21/10/2015 - 30ª - Comissão de Educação e Cultura, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, Comissão de Assuntos Sociais

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Bom dia a todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 58ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esportes, em conjunto com a 30ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais, e com a 95ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Direitos Humanos, Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião convocada, na forma de audiência pública conjunta, atende ao Requerimento nº 86, de 2015, desta Comissão; nº 27, de 2015, da CAS; e nº 130, de 2015, da CDH, de minha autoria e dos Senadores Lídice da Mata, Paulo Paim e Donizeti Nogueira, respectivamente, para realização da audiência pública destinada a debater o tema: "Primeira Infância e Epigenética: um novo paradigma no desenvolvimento infantil".
Dando início à audiência pública, solicito ao Secretário da Comissão que acompanhe os convidados para tomarem assento à mesa. (Pausa.)
Os convidados são a Srª Maria Regina Maluf, psicóloga; o Sr. Luiz Antonio Corrêa, psicólogo, psicanalista e pedagogo; o Sr. Gilles Cambonie, pediatra e neonatologista; e a Srª Françoise Molénat, psiquiatra. (Pausa.)
Agradeço a presença dos convidados, que, tenho certeza, serão aqui de grande importância e relevância nesta audiência pública.
Comunico que a presente reunião será transmitida no telão da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, localizada na Ala Nilo Coelho, no Plenário nº 2, no Auditório Petrônio Portela e no Interlegis.
Informo ainda que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão: Alô Senado, através do telefone 0800-612211, e e-Cidadania, por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
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É uma honra para esta Comissão de Educação, Cultura e Esporte, juntamente com a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Assuntos Sociais, receber esta audiência pública, que integra a VIII Semana da Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, evento que se iniciou ontem e vai até o dia 22 de outubro, sobre o tema "A Epigenética e o Desenvolvimento Infantil".
Confesso que, quando me deparei com o tema, fui logo tentar descobrir o que é Epigenética, e descobri que preciso de um biólogo para me apoiar na explicação, mas o dicionário diz que o termo "epigenética" é utilizado para designar a informação genética que, com a ajuda de modificação de cromatina e DNA, ajuda ou inibe determinados genes. Ou seja, é o estudo da modificação dos genomas herdados durante a divisão celular, o que não envolve uma mudança na sequência... (Falha na gravação.)
... pouco consegui entender desse significado, mas isso não é o mais importante, pois posso afirmar que qualquer pai entende muito bem o que seja a primeira infância, normalmente designada como os primeiros anos de vida do indivíduo. A primeira infância é uma fase determinante para a capacidade cognitiva e sociabilidade do indivíduo, pois o cérebro absorve todas as informações, e as respostas são rápidas e duradouras. Segundo especialistas, as crianças nessa fase precisam de oportunidades e estímulos para que possam desenvolver cada uma de suas aptidões. Estudos demonstram que é durante a primeira infância que o cérebro humano desenvolve a maioria das ligações entre os neurônios.
Eu tive oportunidade de praticar esse estudo por seis vezes; ou seja, tive a satisfação de conviver durante seis momentos distintos com cada um dos meus seis filhos. Tenho de admitir que esse convívio não me ensinou a teoria da Epigenética mas pude viver a prática junto a meus filhos e, por último, ganhei a minha caçula, Ivy, que me tem ensinado a ser um pouco criança novamente. Às vezes, me deparo com o aflorar do meu espírito infantil, seja em cima de um brinquedo, seja com brincadeiras que os adultos não estão acostumados a encarar, seja com os desafios do mundo infantilizado.
Ivy, minha princesinha, minha caçulinha, saiu da primeira infância, pois completou 10 anos, mas ainda é uma criança, e agradeço a ela, à Moniquinha, ao Romarinho, à Dadá, ao Rafinha e à Belinha por permitirem que, em alguns momentos da minha vida, eu possa voltar a ser criança, usufruindo do mundo mágico que eles nos levam a conhecer.
O grande objetivo deste evento que o Senado está realizando é apontar novas informações no campo da ciência e da prática educacional que contribuam para que o Poder Público e a sociedade deem mais atenção à primeira infância como fase primordial da formação e do desenvolvimento da pessoa.
Nesta semana, estamos tendo o prazer de conviver com excelentes palestrantes que atuam na área, pessoas renomadas e que dedicam suas vidas a estudar o desenvolvimento infantil. A semana não está apenas dedicada a essas pessoas, mas também aos pais que, como eu, são especialistas na prática vivida ao lado de seus pequeninos.
Ainda temos muito a aprender na teoria, mas a experiência única com cada filho ou filha nos dá a certeza de que o Brasil tem muito a fazer pela primeira infância. Eu, como Parlamentar, desejo contribuir sempre para que as políticas públicas se revertam em favor das nossas crianças. Desejo a todos um excelente debate, que faremos aqui nesta audiência pública.
Muito obrigado e, mais uma vez, agradeço imensamente a presença de todos os Senadores presentes e de todas as pessoas presentes, especialmente os convidados.
A audiência contará com o serviço de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e será realizado em caráter interativo pelo portal e-Cidadania e pelo Alô Senado.
Passarei a palavra agora aos convidados. A primeira será a Srª Maria Regina Maluf, psicóloga, para tratar do tema "Por que atribuímos tanta importância à primeira infância? A emergência da linguagem, a inteligência e a memória, a aprendizagem da leitura".
Por favor, tem a palavra a Srª Maria Regina Maluf.
A SRª MARIA REGINA MALUF - Muito obrigada.
Eu vou ficar em pé, porque não consigo muito falar sentada.
Bom dia a todos. Agradeço a oportunidade de estar aqui com os senhores. Vou tentar contribuir para refletir sobre este tema que realmente está dentro do tema deste evento, da primeira infância, que trata da teoria dos sistemas epigenéticos.
Gostaria de dizer que me sensibilizaram muito as palavras de introdução do Senador Romário, quando disse que encontrou uma palavra que não sabia o que era e que foi se informar e verificar o que significa. Nós que trabalhamos com educação valorizamos muito a disposição de aprender.
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O aprender a aprender eu acho que é uma das primeiras coisas que se tem de ensinar para a criança pequena, o que nós, adultos, perdemos muitas vezes, porque nos fixamos tanto na nossa zona de conforto, daquilo que já sabemos, e não temos mais disponibilidade para aprender. Isso é muito ruim, sobretudo para nós que trabalhamos com educação.
Esse é um esforço que estou fazendo constantemente, de aprender mais. E por quê? Porque a ciência não para. A ciência está se transformando constantemente. Eu vou me permitir fazer uma colocação que não estava prevista para fazer aqui, mas vou fazê-la, e cabe dentro da proposta deste evento.
Vamos falar do desenvolvimento da criança, desenvolvimento e aprendizagem; ou seja, o que nós podemos e estamos dispostos a fazer para favorecer esses primeiros anos de vida, dos quais depende todo o resto e dos quais depende a vida da sociedade, porque está há muito demonstrada por pesquisas com metodologia científica a associação entre os primeiros anos de vida, o atendimento que se faz para a criança nos primeiros anos de vida, e o que vai acontecer depois, no ensino fundamental, no resto da escolarização e na vida adulta. Portanto, são os alicerces; é a formação da mente da criança.
E, sobre isso, existem quatro grandes teorias de que todos já ouvimos falar e a que é dada muita ênfase, excessiva ênfase, eu penso, nos cursos de Pedagogia e em outros que formam educadores e professores. São as grandes teorias sobre o desenvolvimento da criança do começo do século XX, ou seja dos anos 1910, 1930, até 1940. Estou me referindo a Freud, Psicanálise, o desenvolvimento da criança entendido em fases psicossexuais.
Outra grande teoria nasceu com Pavlov, Watson; mais tarde, Skinner veio e interferiu bastante nela, modulando a teoria, e é a teoria da aprendizagem, que coloca toda a ênfase na aprendizagem. É uma grande teoria que fala da nossa reação a estímulos do meio ambiente.
Uma terceira grande teoria é a de Piaget. Todo mundo ouve falar de Piaget quando se fala dos primeiros anos de vida. É também uma contribuição fundamental, mas é uma contribuição anterior às mudanças de meio ambiente e à evolução dos métodos de pesquisa que nós vivemos nos dias de hoje. Não é suficiente. É uma grande teoria, mas não é suficiente. Outra teoria com que nós manejamos muito é a de Vygotsky, falando da importância do meio ambiente. Vygotsky morreu em 1939. Nós não podemos nos prender aos grandes pais. São os grandes pais da Psicologia do Desenvolvimento.
E termino falando da teoria dos sistemas epigenéticos, objeto deste evento, que vai nos buscar resposta para uma das maiores questões da educação infantil: a relação entre inato e adquirido. Uma criança se desenvolve desse jeito ou de outro porque ela nasceu assim, porque ela tem talentos, porque os genes dela determinam isso ou tudo depende do meio ambiente? Para essa grande questão - não estou dizendo que há uma resposta final -, a teoria epigenética traz uma boa solução quando nos mostra que os genes são modificáveis, e isso tem base na Biologia atual, nas neurociências. Os genes não determinam o nosso comportamento.
Isso salva muitos educadores da crença no determinismo, que é o que mais nos amarra.
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"Ah, não tem jeito. Essa criança nasceu numa família que não tem condições. Os irmãos dela também não progrediram. Ah, não vai adiantar nada, porque ela não vai aprender nada do que eu vou falar para ela". Esse determinismo não tem mais nenhuma base científica. Ou seja, nós temos que trabalhar é com a relação de influência mútua, recíproca, dos genes sobre o meio ambiente e do meio ambiente sobre os genes no que diz respeito ao desenvolvimento da criança.
Com essa colocação, eu vou falar, acho que brevemente, sobre os grandes pontos que nós queremos. Por que primeira infância? Por que nós temos que nos preocupar com a primeira infância?
O outro grande ponto é sobre como se desenvolve a mente da criança. Nós temos respostas baseadas no conhecimento psicológico atual. Como se desenvolve a mente da criança? Porque ela está se formando. Nos dois primeiros anos de vida, é o cérebro que vai formar suas conexões. Nós temos evidências muito fortes da evolução do cérebro da criança nos dois primeiros anos e o que vem depois. Então, são anos fundamentais na vida da criança.
A partir dos dois anos, nós vamos ter a linguagem. Essa separação que nós fazemos entre creche e pré-escola ou educação infantil. A creche é mais ou menos de zero a três anos, quando a criança precisa muito mais de cuidados físicos e precisa do rosto humano, da interação com o rosto humano para se humanizar, para atualizar as potencialidades que estão no seu cérebro e que só vão se atualizar na relação com outros humanos.
Por fim, terceiro ponto: conhecimento útil. Há uma velha discussão sobre relação entre teoria e prática. Existem aqueles que dizem: "Teoria não serve para nada; não quero saber de teoria, não. Eu quero saber de coisas reais". E, por outro lado, há aqueles que dizem: "Para mim, a prática é que é importante". É uma dicotomia muito ruim que nós temos que ultrapassar, porque é a teoria que vai potencializar a prática e é a prática que vai nos possibilitar a elaboração de teorias, isto é, explicações possíveis, respostas possíveis que orientem a nossa prática para que ela seja efetiva, ou seja, consiga chegar aos objetivos da forma mais econômica, da forma mais rápida, da forma mais fácil. É como pegar um caminho reto para chegar a um ponto para onde estamos indo ou pegar um caminho muito tortuoso. Vamos acabar chegamos, mas vamos demorar muito.
Conhecimento útil para pais e educadores e políticas públicas. Por que políticas públicas na educação? Ora, nós sabemos bem que temos mais de 50% de crianças brasileiras em situação de pobreza. Enfeitamos chamando de vulnerabilidade social, mas é uma situação de pobreza mesmo, é dificuldade de ter acesso aos bens e ter condições de vida favoráveis em todos os sentidos. Mais de 50% das crianças brasileiras. Então, é preciso, sim, políticas públicas para todos, mas quem depende de políticas públicas para a infância? É a faixa da população mais pobre, aquela que precisa ser ajudada, aquela que precisa ser socorrida. E quando nós vamos ajudar essas crianças?
Bom, vamos começar pelo começo. Tem que começar pelo começo. A criança mal alimentada, mal cuidada, mal atendida, sem relações humanas favoráveis ou com poucas relações humanas favoráveis, que tem dificuldade de atualizar o seu potencial social e emocional, quando chega ao ensino fundamental, no primeiro ano do ensino fundamental, vai encontrar muito mais dificuldade do que a criança que foi atendida nos primeiros anos de vida.
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Então, é meio assim: vamos construir uma casa, mas vamos começar pelos alicerces, porque, senão, a casa cai. Se vamos educar melhor as crianças brasileiras, vamos começar pelos primeiros anos de vida, porque é lá que tudo vai se formar.
É nesse sentido que estou falando em bebê humano. Nós vemos o desamparo e dependência total. Quando nasce uma criança, dizem que ela é tão linda, todo mundo faz festa e tal, mas observem como ela depende totalmente de nós. Quanto tempo ela vai demorar para se mexer sozinha, para se alimentar? O animal humano é o único que nasce em dependência total dos cuidados da sua espécie. O bebê humano demora muito. Nenhum animal demora tanto tempo. O pintinho sai do ovo e já sai andando. Outros demoram um pouco para voar, mas daí a pouco já estão voando, daí a pouco já estão em pé. O bebê humano depende desses cuidados todos. Por quê? Porque o cérebro humano é assim. A teoria biológica da seleção nos explica um pouco isso, apesar dos mistérios todos que restam a respeito do cérebro. Mas o cérebro humano precisa de um tempo para se formar, pelo menos dois anos, que é quando a criança já tem conexões suficientes para poder falar, para poder andar, para se relacionar com outras pessoas. É o único animal que demora tanto tempo para se virar. Falo em dois anos, sim, para ela começar a andar, para começar a falar, mas, se nós a deixarmos sozinha, ela provavelmente não vai sobreviver. Não há outra espécie animal com dependência tão grande como essa.
Então, é preciso cuidar da criança nos primeiros anos de vida. Quando nós cuidamos nos primeiros anos de vida, como as pesquisas nos mostram, esse alicerce vai possibilitar a construção de uma casa sólida. Há associações bem demonstradas entre o menino que foi atendido até os seis anos e vai para o ensino fundamental ou a menina que foi atendida até os seis anos e vai para o ensino fundamental e aqueles que não o foram, ou seja, que sobreviveram em situação muito carente de cuidados. O que nós mostramos? Que a escola vai ser eficiente para aquele que teve um bom atendimento na primeira infância, na sua meninice, que chega ao ensino fundamental tendo desenvolvido algumas habilidades básicas. É isso que a pré-escola tem que fazer, é isso que a educação infantil tem que fazer, para que a criança chegue ao ensino fundamental em condições de aprender, de aprender bem.
Claro que, se nós não ensinarmos bem no ensino fundamental, ela não vai aprender nunca. Mas nós estamos falando do ensino infantil. O ensino infantil cria condições.
Primeiro, linguagem. Pensamento depende da linguagem. A criança precisa desenvolver linguagem, desenvolver vocabulário, desenvolver sintaxe, formar frases, compreender a linguagem, linguagem receptiva e linguagem expressiva. É isso que se faz na pré-escola. Ela não pode começar a aprender habilidades básicas como, por exemplo, ler, escrever e contar aos seis ou sete anos, porque essas habilidades têm condições prévias, que sensibilizam para isso. Na pré-escola, na educação infantil, a criança vai se sensibilizar ao que é ler, ao que é escrever.
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Que cidadão é esse que nós queremos formar e que sai da escola depois de cinco ou seis anos de ensino fundamental e não consegue ler? E aí nós dizemos que nós estamos formando cidadão? Que cidadão nós formamos se nós não garantimos que ele aprenda a ler, escrever e contar e aprenda a interagir com a tecnologia digital? Quem não lida com tecnologia digital hoje não consegue nem fazer as coisas de banco, não se informa, não se vira em coisa nenhuma. Nós dependemos da tecnologia digital. A escola tem que garantir isso. Nós estamos dando escola para quase cem por cento das nossas crianças, mas como explicar que ela fique na escola até o quinto ano e não consegue ler, não consegue escrever, não consegue fazer continha?
Quando isso acontece - e eu me deparo com isso com enorme frequência -, eu costumo perguntar: "Mas essa criança fala?". E me dizem: "Fala!". Pergunto: "Ela fala bem?". Respondem: "Ela fala bem". "Mas essa criança se localiza no espaço? Ela consegue fazer coisas? Ela anda?" Aí respondem que ela consegue fazer tudo isso. Então eu pergunto por que ela não aprende a ler e a escrever. Porque nós não ensinamos. Esta é a única resposta: porque nós não ensinamos. Porque quem fala aprende a ler e a escrever. A escrita é colocar em forma gráfica a nossa fala.
A menina que foi atendida evita a gravidez precoce. Há uma relação fortíssima entre gravidez precoce e escolarização. Escolarizada, ela entende de saúde. Ela sabe como cuidar dos filhos. Ela sabe higiene. Ela sabe uma série de cuidados de saúde que protegem a prole. Portanto, esse cuidado, que vai se consolidar no ensino fundamental, é o que tem que começar, sim, na educação infantil.
E aí cabe uma pequena observação. Eu digo que é pequena, mas não é tão pequena assim. Eu acho que nós avançamos muito em se tratando de educação infantil ao falar do brincar. É importante brincar? Claro que é importante brincar! Brincar é a atividade natural da criança, porque ela vai entender o mundo reproduzindo o mundo nas brincadeiras dela, que são brincadeiras que refletem a cultura dela. Mas nós não podemos parar aí. Brincar não é a essência da educação infantil. Do meu ponto de vista, a essência da educação infantil é a formação da mente. Brincar é um dos recursos para a formação da mente da criança, mas não é suficiente. Nós precisamos planejar situações agradáveis, sim, para a criança no nível do desenvolvimento da criança, no nível de compreensão da criança, mas atividades que abrem portas, janelas, que abrem novas possibilidades. Isto qualquer boa escola faz: formar a mente da criança nesses anos de atendimento. Brincar de forma espontânea ela brinca em qualquer lugar, na casa dela, na família, onde ela estiver. Mas a educação infantil tem que oferecer mais do que isto: formação da mente da criança.
A Psicologia, no século XXI, avança em vários sentidos e no sentido de levar em consideração mudanças no modo de vida, que tem impacto sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças. Eu me referi às grandes teorias, de Freud, Piaget, Vygotsky, e, depois, fui parar na teoria dos sistemas epigenéticos. São teorias para explicar aspectos do desenvolvimento, mas nenhuma abrange todo o desenvolvimento da criança. Mas nós temos que pensar no que aconteceu de 1950 para cá. Que Psicologia é essa que nós temos de 1950 para cá? Aconteceu muita coisa.
E a Psicologia brasileira, no meu entender, ainda não segue um ritmo desejável. Que ritmo desejável? O ritmo de estudar problemas específicos, aproveitando as grandes teses das grandes teorias, aquilo que aprendemos com os clássicos, mas focando problemas atuais que os clássicos não tinham.
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Piaget não tinha nem vídeo para gravar as crianças. Ele tinha que ficar olhando durante horas. Vygotsky ia estudar na montanha os seus colaboradores num momento de revolução cultural e educacional. Não existia internet, não existia televisão, o mundo não estava conectado. Nossos problemas hoje são outros.
Será que a Psicologia tem respostas? Tem respostas, sim, porque a Psicologia atual, de base científica, que usa uma metodologia que pode ser enquadrada, demarcada como científica - não vou falar de ciência agora porque acho que não cabe -, tende ao conhecimento com evidências, conhecimento que podemos demonstrar, conhecimento em que dizemos: "Eu estou dando esta resposta por isto aqui", e faz uma relação entre o antes e o depois, de precedente e consequente. É a Psicologia que explica, mas explica não o desenvolvimento inteiro, mas aspectos, partes do desenvolvimento.
E aí eu queria enfatizar a necessidade de nós educadores fazermos a distinção entre desenvolvimento e aprendizagem. Vejo no Brasil uma ênfase muito grande em falar do desenvolvimento na educação infantil, mas é preciso falar de aprendizagem. Aprendizagem significa que nós não vamos atuar somente para que a criança expresse potencialidades. Desenvolvimento é a expressão de potencialidades. Aprendizagem é outra coisa. Aprendizagem é aquele comportamento novo que nós adquirimos porque alguém está propiciando ocasião, estímulo ou condição de adquirir comportamentos novos. Aprender é aprender coisas novas, de acordo com a nossa cultura, de acordo com os nossos valores, de acordo com o tipo de criança que nós queremos formar. E educação tem direção, tem meta, tem ideário. Não tem educação de deixar acontecer. Educação não é isso. É como os pais fazem com seus filhos. Nós educamos naqueles valores que temos, naquela direção que temos. Educação precisa de ideário, sim.
Consideremos também as imensas mudanças na estrutura das famílias, que afetam o modo de vida no aspecto social, emocional e os vínculos das crianças tanto com adultos como com outras crianças.
Nossas teorias do desenvolvimento são pouco sensíveis - e estou falando de nós aqui, do Brasil - e há certas questões como o impacto da pobreza sobre a constituição do pensamento. As teorias clássicas não estudaram isso. As teorias clássicas trabalharam com a criança... É muito simples falar em nível socioeconômico médio, em classe média. Não é essa etiqueta, não. Quero dizer que há crianças que têm suas necessidades básicas satisfeitas, tanto físicas como sociais e emocionais, e crianças que não têm suas necessidades básicas satisfeitas. "Ah, mas criança pobre não pode ter necessidades básicas satisfeitas?" Pode, em parte. Ela pode ter muito afeto. Pode, embora as condições sejam adversas, mas vai faltar a ela o acesso a uma série de bens que a criança de classe média tem. Isso vai ter um impacto sobre a constituição do pensamento, da mente da criança. E terá impacto maior ainda se faltarem a ela as interações emocionais, sociais, positivas, construídas, isto é, bem-estar, que é uma meta para toda a humanidade. Não é só nossa, de brasileiro, nem de chinês, nem de americano, mas uma meta humana viver com bem-estar em todos os sentidos.
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Um aspecto crucial para ser enfocado é: como é que as crianças desenvolvem teorias sobre outras mentes?
Aqui seria uma coisa específica. Não vou me deter porque nós não teríamos tempo para isso, mas nós queremos dizer: compreensão social. Como é que nós compreendemos outras pessoas? Quando nós nos olhamos, nós pensamos no que a outra pessoa está pensando, no que ela acredita, nós perguntamos o que ela está sentindo e o que ela pensa de nós. Ou seja, essa relação entre as mentes, que se baseia em inferências utilizando vários indicadores. Mas a vida social repousa, sim, nesse tipo de compreensão ou de cognição social, que muitos chamam de teoria da mente, mind theory, que é uma linha de pesquisa para entender como se forma na criança, nos primeiros anos de vida, essa capacidade de entender o outro, de levar o outro em consideração, de considerar o que o outro pensa a respeito dela.
Estou terminando.
Aqui, estou falando da teoria da mente, que é algo muito importante na educação infantil, porque envolve justamente cognição social.
Nós vemos aqui crianças lidando com o mundo físico, com objetos e cores. E elas estão lidando entre si. Então, é uma situação que pode ser de construção de elementos do mundo físico, para entender o mundo físico e entender o mundo social. A educação infantil tem um papel importante no desenvolvimento dessas habilidades, que são fundamentais na nossa vida adulta e que já devem ter sido adquiridas, obviamente.
Enfim, a exposição da criança a interações sociais. As crianças vão à escola, recebem atenção educacional desde os primeiros anos, exercitam brincadeiras de faz de conta, beneficiam-se dos efeitos da comunicação com outras pessoas. Crianças, além de se desenvolverem, aprendem aquilo que nós estamos dispostos a ensinar a elas.
Inteligência. Já não se pode entender inteligência somente como resolução de problemas. Inteligência é, sim, resolução de problemas, mas esses testes clássicos de quociente intelectual, de medida de idade mental, têm ali a sua contribuição, mas é muito pequena. Precisamos de outros recursos para identificar a capacidade mental enorme, que chamamos de inteligência.
Vou finalizar com essa imagem, mostrando para vocês a importância de que psicólogos e educadores apostem na curiosidade da criança, no desejo de aprender, no prazer de aprender durante os primeiros anos. Muitas vezes, falamos em brincar, brincar, brincar, mas não dizemos de que brincar. O que é brincar? Aprender supõe um esforço, e uma criança de quatro ou cinco anos pode fazer esforço, gosta de fazer esforço, sente prazer em fazer esforço.
Algumas pesquisas foram feitas com crianças hospitalizadas. Ouvimos muito falar em fazer brincadeiras com crianças em hospitais, crianças de sete, oito, nove, dez anos. E é muito bom, claro que sim, alegrar a criança, fazer palhaçadas, fazer brincadeiras. Há experiências com classes especiais e classes de hospitais, com crianças hospitalizadas, muitas com doença terminal. Em São Paulo, há uma forte experiência de atendimento pedagógico à criança hospitalizada, claro que uma pedagogia adaptada à condição da criança, e os resultados são excelentes.
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Vemos o prazer que a criança sente de continuar aprendendo apesar de estar doente, apesar de estar internada em um hospital, e a família dá conta disso. E os médicos costumam dizer que isso favoreceu a saúde da criança, porque, quando se mexe com mente, mexe-se com tudo, mexe-se com o corpo também.
Então, aprender, aprender a aprender, junto ao desenvolvimento. Eu estou colocando isso como uma questão para se pensar, e se pensar relacionando teoria e prática, o que vem da teoria e o que vem da prática.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Muito obrigado, Drª Maria Regina Maluf.
Passo a palavra agora ao Sr. Luiz Antonio Corrêa, psicólogo, psicanalista e pedagogo, que falará sobre o tema "O porquê da influência do afeto, do estímulo e da alimentação nas alterações neuroquímicas do cérebro."
O SR. LUIZ ANTONIO CORRÊA - Bom dia!
Inicialmente, eu gostaria de agradecer o convite ao Senador Romário e aos demais Senadores.
Vamos falar de uma coisa fantasticamente importante, que é a influência do afeto, do estímulo e da alimentação das alterações neuroquímicas.
Quando me reporto à epigenética, a alterações sobre cromossomos e neurotransmissores, eu estou me reportando à neuropsicopedagogia.
A neuropsicopedagogia é uma ciência transdisciplinar. Por que transdisciplinar? Porque ela transpassa as outras ciências, fundamentada nos conhecimentos da neurociência.
Vou trazer para vocês hoje informações fantasticamente interessantes sobre a importância desses itens que nós vamos abordar nessas alterações neuroquímicas do cérebro, potencializando a criança na sua melhor qualidade de vida e no seu melhor aprendizado.
A neuropsicopedagogia é fundamentada nos conhecimentos da neurociência para entender como funciona o cérebro da criança. Ela utiliza as interfaces da psicologia, entendendo a psicologia infantil, desenvolvimento, subjetividade, e da pedagogia, que vai trabalhar inteiramente a aprendizagem da criança, e tem como objeto formal de estudo a relação do cérebro com a aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal, social e escolar. Hoje se trabalha muito a neuropsicopedagogia em educação especial inclusiva, entendendo como funciona o cérebro de crianças que possuem determinadas patologias.
Bem, inicialmente, eu gostaria de falar para vocês uma coisa fantasticamente importante. Hoje, nós já sabemos que existe uma aprendizagem na vida intrauterina. Há alguns anos, nós nem conversávamos com a barriga. Até se escondia a gravidez. A criança nascia de olhos fechados. Hoje, conversando com a barriga, a criança já faz conexões nervosas, já cria novas redes neurais dentro da barriga da mãe. É prova disso ela já nascer com os olhos abertos hoje. A criança hoje, com dois anos de idade, está baixando aplicativo no tablet. Existe uma postulação minha que diz que hoje a criança não quer colo, quer tablet.
Nós temos que voltar a trabalhar essa inocência, essa infantilidade. É por isso que vou falar da emoção como questão sine qua non.
A neuropsicopedagogia habilita os profissionais da educação a entenderem todo esse processo desde a vida intrauterina até a vida da pessoa globalizada.
Como a criança aprende? Acho fundamental entendermos que aprender, primeiro, é uma questão de concentração. Eu quero dizer para vocês que o cérebro humano só consegue se concentrar em uma coisa de cada vez.
Um desses dias, eu dei uma entrevista na Bandeirantes, e a entrevistadora perguntou: "Mas o cérebro da mulher também?" Eu disse que a mulher faz várias atividades psicomotoras ao mesmo tempo, mas concentração neurológica é uma só. E a nossa educação está perdendo muito porque os nossos educandos não estão mais fixados, não têm mais um foco de atenção ao professor. E a aprendizagem tem uma relação intrínseca de concentração. Precisa haver concentração, organização, uma rotina. A criança não tem que estudar muito, nem nós. Nós temos que usar pouco, mas todo dia. Se nós tivermos uma organização de estudo diário, a aprendizagem será muito mais eficaz.
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E ritmo neurológico. O que é ritmo neurológico? E aí, sim, nós vamos entender a questão da epigenética nessa relação do ritmo neurológico.
Eu quero mostrar para vocês que o estímulo tem uma função fundamental. Só que hoje o estímulo está muito evidente. Hoje, é raro uma criança que não tenha uma televisão em casa. Há 50 anos, mal e mal se tinha um rádio. Então, esse estímulo auditivo e esse estímulo visual vão fazendo com que a criança já crie novas redes neurais desde quando está na barriga da mãe, e, posteriormente, ela vai ter um desenvolvimento fantástico, porque, através da estimulação visual, auditiva e tátil, todas as áreas cerebrais - os lobos temporal, parietal, occipital, o sistema límbico - estão sendo estimuladas, e estão sendo criadas novas redes neurais, potencializando a criança para ser mais inteligente.
Mas existe uma questão fundamental no desenvolvimento da criança: a alimentação. A alimentação tem uma influência importantíssima nesse nosso desenvolvimento.
Primeiro, a bainha de mielina é um isolante elétrico que permite uma condução mais rápida e mais eficiente nos impulsos nervosos. Se vocês observarem aqui, nós estamos olhando vários neurônios. Eles não se comunicam. Existe um espaço entre eles chamado fenda sináptica. Quando eu estimulo uma criança com qualquer jogo ou brincadeira, vai passar a corrente elétrica dessa estimulação de um neurônio para o outro. O que facilitará essa corrente elétrica a se protelar é a bainha de mielina, um invólucro que vai ajudar na corrente elétrica, na rapidez, na velocidade elétrica no cérebro de todos nós.
Uma mãe que se alimenta bem, com qualidade, não com quantidade, uma criança, na primeira infância, que se alimenta muito bem, isso vai constituir essa bainha de mielina e vai potencializar essa conexão nervosa, oportunizando o ritmo dessa criança muito rapidamente. A velocidade pode chegar, nessas conexões, quando uma bainha é mielinizada, com uma qualidade de mielina, de alimentação e de proteína, a 340km/h. Então, o que é isso? É um monomotor. É o caso daquelas crianças que captam o conteúdo enquanto o professor está na metade da explicação, ou mesmo o de quem tem uma potencialidade rápida para entender as coisas.
Então, essa alimentação, na constituição da bainha de mielina, é condição sine qua non para a nossa aprendizagem. Para uma mãe viciada em drogas, para uma mãe muito carente, com uma precariedade de alimentação significativa, vai haver um prejuízo também muito grande na formação dessa bainha de mielina, que podemos chamar de desmielinização. E a velocidade na conexão nervosa dessa criança mal alimentada pode chegar a 8km/h. Então, a diferença é muito grande, de 340km/h para 8km/h. É o caso daquela criança ou, futuramente, daquele adulto que escuta a explicação, mas tem uma dificuldade gigante de entender.
Alguém pode perguntar se, então, vai ter que abandonar essa criança. Obviamente, não. Nós vamos trabalhar coisas visuais, táteis, palpáveis, falar de subjetividade, falar de abstração, energia nuclear... Para uma criança nesse nível, a dificuldade é grande. Sabemos que, a posteriori, com a neuroplasticidade cerebral, essa criança terá um desenvolvimento criando novas redes neurais. Mas os neurônios desmielinizados terão um prejuízo para a vida inteira. Então, claro que, quanto mais eu estimulo, se ela tiver uma alimentação adequada a posteriori, nas novas redes neurais, ela terá um desenvolvimento. Mas esses neurônios prejudicados, devido à primeira infância dela ou ao período gestacional, terão um prejuízo muito ruim para o resto da vida dessa criança.
Então, aqui nós estamos começando a ver o primeiro momento da importância da boa alimentação na constituição neural dessa criança para facilitar o ritmo, porque o ritmo neural é a velocidade cerebral com que nós conseguimos identificar as coisas. Hoje, na nossa idade, uma excelente alimentação e uma excelente estimulação potencializam significativamente nosso cérebro para nós termos essa habilidade de entender facilmente. Uma criança com significativo problema de desnutrição, com significativo problema de drogadição ou com a falta muito significativa de uma alimentação adequada vai ter um prejuízo fantástico nesse desenvolvimento da aprendizagem. A criança até tenta entender, mas essas conexões ficarão muito difíceis.
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Nós sabemos que... Eu vou mostrar aqui para vocês algo sobre a fala. Primeiro, antes de falar, eu penso. Esta área aqui é chamada de Wernicke. Em 70% das pessoas, a comunicação se dá do lado esquerdo do cérebro. Nessa área Wernicke é onde eu organizo as palavras no pensamento. E essa área aqui, chamada Broca, é onde eu explicito o dito, o discurso, a minha fala. Então, minha fala é resultado do pensamento. Há até um livro do Vygotsky que diz que pensamento é linguagem. Todos nós, quando muito pequenos, não pensamos, ficamos só balbuciando ou, ecolalicamente, falando o dito da mãe - nenê, "gugu", "dadá' -, repetindo o que a mãe fala. A posteriori, com a maturidade neurológica, nós vamos organizando o pensamento, e a criança fica lá dizendo "ovo", "bola", "boneca", "nenê". E é importante que ela fale, porque, quanto mais ela fala, mais ela organiza o pensamento.
A fala é o resultado do pensamento. Por isso, quem mais fala mais memoriza, porque, quando eu vou falar, passa no hipocampo. Esse vermelhinho aqui do sistema límbico é uma das áreas da nossa memória. Temos a memória pré-frontal, mas temos no hipocampo. Então, quanto mais eu falo, mais eu organizo o pensamento e verbalizo. Então, a fala é resultado da organização do meu pensamento.
Às vezes perguntam como é que aquele pastor sabe a Bíblia de trás para frente. É porque ele celebra cultos há vinte anos, todo dia, às 7h, às 9h, às 11h. Então, quanto mais a gente verbaliza... Quando vocês começaram no seu trabalho, foi difícil. Depois, no primeiro ano, no segundo ano, você não precisa nem ver livro. De tanto que se verbaliza, as palavras vão se organizando no pensamento.
Essa relação entre pensamento e linguagem é intrínseca. Mas essa velocidade de conexão tem uma relação intrínseca com essa questão de mielinização. Quanto mais eu dispuser dessas proteínas no meu organismo, mais eu vou enriquecer a mielina.
A segunda questão sobre a alimentação como condição sine qua non para o desenvolvimento intelectual é que a própria alimentação... É através da glicose que a maioria dos nossos alimentos se transforma em açúcar. Não é que o diabético não possa comer muito doce; ele não pode é comer muito. Por quê? Porque a taxa glicêmica sobe e porque a maioria dos nossos alimentos se transforma em açúcar. Então, através do açúcar e do oxigênio no ciclo de Krebs, essa energia vai ser utilizada pelas vesículas para a liberação de substâncias neurotransmissoras.
E aqui o ponto fundamental: que substâncias neurotransmissoras? Nós sabemos, eu falei para vocês que existe uma eletricidade cerebral que é a sinapse elétrica. No nosso cérebro, só passa eletricidade. Só isso. Só que, entre um neurônio e outro, existe uma vesícula aqui, no axônio, onde estão os neurotransmissores que precisam ser potencializados através dessa eletricidade. Quando eu potencializo, através dessa queima do açúcar com o oxigênio, ele libera substâncias fantasticamente importantes para nossa aprendizagem. Que substâncias, senhores? Primeiro, uma criança que se alimenta bem vai produzir acetilcolina, uma substância fundamental na aprendizagem, na memória e na atenção.
Com 65 ou 70 anos, todos nós vamos, devido à idade, criar uma enzima que vai degradar a produção da acetilcolina. Por isso a demência. A demência vai ser natural. E é até interessante, porque envelhecer é a única maneira de viver muito tempo. Todos nós queremos viver muito, mas ninguém quer ficar velho. E a única maneira de viver muitos anos é envelhecendo. Só que a demência faz parte da nossa vida. Hoje, nós sabemos, com a neuroplasticidade cerebral, que, quanto mais atividade neurológica, mais potencialização nós temos. Só que essa enzima será notória para todos. Aí vamos tomando antidemencial, etc., mas para degradar essa enzima, não para melhorar a memória.
E essa enzima bloqueia a produção desse neurotransmissor chamado acetilcolina. Uma criança que se alimenta muito mal vai ter uma produção muito baixa de acetilcolina e vai ser uma criança, com certeza, com problema de aprendizagem, porque, no Brasil, as nossas escolas não avaliam inteligência; nós avaliamos memória da criança. Nós explicamos e perguntamos o que nós explicamos. A criança que tem uma boa memória e uma produção de acetilcolina equilibrada vai lembrar e vai tirar nota boa. Então, nós temos que mudar até o nosso sistema de avaliação. Nós temos que avaliar o potencial, não a memória. Crianças que têm boa memória serão as que terão notas altas. Só que hoje, na vida, não se exige apenas a memória; nós temos que ver criatividade e outras potencialidades.
Então, uma criança que se alimenta muito bem vai ter produção de acetilcolina equilibrada, vai ter uma memória legal. Uma criança que se alimenta mal ou cuja mãe se alimentou mal na gestação vai ter um prejuízo na sua produção de acetilcolina.
Outro neurotransmissor fantástico, devido à alimentação, é a dopamina. Dopamina, senhores, age primeiro na atividade motora. Baixa taxa de dopamina ocasiona Parkinson, catatonia; alta taxa produz surto psicótico. A dopamina é questão sine qua non hoje. Uma boa alimentação vai trabalhando a dopamina, que trabalha a recompensa do cérebro, trabalha atenção, trabalha motivação. Uma criança que come bem, senhores, será uma criança motivada na escola e para a vida; uma criança que come mal vai ser uma criança desmotivada, uma criança que não tem emoção, é fria. Então, vejam só a importância da dopamina hoje nessa relação de aprendizagem e até de comportamento humano.
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Uma criança que come bem, senhores, terá serotonina, que vai trabalhar a emoção, vai trabalhar o humor, vai trabalhar a ansiedade, também envolvida no sono. Nós sabemos hoje, a neurociência nos explica, que existem dois momentos de consolidação da memória. O primeiro momento é no sono. Nós temos que dormir bem. O primeiro sintoma, senhores, de saúde mental é a insônia. Por quê? Insônia não é só não dormir; insônia é dormir às 23h e acordar às 3h; é dormir às 2h e acordar às 5h; dormir às 23h e acordar meia-noite, 1h, 2h, 3h, 4h, 5h. Isso vai ter um prejuízo não agora, mas a posteriori, para a própria cognição. Você vai começar a esquecer. Não esquecer nomes de pessoas famosas, mas vai esquecer coisas de curto prazo, de memória de curto prazo. A memória de curto prazo está efetivada aqui nessa região.
Por isso que a região occipital, que é a da visão, você não perde. Daqui a pouco, você vai dizer: "Como é o nome daquele ator? Ele tem cabelo branco, barba branca... A cara dele está aqui na minha frente, mas eu não consigo me lembrar do nome!" Isso porque a região occipital não é prejudicada com a demência, mas, sim, a memória de curto prazo. Quando não dormimos bem, a consequência é um efeito de problemas cognitivos, que é um problema na memória.
Então, crianças que não dormem bem terão sérios problemas de cognição. E isso tem uma relação intrínseca com a serotonina. Foi por isso que o Prozac foi a pílula da felicidade. Ele é um neurotransmissor - a serotonina, através da fluoxetina - que ajuda a pessoa a voltar a ter humor, ter interesse nas coisas. Então, uma criança que se alimenta muito mal será uma criança depressiva, com certeza. Ela não vai ter ânimo para fazer as coisas. Tem um prejuízo significativo.
Outra questão da alimentação tem relação com o ácido gama-aminobutírico (GABA). O GABA é fundamental, é o inibidor da atividade neurológica e ajuda nessa questão da ansiedade. Uma criança que se alimenta muito mal vai ser uma criança muito ansiosa; uma criança que se alimenta bem vai ser uma criança mais tranquila, mais calma. Então, o ácido gama-aminobutírico é fundamental hoje para equilibrar a nossa ansiedade. Uma criança que se alimenta bem vai devolver glutamato, que vai ajudar na aprendizagem, na memória; uma criança que não se alimenta bem vai ter sérios problemas na produção de glutamato e vai ter sérios problemas de concentração. Será uma criança completamente com o foco desviado.
Então, vejam, mais uma vez, a importância de uma excelente alimentação nessa constituição. Uma criança que se alimenta bem vai desenvolver e produzir norepinefrina, que é a noradrenalina, que regula também o humor, a emoção e a atenção. Vocês estão vendo aqui que a maioria dos neurotransmissores trabalha a atenção. E eu falei para vocês que a aprendizagem é concentração. Se não tiver atenção, se não tiver foco, não existe aprendizagem.
E, por último, vai trabalhar a endorfina, que tem ação analgésica. Ao ser liberada, a endorfina estimula a sensação de bem-estar, conforto e ainda o estado de humor e alegria.
Vejam aqui, neste primeiro ponto fundamental que eu estou abordando, a importância que a alimentação tem na produção de neurotransmissores. A professora nos falou anteriormente uma coisa muito importante: mesmo que a criança nasça com toda essa potencialidade, se nós não trabalharmos essas questões tanto de alimentação, quanto de afeto, de estímulo, essas questões externas terão uma alteração neuroquímica fantástica no desenvolvimento. Então, é importantíssimo que entendamos isso.
Hoje, a neuropsicopedagogia é uma ciência transdisciplinar, como eu havia verbalizado para vocês, relacionada à neurociência, à pedagogia e à psicologia. Ela habilita hoje os profissionais da educação a entender todo esse desenvolvimento e a saber o que será melhor fazer.
A professora havia abordado que, hoje, com a neuropsicopedagogia, nós temos uma avaliação neuropsicopedagógica que oportuniza ao educador encaminhar a criança para determinados profissionais, que vão saber o que fazer com essa criança. O grande segredo é nós entendermos a criança e entendermos metodologias funcionais e importantes para esse desenvolvimento.
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Bem, nós sabemos também que a emoção tem uma importância vital. Eu falei, num primeiro momento, que hoje a criança não quer colo, ela quer tablet. Mas nós temos que voltar ao Papai Noel, ao coelho da Páscoa, à fada do dente. Nós sabemos que a emoção, senhores, vai trabalhar efetivamente o sistema límbico. Com quatro meses de vida intrauterina, temos a formação do sistema límbico. O sistema límbico é responsável pela memória, responsável pela emoção e responsável pela sexualidade. Então, quando nós trabalhamos a emoção da criança, nós trabalhamos a amígdala, trabalhamos o hipocampo, que trabalha a memória, que é ligada diretamente ao córtex pré-frontal, de funções executivas superiores. Então, a emoção tem uma relação intrínseca com cognição. O Wallon dizia da importância do afeto no desenvolvimento cognitivo.
Eu dou palestras no Brasil inteiro e fora dele e digo para as diretoras: "Diretoras, não adianta fazerem reuniões de pais". Afirmo isso só para ouvi-las perguntarem: "Por quê?" Porque só vão os pais dos melhores alunos. Quanto mais afeto... Afetividade também é cobrança, é punição, não é? Mas, quanto mais presentes nós estamos junto às pessoas, mais se desenvolve essa questão emocional e, com isso, mais se desenvolve a questão intelectual. A emoção e a cognição estão inteiramente ligadas. Pesquisem crianças que têm um desenvolvimento fantástico na escola e a sua relação familiar; depois, peguem as crianças que têm escolaridade muito baixa e vejam que, às vezes, nem família têm. Então, a relação familiar, em relação a essa proximidade e emoção, é questão sine qua non para o desenvolvimento.
Finalizando, eu quero enfatizar, nesse trabalho da neuropsicopedagogia - e o Senador Romário, que é do Rio de Janeiro, está aqui -, a Faculdade São Fidélis, uma das poucas faculdades no Brasil que investem em pesquisa, Senador, e lá está sendo feito um trabalho fantástico junto à Prefeitura de São Fidélis, no sentido de haver um neuropsicopedagogo em cada escola, para que ele trabalhe tanto o desenvolvimento intelectual da criança que não tem nenhuma patologia, quanto o da educação especial inclusiva. O Diretor Presidente, Sr. Sandro Albino Albano, a Diretora Andréa Shirlei, o Prof. doutorando Fabrício Cardoso e a Drª Rita Russo são grandes pesquisadores na área.
Então, eu quero deixar a vocês o convite para conhecerem a Faculdade São Fidélis, no Rio de Janeiro, uma das poucas faculdades no Brasil que estão investindo hoje em pesquisa. Inclusive já existe um projeto atual pela presença de um neuropsicopedagogo nas escolas, para que ele entenda todo esse procedimento neurológico e ajude essas crianças.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Romário. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - RJ) - Muito obrigado, Dr. Luiz Antonio Corrêa. Obrigado também por essa informação.
Antes de passar a palavra, eu gostaria de chamar a Senadora Lídice da Mata para presidir este finalzinho da nossa reunião.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Bom dia.
Quero agradecer a gentileza do Presidente em dar-me a oportunidade de dirigir esta Mesa e de participar dela neste momento.
Passo a palavra ao Sr. Gilles Cambonie, pediatra e neonatologista, que dissertará sobre o tema "Por que o ambiente materno, durante a gravidez, é tão importante para o seu futuro filho?"
O SR. GILLES CAMBONIE (Tradução simultânea.) - Bom dia a todos.
Srª Presidente, Srª Senadora Lídice da Mata, eu me chamo Gilles Cambonie, sou pediatra neonatal no Centro Hospitalar Universitário de Montpellier, uma cidade universitária do sul da França, no âmbito da pediatria neonatal e reanimação de recém-nascidos.
Nós vamos falar sobre por que é tão importante tratarmos do ambiente da gravidez, e vou dar alguns exemplos sobre o estresse no período perinatal, período esse que vai desde a gestação até as primeiras semanas de vida do recém-nascido.
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Como introdução, eu gostaria de lembrar o que nós entendemos como estresse. É toda e qualquer situação que vai atrapalhar o equilíbrio homeostático - frio, calor, dor -, mas também ameaças psicológicas. Isso representa exemplos clássicos. Como o organismo vai se adaptar a uma série de relações fisiológicas e comportamentais ao fight-or-flight, como dizem os ingleses? Então, vamos nos adaptar e encontrar o estado inicial.
Terminologicamente, há o fator estressante e também a reação do organismo ao estresse. O estresse perinatal é um conceito completamente recente, porque nós podemos encontrá-lo nesta área, além de estudos e uma literatura interessante de 30 a 50 anos.
Há três grandes abordagens clínicas feitas a esse respeito. Como o ambiente perinatal e gestação excepcionais podem favorecer o surgimento dessas psicopatologias? Como o ambiente perinatal de obstáculo pode influenciar o desenvolvimento da criança? Há também outro tema que diz respeito à relação entre o estresse perinatal e o caráter prematuro.
O primeiro elemento são estudos epidemiológicos feitos durante acontecimentos graves, como a Segunda Guerra Mundial. Verificou-se que esse tipo de situação pode acarretar o aumento, por exemplo, do risco de esquizofrenia entre as crianças nascidas de mulheres grávidas durante esses acontecimentos terríveis. Houve estudos feitos em espaços temporais. Estudou-se, por exemplo, a relação entre uma fome terrível que atingiu a parte ocidental da Holanda, durante o inverno de 1944/1945, e seus efeitos, duas décadas depois, na prole de mulheres grávidas àquela época. A conclusão foi que houve um pique alto de esquizofrênicos.
Essa vulnerabilidade a distúrbios psicopatológicos corresponde a acontecimentos graves - falamos da Segunda Guerra Mundial e também de atentados, inundações, terremotos, furações, acidentes nucleares, etc. -, mas também a situações individuais das mulheres, como, por exemplo, morte do marido, uma gestação não desejada. Patologias psiquiátricas são relativamente variadas, mas podemos mencionar a esquizofrenia nos filhos dessas mulheres, quando esses eventos graves aconteceram durante a gestão, e também autismo e depressão.
Essas são situações excepcionais, mas há situações muito mais comuns na vida cotidiana. Podemos constatar, então, que a percepção do estresse é algo muito variável de um indivíduo para outro. Fazer uma escalada, por exemplo: para alguns, pode ser um grande estresse; para outros, uma fonte de prazer. A percepção individual varia também com relação aos obstáculos da vida cotidiana.
O estresse é, finalmente, um conceito multidimensional. Há fatores que podem engendrá-lo, conjunturais ou permanentes, mas há também fatores de acomodação: condições econômicas, estilo de vida, apoio social, personalidade do indivíduo e, finalmente, ansiedade, que vai resultar na percepção do estresse e será, inclusive, geral ou especificamente associada à gestação ou à depressão.
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Nessa perspectiva, nós podemos observar a influência do estresse materno no temperamento da criança. Por exemplo, podemos fazer uma correlação entre o CRH com 25 semanas e distúrbios na criança, mas também entre acontecimentos negativos durante a gestação e distúrbios na criança com seis meses. Há também uma correlação entre o estado de ansiedade na gestação e distúrbios de comportamento da criança com 25 meses.
Ora, com o desenvolvimento a longo prazo, a ansiedade materna, no final da gestação, pode gerar distúrbios emocionais na criança com idade de quatro anos, mas também a síndrome de hiperatividade, citada um pouco antes de minha apresentação, sobretudo entre meninos. A ansiedade excessiva da mãe durante a gestação está ligada à hiperatividade nesse menino com idade de cinco a sete anos, mas também a síndromes de depressão entre os jovens adolescentes.
Portanto, o que nós podemos dizer de modo razoável, nesse sentido, é que o estresse e a ansiedade crônica durante a gestação podem influenciar o comportamento do bebê, o seu temperamento, mas também, posteriormente, o desenvolvimento psicológico e cognitivo a médio e a longo prazo.
O terceiro grande tema de que falamos é: será que essas situações de estresse durante a gestação podem levar ao risco de prematuridade? A maioria das pesquisas feitas na população, de fato, confirmaram o risco dessa prematuridade, mas há também o risco de atraso de crescimento, que é associado a várias situações de estresse da mulher durante a gestação - ansiedade especificamente ligada à gestação, ansiedade com relação à integridade física do feto, ansiedade com relação ao risco associado ao parto e associado à gestação mais curta - e associado também a outros fatores como, por exemplo, depressão, falta de apoio social, dificuldade de acesso aos cuidados de saúde, exposição ao racismo, a preconceitos, a discriminações. Tudo isso está ligado ao risco de atraso de crescimento.
Como podemos explicar esses fenômenos? É aí que os experimentos com animais ajudam a compreender os mecanismos.
Sem entrar em detalhes, pois não temos muito tempo, houve dois tipos de experiências com camundongos que permitiram avaliar o efeito do estresse perinatal. Os camundongos foram imobilizados em tubos plásticos que reproduziam uma situação de promiscuidade social, expondo-os ao excesso de poluição sonora, dificuldades de acesso ao alimento ou ainda distúrbios do sono. Isso pode representar obstáculos variados, não tão importantes, mas difíceis de se viver na vida cotidiana.
O modelo experimental do estresse é a separação desse filhote - de rato, hamster ou camundongo - de sua mãe. Isso é algo extremamente estressante, sobretudo se ocorrer muito cedo, tanto para o bebê quanto para a mãe. O que nós pudemos observar nesses animais foram consequências de comportamento, sobretudo na resposta sobre a atividade de locomoção, na resposta com relação às anfetaminas, elementos de que falou o apresentador anterior. Isso sugere hiperatividade do sistema energético. E nós sabemos a importância desse sistema no que diz respeito à recompensa, ao risco futuro de vício.
Outro elemento que será objeto desse modelo é a interação, que é extremamente importante, entre os humanos e a capacidade de discriminar uma informação pertinente de uma informação que não o é. Isso é uma função de filtro, que diz respeito aos circuitos córtico-corticoides. E a interação desse tipo de função corresponde ao modelo, nos animais, da esquizofrenia humana.
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Em seguida, no que diz respeito ao humor, a exposição desses animais a esses estresses perinatais acarreta distúrbios de humor, com indução depressiva, redução do comportamento da motivação, da curiosidade. Observamos também distúrbios de cognição, com alteração da noção espacial, da capacidade de aprendizagem. Depois, constatou-se uma exacerbação de distúrbios de memória associados, com o passar do tempo, à idade.
Consequências moleculares. Bem, nesse âmbito fenomenológico, vou descrever um pouco do que nós observamos nesses animais e como podemos explicar isso no âmbito do mecanismo químico.
No âmbito molecular, há vários eixos que foram trabalhados. São muitos eixos, e eu vou resumir alguns resultados principais. Um ponto importante é o eixo suprarrenal-pituitário do hipotálamo, que é um eixo importante para o efeito do estresse. Quando o sujeito percebe uma situação ameaçante, numa região na base do cérebro que se chama hipocampo, hipotálamo, ocorre a fabricação do hormônio do estresse, o CRH, que induz à produção de ACTH, que é fabricado no âmbito das suprarrenais, o cortisol nos humanos, que nos permite a adaptação a situações de estresse. Mas também esse hormônio, a corticosterona, vai ter efeito negativo sobre a produção. É o que nós chamamos de feedback negativo, essencial para restaurar o estado inicial do sujeito. Em situação de estresse permanente, isso é muito recorrente, isso é muito solicitado, sobretudo, a longo tempo, para o organismo.
Nos animais que foram expostos a esse estresse perinatal, não houve perturbação desses corticoides. Por outro lado, houve uma resposta ao estresse posterior, em que houve uma elevação prolongada desses corticoides que dizem respeito a uma diminuição do feedback negativo. Portanto, sugere que haja um distúrbio do sistema nervoso central na recepção desses corticoides. Veremos isso mais tarde.
O segundo elemento são fatores neurotróficos, elementos importantíssimos para a sobrevida e o crescimento dos neurônios. Nesse modelo, nós observamos que essas substâncias neurotróficas têm uma produção reduzida durante a vida em diferentes áreas críticas do cérebro, sobretudo no hipocampo, no córtex frontal, que dizem respeito ao comportamento cognitivo.
Outro elemento - peço aos senhores que olhem, com muita atenção, essa imagem que está à direita do eslaide - diz respeito à plasticidade do sistema nervoso central, isto é, finalmente, o que possibilita ao neurônio, uma célula nervosa, manter relações com seu meio ambiente vizinho. Isso possibilita comportamentos humanos muito elaborados, sofisticados, ditos superiores. À esquerda, temos uma situação de controle padrão e, à direita, um estresse perinatal. Vejam a que ponto a capacidade de comunicação dos neurônios é reduzida, a que ponto elas são empobrecidas quando o animal é exposto ao estresse perinatal.
Já que vamos tratar de um tema que é a epigenética, vamos tentar compreender como, finalmente, a qualidade dos cuidados de saúde pode influenciar a expressão dos genes. Vamos imaginar que somos um pequeno ratinho. Esse rato vem de uma excelente mãe, uma mãe compreensiva, amável, que alimenta como é necessário o seu pequeno, que lambe esse bebê. É uma mãe muito cuidadosa. Então, com a influência desses estímulos táteis na região do cérebro desse ratinho chamada hipocampo, há uma produção acelerada de um hormônio chamado serotonina, mas também o hormônio da tireoide. E isso vai favorecer a expressão de fatores neurotróficos chamados fatores de crescimento nervoso. Mas o ponto importante que devemos compreender é que a expressão desses fatores no sistema nervoso central vai modificar a vizinhança dos genes. Nós não vamos modificar a mensagem que se escreve no gene - a Drª Zucchi, que estava aqui, definiu isso ontem -, pois o gene é o alfabeto, e a epigenética é a linguagem. Então, esse meio ambiente do gene será modificado e também a expressão.
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Portanto, isso será o caso desse neurotrófico de reações químicas clássicas. A falta de sincronicidade sensorial vai permitir a passagem do código genético para fabricar o receptor de glucocorticoides. Isso é importantíssimo porque, percebam os senhores, sobre a influência dessa maternagem, haverá mais receptores de glucocorticoides no âmbito do hipocampo. Em consequência, o eixo suprarrenal-pituitário do hipotálamo será menos reativo. E o ponto mais importante que devemos compreender, nesse elemento de programação, é que isso é apenas modulável durante a primeira semana desse animal. Então, é um período muito crítico, em que a maternagem tem papel importantíssimo, e muitas coisas devem vir da mãe para favorecer essa proximidade mãe-criança.
Vejam que, como esses exemplos, há vários. São 900 os genes que são influenciados pela qualidade da maternagem, genes esses que têm influência sobre o metabolismo energético, sobre a transmissão dos sinais entre as células, sobre a síntese de circulação e reciclagem das proteínas, mas também genes envolvidos na arquitetura da sinapse, isto é, como nós conseguimos esculpir, elaborar, fabricar o sistema nervoso central num indivíduo, desde a primeira semana de vida.
No âmbito, agora, transgeracional, trata-se de uma transmissão entre as gerações. Portanto, há modelos de depressão oriundos da depressão pós-parto, da prematuridade, do estresse perinatal que podem ser reproduzidos de geração a geração, enquanto o elemento estressador não for reduzido. Nós não entendemos muito bem isso, mas há possibilidade de uma reprodução transgeracional ligada às anomalias de mutilação de células germinais, aquilo que se chama de microRNAs.
Nós temos praticamente a possibilidade de modular o efeito do estresse no âmbito do sistema nervoso central a partir de um conceito de programação, um conceito que tem como base a hipótese de que uma modificação importante do meio ambiente fetal ou neonatal, sobretudo traumas emocionais, pode acarretar uma adaptação de funções que pode, claro, possibilitar a sobrevida do animal nesse meio ambiente hostil, mas também pode acarretar doenças, tanto na infância, quanto na idade adulta.
Durante essa semana, nos vimos que traumas emocionais importantíssimos durante a gestação e também o que acontece antes da gestação podem acarretar adaptações de estruturas e de função. Eu citei modificações no eixo suprarrenal-pituitário do hipotálamo, o processo de adaptação a longo prazo, ou seja, aprendizagem e adaptação. Nós vimos que haverá modificação bem crítica nos receptores. E tudo isso pode ser a origem de patologias na infância ou na idade adulta desse indivíduo, tais como distúrbios de humor, ansiedade, distúrbios de cognição, distúrbios de aprendizagem e também distúrbios de comportamento, por que não?
Estou concluindo, espero que os Srs. Senadores estejam convencidos e que possam fazer aquilo que é necessário com relação a essa situação filtro, que vai perturbar o desenvolvimento normal da criança, mas pode também agravar riscos de prematuridade e condicionar vulnerabilidades que levam a distúrbios psicopatológicos.
No que diz respeito à estratégia desse período de pré-natalidade - eu trabalho no Departamento de Neonatologia -, nós vamos estimular ao máximo essa estabilidade da criança e evitar essa ausência de sincronicidade sensorial de que lhes falei. Vamos favorecer a proximidade física e emocional mãe-criança, criança-mãe, isto é, o bem-estar psicológico da mãe na construção desse bem-estar entre a mãe e o filho. Esses elementos são essenciais para a construção e o desenvolvimento do sistema nervoso central.
Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passo a palavra à Drª Françoise Molénat, psiquiatra.
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A SRª FRANÇOISE MOLÉNAT - Eu agradeço muito à Srª Presidente desta Comissão, Senadora Lídice da Mata, a todos os Senadores, a todos os que aqui estão, como também agradeço aos organizadores, que nos receberam de modo muito caloroso no Brasil. Eu tenho a honra de estar neste País pela segunda vez e aprecio muito a gentileza dos brasileiros que estão nos recebendo.
Na sequência do que acabaram de expor o meu colega Gilles e os expositores anteriores, a questão é: como fazer para melhorar o ambiente perinatal e como fazer para que, a partir da gestação, os profissionais que acompanham e monitoram os futuros pais possam enriquecer esse ambiente? Eu vou ser muito rápida e vou me centrar no essencial: as etapas precoces do desenvolvimento humano.
Gostaria de lembrar que, para a criança e para os pais, as etapas gestação, nascimento e primeira infância são uma única etapa, uma continuação. Por outro lado, para os profissionais, são etapas compartimentadas e são etapas muito sensíveis.
As interações acontecem desde a vida intrauterina, são as premissas da organização, e nós temos o interesse, portanto, de melhorar o bem-estar dessa mãe.
Eu gostaria de lembrar também que a emoção tem raízes na biologia. Toda experiência vivida deixa traços nos neurônios, e são essas emoções que vão organizar o julgamento, a ação e também a consciência de si. Tudo isso nós sabemos, mas é apenas a ponta do iceberg. É a emoção que nos faz raciocinar e agir. Portanto, é muito importante o contexto emocional para todas as etapas de que lhes falei.
Eu vou falar um pouco de uma experiência na França, não para que seja modelo, mas para apresentar-lhes uma dinâmica que se organizou em torno de encontros, que não estavam previstos, entre profissionais dos diferentes serviços, já que esses profissionais desejavam trabalhar juntos, e o Ministério da Saúde da França interessou-se por essa colaboração, por essa dinâmica interdisciplinar.
Nos anos 80, as práticas com relação a situações médicas clínicas com forte carga emocional começaram a se modificar - hospitalização, distúrbios, anomalias, etc. E os pais dos quais tivemos os testemunhos disseram-nos que essas situações terríveis puderam ser atravessadas, mas deixariam sequelas traumáticas se eles não tivessem tido o acompanhamento desses profissionais e se não tivesse havido diálogos entre esses pais e os profissionais.
Portanto, as pesquisas sobre as emoções nos confirmaram que uma emoção negativa só se transforma numa inter-relação que é marcada pela empatia. Então, essa é a questão maior dos traumas do passado, que podem se organizar em condições mais rigorosas no âmbito de experiências repetidas e de uma segurança de relação.
Quando coletamos esses testemunhos, nós dissemos: "Bom, está acontecendo alguma coisa. E se nós tentarmos usar essa interdisciplinaridade desses profissionais de saúde para situações mais complexas, marcadas por fatores de riscos psicológicos sociais maiores, mas não apenas psicossomáticos?" E aí começamos a nos dizer, finalmente, que tínhamos aí uma chance, sobretudo se fossem pais que estivessem numa situação de fragilidade. Uma gestação de uma mãe jovem em situação social de vulnerabilidade é vivida negativamente.
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Então, as mentes se transformaram. Eu vou dar um exemplo de gestações com problemas de toxicomania, de vício. Trata-se da situação mais difícil, tanto para as famílias, para as crianças que vão nascer, quanto para os profissionais de saúde que acompanham essa gestação, pediatras e outros, porque não sabem o que fazer com essa gestação. São familiares que têm muita dificuldade de se expressar, temos a impressão de que essas mulheres estão em estado de ausência permanente.
Em 1995, muitas parteiras em hospitais na França, sobretudo enfermeiras, organizaram uma recepção para mulheres gestantes toxicômanas. Desde então, há um acompanhamento da gestação com cuidados corporais, uma operação baseada no corpo, envolvendo a família, os médicos de família e envolvendo a comunidade, porque a comunidade tem de ser envolvida. Houve também a presença do pai, que muitas vezes não queria participar disso. E o resultado foi uma transformação das situações. E não houve depois separação mãe-bebê, porque havia unidades onde essa mãe e esse bebê podiam ficar depois do parto. Essas mulheres foram revalorizadas e aceitaram, então, uma proteção.
Assim, uma confiança se estabeleceu graças ao acompanhamento médico marcado por essa empatia, e não pelo julgamento. Um estudo sobre essas crianças nascidas de mães toxicômanas mostrou que as crianças cujas mães eram particularmente prejudicadas pela vida, digamos assim, mas que tiveram esse acompanhamento desenvolveram-se melhor do que as crianças nascidas de mães que tinham problemas de toxicomania e não tiveram o apoio dessas equipes.
Esse resultado nos fascinou, porque não somente podemos ajudar essa criança recém-nascida, que será protegida, mas também os pais, que vão se alimentar de uma interdisciplinaridade de profissionais que trabalham com eles no âmbito dessa empatia, dessa solicitude e no âmbito de uma coerência de ação. Isso foi importantíssimo para os acontecimentos que vieram a seguir.
Uma nova ferramenta, então, terapêutica é essa interdisciplinaridade, que teve como eixo o acompanhamento médico, porque os pais que esperam uma criança vão encontrar um médico, uma enfermeira e vão também se sentir como todas as mães e pais. Então, a chegada de uma criança vai ser vivida positivamente. Em termos da mãe gestante, é uma ocasião de colocá-la num ambiente de segurança, de reconstrução e restabelecer a confiança dela em si mesma, mas também é um momento de colocá-la no sistema de saúde e nessa relação interprofissional com os profissionais de saúde. E, se os pais tiverem grande dificuldade pedagógica, ou se as mães tiverem problemas de alcoolismo e toxicomania, essa interdisciplinaridade também funciona muito bem.
Portanto, qual formação, já que é o tema que me foi solicitado, que um profissional deve ter para melhorar essa qualidade do ambiente da mulher gestante, dos futuros pais, sobretudo o do bebê?
Trata-se, no fundo, de integrar o conjunto dos atores de saúde, integrar os elementos de saúde nesse acompanhamento perinatal. Além disso, respeitar a fisiologia das mulheres, associar os futuros pais, levar em conta os fatores de insegurança e oferecer respostas adaptadas aos pais, na medida em que eles forem expressando suas necessidades, porque isso não é óbvio; nem sempre eles podem expressar suas angústias, seus traumas do passado. E os resultados são ampliados pelo fato de que, durante esse período da procriação, a mulher grávida é muito permeável ao meio ambiente em que se encontra. O problema, porém, é essa compartimentação das disciplinas médicas, dos serviços médicos. Há também o abuso da medicalização, e nós temos de buscar uma melhoria desses aspectos.
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Além desses fatores, há os aspectos emocionais. Muitas vezes, os pais não se sentiram acolhidos nem escutados em suas necessidades. Era preciso retomar todos esses aspectos. E os enfermeiros e médicos não tinham muito instrumental, não tinham ferramentas para lidar com essa interdisciplinaridade. Eles eram muito bem formados, capacitados, qualificados, mas como lidar com uma mulher toxicômana, agressiva, um pai que é violento, mas é o pai da criança?
Nós estamos ainda numa cultura do distúrbio. Nós sabemos cuidar do distúrbio, custa caro cuidar do distúrbio, mas nós não sabemos como lidar com a prevenção desse distúrbio, não sabemos como valorizar essa prevenção. A prevenção não diz respeito a um único profissional. A prevenção diz respeito a um trabalho interdisciplinar, coletivizado, que não faz parte da nossa cultura, tanto aqui no Brasil quanto na França, seja ela médica, seja psicológica.
Esta frase terrível os senhores já conhecem: "Vamos deixar a situação como está para vermos como é que fica". Bem, depois, finalmente, estaremos diante da catástrofe do fato consumado. E nós nos damos conta de que, durante o período perinatal, havia sinais de alarme aos quais não demos atenção, não soubemos dar as respostas. E essa resposta só é possível dar através da interdisciplinaridade e dessa colaboração. Se houver uma falta de atenção, uma falta de cuidado, o risco é que os pais venham a reviver um trauma. "Olharam-me esquisito porque eu sou viciada; eu não vim a nenhum encontro médico, eu sou relapsa". Essa experiência não pode se repetir, mas, se se repetir, ela vai fortalecer carências, traumas ligados ao passado afetivo, marcado pela desvalorização, pela negligência e pela falta de confiança em si mesmo.
Por outro lado, se esse "neocontexto" - desculpem o neologismo - de relação profissional pode oferecer esperança, segurança e uma escuta com atenção, nós temos aí a oportunidade de reorganizar isso. E são os neurocientistas que trabalham com a memória e nos dão explicações, com precisão, sobre como uma experiência repetida de segurança - que é marcada pelo prazer, pela satisfação - pode reorganizar traumas antigos, pode reorganizar circuitos dos neurônios, sem que necessariamente tenhamos que trabalhar diretamente com esses traumas.
Portanto, evidentemente, para nós, profissionais da saúde, isso é uma grande esperança, porque diz respeito à possibilidade de escaparmos dessa repetição transgeracional e de todas essas questões ligadas ao estresse de que falou há pouco o meu colega Gilles.
Contudo, as resistências são múltiplas. Como passar da pirâmide ao meio transversal para oferecer a uma família cuidados? Isso não é fácil. Não há muita literatura sobre isso. Cada um fica no seu canto, acomodado, e não ousamos olhar o que o outro está fazendo. Temos hábitos, representações muito negativas. É sempre a culpa do outro, nunca é minha, quando a coisa não funciona. Então, é preciso mudar as mentalidades e estabelecer essa interdisciplinaridade.
Qual é a motivação? Capacitação, formação, qualificação multidisciplinar para termos o novo prazer de trabalhar juntos, sair cada um do seu canto e inventar novas interfaces entre os profissionais de saúde, criar novos espaços de intercomunicação e poder trabalhar com essas famílias vulneráveis. É a eficiência e os resultados que são a nossa grande força motriz.
Trata-se de melhorar as relações de capacidade de cada profissional, as relações em cada equipe médica e acompanhar, com rigor, essa família que se encontra em vulnerabilidade, mas também ter o monitoramento precoce do recém-nascido antes que os distúrbios se deem, encontrar novos métodos pedagógicos e novas ferramentas de inter-relação para oferecer um ambiente favorável. Eu vou falar sobre essas experiências, que se basearam em simulações.
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É muito interessante, mas, infelizmente, não temos tempo aqui. Então, eu vou lhes falar um pouco da gênese de um método pedagógico inovador, que se constituiu após uma pesquisa prospectiva em que comparamos as atitudes profissionais e o futuro dos pais e da criança, ao longo da gestação, nascimento e primeira infância, da qual lhes falei há pouco.
Entre 1986 e 1988 - já faz tempo -, nós estávamos tão interessados na eficiência dessa boa relação entre os diferentes profissionais que houve a primeira capacitação inter-regional e interprofissional. Os pais nos ajudaram muito com testemunhos e entrevistas, quando eles eram acompanhados em condições corretas. Eles viviam muitas vezes em provas, em situações dificílimas com o seu bebê etc. Era um choque para eles, como eles puderam testemunhar. Como eles foram muito bem monitorados, acompanhados, eles nos deram a ferramenta para que nós pudéssemos organizar esse trabalho. Nós também temos testemunha de profissionais, colegas que melhoraram suas práticas e passaram a trabalhar de outro modo desde então.
O Ministério da Saúde francês, em 1986, se comprometeu e solicitou divulgarmos essa experiência em âmbito nacional e criarmos material didático para os profissionais de outras regiões do país. E a Comunidade Europeia, na época - não era União Europeia -, também acompanhou esse trabalho em vários países. Espanha, Grécia, Grã-Bretanha e Holanda vieram à França, à nossa cidade de Montpellier, para fazer capacitação conosco, para que nós pudéssemos reproduzir essa experiência e para que eles pudessem reproduzir nos países deles essa mesma dinâmica, essa mesma experiência.
Em 1995, graças ao estudo prospectivo de que lhes falei há pouco, que nos possibilitou encontrar uma correlação forte entre a falta de continuidade da rede profissional e o desenvolvimento da criança até os 5 anos, nós encontramos falhas de comunicação, rupturas na comunicação, que faziam com que os pais perdessem a confiança nas equipes de saúde, ficassem em casa e não viessem mais para os cuidados de saúde.
Essa pesquisa nos deu uma ideia de como criar um método pedagógico. Tratou-se de organizar uma apresentação clínica de uma situação real - evidentemente com o acordo da família, que não estava presente, mas que deu o seu acordo para que o fizéssemos -, uma apresentação prospectiva interdisciplinar reunindo todos os profissionais envolvidos na situação, como obstetra, enfermeira, parteira, médico da família, psicólogo, pediatras etc, todos os atores clínicos que participaram do processo desde o início da gestação até a primeira infância. Diante de um público como os senhores, mas também um público que reuniu todas as disciplinas envolvidas e que... Eu vou passar sobre isso. Portanto, esse método pedagógico foi tão revelador para os profissionais que estavam descobrindo o ponto de vista do outro colega e da família, isto é, nesse caso, o obstetra ouvia o pediatra, a assistência social ouvia o clínico geral. Esses profissionais nunca se falavam entre si e eles estavam descobrindo, cada um, o ponto de vista do outro: "Mas isso faz com que fiquemos mais inteligentes. Isso abriu a minha compreensão da dinâmica da família que estou tratando". Foi muito interessante. A experiência foi divulgada em todas as regiões da França e nesses países do qual eu lhes falei que fizeram estudo de casos semelhante. Também pudemos fazer esse exercício de empatia: "Se eu estivesse no lugar do obstetra, se eu estivesse no lugar do clínico geral, se eu estivesse no lugar do médico?"
Nós apresentamos, em Bruxelas, sede da Comunidade Europeia, durante dois dias, estudos de casos dificílimos que tivemos que preparar muito bem para essa apresentação. Eu nunca vou me esquecer disso, porque havia muitos médicos obstetras, pediatras, pessoas que de modo geral não se abrem muito e que não saíram das cadeiras - ficaram na sala durante dois dias. Então, eles tiveram a experiência de ouvir, de compreender a lógica das emoções, das relações, da evolução de uma família no tempo, nos encontros, nessa equipe interdisciplinar de que lhes falei. Então, tivemos que apresentar essa experiência de novo diante de 300 profissionais, médicos e enfermeiros, que deveriam compreender essa nova lógica da evolução dessa família no âmbito dessa equipe interdisciplinar que agiu. Era, muitas vezes, um choque. Há sempre essa impressão de, realmente, entrar na complexidade humana.
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Essa ferramenta pedagógica foi validada graças a sua capacidade de reprodução e sua eficácia em vários tipos de terreno. Mesmo que nós não consigamos resolver todos os problemas, o objetivo é permitir que a criança seja protegida e, se possível, que os pais possam continuar sua trajetória de vida com a criança, porque eles serão acolhidos e reconhecidos nas dificuldades que viveram, já que botaram no mundo essa criança.
Também com relação a esses distúrbios de que lhes falei. Tudo isso é muito importante. Nas cidades onde aconteceram essas experiências - só para ilustrar aos senhores -, a divulgação desse método pedagógico aconteceu. E, também no âmbito internacional, fora Europa, vamos trabalhar com todos esses países. E foi muito importante para nós também, porque nós nos demos conta de que também não importa qual seja o contexto do sistema de saúde, a questão é como os profissionais de saúde podem estabelecer a comunicação entre si para oferecer aos pais um ambiente humanizado e frutífero, para que os pais possam se reconstruir dos traumas e distúrbios do passado e ter confiança no sistema de saúde e não ficarem em seu canto, em casa, como era antigamente. O Ministério da Saúde nos solicitou que redigíssemos referências bibliográficas para uma divulgação. E criamos o Plano de Perinatalidade que foi publicado em 2015, que também dizia respeito à segurança psicossomática. Por que o Ministério comprometeu-se nesse salto qualitativo? O relatório dizia respeito a quatro disciplinas: obstetrícia, pediatria, epidemiologia e psiquiatria pediátrica.
Deram-nos ferramentas e meios para que nós pudéssemos tratar da segurança emocional das mulheres, dos futuros pais, mas, sobretudo, do bebê. Escutar os pais desde o início da gestação graças ao acompanhamento perinatal precoce e divulgar as informações interdisciplinares e pluridisciplinares. Acho que a ideia que temos que ter em mente é que, nessa área, a empatia não basta. Para conseguirmos organizar essa interdisciplinaridade, é preciso muito rigor; rigor na transmissão, no controle, na vigilância, na capacidade de antecipar. Eu não tenho tempo, infelizmente, de falar sobre isso aqui - talvez hoje à tarde, nas oficinas. O ambiente pluridisciplinar do nascimento à pequena infância é uma nova disciplina, uma disciplina transversal que integra todos os registros do ser humano, as etapas do desenvolvimento humano, que eram até então muito compartimentadas pelas práticas que tínhamos no passado.
Eu vou passar sobre isso. Vou muito rápido, infelizmente.
A segunda etapa é como favorecer o acordo pai/bebê. Um exemplo de algumas imagens para ficarmos motivados. Exemplos de posturas: os pais que tiveram esse acompanhamento bom serão pais muito receptivos com seu bebê, se nós ajudarmos esses pais a saber como lidar com isso, permitindo a esses pais que eles se abram também ao mundo. Aqui é um pai que acabou de sair da prisão e que esteve presente desde o primeiro dia de vida de seu bebê. Vejam aí: é o mesmo pai, é uma mãe toxicômana severa e como essa mãe vai ser ajudada a segurar o seu bebê de maneira segura, tanto para ela como para o bebê. Veja a postura que vai permitir a essa mãe organizar os seus primeiros afetos, os seus primeiros pontos de apoio, já que o bebê teve uma síndrome causada pela toxicomania da mãe. Então, nós ajudamos essa mãe a segurar melhor. As equipes de pós-parto são capacitadas para lidar com essa nova postura.
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E o terceiro objetivo é não esperar a aparição de distúrbio tanto na mãe como na criança, com uma observação atenta do desenvolvimento prematuro desses distúrbios que se vão formar com os menores signos de anomalias no bebê. Isso vai nos permitir identificar esses distúrbios, mas também pais que aceitaram esse apoio.
Em conclusão: o acordo entre pais e bebês passa pelo acordo também entre os vários profissionais que acompanharam a família nesse período sensível. Isso se baseia num ambiente estruturado baseado no respeito mútuo dos profissionais. Os pais têm que perceber que eles estavam no centro desse ambiente, que eles eram o centro desse apoio e que o ambiente vai respeitar a complementaridade que há entre eles. É uma experiência vivida de um novo modelo educativo para esses futuros pais. Os pais vulneráveis percebem essas mudanças, mas precisamos de muito rigor, como eu lhes falei.
Eu gostaria de terminar com uma homenagem a esse grande psiquiatra brasileiro Salvador Celia, que dizia: "É uma luta, é preciso mudarmos as mentalidades".
E eu achei, no jornal francês Le Monde, de setembro de 2015, um artigo sobre a economia sem norte, a respeito das mudanças, algo como: "Primeiro, eles nos ignoram, depois eles zombam da gente, depois nos atacam, e depois a gente ganha". Eu acho essa frase muito bonita, uma frase de Gandhi, uma frase que nos motiva e nos encoraja. E acho que os senhores terão a mesma impressão, analogia entre a prevenção precoce, isto é, desenvolver os recursos naturais da criança e dos pais com os debates atuais sobre ambiente e sobre o PIB nos países.
Muito obrigada pela atenção de todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (José Medeiros. Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Agradecemos a presença de todos.
Agora, vamos passar a palavra para as considerações finais à Drª Maria Regina Maluf.
A SRª MARIA REGINA MALUF - Que considerações finais eu faria aqui? Eu acho que, ouvindo os colegas todos, há muita coisa realmente para considerar que reforça as minhas teses iniciais da necessidade de, em um sistema educacional que tem como objetivo a formação do cidadão brasileiro, que comece nos primeiros anos de vida. Eu acho que isso reforça muito a importância da educação nos primeiros anos de vida, educação que, necessariamente, começa na família ou no substitutivo, ali onde a família está. Onde entram o Estado, o Governo e as políticas públicas? Entram para dar suporte à família e dar continuidade a uma formação que não dá para fazer na família só. Então, a escola vem como uma extensão que vai garantir uma base comum a todos os cidadãos. Nós temos previstas, pela legislação, questões educacionais. Nós temos um Ministério da Educação. Então, ele vai oferecer uma base comum a todos os cidadãos.
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Ouvimos os colegas todos nas suas colocações, que até começaram antes do nascimento, no período perinatal. Então, a educação vai se ocupar a partir do nascimento. E é preciso que realmente reforcemos as orientações, a formação de profissionais para o atendimento nos primeiros anos - eu diria, em termos de educação, sobretudo a partir dos 3 anos, quando a criança interage muito mais com o meio ambiente. Acho que tudo que nós ouvimos realmente reforça a conveniência, a necessidade e a hipótese principal de que atender as crianças nos primeiros anos de vida é colocar alicerce para uma boa educação e aumentar as chances de sucesso no ensino fundamental.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Agradeço a participação de todos os convidados.
Esta audiência se deu paralelamente à Semana da Primeira Infância, que anualmente acontece aqui no Congresso Nacional, e foi um esforço nosso, da nossa Comissão de Educação, da Comissão de Assuntos Sociais - que, no caso do Senado Federal, é a comissão que trata da saúde também - e da Comissão de Direitos Humanos. Foi uma iniciativa dessas três Comissões para que nós integrássemos à atividade formal do Senado esse debate que estamos fazendo paralelamente no nosso espaço territorial do Senado Federal.
É uma enorme satisfação ter tido a generosidade do Presidente desta Comissão, Senador Romário, para que eu pudesse conduzir os trabalhos. E foi uma enorme satisfação poder ter ouvido cada um dos senhores e senhoras que aqui se pronunciaram.
Vou passar a palavra ao Senador Medeiros.
Antes, porém, quero reafirmar que, nesta Comissão, esse debate tem formas de acompanhamento por toda a população que tem acesso aos canais e meios de comunicação do Senado, especialmente pelo portal e-Cidadania, para garantir a participação popular. Vou deixar no ar uma pergunta vinda através desse portal ao Dr. Luiz Antonio, da Srª Cintia G. Silva: "Dr. Luiz Antonio, há alimentos específicos que estimulam esses neurotransmissores mencionados em sua apresentação?" Fica a pergunta no ar para que o senhor responda depois.
E passo a palavra ao Senador José Medeiros.
O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - MT) - Srª Presidente, senhores convidados, todos que estão aqui nesta audiência, antes de começar a minha fala, eu queria parabenizar a Senadora Lídice da Mata, porque eu não sei se todos sabem que ela tem sido uma lutadora dessas causas. A Senadora Lídice da Mata é Presidente da CPI que investiga a morte de jovens e adolescentes, justamente o resultado de uma política de primeira infância inexistente ou malfeita. Quando eu cheguei aqui e vi que ela estava presidindo, eu pensei: a luta pela primeiríssima infância ganhou agora um reforço muito qualificado.
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Eu queria dizer também que ontem ela esteve na Presidência do Senado, porque, aqui na Casa - creio que muitos aqui já sabem, mas outros não -, nós estamos trabalhando uma legislação, que é o Marco Legal da Primeiríssima Infância. É um projeto que já passou pela Câmara e que está maduro, pois foi amplamente discutido. Agora, estamos fazendo um requerimento, que a Senadora Lídice da Mata acaba de assinar como Líder - estamos conversando com os Líderes -, para que esse projeto possa ir direto ao plenário, para que possamos aproveitar esta semana de discussão aqui e, quem sabe, aprovar esse projeto.
Esse projeto vai suprir um vácuo legislativo no País e ordenar, ser um marco legal para primeira infância. Há políticas esparsas no País inteiro, mas que não estão coordenadas. Não existe uma política para essa fase da vida. E, como disseram todos os técnicos que já passaram aqui, os doutores que nos trouxeram provas, está claro que investir nessa fase é primordial. Há, inclusive, um estudo, a que tive acesso há poucos dias, que diz que cada dólar o Estado investe na primeira infância significa sete dólares de economia na outra fase. Então, isso está claro, sem falar dos transtornos. A Senadora Lídice da Mata, junto com a comissão de investigação, tem se deparado com verdadeiras tragédias no País inteiro. Os nossos jovens e adolescentes estão morrendo. E, muitas vezes, o pano de fundo está na falta de políticas públicas no início.
Era esse o registro.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito bem. Obrigada, Senador José Medeiros, que contribui enormemente com esta Comissão e também com a CPI que investiga assassinatos de jovens no Brasil.
Vou passar a palavra ao Dr. Luiz Antonio para que ele não só responda à nossa internauta, como também faça as suas considerações finais.
O SR. LUIZ ANTONIO CORRÊA - Para a internauta: não, não existe nenhum alimento específico. Claro que existem estudos - até para autismo hoje - e pesquisas, mas nada cientificamente comprovado efetivamente. São estudos e pesquisas que, talvez, daqui a alguns anos, terão uma cientificidade. O grande segredo na alimentação é que, como a maioria dos alimentos se transforma em açúcar, juntamente com o oxigênio, isso potencializa a eletricidade cerebral e desencadeia na vesícula sináptica esses neurotransmissores. O importante é ela entender também que o fundamental é a qualidade da alimentação que se come e não a quantidade.
Finalizando, nas considerações finais, eu quero agradecer, mais uma vez, a todos os ouvintes e espero ter trazido algumas informações que tornem os Srs. Senadores conscientes da importância de uma política pública para a primeira infância, desde a vida intrauterina. Nós sabemos que, se uma criança tem um desenvolvimento tanto de boa alimentação como de afeto, isso vai provocar um desenvolvimento fantástico de equilíbrio emocional para a vida inteira. Primeira infância é questão sine qua non. Nós sabemos que nascemos com bilhões de neurônios e que cada neurônio tem a capacidade de fazer mais ou menos 10 mil sinapses. Num cérebro completamente equilibrado, a potencialização dele será de grande valia. Então, eu quero, mais uma vez, agradecer a todas as pessoas presentes aqui e aos ouvintes e voltar a mencionar a importância tanto do estímulo quanto do afeto e alimentação no desenvolvimento da criança.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Se não me engano, a Drª Françoise também quer fazer considerações finais.
A SRª FRANÇOISE MOLÉNAT (Tradução simultânea.) - Eu agradeço pelo convite. Foi uma manhã muito rica, com contribuições diferentes, mas todas vão no mesmo sentido.
Eu agradeço também terem possibilitado que esta manhã nos permitisse falar como fazer concretamente para reduzir o estresse perinatal. Nós sabemos que, quando uma mulher grávida, uma mãe pode se expressar, expressar sua ansiedade, sua angústia e é bem ouvida e bem reconhecida nas dificuldades que vive, o estresse vai diminuir seus efeitos. As pesquisas clínicas mostram isso. Há uma base científica nisso, mas também há um início de resposta que nós podemos ter, isto é, sairmos de nossa impotência. Nós lidamos com famílias que têm uma trajetória complicada, que cresceram em contextos vulneráveis e complicados. Então, nós sempre temos que lidar com a nossa impotência e nosso fatalismo, mas, diante disso, nós temos possibilidades que nos permitem pelo menos iniciar um caminho. Não sejamos utópicos, mas podermos fortalecer, favorecer, enriquecer esse ambiente no qual a criança nascerá.
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Muito obrigada pela oportunidade, muito obrigada pela atenção. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada, Drª Françoise, por sua contribuição nesta tarde.
Passo a palavra ao Sr. Gilles, que vai fazer suas considerações finais.
O SR. GILLES CAMBONIE (Tradução simultânea.) - Obrigado.
As minhas considerações finais dizem respeito à questão que foi colocada pelo Dr. Corrêa há pouco sobre alimentação. Há alimentos miraculosos? Eu acho que há um, que é o leite materno. Esse é o alimento miraculoso.
Eu vou citar um estudo que foi feito no Brasil, um grande e belíssimo estudo que foi publicado em abril de 2015 numa revista de prestígio, que é a revista The Lancet. Foi uma equipe brasileira que fez um trabalho dificílimo de ser executado: no que os adultos se tornam com 30 anos de idade entre aqueles que foram amamentados exclusivamente por um ano ou se essa amamentação durou um período menor, por menos de um mês, por exemplo. Então, vimos resultados consideráveis, importantíssimos. E as populações que se beneficiaram dessa amamentação prolongada por um ano são pessoas que estiveram mais tempo na escola, mais tempo na universidade, que aproveitaram melhor, cujo coeficiente intelectual - o QI não é tudo, mas é um critério - foi absolutamente superior, com também uma condição financeira, em média, de R$400 superior.
Eu não conheço remédios ou alimentos que melhoram a performance de um indivíduo, mas o leite materno, sim.
No que diz respeito à França, implantarmos uma política de amamentação é muito complicado em nosso país. Isso quer dizer que nós estamos protegendo as mulheres para que elas possam amamentar, há licenças-maternidades. Implantamos uma legislação, mas não basta criar uma lei, nós temos que aplicá-la. O Estado tem que ser capaz de aplicá-la.
Numa tese na Universidade de Montpellier, nós nos interessamos pelas mulheres médicas que amamentavam e observamos que, entre essas mulheres médicas que amamentavam, elas não estavam tão informadas assim sobre os benefícios da amamentação. Apenas 20% entre elas conseguiam atender às condições impostas pela OMS, isto é, amamentação exclusiva nos seis primeiros meses.
São implicações importantíssimas para o futuro, implicações para nós todos e para os senhores que são responsáveis por legislar, Senadores. A amamentação é um cuidado médico ótimo para a nossa primeira infância.
Parabéns ao Brasil pela sua política de amamentação. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Já agradeci aos que estão aqui na mesa, mas o faço mais uma vez e agradeço a todas e todos aqui presentes. É impressionante como a maioria é de mulheres. Eu não me surpreendo, porque já tenho algum tempo de trabalho e vida parlamentar e tenho lidado sempre com esta situação: naquilo que diz respeito à criança, as mulheres estão sempre mais presentes.
Quero, com isso, justificar também a realização do debate de hoje. Ele se dá justamente para que nós possamos passar para a população, que nos assiste através da TV Senado e dos órgãos de comunicação da Casa, através daqueles Senadores que participam deste debate, e para que nos informemos com os especialistas a respeito daquilo que é a nossa obrigação debater e discutir, as políticas públicas do Governo ou do País.
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Nesse sentido, fica muito claro, na minha opinião, que na política é essencial que nós nos voltemos para a população mais vulnerável e que o País possa ter esse centro de atuação. Nessa circunstância, fazer a conclusão, junto com o Unicef, que é um grande parceiro no caso da minha vida política em que atuo vinculando muito o meu mandato às causas da criança, do adolescente e da juventude, de que a compreensão que já tivemos há alguns anos de que tratar a criança é também, e principalmente e antes de tudo, tratar da família.
Quando falamos que há uma alimentação mágica ou uma alimentação indispensável para a saúde e desenvolvimento do cérebro ou para o desenvolvimento físico, emocional e mental das crianças, que é o leite materno, é preciso dizer que é necessário garantir a boa alimentação à mãe, alimentação saudável às mães dessas crianças. E, para isso, é preciso, portanto, haver políticas públicas que deem a possibilidade de esta mãe estar bem alimentada.
Quando tratamos da saúde na primeira infância e da saúde na formação emocional de zero aos três anos de idade, é preciso dizer, como política pública, que é indispensável uma política de creches, para que as crianças possam ser assistidas com a possibilidade de suas mães trabalharem. É preciso incluir um atendimento às famílias para que as avós que eventualmente já não trabalham e tiveram sua atividade no trabalho doméstico possam dar àquela família e àquela criança a atenção e assistência que as mães não podem dar pela sua inserção no mercado de trabalho. É preciso, portanto, buscar acompanhar a política de atendimento em creches, verificando em que situação ela se encontra no Brasil, garantindo que os Municípios possam não apenas receber as creches, mas receber recursos para sua manutenção permanente. Nós vivemos, no Brasil, hoje, uma dificuldade com a concentração de recursos das receitas no Governo Federal. Os Municípios estão com grandes dificuldades de manutenção das creches. Alguns Municípios e alguns prefeitos já dizem que não querem a creche, porque vão receber o local físico, mas não vão ter os recursos para manutenção dos profissionais, da equipe interdisciplinar, que possa garanti a manutenção dessas creches.
Trata-se da construção e do acompanhamento de toda uma política pública que se relaciona com a saúde e com a educação em nosso País. Portanto, ela nasce interdisciplinar e é indispensável para que possa haver, amanhã, os resultados da criança de seis a oito anos com condições de aprendizado para alfabetizar-se na idade certa, tendo daí por diante os outros desafios da educação pública em nosso País. Refiro-me à educação pública, porque é a educação que, em tese, nós consideramos que é aquela de maior vulnerabilidade e que está justamente voltada para atender a essa população de que tratamos aqui.
Nesse sentido, creio que a mesa redonda de hoje cumpriu o papel de trazer esses especialistas que vieram para a Semana da Primeira Infância no Congresso Nacional e que trouxeram ao Senado todo esse conjunto de informações que nos permitirão fazer isso que o Senador José Medeiros sugeriu há pouco em relação à urgência para votação do Marco da Primeira Infância.
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Essa proposta estava na Comissão da Agenda Brasil, que é uma comissão do Senado Federal composta recentemente para debater uma pauta de urgência do Brasil. Essa proposta estava nessa Comissão para ser analisada, mas, como nós consideramos que a urgência é tanta e que a Comissão ainda não tinha analisado essa pauta, ontem, eu fui, juntamente com uma Deputada Federal que compõe a Frente da Primeira Infância, até o Presidente da Casa para fazermos um acordo já que a pauta do Senado está trancada por uma medida provisória e por um projeto com regime de urgência - eu ainda não entendi essa urgência, mas ele foi enviado pelo Governo como urgente - que define o crime de terrorismo no Brasil. Nós precisamos remover essas duas matérias que impedem a votação de outras na Casa hoje, para que possamos aprovar, aí então, em regime de urgência, dada pelos Líderes da Casa, essa questão do Marco Legal da Primeira Infância. E esse debate aqui hoje, sem dúvida nenhuma, contribuiu muito para que pudéssemos caminhar para a unanimidade dos Líderes na concordância na aprovação dessa pauta no dia de hoje.
Mais uma vez, eu agradeço a presença aqui de tantas mulheres, que estamos acompanhamos o debate, como educadoras, psicólogas, pessoas envolvidas diretamente na existência das crianças brasileiras e na sua educação, com a preocupação com todas elas, esperando que, um dia, essa presença possa ser de 50% para que possam estar também os pais e os profissionais homens da saúde e educação, preocupados com essa questão e com todas as questões que dizem respeito à educação dos brasileiros e brasileiras. Agradeço a todos vocês.
Neste encerramento, tenho que cumprir as formalidades da Comissão. Por isso, comunico que, amanhã, quinta-feira, às 14h, será realizada a quarta audiência pública de um ciclo de quatro, portanto a última, destinada a debater as alternativas para o financiamento da educação básica no Brasil, com o subtema "A construção do Sistema Nacional de Educação articulado em regime de colaboração: como fazer", em atendimento aos Requerimentos nº 7 e 127, de 2015, da Comissão de Educação, de autoria da Senadora Fátima Bezerra, com a presença dos convidados já definidos nesses requerimentos.
Agradeço, de maneira especial, a participação do Senador José Medeiros e da Senadora Ângela Portela, que puderam contribuir também com a direção desta Mesa. E agradeço a todos os outros que estiveram aqui presentes, inclusive o Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, que é parte da audiência, o Senador Lobão.
Antes de encerrar, registro a presença da Profª Jaqueline Wendland, da Universidade de Paris, brasileira, gaúcha, há 25 anos professora naquele país; da Drª Laurista Corrêa e de Lisle Lucena, organizadoras do evento da 8ª Semana da Primeira Infância. Temos prazer em tê-las aqui entre nós. Acho que a Profª Jaqueline já esteve aqui em outra reunião em que eu também presidia discutindo a primeira infância há dois anos - a minha memória ainda está possível de lembrar.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 10 horas e 11 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 29 minutos.)