ou seja, já não há a cerimônia de ter um local específico para se poder ali consumir a droga. Os cidadãos que são responsáveis pelo tráfico também são pessoas conhecidas da comunidade e, como tal, são pessoas que, hoje desafiam as autoridades locais. O poder hoje desses cartéis é algo tão impressionante que eu tenho recebido prefeitos do interior do meu Estado dizendo que não têm coragem de denunciá-los porque eles têm condições de, amanhã, fazerem duras retaliações a suas famílias, ameaçando de morte.
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Oposição/DEM - GO) - Ou seja, para concluir, Sr. Ministro, seria importante que, além dessa indústria que está sendo discutida hoje da defesa - e que está sendo totalmente sucateada -, como também, na visão de V. Sª, nós poderemos avançar nessa parte de conciliar a defesa do cidadão brasileiro, que está sendo totalmente sequestrado por essa expansão da criminalidade e por essa rentabilidade altíssima que têm esses cartéis na proliferação e na venda da droga?
Eram esses os pontos que eu gostaria de levantar, e quero agradecer a V. Sª em relação a esse ponto da emenda constitucional, que veio da Câmara dos Deputados, que está incluída e que retorna o Brasil a uma condição que já foi revogada desde 1967, como muito bem foi colocado.
Acredito que V. Sª, ao chamar a atenção da Casa, saberemos aqui debater essa PEC e trazer de volta as orientações e também esse relato histórico feito pelo ex-Ministro Jobim.
Muito obrigado. Eram essas as perguntas que eu tinha a formular a V. Sª.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Obrigado a V. Exª.
Com a palavra o Senador Tasso Jereissati.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE) - Senador Valdir Raupp, Ministro Nelson Jobim, é sempre um prazer, Ministro, ouvi-lo dada sua enorme cultura pessoal, dado o seu conhecimento jurídico, mas também por ter uma bagagem política, que, se não inédita, é muito singular neste País, com experiência como Constituinte, como Parlamentar, como Ministro da Justiça, no Executivo, Ministro da Defesa, também no Executivo, como Ministro e Presidente do Supremo.
Ficamos na oportunidade de ouvi-lo meio tentados a abranger outros temas que não sejam tão restritos devido a essa sua enorme experiência.
Mas a grande curiosidade, depois que principalmente o Ferraço e o Caiado perguntam, sobra muito pouco para nós perguntarmos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE) - Mas é evidente que o tema da Venezuela desperta grande interesse nesta Comissão, mas sou autor dentro desta Casa de um projeto de reestruturação das polícias no Brasil, da constitucionalização das polícias, da unificação das polícias civil e militar, que V. Sª sabe muito bem que é um tema bastante polêmico, e ouvi muitas pessoas.
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Dentre as sugestões que recebi de vários especialistas, havia a criação das polícias de fronteira, dando como fundamental para o combate ao tráfico no Brasil a criação de polícias de fronteira. Eu gostaria de ouvir a opinião de V. Exª sobre a criação dessas polícias, a efetividade, a capacidade de as Forças Armadas cumprirem esse papel ou a necessidade de uma polícia específica para acompanhamento das fronteiras brasileiras.
Por outro lado, eu tenho uma curiosidade. Eu sei que é um assunto pequeno para V. Exª tratar, mas é uma curiosidade. Eu vi nos jornais a criação, junto à OEA, se não me engano, da Subsecretaria de Serviços Administrativos e de Conferências na Junta Interamericana de Defesa para, se não me engano, o esposo de uma ex-ministra. O que faz exatamente esse nome tão grande? E ouvi o salário é de US$7,4 mil. O que ele faz? Qual é o papel que ele tem nesse complexo da defesa brasileira? Eu sei que é uma coisa pequena, mas talvez V. Exª saiba pelo seu conhecimento da área.
Se o Presidente me permitir, também é uma coisa que está muito em dia hoje e não podemos perder a presença do Ministro Jobim aqui. Entre ontem e anteontem, duas decisões importantes: do TSE e do TCU. Eu queria entender a profundidade e as consequências. É lógico que não vou lhe pedir uma opinião sobre o mérito. Mas o que significam as consequências do ponto de vista técnico e jurídico dessas duas decisões?
Era só isso que eu queria...
O SR. FERNANDO BEZERRA COELHO (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - PE) - Pegar uma carona aqui na indagação do Senador Tasso Jereissati e também solicitar do Ministro sobre uma discussão que está muito acalorada: a possibilidade de um Presidente da República ser impedido por atos praticados em mandatos anteriores. Qual é a visão do Ministro Nelson Jobim, já que presidiu a mais alta Corte de Justiça do Estado? Como ele encara essa situação e se o instituto da reeleição, de certa forma, permite que atos praticados no mandato anterior possam ser imputados ao mandato em vigor?
Esse seria um adendo à pergunta do Senador Tasso.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Com a palavra, como último inscrito, o Senador Jorge Viana.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu queria cumprimentar os demais colegas, aliviando um pouco, porque eles, nos questionamentos que fizeram, mudaram completamente o eixo da audiência, mas, de fato, são temas que todos nós estamos conversando. O País inteiro se questiona, se pergunta. E não temos como fugir.
Começo dizendo da satisfação, lamentando muito não ter estado aqui na apresentação de V. Exª, mas vou pegar as notas para dar uma lida. V. Exª faz muita falta em Brasília, Nelson Jobim. O problema é que, se estivesse aqui, eu ficaria em dúvida sobre onde V. Exª seria mais útil ao País, porque talvez o único currículo que tenhamos no Brasil com a dimensão seja o Ministro Nelson Jobim, pelo papel que teve na Constituinte, no Parlamento brasileiro, no Judiciário, onde ocupou todos os cargos importantes, e no Executivo. E o País atravessa um momento muito ruim, muito difícil. É muito árida a presença de lideranças em todos os Poderes. E o conhecimento que o senhor carrega, que traz a visão ponderada e muito determinada, faz falta. Eu fico muito contente de vê-lo aqui e termos a oportunidade de alguma maneira de ouvi-lo e sairmos daqui um pouco melhor do que chegamos.
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Eu tive a honra de trabalhar com o senhor quando fiquei quatro anos fora da atividade política. Saí do governo e depois fui convidado pela iniciativa privada para ser presidente do conselho de uma das empresas importantes do nosso País, a Helibras. E pude trabalhar e ver o quanto foi importante sua passagem pelo Ministério da Defesa. Vi também uma relação muito forte com o próprio Presidente Lula que, na confiança plena e na busca de explorar a sua capacidade, fez o Brasil avançar muito.
O plano que nós temos hoje e que, lamentavelmente, não está sendo executado, é algo que é uma referência para o mundo e para muitos países. Eu sei como foi montado e sei da liderança que o senhor teve nele. Mas nós conseguimos materializar parte da estratégia montada do plano, também por decisão do Presidente Lula, porque ali se executava uma política de governo, do Estado brasileiro. Lamento que estejamos agora vivendo um perigoso descompasso nessa área também.
Hoje, Ministro Jobim, a imprensa está divulgando o mapa da violência no Brasil. Nós quebramos mais um recorde - 58.500 homicídios no nosso País, um dos países mais violentos do mundo! Das 50 cidades mais violentas, nós temos 10. Isso é algo que nos agride a todos.
O nosso Código Penal - eu vou fazer um discurso daqui a pouco no plenário, porque já estava programado isso - é da década de 1940. Eu falo sempre que para se ter alguém preso, no Brasil, por dez anos, por homicídio, é preciso que ele tenha matado quatro. Se o criminoso tiver um advogado mais ou menos, consegue chegar a esse recorde. Por todos os aspectos, a situação é vergonhosa e nada se faz.
O projeto da reforma do Código Penal - eu participei dessa comissão - não pode ser deliberado porque entraram outras questões, questões religiosas, de interesses outros e que não têm absolutamente nada com substância para impedir a deliberação do Congresso sobre um tema tão importante para a sociedade. Há algo mais importante do que a vida? Eu não conheço. E a vida no nosso País não tem importância nenhuma.
E o senhor foi Ministro da Defesa e eu sei do seu esforço. Quando a gente paralisa Senador Ferraço - não está aqui agora o nosso Relator -, alguns dos programas, nós estamos abrindo a porta para que esse recorde se amplie. Nós estamos perigosamente dizendo: "Olha, o controle das fronteiras não é tão prioritário assim. A entrada de armas, então, pode seguir em frente. A questão do combate à entrada de drogas no Brasil também é prioritária, mas nem tanto."
Senador Ferraço, eu fazia referência a V. Exª dizendo que quando a gente retarda alguns programas que estão bem estruturados e foram feitos pelo Ministro Jobim - e eu sou testemunha, fiz parte -, a gente está dizendo... Eu falei que o Brasil, hoje, anuncia que nós quebramos um recorde - 58 mil homicídios. O Estado de V. Exª é o mais violento do Sudeste. Fortaleza é a cidade mais violenta do País. Alagoas é o Estado mais violento do nosso País.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - E no centro disso, o tráfico e o consumo de drogas, que não são fabricadas aqui.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Aí eu estou falando que quando nós retardamos a implantação do plano que temos, de todos os nossos programas, nós estamos dizendo assim: Olha, ok, a entrada de armas no Brasil segue com muita facilidade; a entrada de drogas também." Eu estava fazendo referência ao relatório de V. Exª. E outra, a gente não modifica a lei não. A lei no Brasil é tranquila: "Olha, pode fazer tráfico, usa menores, faz o que quiser, por o Código Penal está bem engavetado lá na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal brasileiro. Eu apresentei um requerimento, peguei a assinatura de vários líderes. Na outra semana, foi tudo desfeito. Para quê? Para a gente levar para o plenário e debater isso. Se há algumas questões mais polêmicas, podemos separá-las. Há questões que envolvem agora essa insanidade que a gente está vivendo de questões, questões de intolerância que são uma coisa doentia. Podíamos tratar pelo menos de alguns temas. Não estou dizendo que isso vai resolver. Estou dizendo que isso é um instrumento importante. Eu fiz várias audiências com juízes. Uma juíza disse: "Eu fui desmoralizada, pois um homem foi agredido, dentro de um quartel, dentro de um presídio da PM, no Rio... Quando o preso chega lá, ele diz: 'Olha, doutora, rapidinho, porque eu tenho que ir embora' - preso - 'Eu já sei que vou ficar só um ano, doutora, me dê aí... Meu advogado já me disse que eu não... Olha, eu tenho o que fazer, doutora, rapidinho.'" Eu ouvi isso de juiz.
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Lá em Rio Branco, agora, estamos vivendo o seguinte: foi quase uma dezena de carros queimados em três dias. O Governador Tião Viana está agindo com firmeza; estão lá a Força Nacional, a Polícia Federal, a Polícia Militar, a Polícia Civil. Ontem eu falei pelo menos três vezes com o Ministro da Justiça, umas duas com o Ministro da Defesa, com o Depen. Hoje deve estar sendo disparada uma operação.
Temos três grupos atuando no Brasil que estão em todos os presídios e nas cidades das periferias - há territórios dominados -, o Bonde dos 13, o Comando Vermelho e o PCC. Estão nos presídios. Aí vai dizer: "Mas no Acre?" Claro. São organizações bem estruturadas, organizadas - é o crime organizado. E aí, agora, porque houve um assalto, a polícia reagiu, um rapaz foi baleado, um dos assaltantes, e eles faziam parte de um grupo que estava combinado com outro grupo, eram de facções, e resolveram disparar uma ação de terror na cidade, na capital do Acre. Então, estamos todos num esforço para ver se fazemos a tranquilidade. Isso nunca houve em Rio Branco. Essas são as consequências.
Vem um casal de 70 anos usar o Waze, bota um endereço para ir a uma festa, a um encontro familiar, e, porque trocou avenida por rua, entra na rua errada e não sai mais, é assassinado. Estamos pagando caro por não pensarmos na Defesa. A Defesa não é nos prepararmos para fazer guerra com ninguém, é para evitarmos que a guerra aconteça, e a pior delas está acontecendo, que é a de nós conosco mesmos.
Então, agradeço ao senhor por estar aqui. Sinto-me honrado de ter trabalhado junto, de ter montado aquele programa, de ter dado certo. Lamento que ele esteja, hoje, também, como disse o Senador Ferraço, na... E o pior, Senador Ferraço, não são só os atrasos, porque quando acontece um atraso de qualquer execução... Qualquer empresa privada atrasa a sua obra ou o seu projeto. O pior é você não estabelecer um plano do atraso e, quando estabelece, ele não ser cumprido. Isso é o pior dos mundos. E nesse troca-troca de Ministros, nós vamos piorando a situação. Na Educação, que é a nossa maior prioridade, já são seis; na Defesa também.
Eu faço isso porque fui governador por oito anos, fui prefeito por quatro - eu sei, pelo menos, como não funciona. Posso ter muita dúvida sobre como é, não tenho nada para ensinar, mas, pelo menos, o que não deve ser feito eu acho que sei razoavelmente bem, porque já dei muita cabeçada na parede, e deu ponto.
Então, eu queria que V. Exª falasse um pouco dessa conexão da Defesa com o mundo real, da Defesa com o dia a dia do cidadão. Acho que isso é importante para a gente humanizar, trazer para dentro da sociedade o papel da Defesa de um País como o nosso, continental, com a fronteira que tem de mar e a fronteira que tem de terra. Não há como pensar em melhorar a vida, a tranquilidade do cidadão brasileiro, sem colocar a Defesa como um tema central para o nosso País.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Obrigado a V. Exª.
Senador Delcídio do Amaral, para uma breve intervenção.
O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Eu queria só cumprimentar o Ministro Jobim pela qualidade intelectual, dignidade, postura republicana - uma grande história -, e que, mais do que nunca, tem o respeito de todos nós aqui no Senado Federal e no Congresso Nacional. Então, é uma honra tê-lo aqui na Comissão de Relações Exteriores.
Serei muito breve. São duas questões, que V. Exª conhece muito bem. Estamos falando de violência. O senhor sabe que eu sou de um Estado que tem fronteira com o Paraguai e com a Bolívia. O Mato Grosso do Sul é um Estado de passagem, principalmente do contrabando, do narcotráfico e outras coisas mais.
V. Exª trabalhou com afinco, com determinação, sempre de uma maneira competente, olhando essa questão de fronteira. Eu vejo, às vezes, criticarem - falam de São Paulo, falam do Rio de Janeiro, falam de... Mas o problema nasce nas fronteiras.
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Se nós não tivermos uma política de fronteiras competente, nós não vamos resolver nunca essa questão de drogas, de violência, nas grandes cidades. Ali é que nasce o problema. Isso exige ações governamentais no sentido de promover investimentos importantes para acenar para essas pessoas que vivem nas regiões de fronteira com um futuro, com perspectivas. Ou seja, é fundamental uma política de integração nacional, uma política de fronteiras estimulando investimentos na região de fronteira. E, concomitantemente, o papel da Defesa Nacional, o papel da Segurança Pública, que, lamentavelmente, apesar de todo o esforço de V. Exª, nós não conseguimos avançar nos últimos anos. E lamento, o Senador Jorge Viana disse aqui, com essas sucessivas mudanças, nós não conseguimos dar velocidade a essas ações que têm que ser implementadas.
Eu acompanhei muito de perto o Sisfron, que foi citado também aqui pelo Senador Jorge Viana, um projeto fundamental, não só que garante a soberania, mas, numa ação integrada com as Polícias, garante uma atitude do Governo efetiva nas regiões de fronteira. Mas as coisas estão se esvaindo. E se não se revolver a questão de fronteiras, Ministro, nós não avançamos. E, primeiro, gostaria de ouvir do senhor uma avaliação com relação a esse tema, V. Exª, que conhece tão bem esse assunto, e a outra é a questão indígena. V. Exª era Ministro e andou a cavalo lá em Roraima, Raposa Serra do Sol, eu depois peguei o rastro do senhor, fui na mesma linha também, numa Comissão Temporária que foi criada aqui, de análise e de avaliação, discussão dessas questões indígenas. E hoje o meu Estado do Mato Grosso do Sul sofre fortemente com esse conflito entre as etnias indígenas e os produtores rurais. Cada um, com muitas razões, com razões absolutamente legítimas.
Ministro, as coisas se passaram, o senhor é um Ministro que se ocupou muito desses temas, conhece fortemente - inclusive o relatório que essa Comissão Temporária criou, que essa Comissão Temporária aprovou foi baseado em muitas observações que o senhor mesmo fez sobre essas questões indígenas, e nós não andamos. Mato Grosso do Sul tem terras tituladas, Senador Tasso. Se alguém tem terra titulada, qual é a saída? Nós vamos só cumprir o art. 231 da Constituição? Só pagando benfeitoria? E a terra nua?
O Senador Pimentel está falando, e muito bem, nós aprovamos uma PEC que, sem ferir a Constituição, que V. Exª conhece como ninguém por ter sido quem escreveu, basicamente, quem consolidou a nossa Constituição, sem ferir o art. 231, abrir essa exceção para indenizar terra nua. Principalmente em Estados que têm esse perfil. Que não são como a Amazônia, por exemplo, que tem terra devoluta.
Então, Ministro, queria também ouvir um pouco as posições do senhor com relação a esse tema, porque isso está criando um desgaste enorme no nosso Estado e prejudicando fortemente a nossa economia também. Porque o que é que acontece? Por causa dos trabalhos que estão sendo feitos de demarcação de terras indígenas, o Ministério Público encaminha aos bancos ofícios, dizendo que não podem viabilizar empréstimos para os produtores rurais, porque, em tese, as áreas, esses produtores, teriam tradicionalidade indígena. Então, o sujeito começa a ficar sufocado e a mesma coisa as nossas etnias, que têm todo o direito de ter a sua terra para viver, para preservar a sua cultura, a sua história. Em meu Estado, os índios guaicurus lutaram ao lado do Exército brasileiro na Guerra do Paraguai. Portanto, eles têm uma absoluta identidade e são uma referência para todos nós. No meu Estado, todos nós temos sangue índio.
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Ministro, queria só ouvi-lo, V. Exª, que tem um grande conhecimento também desse tema e não conhecimento de livro ou de orelha de livro, o senhor foi lá ver como é que as coisas funcionam, portanto, seria muito importante essa oportunidade.
Muito obrigado, agradeço o Sr. Presidente Raupp também por essa iniciativa de trazer o Ministro Jobim.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - O bloco foi ficando grande e há mais três Senadores ainda, dá para fatiar, se não fica muito...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Queria sugerir a V. Exª que fatiássemos, até para não esgotar.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Agora, como são pequenas intervenções talvez fosse...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Até para não esgotarmos a memória do nosso ministro. Temos muitas perguntas já.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Alguém dos três Senadores precisam sair? José Pimentel, Petecão e o Edison Lobão que estão inscritos ainda para falar.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Fizemos cinco perguntas já.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Se alguém tiver com compromisso e tiver que sair rapidamente, poderíamos ouvir.
Senador Edison Lobão, V. Exª tem a palavra.
O SR. EDISON LOBÃO (Bloco Maioria/PMDB - MA) - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Senadores, há duas semanas, me pus a ouvir um discurso do Senador Lindbergh Farias, do Rio de Janeiro, em que S. Exª dizia que o Brasil já anota 20% de todos os crimes, todos os assassinatos do mundo, 20% dos assassinatos do mundo estão aqui no Brasil, isso significa o império da violência que aqui hoje existe. Sei que, no caso das fronteiras, o Barão do Rio Branco alargou-as e o Acre é um exemplo disso.
O Senador Delcídio do Amaral se refere à iniciativa dos nossos indígenas que ocupam fazendas produtivas de Mato Grosso e outras áreas do País, Raposa Serra do Sol é um desses exemplos.
Nós todos temos o dever de defender os legítimos interesses dos nossos índios, mas o que se registra no Brasil, muitas vezes, é um abuso. O Brasil é um País imenso território.
Sr. Presidente, desisto de falar.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Pode concluir, Senador.
Senador José Pimentel.
O SR. JOSÉ PIMENTEL (Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão.
O SR. EDISON LOBÃO (Bloco Maioria/PMDB - MA) - Não concluí, mas concluí.
O SR. JOSÉ PIMENTEL (Bloco Apoio Governo/PT - CE) - Esta Casa é um casa que tem muitas atividades ao mesmo tempo. Tivemos, a partir de 9 da manhã, reunião da CPI do Carf, V. Exª esteve lá conosco, Senador Valdir Raupp, depois veio para cá, e é só por isso que estamos chegando agora, não é porque tivéssemos, nos gabinetes, outras coisas, por conta de um conjunto de ações que terminam coincidindo o mesmo horário e todos nós aqui já temos reclamado dessa sistemática de funcionamento, mas é a vida.
Queria, nosso Ministro Nelson Jobim, começar registrando essa questão da ação das polícias civis e militares. Aqui temos vários governadores que já conduziram esse processo das nossas polícias e, entre isso, no Senador Tasso Jereissati tem uma tese que comungo com ele da unificação das polícias, e isso faz parte do mapa da violência no Brasil, particularmente, com algumas chacinas e, em outros momentos, por omissão. Ultimamente, há uma série de dados que traz, como veio do Rio Grande do Norte, que uma parte da polícia tinha, como função, não prender determinados segmentos de bandidagem e, particularmente, o narcotráfico. O que podemos avançar sobre isso?
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A segunda questão é que, nos últimos 10 anos, triplicamos a população carcerária. Somos hoje a terceira população carcerária do mundo, com algo em torno de 610 mil presos, e, desse público, há em torno de 40% a mais com mandado de prisão, e esses mandados não são cumpridos, porque não há onde colocar as pessoas. Ao mesmo tempo, há essa matança a que temos assistido. O Senador Jorge Viana registrava que a previsão, neste ano de 2015, é de 58 mil pessoas que estamos eliminando. Portanto, de um lado triplicamos a população carcerária, aumentamos a efetividade do Poder Judiciário, que tem 40% desse público com mandados de prisão, sentença transitada em julgado e não há onde colocá-los, e, ao mesmo tempo, temos uma matança significativa.
A terceira coisa diz respeito ao estatuto da juventude e da adolescência. O Senado, quase por unanimidade, aprovou uma atualização do ECA, que passa pela separação entre jovens e crianças e da juventude que pratica crimes hediondos dos demais jovens que estão nesse processo socioeducativo, tornando, ao mesmo tempo, obrigatório o ensino fundamental, o ensino médio e o ensino profissionalizante, além de uma série de outros itens. A Casa ao lado trabalha com outra tese, da diminuição da maioridade penal, para levar para os presídios todos aqueles que têm mais de 16 anos de idade. São teses que as duas Casas estão tratando, mas com visões diferenciadas.
Por último, a questão do Estatuto do Desarmamento. V. Exª, quando foi nosso Parlamentar, acompanhou de perto esse debate. Agora, a Casa ao lado está trabalhando com a tese de reformular o Estatuto do Desarmamento para liberar a circulação de armas. Os dados que o Ministério da Justiça nos fornece são de que 80% das mortes praticadas no Território nacional por arma de fogo advêm de armas fabricadas no Brasil. Nós temos a questão das fronteiras, do tráfico de armas, mas armas voltadas para os grandes crimes, particularmente assalto a banco, entre outros.
Era isso, Professor.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Com a palavra, o Ministro Nelson Jobim, pelo tempo de que necessitar.
O SR. NELSON JOBIM - Sr. Presidente, agradeço, mas, de fato, as perguntas abrangem um leque imenso! Vamos tentar pelo menos responder a algumas delas, não tenho condições de responder a todas. Selecionei alguns conjuntos.
O primeiro conjunto, iniciado pelo Senador Ferraço, diz respeito à questão da Venezuela. Eu fui consultado há algum tempo, em agosto, pelo Chanceler Mauro Vieira sobre se eu aceitaria presidir ou ser o representante brasileiro junto ao grupo de observadores ou acompanhantes numa discussão semântica sobre este tema: se as pessoas que irão à Venezuela o farão meramente para acompanhar a eleição ou para observar, uma discussão irrelevante no sentido semântico. Em todo caso, a Venezuela sustenta que não quer observador, quer acompanhante, o que não faz diferença. O fato é que aceitei, porque eu seria o chefe do grupo que iria participar da eleição venezuelana pela Unasul. A Venezuela não aceitava observadores ou acompanhantes da OEA, mas aceitaria da Unasul. O nome foi enviado pela Presidente da República ao Presidente pro tempore da Unasul. Esse nome tem de ser aprovado pelo Conselho de Ministros da Unasul e está nessa fase ainda de aprovação.
Não obstante isso, há também a elaboração de um convênio entre a autoridade eleitoral venezuelana e a autoridade eleitoral da Unasul sobre as ações a serem desenvolvidas por esse grupo. Está ainda em fase de discussão. Quem está capitaneando essa discussão é o Tribunal Eleitoral brasileiro, o Ministro Dias Toffoli. Ainda não está terminada a fórmula. Agora, evidentemente, vamos aguardar essa fórmula que virá, mas fiquem certos de que ir à Venezuela não será, tendo em vista, inclusive, a minha formação, para carimbar situações postas. Será para examinar, efetivamente, a eleição, a partir da perspectiva...
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Eu já examinei toda a legislação eleitoral venezuelana, no sentido das regras escolhidas pelo povo venezuelano para presidir suas eleições, já houve exame pelo tribunal eleitoral brasileiro do sistema eletrônico venezuelano, que é bom, que tem boa estruturação. A grande discussão lá diz respeito a quem pode ser candidato e também à formação da vontade do eleitor, se o eleitor que vota é aquele que votou.
No Brasil, já tivemos esse tipo de problema, que se resolveu com a urna eletrônica, no sentido de que o voto votado é o voto apurado. A questão posta hoje é na identificação do eleitor, que se está resolvendo através do sistema da datiloscopia, etc. O problema volta e ainda continua não resolvido, que é a formação da vontade do eleitor via campanhas eleitorais. Aí você tem uma discussão sobre financiamento de campanha, etc., etc.
Mas ainda não há, em relação à Venezuela, uma definição terminal, está em fase de discussão, Senador Ferraço, sobre os poderes, as faculdades que o grupo da Unasul terá em relação ao processo eleitoral. Agora, evidentemente, se, ao fim e ao cabo dessas discussões, não houver algo condizente com a efetiva análise e o acompanhamento eleitoral, como, de resto, nós fizemos - eu, na época, Presidente do tribunal eleitoral - nas eleições do Paraguai, nas eleições de El Salvador, numa série de eleições do mundo, será tratado da mesma forma. Temos que examinar, então, como isso se acelera. Isso será um grupo, e o Brasil deverá ter dois. Eu, como Presidente ou representante da Unasul, dentro do processo, num acompanhamento pelo tribunal eleitoral brasileiro, mais um ministro do tribunal para acompanhar o processo eleitoral, e mais técnicos que deveremos levar junto. Agora, ainda não há uma definição clara, isso vai se dar até o dia 15 de outubro, quando teremos uma nitidez sobre a forma, pois há um conflito político muito forte na Venezuela.
O que a gente tem que ter claro nesse tipo de conflito, e a experiência brasileira mostra, é que a superação dos regimes se dá pelo processo democrático. Vou dizer alguma coisa que talvez possa parecer curiosa ou, pelo menos, difícil de entender ou aceitar. A pergunta que a gente pode fazer, principalmente para aqueles que viveram o regime ditatorial brasileiro: a luta armada desenvolvida por setores da esquerda, que hoje se apresenta como aqueles que lutaram pela democracia brasileira, não prolongou o processo ditatorial da época e impediu as negociações políticas, que foram superadas por aqueles que não foram para a luta armada? Ou seja, os heróis da recomposição democrática brasileira devem ser averbados àqueles que foram para a luta armada ou àqueles que enfrentaram politicamente o desenvolvimento do problema? Nós, hoje, grande parte de nós parece que procura dar a superação do regime militar à atividade desenvolvida pela luta armada. Será que isso é verdade ou isso atrasou e prolongou, a partir de 1968, principalmente, o regime militar? Ou seja, os chamados falcões militares não foram alimentados por essa luta armada? Isso é uma questão de observação. Não acredito que as soluções, por essa fórmula, possam levar a uma solução da superação democrática. O processo democrático é longo e temos que saber, digamos, o papel histórico que estamos a desenvolver em determinado momento.
A América do Sul sofre hoje de alguns problemas nesse sentido, de radicalizações, mas fazem parte do processo histórico. Precisamos tentar superar isso pelo modelo que fizemos no Brasil, modelo de superação por dentro do próprio regime que termina. A experiência política brasileira sempre foi, quando um regime começa a se esboroar, de dentro do próprio regime, surgir a sua superação.
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O Presidente Sarney, que hoje, ou melhor, que em determinado momento é visto como um personagem sem grande valor, é um extraordinário personagem, porque soube fazer alguma coisa que ninguém... E a habilidade que teve foi exatamente, na mudança do sistema, conseguir superar as objeções que vinham do próprio sistema anterior. Ou seja, a capacidade do Presidente Sarney de fazer a transição do regime militar para a democracia foi de uma habilidade extraordinária. Por quê? Porque o compromisso que ele tinha naquele momento... Ele sabia perfeitamente que, se naquele momento a função do Governo fosse retaliar o passado, não se construiria o futuro. E ele resolveu fazer exatamente o seguinte: construir o futuro, sem retaliar o passado. E nós achamos, muitos de nós achamos que construímos o futuro, retaliando o passado. Isso dá uma mão de obra tremenda e uma perda de energia brutal, uma paralisia absoluta no desenvolvimento do processo.
Então, creio que a contribuição que podemos fazer no processo eleitoral venezuelano será no sentido de obter, enfim, uma análise da justeza democrática disso, dentro dos limites políticos do momento.
Não se pode pretender fazer com que o mundo se comporte com os nossos pressupostos ideológicos ou pressupostos abstratos. O mundo é o que está aí, e temos de administrar o que se trata e aquilo de que se trata, e não pretender dizer como as coisas deveriam ser, porque aí vamos discutir filosofia, e filosofia se discute na academia. Teses filosóficas são para serem julgadas na academia. Ações práticas devem ser desenvolvidas, considerando-se as circunstâncias do momento. E ter a lucidez de compreender que esse é o ponto.
Creio que vamos estar fazendo... Dependendo, enfim, desse convênio que vai ser feito, faremos um trabalho nesse sentido.
Em relação ao mencionado pelo Senador Ferraço, sobre as políticas de defesa, ele se referiu a qual era o meu sentimento sobre isso.
Senador...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - É para saber se V. Exª está atualizado no estado da arte.
O SR. NELSON JOBIM - Sim, sim, é claro.
Perdoe-me. Peço desculpas a V. Exª. Em relação à atividade política, nós não podemos ter sentimentos. Nós temos de ter lucidez, o que é diferente. O sentimento normalmente se dá pelo arrependimento.
E aprendi com Dr. Ulysses que em política... Dizia Dr. Ulysses, na época da Constituinte, que, em política, havia a regra de Disraeli: Never complain, never explain, never apologize - nunca se queixe, nunca explique, nunca se desculpe. Isso, porque, se, na atividade política, dizia Dr. Ulysses, você tiver de se queixar, se explicar ou pedir desculpas, está no canto, no corner e já está apanhando.
Portanto, no caso específico, o que temos? Nós formulamos um tipo de política de defesa e de política de indústria de defesa e o que podemos examinar é que a situação do País naquele momento, em termos orçamentários, era muito melhor que a situação de hoje. A questão é compatibilizar a manutenção do projeto e distensioná-lo, considerando a situação orçamentária, mas não abandoná-lo.
E, ao que tudo indica, V. Exª informa, há uma disfuncionalidade na análise dos problemas de defesa. Toda vez que se tem um programa - como o Sisfron, etc., etc. - e há uma fixação de um tempo ou de desenvolvimento da indústria da defesa que depende de aportes orçamentários, evidentemente se tem de considerar a capacidade de aporte orçamentário. E, se tivermos o problema de redução dessa proposta orçamentária, temos de manter uma política de distensionamento ou de elastecimento desse tempo. Com isso, o setor privado se ajusta. Agora, o setor privado, se tem a certeza de que não vai acontecer nada, se desmancha. E, ao desmanchar, depois, para recuperar, é um desastre.
Então, creio, meu caro, que é lamentável ver que não há, efetivamente, a manutenção de um elastecimento da política de defesa.
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No governo Lula, eu tinha clareza, com o Presidente Lula, de que a questão da defesa estava dentro - digamos - da perspectiva governamental do Presidente Lula. Clareza já não tenho em relação ao Governo da Presidente Dilma, que isso seja um tema fundamental a ser combatido. As dificuldades do País são imensas. Isso nós não podemos afastar. É claro que no discurso políticos nós temos que saber as culpas, mas também nós temos que ter certeza de que as culpas não resolvem os problemas. As culpas só identificam os responsáveis, mas não ajudam a resolver problemas.
Eu vou dar um exemplo curioso aos senhores. Observem, por exemplo, essas questões de corrupção que estão sendo postas hoje, corrupções que são apuradas naqueles processos em Curitiba, que são apuradas em outros processos no País. A sensação que se tem é de que a solução de tudo passa pela punição. A punição é verdadeira, é necessária, mas temos que lembrar que o Poder Judiciário trata com o passado, para reprimir o passado sem compromisso de construção do futuro. Ou seja, a análise dos atos praticados mostra que são atos praticados no passado para procurar culpa e apená-los; correto. O que nós temos que ter também do outro lado é a pesquisa das razões pelas quais os processos corruptivos se deram, quais as motivações disso. Não adianta se pensar que nós vamos resolver essas questões de corrupção através de cultura ou de grandes discursos éticos. Não. Nós vamos ter que examinar quais as situações de oportunidade para os espaços corruptivos.
Imaginem a seguinte hipótese: na concorrência às licitações brasileiras, das obras públicas brasileiras, na regra geral - há exceções -, você tem que elaborar o projeto básico. Só que, depois de feita a licitação, com base nesse projeto chamado de básico, começam os projetos executivos. Nos projetos executivos, verifica-se que o projeto básico não tem nada a ver com a obra. Aí abre-se a necessidade dos aditivos. Pronto. Abriu o cartório. Ou seja, o projeto básico é irreal. Vem o projeto executivo, em que se começa a examinar o que tem que se fazer, e verifica-se que não há correlação - digamos - de competência entre o básico e o executivo, e que portanto os custos que deram origem, e que se debateram na licitação, não eram verdadeiros. Aí surgem os aditivos. Pronto. Abriu um cartório. O aditivo significa a revisão do preço. Quem decide são os funcionários - digamos assim - das empresas concessionárias ou licitatórias, que licitaram, e o poder concedente. Pronto, abriu o cartório.
Lembrem-se, por exemplo - alguns já foram governadores, inclusive, o Tasso Jereissati -, daquele negócio da medição e certificação da execução do serviço. Outro cartório. A medição do serviço é feita por um funcionário do próprio ente concedente. Para pagar a parcela correspondente ao medido, depende da medição. O que acontece? Abre-se um cartório. "Que tal se você atesta que, em vez de 80% que foram feitos, eu fiz 100% da parcela? Te dou uma participação no meio". Não acontece? Acontece. Ou seja, você tem espaços de oportunidade para esse tipo de conduta. Não pensem que nós podemos dizer: "Não podem se conduzir assim". Isso é ótimo em termos de regras abstratas de ética, mas não é o que se passa no mundo. As obras brasileiras, ou pelo menos as licitações brasileiras, são feitas considerando determinado tipo de custo, mas não há alocação garantida de verbas para a execução daquela obra, não é verdade? Então, em um determinado momento - aspas -, temos que "liberar a verba". Outro cartório.
Vejam: uma coisa é nós apenarmos o passado, mas sabemos também que os modelos institucionais que temos abrem espaço para essas condutas corruptivas. Cabe a nós, afora a questão, e lembrando o apenamento necessário, cabe a nós fechar esses espaços e ajustar os modelos, que nunca são definitivos, porque lá adiante vai surgir outro problema. Mas nós temos que ter um acompanhamento disso, seja na Lei de Licitações, seja na legislação de obras públicas.
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Senhores, será que todo este processo que nós estamos vivendo hoje tem alguma coisa a ver com a governança das estatais? Será que as estatais são espaços para agentes partidários? Por que o interesse? Porque ali é fonte de receita para um financiamento de campanha? Ou seja, nós temos que ter, digamos, a coragem de botar em cima da mesa esses problemas e ver como é que a gente vai agir, porque senão nós vamos soçobrar junto com eles. E deve haver certa rapidez, porque acaba paralisando o próprio País, porque não pensem que todos esses processos corruptivos não são precificados no mercado. São. Precifica-se no preço, precifica-se nos juros, precifica-se em tudo, e nós estamos numa precificação imensa. A taxa de juros, o spread na taxa de juros é bem maior, considerando o risco do recebimento. E ao que a gente assiste hoje em relação ao Poder Judiciário? Uma espécie de complacência com o devedor. Qual é a consequência da complacência com o devedor no Poder Judiciário? O aumento da taxa de juros, porque alguém tem que pagar o tempo de recuperação do investimento que está com o devedor inadimplente, ou não é assim?
Ou seja, há uma série de desfuncionalidades que nós precisamos examinar não só a partir da perspectiva - e aqui vem o problema do Código Penal - da repressão, que é absolutamente necessária. O que nós precisamos também ter ao lado é fechar os espaços que viabilizam os atos corruptivos, ou os atos ilegais, porque uma coisa é certa: tendo oportunidade, alguns não vão resistir. Eu me lembro de que o Dr. Ulysses uma vez disse o seguinte: "Ah, o fulano de tal é um ótimo sujeito, mas ele não resiste. Eu o conheço, ele não resiste."
E não adianta nós pensarmos que vamos resolver isso através da cultura, da mudança dos costumes. Eu recomendaria a leitura, eu me lembro da leitura do Machado de Assis, de Teoria do Medalhão, que os senhores conhecem. Ao final do dia, era aniversário do filho, que fazia 21 anos, os convidados foram embora, sentam-se o pai e o filho e ficam discutindo o que fazer, o que ele deveria ser no futuro: engenheiro, advogado, isso foi escrito em 1897. E aí diz o pai: "Não, você tem que ser medalhão." E disse ele: "O que é isso?" "É simples: quando você tiver um problema" - o exemplo que ele dá é esse -, "quando houver uma lei que não pegou" - na linguagem de hoje -, "vai haver uma discussão. Então os engenheiros, os médicos, etc., vão fazer considerações médicas, considerações de engenharia, considerações militares, considerações jurídicas sobre por que a lei não funcionou. E vai haver uma grande discussão sobre isso. Os economistas vão fazer também uma análise dessa situação, os contabilistas" - que era a moda da época - "farão tudo isso, mas você não pode entrar nisso; você tem que fazer e dizer o seguinte: antes de mudarmos as leis, precisamos mudar os costumes. Todo mundo vai te aplaudir, e você vai ser o herói do momento, porque você não disse absolutamente nada". E o curioso é que nós gostamos disso. E aí diz o Machado: "Mas não se esqueça" - à época funcionava mais - "não se esqueça de usar expressões latinas. E outra coisa: não se comprometa com verbo ou substantivo; comprometa-se com adjetivo e advérbio de modo, porque o adjetivo "florxa" o substantivo e o advérbio de modo empurra o substantivo no tempo, preferencialmente."
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O curioso é que no discurso político de hoje há um hábito curioso. Alguém vai ao microfone e diz assim, vai fazer um discurso ou apresentação, isso é comum ver, e alguns dos senhores fazem isto: "Eu gostaria de saudar o Senador Ronaldo Caiado". Aí penso eu aqui: se gostaria, é porque não está fazendo. Quem gostaria de fazer é porque não está fazendo. Irá fazer em outro momento que não neste momento. Mas, se apresenta isso...
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - Pretérito do futuro.
O SR. NELSON JOBIM - Não. Isso significa que há uma posição clara de não ter compromissos. Dizer: "Saúdo o Senador Caiado" é uma coisa. Se digo: "Eu gostaria de saudar o Senador Caiado", eu estou dizendo a ele que eu pretendo que ele tenha uma conduta que poderá fazer com que eu o saúde. Mas não é assim? É o condicional. E está todo mundo fazendo isso. Já perceberam?
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE) - O Ministro me desculpe, mas pior ainda é saudar a mandioca. (Risos.)
O SR. NELSON JOBIM - Olha, no Rio Grande do Sul, eu saudaria, porque eu gosto muito de farinha de mandioca com carne gorda.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB - ES) - O cearense gosta muito também.
O SR. NELSON JOBIM - Em relação à questão levantada pelo Senador Caiado sobre a cocaína. Em 1995, quando o Presidente Fernando Henrique me designou para o Ministério da Defesa, quando da posse do Presidente Fernando Henrique, veio representando o Governo brasileiro a então Procuradora-Geral dos Estados Unidos, que corresponde ao Ministro da Defesa, que era a Attorney General Janet Reno. E houve uma recepção da embaixada americana para discutir, enfim, ter uma conversa, e eu fui convidado porque era a contraparte dela. E havia um acordo do Brasil, da polícia brasileira, sobre o combate de drogas. E era um acordo curioso, porque era um acordo em que nós tínhamos auxílios técnicos dos Estados Unidos para os aeroportos brasileiros. Todos os aeroportos brasileiros tinham todo um sistema de proteção contra a droga. Aí eu disse a ela que nós pretenderíamos mudar essa política. Porque a política que nós estávamos fazendo naquele momento era uma política de coibir a saída da droga do Brasil para os Estados Unidos, porque estávamos com todo o policiamento nos aeroportos de saída. Isso significava que nós queríamos que a droga ficasse no Brasil. Eu disse: pelo contrário, eu quero que a droga saia do Brasil. Logo, nós vamos alterar isso. Nós precisamos evitar que a droga entre no Brasil. E se entrar a droga no Brasil, devemos estimular que ela saia. Eu fiz uma radicalização e ela ficou: "Mas como?" Porque realmente era o que aos Estados Unidos interessava, pois eles estavam preocupados com os aeroportos brasileiros, porque os aeroportos brasileiros eram a entrada da droga nos Estados Unidos. E disse: "Eu quero fazer a mesma política que vocês estão fazendo".
Aí vejam o seguinte, em relação à cocaína, o nosso grande problema são as fontes de produção. Quando havia a disputa aqui na produção de droga, nós tínhamos o seguinte: a Bolívia e o Peru produziam a pasta de coca, e o refino era na Colômbia. Os cartéis colombianos não permitiam que os produtores de coca na Bolívia e no Peru fizessem o refino. O refino era concentrado na Colômbia.
Com o problema das Farcs, que começaram a utilizar também como forma de financiamento da guerrilha a droga, começaram a se misturar com o processo da droga. A questão é que alguns países sul-americanos têm uma dificuldade, dita cultural, de combate ao plantio da cocaína.
Ora, enquanto continuar a produção de folha de coca, vai continuar a produção de cocaína. Se os senhores assistirem, por exemplo, a esse extraordinário programa de televisão, a série Narcos, verão que mostra como surgiu o problema da coca e como apareceu o Pablo Escobar. Porque o fato é o seguinte: tendo condições de produzir, vai fazer. Ou seja, há que se ter uma política também não só de entrada, mas também que seja comum aos países contra a produção.
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Em relação à entrada, a fronteira brasileira, Senador Caiado, hoje são 15.719 quilômetros, e variável, porque a fronteira não seca, Amazônia é a fronteira não seca, daí por que falamos que as entradas das fronteiras são feitas pelos rios, chamados rios entrantes - não há como entrar por dentro do Território brasileiro por terra fora dos rios, na Amazônia, mas, quando se chega ao Acre, mais ou menos a uns 60 quilômetros de São Gabriel, de Santa Rosa do Purus, começa a fronteira seca, que é a fronteira com a Bolívia -, curiosamente, aqueles que conhecem a região, ao terminar o Acre e começar Rondônia, irão se dar conta de que, na divisa com a Bolívia, junto às margens do Rio Guaporé, quando o Rio Guaporé entra para o Brasil, vindo da Bolívia, há um forte, as ruínas de um forte construído em 1756, determinado pelo Marquês de Pombal, conhecido como Forte Príncipe da Beira. É exatamente na entrada do Rio Guaporé a proteção do Território brasileiro. Isso em 1756, Regime de Dom João II, Marquês de Pombal.
Ora, o que precisamos saber, e aí vem o ponto da fronteira, é que não há como ter ocupação de um solo de 17.719 quilômetros. É impossível. Daí por que a política que fizemos de monitoramento, a necessidade do monitoramento, o Sisfron, teria uma fórmula de monitoramento dos acessos de fronteira; não só a entrada pelo ar, a entrada pelos rios, como a entrada pelo solo. Com esse monitoramento, haveria como avisar as autoridades relativas à atividade de terra para fazer obstrução daquilo. Agora, isso tem que ter investimento. Tem que ter investimento de radar, de VANTs. Observem, por exemplo, no Brasil, que o nosso satélite estacionário é controlado pelos mexicanos. Nosso satélite de comunicações, que está no paralelo, não recordo mais, enfim, por onde toda nossa comunicação passa, hoje é controlado por uma empresa mexicana. Qualquer mudança naquilo que os técnicos chamam de atitude do satélite, ou seja, atitude de satélite é... Quando fui olhar isso, estranhei a expressão, mas essa é a expressão. O satélite faz essa circulação, está estacionário, acompanha a Terra e, se você pega esse satélite e faz assim, você cega o País, corta as comunicações do País. Como se faz a mudança de atitude do satélite? O satélite vira. Isso é uma vulnerabilidade.
Defendemos a necessidade de termos satélite de estacionário brasileiro, controlado pelo governo brasileiro, através da participação do setor privado, evidentemente através da participação do setor privado, que utiliza bandas disso. A banda X, que é a banda militar, hoje depende de um satélite que é controlado por estrangeiros. Vulnerabilidade! Ou seja, temos que ter, e esse mecanismo de fiscalização de fronteira passaria por isso, e agora vem um ponto citado pelo Senador Tasso, policia de fronteira.
Temos que examinar um pouquinho, Senador, a história do sistema de segurança pública brasileira. No Império, tínhamos a Guarda Nacional, um organismo imperial, mas controlado pelos políticos locais. Quando veio a República, como havia necessidade de distensionar o poder do Império, que era centrado no Rio de Janeiro e nas organizações nacionais, como uma polícia como a Guarda Nacional, a República precisava fortalecer as elites locais e os Estados, antigas províncias. Aí, o que que se fez? Extinguiu-se a Guarda Nacional, que era controlada pelas elites locais, imperiais, e criou-se a Polícia Militar.
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Na primeira República, em 1890, 1891, começaram a se criar as polícias militares. No Rio Grande, criou-se a Brigada Militar. E as polícias militares, naquele momento, ou seja, pegando a abertura da República até a Revolução de 1930, as polícias militares eram o braço armado do presidente dos Estados. Acabaram tendo instrução de soldados e infantaria, porque eles eram o braço armado dos presidentes dos Estados. Os presidentes dos Estados tinham dois instrumentos: um era o braço militar, que era exercido pela polícias militares, de repressão e de assegurar o poder; e o outro era a submissão dos prefeitos municipais à política dos presidentes dos Estados, já que não havia autonomia dos Municípios. Com a Revolução de 1930, Getúlio, principalmente Osvaldo Aranha percebeu que precisava mudar esse quadro. Aí, o que eles fizeram? Eles transformaram, pela legislação posterior a 1930, as polícias militares em forças auxiliares do Exército e submeteram as polícias militares, no que diz respeito ao armamento e ao efetivo, à decisão do Exército nacional. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, a polícia militar gaúcha, a Brigada Militar era muito superior ao Exército não só no armamento como no efetivo. E aí o que fez Getúlio? Começou a reduzir o Exército, começou a reduzir os efetivos, fixar efetivos inferiores àqueles para os presidentes, agora não mais presidentes dos Estados, mas governadores dos Estados, porque, com a Revolução de 1930 e a Constituição de 1934, houve uma queda semântica do poder dos presidentes dos Estados, passaram a ser meros governadores, o que fazia parte da política de Getúlio para emergir a Nação em detrimento dos Estados Federados. Aí o que que nós tivemos? As polícias militares passaram a ser guardas auxiliares. Aí se criou também a possibilidade da intervenção federal nos Estados federados que não respeitassem as autonomias municipais. E, com isso, os prefeitos municipais foram para baixo do guarda-chuva do Presidente da República, esvaziando o poder dos antigos presidentes de Estados, agora governadores.
Bem, quando veio o golpe de 1964, havia um problema, digamos, teórico relevante para os militares de então, para a Escola Superior de Guerra, que era a possibilidade de as Forças Armadas intervirem dentro do Território nacional. Como é que foi controlada ou contornada essa dificuldade? Através da criação do conceito de guerra revolucionária interna. Lembram-se disso? Na teoria da Escola Superior de Guerra, você tinha um momento que chamava-se: "Os Estudos da Guerra Revolucionária Interna". Com esse conceito de guerra revolucionária interna, viabilizou-se a mobilização das Forças Armadas para as atividades internas do País.
E mais: com o golpe de 1964, as polícias militares, num primeiro momento, passaram a ser comandas nos Estados por coronéis do Exército. Lembram-se disso? Altera-se a Constituição de 1967 e se coloca também como da competência da União, ou seja, do Exército Nacional - quando se fala União é nesse sentido do Exército Nacional - o ensino militar. E a partir desse momento, o ensino militar, que era um ensino, até então, vinha do tempo de Getúlio, de segurança pública, passou a ser um ensino de soldado de infantaria. Ou seja, aqui houve uma distinção fundamental do ensino e da formação de um policial militar, que trata com o cidadão delinquente, para um ensino de soldado de infantaria, que trata com um inimigo. O objetivo desse aqui é a extinção do inimigo. O objetivo do outro é a paralisação do cidadão delinquente. Ora, no momento em que você faz com que o ensino para esse setor seja o mesmo deste, você cria aqueles problemas que aconteceram no uso das polícias militares, que começaram a matar. Isso estava no ensino. Não era culpa do personagem. Eles aprenderam aquilo, porque essa era a destinação.
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Quando, em 1968, fomos discutir o assunto, retiramos do Texto Constitucional o preceito de que o ensino seria das polícias militares. Lembrem-se de que, nos governos dos Estados pós-1964, o Secretário de Segurança era um oficial do Exército e de que o chefe da Polícia Militar também era um oficial do Exército: era um coronel para a Secretaria de Segurança e, normalmente, um major para o Comando da Polícia Militar. Isso só foi recuperado, as polícias militares só começaram a recuperar o comando na década de 70.
Ora, isso distorceu, e nós começamos a ter um problema. Esse problema vinha do autonomismo, da impossibilidade absoluta de um diálogo das policias estaduais com as atividades da Polícia Federal que foram criadas com o golpe de 1964. O primeiro comandante Diretor-Geral da Polícia Militar, que criou a Polícia Federal, foi o Gen. Riograndino Kruel, irmão do Gen. Amaury Kruel. Foi ele o fundador da Polícia Federal. Eles entendiam que tinha de haver uma polícia para tratar de questões nacionais, no que estavam certos, mas ocorre que aquilo se confundiu depois com a repressão política, o que nos afastou da discussão da segurança pública.
Quanto ao problema de fronteira, entendo que, toda vez que se criam corporações, acirra-se o corporativismo. Ou seja, se criássemos uma polícia de fronteira, que, necessariamente, teria de ser uma polícia nacional, em face da consideração de que fronteira é um problema nacional, não é um problema do Estado, nós teríamos uma brutal disputa.
Vejam: não há soluções certas ou erradas em abstrato; há soluções que são eficazes em determinado momento, que funcionam em determinado momento, mas que, depois, não funcionam mais. Ou seja, não há verdades absolutas nisso.
Imaginem, se criarmos uma Polícia Federal de fronteira, o conflito que ela terá com as polícias civis dos Estados e com as polícias militares dos Estados! Polícia Militar e Polícia Civil do Estado plantam banana entre si, largam casca de banana uma para a outra, principalmente no sistema de informação.
É necessário, portanto, do meu ponto de vista, desconstitucionalizar as polícias, primeiro, para depois se conseguir abrir um debate muito eficaz em relação a isso. Vejam: será que podemos considerar as relações das polícias militares em São Paulo as mesmas relações das polícias militares em Mato Grosso? Como é o problema das polícias militares na sua relação com o Exército na Amazônia? Será que é o mesmo em São Paulo? Ou seja, temos de deixar um espaço para que não pensemos que uma solução nacional feita aqui seja aplicável, ao mesmo tempo, no Amapá e na fronteira do Rio Grande do Sul, em Santana do Livramento, que é vizinha da cidade de Rivera, no Uruguai.
Nós nos engessamos e temos de evitar isso. Quem é que nos impõe o engessamento? As corporações, porque as corporações querem ficar donas de pedaços do Estado.
Lembram-se de qual era o discurso antes da Constituição de 1988? Lembram-se do grande valor que dávamos, no discurso da oposição ao governo militar, aos representantes da sociedade civil? Lembram-se disso? Aquilo já era um mantra. É isso aí! Era um mantra. Aí, quando fomos fazer a Constituição, ficamos sabendo que os representantes da sociedade civil eram representantes de setores específicos da sociedade civil que tinham condições de chegar a Brasília - não era o povo - e que queriam morder um pedaço do Estado.
O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Oposição/PSDB - CE. Fora do microfone.) - É assim até hoje!
O SR. RONALDO CAIADO (Bloco Oposição/DEM - GO. Fora do microfone.) - É assim até hoje!
O SR. NELSON JOBIM - Ou seja, queriam comer um pedaço do Estado e ficar com esse pedaço do Estado.
Vejam, por exemplo, a política de equalização de remuneração, que se atrela à do Ministro do Supremo, atrela-se a não sei o quê. De repente, aumenta-se um salário, uma remuneração, um subsídio de um Ministro do Supremo e bate na polícia comunitária da cidade de Santa Maria, do prefeito municipal. Não é possível.
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O SR. JOSÉ PIMENTEL (Bloco Apoio Governo/PT - CE. Fora do microfone.) - O guarda municipal. E emenda constitucional para isso.
O SR. NELSON JOBIM - Claro. O guarda municipal fica engessado.
Aqui, você decide um aumento que vai atingir um orçamento do Estado, que não tem recursos para pagar aquilo. O que se faz? Então, nós precisamos rever esse tipo de situação.
Eu creio que, no problema de fronteira, é preciso ter gente de fronteira. Agora, se nós devemos ou não criar uma polícia de fronteira, eu acho que nós temos de criar a função de fronteira. Uma coisa é termos a noção da necessidade de haver fiscalização disso, mas, se essa fiscalização vai ser feita pela polícia estadual ou pela polícia militar estadual, vamos examinar caso a caso.
Santa Catarina tem a fronteira deste tamanho aqui. Mato Grosso do Sul tem uma política complicada, com unificação de terra indígena, na divisa com o Paraguai. Como é o nome daquela serra que há ali, de que não me recordo mais?
O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS. Fora do microfone.) - Ponta Porã.
O SR. NELSON JOBIM - Ponta Porã.
Naquela serra vertical, há terras indígenas aqui. E havia um estímulo por parte daquele Fernandinho Beira-Mar, que tinha fazenda do outro lado, de unificação de terras indígenas aqui, no Brasil. Não era assim?
O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS. Fora do microfone.) - Capitán Bado.
O SR. NELSON JOBIM - Isso aí, está aí. Eu ainda me lembro dessas coisas.
Eu acho que, primeiro, vamos desconstitucionalizar as polícias. Cada coisa no seu tempo. Se você juntar muita coisa ao mesmo tempo, você só terá inimigos e não terá amigos para enfrentar a solução. Então, vamos separando. Eu creio que seria uma bela discussão desconstitucionalizar. As corporações vão enlouquecer. Agora, um momento haverá em que nós temos de enfrentar essas loucuras das corporações.
Uma pergunta feita pelo Senador Tasso Jereissati, que eu terei de responder de forma curta, é sobre a Junta Interamericana de Defesa. A Junta Interamericana de Defesa é um organismo que foi fundado junto à OEA e ao Colégio Interamericano de Defesa. Quando fazia a Estratégia Nacional de Defesa, discutindo também o Conselho de Defesa Sul-Americano, eu participei e discuti lá. É um organismo importante, em que tem de ter qualificações, ou seja, não é um espaço para assegurar funções. É um organismo importante, embora a América do Sul tenha alguma dificuldade com a Junta Interamericana, porque, como a Junta Americana é mantida por verbas dos Estados Unidos, muitos acusam que o Colégio Interamericano de Defesa faz a política militar americana. Mas isso faz parte do jogo. Agora, temos de ter gente que possa ter capacidade de se contrapor a isso na discussão, não para extinguir a instituição. A instituição é boa, mas temos de trabalhar nesse sentido. A mesma coisa é tentar, porque as oposições são muito boas, acabar com o Congresso.
Então, eu lamento, mas eu quero dizer que V. Exª tem razão naquilo que V. Exª não disse. (Risos.)
Outra pergunta que V. Exª faz é sobre a questão TSE, TCU etc. O Tribunal Superior Eleitoral, no momento em que examina despesas de campanha ou o financiamento da campanha da chapa presidencial, pode anular os votos, ou seja, pode cassar. Isso já aconteceu com alguns governadores. O primeiro governador a ser cassado pelo TSE, de que eu me lembre, foi o Governador do Piauí, Mão Santa. Eu me lembro disso, porque eu fui o Relator do processo do Mão Santa, em que votei pela cassação. Depois, vieram outros com esse tipo de problema. Então, o que nós temos aqui? Nós temos, numa visão rápida - depois, eu faria uma análise mais aprofundada -, que o TSE, julgando as contas e condenando, cassaria a chapa. Cassando a chapa, nós teríamos a Presidência da República a ser exercida por 90 dias pelo Presidente da Câmara. O Presidente da Câmara teria de realizar eleições no 90º dia da cassação. Evidentemente que essa eleição pode ser em um ou dois turnos. Então, teríamos uma solução eventual não nos 90 dias; teríamos uma solução em 120 dias, na hipótese de termos segundo turno.
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O fato de termos uma cassação cria algumas questões. A primeira questão é saber o seguinte: a desincompatibilização fixada na Constituição, fixada da legislação eleitoral, de seis meses para os titulares do Poder Executivo concorrerem às eleições, se aplica nessa hipótese? Se se aplica nessa hipótese, o único candidato viável é o Senador Aécio Neves, e o Governador Alckmin não poderia concorrer, porque não teria tempo para a desincompatibilização. Eu estou fazendo um mero exercício. Não estou dizendo que as pessoas queiram isso. Ao me perguntarem, eu vou ter que dizer o que penso sobre o assunto, o que sempre fiz.
Senador Tasso, vamos admitir que ocorra isto: que o Senador Aécio Neves seja eleito. Se o Senador Aécio Neves for eleito, ele eventualmente será um candidato à reeleição em 2018, não é? O Governador Alckmin gostará disso? Ou ficará como candidato ao Senado de São Paulo? Será que os interesses são convergentes ou não são convergentes?
Será que a anulação da chapa poderia ser... Eu não estou dizendo que queiram isso; estou fazendo uma análise fora da vontade subjetiva dos atores. Ora, se o Governo da Presidente Dilma tem dificuldades eleitorais e tem dificuldades de prestígio, um candidato, em 2018, pelo Partido dos Trabalhadores teria mais ou menos vantagens contra uma reeleição do candidato Aécio Neves? É mais fácil ou mais difícil um candidato do PT, em 2018, suceder a Presidente Dilma ou suceder o Presidente Aécio, depois da vitimização da Presidente Dilma? A questão também que tem que ser vista, porque, se esse tema surgir, vai ter que aparecer.
Vejam, quando você anula uma eleição, você o faz porque houve vício na votação. No caso que está sendo posto, não estamos falando em vício na votação, estamos falando em vício no financiamento. Se o vício do financiamento se restringe às regras de campanha, ou, melhor, se se restringe o vício ao financiamento, atividades feitas pelos controladores do financiamento ao candidato a presidente contamina o candidato a vice? Se as contas de ambos são separadas e se constata que o vício se deu nesta ponta, mas não se deu nesta, o resultado final é a anulação da chapa ou a anulação deste? São questões novas.
Uma coisa é a captação e a anulação do voto se eu cometo fraude no processo de apuração. Se há fraude no processo da votação, contamina-se todo mundo. Disso eu não tenho dúvida. Eu estou pondo como questão se a causa da cassação não é vício ali, mas, sim, atos ilícitos na composição da estrutura de financiamento, o que não têm nada a ver com aquilo. E você está apenando o ato ilícito praticado com a cassação, correto?
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Pode-se apenar, deve-se apenar somente aquele que teve origem ou que esteve não necessariamente vinculado a atos diretos, mas cujos assessores praticaram os atos e obtiveram, digamos, financiamentos oriundos de forma ilícita? Isso deve contaminar o outro que não teve participação na ilicitude? Vejam que não é uma situação simples. Não tenho dúvidas se fosse fraude. Uma coisa é fraude; outra coisa são atos não legais no financiamento das campanhas. Se as contas são separadas, vamos atingir os dois ou vamos ficar com um só? Isso é um problema.
TCU. O TCU ontem emitiu um parecer... Vejam: a imprensa diz - e normalmente se diz -: "O TCU rejeitou as contas". Não; o TCU deu um parecer pela rejeição das contas. Quem rejeita as contas é o Congresso Nacional. Esse parecer vem ao Congresso, vem à Comissão Mista de Orçamento; a Comissão Mista faz lá o seu parecer sobre isso e redige uma proposta de decreto legislativo que aprova as contas ou rejeita as contas. Não é que aprove o parecer do TCU; o parecer do TCU é um elemento de informação para a Comissão Mista de Orçamento ter a sua posição. Poderá o parecer da Comissão acolher as afirmações do TCU. Isso é outra coisa.
Bem. Conclusões possíveis: projeto de resolução aprovando as contas; projeto de resolução aprovando as contas com ressalvas - que é o que normalmente acontece -; ou projeto de resolução desaprovando as contas. A consequência disso é a inelegibilidade por um período de tempo, mas não há nenhuma consequência no mandato. Mas a hipótese é fundamento para o procedimento de impeachment, que é outra coisa, que é um juízo político.
O procedimento de impeachment começa na Câmara dos Deputados por uma representação que é discutida na Câmara e é ou não acolhida na Câmara. Na Câmara não há defesa; há meramente... No caso do impeachment, a Presidente da República teria que se opor à admissão da representação. É mais ou menos parecido com os processos que ocorrem no Supremo Tribunal Federal contra Parlamentares. Há um período que é o da admissão da denúncia. E o caso da Câmara é mais ou menos assim. Então, nós teríamos todo um procedimento na Comissão e, depois, teríamos o parecer dessa Comissão, que iria ao plenário. Se esse parecer for aprovado por dois terços dos Parlamentares - 242, 243 -, se for aprovado por 243, dois terços, foi admitida a representação e remetida para o Senado. Entrando no Senado, a Presidente é afastada temporariamente. Assume o Vice-Presidente da República, a tramitação do procedimento continua, e chega ao final, aqui no Senado, a votação pelo impedimento ou não impedimento. Se não for acolhido no Senado o impedimento, desaparece... O Vice-Presidente volta à situação normal, a Presidente assume o mandato, reassume o mandato, que estava sendo exercido temporariamente pelo Vice, ou, se a decisão for definitiva, o Vice-Presidente assume, é investido como Presidente da República em substituição ao Presidente afastado.
Nessa hipótese, nós temos que lembrar o caso Collor. No caso Collor, a representação foi admitida na Câmara - eu fui o Relator na Câmara para a admissão da acusação; foi admitida. Depois, houve o processo. Ele foi afastado logo que o processo entrou no Senado. Afastado, assumiu o Presidente Itamar. Antes do julgamento no Senado, o Presidente Collor renunciou. E surgiu um problema: se a renúncia do Presidente Collor tinha ou não extinguido o processo de impeachment.
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O Presidente do Senado, para o processo de impeachment, era o Ministro Sydney Sanches. E o Supremo, então, o Ministro decidiu, acolhido depois pelo Supremo, que aquilo não extinguia o processo, porque havia uma pena acessória, que era a inelegibilidade por 8 anos. Evidentemente, quanto à cassação do mandato, não havia mandato mais para ser extinto, porque já tinha havido a renúncia, mas não se extinguia a possibilidade da pena acessória que era a inelegibilidade. E aí se manteve, julgou-se. Foi no final de dezembro, talvez 30 de dezembro, que se julgou o impeachment do Presidente Collor. Esse é o procedimento formal.
Os problemas que surgem e a experiência diz... O início é na Câmara. Indeferida que seja, pela Mesa da Câmara, a tramitação da representação, cabe recurso ao Plenário. Para esse recurso, o quórum é maioria simples. Pode ser admitido o recurso, e, dando-se procedência ao recurso, instaura-se o processo. Aí é um movimento complicado. Aí nós sabemos perfeitamente que ninguém sabe onde é que vai parar isso. A coisa começa a tomar uma dinâmica distinta que não é uma dinâmica jurídica, é uma dinâmica política, na perspectiva brasileira.
Senador Tasso, é mera, digamos, especulação. Vamos admitir que o processo de impeachment se dê. Assume o Vice-Presidente da República. O Vice-Presidente da República teria de conduzir o País até a eleição de 2018. O Vice-Presidente da República é do PMDB de São Paulo. Interessaria ao PSDB de São Paulo o fortalecimento do PMDB em São Paulo? Ou interessaria ao seu Partido ter um candidato à Presidência da República, em 2018, opondo-se ao Governo do PT?
São problemas que estão na mesa. Essas minhas, digamos, elucubrações mostram que não há coincidência de pretensões. E pode não haver coincidência de pretensões.
Suponhamos que o Vice Michel Temer, em consequência do impeachment, assuma a Presidência; o PSDB poderá não ter um entendimento para levar o País até 2018; ou teria interesse de enterrar para depois chegar lá?
Será que, vitimizada a Presidente com o processo de impeachment, o Partido dos Trabalhadores teria que fazer, nesses três anos, uma enorme convulsão social para assegurar sua eleição em 2018?
Com isso, estamos vendo que há situações de curto prazo - meras elucubrações minhas - que não necessariamente coincidem com as necessidades de médio e de longo prazo. A opção entre uma coisa e outra é uma opção política, não é uma opção jurídica.
E o que eu lamento hoje, que se agravou fortemente nos últimos anos, é que a derrota, a não solução das questões políticas começam a ser empurradas para o Poder Judiciário, ou seja, o derrotado no sistema político resolve jogar a discussão política para outro Poder que não tem nada que ver com esse assunto e que, em determinado momento, não aceitava, mas, em outro momento, começou a gostar disso. E, quanto mais os senhores constitucionalizarem coisas, mais poder vocês darão aos juízes para dizerem o que vocês não podem fazer. Será que isso vale a pena?
Desculpem-me as ilações.
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Senador Delcídio, questão indígena. Em 1988, digamos, o artífice... Eu redigi o artigo, mas o personagem político... Na verdade, em 1988, eu era um amanuense, eu não era um personagem politicamente relevante, que tomava decisões políticas. Eu sabia escrever juridicamente, então as decisões que eram tomadas pelo aspecto político acabavam transformando em texto. Não participava necessariamente do processo decisório.
O grande personagem que operou na área indígena foi o Senador Severo Gomes, que foi o grande trabalhador no capítulo indígena. Ali nós tínhamos uma discussão que foi posta na época em que os setores indigenistas pretendiam uma espécie de soberania indígena, contrariamente ao sistema historicamente brasileiro, que tentaram importar para cá, coisa que está acontecendo muito hoje, modelos americanos. Nos Estados Unidos, efetivamente, havia um tratado da nação americana com as nações indígenas. Ou seja, havia a nação indígena que se relacionava com a nação americana branca. Aqui, no Brasil, não. Aqui, no Brasil, os índios foram incorporados à nacionalidade brasileira e participam da nacionalidade brasileira com direitos específicos. E a discussão era tentar recolocar isso.
Nós tivemos durante todo o período essa discussão sobre um tema que agora o Supremo felizmente definiu, que é o tempo do marco temporal. Sustenta-se, hoje, que os indígenas que não estão mais num determinado território, não estão na área do seu território, mas que de lá saíram em 1920 ou 1940, quando houve aquele movimento começado pelo Presidente Getúlio Vargas de marcha para o oeste, de ocupação do oeste, que deu origem àquelas empresas de colonização estaduais, e essas empresas considerando a necessidade de ocupação do oeste brasileiro começaram a titular pessoas nessas áreas, que essas titularizações foram contrárias aos interesses indígenas, embora lá já não tivesse mais índios naquele momento eventualmente. E essa discussão continua. E continua com uma certa dubiedade na nação governamental.
Há uma pressão internacional, principalmente da Europa, em relação à questão indígena. Dizia o Senador Darci Ribeiro, numa brincadeira num jantar aqui em Brasília, conversando com ele sobre esse assunto, ele olhou e disse: "Ô Jobim, os europeus mataram todos os índios e agora querem fazer com que a gente não tome uma política indígena. Querem curtir a culpa em cima da gente."
Na verdade, o que acontecia? Você tinha um financiamento enorme para essas ações indígenas. Quando houve a questão Raposa Serra do Sol, em que eu efetivamente fiquei dois dias viajando pela área, porque essas coisas é muito complicado você examiná-las com clareza olhando fotografia, indo lá no gabinete do Ministério da Justiça, etc., então eu propus que eu tinha que ir lá olhar, botar o pé no chão. E realmente andei a cavalo, porque eu queria saber de quem eram aquelas reses, as reses eram da igreja. A marca era uma marca do bispado que estava dentro da terra indígena. Eu peguei um cavalo vagabundo para burro, eu - acostumado com um cavalo crioulo do Rio Grande do Sul que era muito mais forte -, um pantaneiro, mas um pantaneiro lá do Norte. Como lá não tem Pantanal, lá tem Cerrado, aliás, tem aquelas Savanas, eu me lembro com isso da viagem de um grande ambientalista passando por cima daquela região de Rondônia: "Olha aqui, vocês viram, desmataram tudo." Nunca teve mato lá. Mas ele disse: "Desmataram tudo. Tudo está desmatado." Lembre-se de que aquela região foi decorrente de um acordo feito pelo Senador Joaquim Nabuco, que fez a negociação que está dando caso agora com o Essequibo.
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Quando o Brasil discutia a fronteira com a Guiana Inglesa, acabamos decidindo, com a participação do Senador Joaquim Nabuco, que a divisa brasileira seria no Rio Maú. Se vocês olharem o mapa, vão verificar que há um rio que faz a divisa, hoje, com a Guiana. Esse rio Maú vem, junta-se a outro rio embaixo que faz esse contorno e vai desaguar, depois, no Amazonas, um outro braço do Amazonas. Esta região aqui que se chamava Região da Raposa, porque era a parte baixa. Serra do Sol era na divisa - BV9 ou BV8 - com a Venezuela. Então, você tem a Serra do Sol lá em cima e a Raposa embaixo. Daí porque se chamava Raposa Serra do Sol, porque pegava toda essa região. E a discussão básica era se deveria ser uma área só.
Houve uma decisão do Supremo, extraordinária, em que o grande Ministro do caso, já falecido, foi o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que definiu a condição de ser terra indígena. Inclusive, proibiu o alargamento que está acontecendo no Mato Grosso do Sul: o aumento de uma terra indígena demarcada. Aí o Supremo decidiu, primeiro, que só está sujeita à proteção constitucional de terra indígena se à época da Constituição havia índio naquele local, não removido, porque a Funai usou muito isto de pegar índio e levar para um lugar e outro, não foi assim? Lá eles não pegavam aqueles ônibus para subir aquela sua serra lá e levar índios para o outro lado? Era assim.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. NELSON JOBIM - Bom, vários. Principalmente os guaranis-caioás. E falam espanhol, inclusive. E chegam a Dourados. Eu conheço bem ali porque fui lá naquela situação de Dourados.
Ou seja, o tratamento do problema indígena não pode ser um tratamento de expiações de culpa. Como você justifica a esses seus concidadãos que compraram terras do Estado do Mato Grosso, antes do Mato Grosso do Sul, da empresa de colonização do Mato Grosso, compraram terras em 1940, em 1930, que hoje estão sujeitos a, considerando que aquela aquisição é ilegítima, não terem direito à indenização da terra nua, só terem direito à indenização das benfeitorias feitas de boa-fé? Ou seja, isso é uma instabilidade que precisa ser enfrentada. E os governos têm uma dificuldade imensa de enfrentar isso por questões ideológicas. Claramente questões ideológicas. Não querem definir o quadro.
E aí, como você começa? Você começa hoje uma disfuncionalidade típica da sociedade brasileira, em que você tem agências, no sentido geral, apoderadas para tomar decisões. E a legislação existente não define objetivos, define competências; e define procedimentos, mas não diz o que pode fazer. Então, o que aconteceu? Nós apoderamos agências, demos poder às agências, definindo genericamente proteção ambiental, e depois dizemos o procedimento. E o que acontece? Paralisa tudo.
O Ministério Público também está querendo ser governo há algum tempo, principalmente governo municipal, em termos de: faz isso, faz aquilo, não pode fazer isso, abre a rua aqui, não abre a rua lá, não é assim? Isso é uma disfuncionalidade que nós temos que colocar na mesa e discutir. Será que não tem voto para discutir esse assunto e apontar uma solução? Tem. Mas as pessoas têm medo de discutir o assunto. E quem tinha a obrigação de fazer isso era o Poder Executivo.
Uma coisa é a impessoalidade da discussão da matéria, outra coisa é exigir que o Senador Delcídio assuma aquilo. É muito diferente. No momento em que você tiver a impessoalidade, você consegue enfrentar a coisa com certa lucidez, porque você torna disseminada a possibilidade da acusação. Eu não vou exigir, se, por razões políticas, o fulano de tal não quer se expor. Não quer se expor, ponto. Não adianta você dizer: "Não, tem que se expor". Não. Ele não quer se expor. Tem que tratar assim. Esse é o caso. Tem que encontrar uma forma de resolver o problema. Como você resolve? Não fulanizando, impessoalizando a decisão política. E essa impessoalidade tem de vir de projetos geridos pelo Executivo, porque esses não têm problema; esses estão lá em função disso. Não podem exigir que venha daqui, têm que exigir que venha de lá, para você tentar mudar essa estruturação.
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Por último, o Senador Pimentel se referiu aos problemas prisionais, terríveis, ou seja, nossa... Por quê? Porque a nossa concepção é de que você combate o crime aumentando a pena. Sabe qual é o efeito no Poder Judiciário quando você tem uma pena absolutamente desproporcional ao ilícito? Como não tem solução, o juiz absolve, porque ele não quer condenar o sujeito, porque não quer mandar para a cadeia x, y, ou z que tem uma situação de recepção terrível.
Temos que ter uma política em relação à situação prisional. Discussões aconteceram em 1995, e hoje já desapareceram, sobre aquele problema de privatização dos presídios. Lembram-se daquela discussão na época? Não privatizaram presídios, mas a alimentação dos presídios etc. A gestão dos presídios se privatizou, mas se manteve... Na estrutura, havia problemas de atos de polícia que não podiam ser praticados por entidades de delegação, tinham que ser praticados pelo funcionário público, então exigia-se a existência de funcionários públicos. Equívocos institucionais nossos .
Essa coisa da discussão da maioridade penal. Não se deve... No meu ponto de vista, quando você está legislando não existem coisas boas nem más, existem coisas convenientes e inconvenientes. Aquilo que é conveniente hoje, será inconveniente amanhã. Vocês não acham, na discussão do sistema eleitoral brasileiro, que hoje é tido por todos como inconveniente, embora não haja acordo para se fazer a substituição por algo mais conveniente, que esse sistema funcionou, era bom, mas as situações políticas e históricas mudaram e o sistema se tornou inconveniente? Ele não é bom nem mau a priori. Não dá para você julgar, a priori, se a maioridade penal é algo para discussão acadêmica, se é melhor ou pior. Essa discussão não deve ser posta, devem ser postas as consequências disso. Como vamos resolver o problema da prisão do menor de 16 anos? Vamos botar no presídio de Fortaleza? Lá no Mato Grosso do Sul? Ou estamos, com isso, estimulando a força de trabalho para o ato ilícito pelo aprendizado que vai ocorrer dentro do presídio? Quantos de nós já visitamos um presídio para sabermos como funciona? Não aquele presídio que o Governador quer te mostrar quando está inaugurando, não é disso que estou falando, estou falando daquele presídio que funciona há mais de cinco, seis, dez anos. É por aí que temos que pensar nisso. É isso que se quer?
Mas a discussão, veja bem, Pimentel, é teórica. Vejam, é toda ela de vingança: "Ah, mas se ele me mata, matou minha família, tem que ir para a cadeia." É exigível da família essa reação, mas é exigível do sistema institucional atender a essa legítima pretensão de vingança? E a vingança é a regra para você resolver o problema?
Claro que temos problemas econômicos nisso tudo. Você tem uma urbanização da sociedade brasileira imensa. Essa urbanização da sociedade brasileira determinou o quê? Determinou que qual é o problema do sujeito urbano? É a renda. Como ele resolve o problema da renda? Ou na atividade privada ou na atividade no emprego público. Por exemplo, os meus conterrâneos do Sul e do Sudeste acusam o Norte e o Nordeste de os Municípios terem uma enorme contratação de servidores. Mas o que esses servidores iriam fazer para ter renda se a atividade privada não tem condições de fazer? Qual foi a solução encontrada? Emprego público. Mas não se examina a inexistência do espaço privado para a solução da renda do homem urbano.
Agora, se você consumiu espaço privado, não tem. Vai para espaço público, que não tem. Vai aonde? Vai para a economia informal, começa a apropriar-se, por exemplo, de espaços de estacionamento de automóveis, em sinaleiras. São formas de resolver o problema da renda. E se esses três espaços não resolvem, aonde vai? Vai para a criminalidade desorganizada: o pequeno furto, etc. Por último, acaba ingressando na criminalidade organizada, que normalmente está aqui, porque é vista como uma atividade do setor privado.
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Então, não adianta tentar dizer: "Vou resolver isso porque vou condenar os menores de 14 anos que estão sendo usados." Por que eles estão sendo usados? É a mesma coisa, mais ou menos, mutatis mutandis, a leitura que eu fiz em relação às licitações. Você abre oportunidades. Nós temos muita dificuldade porque a solução dos espaços, o corte dos espaços de oportunidade não nos dá discurso, não nos dá visibilidade numa sociedade do espetáculo em que nós vivemos hoje. Ou seja, você tem que preparar o lide, e o lide não se consegue fazer com isso. No médio prazo e no longo prazo não dá lide nenhum, o que dá lide é o curto prazo, dizer: "Bandido bom é bandido morto", coisas desse tipo.
Só vou fazer um registro, Pimentel. Você, em momento algum, falou em Câmara dos Deputados; falou na Casa do lado. Não sei bem o que isso significa. (Risos.)
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Nós temos dois requerimentos para serem lidos e votados daqui a pouco, mas, antes, vamos ouvir o último orador inscrito, que pacientemente aguardou até agora, Senador Sérgio Petecão.
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - Na verdade, Presidente Raupp, eu me sinto contemplado pela fala do Ministro.
Eu sou do Acre, Ministro. Sou Senador pelo Acre. Ouvi atentamente a fala de todos os colegas Senadores e um dos temas discutidos aqui foi a droga. E o senhor mostrou um conhecimento muito grande de todo o Brasil, principalmente da nossa região. Só errou ali na fronteira de Santa Rosa. Não é Bolívia, é Peru; lá em Santa Rosa do Purus é Peru, não é Bolívia.
Eu penso assim, o Senador Delcídio falou dessa relação de fronteira. Não sei se seria uma relação de fronteira, porque não é preciso ser um especialista, não é preciso ser um ex-Ministro como o senhor para saber que ali nós temos problemas com a droga. O Governo brasileiro tem essas informações. Aquele Senador que o Ferraço trouxe lá da Bolívia, colocou lá na minha casa e ali passou dois anos, o Ferraço trouxe e colocou na minha casa o Senador Roger Pinto, é um Senador, foi governador de Pando, daquela região. Como ele faz oposição ao Evo, deu aquele problema todo. E de tanto conversar com ele, lógico, eu tenho algumas informações. É público e notório que, com aquela situação ali, o governo boliviano é conivente. O governo boliviano sabe de tudo, e eu não vi o senhor falar com ênfase aqui que tem que existir um endurecimento do Governo brasileiro com o governo boliviano! O senhor falou que se não combater a produção, vai chover no molhado. É mais fácil combater a droga na fronteira. O governo Evo é recebido no meu Estado com um tapete vermelho; é recebido aqui em Brasília com um tapete vermelho! O governo Evo não sabe que o país dele é o maior produtor de drogas do mundo? Será que o governo boliviano não sabe disso?
Agora, combater a droga nessa fronteira, como o senhor falou aí, é realmente difícil. Na Amazônia é praticamente impossível. Ou existe uma política de endurecimento do Governo brasileiro para combatermos essa droga lá na produção - porque existe essa relação entre os dois governos - , ou então vamos ficar aqui pagando o preço caro desses presídios, dessa violência.
No meu Estado, Ministro, nunca houve isto, lá no Acre - foi dito aqui pelo Senador Jorge Viana e eu até discuto -: mais de 15 ônibus e automóveis incendiados. Nunca houve isso! Nós estamos convivendo com um momento novo em nosso Estado. E é por essa droga, essa arma é a droga. É muita droga, que antigamente era combatida pelos americanos, que saíram da Bolívia. E hoje, 90% dessa droga vem para o nosso País!
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Eu não vejo - sabe, Ministro - umas falas incisivas no sentido de responsabilizar o governo boliviano. Dizem: "Não, nós temos um problema de fronteira". Não, temos um problema de fronteira. Nós temos um governo que faz vista grossa.
A região do Chapare, é lá onde se produz a droga. E eu não sou da Polícia Federal, eu não sou nada.
O SR. NELSON JOBIM - Lá tinha 12 mil hectares que eram destinados à produção de droga, aquela tal droga de produção, coca cultural, mas na identificação que se fez, há cinco anos, eram 45 mil hectares.
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - Então, Ministro! Será que o governo boliviano ...
O SR. NELSON JOBIM - Era isso?
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - É isso que estou lhe dizendo.
O SR. NELSON JOBIM - Chapare é na parte sul.
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - E eu não sou, eu não sou - é a região entre Cochabamba e La Paz -, eu não sou da Polícia Federal, eu não sou nem um estudioso e sei disso.
Então é preciso o endurecimento, senão vamos ficar neste problema: "Olha, nós temos problema na fronteira, nós temos um probleminha na fronteira". Não, nós não temos um probleminha de fronteira não. Nós temos um problema grande de um governo que está produzindo droga e está inundando o nosso País de droga, está acabando com a nossa juventude. Ou se diz isso ou então vamos ficar nesse faz de conta que tem um problema e não tem. Aí, não tem quem segure essa violência.
Obrigado, Ministro.
O SR. NELSON JOBIM - Veja, aí, você tem que estabelecer, e daí a dificuldade das relações internacionais que são geridas por princípios ideológicos e não por situações de conveniência, eficácia, teria que ser uma coisa de um movimento comum dos Estados, porque não é só o Brasil que é atacado com isso. É o Brasil, é o Paraguai, é a Argentina, uns mais outros menos, e mais ou menos por causa do consumo, não era mais ou menos porque são mais eficazes na proteção da fronteira, mas por menos espaço de consumo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. NELSON JOBIM - Eu me lembro de que, quando, no Ministério da Defesa, eu estive na Colômbia, depois acabei sendo criticado dentro do Governo porque tinha dito, quando perguntaram como é que nós receberíamos, o Brasil, as Farcs, eu disse que nós receberíamos à bala. Foi uma bagunça. Mas como? Eu disse: é isso mesmo. Ou a gente transfere, e faz as coisas de forma transparente ou não faz. Mas, é sempre aquele: "Eu não vou me meter nisso" etc.
Realmente, se nós não tivermos uma política em relação à produção, nós não vamos conseguir fazer a represa. Quanto mais chuva vem mais água entra, mais água entra, menos a represa garante, aí, você tem que abrir o ladrão porque senão derruba, aí, vai vir o ladrão e entrar a droga. É isso aí. É uma coisa mais ou menos simples.
Agora, se você conduz isso de forma não pragmática, mas sim aborda princípios ideológicos do não sei o quê, aí vira... É o que está acontecendo. O caso indígena de vocês é isso. Então, você tem lá toda uma visão de que.... Ideológica. Então, a discussão, por exemplo, se é da cultura indígena assassinar fulano, uns querem que isso não seja crime, porque é da cultura histórica indígena, é assim que nós vamos fazer? De repente, começa a se dizer que vai ser também possível aqui se fazer a cultura do branco, de que tem que se matar alguém.
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - Só concluindo, Ministro.
O SR. NELSON JOBIM - Pois não.
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - Será que ninguém sabe que esses carros que são roubados no Brasil são todos legalizados na Bolívia?
O SR. NELSON JOBIM - Hum?
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - Os carros, os automóveis? Será que esses aviões que, agora, eles estão inovando, são roubados no Brasil, estão indo para Bolívia, que é exatamente...
O SR. NELSON JOBIM - Malo, mui malo e malo malo. E dependendo dessa categoria, você tem um preço diferente. Não é assim?
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Nós recebemos aqui algumas ...
O SR. DELCÍDIO DO AMARAL (Bloco Apoio Governo/PT - MS) - Em Corumbá, se atravessar a fronteira, cuide do carro, porque vai embora rapidinho.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Já deu uma melhorada, não é?, com o convênio firmado.
O SR. SÉRGIO PETECÃO (Bloco Maioria/PSD - AC) - Melhorada? Vai lá para ver.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Nós recebemos aqui algumas perguntas, Ministro Nelson Jobim, do Alô Senado, de cidadãos que ligam aqui para a Comissão. Dado o adiantado da hora, vai ser muito difícil o Ministro responder a todas essas perguntas, vou apenas fazer a leitura, contemplando-as, e passo às mãos do Sr. Ministro.
O Sr. Jório Matias de Azevedo pergunta: "Quero saber do Sr. Ministro Nelson Jobim se o nosso submarino nuclear verdadeiramente está em construção".
Ercílio Arruda Lopes, de São Paulo: "Para se combater o uso da cocaína é preciso saber para que se produz e o porquê do consumo. Qual a opinião dos Senadores e do Ministro Nelson Jobim sobre o assunto?"
O SR. NELSON JOBIM - Nada sobre a produção.
R
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Cláudio da Cunha e Silva Filho, Distrito Federal: "O País que não domina a tecnologia de lançadores de satélites não possui soberania real. O que deveria ser feito para reverter esse quadro?"
Sobre quase todos esses assuntos o Ministro já falou, na sua explanação.
Sr. Roberto Barbosa dos Santos, de Rondônia - lá do meu Estado -: "Acredito que o Brasil deveria ter um satélite construído pelo próprio País, para ajudar na segurança nacional".
Isso está sendo feito, não é?
O SR. NELSON JOBIM - Temos que comprar o satélite. Não há como construir agora. Não há tecnologia para isso. Urge comprar um satélite, mesmo porque o satélite demanda espaços de ocupação. Não basta lançar o satélite. Você tem "lotes" para satélites. Passa o tempo, você não ocupa com o satélite, você vai para o fim da fila. E, no caso específico dos geoestacionários, é esse o problema que nós temos.
Em relação aos lançadores, que é o problema de Alcântara, ele está mencionando problema de Alcântara.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. NELSON JOBIM - Não, o submarino não está ainda em construção porque não pode estar em construção. Nós temos que primeiro construir os submarinos tradicionais, os Scorpènes convencionais, para depois você ter a tecnologia que será transferida ao Brasil - não a parte nuclear -, a tecnologia da cibernética e do casco do submarino, principalmente de propulsão nuclear, porque a energia nuclear nós temos. Ou seja, o modelo nuclear nós temos, que está lá em Iperó, no Labgene.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. NELSON JOBIM - É, em Iperó. Em Aramar. Lá, o Labgene tem inclusive o motor. O problema nosso é saber como é que você conecta aquele instrumento nuclear com o casco do submarino nuclear, que é, digamos, a tecnologia francesa.
E por é que que nós adotamos a tecnologia francesa? Por uma razão simples: é a única que tem isso. Lembrem-se que o De Gaulle, o General De Gaulle, quando os Estados Unidos, depois da Guerra, queriam proibir as ações nucleares na Europa - mas permitidas nos Estados Unidos -, o General De Gaulle rompeu o tratado com os americanos e assumiu a condição de desenvolver uma tecnologia própria, resultando naquilo que eles chamaram de force de fappre, que deu origem à tecnologia francesa. Eles se dispõem a transferir não a tecnologia nuclear, porque essa nós temos, com grande desenvolvimento aqui no Brasil pela Marinha - foi a Marinha que fez isso, porém, nós temos aí a tecnologia do casco. Vamos construir primeiro os tradicionais, os convencionais, para então chegarmos à tecnologia de transferência. Mas tudo isso é tempo. São 20 anos no mínimo.
O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco Maioria/PMDB - RO) - Eu queria pedir apenas mais uns três minutos da paciência de V. Exª e do Ministro Nelson Jobim, para aprovarmos dois requerimentos.
ITEM 1
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL Nº 77, de 2015
- Não terminativo -
Requeiro, nos termos do disposto no art. 90, V, do Regimento Interno do Senado Federal e de acordo com o art. 58, § 2º, inciso V, da Constituição Federal, seja convidado a comparecer a esta Comissão, o Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Defesa, Aldo Rebelo, para apresentar as diretrizes e os programas prioritários da sua pasta.
Autoria: Senador Valdir Raupp e outros
A autoria é da Senadora Ana Amélia. Ela não está, e o nosso Regimento diz que tem que estar presente, mas eu assinei também, em coautoria com a Senadora Ana Amélia.
Em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, encerro a discussão.
Em votação.
As Srªs e os Srs. Senadores que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
ITEM 2
REQUERIMENTO DA COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL Nº 78, de 2015
- Não terminativo -
Requeiro, nos termos do art. 93, inciso II do Regimento Interno do Senado Federal, a realização de audiência pública com a presença dos Senhores PEDRO MOTA VEIGA, Diretor do CINDES - Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento, VERA THORSTHENSEN, professora da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, LIA VALLS PEREIRA, pesquisadora do IBRE da Fundação Getúlio Vargas e CHRITOPHER GARMANN Diretor do Eurasia Group, a fim de debater sobre o Acordo Multilateral “Pacto do Pacífico” recentemente celebrado por 12 países e seus reflexos para a economia brasileira.
Autoria: Senador Tasso Jereissati
Em discussão o requerimento. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, encerro a discussão.
Em votação o requerimento.
As Srªs e os Srs. Senadores que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Agradecemos a presença do ex-Senador Aníbal Diniz, agora Diretor da Anatel, aprovado recentemente, aqui no Senado Federal. Obrigado pela presença.
R
Agradecemos imensamente a presença e a paciência do Ministro Nelson Jobim, que aqui compareceu e permaneceu por mais de três horas, para responder aos questionamentos das Srªs e dos Srs. Senadores e também fez uma bela apresentação sobre todo o conhecimento que ele tem na área da defesa e segurança nacional.
Obrigado, Ministro Nelson Jobim.
Não havendo mais nada a tratar, está encerrada a presente reunião.
Muito obrigado a todos.
(Iniciada às 10 horas, a reunião é encerrada às 13 horas e 10 minutos.)