Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Declaro aberta a 39ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos. Comunico o recebimento do seguinte documento para conhecimento: Aviso nº 768-Seses-TCU-Plenário, de 15 de outubro de 2015, do Tribunal de Contas da União, encaminhando cópia do acórdão proferido pelo Plenário daquela Corte nos autos do processo nº TC 023.134/2015-1, na sessão de 14/10/2015, acompanhado do relatório e do voto que o fundamentam. O expediente será encaminhado aos membros da comissão por meio de ofício circular. Pauta. Assunto/finalidade: debater sobre medidas contra evasão fiscal, mais especificamente sobre o anúncio da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o pacote final do projeto Beps (Erosão Tributária e Transferência de Lucros). Requerimento de realização de audiência: Requerimento nº 47/2015, da Senadora Vanessa Grazziotin e outros. Convidados: Sr. Raffaele Russo, Coordenador do projeto Erosão Tributária e Transferência de Lucros (Beps) da OCDE; Sr. Paul Hondius, Analista de Política do Centro para Política Fiscal e Administração da OCDE. Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo, por meio do Portal e-Cidadania - no endereço www.senado.leg.br/ecidadania - ou ligando para o número 0800 612211. Os convidados já se encontram no plenário da comissão. Peço que tomem seus lugares à Mesa. Informo que a presente reunião será realizada com tradução simultânea. De acordo com o art. 94, §§2º e 3º, do RISF, a Presidência adotará as seguintes normas: cada convidado fará sua exposição por 15 minutos; em seguida, abriremos a fase de interpelação pelos Senadores e Senadoras inscritos; a palavra aos Senadores e Senadoras será concedida na ordem de inscrição; os interpelantes dispõem de três minutos - é lógico que eu não vou restringir a três minutos -, assegurado igual prazo para resposta dos interpelados. Vamos iniciar. Os aparelhos de tradução simultânea já... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Senador Benedito de Lira, acho que seria bom aguardarmos um pouquinho até que chegassem mais alguns Senadores. É uma palestra tão importante, são informações importantíssimas. Vamos aguardar um pouco. Vamos suspender o início, de acordo com o Regimento Interno do Senado Federal, por dez minutos. (Suspensa às 10 horas e 42 minutos, a reunião é reaberta às 10 horas e 52 minutos.) |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Informamos que esta audiência pública será transmitida ao vivo. Vários Senadores que se encontram já na Casa estão se dirigindo a esta Comissão. Inicialmente vamos dar a palavra ao Sr. Raffaele Russo, membro da equipe de gestão sênior do Centro para Política Fiscal e Administração da OCDE (Paris). Raffaele Russo atualmente coordena o trabalho sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (Beps), um ambicioso projeto que visa redesenhar as regras de tributação cruzada de lucros fronteiriços. Portanto, é um assunto extremamente importante, que está sendo discutido hoje em todos os países importantes do mundo. Passo a palavra ao Sr. Raffaele Russo. O SR. RAFFAELE RUSSO (Tradução simultânea.) - Bom dia a todos. Muito obrigado, Presidente Lira. Eu vou começar dizendo que é um prazer e uma honra estar aqui hoje à frente desta Comissão. |
| R | O que Paul e eu vamos falar é sobre os últimos desenvolvimentos da tributação internacional. Isso ocorre em um momento em que estamos em meio a uma revolução. Muitas coisas ocorreram nos últimos poucos anos que mudaram completamente a paisagem em termos de tributação internacional. Eu quero mencionar apenas algumas delas. O contexto é a chave para entender o que está acontecendo agora e o que ocorrerá nos próximos anos. Primeiro, a crise financeira, o colapso de vários bancos importantes, governos investindo dinheiro para salvar o sistema financeiro e, ao mesmo tempo, vários escândalos relacionados a pessoas ricas escondendo seus ativos no estrangeiro, grandes multinacionais podendo transferir lucros legalmente a ilhas, a jurisdições onde não acontecia nada do ponto de vista econômico, em um momento em que cidadãos estavam tendo que pagar mais impostos, em que os impostos de consumo estavam aumentando em alguns países. E foi aí, então, que o G20, do qual o Brasil é um membro, se responsabilizou e decidiu tratar dessas questões e prover uma abordagem muito forte de cima para baixo. Em 2009, o sigilo bancário para propósitos tributários deixou de existir. No passado, se uma pessoa pedisse um sigilo bancário em uma jurisdição, como a Suíça ou Luxemburgo, informações sobre as contas dos residentes, o banco diria: "Eu não posso dar essa informação; existe o sigilo bancário." Com a pressão do G20 e com o trabalho da OCDE, os países se comprometeram a trocar essas informações, mas esse foi apenas um ponto inicial da revolução. Então, passamos da troca da informação a pedidos para uma troca de informações automática. E aqui nós temos dois desenvolvimentos principais: a legislação aprovada nos Estados Unidos, que obrigava os bancos a prover informação sobre os correntistas; e uma nova convenção multilateral de assistência em questões fiscais, que proveria várias ferramentas para os governos usarem para detectar evasão fiscal no estrangeiro. Ao mesmo tempo, tornou-se claro que várias multinacionais conseguiram brincar com as regras e alocar grandes quantidades de rendas nas Ilhas Cayman, Bermudas, de maneira legal, mas de modo que não faz sentido da perspectiva econômica. E essa é a gênese desses dois grandes projetos: um é o projeto Beps; o outro é o projeto de troca de informações automática. Eu vou falar do projeto Beps, e o Paul vai falar sobre a troca automática de informações. Há vários motivos pelos quais as regras para tributação de atividades interfronteiras, seja na lei nacional ou em tratados bilaterais, têm que ser atualizadas, principalmente devido à digitalização da economia e ao fato de que hoje as pessoas estão continuamente interconectadas. Na época em que as regulações tributárias internacionais foram criadas, isso não era possível. E vários países também exigiram isso, pessoas protestaram nas ruas. Por que elas acham que o sistema não é justo? Porque grandes empresas conseguem escapar de pagar impostos, e os indivíduos, a pessoa pequena, tem cada vez mais impostos a pagar. Em terceiro lugar, porque as regras internacionais tributárias são baseadas em um conceito internacional que estava cada vez mais em perigo. |
| R | Então, há pessoas muito técnicas trabalhando na questão tributária, mas não é mais só uma questão técnica. É uma questão política em muitos países. Eu fiz um tour nesses países: semana passada, eu estava na China; duas semanas atrás, na Índia. Eu vi vários parlamentos em vários países, e essa é a sensação. O sentimento é de que é preciso um sistema justo e que seja visto como tal. O que nós fizemos em dois anos? Incluímos todos os países da OCDE e do G20 em ponto de igualdade. É a primeira vez na história que isto ocorre: países como Brasil, China, Índia, África do Sul e Indonésia vêm à mesa e têm poder de veto, como todos os outros países, na formulação de políticas tributárias internacionais. Nós consultamos países em desenvolvimento para levar em conta as suas diferenças em termos de capacidade de administração tributária. E estamos fazendo isso de maneira muito transparente, tudo vai estar on-line. Então, nós podemos seguir as consultas com as empresas, com lobistas, com assessores e com a sociedade civil. E isso está funcionando bem, porque, em dois anos, nós fizemos algo que não havia sido feito nos cem anos anteriores. Esse pacote de medidas foi entregue na reunião de ministros de finanças em outubro, foi muito bem recebido e vai ser entregue aos chefes de Estado em reunião em Ontário, em 14 e 15 de novembro, e lá esperamos que todos os governos endossem esses pacotes. O pacote é muito técnico. Há várias regras que foram modificadas, revisadas, esclarecidas, mas há um documento que, se vocês se interessam por esse assunto, eu sugiro que vocês leiam. É uma declaração explicativa que tem oito páginas, e todos os países concordaram com relação a este documento, aprovaram o documento. E explica o que o governo, no nível mais alto, espera desse projeto, desde as mudanças de regras nos tratados tributários bilaterais, mudanças de regras nos preços de transferências, mudanças de regras nas práticas tributárias nocivas. Não queremos que os países compitam para atrair artificialmente receitas que pertençam a outros países. Na Europa isso é uma questão muito importante. Há vários regimes preferenciais que estavam dando benefícios sem exigir nenhuma atividade realizada, nada. E isso mudou. Agora, há um acordo de que os países são livres para prover regimes preferenciais, mas esses têm que estar ligados a uma atividade econômica significativa no local, e não lucros artificiais criados por advogados tributários nas Bermudas ou nas Ilhas Cayman. Eu sei o que estou falando, porque eu já fui advogado tributário. E depois falamos das medidas nacionais. É aqui que vocês entram. Em relação aos híbridos, são instrumentos financeiros complexos que fazem a renda basicamente desparecer para propostas fiscais, porque usam as regras de sistemas fiscais diferentes. Regras sobre empresas controladas no exterior. Então, eu tenho uma empresa nas Bahamas, mas eu não tenho... Eu ponho, aliás, toda minha renda naquele país. E acho que também vamos falar hoje do Congresso brasileiro, de regras que obrigam o contribuinte, promotores, a discutir logo de início se estão usando certos esquemas agressivos. Finalmente, relatórios sobre o que vai acontecer também nos próximos 20 anos. Nós não queremos nos encontrar em uma situação para a qual estamos agora despreparados, com um sistema fiscal que não reflete a realidade econômica. Estamos na era da robótica, era digital, da internet. E como isso vai afetar os sistemas tributários pelo mundo? E uma convenção BEPS multilateral para implementar em um tratado, com uma ratificação, todas as mudanças dos tratados bilaterais. |
| R | Finalmente, do que estamos falando em termos de números? Os dados não existem, e há uma grande dificuldade em entender de quanto estamos falando. Só podemos fazer estimativas com base no que temos disponível, em um nível muito conservador. Estamos falando de US$100 bilhões a US$240 bilhões de impostos das empresas que são perdidos. Desde o início do projeto, US$0,5 milhão foi perdido. E nosso projeto, finalmente, de implementação. O Congresso, os Parlamentos do mundo são importantíssimos para isso. A implementação é o grande desafio a nossa frente. Algumas medidas talvez já sejam aplicáveis; outras serão incluídas na Convenção BEPS Multilateral. Há 93 países agora negociando esse tratado multilateral - com o Brasil dentro desse grande grupo de países. A expectativa é de que, no ano que vem, isso esteja refletido em vários projetos de lei que terão que passar pelos Congressos Nacionais e obter as suas modificações, as suas opiniões, para refletir o marco legal de cada país. Então, depois que isso for feito, os lucros serão tributados onde a atividade econômica é realizada, e não em algum lugar onde foi decidido colocar esses lucros artificialmente. Nós acreditamos nisso, acreditamos que isso será uma grande mudança. Estou feliz em responder qualquer pergunta que vocês tenham relacionada a isso. Muito obrigado; e muito obrigado, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Vamos, em seguida, passar a palavra ao Sr. Paul Hondius, Analista de Política do Centro da OCDE para Política Fiscal e Administração, com sede em Paris, onde está cuidando do trabalho de cooperação internacional em matéria fiscal, em particular do relatório padrão para troca de informações bancárias e do intercâmbio automático de informações e medidas fiscais no âmbito da ação 13 do BEPS. Além disso, é encarregado dos trabalhos da OCDE sobre os programas voluntários de regularização de ativos e participa dos trabalhos sobre impostos e crimes. Com a palavra, o Sr. Paul Hondius. O SR. PAUL HONDIUS (Tradução simultânea.) - Muito obrigado, Sr. Presidente Lira. Obrigado pelo convite para esta audiência. Nos próximos 5 a 10 minutos eu quero dar uma visão geral do trabalho que temos feito na área de troca de informações e troca involuntária de informações. Como o Raffaele disse, esse trabalho cresceu muito desde 2008, 2009. A maior consequência da crise financeira é que a era do sigilo bancário terminou. E a transparência fiscal é muito importante nas pautas desde então. O primeiro ponto tem a ver com a troca automática de informações, de que eu vou falar brevemente para vocês. Um marco nisso foi a FATCA nos Estados Unidos, que determina que instituições financeiras estrangeiras têm que relatar as contas de contribuintes americanos no exterior. Isso foi muito importante em automatizar a troca automática de informações pelo mundo. A OCDE, no ano passado, juntamente com os países do G20, incluindo - é claro - o Brasil, desenvolveu um padrão global para troca automática de informações de contas financeiras. |
| R | O que o padrão faz? Assegura que as instituições financeiras do mundo inteiro coletem informações de identificação sobre os correntistas não residentes e também os valores nessas contas e transfiram essa informação anualmente para suas autoridades fiscais no exterior. Então, essas autoridades enviam isso para os países de residência daqueles correntistas não residentes. Então, o que acontece em termos práticos? Eu vou dar um exemplo: um contribuinte brasileiro tem uma conta na Alemanha, e a sua conta alemã todo ano manda essa informação para as autoridades tributárias no Brasil. E o segundo item no eslaide diz que a administração tributária brasileira obviamente vai saber quais são as contas no exterior daquele contribuinte. Um papel importante é, claro, o dos intermediários financeiros, os bancos, as seguradoras, que então vão coletar essa informação e relatar anualmente. Por que nós chamamos um padrão de relatório? Porque é um padrão global, é um conjunto único de regras adotadas pelo mundo. E também assegura que, dessa maneira, haja uma harmonização e uma fácil implementação, especialmente, pelas instituições financeiras. Como acordo político alcançado em 2014, agora a concentração está passando para a implementação na legislação nacional, os aspectos técnicos, garantindo que a informação seja transmitida de uma maneira automatizada, com tecnologia da informação. Estamos trabalhando muito nisso no momento. A questão sobre quem se comprometeu a implantar esse padrão comum de relatório para garantir a troca de informações automática. Agora estamos em 95 jurisdições, que estão aqui no mapa-múndi, como vocês podem ver. Há diferentes cronogramas. Há um primeiro grupo de países que vai implementar até 2017; em relação à informação de contas, para 2016; e há um segundo grupo de países, do qual o Brasil faz parte, que, primeiro, vai trocar informações em 2018 em relação ao ano fiscal de 2017. Aqui há um pequeno esquema sobre o que está acontecendo. Vocês podem ver que, basicamente, esse gráfico mostra o ponto de partida da FATCA, o que já existe nos Estados Unidos com base nos acordos intergovernamentais do FATCA, os casos dos bancos brasileiros e suíços, aqui, coletam informações e trocam com os Estados Unidos sobre FATCA. E e o que estamos fazendo aqui, no nível de OCDE e G20, é criar uma ligação entre a Suíça e o Brasil, tirando dessa relação apenas com os Estados Unidos, mas fazendo disso uma coisa multilateral, em nível global. Agora, a implementação. Eu acho que há três maneiras de implementar o padrão comum de relatório. Claro que existem instrumentos bilaterais tradicionais, acordos de troca de informação fiscal, também convenções de dupla tributação, no art. 26 nós temos a troca de informação, mas a maneira preferencial de que estamos falando é um programa global, multilateral. Acreditamos que a preferência, então, é por uma convenção multilateral, em que cada país imediatamente pode ter uma relação de troca de informações com todos os outros 87 países que assinaram a convenção. Isso evita muito trabalho bilateral. Imaginem que nós temos cerca de 100 jurisdições no momento e, se todos fizessem acordos bilaterais, seriam mais ou menos 10.000 acordos. Um pouco menos, mas seria um grande trabalho, que não seria alcançado até 2017 e 2018. E, por essa razão, o modo que preferimos é uma convenção multilateral. O art. 6 permite que as autoridades competentes, que são as autoridades fiscais dos países, possam acordar as especificidades do câmbio automático. |
| R | Isso foi assinado pela primeira vez em Berlim no ano passado. Agora temos 61 signatários. Isso é a base técnica, que especifica as regras para a troca automática de informações, baseada nessa convenção multilateral. O Brasil é signatário da convenção, mas ainda não é uma parte, porque ainda falta ratificação. E, como vocês podem ver, baseado nos comentários que eu fiz nos últimos minutos, é crucial para esse programa que essa convenção multilateral seja ratificada, porque vai facilitar, englobar e conseguir pegar informação de todos os países relacionados, de uma forma rápida e eficiente. Muito rapidamente - eu vou terminar minha apresentação aqui -, eu gostaria de montar uma conexão entre o passado e o futuro. O passado sendo o segredo bancário; depois, o pedido de troca de informação. Agora, indo para o automático em 2017. É claro que, com a troca de informação se tornando automática, a chance de que contribuintes possam esconder fundos no exterior vai ficar cada vez mais difícil. Vai ser automático, não vai ter distinção por valor, risco ou associado com a conta. Todas as informações podem ser trocadas. Por isso, eu acho que essa é a oportunidade correta, é a última chance para os contribuintes voluntariamente declararem seus bens no exterior, porque, depois de 2017, é bem provável que eles sejam pegos. Por isso, apoiamos muito a revelação voluntária desses fundos. Há muitos desses programas voluntários. A OCDE tem esses programas publicados no nosso site - esses programas de praticamente 50 países e como esses programas podem aparecer. E, como vocês podem ver aqui, o programa mais típico demanda o pagamento de impostos, de multas, penalidades monetárias e também o processo criminoso. E, às vezes, o contribuinte está olhando isto: eles querem abrir o jogo sem que sofram penalidades criminosas. Então, estamos em uma fase crucial para essa revelação voluntária. Estamos tentando seguir os números, saber quantos programas desses existem. Nossa estimativa, dos dados que temos de um grande número de países ao longo do mundo, é que, nos últimos cinco anos, US$40 bilhões foram coletados por esses programas voluntários. Então, há uma mudança. O mundo está mudando em termos de transparência fiscal. E vai ser um ano interessante quando isso tudo for implementado. Muito obrigado, Sr. Presidente, por essa oportunidade. Concluo aqui meus comentários. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Quero informar, mais uma vez, a todos os telespectadores da TV Senado, que estão nos assistindo no Brasil, aos ouvintes da Rádio Senado, que estamos aqui com duas das autoridades mais importantes do mundo em relação a este assunto - transações internacionais e desvios de divisas. Portanto, é uma oportunidade única para o Senado Federal e para aqueles que estão nos vendo e nos ouvindo. Aproveito aqui a oportunidade para indagar do Sr. Raffaele Russo quais são os artifícios mais usados pelas empresas transnacionais no seu objetivo de desviar recursos sem pagar os impostos às respectivas nações. O SR. RAFFAELE RUSSO (Tradução simultânea.) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Antes de lançar o projeto BEPS, fizemos um diagnóstico que responde a pergunta do Presidente. E o diagnóstico concluiu que é uma combinação de diferentes esquemas, não é só um; é a combinação de diferentes partes que faz possível que lucros vão para outros países. |
| R | Quais são as diferentes peças? A falta de coordenação entre agências de governo. Quando você passa uma legislação, você não olha o que acontece nos outros países. E o mundo em que vivemos, um mundo global e interconectado, permite possibilidades para usar essas assimetrias nos sistemas. Dois: tratados bilaterais de impostos estão lá para evitar taxação dupla. Isso é importante. É claro que promove investimento e crescimento, mas esses tratados de taxação dupla têm sido usados para não pagar impostos. Eu crio uma empresa em um país que tem uma rede de tratados favorável e eu faço todos os investimentos para aquela empresa. Três: transferências de preço, como determinar que diferentes empresas do mesmo grupo fazem transações entre elas, e que isso é feito de uma forma formalística. Eu tenho um contrato que diz que o meu risco de moeda é levado para um grupo, parte do grupo, que está nas ilhas Bermudas. Então, todos os lucros relacionados ao risco monetário vão para as Bermudas. É o fato de que alguns países têm esses esquemas privilegiados para artificialmente atrair lucros que foram gerados em outros países. Esses são os blocos de construção de todas as estruturas que levam à erosão tributária e à transferência de lucros. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Como V. Sª falou a respeito de acordos internacionais, eu gostaria de ouvir a sua opinião em relação a esse acordão que houve agora entre 12 nações, o chamado Transpacífico, liderado pelos Estados Unidos e pelo Japão, e que do continente latino-americano também estão participando algumas nações, a exemplo do México e do Chile. Gostaria de ouvir a opinião de V. Sª a respeito desse assunto. O SR. RAFFAELE RUSSO (Tradução simultânea.) - Obrigado. Pelo que eu entendo - eu sou especialista em impostos, e não em investimentos -, esses tratados são para promover investimentos; não são convenções de impostos ou fiscais. Então, estamos focados nas convenções tributárias ou fiscais. Por isso, eu tenho medo de sair da minha área de conhecimento ao responder isso, e não acho que é isso que esta Comissão merece. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Passo a palavra ao Sr. Paul Hondius para suas considerações finais. O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Eu gostaria de fazer umas indagações, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Senador Antonio Carlos Valadares, com muito prazer. V. Exª tem a palavra. O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - De início, eu gostaria de parabenizar a iniciativa desta Comissão ao requerer uma audiência pública para tratar de assunto tão importante para a economia dos países, notadamente para o Brasil, que é um país em desenvolvimento, que sofre as consequências dessa erosão tributária e transferência de lucros. No momento específico em que o nosso País vive, devemos encontrar meios de garantir a permanência de receitas nas nossas fronteiras. Isso é primordial. Parece-me não haver dúvida quanto à necessidade de procedermos aos ajustes necessários na legislação brasileira de modo a proteger os interesses nacionais. Daí a importância desta audiência pública, em que podemos colher informações, dados, para fortalecer a nossa legislação e proteger o Brasil de perdas irreparáveis. |
| R | Em documento da OCDE denominado Mitos e Fatos sobre o BEPS, aponta-se que as perdas anuais dos governos com manobras fiscais de grandes empresas são de pelo menos 250 bilhões - por ano! A OCDE tem estimativas relacionadas à distribuição dessas perdas entre os países? É a primeira pergunta que faço. Elas se concentram nas grandes economias ou alcançam proporcionalmente todos os países, inclusive os países em desenvolvimento? Outra pergunta: como o Governo brasileiro tem se posicionado em relação ao plano de ação do BEPS? Que ações concretas já foram realizadas e que compromissos o Poder Executivo tem assumido em termos de prazos de implementação das ações? O BEPS no Brasil é projeto de erosão tributária e transferência de lucros. Internamente o Brasil vem lidando com problemas relacionados à chamada guerra fiscal, em que Estados oferecem vantagens de natureza tributária para atrair investimentos. Essa disputa ainda não foi definitivamente resolvida em nosso País, apesar das tentativas mais diversas no âmbito do Poder Legislativo. Essa corrida atrás de investimentos, guardadas as devidas proporções, também existe no âmbito internacional. Como o Plano de Ação do BEPS trata essa questão? Por fim, considerando o esforço e o investimento feitos pelas empresas em planejamento tributário, justamente para encontrar meios de ampliarem seus lucros e sua liberdade de atuação quanto aos mesmos, considerando o fato de que o empresário sempre encontrará um meio de resolver suas questões, inclusive mudando de países, quando for o caso, e considerando ainda que o Brasil não dispõe de um marco regulatório suficientemente claro e objetivo, que os nossos custos trabalhistas são altíssimos e que a nossa carga tributária beira o absurdo, eu pergunto, então: qual a opinião dos senhores - qualquer um dos convidados pode se habilitar, ou todos -, que detém ampla experiência no assunto, sobre possíveis efeitos colaterais de tais medidas? Se isso redundaria, por exemplo, em fuga de multinacionais do Brasil ou de outros países periféricos, que necessitam atrair investimentos para impulsionar o seu desenvolvimento. Então, a pergunta é se essa ação do BEPS pode promover a fuga de capitais ou de multinacionais do Brasil e de outros países em desenvolvimento. Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, e a todos os convidados. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Com a palavra, o Sr. Raffaele Russo para responder. O SR. RAFFAELE RUSSO (Tradução simultânea.) - Obrigada, Senador Valadares. Eu vou responder em inglês as suas quatro ou cinco perguntas. Infelizmente, com os dados que temos hoje em dia, não é possível quebrar esses 240 bilhões por país. Por quê? Porque não temos os dados suficientes. O que temos são as contas consolidadas das multinacionais, e esse é o motivo por que uma das medidas que já estão sendo implementadas em diferentes países - Espanha, Reino Unido, Holanda, Luxemburgo, Itália, Estados Unidos - é o relatório país por país. É um relatório, que vai ser dado à administração fiscal, que vai dizer qual multinacional, em quais países ela opera, quantos empregados ela tem, quais os seus bens, qual a renda que ela tem lá e que impostos ela paga. |
| R | Dois. O Projeto BEPS foi feito por representantes da OCDE, do G20 e do Executivo da maioria desses países. Agora, estamos na próxima fase, que é a implementação, que, dependendo do sistema legal e constitucional dos países, requer a sua aprovação. Eu gostaria de sublinhar isto: algo que é parecido com o BEPS, que é a Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais, o Governo assinou em 2011, já é 2015 e ainda não foi ratificado. Terceiro. Nós trabalhamos nestes projetos com as multinacionais, com os conselheiros, com a sociedade civil e com as ONGs. Nós queremos evitar danos colaterais, e os conselhos que o setor de negócio nos deu foram muito construtivos e nos garantiram que as medidas fossem precisas e que não causassem dano colateral. Essa guerra fiscal que você mencionou é algo que todos os países concordam que deve acabar. Ao mesmo tempo, países competem por investimento. Mas uma coisa é competir em termos de eficiência e coisas, vamos dizer, honestas ou em termos de burocracia, o tempo que demora para declarar impostos, o tempo que demora para contratar alguém e aprovar um projeto, e, como multinacional, eu decido onde eu vou investir. Essa é uma competição que nunca vai acabar. O que esse projeto vai impedir é a competição desleal. Venha para mim, mas se você só colocar lucro no meu país, eu não vou taxar. Isso não é o correto. E uma coisa que eu gostaria de sublinhar é que a esse projeto a maioria ou quase todos os setores dos negócios dão apoio. Não é a OCDE, nem o Raffaele Russo. Isso é uma pesquisa de uma das maiores empresas de contabilidade: 80% dos presidentes de empresa acham que têm que mudar as regras. Eles querem um sistema tributário que seja sustentável e que promova crescimento e investimento. E é o que tentamos fazer. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - V. Exª ficou satisfeito com as respostas? O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) - Satisfeito. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Eu falei aqui com o Sr. Raffaele Russo a respeito do Acordo Transpacífico. Na realidade, esses acordos tratam mais de tarifas do que de impostos. Como há uma certa analogia entre tarifas e impostos, eu fiz a indagação a V. Sª. Também eu não queria uma resposta sob o ponto de vista político, mas sob o ponto de vista de arrecadação e evasão de divisas. Passo agora a palavra ao Sr. Paul Hondius para suas considerações finais. O SR. PAUL HONDIUS (Tradução simultânea.) - Obrigado, Sr. Presidente. Eu acho que já ouvimos que está acontecendo muita coisa na área corporativa, nos ajustes feitos para o sistema de tributação corporativa, e há muito ocorrendo também no espaço da tributação individual. Como eu expliquei na minha apresentação sobre a troca automática de informações, acho que uma questão importante para se considerar é que a troca automática de informações não se limita a indivíduos. Há também um grande passo em transparência ocorrendo devido à troca automática de informações para corporações, porque também contas de pessoas jurídicas brasileiras no exterior serão relatadas. |
| R | Então, acredito que a iniciativa de troca automática de informações também vai equipar administrações fiscais por todo o mundo com informações muito mais detalhadas sobre as transações financeiras das suas corporações no exterior, suas contas no exterior. Também, em relação à ligação que nós estabelecemos com a FACTA, que requer que as instituições financeiras olhem não apenas a estrutura legal presente, mas o que é mais importante para entidades financeiras é verem os donos beneficiários dessa estrutura. Isso está aliado com as recomendações de 2012 para identificar se você quer ter uma pessoa real atrás de uma estrutura. E acho que as administrações tributárias, com seus esforços de fazer valer sua regulamentação, estão muito interessadas em garantir. Eu acho que há um grande potencial de cooperação. E, como o Raffaele já disse, um dos passos cruciais é trazer a ratificação da convenção multilateral o mais breve possível em termos legais tanto internacionalmente como em cada país. Obrigado, Sr. Presidente. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Passo a palavra ao Sr. Raffaele Russo para suas considerações finais. O SR. RAFFAELE RUSSO (Tradução simultânea.) - Eu queria agradecer-lhe, Sr. Presidente, e agradecer aos Senadores pela atenção durante esta audiência. Na OCDE estamos à disposição para qualquer esclarecimento que necessitem em relação aos detalhes técnicos da medida. Eu lhe desejo boa sorte com o seu trabalho. Espero que também esteja ligado à implementação do BEPS e à ratificação da Convenção Multilateral. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Raimundo Lira. PMDB - PB) - Quero informar os senhores presentes aqui da presença do Prof. Heleno Torres, Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que está aqui acompanhando os nossos convidados. Mais uma vez, quero ressaltar a importância da presença dessas importantes autoridades aqui, no Senado Federal, para debater um assunto que hoje é debatido internacionalmente e que, sem dúvidas, é um processo de complementação, modernização e avanço daquilo que nós chamamos de economia global. A tendência, ano a ano, é que o mundo fique cada vez mais integrado e, portanto, essa questão fiscal é de extrema importância para todos os países. Encerrando esta reunião, quero agradecer a presença do Sr. Raffaele Russo, Coordenador do Projeto BEPS da OCDE, e do Sr. Paul Hondius, analista de política do Centro para Política Fiscal e Administração da OCDE. Declaro, portanto, com os melhores agradecimentos às autoridades presentes, encerrada a presente reunião. (Iniciada às 10 horas e 38 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 37 minutos.) |
